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  Amazônia revelada ARIOVA LDO U. DE OLIVEIRA BERNADETE CASTRO OLIVEIRA PHILIP M. FEARNSIDE JOAQUIM ARAGÃO ROMULO ORRICO JAN ROCHA WILSEA FIGUE IREDO ARNALDO CARNEIRO FILHO JOSÉ ARBEX JR. MAURÍCIO TORRES (ORG.) prefácio  CARLOS ALBERTO PITT ALUGA NIEDE RAUER apresentação  ALEXANDRE GAVRIL OFF (COORD. DE PESQUISA) Os descaminhos ao longo da BR  -163

Amazonia revelada: os descaminhos ao longo da BR-163

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O que é uma rodovia? Quais são seus benefícios? Existem prejuízos? Quais são as implicações para a sociedade? Em uma visão simplória, uma rodovia é apenas uma obra de engenharia. É uma via destinada ao tráfego de veículos autônomos que se deslocam sobre rodas, ensina o Dicionário Aurélio. Só isso? Não. Uma rodovia é muito mais do que uma obra de engenharia por onde transitam veículos. Por uma rodovia transitam pessoas, seres humanos que interagem com outras pessoas e lugares. A vida pulsa ao redor de uma estrada. Do ponto de vista de engenharia, a construção de uma rodovia utiliza técnicas e processos de domínio público, sem grandes novidades. Contudo, na atualidade, a construção de uma rodovia é mais complexa e vai além da obra de engenharia.Vista por outro ângulo, uma rodovia é uma intervenção do homem no meio ambiente.E, quando uma rodovia cruza a floresta Amazônica, a intervenção ganha contornos mais complexos e delicados. Esse é o caso da estratégica BR-163, rodovia que liga Cuiabá a Santarém. Inaugurada em 1973, no ufanismo desenvolvimentista, ela está hoje, em sua maior parte, em péssimo estado de conservação. Percorrer seus quase 2.000 km é, em vários trechos, uma grande aventura, principalmente na estação das chuvas.

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ARIOVALDO U. DE OLIVEIRA BERNADETE CASTRO OLIVEIRA PHILIP M. FEARNSIDE JOAQUIM ARAGO ROMULO ORRICO JAN ROCHA WILSEA FIGUEIREDO ARNALDO CARNEIRO FILHO JOS ARBEX JR. MAURCIO TORRES (ORG .)

Amaznia reveladaOs descaminhos ao longo da BR-163

prefcio CARLOS ALBERTO PITTALUGA NIEDERAUER apresentao ALEXANDRE GAVRILOFF (COORD. DE PESQUISA)

Amaznia revelada

CNPq, 2005COORDENADOR DA PESQUISA PROJETO GRFICO REVISO

Alexandre Gavriloff

Flvia Castanheira Ariovaldo Umbelino de Oliveira Tatiana dos Santos Lana Nowikow Clarice Alvon e Maria Luiza Camargo

Mauro Feliciano e Llian do Amaral Vieira

REVISO TCNICA

ASSISTENTE DE PRODUO PRODUO EDITORIAL

PREPARAO DE ORIGINAIS EDIO DE TEXTOS

Srgio de Souza Editora Casa Amarela Maurcio Torres O mapa foi feito por Dona Sandra, agente de

SERVIOS EDITORIAIS

FOTO DA CAPA E SOBRECAPA IMAGEM DAS GUARDAS

sade de Novo Progresso, e registra as famlias s quais presta atendimento nas proximidades do km 1.040 da BR-163. Outubro de 2004.

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Amaznia revelada: os descaminhos ao longo da BR-163 Organizador: Maurcio Torres. Braslia: CNPq, 2005. Bibliografia. 496 p., fotografias. 1. Amaznia - Condies econmicas 2. Amaznia - Condies sociais 3. BR-163 (Rodovia) 4. Poltica ambiental - Amaznia 5. Posse da terra - Amaznia 6. Povos indgenas - Amaznia 7. Transportes - Amaznia I. Maurcio Torres. isbn 858682163-2 05-3591

CDD

388.109811

ndices para catlogo sistemtico: 1. Amaznia : Rodovia BR-163 : Impactos : Poltica de transportes 388.109811 2. BR-163 : Rodovia : Impactos : Amaznia : Poltica de transportes 388.109811

ARIOVALDO U. DE OLIVEIRA BERNADETE CASTRO OLIVEIRA PHILIP M. FEARNSIDE JOAQUIM ARAGO ROMULO ORRICO JAN ROCHA WILSEA FIGUEIREDO ARNALDO CARNEIRO FILHO JOS ARBEX JR. MAURCIO TORRES (ORG .)

Amaznia reveladaOs descaminhos ao longo da BR-163

prefcio CARLOS ALBERTO PITTALUGA NIEDERAUER apresentao ALEXANDRE GAVRILOFF (COORD. DE PESQUISA)

A Dorothy Stang

fcil fazer uma estrada, mesmo na selva, como foi o caso da Cuiab-Santarm. Isso no nenhuma epopia. Epopia mesmo fazer com que o poder pblico interiorize os seus mecanismos de assistncia e promoo humana, de valorizao do homem [...]. Isso quase impossvel...Cel. Jos Meirelles, comandante do 9 Batalho de Engenharia e Construo do Exrcito na construo da BR-163.

Prefcio

O que uma rodovia? Quais so seus benefcios? Existem prejuzos? Quais so as implicaes para a sociedade? Em uma viso simplria, uma rodovia apenas uma obra de engenharia. uma via destinada ao trfego de veculos autnomos que se deslocam sobre rodas, ensina o Dicionrio Aurlio. S isso? No. Uma rodovia muito mais do que uma obra de engenharia por onde transitam veculos. Por uma rodovia transitam pessoas, seres humanos que interagem com outras pessoas e lugares. A vida pulsa ao redor de uma estrada. Do ponto de vista de engenharia, a construo de uma rodovia utiliza tcnicas e processos de domnio pblico, sem grandes novidades. Contudo, na atualidade, a construo de uma rodovia mais complexa e vai alm da obra de engenharia. Vista por outro ngulo, uma rodovia uma interveno do homem no meio ambiente. E, quando uma rodovia cruza a floresta Amaznica, a interveno ganha contornos mais complexos e delicados. Esse o caso da estratgica BR-163, rodovia que liga Cuiab a Santarm. Inaugurada em 1973, no ufanismo desenvolvimentista, ela est hoje, em sua maior parte, em pssimo estado de conservao. Percorrer seus quase 2.000 km , em vrios trechos, uma grande aventura, principalmente na estao das chuvas. H agora um plano para pavimentar a rodovia, obra h muito reclamada tanto pelos setores empresariais e produtivos quanto pelas populaes que habitam sua rea de influncia. Estamos falando de uma rea que abrange cerca de 1.231,8 milho de km2 e 71 municpios. Estima-se que sua pavimentao implique investimentos superiores a 1 bilho de reais. Ciente do carter estratgico da rodovia, e dos problemas da regio, o Governo Federal criou no incio de 2004 um grupo de trabalho interministerial especificamente para

tratar do assunto. Esse grupo tem a misso de gerar um plano de desenvolvimento sustentvel para a rea de influncia da rodovia. uma clara demonstrao de que a BR-163 no uma simples rodovia. Ao contrrio, trata-se de quebra de paradigma em termos de construo de estradas. H a firme convico de que a pavimentao da BR-163 deve estar associada conservao dos recursos naturais e incluso social da populao residente. Essa viso, inovadora e holstica, suplanta a viso de mercado, na qual a pavimentao a forma de escoar, com maior agilidade e reduo de custo, a produo agrcola de Mato Grosso destinada exportao. Nesse sentido, esta publicao uma contribuio valiosa, no somente para o projeto de pavimentao da rodovia, mas para a sociedade em geral. Em suas pginas, o leitor encontrar registros ricamente ilustrados realizados por uma equipe de profissionais abnegados que, ao percorrer a BR-163, revelaram as vrias faces da estrada. Do agronegcio de alta tecnologia das plantaes de soja de Mato Grosso aos conflitos pela posse de terra na poro paraense da rodovia, a equipe transitou do sculo 21 ao sculo 16. Trata-se de trabalho de alto nvel que mostra a intrincada e delicada complexidade social, econmica e ambiental da regio. So trazidas a pblico questes candentes como grilagem de terras, loteamentos irregulares, desmatamento desordenado e ilegal, trabalho escravo e invaso de terras indgenas. O trabalho tem a felicidade de reunir em um nico documento dados e informaes que, em geral, recebemos pela mdia de forma fragmentada e, no raramente, distorcidas. Ora so notcias de trabalho escravo, por vezes reportagens sobre caminhoneiros ilhados em atoleiros, ou de explorao ilegal de recursos naturais, como a biopirataria. Mas difcil ao cidado comum formar uma opinio completa sobre a temtica. isso que o livro permite. So comentrios e depoimentos que mostram a problemtica daBR-163

em toda a sua plenitude.

A obra se completa com artigos e ensaios de especialistas no assunto. A partir dos registros da equipe que percorreu a 163, profissionais e pesquisadores das mais variadas formaes e convices apresentam suas opinies, revelando seus pontos de vista e provando que a pavimentao ser, sob qualquer ngulo, uma empreitada de grande envergadura, na qual a obra de engenharia apenas mais um componente. contada a histria de colonizao e ocupao da Amaznia e o caldo cultural que se formou ao longo de dcadas de ocupao. So identificados os vrios grupos de interesse

existentes e como sua interveno social e econmica moldou a geopoltica regional. Especula-se sobre os desdobramentos da presena/ausncia do Estado ao longo dos anos. Sugere-se que a rodovia seja uma articuladora do desenvolvimento sustentvel. Enfim, o trabalho apresenta uma viso inovadora sobre gesto regional e populacional. Cada autor prope, dentro de sua rea de conhecimento, solues e recomendaes que merecem ser consideradas por aqueles que iro levar avante a empreitada de pavimentao da rodovia. Por tudo isso, j um referencial obrigatrio para futuros estudos e pesquisas. O leitor chegar concluso de que possvel conciliar crescimento econmico com justia social, promovendo o uso sustentvel dos recursos naturais sem agredir o meio ambiente. As vises dos autores so inteligentes e oportunas, o problema est mapeado, delimitado. O que se busca, com a pavimentao da rodovia, no apenas exportar gros a um custo mais baixo. O que se quer, tambm, a melhoria da qualidade de vida da populao. O desafio executar um modelo sustentvel que gere riqueza e bem-estar social. Acima de tudo, a BR-163 corta uma regio de sonhos e esperanas, daqueles que l nasceram ou para l se dirigiram. Cabe ao Governo, em parceria com empreendedores privados e a sociedade organizada, transformar tais sonhos e esperanas em realidade.

C A R L O S A L B E R T O P I T TA L U G A N I E D E R A U E R

AP R E S E NTAO

De sangue e de soja, um asfalto sobre corpos

No comeo era o caf. H exatos cem anos, esse era o ouro verde. Assim como a soja, herdeira da alcunha, o caf no era alimento, gerava divisas de exportao e, j poca, tinha o escoamento estrangulado. A maior estrutura porturia do pas, a do Rio de Janeiro, era obsoleta e subdimensionada para a pretenso de catalisar a atividade econmica nacional. Os almejados transatlnticos eram incompatveis no s com o porto, mas com as vias para transporte de carga. O engenheiro Pereira Passos, prefeito da capital, busca ento no baro de Haussmmann o molde fluidez que a nova dinmica comercial demandava. Sob inspiraes parisienses na elucubrao de seus meandros, gaba-se do conhecimento de ponta para adaptar o espao carioca ao modelo europeu. Passado um sculo, o fruto de sua poltica claro. Com um dos mais violentos atos de expropriao, Passos assistiu ao nascimento das primeiras favelas. Com ensandecida fria, ps abaixo uma enormidade de habitaes para a abertura das novas vias. Uma grande multido de desfavorecidos sociais, uma populao marginalizada, no s ficou desabrigada. Alm do espao, toda a vida do pobre foi desestruturada. A ao do governo agrediu toda a sua cultura e seu cotidiano. Enfim, o trnsito da mercadoria determinou o dos cidados. Eram as polticas sociais e a tecnologia postas, na mais autntica subservincia, a servio dos interesses econmicos da pequena elite. Cem anos depois, a economia brasileira aposta na exportao e, novamente ou melhor ainda, depara com gargalos no escoamento. O pas desponta como um dos maiores exportadores mundiais de uma soja que em grande parte colhida no norte de Mato Grosso, roda alguns milhares de quilmetros para o sul, embarca nos enfartados

portos de Santos ou Paranagu, para navegar os mesmos tantos 1.000 quilmetros para o norte e chegar mesma linha de latitude. H dcadas esse produtor, a dois passos do rio Amazonas, sonha com a possibilidade de atender pela porta da frente, muito mais prxima aos consumidores europeus e asiticos (pelo canal do Panam). Isso seria uma realidade, no fosse a intrafegabilidade da BR-163, a lendria Cuiab-Santarm. Os trinta anos de espera pela concluso da rodovia no se devem apenas a uma convicta vocao da poltica brasileira pelo inconcluso. A estrada um polmico projeto que corta ao meio a Amaznia. Passa por reservas indgenas e ambientais, reas de garimpo e regies de graves conflitos fundirios. Grilagem de terras, expropriao de antigos habitantes e populaes indgenas, extrao criminosa de madeira e minrio, ausncia do Estado, trabalho escravo, desmatamento, organizaes criminosas entrelaam-se, so ntimas, e tm em comum a violncia contra o mais fraco, seja ele o ndio, o campons ou o mogno. Sem a adoo das devidas medidas prvias, a concluso da rodovia pode vir a acelerar e potencializar o ritmo de degradao socioambiental da regio. Este trabalho pretende, exatamente, colaborar com essa discusso e incentiv-la. So textos interdisciplinares, que lem a regio e a rodovia segundo diversas ticas e, no raro, apontam caminhos diferentes, oferecendo uma considervel pluralidade de opinies. Apesar disso, os autores acabam por traar um fio de unidade entre si: a denncia sobre o estado de generalizada ilegalidade local. Chama-se, por meio de diversos aspectos, a ateno ao fato de que a BR-163 atravessa uma regio de fronteira, uma rea de conflitos. Poucos conhecem a histria dessa fronteira como Ariovaldo Umbelino de Oliveira. Em BR-163 Cuiab-Santarm: geopoltica, grilagem, violncia e mundializao, ele levanta o histrico e a dinmica da ocupao de cada um dos municpios mais afetados pela rodovia. Essa exposio embasa uma acurada anlise sobre as transformaes recentes que ocorrem na forma de ocupao da terra naquela regio. A construo das relaes de poder e o controle da terra emaranham-se e, ao lado do prejuzo social, a formao de imensos latifndios sobre terra pblica traz consigo a degradao ambiental. A tentativa de apropriao dessas terras acompanha-se do desmatamento e, com este, anda junto o trabalho escravo. Em Trabalho escravo: presente, passado e futuro, Jan Rocha mostra como, na Amaznia, a modernidade tecnolgica mais pungente (como o

melhoramento gentico de rebanhos e sementes) se encontra com o mais obscuro trao do arcaico: o trabalho escravo. Um amplo levantamento de dados ilustra a trgica condio de milhares de trabalhadores escravizados e os processos pelos quais isso acontece. O desmatamento gerado pela grilagem de terras no o nico grande impacto ambiental nesse quadro. Philip Fearnside escreve Carga pesada: o custo ambiental de asfaltar um corredor de soja na Amaznia e analisa minuciosamente os danos ao meio ocasionados pela falta de controle do Estado. A ampla leitura da situao atual fundamenta uma perspectiva para a regio caso persistam a falta de governana e o no cumprimento das leis ambientais. Assumindo uma posio enftica, Fearnside sustenta que a pavimentao da estrada dever ser precedida por profundas medidas estruturais. Ainda sob a preocupao ambiental, Arnaldo Carneiro Filho desenvolve uma detalhada anlise. Em Temos um esplndido passado pela frente?, atenta s peculiaridades das diferentes paisagens ao longo da rea de influncia da rodovia. O autor discute e lana propostas que envolvem servios ecolgicos importantes e situaes especficas, tais como atividades econmicas em Unidades de Conservao e devastao ambiental em terras indgenas. A degradao do meio e das populaes tradicionais avana rpido e a simples perspectiva do asfaltamento da rodovia potencializa, em muito, essa grande perda para todo o pas. Unidades de Conservao tm se mostrado o meio mais eficiente de deter tal processo. Porm, o futuro das florestas e populaes tradicionais condiciona-se eficincia de como as reas de proteo so concebidas e implementadas e obviamente da relao dessas unidades com as populaes de seu interior e entorno. No captulo Yellowstone Paroara tem-se uma avaliao sobre a disposio geogrfica das Unidades de Conservao, em conjunto com questes sociais importantes para a gesto de reas protegidas, Wilsea Figueiredo e Maurcio Torres discutem como tais reas podem servir para a garantia da preservao tanto ambiental em longo prazo na regio quanto do modo de vida das populaes. O CNPq debruou-se a estudar bem mais do que a mera realizao de uma estrada para exportar gros, integrando na pesquisa especial ateno a um corpo social que sempre foi translcido: o habitante local. Muitas vezes, visto primeiro como obstculo, depois,

como resduo do progresso, acabava por ser culturalmente ou at factualmente dizimado. Ora, como chamar de progresso o crescimento econmico de uma nfima minoria em detrimento de toda uma massa de pobres? Progresso, avano tecnolgico, desenvolvimento no podem ser privilgio de classes. Essa discusso desenvolvida em Terra sem povo, crime sem castigo, onde Jos Arbex Jr. vai a fundo nas construes da Amaznia no imaginrio do resto do pas e do mundo e, assim, trabalha os mecanismos para a criao de esteretipos e estigmas. O autor desmistifica a exotizao da Amaznia e como essa colonizao do imaginrio precedeu a colonizao do territrio. Dentre as falcias sadas do iderio construdo sobre a regio, talvez a pior seja a concepo de que a Amaznia um vazio, um espao sem gente. Essa idia j causou suficiente estrago quando, estrategicamente usada pela Operao Amaznia, legitimou o incentivo ocupao da Amaznia, captulo vergonhoso de entrega da regio ao grande capital, e sedimentou a dinmica da expropriao dos povos antigos da floresta que vemos, ainda hoje, em pleno vigor. Alm disso, a classificao terra sem gente investida de uma carga xenfoba: nega o status de gente a mais de 170 povos indgenas e a alguns milhes de antigos habitantes. Populaes indgenas. No h como negar que a elas coube o grande nus do processo de abertura de rodovias na Amaznia. Bernadete Castro de Oliveira analisa em Todo dia dia de ndio: terra indgena e sustentabilidade essas populaes contextualizando suas peculiaridades em relao lei, terra e ao meio ambiente. Pauta freqente na mdia, notcias sobre a rodovia Santarm-Cuiab sempre ressaltam o estado de abandono que ilustrado com caminhes carregados de madeira, gado ou soja enterrados na lama. No esse o grande abandono que Maurcio Torres encontrou ao longo da BR-163. Em Fronteira, um eco sem fim v-se que muito mais cruel do que o alardeado prejuzo para a produo a situao que obriga uma me a ver os filhos de menos de 10 anos serem contratados por grileiros vizinhos. E essa realidade fala pouco da trafegabilidade da rodovia, mas, antes, da expanso de um modo de vida em que o poder econmico dominante se revela com suas crueldades potencializadas na mais absoluta ilegalidade. No raro o Estado justifica o abandono a que submete esse povo com o argumento do isolamento a que est sujeito em decorrncia das condies da estrada. Romulo Orrico

escreve Transporte e desenvolvimento: uma reflexo sobre a BR-163 e, avaliando as condies de transporte dos municpios ao longo da rodovia, vai alm desses clichs e mostra como tais populaes isoladas operam um sistema de conexes, ainda que extra-oficial, que permite abastecimento e transporte dos vrios locais cortados pela estrada para qualquer lugar do pas. Orrico ainda assina, com Joaquim Arago, o captulo Infra-estrutura de transportes e desenvolvimento: elementos para um modelo de gesto e mobilizao da BR-163. Os autores discutem a concepo de um modelo de gesto e mobilizao do Plano BR-163 Sustentvel que d suporte sua implantao e manuteno em mdio e longo prazos. Arago e Orrico relacionam a gnese desse projeto de infra-estrutura de transportes, suas dinmicas de financiamento e os anseios de desenvolvimento econmico, com preocupao nos mbitos social e ambiental. Pretendeu-se, no projeto de pesquisa que originou este livro, um trabalho particularmente atento s comunidades locais. Intentou-se um fruto de pesquisa que voltasse a essas populaes para alimentar suas participaes na discusso e colaborar para que resolvam sua aplicao. Mesmo porque a BR-163 (como qualquer outra estrada) no apenas uma via por onde passam mercadorias. Tambm e essencialmente, transporta tempo e espao, uma vez que por ela passam pessoas. Que, carregadas de experincias, interagem com a vivncia local. medida do fortalecimento da sociedade civil e da sedimentao das identidades comunais se dar o combate a estigmas arraigados. Da depende o fruto desse encontro: repetio da nossa to conhecida degradao da populao local, ou uma interao construtiva. Se, de fato, a opo dessa gente for o asfaltamento da Santarm-Cuiab, que a matemtica da economia ceda lugar a uma concepo de estrada que antes de tudo seja concebida como artria social. Pois a BR-163 requer mais do que tecnologia para a realizao de uma obra de engenharia, mais do que um leito de concreto e asfalto. Exige que se quebre um crculo de quinhentos anos de repetio, no qual o Estado se afina ao grande capital e governa para ele contra toda uma populao.

A L E X A N D R E G AV R I LO F F COORDENADOR G ERALDA

PESQUISA

Sumrio

TERRA

SEM POVO , CRIME SEM CASTIGO

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Pouco ou nada sabemos de concreto sobre a AmazniaJOS ARBEX JR.

BR -163 CUIAB - SANTARM

67

Geopoltica, grilagem, violncia e mundializaoA R I O VA L D O U M B E L I N O D E O L I V E I R A

TEMOS UM ESPLNDIDO PASSADO PELA FRENTE ?

185

As possveis conseqncias do asfaltamento da BR-163ARNALDO CARNEIRO FILHO

TODO DIA DIA DE NDIO

201

Terra indgena e sustentabilidadeBERNADETE CASTRO OLIVEIRA

TRABALHO ESCRAVO

237

Presente, passado e futuroJAN ROCHA

FRONTEIRA , UM ECO SEM FIM

271

Consideraes sobre a ausncia do Estado e excluso social nos municpios paraenses do eixo da BR-163MAU RCIO TOR R ES

YELLOWSTONE PAROARA

321

Uma discusso sobre o papel das Unidades de Conservao e o exemplo do Parque Nacional da AmazniaMAU RCIO TOR R ES E WI LS EA FIG U E I R E DO

CARGA PESADA

397

O custo ambiental de asfaltar um corredor de soja na AmazniaPHILIP M. FEARNSIDE

TRANSPORTE E DESENVOLVIMENTO

425

Uma reflexo sobre a pavimentao da BR-163R O M U LO O R R I C O

INFRA - ESTRUTURA DE TRANSPORTES E DESENVOLVIMENTO

461

Elementos para um modelo de gesto e mobilizao da BR-163R O M U LO O R R I C O E J O A Q U I M A R A G O

Terra sem povo, crime sem castigoPouco ou nada sabemos de concreto sobre a Amaznia

JOS ARBEX JR.

Para a imensa maioria dos brasileiros, a idia do que significa a Amaznia no difere muito do quadro que os colonizadores portugueses do sculo 16 faziam do Brasil como um todo. Para os gegrafos da corte de Lisboa, o Brasil era um grande sistema ecolgico natural, um territrio maravilhoso, regio de riquezas infindveis, mas tambm habitada por canibais e bestas indomveis. Essa viso do Novo Mundo foi moldada pela tradio europia criada pelos cronistas dos descobrimentos. Mas a imagem da fabulosa natureza do Brasil no se limitou a inspirar religiosos, poetas e escritores. Teve uma funo muito til de instrumento diplomtico, ao servir de base para as negociaes entre Portugal e Espanha sobre a conformao das colnias nas Amricas. O mito da Ilha Brasil dava legitimidade natural s pretenses de posse da coroa portuguesa, nos marcos das negociaes com a Espanha, consagradas pelo Tratado das Tordesilhas. Lisboa reclamava direitos

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AMAZNIA REVELADA

sobre uma suposta unidade ecolgica formada por um todo de florestas, bacias hidrogrficas e acidentes geogrficos, enfim, uma ordem natural que expressava a vontade de Deus. Essa idia de Brasil como ddiva da natureza seria incorporada como narrativa pela coroa portuguesa, no quadro da disputa imperial, e abraada depois pelos prprios brasileiros, medida que a nao ia se constituindo. Estabelecia-se, assim, uma suposta identidade entre o Brasil histrico e o Brasil natural, como se um fosse a perfeita expresso do outro, mito que aparece tanto na obra de historiadores e antroplogos, a partir de Pero Vaz de Caminha (terra ch e formosa), quanto na linguagem corrente (pas abenoado por Deus).1

homem branco europeu cristo. A famosa Carta de Pero Vaz de Caminha ao rei dom Manuel de Portugal reflete exatamente esse estado de esprito:Parece-me gente de tal inocncia que, se ns entendssemos a sua fala e eles a nossa, seriam logo cristos, visto que no tm nem entendem crena alguma, segundo as aparncias. E portanto se os degredados que aqui ho de ficar aprenderem bem a sua fala e os entenderem, no duvido que eles, segundo a santa teno de Vossa Alteza, se faro cristos e ho de crer na nossa santa f, qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque certamente esta gente boa e de bela simplicidade. E imprimir-se- facilmente neles qualquer cunho que lhe quiserem dar, uma vez que Nosso Senhor lhes deu bons corpos e bons rostos, como a homens bons. E Ele para nos aqui trazer creio que no foi sem causa. E portanto Vossa Alteza, pois tanto deseja acrescentar a santa f catlica, deve cuidar da salvao deles. E prazer a Deus que com pouco trabalho seja assim! Eles no lavram nem criam. Nem h aqui boi ou vaca, cabra, ovelha ou galinha, ou qualquer outro animal que esteja acostumado ao viver do homem. E no comem seno deste inhame, de que aqui h muito, e dessas sementes e frutos que a terra e as rvores de si deitam. E com isto andam tais e to rijos e to ndios que o no somos ns tanto, com quanto trigo e legu-

A idia fundamental da Ilha Brasil ser, com formas diferentes, adequadas s vrias pocas histricas, um trao dominante da produo cultural at, pelo menos, o incio do sculo 20, quando a identidade brasileira passar a ser questionada e problematizada por artistas e intelectuais (como os que organizaram a Semana de Arte Moderna em 1922). Aquela percepo naturalista da histria, explorada exausto pelos sucessivos governos da era republicana, particularmente pela ditadura militar, hoje um dos principais obstculos compreenso do que est em jogo na Amaznia. AO IMAGINAO MEDIEVAL :

SELVAGEM

E A

A MAZNIA

EXTICA

mes comemos. [...] Esta terra, Senhor, parece-me que, da ponta que mais contra o sul vimos, at outra ponta que contra o norte vem, de que ns deste porto houvemos vista, ser tamanha que haver nela bem vinte ou vinte e cinco lguas de costa. Traz ao longo do mar em algu-

O mito da Ilha Brasil foi representado, na forma humana, pelos povos originrios: natureza virgem e inculta correspondia a figura do selvagem nu e no civilizado. Ambos teriam de ser domesticados pelo

JOS ARBEX JR.

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mas partes grandes barreiras, umas vermelhas, e outras brancas; e a terra de cima toda ch e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta toda praia... muito ch e muito formosa. Pelo serto nos pareceu, vista do mar, muito grande; porque a estender olhos, no podamos ver seno terra e arvoredos terra que nos parecia muito extensa. At agora no pudemos saber se h ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem lha vimos. Contudo a terra em si de muito bons ares frescos e temperados como os de Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo d'agora assim os achvamos como os de l. guas so muitas; infinitas. Em tal maneira graciosa que, querendo-a aproveitar, darse- nela tudo; por causa das guas que tem! Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que ser salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lanar. E que no houvesse mais do que ter Vossa Alteza aqui esta pousada para essa navegao de Calicute bastava. Quanto mais, disposio para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa f!2

enriquecer com a explorao dos recursos naturais e voltar sua terra. Apostavam na existncia de imensas reservas de riquezas, como ouro e pedras preciosas, que poderiam ser investidas na expanso do domnio martimo lusitano. Franceses e holandeses tiveram participao menor no processo de colonizao. Os contatos que tiveram com os povos originrios foram proporcionados, principalmente, pelo comrcio do pau-brasil e do acar, no incio do sculo 16, comrcio que os conduziria, nos sculos seguintes, a guerras e conflitos com os portugueses. Os holandeses tiveram mais contato com os povos daqui do que os franceses pelo fato de os portugueses empregarem marinheiros dos Pases Baixos (e, em menor escala, italianos, ingleses, franceses e alemes) na rota do acar. Alm disso, um nmero elevado de flamengos fixou-se no nordeste do Brasil, como senhores de engenho, comerciantes, marceneiros, soldados, prostitutas, todos estimulados pelo domnio da Holanda sobre a capitania de Pernambuco, entre 1630 e 1654. Devemos aos holandeses boa parte dos registros daquela poca, j que Maurcio de Nassau (administrador da regio, nomeado pela Companhia das ndias Ocidentais, entre 1637 e 1641) foi o responsvel pela vinda de artistas como Frans Post e Albert Eckhout, os primeiros europeus a retratar sistematicamente cenas e paisagens do cotidiano brasileiro. Como resultado de todos esses contatos, multiplicaram-se as narrativas sobre o novo mundo como um lugar extico e os ndios como seres fantsticos. A curiosidade pela Amrica estimulou a publicao de vrios e preciosos relatos de viagem (textuais e pictricos) na Anturpia, em Frankfurt, Paris e outros cen-

Nos sculos seguintes, as crnicas e as artes plsticas ofereceram testemunhos importantes do imaginrio europeu sobre a Amrica e o Brasil em geral e a Amaznia em particular. As narrativas refletiam as diferentes perspectivas assumidas pelos colonizadores e religiosos. Os espanhis tinham a inteno de construir um imprio, e isso implicou uma estratgia de destruio das grandes civilizaes encontradas na regio que depois seria conhecida como a Amrica hispnica (maias, incas, astecas). Os portugueses queriam

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AMAZNIA REVELADA

tros europeus da poca. Lisboa, curiosamente, publicou uma quantidade muito menor de obras desse tipo. Autores como Lus de Cames e Gil Vicente, por exemplo, praticamente ignoraram as comunidades indgenas e o cenrio americano. Muitos acreditam que isso se deva ao fato de que os portugueses da poca se sentiam muito mais atrados pela aventura no mar e pelos grandes imprios do Oriente. Durante o sculo 16, apenas sete obras sobre o Brasil foram publicadas em Portugal, trs das quais de autoria de jesutas, que descrevem os costumes amerndios e se autoglorificam ao narrar as desventuras da catequese, tais como as dificuldades da vida na colnia, a ferocidade dos indgenas, ou ento a ingenuidade ou relutncia deles em aceitar a palavra de Deus. Pedro Magalhes de Gandavo escreveu, em 1576, a Historia da Prouincia Scta Cruz a qui Vulgarmete Chamamos Brasil e, entre 1584 e 1602, a narrativa sobre o naufrgio de Jorge de Albuquerque Coelho (Naufragio, que Passou Jorge de Albuquerque Coelho, Capito e Governador de Pernambuco). Alguns manuscritos permaneceram inditos at a segunda metade do sculo 19. Em compensao, nas demais potncias coloniais europias houve at um certo boom de documentos. Andr Thevet e Giovanni Battista Ramusio descreveram o cotidiano dos tupinambs. O terceiro volume da coleo Grandes Viagens, organizada por Theodor de Bry, traz os relatos de Hans Staden e Jean de Lry. Na maior parte das vezes, os povos originrios so representados de forma alegrica, como seres primitivos que corporificam a fora da natureza em oposio civilizao. Nos quadros e gravuras, portam vestimentas e instrumentos que no so tpicos de sua cultura (no importa: nesse sentido alegrico, ndio n-

dio). So tambm mostrados de maneira caricatural, como monstros de perverso sexual e sadismo. Um bom exemplo o quadro O Inferno, de autor annimo (provavelmente, flamengo), do incio do sculo 16, exposto no Museu de Arte Antiga de Lisboa: Sat sentado sobre o seu trono, portando cocar e penas, submete colonizadores e jesutas a sofrimentos sem fim, incluindo a prtica do canibalismo e tortura. Apenas algumas obras fogem regra, como os registros pictricos de Albert Eckhout e Frans Post, que, pela primeira vez, tiveram a preocupao de mostrar os momentos de trabalho e lazer de indgenas e escravos, a humanidade do selvagem, a existncia de mestios, a riqueza das paisagens. Curiosamente, o ndio brasileiro chamou a ateno de intelectuais franceses como Montaigne, Rabelais e Ronsard, que, inspirados por uma imagem idealizada do selvagem, criticaram o artificialismo da vida aristocrtica no Antigo Regime. Os relatos de viagem e representaes pictricas no mexiam com a vida dos povos originrios, mas serviam de instrumento de luta entre catlicos e protestantes europeus. Vrios processos da Inquisio catlica pretendiam demonstrar a adeso de protestantes s prticas demonacas indgenas. E os protestantes, por seu lado, acusavam portugueses e espanhis (catlicos) de praticar atrocidades contra as populaes indgenas. Outro ponto de tenso importante quando se trata de representar o ndio foi produzido pelas diferenas entre a atitude dos colonizadores e a dos jesutas. Enquanto os primeiros tinham todo o interesse em propagar a imagem do ndio como ser sem alma, filho do demnio etc., para justificar sua escravizao, os religiosos em par ticular, os portugueses comparav am o ndio criana que no havia tido ainda a oportu-

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nidade de ouvir a palavra de Deus, mas poderia ser salva. O papa pressionava os colonos, afirmando que os ndios deveriam ser conquistados mansamente pela palavra de Deus. Uma bula papal de 1537 proclamava a liberdade dos ndios das Amricas. A estratgia catlica era voltada para a criao de uma grande nao indgena crist, sob total controle da Companhia de Jesus, ampliando com isso o poder de barganha da Igreja junto s monarquias. Os jesutas tambm queriam transformar os ndios num ser dcil e produtivo, organizados em aldeamentos e redues. Em conformidade com essa estratgia, Jos de Anchieta escreveu em 1595 sua Arte de Gramtica da Lngua mais Usada na Costa do Brasil, o tupi. Foi a primeira tentativa de construir uma sistematizao de uma linguagem indgena. No Brasil, a atitude dos colonos para com os indgenas foi de extrema ferocidade, em particular a partir dos anos 1530, quando o rei dom Joo III optou por explorar e povoar o territrio. A introduo da lavoura canavieira e a montagem de engenhos de acar, a partir da segunda metade do sculo 16, foram realizadas com base na mo-de-obra escrava indgena, dando incio a uma nova e prspera empresa: a caa ao ndio, prtica consagrada pelos bandeirantes. Ao longo do sculo 17, as atividades econmicas dos colonos dependiam em grande parte do trabalho escravo indgena, utilizado nos stios e fazendas, e do transporte de produtos (em So Paulo, por exemplo, os ndios foram fundamentais na ligao entre o planalto e o litoral). Esse quadro foi alterado no final do sculo, quando o trfico de escravos africanos comeava a gerar grandes lucros em muitas ocasies, superioresAutor desconhecido. O Inferno. Primeira metade do sculo 16.Reprod.: color. In: Museu de Arte Antiga, Lisboa. Lisboa: Verbo, 1977. p. 67.

A introduo da lavoura canavieira e a montagem de engenhos de acar, a partir da segunda metade do sculo 16, foram realizadas com base na mo-de-obra escrava indgena, dando incio a uma nova e prspera empresa: a caa ao ndio, prtica consagrada pelos bandeirantes.

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aos ganhos obtidos com a exportao de acar e gneros tropicais. Alm disso, os povos nativos no poderiam continuar fornecendo mo-de-obra por muito mais tempo, aps os inmeros massacres, as mortes provocadas por pestes e doenas, as fugas para o interior do serto e tambm como resultado da resistncia armada. O contato entre colonizadores e indgenas deixou marcas profundas na cultura nacional, em grande parte graas miscigenao racial. Houve numerosos casamentos ou simples acasalamentos entre lusitanos e ndios, principalmente nas primeiras dcadas do sculo 16. Muitos colonizadores foram integrados vida nas aldeias, passando, ao longo dos anos, a viver nus e a se comportar como os indgenas. Para os portugueses, tal fato tinha a vantagem de permitir a mobilizao dos indgenas (agora considerados seus parentes) no trabalho de explorao do pau-brasil em troca de bijuterias, espelhos, facas. Um dos resultados desse processo foi o surgimento de uma sociedade fortemente miscigenada, onde a bastardia ocorreu em grande escala. Os sculos seguintes foram um tempo de esquecimento e marginalizao. Em parte, a marginalizao dos povos originrios deu-se sob a forma de sua idealizao romntica, por exemplo, na literatura nativista de Jos de Alencar, que representava o heri ndio como uma espcie de ser obediente aos cdigos de honra adequados aos cavalheiros medievais europeus (caso clssico de Peri, do romance O Guarani) ou uma donzela que poderia freqentar a corte lisboeta (caso de Iracema). A idealizao positiva continuava sendo uma reTheodor de (ed.). America, v. 3: Dritte Buch Americae, Darinn Brasilia durch Johnann Staden von Homberg. Mchen: Konrad Klbe, 1970.BRY,

cusa ao reconhecimento da humanidade complexa do nativo, ainda mais em um contexto instrumental que servia para ocultar a chaga da escravido negra.

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O lugar ocupado pelos povos originrios comeou a ser reavaliado tardiamente, no mbito das universidades e crculos mais intelectualizados, com as obras de antroplogos como Darcy Ribeiro e os irmos Villas-Boas, bem como com as contribuies de pesquisadores estrangeiros, por exemplo, Claude Lvi-Strauss. Tambm a ao da Igreja Catlica contribuiu para divulgar os problemas e vicissitudes que afligem os povos originrios brasileiros, especialmente aps a intensificao do processo de ocupao da Amaznia promovido pela ditadura militar, nos anos 60 e 70. Mas no tardou at que os nativos passassem a ser considerados habitantes indesejados das florestas, ou por resistir ao progresso ou na verso de setores mais nacionalistas das Foras Armadas e da sociedade civil por representar uma via de entrada penetrao de estrangeiros, principalmente sob a forma de missionrios. O seguinte texto, intitulado Amaznia para esclarecimento geral dos internautas bastante representativo dessas correntes de pensamento:A questo indgena: integrar ou segregar o ndio? At h poucos anos a tendncia era de integrar. Hoje, de segregar, a pretexto de preservar a sua cultura. Que extenso deve ter uma terra indgena? Da as perguntas: por que a rea ianommi to grande? Por que a rea do Alto Rio Negro dos tucanos enorme? Quais os critrios para demarcar uma reserva indgena? Ainda no temos respostas. H indcios da presso deONGs

A Constituio de 1988 permite que reas muito grandes sejam exploradas, mas isso precisa ser regulamentado, o que at o presente momento no aconteceu. O assunto est sendo discutido no Congresso Nacional. A populao indgena no Brasil pouco mais de 1% da populao brasileira, mas o que de se observar que este 1% dispe de 11% do territrio nacional. No Amazonas, 21% do Estado so de terras indgenas; 20% do Par so, tambm, e, o pior, Roraima no existe como Estado, pois 58% de seu territrio so de terras indgenas. Essas reas indgenas constituem na Amaznia um conjunto maior que Portugal, Espanha, Alemanha, Blgica e Majorca. O G7 e as ONGs desejam que a Amaznia seja preservada exatamente como est e permanea como patrimnio da humanidade. essa a nossa grande preocupao.3

Mas, mesmo quando antroplogos e organizaes no-governamentais eram movidos pelas melhores intenes, e tentavam desenvolver um olhar ntegro e no-estatstico em relao aos destinos das naes originrias, faltou uma compreenso mais profunda sobre os seus direitos e respeito aos valores. Do ponto de vista do Estado, a relao com as naes indgenas foi marcada por forte sentido paternalista e autoritrio, mesmo no mbito dos debates travados na Assemblia Constituinte de 1988. A relao conflituosa e preconceituosa com as naes indgenas nunca foi satisfatoriamente resolvida, como se reafirmou triste e sintomaticamente em abril do ano 2000, durante as comemoraes dos qui-

(organizaes no-governamentais) para queONGs

no se chegue a uma soluo. Hoje, as rea indgena.

fazem

poltica quanto a explorar ou no as riquezas de uma

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nhentos anos de Brasil: a cidade de Porto Seguro, na Bahia, transformou-se em praa de guerra, quando foras policiais foram mobilizadas para reprimir manifestantes indgenas, negros e sem-terra que apresentavam suas reivindicaes. Como diz Marcos Terena, uma liderana que se destacou nos debates polticos nacionais sobre essa questo:Essa poltica indigenista criou sistemas de coero liberdade indgena quando diz assim: o ndio tem de ser protegido. O ndio realmente precisava de proteo nessa relao com o branco, mas transformaram os ndios em incapazes e surgiu a figura do tutor do ndio, o governo federal, que anulou todo o potencial indgena. Em nome dessa proteo, o ndio no podia ir pra escola e foi criado um muro, e todo ndio que se rebelava era castigado.4

A

CONSTRUO DA

A MAZNIA

NO REGISTRO ERUDITO

A percepo da Amrica como uma ddiva da natureza moldou a atitude do europeu em relao ao hemisfrio americano, e a do prprio brasileiro em relao Amaznia. Essa percepo marcada por dois modos distintos e complementares de agir: de um lado, o maravilhamento, o desejo, a busca do desconhecido; de outro, a ao colonizadora, nota o historiador Nicolau Sevcenko:[...] a prtica propriamente agressiva do ato ou da interveno colonizadora, e que implica o contato direto, fsico, com esse meio em funo da extrao daquilo que se veio buscar pelo ato da colonizao: o vegetal tropical ou o minrio. E, nesse sentido, o que o colonizador tem diante de si no mais paisagem, o que ele tem diante de si a mata ou o serto bravio e a nfase a vai na expresso bravio, porque o ato realmente dignificante desse indivduo o do desbravamento.5 [...] O fato que essas duas atitudes, a da percepo sensual da paisagem com projeo desejante e essa prtica agressiva, essa ao interveniente predatria do desbravador juntamente com os contatos e as relaes que se estabelecem entre si , so muito interessantes. Em grande parte ns somos os caudatrios, os herdeiros desse impasse e dessa hesitao entre dois modos europeus diferentes de perceber uma mesma situao.6

Os debates sobre o destino da Amaznia, que ganharam impulso nos anos 90, especialmente aps a realizao, no Rio de Janeiro, da Conferncia Mundial sobre Meio Ambiente, em 1992 (Eco-92), deram nova visibilidade questo indgena. Isso se combinou com o processo complicado e trabalhoso de retomada das tradies e mobilizaes dos povos originrios, que hoje lutam por direitos assegurados pela Constituio de 1988. Mas isso tudo no quer dizer, necessariamente, que sua situao tenha melhorado de forma significativa. Ao contrrio, h sinais claros de que a sociedade brasileira ainda cultiva uma mentalidade discriminatria. Talvez isso seja interessante do ponto de vista daqueles que vem na Amaznia apenas uma grande oportunidade de ganhar bilhes de dlares.

No mundo contemporneo, essa dupla atitude est na base de grande parte dos comportamentos ex-

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tremos, bem exemplificados, de um lado, pelo radicalismo de determinadas entidades ambientalistas de defesa da Amaznia, que lutam pela preservao intocada de um santurio natural, e de outro pela fria das madeireiras e exploradores das riquezas, que pouco se importam com os impactos ecolgicos e culturais resultantes de suas atividades predatrias. Est na base tambm das expedies ao mundo desconhecido, iniciadas com carter cientfico, em 1743, pelo francs Charles-Marie La Condamine, autor do Journal du Voyage Fait par Ordre du Roi a l'quateur. Para a cincia europia do sculo 18, a Amaznia apresentava-se como um trofu a ser conquistado, mais ou menos como a Lua no sculo 20. La Condamine iniciou a jornada pelo Peru, e foi na viagem de volta, em 1743, que navegou durante quatro meses pelo rio Amazonas, at atingir a foz. Os trabalhos de La Condamine inauguraram o processo de descrio tcnica da regio. Na mesma linha, o naturalista brasileiro formado em Portugal Alexandre Rodrigues Ferreira percorreu a bacia do Amazonas, entre 1783 e 1792. O arquivo contendo suas observaes foi enviado a Portugal e saqueado por ordem de Napoleo Bonaparte quando invadiu o pas com suas tropas. Napoleo designou o naturalista Geoffroy de Saint-Hilaire para se apropriar dos dados colhidos por Rodrigues Ferreira, tal seu interesse por aquilo que a flora e a fauna da Amaznia poderiam oferecer. Outro explorador importante foi o baro Alexander von Humboldt, um naturalista prussiano que visitou grande parte da Amrica do Sul e da Central. De 1799 a 1805, Humboldt explorou a costa da Venezuela, os rios Amazonas e Orinoco, alm do Peru, Equador, Colmbia e

Mxico, coletando espcimes de plantas, animais e minerais, e produziu mapas detalhados. As expedies de reconhecimento da Amaznia teriam um boom a partir de 1808, quando dom Joo VI determinou a abertura dos portos. A regio foi visitada por cientistas e naturalistas de todo o mundo, destacando-se entre eles o baro Georg Heinrich von Langsdorff, mdico e membro da Academia de Cincias de So Petersburgo, nomeado em 1813 cnsul-geral da Rssia no Rio de Janeiro. Sua aventura em territrio amaznico foi marcada pela grande quantidade e excelente qualidade do material biolgico e etnogrfico que recolheu, incluindo o registro feito pelos pintores franceses Adrien Taunay e Hercule Florence. A expedio Langsdorff foi feita em toscas canoas de madeira atravs do rio Tiet, no Estado de So Paulo, passando pelo Pantanal mato-grossense, baixo Amazonas, at Belm do Par, num percurso de aproximadamente 6.000 quilmetros. Coube ao portugus Jos Maria Ferreira de Castro escrever um dos livros mais fortes sobre as terrveis condies de vida dos trabalhadores dos seringais, A Selva, de 1930. Em 7 de janeiro de 1911, Ferreira de Castro embarcou em Leixes, Portugal, a bordo do vapor Jerme, com destino ao Par. Viveu, entre 1911 e 1914, no seringal chamado Paraso (circunstncia que ele descrevia como irnica, dada a situao infernal dos que l trabalhavam e viviam), nas margens do rio Madeira, territrio da tribo parintintim. A Amaznia foi tema tambm de brasileiros de fora da regio. Em 1908, o pernambucano Alberto Rangel escreveu Inferno verde (1908, contos), com prefcio de Euclides da Cunha. O prprio Euclides, autor de Os sertes (1902), escreveu margem da Hist-

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ria (1909), aps uma estadia na Amaznia a convite do baro do Rio Branco, em 1904, como chefe da Comisso de Reconhecimento das Nascentes do Rio Purus, no quadro do processo de consolidao das fronteiras nacionais. O livro, que deveria se chamar Paraso perdido (Euclides morreu em 1909, antes de completar o projeto), compe-se de quatro partes: Na Amaznia, terra sem Histria (sete captulos), Vrios estudos (trs captulos, assuntos americanos), Da independncia repblica (ensaio histrico) e EstrelasFLORENCE,

Hercule. Vista de Santarm. 1828.

indecifrveis (crnica). O carioca Gasto Cruls lanou, em 1925, o romance A Amaznia misteriosa. O potiguar Peregrino Jnior escreveu trs livros de contos tendo como cenrio a Amaznia: Puanga (1930), Matup (1933) e Histrias da Amaznia (1936). Mas o mais famoso heri amaznico, Macunama, foi criado por Mrio de Andrade, com base na obra do alemo Theodor Koch-Grnberg, Vom Roraima zum Orinoco (Do Roraima ao Orinoco), publicada, em cinco volumes, entre 1916 e 1924.A Amaznia, todavia, j pode se orgulhar dos seus prprios escritores, desde que Terneiro Aranha (17691811), o mais antigo poeta autctone, escreveu seus versos, a maioria extraviados no tempo. Alguns escritores da Amaznia at alcanaram projeo nacional, como o crtico e historiador Jos Verssimo, que es-

Reprod.: color. In: COSTA, M.; DIENER, P.; STRAUSS, D. (orgs.). O Brasil de hoje no

espelho do sculo XIX. So Paulo: Estao Liberdade, 1995. p. 74. [Traz asinscries: agosto 1828 / Vista de Santarm sobre o rio Tapajs, tomada do lado oeste / Hercule Florence fecit.]

TAUNAY,

Adrien. Palmeiras buriti. 1827.

creveu Cenas da vida amaznica (1886), primeiro livro de contos amaznicos de que se tem notcia; Inglez de Souza O missionrio (1891, romance); Abguar Bastos Terra de Icamiaba (1934); Dalcdio Jurandir Chove nos campos de cachoeira (1940); Benedicto Monteiro Verde vagomundo (1972, romance); Ha-

Reprod.: color. In: COSTA; DIENER; STRAUSS, op. cit., p. 41. [Traz as inscries: Palmeiras conhecidas como 'Buritis', desenhadas em Quilombo / em junho de 1827 / Adrien Taunay.]

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roldo Maranho Rios de raiva (1987, romance); Ildefonso Guimares Senda bruta (1965, contos); Sant'Anna Pereira Inveno de onira (1988, romance); Alfredo Garcia O livro de Eros (1998, contos).[7] Foi, todavia, um gacho Raul Bopp quem escreveu o livro amaznico por excelncia (1931, Cobra Norato, poesia), a ele se ombreando apenas o Repertrio selvagem (1998, poemas) e Bero esplndido (2001, poemas), ambos de Olga Savary, e Viagem a Andara, o livro invisvel, monumental obra ficcional e potica que Vicente Franz Cecim vem edificando h 24 anos.8

A MAZNIA , E STADO

E ECONOMIA NO SCULO XX

FORENCE, Hercule. ndia Apiak em Diamantino do Mato Grosso. 1828.

Reprod.: color. In: COSTA; DIENER; STRAUSS, op. cit., p. 49. [Traz as inscries:

As primeiras incurses sistemticas do tema Amaznia nos jornais estavam associadas s riquezas produzidas pela cultura da borracha, um comrcio em processo de crescimento mundial desde a descoberta da vulcanizao, em 1839. No final do sculo 19, o auge da economia cafeeira no Sudeste brasileiro coincidiu com a expanso da indstria de extrao do ltex das seringueiras da floresta amaznica. O novo comrcio atraiu dezenas de milhares de migrantes nordestinos e ndios e o interesse de companhias extrativistas. Entre 1872 e 1920, a populao regional cresceu 4,3 vezes, passando de pouco mais de 330.000 para quase 1,5 milho de pessoas. O crescimento mais acentuado aconteceu entre 1900 e 1920, quando a populao mais que dobrou. Foi o primeiro grande empreendimento comercial levado a cabo no Brasil sem a utilizao de trabalho escravo. Beneficiada pelos altos preos da borracha no mercado mundial, a economia regional cresceu em ritmo vertiginoso.

ndia Apiak em Diamantino do Mato Grosso / fevereiro de 1828 / Hercule Florence, fecit.]

FORENCE,

Hercule. ndio Munduruku. 1828.

Reprod.: color. In: COSTA; DIENER; STRAUSS, op. cit., p. 49. [Traz as inscries: ndio Munduruku. Feito perto do Salto Augusto, onde alguns ndios achavam-se de passagem / maio de 1828 / Hercule Florence, fecit.]

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Os novos-ricos que viviam em Manaus, e em menor escala Belm do Par, no tendo onde gastar todo o dinheiro que ganhavam, promoviam orgias financeiras, cujo smbolo maior foi a construo do Teatro Amazonas, inaugurado em 1896. Construdo com materiais e artistas trazidos da Europa, sua nave central, em formato de harpa, comporta 640 pessoas na platia. A parte rica da cidade ganhou ares europeus, com muitas construes em rplica de edificaes inglesas, como o dique flutuante do porto e seus edifcios nas reas adjacentes. O Palcio da Justia foi inspirado pela arquitetura francesa e o Mercado Municipal pela art nouveau. Manaus era ento chamada a Paris dos trpicos, ttulo que denunciava o ufanismo provinciano de sua elite. Aps trs dcadas de prosperidade, aconteceu o inevitvel declnio econmico graas incompetncia do governo brasileiro (que jamais fez qualquer esforo no sentido de aprimorar o mtodo rudimentar de coleta de ltex em seringueiras dispersas pela imensa floresta) e esperteza de empresrios britnicos (que roubaram sementes da seringueira, s encontradas em terras brasileiras, para aclimat-las com o objetivo de permitir o seu plantio nas colnias britnicas na sia).

Com Vargas, pela primeira vez a Amaznia e demais regies brasileiras seriam, nos anos seguintes, pensadas em termos de integrao a um Estado nacional

As seringueiras, cultivadas no sistema de plantations, adaptaram-se formidavelmente bem em reas do sul e sudeste asiticos, que se transformaram nas grandes produtoras mundiais de borracha natural. Em menos de uma dcada, o Brasil tornou-se um produtor medocre (atualmente, produz menos de 1% da borracha natural do mundo). Com a decadncia da explorao da borracha, muitos migrantes retornaram a seus locais de origem. Isso fica patente quando se analisam os dados sobre a

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populao regional. Assim, entre 1920 e 1940, a populao da regio teve um acrscimo de pouco mais de 30.000 habitantes, ao passo que no perodo anterior (1900-1920) o aumento havia sido de cerca de 750.000 pessoas.

grandes regies, com base no critrio de regio natural ainda hoje adotado (com pequenas variaes provocadas por convenincias e estratgias polticas), o Norte integrado pelos Estados do Amazonas e do Par, alm do ento Territrio do Acre (depois seria acrescentado o Estado do Tocantins, criado em 1988)9. A Amaznia foi definida a partir do recobrimento da floresta.O uso do conceito de regio natural, alm de atender bem s preocupaes com levantamentos estatsticos e de planejamento, servia para lanar um novo modo de ver o espao nacional, minimizando as disputas e divergncias regionais. In de Castro acredita que o reconhecimento apenas das paisagens naturais na percepo das diferenas do territrio brasileiro implica tambm reforar o mito da unidade territorial como suporte da unidade poltica e da coeso social do nacionalismo, j que reconhecer outras diferenas poderia abalar essa crena. [...] Econmica e politicamente, a Amaznia sempre esteve mais articulada com os Estados e pases vizinhos. Nos dois governos Vargas, a regio passou a ser considerada rea prioritria nos planos de desenvolvimento e integrao nacionais. Entre o final da dcada de 1920 e os anos 30 haviam proliferado propostas de rediviso territorial do Brasil, pautadas por diversos critrios. Na maioria das propostas, a regio amaznica era retalhada em vrias unidades menores com status de territrios, o que significaria a interveno direta do governo federal na rea. Mas apenas em 1943 procede-se criao de cinco territrios federais, trs deles na Amaznia (Amap, Guapor e Rio Branco). [...] O conjunto de medidas de Getlio Vargas para a

Populao da Regio Norte (1872-1940)ANO POPULAO ABSOLUTA

1872 1890 1900 1920 1940Fonte: IBGE.

332.847 476.370 695.112 1.439.052 1.462.420

A discusso sobre os destinos da Amaznia volta pauta da mdia aps a Revoluo de 1930, quando Getlio Vargas inicia o processo de reforma do Estado brasileiro. Vargas queria construir um aparelho de Estado nacional politicamente centralizado, em oposio ao sistema estabelecido pela Repblica Velha, em que reinavam oligarquias regionais que tratavam cada Estado da Federao como uma espcie de feudo. Com Vargas, pela primeira vez a Amaznia e demais regies brasileiras seriam, nos anos seguintes, pensadas em termos de integrao a um Estado nacional. O novo governo comeou a montar um aparato burocrtico-administrativo destinado a implementar suas decises, nomeando arbitrariamente interventores para governar os Estados, contra as presses dos grupos regionais. Refletida na economia, essa ao consubstanciou-se na criao de conselhos tcnicos, encarregados de dar incio a estudos para racionalizar e modernizar o sistema produtivo. Em 1941, o governo federal dividiu o Brasil em cinco

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Amaznia, dentro da sua poltica de integrao e articulao das regies, fundamentou-se, a partir da tica das vocaes regionais, no estabelecimento de uma vocao extrativista para a Amaznia. A partir disso, as metas para o desenvolvimento da regio foram elencadas: navegao e transportes, colnias agrcolas e batalha da borracha.10

O governo do presidente Juscelino Kubitschek (1956-1960) construiu Braslia e as rodovias BelmBraslia e Cuiab-Porto Velho, que se constituiriam nos dois principais eixos de ocupao da Regio Norte nas dcadas seguintes. A histria da construo de Braslia, alis, repleta de motivaes que dialogam intensamente com idia de desbravamento da Amaznia e da Ilha Brasil. JK gostava de se imaginar como um moderno bandeirante, encarregado de levar a civilizao para as reas mais incultas e longnquas do pas. Um de seus autores de cabeceira foi o professor gacho Viana Moog, cujo livro Bandeirantes e pioneiros enaltece o esforo civilizatrio dos bandeirantes paulistas. Para Moog, o esprito bandeirante poderia curar o povo brasileiro de seus males tradicionais, entre eles o desamor ao trabalho e o cultivo de um esprito ldico acima de todas as preocupaes. O Estado, portanto, poderia e deveria reinventar a nao. Foi, precisamente, o que JK ambicionou fazer no plano ideolgico. A forma pela qual ele prprio descreve a missa inaugural de Braslia lembra muito as crnicas sobre a primeira missa celebrada pela expedio de Pedro lvares Cabral, em 1500. JK dizia que, na missa inaugural, carajs vestidos de penas se misturavam s elegantes da sociedade carioca, exibindo as ltimas criaes dos costureiros de Paris. Com a construo de Braslia,JK

As maiores realizaes de Vargas no setor industrial a criao da Companhia Siderrgica Nacional (1941), da Vale do Rio Doce (1942) e da Petrobrs (1953) simbolizavam, a um s tempo, o desenvolvimento econmico domstico e a afirmao da soberania nacional, tendo como pressuposto uma poltica agressiva de explorao dos recursos naturais da Amaznia. O objetivo era tirar o Brasil do estgio incipiente de sua indstria, que obrigava o pas a exportar minrio de ferro para importar trilhos para as ferrovias. Essa estratgia tambm determinou a criao das colnias nacionais em Dourados (MS), Ceres (GO) e a do Parque do Xingu, depois da expedio Roncador-Xingu, organizada pelos irmos Vilas-Boas. Mas o primeiro governo Vargas, cujo fim coincidiu com o da Segunda Guerra Mundial, embora deixasse como legado um Estado moderno centralizado e o incio de um parque industrial poderoso, no conseguiu transformar fundamentalmente a paisagem amaznica. O Estado ps-Vargas manteve no horizonte a perspectiva de explorar e povoar a regio, como demonstra a criao, pela Constituio de 1946, de um mecanismo destinado a garantir o investimento de 3% da receita tributria federal, durante vinte anos, em programas de desenvolvimento regional na Amaznia Legal.

dava impulso

Marcha rumo ao oeste enunciada por Getlio Vargas nos anos 40. Vargas queria estimular o fluxo migratrio do campo para os centros urbanos em formao, arregimentando mo-de-obra para a indstria. JK queria levar a indstria para o campo. Braslia atrairia para o Centro-Oeste um conjunto de investimentos em infra-estrutura (rodovias, ferrovias, cons-

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truo civil, alimentos etc.), gerando fluxos migratrios. Coerente com sua estratgia de interiorizar o desenvolvimento, o governoJK

implementou I Pla-

no Qinqenal (1955-1960), no quadro do Plano de Valorizao Econmica da Amaznia, criado em 1953 (no segundo governo Vargas), supervisionado pela Superintendncia para Valorizao Econmica da Amaznia (SPVEA), organismo de planejamento regional que antecedeu a Sudam. O plano de metas de JK anunciava a ideologia desenvolvimentista que marcaria a histria brasileira nos anos 60. O regime militar, implantado a partir do golpe de 1964, combinaria desenvolvimentismo e doutrina de segurana nacional, enfatizando os aspectos geopolticos do processo de ocupao da Amaznia (o lema era integrar para no entregar). Mediante o uso de critrios polticos e administrativos, instituiu, em 1966, a Amaznia Legal, compreendida pelos Estados do Acre, Par e Amazonas, Amap, Roraima e Rondnia, e ainda por reas de Mato Grosso, Gois e Maranho. No mesmo ano criou a Sudam (Superintendncia do Desenvolvimento da Amaznia), alm de organismos para a captao de crditos e incentivos, como o Banco da Amaznia S.A. (Basa). Por fim, induziu um processo de desenvolvimento do setor industrial na parte ocidental, com a criao da Superintendncia da Zona Franca de Manaus (Suframa). Ao longo dos anos 70, a ditadura implantou o Projeto Radam (Radares para a Amaznia) e construiu a infra-estrutura viria (Transamaznica, Cuiab-Santarm, Cuiab-Porto Velho-Manaus, ManausRio Branco, Perimetral Norte), ferroviria (Carajs-Itaqui) e energtica (usinas hidreltricas de Tucuru, Balbina e Samuel). Alm disso, o governo criou empresasAmaznia delimitada a partir de diferentes critrios.FONTES: SUDAM. MATTOS,

Amaznia: tipos e aspectos. 2. ed. Rio de Janeiro: GB; SUDAM, 1966.

C. M. Uma geopoltica pan-amaznica. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exrcito,

1980. Apud BUENO, Magali Franco. O imaginrio brasileiro sobre a Amaznia. So Paulo, 2002. Dissertao (Mestrado em Geografia Humana) FFLCH, USP.

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estatais que se associaram ao capital privado nacional e transnacional, como no Projeto Grande Carajs. As rodovias Belm-Braslia e Braslia-Acre tornaram-se eixos vetores de ligao entre a rea mais industrializada e economicamente desenvolvida (o Centro-Sul) e a grande fronteira de recursos do pas (a Amaznia). Segundo os idelogos do regime, a construo dos eixos virios, que, grosso modo, eram paralelos calha do Amazonas, serviria para aplacar os conflitos agrrios da Regio Nordeste, que se tornavam ainda mais agudos quando da ocorrncia das secas, alm de oferecer oportunidades para todos os que quisessem cultivar a terra e enfrentar o desafio da nova fronteira para fazer a vida. Juntamente com a implantao dessa malha viria, previa-se um sistema planejado de colonizao ao longo da Transamaznica. Desse sistema fariam parte as agrovilas (pequenos ncleos residenciais com cerca de cinqenta famlias), as agrpolis (ncleos de tamanho mdio, circundados por vinte agrovilas) e as rurpolis (cidades j existentes com maiores recursos em servios). Na BR-364 (rodovia Cuiab-Porto Velho), o Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria (Incra) implementou projetos de assentamentos dirigidos e projetos integrados de colonizao, responsveis pela atrao de muitos migrantes, originrios especialmente do Sul, Centro-Oeste e Nordeste, causando o explosivo crescimento da populao de Rondnia na dcada de 1970. Tambm foram instalados grandes projetos agropecurios e de extrao mineral. Os de carter agropecurio foram desenvolvidos por grupos estrangeiros e nacionais beneficiados por incentivos da Sudam. Dentre os projetos estrangeiros, o mais famoso

foi o Jari Florestal e Agropecurio, localizado no vale do rio Jari, junto aos limites dos Estados do Par e Amap. Idealizado e iniciado pelo milionrio estadunidense Daniel Keith Ludwig, acabou passando para o controle de um consrcio de empresas nacionais em meados dos anos 1980. No setor mineral, o Projeto Grande Carajs foi convertido, na dcada de 1980, no Plano de Desenvolvimento da Amaznia Oriental. A partir de 1985, o governo federal iniciou a implantao do Projeto Calha Norte, que visava a criao de uma extensa rede de bases militares das Foras Armadas junto s fronteiras do Brasil com a Colmbia, Venezuela e Guianas. Tratava-se de estabelecer o controle militar sobre a rea, na qual as fronteiras internacionais no estavam precisamente demarcadas. Alm disso, as aes militares na regio teriam a funo de disciplinar a atuao de garimpeiros, inibir a ao do narcotrfico, garantir a integridade territorial das reservas indgenas e prestar apoio s populaes ali localizadas. No incio dos anos 1990, o governo anunciou o incio dos estudos para a implantao do Sistema de Vigilncia da Amaznia (Projeto Sivam), para vigiar a Amaznia Legal por meio de uma rede integrada de comunicaes envolvendo o uso de avies, radares fixos e satlites que forneceriam dados e informaes destinados a controlar o trfego areo, coibir atividades ilegais como o contrabando, a ao de narcotraficantes e identificar focos de queimadas, e aprimorar o conhecimento sobre o potencial de riquezas da regio amaznica. Naquilo que nos interessa mais de perto neste estudo, o perodo de ocupao da Amaznia a partir das iniciativas do regime militar deu-se sob a gide de um aforismo emblemtico associado a esta estratgia:

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Uma terra sem homens (Regio Norte) para homens sem terra (Regio Nordeste). Sintomaticamente, repete-se o lema adotado pelo movimento sionista internacional, no final do sculo 19, para justificar a pretenso de instalar um Estado judeu na Palestina. A suposta terra sem povos a que se referiam os sionistas abrigava, de fato, uma populao rabe (e um pequeno percentual de judeus) que ali vivia havia milnios. A analogia, no nosso caso, no forada. Como era possvel ignorar a existncia do povo rabe palestino? A resposta to simples quanto trgica: mediante a excluso de sua cultura, identidade e histria isto , mediante a excluso de sua humanidade intrnseca (exatamente como, sculos antes, portugueses e espanhis ignoraram os direitos dos povos originrios). A ditadura militar reproduziu o mesmo esquema mental, psicolgico e imagtico; construiu uma imagem da Amaznia como se fosse uma nova terra de oportunidades exposta apenas ousadia e determinao de aventureiros; celebrou a fora do homem contra a natureza, simbolizada pela motosserra e por grandes obras como a Transamaznica; acentuou os traos mais perniciosos e catastrficos da mentalidade colonialista com relao Amaznia. Essas concepes no desapareceram aps o fim do regime militar. Ao contrrio, boa parte da propaganda sobre o agronegcio, apenas para citar um exemplo, tem como contedo, hoje, a idia do progresso civilizatrio sobre reas incultas, gerando riqueza pelo bem da nao e alimentos para a humanidade. As conquistas tecnolgicas da biogentica (em particular, no caso dos alimentos transgnicos) so apresentadas, em tom triunfal, como a possibilidade de erradicar a fome do planeta, antes mesmo que tenha deExemplo tpico de uma publicao de natureza empresarial contempornea que repete, quase que exatamente, todos os argumentos e motivos utilizados pela ditadura militar para fazer propaganda da Amaznia como nova fronteira de oportunidades e riquezas.FONTE:

Par Investimento. Belm: Agncia Amaznia de Notcias Ltda., ano 1, n. 1,

set. 2004.

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corrido um perodo suficientemente longo para comprovar na prtica os seus efeitos. UMLEGADO DA DITADURA

Por falar em fogueiras, um restaurante londrino estampa mensagens em toalhas descartveis, uma delas recomendando: Lute pelas florestas! Queime um brasileiro! H comerciais institucionais transmitidos pela televiso do Primeiro Mundo, inclusive aCNN,

A partir de meados dos anos 80, coincidindo com o processo de ocupao predatria da Amaznia, multiplicaram-se imagens da regio na mdia mundial (documentrios, sries de aventura e programas de debate na televiso, filmes, histria em quadrinhos, publicaes especializadas, jornais, semanrios, revistas). Predominam tanto as imagens que realam as maravilhas do paraso quanto as cenas de destruio por queimadas e atividades predatrias, junto a reflexes sobre o futuro do pulmo do mundo, imagem criada pelos viajantes do sculo 19 e cultivada, em tom ufanista, durante os anos da ditadura.At super-heris deHQ

onde a reprter Marina Mirabella mostra as maravilhas da fauna e da flora amaznicas para, em seguida, apresentar cenas de devastao, sujeira e imundcie, e concluir: So os brasileiros que esto fazendo isso! At quando? A Amaznia pertence humanidade e o Brasil no tem competncia para preserv-la!11

No cinema, alm de dzias de filmes de aventura e at erotismo (em uma das histrias da srie Emanuelle, a herona, sintomaticamente, encontra canibais na floresta), destaca-se a produo The Burning Season, de John Frankenheimer, traduzida como Amaznia em chamas, filme no qual o ator Raul Julia interpreta Chico Mendes, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri (Acre) assassinado em 22 de dezembro de 1988, por ordem de latifundirios. Um olhar apressado sobre esse tema poderia levar concluso de que se trata meramente de imagens produzidas para fim de entretenimento, sem qualquer inteno poltica. um equvoco. Numerosos estudos demonstram que as tcnicas contemporneas de propaganda poltica (pelo menos desde a mquina idealizada por Josef Goebbels na Alemanha nazista) encontram no cinema e na televiso um meio indispensvel quando se trata de construir formas de perceber situaes e problemas, especialmente no caso de temas de grande complexidade. A veiculao da imagem da Amaznia na mdia

querem o botim. S isso?

Nem pensar. O Homem-Aranha, numa revista em quadrinhos, j organizou sua turma e lutou, claro que vencendo, contra posseiros, fazendeiros e o governo do Brasil. O Super-Homem, tambm em quadrinhos, em vez de voltar para Kripton, dedicou-se numa aventura inteira a enfrentar os madeireiros que destruram a Amaznia. O Robocop, esse assassino de metal, em episdio transmitido pela televiso, levou os dez minutos iniciais do filme desaparecido. Ao chegar, perguntaram onde estava, respondeu: Na guerrilha da Amaznia. Ingnuos kits distribudos nas cadeias mundiais de vender hambrgueres mostraram dois meninos conversando sobre sanduches, quando um indaga: Voc sabe que o Brasil queima um campo de futebol por segundo?

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internacional experimentou um surto no incio dos anos 90, coincidente com a j citada Eco-92. Claramente, duas pautas organizavam o encontro: uma oficial, que tratava da biodiversidade, do efeito estufa, do desenvolvimento sustentvel etc.; outra, oficiosa, mas presente em todos os debates importantes, sobre a internacionalizao da Amaznia. Era abertamente discutida a suposta incompetncia do Brasil e pases vizinhos em preservar uma regio de interesse vital para o planeta. Essa idia foi cultivada e defendida por personalidades polticas representativas do mundo globalizado ao longo das ltimas dcadas do sculo 20, na forma que variava de propostas de negociao da dvida externa brasileira em troca da entrega da Amaznia para organismos multilaterais, como a ONU, at ameaas veladas de interveno militar: Os pases industrializados no podero viver da maneira como existiram at hoje se no tiverem sua disposio os recursos naturais do planeta. Tero de montar um sistema de presses e constrangimentos garantidores da consecuo de seus intentos. (Secretrio de Estado dos Estados Unidos Henry Kissinger, 1979) Se os pases subdesenvolvidos no conseguem pagar suas dvidas externas, que vendam suas riquezas, seus territrios, suas fbricas. (Primeira-ministra da Gr-Bretanha Margaret Thatcher, 1983) Ao contrrio do que os brasileiros pensam, a Amaznia no deles, mas de todos ns. (Vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore, 1989) S a internacionalizao pode salvar a Amaznia. (Grupo dos Cem associao de intelectuais e escritores latino-americanos em defesa do meio ambiente, 1989)

O Brasil precisa aceitar uma soberania relativa sobre a Amaznia. (Presidente da Frana Franois Mitterrand, 1989) O Brasil est sobrecarregado por uma dvida externa impressionante. Num programa de troca da dvida, o Brasil poderia trocar conservao de parte da floresta por uma parte da dvida um argumento que beneficiaria os ambientalistas e a economia brasileira. (Senadores estadunidenses Timothy E. Wirth e Henry John Heinz revista Christian Science Journal, 1989) Os pases que constituem o G7 precisam buscar um acordo com o governo brasileiro a fim de que as regras para a administrao da Amaznia sejam estabelecidas. (Primeiro-ministro da Alemanha Helmut Kohl, 1991) O Brasil deve delegar parte de seus direitos sobre a Amaznia aos organismos internacionais competentes. (Presidente da Unio Sovitica Mikhail Gorbatchov, 1991) As naes desenvolvidas devem estender o domnio da lei ao que comum de todos no mundo. As campanhas ecologistas internacionais que visam a limitao das soberanias nacionais sobre a regio amaznica esto deixando a fase de propaganda para dar incio a uma fase operativa que pode, definitivamente, ensejar intervenes militares sobre a regio. (Primeiro-ministro da Gr-Bretanha John Major, 1992) Quando o meio ambiente est em perigo, no existem fronteiras. (Secretria de Estado dos Estados Unidos Madeleine Albright, 1997) Caso o Brasil resolva fazer uso da Amaznia, que ponha em risco o meio ambiente nos Estados Unidos, temos de estar prontos para interromper esse processo, imediatamente. (General Patrick Hughes,

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diretor da Central de Inteligncia das Foras Armadas dos Estados Unidos, 1997) Proponho que os pases que tm dvida externa com os Estados Unidos troquem essas dvidas por suas florestas tropicais. (Candidato presidncia dos Estados Unidos George Bush filho, 2000).12 Se as idias genricas, muitas equivocadas, de que a Amaznia constitui uma espcie de celeiro do mundo deriva de fantasias e idealizaes que datam do sculo 16, por outro lado a maneira sem cerimnia com que os lderes mundiais falam sobre a apropriao da regio conseqncia da forma adotada pela ditadura para promover a ocupao da Amaznia. Um de seus efeitos mais nocivos foi a construo de uma terra de ningum, o total descaso s estruturas jurdicas, que deveriam assegurar o respeito lei e ao meio ambiente. Nesse clima de barbrie floresce hoje a cultura do bangue-bangue, vale a lei do mais forte. a cultura do crime organizado. OCRIME TOMA CONTA DA

A MAZNIA

possvel identificar, basicamente, cinco grandes reas de atuao do crime organizado na Amaznia

A maneira sem cerimnia com que os lderes mundiais falam sobre a apropriao da regio conseqncia da forma adotada pela ditadura para promover a ocupao da Amaznia

brasileira:FINANCEIRA

Grupos locais, associados s redes

e operaes de fraudes financeiras e prticas lesivas ao Tesouro Nacional, incluindo a evaso de divisas.NARCOTRFICO

Mfias que promovem o trfi-

co de drogas proibidas por lei, como maconha e cocana, muito mais como transportadores do que como centros produtores (caso de Colmbia, Bolvia e Peru).BIOPIRATARIA

Ato de aceder a ou transferir re-

curso gentico e/ou conhecimento tradicional associa-

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do biodiversidade sem a expressa autorizao do Estado de onde for extrado o recurso, ou da comunidade tradicional que desenvolveu e manteve determinado conhecimento ao longo dos tempos. Envolve ainda a no-repartio justa e eqitativa entre Estados, corporaes e comunidades tradicionais dos recursos advindos da explorao comercial ou no dos recursos e conhecimentos transferidos.MADEIREIRAS13

motor o narcotrfico. Os grupos mafiosos que, no passado, tinham uma tradio de atividades limitadas s suas prprias regies de origem comearam a se associar, provavelmente no final dos anos 80, com o objetivo de estender sua influncia. Com isso, a estrutura do crime organizado passou a ter carter transnacional. Como definir e identificar o crime organizado? Essas questes foram debatidas por uma conferncia daONU

Praticantes da extrao e do co-

em dezembro de 2000, em Palermo, Itlia.

mrcio ilegal de madeira nativa. Entre agosto de 2001 e agosto de 2002, foram desmatados 25.500 km2 de floresta (o equivalente a 5 milhes de campos de futebol, ou rea ocupada pelo Estado de Sergipe). No ano seguinte, o ritmo caiu um pouco, para 23.000 km2. Grande parte do estrago causada pela ao de pelo menos 3.000 madeireiras, cerca de 80% ilegais (principalmente no comrcio do mogno). O desmatamento agravado pela ao de pecuaristas, no processo de grilagem das terras para confirmar suas posses.ATIVIDADES ASSOCIADAS

Apesar de a conferncia ter aprovado um protocolo de ao contra o crime organizado (assinado pelo Brasil em 12 de dezembro de 2000 e ratificado em 29 de janeiro de 2004), o conceito de difcil apreenso. Ao cabo de uma pesquisa feita junto a estudiosos e instituies internacionais (incluindo rgos da ONU, o FBI, a Polcia Federal brasileira), o socilogo Adriano Oliveira, da Universidade Federal de Pernambuco, nota que:A Academia Nacional de Polcia Federal do Brasil enumera dez caractersticas do crime organizado: 1. planejamento empresarial; 2. antijuridicidade; 3. diversificao de rea de atuao; 4. estabilidade dos seus integrantes; 5. cadeia de comando; 6. pluralidade de agentes; 7. compartimentao; 8. cdigos de honra; 9. controle territorial; 10. fins lucrativos. O professor de direito penal da Universidade de Frankfurt, Winfried Hassemer, afirma que dentre as caractersticas de atuao das organizaes criminosas esto a corrupo do Judicirio e do aparelho poltico. [...] Mingardin aponta quinze caractersticas do crime organizado. So elas: 1. prticas de atividades ilcitas; 2. atividade clandestina; 3. hierarquia organizacional; 4. previso de lucros; 5. diviso do tra-

Formas de comrcio

ilegal que vive do e para o crime organizado, eventualmente praticado por bandos locais: trfico de armas, pedras preciosas, material destinado indstria de alta tecnologia (incluindo nuclear), explorao da prostituio, trabalho escravo, comrcio de carros roubados, roubo de carga de caminhes. O conceito de crime organizado no sinnimo de organizao do crime. Uma quadrilha que age local ou regionalmente, por mais poderosa que seja, no constitui, por si s, crime organizado. Este tem necessariamente uma atuao muito mais ampla. Segundo estimativas da (duas vezes oONU,

o crime organizado movimenta

anualmente, no mundo, cerca de 1 trilho de dlaresPIB

do Brasil), e tem como o principal

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balho; 6. uso da violncia; 7. simbiose com o Estado; 8. mercadorias ilcitas; 9. planejamento empresarial; 10. uso da intimidao; 11. venda de servios ilcitos; 12. relaes clientelistas; 13. presena da lei do silncio; 14. monoplio da violncia; 15. controle territorial. Chama-me a ateno de que em todas as caractersticas apontadas, a no ser as enumeradas pela Academia Nacional de Polcia Federal do Brasil, a relao entre Estado e crime organizado est presente. Portanto, uma das caractersticas do crime organizado buscar apoio para a sua atuao no mbito institucional instituies do Estado. Um outro ponto importante que as aes do crime organizado tm como engrenagem o sistema capitalista. Por meio dos benefcios do capitalismo, como, por exemplo, a interao dos mercados financeiros, possvel tornar as atividades das organizaes criminosas bastante lucrativas. A interao dos mercados financeiros proporciona, importante ressaltar, a lavagem de dinheiro.14

xo com grupos locais, pode indicar a presena de uma estrutura organizada muito maior. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, Giovanni Quaglia, responsvel pelo Escritrio daONU

contra Drogas e Crime (Unodc) no Brasil e Cone Sul, afirma que, no raro, os diversos grupos do crime organizado, ou mesmo os distintos braos de uma mesma organizao, fazem as suas transaes sem recorrer ao dinheiro:O grupo que trata de drogas freqentemente est vinculado a trfico de armas, sobretudo porque um negcio que no envolve dinheiro, s mercadorias. Eu te dou 20 kg de cocana em troca de uma metralhadora. Isso acontece na fronteira entre Argentina, Bolvia, Brasil e Paraguai, sobretudo com o produto do roubo de carga, carros e caminhes. Muitas vezes no tem dinheiro no meio. Por isso, o crime organizado funciona mais como holding do que como negcio setorializado. No caso da prostituio, freqentemente as pessoas so usadas para distribuir droga a seus clientes. assim no mundo inteiro. Quem de alguma forma revolucionou tudo isso foi a mfia russa, que comeou a traficar de tudo sistematicamente.15

O Brasil no est aparelhado juridicamente para enfrentar o crime organizado, segundo opinio de juristas e estudiosos das leis brasileiras. No h na legislao do pas uma tipificao adequada do que seja o crime organizado, e isso faz com que o Estado no esteja suficientemente aparelhado para combat-lo. Acrescente-se o fato de que muitas vezes difcil saber se determinado bando atua apenas localmente, sem vnculos com uma estrutura maior, ou se est direta ou indiretamente vinculado a mfias internacionais e ao aparelho de Estado. Por outro lado, a prtica de pequenos crimes, que aparentemente s tm cone-

Por outro lado, as caractersticas tecnolgicas do crime organizado contemporneo abolem a idia de regio geograficamente distante, pois ele se integrou a todas as atividades do circuito financeiro internacional. Assim, no dia 17 de agosto de 2004, o Estado do Par foi abalado pela notcia de que a Polcia Federal prendera oito importantes empresrios de Belm, no mbito da Operao Farol da Colina,

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desencadeada em todo o Brasil com o objetivo de desbaratar um esquema de remessa ilegal de divisas e sonegao fiscal, o chamado escndalo Banestado, responsvel pela evaso de pelo menos 30 bilhes de dlares, entre 1997 e 2002. A operao mobilizou oitocentos policiais, auditores fiscais e outros servidores pblicos em oito Estados. Nenhuma das quatro pessoas visadas no Paran, centro das operaes, foi presa; dos 54 mandados de priso expedidos para So Paulo, apenas 22 foram cumpridos; no Rio de Janeiro, foram presas nove das 28 pessoas procuradas. No total, foram presas 63 pessoas. E ficou claro que grupos paraenses faziam parte de uma mesma rede criminosa, integrada por alguns dos mais importantes empresrios brasileiros.

de origem incerta dos seus clientes? S dos clientes? No haveria dinheiro do prprio empresrio? Ele teria recebido em suas contas, monitoradas pela polcia,R$

250 milhes entre 1999 e 2002 e transferido, no

mesmo perodo, R$ 130 milhes. Se a incluso do nome de Fernando Yamada nos mandados de priso expedidos pelo juiz federal de Curitiba foi uma surpresa, no menos surpreendente foi a excluso do empresrio Marcos Marcelino, apontado nos inquritos da PF como o maior aplicador do Par em Foz do Iguau. Empresas de Marcos Marcelino foram vasculhadas no dia 17, mas seu dono, que estava viajando e ainda se mantm em local ignorado, no foi incomodado. Ao menos por enquanto.16

Haver outras ramificaes, ainda no reveladasA novidade foi a priso do empresrio Fernando Yamada, vice-presidente do grupo Y. Yamada, o maior do mercado varejista da Amaznia e o principal empregador privado do Par. No s Fernando foi preso, como seu apartamento foi revirado pelos policiais federais, que levaram dinheiro, jias e papis. No chegaria a ser original descobrir que um empresrio acumula muitos dlares e os envia clandestinamente para o exterior. Milhares fazem isso. Mas agora as autoridades no s esto comprovando o delito, que antes era motivo apenas de conversas, chegando aos que o praticam e dimensionando o tamanho da rapinagem praticada contra o pas, como esto puxando fios at ento invisveis desse imenso novelo de ilicitudes. [...] Utilizando suas empresas regulares do segmento, que se orgulham de manter 800.000 cartes de crdito no cadastro, Fernando Yamada teria ingressado no circuito financeiro clandestino para escoar dinheiro Na salada que mistura lavagem de dinheiro via Banestado, o banco americano daqui e dosEUA, MTB

ou descobertas, envolvendo esses poderosos grupos de Belm? Impossvel afirmar, mas razovel supor. Alis, a operao de abafamento das notcias referentes ao caso, denunciada acima pelo jornalista Lcio Flvio Pinto, sugere a existncia de outras pessoas e/ou grupos envolvidos e no interessados no aprofundamento das investigaes. Casualmente, a ecloso de outro escndalo evidenciou a existncia, em pelo menos um caso concreto, de vnculos entre os doleiros do esquema Banestado e a explorao ilegal de pedras preciosas em Minas Gerais e na Amaznia, como mostra a seguinte reportagem da revista Isto:

e investigao policial

o ingrediente mais nobre a venda

de um diamante rosa de 80 quilates, no valor de US$12 milhes em estado bruto, para um comerciante de

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Hong Kong. A pedra especial conhecida como fancy color foi negociada pelos irmos Gilmar Campos e Geraldo Magela Campos, donos de garimpos em Minas. O diamante avaliado emUS$

de diamantes do mundo). Nunca foram completamente esclarecidas as circunstncias que desembocaram na tragdia: quem, exatamente, eram os garimpeiros e quais as relaes que eles mantinham (se havia alguma) com os ndios; quem eram os intermedirios entre os garimpeiros (e, eventualmente, os ndios) e os comerciantes de jias, na outra ponta da linha; e a responsabilidade e o papel dos agentes do governo do Estado e os da Funai nisso tudo. O massacre levantou, mais uma vez, uma questo candente e de propores ainda desconhecidas: o contrabando de pedras preciosas. No se trata, absolutamente, de uma questo secundria, especialmente quando se recorda que o circuito internacional do comrcio de diamantes, que tem os seus principais plos na frica do Sul, Blgica, Holanda, Israel e Estados Unidos, um dos grandes responsveis pelos horrveis e continuados morticnios verificados no sul da frica. O direito de explorao das riquezas situadas em reservas indgenas , sem dvida, uma das questes mais espinhosas e explosivas do atual estgio de debates sobre o futuro da Amaznia. Mas no objetivo deste trabalho apresentar a polmica, e sim indicar a maneira pela qual as redes do crime organizado eventualmente dirigem os seus tentculos para esse comrcio, integrando-o holding de que fala Giovanni Quaglia. Participam da mesma rede doleiros, banqueiros, polticos, empresrios e comerciantes respeitados em suas comunidades, em todo o Brasil. Do ponto de vista dessa holding, ainda segundo Quaglia, at mesmo a posio geogrfica da Amaznia um capital negocivel: a proximidade com os principais produtores de drogas faz com que os preos sejam muito baixos. Os distribuidores brasileiros que contro-

30 milhes depois

de lapidado saiu clandestinamente do pas dentro de um mao de cigarros rumo a Nova York. [...] A incrvel histria do diamante cor-de-rosa e do poder de fogo do doleiro carioca Dario Messer, que movimentou a fortuna que os irmos garimpeiros ganharam com a pedra, contada pelo prprio Gilmar Campos: Durante mais de cinqenta anos, quando no era possvel a exportao de pedras, Messer foi o responsvel por trazer para o pas todo o dinheiro do contrabando de diamantes para o exterior. Campos est sendo investigado pela PF por suspeita de envolvimento com o contrabando de pedras da Reserva dos ndios Cintas-largas em Rondnia. E Messer, prestes a completar 90 anos, s teve suas atividades criminosas descobertas no ano passado, durante as investigaes da mfia dos fiscais, denunciada por Isto, que mostrou as atividades nada pblicas do ex-fiscal Rodrigo Silveirinha e sua quadrilha. Ele ajudou os fiscais a mandar US$ 30 milhes para a Sua. Mas o doleiro, segundo documentos do MTB comprovam, operou mais de US$ 200 milhes com o contrabando de pedras preciosas retiradas de reservas indgenas e de garimpos ilegais do pas.17

A referncia Reserva dos ndios Cintas-largas de Rondnia remete a outra tragdia, ocorrida em 7 de abril de 2004, quando um grupo de cintas-largas promoveu o massacre de 29 garimpeiros que exploravam ilegalmente diamantes em suas terras (hoje consideradas uma das maiores, ou talvez a maior reserva

Para a coleta de espcimes animais e vegetais, com fins de pesquisa cientfica, necessria autorizao emitida pelo Ibama. Todo o material colhido na natureza deve ser enviado a instituies brasileiras credenciadas. Ao lado, mamferos coletados no Parque Nacional da Amaznia, taxidermizados para depsito em coleo cientfica. Fevereiro de 2005.

FOTO:

Maurcio Torres

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lam o corredor amaznico podem cobrar uma parte do carregamento como pagamento por seus servios, e vender sua cota por preos vrias vezes multiplicados nos mercados do Sul e Sudeste do Brasil.QUAGLIA:

continua para Europa e

EUA,

ser vendida em granUS$

des quantidades por US$ 30 mil a US$ 50 mil/kg, chegando ao consumidor final por algo entre mil e US$ 150 mil.18

100

O Brasil est no percurso entre os produto-

A intrincada estrutura do narcotrfico vincula as organizaes chefiadas por Fernandinho Beira-Mar (Rio de Janeiro), Joo Arcanjo Ribeiro (Mato Grosso), coronel Hildebrando Pascoal (Acre) e tantos outros nomes que, eventualmente, aparecem nas pginas dos jornais. Reproduzimos, em seguida, algumas reportagens que permitem visualizar como essas relaes so tecidas. Mostram-se, no caso, a interconexo entre o trfico de drogas na Amaznia e os bingos no Nordeste.Pelo menos dois grandes chefes do crime organizado no Brasil possuem ramificaes na Paraba: o traficante Fernandinho Beira-Mar e o Comendador Joo Arcanjo Ribeiro usaram servios no Estado para lavar dinheiro sujo e fazer transportes de drogas para o Nordeste. A conexo entre os dois est sendo investigada sob forma de sigilo pelo Ministrio Pblico Federal e pela Polcia Federal. As investigaes transcorrem em segredo, mas, ontem, algumas informaes mantidas a sete chaves comearam a ser reveladas. Segundo informaes da Procuradoria Geral da Repblica em Cuiab, o chefe do crime organizado em Mato Grosso, o Comendador Joo Arcanjo Ribeiro, teria utilizado os servios de bingos paraibanos para lavar dinheiro sujo do grupo comandado por ele e de outras organizaes criminosas do pas. a que os nomes dos dois criminosos se cruzam. O pedido de ajuda para as investigaes desembarcou h cerca

res e os pases europeus de destinao final do produto. Mas j no s rota. Nos ltimos cinco anos, o consumo aumentou. Dados do Cebride [Centro Brasileiro de Informaes sobre Drogas Psicotrpicas] mostram que, de 87 a 97, os estudantes de ensino mdio e fundamental passaram a consumir seis vezes ou mais: anfetaminas (150% a mais), maconha (325%), cocana (700%). Criou-se no Brasil um mercado interessante para os traficantes, porque eles no precisam pagar com dinheiro os servios que prestam aos seus colegas na Europa e nosEUA.

Em um carrega-

mento de 100 kg de cocana que entra no Brasil, os brasileiros se encarregam de despachar 80 kg para fora e ficam com 20 para distribuir aqui. A droga no Brasil barata.FOLHA:

Por qu? Porque est perto dos produtores. E aqui o

QUAGLIA:

traficante faz o preo dependendo do poder aquisitivo do cliente. O Brasil parte de uma escala. Voc pode comprar 1 kg de cocana na fronteira entre Brasil e Bolvia por entreUS$ US$

1.500, a um nvel de pureza de 7 mil, com o mesmo nvel de

70%. Depois, vende esse quilo nas favelas do Brasil 5 mil eUS$

pureza. O mesmo produto com pureza entre 30% e 50% chegar aos clientes da classe mdia alta aUS$

20 mil/kg, US$ 20/grama. O fator de multiplica-

o de quase trinta vezes. A mesma cocana, que vem da Colmbia, da Bolvia, passa pelo Brasil e

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de um ms na Procuradoria Geral da Repblica e na superintendncia da Polcia Federal no Estado. Ns temos essa impresso, porque a movimentao bancria muito grande, mais de R$ 500 milhes, sem declarao de imposto de renda. E as empresas, entre aspas lcitas, no tm aporte para a movimentao, afirmou em entrevista o procurador da Repblica em Cuiab, Pedro Taques, que conduz as investigaes com o objetivo de desmontar o esquema. Taques se refere aos negcios do Comendador Joo Arcanjo Ribeiro, acusado de ser o lder do crime organizado em Mato Grosso e de sonegar da Receita Federal R$ 842 milhes. [...] As conexes de Beira-Mar e do Comendador no Nordeste comearam a aparecer h dois anos, com as denncias surgidas durante aCPI

do Narcotrfico instalada na Assemblia Le-

gislativa sob o comando do agora deputado federal Luiz Couto (PT). A assessoria de comunicao social da Polcia Federal, em Bras