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Imagem MARIA CAROLINA SANTOS FERRAREZI AMICUS CURIAE: NATUREZA JURÍDICA E AS IMPLICAÇÕES DE SUA (IM)PARCIALIDADE NAS DISPUTAS JUDICIAIS Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra no âmbito do 2º Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de Mestre) em Ciências Jurídico-Civilísticas, Menção em Direito Processual Civil, sob a orientação da Professora Doutora Maria José Oliveira Capelo Pinto de Resende Coimbra, 2018

AMICUS CURIAE: NATUREZA JURÍDICA E AS ......RESUMO O presente trabalho irá abordar, de uma forma geral, a natureza jurídica deste importante instituto que chamamos de “amicus

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MARIA CAROLINA SANTOS FERRAREZI

AMICUS CURIAE: NATUREZA JURÍDICA E AS

IMPLICAÇÕES DE SUA (IM)PARCIALIDADE NAS

DISPUTAS JUDICIAIS

Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra no âmbito do 2º

Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de Mestre) em Ciências Jurídico-Civilísticas,

Menção em Direito Processual Civil, sob a orientação da Professora Doutora Maria José

Oliveira Capelo Pinto de Resende

Coimbra, 2018

MARIA CAROLINA SANTOS FERRAREZI

AMICUS CURIAE: JURIDICAL NATURE AND THE

IMPLICATIONS OF THEIR (IM)PARTIALITY IN

JUDICIAL DISPUTES

AMICUS CURIAE: NATUREZA JURÍDICA E AS

IMPLICAÇÕES DE SUA (IM)PARCIALIDADE NAS

DISPUTAS JUDICIAIS

Dissertação de Mestrado na Área de Especialização em Ciências Jurídico-Civilísticas /Menção em Direito Processual Civil, apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Orientadora: Professora Doutora Maria José Oliveira Capelo Pinto de Resende

Coimbra, 2018

“O tribunal tem encontro marcado com a definição do que é o amicus curiae.”

Carmém Lúcia (Presidente do Supremo tribunal Federal do Brasil)

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, à minha orientadora Professora Doutora Maria José Capelo,

por toda atenção e dedicação dispensada. Sua orientação me ensinou muito e com certeza

me ajudou a construir um trabalho melhor.

Agradeço também ao meu marido Douglas Serdeira, por estar sempre ao meu

lado. Nos momentos em que pensei em desistir você foi meu alicerce e nos momentos de

vitória também esteve ao meu lado para celebrarmos. Nada disso seria possível sem você!

Aos meus pais, Edson e Cristina Ferrarezi, por todo apoio. Se no futuro meus

filhos tiverem por mim a admiração que tenho por vocês poderei dizer que sou uma pessoa

realizada.

Ao meu irmão Lucas e à minha cunhada Carolina, por me darem a alegria e honra

de ser tia da Antônia, e por serem sempre meu “ninho”.

À minha avó Maria Isabel, meu orgulho e fonte de inspiração. Obrigada por

sempre me colocar em suas orações.

E claro, ao meu avô Hermínio (in memoriam), o maior exemplo de caráter que

levo pra vida e a quem sempre recorri em minhas preces. Tenho certeza que o senhor me

acompanha, esteja onde estiver.

Por fim, agradeço à toda minha familía e amigos, que foram meu porto seguro, em

especial ao colega de turma Rodrigo Gonçalves que me ajudou sempre com muita

paciência e humildade, e à querida Amanda Benevenuti que tem sido não só uma amiga,

mas sim uma irmã que Deus me deu.

RESUMO

O presente trabalho irá abordar, de uma forma geral, a natureza jurídica deste importante

instituto que chamamos de “amicus curiae”. Mas, não iremos adotar a posição deste ou

daquele autor que defende uma única natureza para esta figura, pelo contrário,

demonstraremos as diferentes opiniões (há quem defenda se tratar de um assistente, há

quem diga que ele é sim um “amigo da corte”, ou seja, um simples auxiliar do juízo, há

ainda os que dizem se tratar de uma intervenção de terceiros ou de um fiscal da lei –

“custos legis”), e sustentaremos que todos podem estar corretos. Sim, ao longo do nosso

trabalho defenderemos a ideia de que dependendo da forma como o “amicus” ingressa no

processo (voluntariamente ou a requerimento das partes), sua natureza jurídica poderá se

modificar dentre todas essas opções já citadas. Para contextualizar nossa pesquisa faremos

uma breve passagem pela história do “amicus” e de sua importância no Processo Civil

Cooperativo. Além disso, falaremos dos princípios basilares da atuação desta figura e da

sua tão criticada (im)parcialidade.

Palavras-chave: Amicus curiae. Processo Civil Cooperativo. Democracia no judiciário.

Constitucionalização.

ABSTRACT

The present work will, in general, approach the legal nature of this important institute that

we call “amicus curiae”. But we will not adopt the position of this or that author who

defends a single nature for this figure, on the contrary, we will demonstrate different

opinions (there are those who defend if it is an assistant, some say that he is rather a

“friend of the court” , that is, a simple auxiliary of the court, there are still those who say

that it is a third party intervention or a prosecutor of the law – “custos legis”), and we will

argue that all may be correct. Yes, in the course of our work, we will defend the idea that

depending on how the amicus enters the process (voluntarily or at the request of the

parties), its legal nature may change among all those options already mentioned. To

contextualize our research we will make a brief passage through the history of “amicus”

and its importance in the Cooperative Civil Procedure. In addition, we will talk about the

basic principles of the performance of this figure and his so criticized (im)partiality.

Key-words: Amicus curiae. Cooperative Civil Procedure. Democracy in the judiciary.

Constitutionalisation.

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

A. – Autor/Autora

AA. - Autores

Ac./Acs. – Acórdão/Acórdãos

ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade

ADPF – Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental

AI – Agravo de Instrumento

Al. – Alínea

Art. – Artigo

BR - Brasileiro

CC – Código Civil

Cit. – Citado

CNTS - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde

CPC – Código de Processo Civil

CRP – Constituição da República Portuguesa

DJ – Diário de Justiça

DL – Decreto-Lei

EUA – Estados Unidos da América

NCPC – Novo Código de Processo Civil

P./PP. – Página/Páginas

Proc. – Processo

STF – Supremo Tribunal Federal

STJ – Supremo Tribunal de Justiça

SS - Seguintes

Vol. – Volume

ZPO - Zivilprozessordnung

ÍNDICE

I. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 1

1. Origem histórica ................................................................................................................ 6

1.1. Breve apresentação sobre o “amicus curiae” ............................................................. 6

1.2. Notas sobre a gênese: do “Consilliarius” ao “Amicus Curiae” ................................. 8

1.3. “Amicus curiae” em Portugal ................................................................................... 12

1.4. “Amicus Curiae” em outros países ........................................................................... 14

1.4.1. Brasil ................................................................................................................... 14

1.4.2. Direito norte-americano ...................................................................................... 19

1.4.3. Direito francês .................................................................................................... 20

1.4.4. Direito italiano .................................................................................................... 21

1.4.5. Outros países ...................................................................................................... 22

1.5. O amicus curiae perante as Cortes Internacionais de Direitos Humanos ................. 22

2. A emergência do “amicus curiae” no processo cooperativo .......................................... 24

3. A intervenção do “amicus curiae” versus princípios processuais .................................. 30

3.1. Princípio do dispositivo............................................................................................. 36

3.2. Vedação de decisão surpresa ..................................................................................... 38

3.3. Gestão processual ...................................................................................................... 40

3.4. Outros princípios ....................................................................................................... 46

4. Natureza jurídica do “amicus curiae” ............................................................................. 48

4.1. Intervenção de Terceiros ........................................................................................... 49

4.1.2. Assistência .......................................................................................................... 52

4.2. Auxiliar do juízo ....................................................................................................... 56

4.3. Custos legis - fiscal da lei .......................................................................................... 58

5. Conceito de partes e a (im)parcialidade do “amicus curiae” .......................................... 62

5.1. O amicus curiae é parte no processo? ....................................................................... 62

5.2. A (im)parcialidade do “amicus curiae” .................................................................... 64

6. Amostras estatísticas e críticas sobre o “amicus curiae” ................................................ 68

II. CONCLUSÃO ................................................................................................................ 72

III. BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................... 74

1

I. INTRODUÇÃO

O Direito, como toda a ciência, exige precisão na escolha dos termos que irão

validar os seus conceitos. Baseando-nos nisso, propomos discutir neste trabalho as

interpretações divergentes sobre o instituto do “amicus curiae”. Essa questão é relevante

porque apesar de o novo Código de Processo Civil brasileiro ter enquadrado o “amicus

curiae” como sendo uma intervenção de terceiro, ainda existem divergências entre os

doutrinadores se esta será realmente a sua natureza jurídica.

Tais divergências são importantes porque - como veremos ao longo do trabalho -

contribuem para o avanço e o aperfeiçoamento do Direito. Também são salutares na

medida em que o Direito, como um dos instrumentos reguladores das relações da

sociedade, não se pode fechar em dogmas. Aliás, como ciência que tem a linguagem como

suporte principal, no mundo inteiro, ele é rico em disputas semânticas.

Ao longo do trabalho iremos mostrar como o “amicus curiae” irá ajudar o juiz a

chegar à uma decisão mais célere e justa no processo. Mas, o que podemos considerar uma

decisão justa?1 Para começarmos a tentar responder à essa questão usaremos como

analogia o que Michael J. Sandel2 diz em seu livro, cujo título é “Justiça – o que é fazer a

coisa certa”. Segundo o autor:

Se a reflexão moral consiste em harmonizar os julgamentos que fazemos com os

princípios que afirmamos, como pode tal reflexão nos levar a justiça ou a

verdade moral? Mesmo se conseguíssemos, durante toda a vida, alinhar nossas

instituições morais e os princípios que fundamentam nossa conduta, como

poderíamos confiar no fato de que o resultado seria algo mais do que um

amontoado de preconceitos com coerência interna? A resposta é que a reflexão

moral não é uma busca individual, e sim coletiva. Ela requer um interlocutor –

um amigo, um vizinho, um camarada, um compatriota.

1 Aristóteles ensina que a justiça significa dar às pessoas o que elas merecem. E para determinar quem merece o quê, devemos estabelecer quais virtudes são dignas de honra e recompensa. Aristóteles sustenta que não podemos imaginar o que é uma Constituição justa sem antes refletir sobre a forma de vida mais desejável. Para ele, a lei não pode ser neutra no que tange à qualidade de vida. Já filósofos políticos modernos (como Kant e John Rawls) afirmam que os princípios de justiça que definem nossos direitos não devem basear-se em nenhuma conceção particular de virtude ou da melhor forma de vida. Ao contrário, uma sociedade justa respeita a liberdade de cada indivíduo para escolher a própria conceção do que seja uma vida boa. 2 SANDEL, Michael J. Justiça: O que é fazer a coisa certa? 23. ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017, p. 17.

2

É importante destacar a pergunta de Michael J. Sandel sobre a busca da “justiça

ou da verdade moral”. Para o autor, além da harmonização entre julgamentos e princípios

há um componente fundamental para alcançar o ideal de justiça: é o fato de que “a reflexão

moral não é uma busca individual, e sim coletiva”3 (grifo nosso).

Ao indicar quem seriam os interlocutores nessa busca pela justiça e a verdade

moral, o autor cita, entre outros, “um amigo”, ou, no nosso caso, um “amicus curiae”.

A possibilidade de ser o “amicus curiae” o interlocutor na busca da justiça e da

verdade fica mais evidente no exemplo que o autor dá no seu livro, ao dizer que:

Quando a reflexão moral se torna política, quando pergunta que leis devem

governar nossa vida coletiva, precisa haver alguma ligação com o tumulto da

cidade, com as questões e os incidentes que perturbam a mente pública. Debates

sobre bailout4 e preços extorsivos, desigualdade de renda e sistemas de cotas,

serviço militar e casamento entre pessoas do mesmo sexo são o que sustentam a

filosofia política5 (grifo nosso).

Quem melhor para fazer essa ligação do que o “amicus curiae”?

Para a autora Thais Catib6:

É sabido que em nosso sistema os membros do STF são escolhidos de forma

difusa (são nomeados pelo Presidente, para depois serem sabatinados pelo

Senado), diferentemente do legislador, que é eleito, escolhido diretamente pela

sociedade. Este fato é gerador de um déficit de legitimidade democrática para o

Tribunal Constitucional. Vale a pena ressaltar que, para alguns teóricos, esse

déficit é suprido pelo cumprimento da Constituição (de onde tiram sua

legitimidade). Ainda que compartilhem dessa percepção, não discordariam de

3 SANDEL, Michael J. Op. cit., p. 17. 4 O termo Bailout, em economia e finanças, designa uma injeção de capital (resgate) por parte de investidores externos a uma empresa ou instituição, de modo a evitar a falência da mesma. Os Bailouts são geralmente dados pelos governos ou por consórcios de investidores que, em troca da injeção de capital, assumem o controlo, parcial ou total, da instituição. Os Bailouts dados pelos governos são geralmente referentes a empresas ou instituições de grande relevância estratégica onde se reconheça que, uma perturbação possa contagiar toda a economia como, por exemplo, um grande banco. Os Bailouts podem, mas não necessariamente, evitam a falência de uma instituição. Por vezes, eles servem simplesmente para atenuar os problemas de contágio na economia. Disponível em: https://www.artigosenoticias.com/artigos/economia/304/diferenca_entre_bailout_e_bailin.html. Acesso em: 12 de junho de 2018. 5 SANDEL, Michael J. Op. cit., p. 39. 6 LAURENTIIS, Thais Catib de. A caracterização do amicus curiae à luz do Supremo Tribunal Federal. Monografia (Especialização) - Curso de Direito, Escola de Formação da Sociedade Brasileira de Direito Público, São Paulo, 2007, p. 67.

3

que a participação seria, mesmo nesse caso, um valor que poderia ser agregado

ao Tribunal. Para que esta contradição seja eliminada, deve-se pensar sobre o

"estabelecimento de um constante (necessário e indispensável) diálogo entre a

Corte e a sociedade civil como medida verdadeiramente imperiosa". O amicus

curiae é uma forma de se estabelecer esse diálogo, e, assim, aferir legitimidade

democrática para as decisões tomadas pelo STF.

No primeiro tópico, apresentamos a génese do conceito que alguns autores

defendem ter surgido do Direito Romano, onde os estudiosos identificam a sua origem

histórica. Já outros autores afirmam que foi no Direito Inglês com seu conceito de

“counsels” responsável pela sua disseminação no mundo da ideia de um “amigo da corte”.

Nesse mesmo capítulo, fazemos um breve percurso histórico de inserção do “amicus

curiae” no Direito Português, além de explicarmos brevemente como este instituto é

utilizado em outros países, tais como Brasil, França, Itália, Estados Unidos, Inglaterra, e

nos Tribunais Internacionais de Direitos Humanos.

No segundo tópico, abordamos o Processo Civil Cooperativo e como a interação

entre o juiz e as partes favoreceu a atuação do “amicus”. O juiz não tem uma orientação

política fixa e precisa do “amicus” para dar-lhe informações sobre a opinião pública e

tornar as suas decisões acessíveis à população.

No terceiro tópico, debruçamo-nos sobre a constitucionalização do processo civil

e sobre alguns princípios que norteiam a atuação dessa figura nos processos.

Segundo Peter Häberle7:

Existem leis que despertam grande interesse da opinião pública. Essas leis

provocam discussões permanentes e são aprovadas com a participação e sob o

controle rigoroso da opinião pública pluralista. Ao examinar essas leis, a Corte

Constitucional deveria levar em conta a peculiar legitimação democrática que as

orna, decorrente da participação de inúmeros segmentos no processo

democrático de interpretação constitucional. (...) Peculiar reflexão demandam as

leis que provocam profundas controvérsias no seio da comunidade. (...) É que, no

caso de uma profunda divisão da opinião pública, cabe ao Tribunal a tarefa de

zelar para que não se perca o mínimo indispensável da função integrativa da

Constituição.

7 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional - A sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997, p. 46.

4

No quarto tópico, fazemos uma breve discussão acerca da natureza jurídica do

“amicus curiae”. Não é o objetivo deste trabalho dizer quais as propostas de classificação

que estão certas ou erradas, mas sim compreender melhor a figura do “amicus curiae” nas

várias situações em que se insere. Isso não nos impede de tomarmos posição a favor de

uma ou de outra interpretação. No final, poderemos, inclusive, questionar a não existência

apenas de um “amicus curiae”, mas sim de vários.

Sobre o papel do “amicus” no processo, Cássio Scarpinella Bueno8 afirma que:

Para nos livrarmos das amarras de outrora, o "assistente", o "fiscal da lei", o

"perito" (mesmo as testemunhas), todos esses sujeitos do processo podem (e

devem) abrir espaço para outra figura, outro sujeito, que não usurpa o seu papel,

que não pretende colocar-se nos seus lugares, ocupando-os e excluindo seus

tradicionais titulares. Sua função é outra, diversa. Mas desempenha função que

as complementa, que se faz necessária para que vozes sem boca, ao menos no

plano do direito processual, possam ser ouvidas, devidamente representadas, em

prol do aprimoramento e aprofundamento da qualidade da cognição

jurisdicional. Porque o juiz não é mais só a boca da lei. E sua decisão já não

afeta, queira ou não queira, somente aqueles poucos dois que se encontram na

sua frente.

No quinto tópico, apresentamos os conceitos de partes no processo e a

possibilidade do “amicus” ser parcial, ou não, quando intervém num processo.

No sexto tópico, descrevemos amostras estatísticas e críticas sobre o “amicus

curiae”.

Esta é uma discussão importante, pois o novo Código de Processo Civil Brasileiro

não esclareceu se o “amicus” precisa ou não de ser imparcial, uma vez que não é parte no

processo. O que o CPC exige são dois requisitos para a intervenção do “amicus curiae”. O

primeiro, de natureza objetiva, é a relevância da matéria, a especificidade do tema ou

a repercussão social da controvérsia. O segundo, de caráter subjetivo, é

a representatividade adequada do terceiro que pretende a intervenção. Vale dizer, deve

8 BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus Curiae no processo civil: um terceiro enigmático. 3ª ed., rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 467.

5

ele, seja pessoa natural ou jurídica, ter conhecimentos específicos sobre o tema objeto da

demanda9.

Como se trata de um trabalho despretensioso de quem se iniciou nas lides das

discussões jurídicas, não é o seu escopo ter a palavra final sobre as divergências

doutrinárias. O seu propósito é fornecer subsídios para a compreensão do papel do “amicus

curiae” nas disputas judiciais.

9 ALVIM, J. E. Carreira. Comentários ao novo Código de Processo Civil. Curitiba: Juruá, 2015.

6

1. Origem histórica

1.1. Breve apresentação sobre o “amicus curiae”

Como foi dito na introdução, o Direito é uma ciência que tem a linguagem como

suporte, por isso, um breve estudo sobre o conceito dessa figura ao longo da história faz-se

necessário.

A expressão latina é referida expressamente por Paulo Rónai10 como “amigo da

cúria, isto é, da justiça. Diz-se de perito designado pelo juiz para aconselhá-lo”11.

Também temos a definição mais conhecida e utilizada pela maioria dos autores

que é a tradução “ao pé da letra” - “amigo da corte” -, que traz a mesma ideia de que o

“amicus” seria uma figura presente no processo para auxiliar a Corte em questões mais

complexas, nas quais este seja especialista.

Para Damares Medina12, o “amicus curiae” é:

Um terceiro que intervém em um processo, do qual ele não é parte, para oferecer

à Corte sua perspectiva singular acerca da questão constitucional controvertida.

Além disso, ele pode apresentar informações técnicas acerca de questões

complexas cujo domínio ultrapasse o campo legal. Por fim, mas não menos

importante, o amici pode atuar na defesa de interesses dos grupos por ele

representados no caso de serem, direta ou indiretamente, afetados pela decisão a

ser tomada.

Esta é uma definição baseada na origem do “amicus curiae” e, ao longo do

tempo, houve algumas modificações sobre o entendimento e a atuação desta figura.

Com a Constitucionalização do Direito13, os Princípios passaram a ter muito mais

importância no nosso sistema jurídico. Além disso, a jurisprudência também ganhou força

10 RÓNAI, Paulo. Não perca seu latim. Bazar do Tempo, 2017, p. 25. 11 Ibidem, p. 25. 12 MEDINA, Damares. Amigo da Corte ou Amigo da Parte? Amicus Curiae no Supremo Tribunal Federal. Dissertação (Mestrado) - Curso de Pós Graduação Sticto Sensu em Direito Constitucional, Instituto Brasiliense de Direito Público, Brasília, 2008, p. 44. 13 O fenómeno da constitucionalização do Direito Civil é o reflexo do esgotamento do Direito Privado vertido tão-somente nos Códigos, e, de outra parte, na evolução do movimento constitucionalista, vicejando na centralidade da Constituição no sistema jurídico, de modo a não se poder falar, estritamente, em “ramos” do Direito, na medida em que todos esses “ramos” buscam o seu fundamento de validade na Constituição Federal. Assim, a ascensão das Constituições, vertidas em diplomas consagradores dos direitos fundamentais e instrumentos de dirigismo Estatal, representa a tónica dessa transformação, ou seja, um Direito Civil que se

7

e com isso cada vez mais os precedentes vêm sendo utilizados como fundamentação nos

processos atuais. Desta forma, surgiu a necessidade de existir uma figura que levasse ao

judiciário os valores presentes na sociedade, um “amigo” que reunisse os interesses dos

vários setores sociais e pudesse levá-los ao processo em que estes não figuram como

partes, e, ainda, alguém que pudesse chamar a atenção do juiz para possíveis precedentes

que pudessem ser utilizados naquele caso específico. Damares Medina14 afirma que:

A jurisdição constitucional deverá ser inclusiva, de forma a abranger segmentos

sociais relevantes para o deslinde das controvérsias constitucionais e o amicus

curiae é uma das formas de alcançar essa inclusão participativa.

Cássio Scarpinella Bueno15 trata o “amicus” como sendo um “terceiro

enigmático” e diz que:

Se trata de uma forma pela qual alguém, que não é parte – e por isso mesmo,

terceiro é -, busca intervir em processo alheio por razões que as figuras

conhecidas e tradicionais do direito brasileiro não dão conta de regular ou, como

nos parece mais correto afirmar, não conseguiram, por ora e generalizadamente,

ao menos prever.

Para nós uma coisa é certa: o “amicus curiae” vem ao processo para democratizar

a decisão do juiz, pois, via de regra, a sentença produzirá efeitos intraprocessuais, mas,

ocasionalmente, poderá atingir outras pessoas que não fazem parte do litígio.

Segundo Maria José Capelo16, “os indivíduos que se encontram num estado de

sujeição não coincidem sempre com (todos) os sujeitos que ficam vinculados à sentença”.

percebe por meio das lentes do Direito Constitucional. Deste modo, a Constituição passa a atuar como filtro axiológico por meio do qual se procede à leitura do Direito Civil, esse imantando, nessa axiologia, a realizar os valores da pessoa humana, insuflado por interesses existenciais. Assim, alça-se um paradigma representando por microssistemas; refletindo uma acepção mais próxima de uma igualdade material; o influxo de eficácia horizontal dos direitos fundamentais nos meandros do Direito Privado; e a presença de cláusulas gerais na construção dos sistemas jurídicos, expõe a tez do fenómeno da constitucionalização do Direito Civil. E, nesse sentido, valores como o princípio da dignidade da pessoa humana, solidariedade social e isonomia, passam a constar do rol de preceitos inerentes ao Direito Civil, infundindo-lhe, por consequência, uma nova significação, a partir do reconhecimento, v.g., da eficácia horizontal dos direitos fundamentais. PAGANELL, Celso Jefferson Messias; SIMÕES, Alexandre Gazetta. O fenômeno da constitucionalização do Direito Civil. Disponível em: http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_linkrevista_artigos_leitura&artigo_id=12711. Acesso em: 24 de março de 2018. 14 MEDINA, Damares. Op. cit., p. 31. 15 BUENO, Cassio Scarpinella. 2012, op. cit., p. 113.

8

Neste sentido, entendemos que o “amicus” seria importante, pois poderia defender os

interesses daqueles que podem ser atingidos pela sentença sem serem partes no processo.

Carolina Tupinambá17 ensina-nos que:

Desarte, o amicus curiae retrata também uma retomada contra o aparente deficit

democrático do Poder Judiciário. Com representantes não eleitos pelo povo

sequer por via indireta, a tábua de salvação para o Judiciário concretizar o

primeiro comando constitucional da nossa Carta é a abertura do contraditório

entre as partes. Mais do que isso, sua disposição em ouvir a sociedade, mister

este que pode ser viabilizado pelo amicus curiae, a funcionar como caixa de

ressonância da mesma.

1.2. Notas sobre a gênese: do “Consilliarius” ao “Amicus Curiae”

Passemos então à origem do “amicus curiae”.

Alguns estudiosos, como os italianos Giovanni Criscuoli18 e Elisabeta Silvestri19,

entendem que este instituto sofreu influência do Direito Romano, com a figura do

“consilliarius”, tendo sido depois aperfeiçoado pelo Direito Inglês, para então ser

espalhado pelo mundo.

O “consilliarius” era um “colaborador neutro” e, assim como o “amicus curiae”,

tinha a função de auxiliar o juiz em diversos assuntos, fossem questões de direito ou

questões financeiras e religiosas. No entanto, essa figura possuía algumas características

distintas do “amicus” que conhecemos atualmente, tais como a convocação obrigatória por

parte do magistrado e a possibilidade de se manifestar apenas de forma neutra nas

demandas processuais. Ou seja, não possuía qualquer liberdade de intervenção e de

atuação, pois só podia intervir no processo caso fosse convocado pelo juiz e sempre de

forma neutra em relação ao assunto da demanda.

16 CAPELO, Maria José de Oliveira. Interesse processual e legitimidade singular nas ações de filiação. Coimbra: Coimbra editora, 1996, pp. 219-220. 17 TUPINAMBÁ, Carolina. Novas tendências de participação processual: O amicus curiae no anteprojeto do novo CPC. In: DIDIER Jr, Fredie. Estudos em homenagem a Professor José Joaquim Calmon de Passos. Salvador: Juspudivm, 2012, p. 111. 18 CRISCUOLI, Giovanni. “Amicus curiae”. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, Ano XXVII, nº 1, março de 1973, p. 189. 19 SILVESTRI, Elisabeta. “L‟amicus curiae: uno strumento per la tutela degli interessi non rappresentati”. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, Ano LI, nº 3, setembro de 1997, pp. 679-680.

9

Já no Direito Inglês, o “amicus” podia manifestar-se espontaneamente, ou, ainda,

favorecer uma das partes na vitória (figurando como uma espécie de assistente). Cássio

Scarpinella Bueno20, ao citar o Criscuoli, diz que:

É justamente por essa razão, isto é, pela natureza de sua intervenção (sempre

provocada) e pela liberdade de sua atuação (sempre neutra), que Giovanni

Criscuoli estrema aquela figura do direito romano do amicus curiae. Este, desde

suas mais remotas origens no direito inglês, pode comparecer espontaneamente

perante o juízo e, mais do que isso, pode, eventualmente, pretender fornecer

elementos úteis (de acordo com seu próprio convencimento) para a vitória de um

dos sujeitos integrantes dos polos da relação processual.

Há também autores, como Nicolás De Piérola Y Balta e Carolina Loayza

Tamayo21, que afirmam que as raízes do “amicus” estão no direito romano com a figura do

“advocatus”. Essa figura tinha a função de auxiliar as partes em questões fáticas, posto que

as questões jurídicas cabiam aos jurisconsultos. O “advocatus” apresentava-se ao processo

como amigo dos litigantes e não tinham direito a receber qualquer remuneração pela sua

atuação. Posteriormente, o “advocatus” assume o papel do advogado com as funções de

defesa judicial que ele mantém até hoje.

No entanto, a corrente mais forte é a de que o “amicus curiae” surgiu no Direito

Inglês com os “counsels”, que tinham a função de atualizar os juízes sobre precedentes e

leis que estes pudessem desconhecer.

Frank M. Covey Jr.22 informa-nos que no Direito Inglês mais antigo não havia o

benefício da nomeação de um defensor ao acusado de grave infração criminal,

principalmente nos casos de traição ou crimes contra a Coroa. Porém, já havia uma

preocupação em proteger o acusado de eventuais erros na aplicação do direito, ou seja, de

equívocos de julgamento23. A intervenção do “amicus curiae” terá surgido para preencher

20 BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit., p. 113. 21 BALTA, Nicolás De Piérola Y; TAMAYO, Carolina Loayza. Los Informes de Amici Curiae Ante La Corte Interamericana De Derechos Humanos, p. 455. Disponível em: https://dadun.unav.edu/bitstream/10171/22207/1/ADI_XII_1996_10.pdf. Acesso em: 12 de março de 2018. 22 COVEY JR., Frank M. Amicus Curiae: Friend of the Court”. Law Review, vol. 9, nº 30, 1959, p. 35. Disponível em: http://via.library.depaul.edu/law-review/vol9/iss1/5/. Acesso em: 13 de março de 2018. 23 O mesmo autor destaca que a prática do “amicus curiae” no período do antigo Direito Inglês era bastante comum nos casos de direito privado. Todavia, observa que a única menção encontrada nos escritos de Sir Edward Coke (1552-1634), um dos maiores juristas ingleses a estudar com profundidade o “common law”, encontra-se justamente no capítulo sobre o direito criminal da sua obra monumental: “Institutes of the Law of England (Amicus Curiae: friend of the Court, pp. 34/5)”.

10

essa lacuna existente no processo penal, tendo sido posteriormente ampliada à outras

hipóteses24.

Portanto, o papel originário do “amicus curiae”, ainda de acordo com os

ensinamentos de Frank M. Covey Jr.25, seria o de garantir a observância do devido

processo legal aos acusados de graves infrações criminais. Por essa razão, tem-se que o

“amicus” podia intervir no processo de modo espontâneo, sem necessidade de aguardar

qualquer requisição da Corte, sendo-lhe absolutamente vedado atuar contra o réu nos

processos criminais. Essas duas características terão pautado toda a atuação do “amicus

curiae” durante o antigo Direito Inglês.

Atualmente no Direito Inglês, quando atua defendendo interesses da Coroa, tal

figura é representada pelo “Attorney General”26.

Lowman27 afirma que este instituto teve as suas raízes ligadas ao Direito Romano,

do qual emergiu o “amicus” no “common law”, o qual não era parte no litígio, mas servia

como um assistente imparcial que fornecia conselhos e informações à Corte para evitar

erros ou esclarecer dúvidas.

Sobre este assunto, Damares Medina28 diz-nos que:

O traço original do amicus curiae ainda está presente em várias definições atuais,

que o identificam como um terceiro que não possui um interesse direto na

solução da controvérsia. Essa definição dialoga com as origens romanas do

instituto, como consta no Corpus Juris Secundum, e ainda está presente na

24 COVEY JR., Frank M. Op. cit., p. 35. 25 Ibidem. 26 “O Procurador-geral de Sua Majestade para a Inglaterra e o País de Gales, geralmente conhecido como Procurador-Geral, é um dos Diretores da Coroa. Junto com o Procurador-Geral subordinado da Inglaterra e do País de Gales, o Procurador-Geral é o principal assessor jurídico da Coroa e o seu governo na Inglaterra e no País de Gales. A posição do Procurador-Geral existia desde pelo menos 1243, quando os registros mostram que um advogado profissional foi contratado para representar os interesses do rei no tribunal. A posição assumiu um papel político em 1461, quando o titular do escritório foi convocado para a Câmara dos Lordes para aconselhar o governo sobre questões legais. Em 1673, o Procurador-Geral tornou-se oficialmente o conselheiro e o representante da Coroa em assuntos legais, embora ainda se especializasse em litígios e não em conselhos. O início do século XX viu uma mudança de litígio e mais para o aconselhamento jurídico. Hoje, os processos judiciais são realizados pelo Ministério Público da Coroa e a maioria dos assessores jurídicos aos departamentos governamentais é prestada pelo Serviço Jurídico do Governo, ambos sob a supervisão do Procurador-Geral”. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Procurador-Geral_para_Inglaterra_e_Pa%C3%ADs_de_Gales. Acesso em 05 de maio de 2018. 27 LOWMAN, Michael K. The Litigating Amicus Curiae: When Does the Party Begin after the Friends Leave. American University Law Review, Washington, v. 4, nº 41, pp. 1243-1299, 1992, p. 1244, Livre tradução. 28 MEDINA, Damares. Op. cit., p. 31.

11

doutrina nacional e estrangeira. O Dicionário de Termos e Frases Abbott

descreve o amicus como um espectador que, sem ter um interesse na causa,

informa à corte questões jurídicas ou fáticas, que sejam de seu conhecimento. O

Dicionário de Direito Holthouse oferece definição ainda mais vintage: quando

um juiz está em dúvida ou se engana em uma questão de direito, um espectador

pode informar à Corte como um amicus curiae. Na Corte, o conselheiro atua

frequentemente nesta condição quando tem conhecimento de um caso que o juiz

não conheça ou não se lembre no momento.

A autora afirma ainda que “desde sua feição inglesa, o caráter de neutralidade foi

comprometido, assumindo o amicus um viés partidário e litigante”29.

Como exemplo dessa função informativa do “amicus”, Criscuoli30, Samuel

Krislov31 e Nancy Bage Sorenson32 citam um caso de 1686, em que Sir George Treby,

então membro do Parlamento, compareceu à Corte Real, convocado por esta, para

manifestar-se sobre uma lei específica, informando que estava presente quando a norma foi

aprovada e qual havia sido a intenção dos parlamentares. Um outro caso, ainda do Direito

Inglês, é “Coxe vs. Phillips” (1736), em que o “amicus curiae” aparece como um

verdadeiro informador de que um dado casamento era fraudulento e que por isso um

determinado legado não podia ser concedido33.

No direito norte-americano, inicialmente, o “amicus curiae” era sempre

representado por um ente governamental. O caso pioneiro em tribunais norte-americanos

foi o de “Green vs. Biddle”. A questão foi movida por Green e outros herdeiros de John

Green em face do inquilino Richard Biddle, tendo em vista a recuperação de certas terras

na posse deste no Estado de Kentucky. Antes de julgar, o Tribunal Federal pediu que o

Estado de Kentucky apresentasse a sua posição sobre o caso. Foi então que o senador

Henry Clay, grande orador e defensor dos direitos estatais, sob as vestes de “amicus

curiae”, foi encarregado da função de proteger os interesses do Estado membro com

fundamento no caso inglês “Coxe vs. Phillps”. Na sua apresentação, argumentou que a

29 MEDINA, Damares. Op. cit., p. 31. 30 CRISCUOLI, Giovanni. Op. cit., p. 201, 31 KRISLOV, Samuel. “The amicus curiae brief: from friendship to advocacy.” Yale law jornal, vol. 72, nº 4, março de 1963, p. 697. 32 SORENSON, Nancy Bage. The Ethical Implications of Amicus Briefs: A Proposal for Reforming Rule 11 of the Texas Rule of Appellate Procedure. 1999, p. 145. Disponível em: https://heinonline.org/HOL/LandingPage?handle=hein.journals/stmlj30&div=33&id=&page=. Acesso em: 10 de maio de 2018. 33 BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit., p. 114-115.

12

demanda era fraudulenta e que as terras pertenciam ao governo de Kentucky, tese esta que

foi acompanhada pelo Tribunal34.

A importância da utilização do “amicus curiae” nos tribunais norte-americanos

pode ser medida, por exemplo, pelo julgamento, na Suprema Corte, do caso envolvendo a

Universidade de Michigan, em 2003, no qual foi questionado o sistema de cotas instituído

para alunos de minorias raciais (casos “Grutter vs. Bollinger” e “Gratz v. Bollinger”). A

universidade foi apoiada por mais de 150 “amicus curiae”35, constituídos por ONGs,

empresas públicas, empresas privadas (representantes da elite das 500 maiores dos EUA,

segundo a cotação da revista Forbes, tais como General Motors, Coca-Cola, Intel,

Microsoft, Nike, IBM, entre outras), as mais conceituadas universidades (como Harvard,

Princeton, Yale, Cornell, Brown, Penn, entre outras) e, ainda, organizações de direitos

civis (NAACP e outras) e organizações de veteranos das Forças Armadas36.

1.3. “Amicus curiae” em Portugal

Em Portugal, houve a tentativa de ingressar o “amicus curiae” na legislação, na 2ª

Comissão de Revisão do Processo Civil, em 2012, por proposta do Senhor Professor

Doutor Remédio Marques. O “amici” seria colocado como Intervenção de Terceiros, assim

como no Brasil, como veremos mais adiante, e seu texto legal teria a seguinte redação:

DIVISÃO III

ASSISTÊNCIA E AMICUS CURIAE

Artigo 341º - A - Amicus curiae

1 - O tribunal, considerando a repercussão social da lide e a representatividade

do interveniente, se este for pessoa colectiva, poderá solicitar oficiosamente, ou

admitir, a todo o tempo, a requerimento das partes, mediante despacho

irrecorrível, a intervenção de pessoa humana ou colectiva, no prazo de dez dias,

a contar da sua intimação.

2 - A intervenção prevista no número anterior não atribui ao interveniente o

estatuto de parte acessória, nem autoriza a interposição de recursos. 34 KRISLOV, Samuel. Op. cit., pp. 700-701. 35 Para maiores detalhes sobre os diversos Amicus Curiae admitidos no caso Michigan, vide: http://www.umich.edu/~urel/admissions/legal/gru_amicus-ussc/um.html. 36 A decisão, apertadíssima, foi de 5 votos contra e 4 a favor. Os juízes da Suprema Corte concluíram que a Universidade de Michigan no processo de admissão de sua Escola de Direito poderia levar em consideração a raça dos candidatos de minorias étnicas, muito embora tenha-se posicionado em desfavor (por 6 votos a 3) da implantação de um sistema de cotas.

13

3 – A decisão proferida na causa não constitui caso julgado em relação ao

interveniente.

A principal diferença entre este diploma legal e o do Brasil é que em Portugal a

intervenção do “amicus curiae” não poderia ser espontânea, ou seja, este só poderia

intervir se o magistrado ou as partes solicitassem. Porém, a introdução deste artigo no

Novo Código de Processo Civil Português não foi aprovada.

A recusa da proposta de inclusão deste instituto na lei não significa que ele não

seja utilizado em Portugal, como podemos observar no acórdão do Supremo Tribunal de

Justiça abaixo.

Processo: 1388/05.2TAVRL.P1-A.S1

Nº Convencional: 3ª SECÇÃO

Relator: MAIA COSTA

Descritores: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA

NOTIFICAÇÃO

ARGUIDO

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO

IRREGULARIDADE

PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

Data do Acordão: 20/02/2013

Sumário:

I - O CPP não prevê a notificação do parecer do MP, elaborado ao abrigo do art.

440.°, n.º 1, do CPP, ao recorrente. A lei estabelece uma tramitação própria para

o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, na qual não está incluída

essa notificação. Não há qualquer lacuna legislativa, pelo que não é possível

apelar à aplicação subsidiária do processo do recurso ordinário, por via do art.

448.° do CPP.

II - O que se pretende com o recurso para fixação de jurisprudência é fixar um

entendimento que ponha termo a divergências jurisprudenciais sobre uma certa

questão de direito, contribuindo assim para a certeza na sua aplicação. Embora a

decisão que resolver o conflito tenha eficácia no processo (art. 445.°, n.º 1, do

14

CPP), é a fixação abstrata do entendimento a seguir quanto à questão de direito

controversa que constitui o núcleo deste recurso. É, em síntese, a declaração do

direito, no quadro estabelecido pela oposição de julgados, que caracteriza este

recurso extraordinário.

III -Sendo assim, o recurso não assume as características típicas do recurso

ordinário, que se destina a reapreciar um litígio concreto, opondo o MP,

enquanto titular da ação penal, e o arguido, e portanto a decidir a solução do

caso. Ao invés, no recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, é a

decisão de uma questão de direito que é o objeto do procedimento, é a fixação da

interpretação de uma norma, a definição de um certo conteúdo normativo que se

pretende, com consequências não só naquele processo como em todos os demais

em que se coloque a mesma questão de direito.

IV -Por isso, o MP não intervém neste tipo de recurso como titular da ação

penal. Ele não tem interesse num certo resultado, mas apenas na boa

administração da justiça. Ele intervém numa posição de neutralidade, como

amicus curiae. Por estas razões, não existe violação do princípio do

contraditório37 (grifo nosso).

Ao analisarmos o artigo proposto pelo Senhor Professor Doutor Remédio

Marques e o acórdão em questão, podemos concluir que o “amicus curiae” não receberá a

qualidade de parte ao ingressar no processo e deverá ser sempre imparcial, não podendo ter

qualquer interesse no resultado da lide. Mas, será mesmo essa figura imparcial? Esta

questão será discutida num capítulo à parte.

1.4. “Amicus Curiae” em outros países

1.4.1. Brasil

No Brasil, o primeiro aparecimento da figura do “amicus curiae”, embora não

seja diretamente citada, deu-se com a Lei nº 6.616, de 16 de dezembro de 1978, (que

acrescentou artigos à Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976) que dispõe sobre o mercado

37 Acórdão do STJ, de 20-02-2013, processo nº 1388/05.2TAVRL.P1-A.S1. Disponível em: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/33dc7b8d8527c7b280257b21004e49c6?OpenDocument. Acesso em: 20 de maio de 2018.

15

de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários. A referida lei estabelece

no seu artigo 31º:

Artigo 31º

Nos processos judiciários que tenham por objetivo matéria incluída na

competência da Comissão de Valores Mobiliários, será esta sempre intimada

para, querendo, oferecer parecer ou prestar esclarecimentos, no prazo de quinze

dias a contar da intimação.

Com a leitura do referido artigo podemos perceber que a Comissão de Valores

Mobiliários atuará no papel de “amicus curiae” nos processos de sua competência.

Posteriormente, foi editada a Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, criada a partir

da conversão da Medida Provisória nº 1.561-6, que novamente institui o “amicus curiae”

sem o citar diretamente. Tal instituto pode ser observado no parágrafo único de seu artigo

5º:

As pessoas jurídicas de direito público poderão, nas causas cuja decisão possa ter

reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica, intervir,

independentemente da demonstração de interesse jurídico, para esclarecer

questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados

úteis ao exame da matéria e, se for o caso, recorrer, hipótese em que, para fins de

deslocamento de competência, serão consideradas partes.

Destarte não ser citado, fica claro que se trata do “amicus curiae” quando o artigo

estabelece que não há a necessidade de demostrar interesse jurídico para que as pessoas

jurídicas de direito público possam intervir no processo, bastando para isso que a decisão

lhes traga algum reflexo.

Com relação às ações de controlo concentrado de constitucionalidade,

primeiramente foi admitida a intervenção do assistente até fevereiro de 1986, data em que

entrou em vigor a Emenda Regimental nº 2 do Supremo Tribunal Federal que acrescentou

o § 2º ao art. 169º do Regimento Interno do STF, proibindo a assistência a qualquer uma

das partes.

Mas, com a entrada em vigor da Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, que

dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação

declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, tornou-se possível

16

a manifestação de órgãos e entidades no papel de “amicus curiae”, em razão da relevância

da matéria e da representatividade dos postulantes no procedimento da Ação Direta de

Inconstitucionalidade, como podemos observar no artigo 7, §2º da referida lei:

O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos

postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado

no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades.

Fundamental citar também a Lei nº 9.882, de 3 de dezembro de 1999, que dispõe

sobre o processo e julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental,

pois no seu artigo 6, §1º, fica estabelecido que, entre outras medidas, o relator pode fixar

data para ouvir em audiência pública pessoas com autoridade e experiência na matéria do

processo em questão. Fica claro que estamos novamente diante da figura do “amicus

curiae”.

Outra inovação importante no ordenamento jurídico brasileiro foi a inclusão, pela

Emenda Regimental nº 12, de 2003, do inciso III, parágrafo 5º, do artigo 321º do

Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

De acordo com tal dispositivo, que regulamenta o procedimento do recurso

extraordinário interposto perante os Juizados Especiais Federais, instituído pela Lei nº

10.259, de 12 de julho de 2001, será admitida a manifestação de eventuais interessados,

ainda que não sejam partes no processo, no prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação

da decisão concessiva da medida cautelar prevista no inciso I deste dispositivo, verbis:

Artigo 321º (...)

§ 5º Ao recurso extraordinário interposto no âmbito dos Juizados Especiais

Federais, instituídos pela Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001, aplicam-se as

seguintes regras: (Acrescentado pela ER-000.012-2003)

I - verificada a plausibilidade do direito invocado e havendo fundado receio da

ocorrência de dano de difícil reparação, em especial quando a decisão recorrida

contrariar súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal,

poderá o relator conceder, de ofício ou a requerimento do interessado, ad

referendum do Plenário, medida liminar para determinar o sobrestamento, na

origem, dos processos nos quais a controvérsia esteja estabelecida, até o

pronunciamento desta Corte sobre a matéria; (Acrescentado pela ER-000.012-

2003)

17

II - o relator, se entender necessário, solicitará informações ao Presidente da

Turma Recursal ou ao Coordenador da Turma de Uniformização, que serão

prestadas no prazo de 05 (cinco) dias; (Acrescentado pela ER-000.012-2003)

III - eventuais interessados, ainda que não sejam partes no processo, poderão

manifestar-se no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação da decisão

concessiva da medida cautelar prevista no inciso I deste § 5º; (Acrescentado pela

ER000.012-2003).

Existem outras legislações esparsas que fazem referência ao “amicus curiae”,

porém a inovação mais importante deu-se no Novo Código de Processo Civil, de 2015, que

no seu capítulo V, artigo 138º, trata diretamente deste instituto e estabelece que o juiz

pode, de ofício, a requerimento da parte ou por vontade do terceiro, admitir a participação

de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade

adequada.

O legislador enquadrou o “amicus curiae” como sendo Intervenção de Terceiro

no Código de 2015. Este enquadramento foi correto? Não seria ele um auxiliar da justiça?

Ou um assistente? Estas questões serão discutidas mais à frente.

Para ilustrarmos a importância dessa figura no ordenamento jurídico brasileiro,

podemos citar um caso que gerou muita repercussão: a descriminalização do aborto dos

anencéfalos. A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) formalizou a

arguição de descumprimento de preceito fundamental, indicando que foram ofendidos os

artigos 1º, inciso IV (dignidade da pessoa humana), 5º, inciso II (princípio da legalidade,

liberdade e autonomia da vontade), 6º, caput, e 196º (direito à saúde), todos da

Constituição Federal, e, ao causar lesão a esses princípios, o conjunto normativo

representado pelos artigos 124º, 126º e 128º, incisos I e II, do Código Penal - Decreto-Lei

nº 2.848/4038 - perderam o seu sentido. Com isso, a CNTS requereu então que ao se

38 “Art. 124º - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena - detenção, de um a três anos.” “Art. 126º - Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de um a quatro anos.” “Art. 128º - Não se pune o aborto praticado por médico: Aborto necessário. I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro. II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.”

18

constatar a existência de feto anencéfalo não se aplicassem os artigos citados do código

penal, de modo a viabilizar a intervenção médica para a interrupção da gravidez.

Devido à complexidade e notoriedade do assunto, várias entidades requereram a

participação no processo na qualidade de “amicus curiae”, o que inicialmente foi negado

pelo Ministro Marco Aurélio. Porém, num segundo momento, o Ministro não só admitiu a

participação das entidades que haviam requerido a entrada no processo como convocou

especialistas para emitirem pareceres sobre o assunto, justamente com base no art. 6º, § 1º,

da lei no 9.882, de 3 de dezembro de 1999.

DECISÃO AUDIÊNCIA PÚBLICA - INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ -

ANENCEFALIA. (...) Em peça protocolizada em 23 de junho de 2004, a

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, reportando-se ao § 1º do

artigo 6º da Lei nº 9.882/99, solicitou fosse admitida no processo como amicus

curiae, o que foi indeferido por meio da decisão de folha 156. O encerramento do

semestre judiciário sem o referido exame pelo Colegiado levou-me ao exercício

monocrático do crivo, vindo a implementar a tutela de urgência, remetendo-a à

análise do Plenário (folha 158 a 164). De acordo com a certidão de julgamento

de folha 167, em 2 de agosto de 2004, ou seja, na abertura do segundo semestre

judiciário do ano em curso, o Plenário deliberou, sem voto discrepante, em

apreciar o tema em definitivo, abrindo-se vista do processo ao Procurador-Geral

da República. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, ainda durante as

férias coletivas de julho, requereu a reconsideração do ato mediante o qual não

foi admitida como amicus curiae, havendo despachado o Presidente no sentido

de se submeter tal requerimento ao relator (folha 169). Com a decisão de folhas

171 e 172, foi mantido o indeferimento. A CNBB solicitou a juntada de cópia do

respectivo estatuto civil (folha 174). Católicas pelo Direito de Decidir pleiteou

também a integração ao processo (folha 177 a 182). Seguiu-se a decisão de folha

202, a resultar no indeferimento do pedido. Teve idêntico desfecho pretensão

semelhante externada pela Associação Nacional Pró-vida e Pró-família (folha

204) e pela Associação do Desenvolvimento da Família (folha 231). (...) 2. A

matéria em análise deságua em questionamentos múltiplos. A repercussão do que

decidido sob o ângulo precário e efêmero da medida liminar redundou na

emissão de entendimentos diversos, atuando a própria sociedade. Daí a

conveniência de acionar-se o disposto no artigo 6º, § 1º, da Lei nº 9.882, de 3 de

dezembro de 1999: Art. 6o (...) § 1o Se entender necessário, poderá o relator

ouvir as partes nos processos que ensejaram a arguição, requisitar informações

adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a

19

questão, ou ainda, fixar data para declarações, em audiência pública, de pessoas

com experiência e autoridade na matéria. Então, tenho como oportuno ouvir, em

audiência pública, não só as entidades que requereram a admissão no processo

como amicus curiae, a saber: Conferência Nacional dos Bispos do Brasil,

Católicas pelo Direito de Decidir, Associação Nacional Pró-vida e Pró-família e

Associação de Desenvolvimento da Família, como também as seguintes

entidades: Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, Sociedade

Brasileira de Genética Clínica, Sociedade Brasileira de Medicina Fetal, Conselho

Federal de Medicina, Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sociais e

Direitos Representativos, Escola de Gente, Igreja Universal, Instituto de

Biotécnica, Direitos Humanos e Gênero bem como o hoje deputado federal José

Aristodemo Pinotti, este último em razão da especialização em pediatria,

ginecologia, cirurgia e obstetrícia e na qualidade de ex-Reitor da Unicamp, onde

fundou e presidiu o Centro de Pesquisas Materno-Infantis de Campinas -

CEMICAMP. Cumpre, antes dessa providência, elucidar a pertinência da medida

intentada, em face da provocação do Procurador-Geral da República (...)39 (grifo

nosso).

Como resultado, o Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou

procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da interpretação, segundo a qual a

interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124º, 126º,

128º, incisos I e II, todos do Código Penal e, portanto, nestes casos, o aborto é permitido.

1.4.2. Direito norte-americano

Como já foi dito acima, inicialmente o “amicus curiae” só era admitido em casos

onde existisse o interesse público, ainda que os litigantes fossem particulares. Elisabetta

Silvestri40 afirma que neste caso a intervenção poder-se-ia justificar com base no fato de

que o “amicus” se manifestaria acerca da lei aplicável, a federal ou estadual, e, por isso,

podia afirmar-se que havia o interesse público que legitimava a intervenção deste.

39 Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADPF&s1=54&processo=54. Acesso em: 01 de março de 2018. 40 SILVESTRI, Elisabetta. “L‟amicus curiae: uno stromento per la tutela degli interessi non rappresentati”. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, Milano: Giuffrè, 1997, pp. 679-698.

20

Com o passar dos anos, houve uma abertura maior e pequenas associações

privadas passaram a atuar como “amicus” em processos privados. Cássio Scarpinela

Bueno41 diz que:

Com o avolumamento das intervenções a Supreme Court americana regulou a

intervenção do amicus em 1938, passando a exigir na Rule 27 (9), que houvesse

prévio consentimento das partes a respeito da intervenção pretendida. A despeito

da necessidade dessa concordância nunca se negou a possibilidade o amicus

requerer sua intervenção diretamente a corte, o que sempre foi, em geral,

admitido. A regra, dispensa, expressamente, os entes governamentais da

demonstração dessa prévia concordância, considerando que tais entes, por

definição, representam também, em juízo, o "interesse público".

Surgem então duas formas diferentes de “amicus” - os “amici” governamentais e

os “amici” privados -, tendo o primeiro uma possibilidade de intervenção mais ampla, o

que lhe dá quase as mesmas características da parte no processo. Já os “amici” privados

têm uma atuação mais limitada. Iremos abordá-los mais à frente.

Atualmente o “amicus” está previsto na “Rule 37”, que estabelece, dentre outras

coisas, que o requerente da condição de “amicus curiae” deve apresentar o consentimento

das partes envolvidas no litígio. Não havendo o consentimento das partes, o “amicus

curiae” deverá juntar ao seu pedido de admissão as razões da não anuência, pois não é

parte formal do processo. Contudo, independentemente do consentimento das partes

litigantes, a Suprema Corte poderá admitir o seu ingresso no processo, desde que a sua

petição traga fatos relevantes ainda não expostos pelas partes. Além disso, permite que a

manifestação do “amicus” seja feita por memoriais ou oralmente.

1.4.3. Direito francês

Em França, o “amicus curiae” ainda mantém uma ligação muito forte com a ideia

inicial desta figura, ou seja, ainda há o entendimento de que este deve ser uma figura

imparcial que é introduzida no processo somente para auxiliar o juiz e, por isso, deve-se

manter imparcial. Carolina Tupimambá42 explica que “o amicus tem sido entendido como

41 BUENO, Cássio Scarpinela. 2012, op. cit., p. 117. 42 TUPIMAMBÁ. Carolina. Op. cit., p. 115.

21

uma “técnica de informação” a que o juizo pode se utilizar sem levar em conta as regras

trdicionais da colheita de prova”.

Não existe no Código Civil Francês nenhuma previsão expressa sobre o “amicus

curiae, mas podemos citar o art. 181º do dispositivo legal43 que, em livre tradução, prevê

que o juiz pode, durante a audiência ou em qualquer outro momento, determinar a oitiva de

pessoas que possam contribuir para a manifestação da verdade e para seu convencimento.

Portanto, concluímos que em França o “amicus curiae” é considerado um mero

auxiliar do juízo e, assim como no Brasil e em Portugal, encontra base no Princípio do

livre convencimento motivado do juiz.

1.4.4. Direito italiano

Na Itália, o pensamento a respeito do “amicus curiae” é bem parecido com o da

França, ou seja, o “amicus” será somente um auxiliar do juízo. Esse país também não

possui previsão expressa nos seus Códigos para o “amicus”. Porém, segundo Cássio

Scarpinela Bueno44:

A intervenção do amicus curiae, pode ser determinada analogicamente, à

possibilidade que o juiz italiano tem, em processo do trabalho, de determinar, de

ofício ou a requerimento das partes, que os sindicatos prestem determinadas

informações em juízo, nos termos do art. 421, comma 2º, e art. 425, ambos do

Código de Processo Civil Italiano.

Além disso, podemos citar também o art. 68º do mesmo diploma legal45, que

autoriza, quando previsto em lei ou sempre que necessário, que o juiz seja assistido por um

perito em determinada arte ou profissão, ou, ainda, por uma pessoa qualificada para

realizar atos que ele não possa realizar sozinho. Ou seja, possibilita a utilização de um

“auxiliar do juízo”.

43 “Code de Procédure Civile - Article 18º - Le juge peut, au cours des opérations de vérification, à l'audience ou en tout autre lieu, se faire assister d'un technicien, entendre les parties elles-mêmes et toute personne dont l'audition paraît utile à la manifestation de la vérité.” 44 BUENO, Cássio Scarpinela. 2012, op. cit., p. 132. 45 “Art. 68º - Nei casi previsti dalla legge o quando ne sorge necessità, il giudice, il cancelliere o l‟ufficiale giudiziario si può fare assistere da esperti in una determinata arte o professione e, in generale, da persona idonea al compimento di atti che egli non è in grado di compiere da sé solo.”

22

1.4.5. Outros países

Na Argentina também não há previsão expressa que autorize o ingresso do

“amicus curiae” no processo. Porém, o acórdão nº 28, de 10 de julho de 2004, estabeleceu

que estavam autorizados a participar do processo terceiros não relacionados com as partes

desde que ofereçam argumentos relevantes para a decisão final. Além disso, é necessário

que tenham reconhecida competência sobre assunto discutido e um interesse inequívoco na

resolução final.

Na Austrália, o “amicus” ainda não é aceite e frequentemente ainda são negados

pela Alta Corte os pedidos de ingresso destes em processos. De acordo com Antônio do

Passo Cabral46, a aplicação dá-se pela praxe judiciária, porém, ainda não há sistematização

legal sobre o assunto, mas há a necessidade de se demonstrar interesse para que um

terceiro estranho possa intervir no processo.

No Canadá, a partir de 1999, só são aceites nas causas os “amicis” que

demonstrem objetivamente que trarão algo novo para o processo, que ainda não foi

argumentado pelas partes. Já na Irlanda, o “amicus” é tido como um terceiro interessado

qualquer, porém não pode trazer para o processo fatos novos, devendo-se ater aos

argumentos legais.

Em Hong Kong, a prática segue basicamente o modelo inglês. No entanto, o

número de “amicus curiae” é bem reduzido - de 1942 a 1997 apenas 31 casos foram

relatados. Enquanto isso, houveram 874 casos na Inglaterra.

1.5. O amicus curiae perante as Cortes Internacionais de Direitos Humanos

A figura do “amicus curiae” já se tornou tão importante que está presente até

mesmo nos Tribunais Internacionais. Para o professor Johannes Chan47, é cada vez mais

comum, em litígios que envolvam direitos humanos perante os tribunais internacionais, a

intervenção de terceiros que se qualificam como “amicus curiae”, sendo a maior parte

deles Organizações não-governamentais. Ainda segundo o professor, em geral, tais

46 CABRAL, Antônio do Passo. Pelas asas de Hermes: a intervenção do amicus curiae, um terceiro especial: Uma análise dos institutos interventivos similares - o amicus e o Vertreter des öffentlichen Interesses. Revista de Processo, São Paulo, nº 117, pp. 9-41, set. 2004, p. 19. 47 CHAN, Johannes. Focus on the Ma Case: Amicus Curiae and Non-Party Intervention, 27 Hong Kong L.J., 391, 1997, pp. 400-401.

23

intervenções buscam levar às Cortes considerações sobre as leis a serem aplicadas,

questões de direito comparado e, ainda, destacar quais são as práticas comuns no país

doméstico.

A Corte Europeia de Direitos Humanos não possuía originariamente previsão para

o “amicus curiae”, mas dois casos foram fundamentais para que tal figura passasse a ser

aceite: o caso “Winterwerp” e o caso “Young, James and Webster”. No primeiro caso, o

Reino Unido pediu autorização à Corte para apresentar observações sobre a interpretação

da Convenção Europeia na fase oral do procedimento, com fundamento no artigo 38, §1º,

do Regulamento da Corte. Embora o pedido tenha sido rejeitado pela Corte, esta autorizou

o Reino Unido a apresentar declaração escrita à Comissão. No segundo caso mencionado,

com base no art. 38º do Regulamento, a “Trade Union Congress” foi autorizada a expor

observações sobre a matéria de fato para a Corte. Com isso, a Corte passou a admitir as

observações de terceiros, tendo como fundamento o referido art. 38º. Por fim, tal

possibilidade foi introduzida de forma expressa no Regulamento48.

Atualmente, a possibilidade de intervenção do “amicus curiae” está prevista no

art. 36º, §2º, da Convenção Europeia de Direitos Humanos49, que tem a seguinte redação:

No interesse da boa administração da justiça, o presidente do Tribunal pode

convidar qualquer Alta Parte Contratante que não seja parte no processo ou qualquer outra pessoa interessada que não o autor da petição a apresentar

observações escritas ou a participar nas audiências.

Além disso, temos também o artigo 44, §3º, das Regras Processuais da Corte

(Rules of Court)50, que estabelece basicamente o mesmo que o artigo 36, §2º, já citado

acima, no entanto prevê que a participação em audiências ocorra apenas em casos

extraordinários.

48 OLIVEIRA, Gabriela Werner. (Re)definindo o conceito de amicus curiae: perspectivas teóricas a partir da prática do Tribunal Penal Internacional. 287 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013. 49 Convenção para a protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. Disponível em: www.gmcs.pt/ficheiros/pt/convencao-europeia-dos-direitos-do-homem.pdf-. Acesso em: 19 de janeiro de 2018. 50 “Rules of Court - Art. 44º, §3 - Once notice of an application has been given to the respondent Contracting Party under Rules 51 § 1 or 54 § 2 (b), the President of the Chamber may, in the interests of the proper administration of justice, as provided in Article 36 § 2 of the Convention, invite, or grant leave to, any Contracting Party which is not a party to the proceedings, or any person concerned who is not the applicant, to submit written comments or, in exceptional cases, to take part in a hearing”. Disponível em: https://www.echr.coe.int/Documents/Rules_Court_ENG.pdf. Acesso em: 19 de janeiro de 2018.

24

Na sessão de abertura do ano judicial de 2008 da Corte Europeia de Direitos

Humanos, a Alta-Comissária dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas

(ONU), Louise Arbout51, afirmou que a participação dos “amici curiae” na Corte é salutar,

visto que estes ampliam as visões e trazem novas abordagens jurídicas, de modo a que a

Corte possa se beneficiar com as mais ricas interpretações da Convenção. Ainda, desde

2006, a Alta-Comissária apresentou memoriais na qualidade de “amicus curiae” sobre

questões de direitos humanos perante a Corte Especial de Serra Leoa, a Corte Criminal

Internacional do Alto Tribunal Iraquiano e a Suprema Corte dos EUA.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos passou por uma situação

semelhante, pois não previa a atuação do “amicus curiae”, mas acabou por autorizar a

participação de terceiros estranhos ao processo. Ao longo dos anos, o Regulamento da

Corte52 foi modificado por cinco vezes e, atualmente, traz prevista a definição de “amicus

curiae” no artigo 2, §3º:

Pessoa ou instituição alheia ao litígio e ao processo que apresenta à Corte

fundamentos acerca dos fatos contidos no escrito de submissão do caso ou

formula considerações jurídicas sobre a matéria do processo, por meio de um

documento ou de uma alegação em audiência.

Além disso, o artigo 44º do mesmo diploma legal estabelece expressamente a

forma de participação dos “amici”, como por exemplo, a forma de entrega dos memoriais e

os prazos.

2. A emergência do “amicus curiae” no processo cooperativo

As doutrinas sempre apontaram dois modelos de Direito Processual: o modelo

adversarial e o modelo inquisitorial. O modelo adversarial tem justamente como ideia

principal as partes como adversárias e o juiz como um mero espectador, ou seja, cabe às

51 EUROPEAN COURT OF HUMAN RIGHTS. Annual Report 2007 – Speech given by Mrs. Louise Arbour, United Nations High Commissioner for Human Rights, on the occasion of the opening of the judicial year, 25 january 2008, p. 42. Disponível em: http://www.echr.coe.int/NR/rdonlyres/59F27500-FD1B- 4FC5-8F3F-F289B4A03008/0/Annual_Report_2007_Provisional_Edition.pdf. Acesso em:19/01/2018.

25

partes iniciar o processo, levar as provas até o juiz e realizar qualquer outra medida que

implique na condução do processo. Segundo Fredie Didier Jr.53:

O modelo adversarial assume a forma de competição ou disputa, desenvolvendo-

se como um conflito entre dois adversários diante de um órgão jurisdicional

relativamente passivo, cuja principal função é a de decidir.

Já no modelo inquisitorial, o juiz deixa de ser um mero espectador e passa a ter o

papel principal no processo, tendo o poder de gestão processual. Ter esse poder significa

que o juiz pode realizar todas as diligências que achar necessárias para formar o seu

convencimento, não precisando mais de ficar inerte, esperando que as partes levem as

provas até ele. Ainda segundo Fredie Didier Jr54, “o modelo inquisitorial organiza-se como

uma pesquisa oficial, sendo o órgão jurisdicional o grande protagonista do processo.”

Podemos dizer que no modelo adversarial há predominância do princípio do

dispositivo e que no modelo inquisitorial há preponderância do princípio do inquisitivo. O

princípio do dispositivo está previsto no artigo 5º do CPC Português, que determina que é

dever das partes alegar e provar todos os factos essenciais que constituem a causa. Já o

princípio do inquisitivo (ou do inquisitório) está previsto no artigo 411º do mesmo diploma

legal e determina que é dever do juiz realizar todas as diligências que achar necessárias

para o apuramento da verdade e à justa composição do litígio.

A aparente oposição dos artigos citados esconde, na verdade, uma ligação entre

eles, já que o princípio do inquisitório em Portugal é entendido como o poder de ordenar

diligências probatórias (art. 411º do CPC), ou seja, ainda assim o juiz não pode introduzir

no processo fatos de seu conhecimento pessoal que não foram alegados pelas partes (art. 5º

do CPC). No entanto, este poder/dever do magistrado de buscar tantas provas quanto ache

necessário para seu convencimento representa um grande avanço para tornar o processo

mais útil à realização da justiça.

É possível relacionarmos o modelo adversarial ao “common law” e o modelo

inquisitorial ao “civil law”, porém não existe um sistema totalmente dispositivo ou

totalmente inquisitivo. Haverá sempre influência de um no outro e a prova disso é que no

53 DIDIER Jr., Fredie. Fundamentos do Princípio da Cooperação no Direito Processual Civil Português. Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 42. 54 Ibidem.

26

próprio Código de Processo Civil Português temos a previsão dos dois princípios em

artigos diferentes. No entanto, algumas vezes este ou aquele irão se sobressair.

Fredie Didier Jr.55 cita como exemplo o direito processual civil brasileiro que tem

como regra atribuir às partes (princípio do dispositivo) a função de instauração do processo

e a fixação do objeto litigioso (artigos 141º, 312º e 492º do CPC Brasileiro56), mas, em

relação à investigação probatória, admite que o juiz determine (princípio do inquisitivo) a

produção de provas “ex officio” (artigo 370º do CPC Brasileiro57)

Há, no entanto, um terceiro tipo de processo civil: o cooperativo. Neste tipo de

processo passa a haver, na medida do possível, equidade, não apenas entre as partes, mas

também entre as partes e o juiz. Todos têm deveres e funções dentro do processo, devendo

colaborar para que se chegue à justa composição do litígio. Este modelo está consagrado

no artigo 7º do CPC Português, com o Princípio da Cooperação. O nº 1 do referido artigo

estabelece que:

Na condução e na intervenção no processo, devem os magistrados, os

mandatários judicias e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se

obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.

O artigo acima citado reflete exatamente o que vem exposto na Constituição

Portuguesa, no seu artigo 20º, nº 4, quando determina que “todos têm direito a que uma

causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo

equitativo”. Ao compararmos os dois artigos podemos notar que ambos prevêm uma

decisão proferida num processo justo e em tempo razoável.

Para o autor Fredie Didier Jr.58:

Este modelo caracteriza-se pelo redimensionamento do princípio do

contraditório, com a inclusão do órgão jurisdicional no rol dos sujeitos do

diálogo processual, e não mais como um mero espectador do duelo das partes. 55 DIDIER Jr., Fredie. 2010, op. cit., p. 42. 56 “Art. 141º. O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte. Art. 312º. Considera-se proposta a ação quando a petição inicial for protocolada, todavia, a propositura da ação só produz quanto ao réu os efeitos mencionados no art. 240 depois que for validamente citado. Art. 492º. É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.” 57 “Art. 370º. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.” 58 DIDIER Jr, Fredie. 2010, op. cit., p. 46.

27

[…] A condução do processo deixa de ser determinada pela vontade das partes

(marca do processo liberal dispositivo). Também não se pode afirmar que há

uma condução inquisitorial do processo pelo órgão jurisdicional, em posição

assimétrica em relação às partes. Busca-se uma condução cooperativa do

processo, sem protagonismo.

Cássio Scarpinella Bueno59 também entende que este princípio é derivado do

princípio do contraditório e diz que seria inclusive uma “atualização” deste, conduzindo

ao “necessário e constante diálogo entre juiz e as partes” para que se chegue à melhor

decisão para a lide.

Lebre de Freitas60 entende que o Princípio da Cooperação tem duas dimensões:

material e formal. A dimensão material é a apuração da verdade sobre a matéria fática,

facilitando assim a obtenção da justa composição do litígio. Já a dimensão formal serve

para que a composição do litígio seja feita no menor tempo possível.

Claro que não podemos falar em cooperação processual sem levarmos em conta o

princípio da boa-fé processual, que, inclusive, vem previsto no artigo 8º do CPC Português,

(logo após o princípio da Cooperação) e, apesar do referido artigo estabelecer que “as

partes devem agir de boa-fé e observar os deveres de cooperação resultantes do

preceituado no artigo anterior”, já há o entendimento pacífico de que a boa-fé é necessária

a todos os que participem do processo e não somente às partes61.

O Supremo Tribunal Federal do Brasil já se posicionou sobre esse assunto no AI

nº 529.733-1-RS62, do qual transcrevemos o trecho abaixo:

O princípio do devido processo legal, que lastreia todo o leque de garantias

constitucionais voltadas para a efetividade dos processos jurisdicionais e

administrativos, assegura que todo julgamento seja realizado com a observância

das regras procedimentais previamente estabelecidas, e, além, representa uma

59 BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit., p. 76. 60 FREITAS, José Lebre de. Introdução ao processo civil: conceito e princípios gerais. 2. ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2009. p. 163. 61 Neil Andrews afirma que na Inglaterra prevalece o entendimento de que o abuso em relação a boa-fé processual é cometido somente pela parte ou pelo advogado. Não há nenhum procedimento formal para averiguar um possível comportamento abusivo do órgão julgador. A solução do problema é conduzida informalmente pelo “Lord Chancellor” ou pela “High Court”: “the principle seems to be “do not whash your dirty linen (robes?) in public”‟. Abuse os process in English civil litigation. Abuse os procedural Rigths: comparative standards os procedural fairness. Michele Taruffo (coord.) Haia/Londres/Boston: Kluwer Law International, 1999, p. 66. 62 AI n. 529.733-1-RS, rel. Min. Gilmar Mendes, j., em 17 de outubro de 2006, publicado de DJ de 01.12.2016.

28

exigência fair trial, no sentido de garantir a participação equânime, justa, leal,

enfim, sempre imbuída pela boa fé e pela ética dos sujeitos processuais.

A máxima do fair trial é uma das faces do princípio do devido processo legal

positivado na Constituição de 1988, a qual assegura um modelo garantista de

jurisdição, voltado para a proteção efetiva dos direitos individuais e coletivos, e

que depende, para seu pleno funcionamento, da boa-fé e lealdade dos sujeitos

que dele participam, condição indispensável para a correção e legitimidade do

conjunto de atos, relações e processos jurisdicionais e administrativos.

Nesse sentido, tal princípio possui um âmbito de proteção alargado, que exige o

fair trial não apenas dentre aqueles que fazem parte da relação processual, ou que

atuam diretamente no processo, mas de todo o aparato jurisdicional, o que

abrange todos os sujeitos, instituições e órgão, público e privados, que exercem,

direta ou indiretamente, funções qualificadas constitucionalmente como

essenciais a Justiça (grifo nosso).

De acordo com os ensinamentos de Miguel Teixeira de Sousa63, podemos extrair,

quanto à posição do magistrado, quatro poderes-deveres presentes no Código de Processo

Civil Português resultantes da incidência do Princípio da Cooperação: os de esclarecimento

(art. 7º, nº 2 do CPC), de consulta (art. 3º, nº 3 do CPC), de prevenção (art. 590º, nº 2, "b",

e art. 591º, nº 1, "c" do CPC) e de auxílio (art. 7º, nº 4, art. 418, nº 1 e art. 754, nº 1, "a", do

CPC). E, no que toca às partes, o dever de litigância de boa-fé (art. 8º do NCPC) e o de

esclarecimento (art. 7º, nº 2 do CPC).

Para o nosso trabalho interessa especificamente tratar do poder-dever de

esclarecimento do juiz. O nº 2 do artigo 7º do CPC estabelece que o juiz pode, a qualquer

momento, ouvir as partes no processo, os seus representantes ou mandatários judiciais para

esclarecer matéria de facto ou de direito. No entanto, devido à gestão processual, este

poder-dever de esclarecimento não se restringe somente às partes e aos seus representantes.

Caso o processo possua elementos técnicos que fujam da alçada do juiz, este poderá

designar diligência para esclarecimentos de fatos, sem caráter probatório, como por

exemplo a oitiva de um “amicus curiae”.

Revela-se fundamental citarmos Cássio Scarpinella Bueno64 quando este relaciona

o Princípio da Cooperação com o “amicus curiae”:

63 TEIXEIRA DE SOUSA, Miguel. Estudos sobre o novo processo civil. 2ª ed., Lisboa: Lex, 1997, p. 64. 64 BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit., p. 87.

29

A relação entre o princípio da cooperação e o amicus curiae mostra sua face mais

visível na exata medida em que se reconhece a necessária integração do juiz com

as partes – ou com outros sujeitos que possam atuar, de alguma forma, no

processo – em busca da melhor aproximação e portanto, mais completa definição

dos temas e matérias que deverão ser necessariamente enfrentados pelo

magistrado ao julgar o objeto litigioso. A cooperação no sentido de diálogo, no

sentido de troca de informações, de municiar o magistrado com todas as

informações possíveis e necessárias para melhor decidir é a própria face do

amicus curiae, desde suas origens mais remotas. Assim, em função dessa

cooperação, desenvolvimento e atualização do princípio do contraditório,

realiza-se, também, a necessidade de as informações úteis para o julgamento da

causa serem devidamente levadas ao conhecimento do magistrado, viabilizando,

com isso, que ele melhor absorva e, portanto, realize em concreto os valores

dispersos pelo próprio Estado e pela sociedade.

Importante ressaltarmos que, embora neste modelo de Processo Cooperativo o

juiz tenha mais liberdade na direção material do processo e na sua atuação para, por

exemplo, requerer produção de provas, oitiva do “amicus curiae”, oitiva de novas

testemunhas e etc., este não pode nunca perder a imparcialidade e a neutralidade. Todas as

novas diligências que este requerer devem buscar o melhor interesse do processo para uma

solução célere, justa e imparcial.

Podemos facilmente visualizar a atuação do “amicus curiae” no processo

cooperativo, seja ela oficiosa, voluntária ou a requerimento das partes. No que diz respeito

às partes, se estas têm o dever de agir com lealdade e boa-fé nada mais correto para

corroborar as suas alegações do que levar um especialista sobre o assunto para o processo.

Quanto ao magistrado, já que este possui mais poderes (e deveres), nada mais justo do que

utilizar-se de todos os meios possíveis para chegar à solução mais justa e correta, inclusive

ouvindo alguém (o “amicus curiae”) que tenha conhecimento aprofundado sobre a causa

(já que é impossível que o juiz saiba tudo sobre tudo). Por fim, quanto à atuação voluntária

do “amicus curiae”, se denominamos esse modelo de “processo cooperativo” nada mais

certo que alguém que tenha efetivamente algo com que cooperar no processo possa intervir

e compartilhar o seu conhecimento com as partes e o juiz.

Mas, será possível a atuação do “amicus” no modelo predominantemente

adversarial? Ou seja, é possível a atuação dessa figura no “common law”? Nós entendemos

que sim. E mais, entendemos que o “amicus” ganhou força devido a resistência à

30

intervenção de terceiros no processo. Neste sistema vigora o princípio “trial by duel”

(julgamento por duelo na livre tradução), segundo o qual as partes deverão ter a

possibilidade de litigar em condições idênticas, livre da intervenção de terceiros e sem a

atuação de partes estranhas ao processo65.

O “amicus curiae” surgiu então como uma forma de contornar essa resistência,

pois estaria ali somente para auxiliar a Corte. Seria uma ferramenta versátil para que

demais interesses, em especial dos entes públicos, pudessem fazer-se presentes. No início,

o “amicus curiae” era mesmo considerado como um amigo da Corte que chamava a

atenção para erros e trazia para o processo fatos, argumentos e precedentes, que nem as

partes e nem o juiz conheciam. Porém, do final do século XIX em diante, essa figura

tornou-se um instrumento de estratégia judicial e passou a atuar em defesa de uma das

partes no processo. Passaram então a existir os “amici” governamentais e os “amici”

privados.

Ainda mais facilmente podemos visualizar a figura do “amicus curiae” no modelo

cooperativo, pois se o juiz tem o poder/dever de gestão processual, significa que pode

tomar decisões de ofício que o auxiliem a chegar à justa composição do litígio, o que inclui

convocar a oitiva de um “amicus”. A gestão processual será abordada no capítulo seguinte

e ficará bastante claro como a concessão de mais poderes para o juiz gerir o processo pode

proporcionar a intervenção dos “amici”.

3. A intervenção do “amicus curiae” versus princípios processuais

Ocorreu em praticamente todos os ordenamentos a chamada

“Constitucionalização do Direito”, e no Brasil e em Portugal não foi diferente. Nas

palavras do ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil, Luiz Edson Fachin66, ocorreu

“uma virada copernicana”.

65 MEDINA, Damares. Op. cit., p. 52. 66 “Trata-se de um fenómeno plurívoco. Tem ressonância que transcende não apenas a dicotomia entre direito público e direito privado, como também as esferas da juridicidade e da própria normatividade como exercício ético de valores institucionais. Em sentido mais estrito, portanto, é possível afirmar, em nosso ver, que a constitucionalização do direito privado constitui uma virada copernicana que supera a doutrina civilista centrada tanto na estrutura jurídica das formas normativistas do positivismo científico, quanto na exclusiva tutela dos direitos subjetivos da racionalidade patrimonial, propondo uma perspectiva voltada à função da liberdade substancial, da existencialidade, no sentido de uma retomada antropocêntrica do Direito Privado. No âmbito académico, defendemos que a base dessa redesenhada segurança jurídica substancial ocorre a partir de três dimensões: a formal, a substancial e a prospectiva.” FACHIN, Luíz

31

Na exposição de motivos do CPC brasileiro de 201567, logo no início, vem

expresso que:

Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento

e a realização dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada um dos

jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias constitucionais de um Estado

Democrático de Direito.

Portanto, um dos objetivos do nosso CPC é estabelecer uma sintonia expressa e

implícita com a Constituição Federal de forma a que todas as normas sejam interpretadas

de acordo com a Constituição.

A Constitucionalização no Processo Civil Brasileiro fica clara quando observamos

o art. 1º do CPC, que estabelece que “o processo civil será ordenado, disciplinado e

interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição

da República Federativa do Brasil (...)” (grifo nosso).

Em Portugal, em 1976, houve o deslocamento da ordem jurídica para a

Constituição. A nova Carta Magna lusitana, antes de traçar a organização política do

Estado, tratou de enunciar princípios fundamentais da nova sociedade civil. Com isso, no

capítulo das “liberdades, direitos e garantias pessoais”, a Constituição passou a regular

diversos direitos que têm origem no Direito Privado (por exemplo, o direito à vida, à

imagem, à intimidade e à reputação.)

Segundo Welder Queiroz dos Santos68:

Hoje, não há como interpretar o direito, qualquer que seja ele, sem ter os olhos

voltados para a Constituição. Ela passou a ser o ponto de partida para qualquer

reflexão sobre o direito, de modo que toda a ordem jurídica deve ser lida e

compreendida à luz da Carta Magna, fenômeno que alguns constitucionalistas

denominam de "filtragem constitucional".

Edson. Entrevista Constitucionalização do Direito Privado. Disponível em: http://www.cartaforense.com.br/conteudo/entrevistas/constitucionalizacao-do-direito-privado/15740. Acesso em: 20 de março de 2018. 67 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 05 de março de 2018. 68 SANTOS, Welder Queiroz dos. A hora e a vez do amicus curiae. In: DIDIER Jr, Fredie. Estudos em homenagem a Professor José Joaquim Calmon de Passos. Salvador: Juspudivm, 2012, p. 692.

32

Assim, os Direitos Fundamentais ganham muito mais destaque e o juiz muito

mais liberdade, pois deixa de ser apenas um aplicador da lei e passa a ser também o seu

intérprete. Não se espera mais que o juiz apenas aplique a lei cegamente, muito pelo

contrário, passa a ser função deste analisar caso a caso e aplicar a lei da melhor forma

possível, chegando à solução mais justa e célere para todos. Nas palavras de Cássio

Scarpinella Bueno69:

Já não se pode falar, em todos e quaisquer casos, que a atividade do intérprete e

do aplicador do direito seja meramente subsuntiva; bem diferente, sua função

passa a ser concretizadora, no sentido de ser criadora do próprio direito a ser

aplicado, justamente em virtude da complexidade do ordenamento atual. De uma

atividade de mero conhecimento (um comportamento passivo) do fenômeno

jurídico para sua aplicação, passa-se a uma atividade conscientemente criadora e

valorativa do juiz.

Ainda sobre a necessidade de interpretação das leis, o autor afirma que:

O direito precisa ser interpretado para ser aplicado. Ele serve para ser

interpretado e aplicado. É como se disséssemos, sem muito exagero, que não há,

propriamente "direito" sem interpretação e sem específica aplicação aos casos

concretos. Há no máximo, textos que representam o direito, mas não as normas

jurídicas propriamente ditas. Estas precisam, sempre, ser interpretadas e apicadas

para existir como tais70.

Não há dúvidas de que a Constitucionalização do Direito foi benéfica, pois a partir

dela passamos a ter o Direito integrado com as necessidades atuais da população, e não

apenas lei criadas há vários anos, desatualizadas, sendo aplicadas sem nenhuma igualdade

substancial71. Sim, usamos propositalmente a expressão “igualdade substancial”, pois

quando o magistrado não tem o poder de interpretar as leis e aplicá-las da melhor forma no

caso concreto todos os casos serão tratados de forma “igual”, mesmo que isso não traga

justiça à sentença final.

69 BUENO, Cássio Scarpinella. 2012, op. cit., p. 52. 70 Ibidem, p. 57. 71 Relembramos aqui o famoso concento de igualdade substancial: “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades”. JÚNIOR, Nélson Nery. Princípios do processo civil à luz da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 42.

33

Com a Constitucionalização do Direito, o juiz pode finalmente tratar de forma

desigual os desiguais, chegando então à justa composição do litígio. Porém, um novo

problema surge: o julgamento com base em princípios dá mais liberdade ao julgador, isto é

fato, mas pode gerar decisões diferentes para casos iguais. Ora, isto vai em sentido oposto

do que acabamos de dizer. Não podemos admitir tratamento desigual para os iguais.

Cássio Scarpinella Bueno72 entende que hoje fala-se muito em “princípios”,

“cláusulas gerais”, “discricionariedade”, e etc, e que por isso é cada vez mais difícil o

juiz estar diante de uma lei que contenha todos os elementos necessários e inquestionáveis

para a sua segura e inequívoca aplicação. No entanto, também não podemos esperar que o

juiz saiba tudo sobre todos os assuntos e, principalmente, que saiba sobre tudo no nível que

lhe é exigido muitas vezes. É neste momento que a figura do “amicus curiae” pode ser

extremamente relevante para o processo - ele pode atuar como um filtro dos valores e das

necessidades presentes na sociedade atual e assim auxiliar o juiz. Transcrevendo

novamente as palavras de Cássio Scarpinella Bueno73:

Trata-se de uma figura que, por definição, tem condições efetivas de trazer para

o juiz, voluntariamente ou quando devidamente provocado, conhecimento que

não se pode esperar seja dominado pelo juiz, mesmo pelos melhores juízes.

Quando menos, não há como negar que a oitiva do amicus curiae pode contribuir

para o proferimento de uma decisão que melhor equacione, que melhor leve em

consideração, que melhor pondere aos fatos subjacentes às normas jurídicas

aplicáveis e suas consequências práticas em todos os campos que, vimos, cada

vez mais definem sua própria interpretação e aplicação em cada caso.

Para ilustrar esta questão, iremos citar uma decisão do Ministro Gilmar Mendes74:

Ressalto que compete ao Relator, por meio de despacho irrecorrível, acolher ou

não pedido de interessados para que atuem na situação de amici curiae, hipótese

diversa da figura processual da intervenção de terceiros (...). Na ADI n.

2.690/RN, de minha relatoria, considerando a conversão da ação para o rito do

art. 12 da Lei no 9.868/1999, admiti a participação do Distrito Federal, dos

Estados de Goiás, de Pernambuco, do Rio de Janeiro, da Associação Brasileira 72 BUENO, Cássio Scarpinella. 2012, op. cit., p. 59. 73 Ibidem. 74 STF. Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 3842 MG. Disponível em: https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6078694/acao-direta-de-inconstitucionalidade-adi-3842-mg-stf. Acesso em: 01 de março de 2018.

34

de Loterias Estaduais (ABLE) e, ainda, determinei uma nova audiência da

Procuradoria-Geral da República. Essa construção jurisprudencial sugere a

adoção de um modelo procedimental que ofereça alternativas e condições para

permitir, de modo cada vez mais intenso, a interferência de uma pluralidade de

sujeitos, argumentos e visões no processo constitucional. Essa nova realidade

pressupõe, além de amplo acesso e participação de sujeitos interessados no

sistema de controle de constitucionalidade de normas, a possibilidade efetiva de

o Tribunal Constitucional contemplar as diversas perspectivas na apreciação da

legitimidade de um determinado ato questionado. Observa-se também que a

constatação de que, no processo de controle de constitucionalidade, faz-se,

necessária e inevitavelmente, a verificação de fatos e prognoses legislativos,

sugere a necessidade de adoção de um modelo procedimental que outorgue ao

Tribunal as condições necessárias para proceder a essa aferição. Esse modelo

pressupõe não só a possibilidade de o Tribunal se valer de todos os elementos

técnicos disponíveis para a apreciação da legitimidade do ato questionado, mas

também um amplo direito de participação por parte de terceiros

(des)interessados. O chamado "Brandeis-Brief" - memorial utilizado pelo

advogado Louis D. Brandeis, no "case Müller versus Oregon" (1908), contendo

duas páginas dedicadas às questões jurídicas e outras 110 voltadas para os efeitos

da longa duração do trabalho sobre a situação da mulher - permitiu que se

desmistificasse a concepção dominante, segundo a qual a questão constitucional

configurava simples "questão jurídica" de aferição de legitimidade da lei em face

da Constituição. (Cf., a propósito, HALL, Kermit L. (organizador), The Oxford

Companion to the Supreme Court of United States, Oxford, New York, 1992, p.

85). Hoje não há como negar a "comunicação entre norma e fato"

(Kommunikation zwischen Norm und Sachverhalt), que, como ressaltado,

constitui condição da própria interpretação constitucional. É que o processo de

conhecimento aqui envolve a investigação integrada de elementos fáticos e

jurídicos. (Cf., MARENHOLZ, Ernst Gottfried, Verfassungsinterpretation aus

praktischer Sicht, in: Verfassungsrecht zwischen Wissenschaft und Richterkunst,

Homenagem aos 70 anos de Konrad Hesse, Heidelberg, 1990, p. 53 (54)). Nesse

sentido, a prática americana do amicus curiae brief permite à Corte Suprema

converter o processo aparentemente subjetivo de controle de constitucionalidade

em um processo verdadeiramente objetivo (no sentido de um processo que

interessa a todos) -, no qual se assegura a participação das mais diversas pessoas

e entidades. A propósito, referindo-se ao caso Webster versus Reproductive

Health Services (....), que poderia ensejar uma revisão do entendimento

estabelecido em Roe versus Wade (1973), sobre a possibilidade de realização de

aborto, Dworkin afirma que a Corte Suprema recebeu, além do memorial

35

apresentado pelo Governo, 77 outros memoriais (briefs) sobre os mais variados

aspectos da controvérsia - possivelmente o número mais expressivo já registrado

- por parte de 25 senadores, de 115 deputados federais, da Associação

Americana de Médicos e de outros grupos médicos, de 281 historiadores, de 885

professores de Direito e de um grande grupo de organizações contra o aborto (cf.

DWORKIN, Ronald. Freedom's Law. Cambridge- Massachussetts. 2.ª ed., 1996,

p. 45). Evidente, assim, que essa fórmula procedimental constitui um excelente

instrumento de informação para a Corte Suprema. Não há dúvida, outrossim, de

que a participação de diferentes grupos em processos judiciais de grande

significado para toda a sociedade cumpre uma função de integração

extremamente relevante no Estado de Direito. A propósito, Peter Häberle

defende a necessidade de que os instrumentos de informação dos juízes

constitucionais sejam ampliados, especialmente no que se refere às audiências

públicas e às "intervenções de eventuais interessados", assegurando-se novas

formas de participação das potências públicas pluralistas enquanto intérpretes em

sentido amplo da Constituição (cf. Häberle, Peter. Hermenêutica Constitucional.

A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: contribuição para a

Interpretação Pluralista e "Procedimental" da Constituição. Tradução de Gilmar

Ferreira Mendes. Porto Alegre, 1997, p. 47-48). Ao ter acesso a essa pluralidade

de visões em permanente diálogo, este Supremo Tribunal Federal passa a contar

com os benefícios decorrentes dos subsídios técnicos, implicações político-

jurídicas e elementos de repercussão econômica que possam vir a ser

apresentados pelos "amigos da Corte". Essa inovação institucional, além de

contribuir para a qualidade da prestação jurisdicional, garante novas

possibilidades de legitimação dos julgamentos do Tribunal no âmbito de sua

tarefa precípua de guarda da Constituição. É certo, também, que, ao cumprir as

funções de Corte Constitucional, o Tribunal não pode deixar de exercer a sua

competência, especialmente no que se refere à defesa dos direitos fundamentais

em face de uma decisão legislativa, sob a alegação de que não dispõe dos

mecanismos probatórios adequados para examinar a matéria. Entendo, portanto,

que a admissão de amicus curiae confere ao processo um colorido diferenciado,

emprestando-lhe caráter pluralista e aberto, fundamental para o reconhecimento

de direitos e a realização de garantias constitucionais em um Estado Democrático

de Direito (...) (grifo nosso).

A citação é longa, mas a transcrição foi necessária porque esta decisão reflete

muito bem o que acabamos de explicitar, pois o Ministro Gilmar Mendes alega que hoje é

necessária a ligação entre o fato e a norma, ou seja, há que se analisar qual a melhor

36

interpretação da norma para o caso em questão e essa interpretação deve ser feita tendo em

conta a Constituição. O Ministro alega ainda que nem sempre a Corte terá um amplo

domínio de todos os assuntos e, por isso, poderá/deverá contar com o auxílio de terceiros

(des)interessados, o que garantirá uma participação mais efetiva da comunidade que poderá

sofrer os efeitos da decisão no processo.

Por fim, Gilmar Mendes defende ainda que a participação do “amicus” no

processo contribui para a legitimação das decisões do Tribunal no âmbito de sua função de

guarda da Constituição, e que, além disso, a Corte não poderá escusar-se de defender os

direitos fundamentais por não ter meios probatórios adequados para examinar a matéria.

Surge então o que podemos chamar de “direito processual constitucional”, que

nada mais é do que a análise do sistema processual e dos seus institutos com base na

Constituição. É, portanto, um estudo da influência da Constituição no processo e vice-

versa, como por exemplo, a tutela constitucional do processo e como o processo tem a

função de garantir a efetividade dos preceitos e garantias constitucionais.

Sobre o “amicus curiae”, o Ministro do STF, Gilmar Mendes75, afirma que:

O instituto em questão, de longa tradição no direito americano, visa um objetivo

dos mais relevantes: viabilizar a participação no processo de interessados a

afetados pelas decisões tomadas no âmbito do controle de constitucionalidade.

Como há facilmente de se perceber, trata-se de medida concretizadora do

princípio do pluralismo democrático que rege a ordem constitucional brasileira.

Importante ressaltarmos que entendemos que o “amicus” poderá auxiliar o juiz

apenas quando comparecer voluntariamente ou quando for chamado pelo juiz ao processo,

pois nos casos em que for chamado pelas partes deixa de ser imparcial, como veremos

mais a frente.

Passemos agora a expor os princípios de atuação do juiz.

3.1. Princípio do dispositivo

Como já dissemos, muitas vezes a decisão do juiz no caso concreto não afetará

somente as partes que participam do processo, por isso o processo deve ser aberto às vozes 75 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade: Uma análise das leis 9868/99 e 9882/99. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, nº 11, fevereiro de 2002, p. 05.

37

da sociedade para que tal decisão torne-se mais democrática e legítima. Isso pode e deve

ser feito atravéz da oitiva dos “amici” que realizam a pluralização dos debates quando

levam ao magistrado opiniões e sentimentos dos diversos setores sociais76. Aliás, podemos

dizer que é isso que se espera do “amicus”- que traga elementos e fatos novos e diversos,

que não constam no processo e que ajudarão a formar o convencimento do juiz.

Desta forma, podemos dizer que houve uma mitigação do Princípio do

Dispositivo, previsto no artigo 5º do CPC de Portugal, que determina que cabe às partes

alegar os fatos essenciais que constituem a causa de pedir, ou seja, o juiz não pode

aproveitar no processo fatos que não foram alegados pelas partes. Dizemos que houve a

mitigação deste princípio, pois, como vimos, o magistrado não está mais preso somente ao

que as partes levam para o processo, mas também é possível, através do “amicus”,

conhecer fatos e valores coletivos que, direta ou indiretamente, são conexos à causa.

Podemos citar, como exemplo, o caso da descriminalização do aborto de anencéfalos, onde

o juiz autorizou e determinou a oitiva de vários “amicus”, pois além de questões

meramente técnicas, envolveu também questões morais, econômincas, religiosas, e, por

isso, houve uma grande repercussão do assunto que redundou na emissão de entendimentos

diversos na sociedade.

Como a decisão daquele caso refletir-se-ia em várias pessoas que não estavam

presentes na ação em questão, o juiz precisava de pareceres de representantes de segmentos

sociais diferentes para poder decidir da melhor forma. Como dissemos na introdução deste

trabalho, o juiz não tem uma orientação política fixa, por isso precisa do “amicus” para

dar-lhe informações sobre a opinião pública e tornar as suas decisões acessíveis à

população.

Faz-se fundamental esclarecermos que não entendemos que a oitiva do “amicus”

seja uma diligência de cariz probatório, pois não está previsto no CPC como uma espécie

de prova, não está sujeito à contradita e sua manifestação não vincula o juiz. O juiz poderá

aceitá-la de forma parcial ou total, ou rejeitá-la, porém sempre de forma motivada.

Cássio Scarpinella Bueno77 nos diz que ainda que a questão que motive a

intervenção do “amicus” seja das mais complexas, o juiz será sempre livre para decidir da

forma que melhor entender, porém, logicamente terá de justificar sua decisão com base em

76 SILVA, Fernando Gabriel de Carvalho e. Amicus Curiae no Novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 83. 77 BUENO, Cássio Scarpinella. 2012, op. cit., p. 527.

38

elementos dos autos (inclusive explicar porque deixou de acolher a orientação do

“amicus”). Ainda segundo o autor “a atuação do “amicus curiae” só se justifica no plano

da cooperação”78.

3.2. Vedação de decisão surpresa

O seu nome já nos dá uma noção de seu conceito: é vedado do juiz proferir uma

decisão que “surpreenda” as partes, ou seja, que contenha algo que não foi discutido no

processo ou sobre o qual as partes não tenham tido a oportunidade de se manifestarem.

Este princípio está intimamente ligado ao Princípio do Contraditório que, segundo Cássio

Scarpinella Bueno79, deve ser entendido como “a possibilidade de o destinatário da

atuação do Estado influenciar – ou quando menos, ter condições de buscar influenciar –

em alguma medida, a decisão a ser proferida.”

O ilustre autor Castanheiras Neves80 nos diz que:

Não se trata aqui de um ónus (de contradizer, de impugnar, de contra-provar)

mas do direito de contradizer, o direito que tem cada uma das "partes"

(ministério Público e arguido) de se pronunciar sobre as alegações, as iniciativas,

os actos ou quaisquer atitudes processuais da autoria da outra parte – o que

relativamente ao arguido traduz o seu direito de defesa.

Portanto, estes dois princípios estão ligados no sentido de que o juiz não pode

acrescentar algo ao processo que seja absolutamente novo às partes (ou a uma das partes)

sem dar a estas a possibilidade de se manifestarem.

Tal princípio encontra-se consagrado no CPC Brasileiro quando este estabelece

que o juiz deve garantir o contraditório durante todo o processo (art. 7º), não proferindo

decisões contra uma das partes sem sua prévia oitiva (art. 9º). No art. 10.º é novamente

reforçada a ideia de que o juiz não pode fundamentar a sua decisão em algo que não se

tenha dado às partes a oportunidade de se manifestarem, mesmo que se trate de decisão de

ofício.

78 BUENO, Cássio Scarpinella. 2012, op. cit., p. 527. 79 Ibidem, p. 85. 80 NEVES, Castanheira. Sumários de Processo Criminal. Coimbra, 1978, p. 46.

39

Já no CPC de Portugal, este princípio é encontrado no artigo 3º, nº 3, o qual

determina que o juiz não pode decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de

conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a oportunidade de se pronunciarem

sobre elas.

Podemos notar a importância destes dois Princípios (contraditório e vedação da

decisão surpresa) ao observarmos que eles vêm logo no início dos códigos Brasileiro e

Português. Além disso, também estão previstos em outros códigos, como por exemplo, na

Alemanha, no §139, 2 do ZPO:

O tribunal tem permissão de fundamentar a sua decisão num ponto de vista que

passou despercebido ou que tenha sido considerado irrelevante por uma das

partes, desde que ele as comunique e possibilite a manifestação acerca deste

ponto de vista e, ainda, desde que não se trate de uma pretensão acessória. O

mesmo vale para um ponto de vista que o tribunal enxergue de um modo distinto

que ambas as partes (grifo nosso).

Na França, no artigo 16º do code de procédure civile81, traduzido abaixo:

O juiz deve, em todas as circunstâncias, observar e observar o princípio da

contradição.

Não pode reter na sua decisão os fundamentos, explicações e documentos

invocados ou produzidos pelas partes, a menos que tenham sido capazes de

discuti-los adversamente.

Não pode basear a sua decisão nos fundamentos de direito que levantou

oficiosamente sem antes ter convidado as partes a apresentarem as suas

observações.

E, na Itália, onde o tema é conhecido como “decisione della terza via” ou também

“sentenze a sorpresa”, e está previsto no artigo 101º, comma 282, que na sua livre tradução

determina que se o juiz for tomar uma decisão de ofício, ele reserva essa decisão e dá às

partes no mínimo 20 e no máximo 40 dias para se manifestarem, sob pena de nulidade.

81 “Article 16: Le juge doit, en toutes circonstances, faire observer et observer lui-même le principe de la contradiction. Il ne peut retenir, dans sa décision, les moyens, les explications et les documents invoqués ou produits par les parties que si celles-ci ont été à même d'en débattre contradictoirement. Il ne peut fonder sa décision sur les moyens de droit qu'il a relevés d'office sans avoir au préalable invité les parties à présenter leurs observations”.

40

Mas porque estamos a tratar deste princípio? Em que momento a vedação da

decisão surpresa está ligada ao “amicus curiae”? Este princípio será muito importante para

discutirmos até que momento deverá ser aceite o ingresso do “amicus” no processo. Como

assim?

Vejamos: se a função do “amicus” é trazer novas informações ao processo e o juiz

não pode basear a sua decisão em algo novo sem que as partes tenham tido o direito ao

contraditório, os “amici” só devem poder ingressar na lide até ao ponto em que as partes

ainda possam se manifestar. Sobre esse assunto o STJ já se manifestou no REsp nº.

1.003.95583:

A Seção, em questão de ordem levantada pelo Min. Benedito Gonçalves,

indeferiu o pedido de terceiro para ingressar no feito como amicus curiae, ou

assistente, uma vez que já pautado e iniciado o julgamento, com dois votos já

proferidos.

Portanto, entendemos que a sua intervenção pode e deve ser admitida a qualquer

tempo, desde que antes de conclusos os autos para julgamento (no caso de processos em

primeiro grau), ou até a inclusão do processo na pauta de julgamento (nos processos dos

Tribunais), pois passados esses prazos a parte não terá mais a oportunidade de se

manifestar e, portanto, a decisão do juiz será uma decisão surpresa, a qual não será legítima

e, por isso, passível de anulação.

3.3. Gestão processual

Este é um dos princípios basilares do Código de Processo Civil Português e a sua

importância pode ser corroborada ao notarmos que está previsto na exposição de motivos

da reforma do CPC Português, em 201384. Tal princípio está previsto no artigo 6º do

referido diploma legal com a seguinte redação:

82 “Artigo 101º, comma 2: Se ritiene di porre a fondamento della decisione una questione rilevata d‟ufficio, il giudice riserva la decisione, assegnando alle parti, a pena di nullità, un termine, non inferiore a venti e non superiore a quarenta giorni dalla comunicazione, per il deposito in cancelleria di memorie contenenti osservazioni sulla medesima questione.” 83 STJ. QO no REsp nº. 1.003.955/RS. Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 12 de novembro 2008. 84 “Com vista a racionalizar, simplificar e tornar célere a realização do fim essencial do processo civil – a justa composição dos litígios privados em tempo útil –, conferem-se ao juiz poderes inquisitórios e de direção do processo, agora reforçados, que lhe permitam, de forma efetiva, não apenas pôr eficazmente

41

1- Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela

lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento

célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal

prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente

dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e

agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo

razoável.

2- O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos

processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos

necessários à regularização da instância ou, quando estiver em causa alguma

modificação subjetiva da instância, convidando as partes a praticá-los.

Após a leitura do supra mencionado artigo já é possível obtermos uma definição

do que será este princípio: é o poder/dever dado ao juiz para conduzir o processo sem que

este fique “preso” à ação das partes. Ou seja, o juiz tem mais liberdade para gerir o

processo promovendo diligências, recusando coisas que não irão acrescentar nada ao

processo, corrigir certos erros das partes sem que precise anular tudo o que já foi feito ou

outras coisas que tornem o processo mais célere, justo e barato. Claro que o juiz deverá

agir sempre de acordo com os demais princípios estruturantes do Processo Civil, os quais

já citamos alguns anteriormente.

De acordo com o Professor Doutor Miguel Mesquita85, a gestão processual tem

um lado meramente processual: a celeridade (que seria a resolução do caso dentro de um

prazo razoável), mas também tem um objetivo mais “ambicioso e profundo: a justa

composição do litígio.”

termo ao uso de meios e faculdades de natureza dilatória que o atual Código prevê e permite às partes, mas também ordenar a tramitação processual, adequando-a à especificidade da matéria litigiosa, evitando a prática de atos que, em concreto, se possam revelar inúteis, flexibilizando e agilizando as formas processuais previstas, em abstrato, na lei. Para alcançar este objectivo, que pressupõe uma efectiva confiança na capacidade do juiz de exercer uma prudente e flexível condução do processo: 1.2. Importa-se para a lei de processo o princípio da gestão processual, consagrado e testado no âmbito do processo experimental, facultando ao juiz um poder autónomo de direcção ativa do processo e de conformação e modulação da concreta tramitação processual, determinando, após audição das partes, a adopção dos mecanismos de simplificação e agilização processual que, respeitando os princípios fundamentais da igualdade das partes e do contraditório, garantam a composição do litígio em prazo razoável.” Exposição de Motivos do CPC. Disponível em: http://www.dgpj.mj.pt/sections/informacao-e-eventos/anexos/reforma-judiciaria/exposicao-de-motivos-cpc/. Acesso em: 05 de dezembro de 2017. 85 MESQUITA, Miguel. Princípio da Gestão Processual: O Santo Graal do Novo Processo Civil. Revista de Legislação e de Jurisprudência, vol. 3995, nº 145, pp.78-108, nov. 2015, p. 82.

42

A definição deste princípio pode ser observada no Parecer da Associação Sindical

dos Juízes Portugueses de Novembro de 201286, onde o Dever de Gestão Processual é

entendido como:

A direcção activa e dinâmica do processo, tendo em vista, quer a rápida e justa

resolução do litígio, quer a melhor organização do trabalho do tribunal. A

satisfação do dever de gestão processual destina-se a garantir uma mais eficiente

tramitação da causa, a satisfação do fim do processo ou a satisfação do fim do

acto processual.

No Brasil também existe a ideia da Gestão Processual, porém, diferentemente do

que acontece em Portugal, onde esse poder é geral, no Brasil ele é limitado à alguns casos

específicos, como podemos observar no artigo 139º do CPC Brasileiro:

Art. 139º

O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-

lhe:

I – assegurar às partes igualdade de tratamento;

II – velar pela duração razoável do processo;

III – prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir

postulações meramente protelatórias;

IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-

rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive

nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;

V – promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com

auxílio de conciliadores e mediadores judiciais;

VI – dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de

prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior

efetividade à tutela do direito;

VII – exercer o poder de polícia, requisitando, quando necessário, força policial,

além da segurança interna dos fóruns e tribunais;

VIII – determinar, a qualquer tempo, o comparecimento pessoal das partes, para

inquiri-las sobre os fatos da causa, hipótese em que não incidirá a pena de

confesso;

86 Parecer da Associação Sindical dos Juízes Portugueses de Novembro de 2012. Disponível em: http://www.asjp.pt/wp-content/uploads/2012/11/Parecer-CPC-ASJP-Nov-2012.pdf. Acesso em: 05 de dezembro de 2017.

43

IX – determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de

outros vícios processuais.

Podemos dizer que no Brasil a gestão do processo é, na maioria das vezes, apenas

formal, ou seja, trata apenas de adaptações no procedimento, enquanto em Portugal há

tanto a gestão formal como a material.

A gestão formal, como dissemos, é aquela que cuida das regras de gestão e

tramitação processual. São medidas previstas nas legislações que o juiz pode e deve adotar

para o melhor andamento do processo, como por exemplo: o dever do juiz de corrigir

oficiosamente o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte (artigo 193º,

nº 3 do CPC) ou quando o autor não indicar a forma adequada de processo na petição

inicial (artigo 552º, nº 1 al. c) do CPC). O juiz irá corrigi-la, não se anulando os atos

processuais anteriormente praticados que puderem ser aproveitados (artigo 193º, nº 1 do

CPC).

Além disso, essa gestão formal também está intimamente ligada à adequação

formal prevista no artigo 547º do CPC87, pois cabe ao juiz adotar a tramitação processual

adequada às especificidades da causa, dispensar a prática de atos processuais que considere

desnecessários e, além disso, pode substituir atos processuais por outros que se revelam

mais adequados.

Segundo Lebre de Freitas88:

A adequação formal não tem só lugar quando a tramitação legal não se adeque

(em absoluto) ao caso concreto; deve ter também lugar quando, embora

adequada, outra haja que melhor se adeque.

Ao tratar da adequação formal Miguel Mesquita89, faz uma brilhante analogia ao

comparar o processo a um projeto arquitetónico, onde anteriormente o “plano

arquitetónico” do processo estava previsto na lei e o juiz deveria segui-lo sem mudanças.

Porém no processo atual o juiz passa a poder alterar a “planta da obra abrindo corredores,

janelas ou portas que não existiam ou apagando certos traços que se revelem, no caso

87 “Artigo 547º - O juiz deve adotar a tramitação processual adequada as especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.” 88 FREITAS, José Lebre de. Introdução ao Processo Civil-Conceito e princípios gerais à luz do novo código. Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p. 230. 89 MESQUITA, Miguel. Op. cit., p. 83.

44

concreto desnecessários.” O ilustre Professor conclui a analogia dizendo que é como se o

juiz tivesse deixado de ser um mero engenheiro civil, que somente cumpre as ordens do

arquiteto, para também se tornar um arquiteto do processo.

O processualista Miguel Teixeira de Sousa90 nos diz que

O critério que deve orientar a adequação formal é um critério de

proporcionalidade: o processo deve ter uma tramitação com uma estrutura

proporcional à complexidade da causa, pelo que causas de menor complexidade

devem ter uma tramitação mais simples do que a legalmente definida e causas de

maior complexidade podem ter uma tramitação mais pesada do que aquela que

se encontra estabelecida na lei.

Já a gestão material é o meio que o juiz tem para tentar chegar à igualdade

material entre as partes dentro do processo, principalmente quando uma delas se mostra

incapaz de assegurar uma defesa hábil e qualificada de seus interesses. Temos, como

exemplo, o artigo 590º do CPC Português, onde o juiz pode (e deve) convidar às partes a

aperfeiçoar ou suprir irregularidades dos articulados e/ou das insuficiências ou imprecisões

na exposição ou concretização da matéria de facto alegada. Assim, por exemplo, deverá o

juiz sugerir o esclarecimento do pedido (no caso de não ter sido indicado qual dos co-reús

se pretende responsabilizar), o seu complemento (na hipótese de ter sido pleiteada

indenização sem o apontamento do “quantum debeatur”), ou mesmo, a sua correção (se

houver erros gráficos ou jurídicos que tornem a petição inepta, impedindo o seu

entendimento e até a procedência da pretensão)91.

Entendemos que embora seja uma linha muito tênue entre a parcialidade e

imparcialidade do juiz, se levarmos em conta o princípio da economia processual este

deveria poder convidar as partes a sanarem erros na petição inicial, pois caso o juiz

simplesmente a considere inépta e anule o processo, as partes poderão intentar novamente

a mesma ação corrigindo os erros (o que teria praticamente os mesmos efeitos do que o

90 TEIXEIRA DE SOUSA, Miguel. Apontamento sobre o princípio da gestão processual no novo Código de Processo Civil. 2013. Disponível em: http://www.academia.edu/5187428/TEIXEIRA_DE_SOUSA_M._Apontamento_sobre_o_princ%C3%ADpio_da_gest%C3%A3o_processual_no_novo_C%C3%B3digo_de_Processo_Civil_10.2013_. Acesso em: 10 de abril de 2018. 91 SANTOS, Leonardo Valverde Susart dos. Gestão material do processo do trabalho. 129 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Direito, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2015, p. 79.

45

convite do juiz para a parte suprir o erro, porém ocuparia muito mais tempo da máquina

processual).

Como exemplo sobre o que dissemos acima, podemos citar o acórdão de

15/02/2000, da Relação de Coimbra, mencionado durante as aulas do Mestrado pelo

Professor Doutor Miguel Mesquita, em que um senhor ajuizou uma ação pedindo o

encerramento e uma indenização por danos morais de uma fábrica transformadora de

granito e de mármores. Segundo o autor da ação, sua casa ficava muito próxima da fábrica

e esta através de ruídos e poeiras ofendia de forma grave e reiterada os seus direitos de

personalidade, como repouso e integridade física. O Tribunal julgou a ação improcedente,

pois considerou o encerramento da fábrica uma medida muito extrema, porém, poderia,

usando a gestão material, ter convidado o autor para complementar o pedido, realizando

pedidos subsidiários (artigo 554º do CPC) como insonorização da fábrica e colocação de

filtros mais sofisticados nas chaminés. Caso realizasse essa gestão do processo, o Tribunal

estaria a procurar uma solução mais justa, o que tornaria o processo mais útil e efetivo,

evitando-se, inclusive, uma nova ação com o mesmo interesse, porém com pedidos

diferentes.

Entretanto, nem sempre é algo que precisa estar especificado na lei, como por

exemplo, uma inspeção judicial que o juiz resolve fazer, indo presencialmente ao local do

litígio para formar melhor o seu convencimento sobre a causa (lembrando que ainda que o

juiz tenha esse poder deve respeitar outros princípios, como por exemplo, o do

contraditório, avisando com a devida antecedência às partes que irá realizar tal perícia).

O §139 do Código de Processo Civil Alemão prevê especificamente a gestão

material (Materielle Prozessleitung) e permite inclusive que o juiz interfira no pedido das

partes, sugerindo modificações ou questionando se o pedido corresponde realmente ao que

a parte quer.

Podemos citar também o “active case management” (gestão ativa do processo), na

Inglaterra, onde o juiz em diálogo com as partes pode, por exemplo, escolher a tramitação

para a causa de acordo com a sua complexidade.

Além disso, este princípio também pode ser observado nos EUA na “Rule 1 da

Federal Rules of Civil Procedure”92, que na sua livre tradução estabelece que: 92 Rule 1 da Federal Rules of Civil Procedure. Disponível em: https://www.law.cornell.edu/rules/frcp/rule_1. Acesso em: 20 de maio de 2018.

46

Estas regras regem o procedimento em todas as ações e procedimentos civis nos

tribunais distritais dos Estados Unidos, exceto como indicado na Regra 81. Elas

devem ser interpretadas, administradas e empregadas pelo tribunal e as partes

para garantir a determinação justa, rápida e barata de cada ação e processo (grifo

nosso).

Ou seja, o juiz pode tomar iniciativas para interpretar e aplicar as regras para

garantir uma decisão justa, célere e barata nos processos. Sobre esse assunto, William W.

Schwarzer e Alan Hirsch93 aludem que:

A gestão processual, no essencial, envolve a utilização pelo o juiz das

ferramentas que tem ao seu dispor, com equidade e bom senso, por um modo que

se adeque à sua personalidade e estilo, em ordem a satisfazer o objetivo descrito

na Regra 1.

Mas, como este princípio está ligado à atuação do “amicus curiae”? Justamente

no ponto em que dizemos que o juiz tem o poder/dever de tomar decisões de forma a tornar

o processo mais célere e justo, pois ao determinar a oitiva de um “amicus”, que será capaz

de esclarecer pontos em relação aos quais o juiz não possui amplo conhecimento, estará

certamente a buscar a decisão mais correta para o caso concreto. E ainda que se trate de um

“amicus” parcial, se este trouxer para o processo dados novos e provas que façam o juiz

chegar à sentença sem mais delongas, mesmo que o “amicus” esteja a auxiliar uma das

partes, não deixará de tornar o processo mais célere e justo (se partirmos do pressuposto de

que as suas alegações foram legítimas e que aquele teria sido o resultado final de qualquer

forma). Também podemos observar a gestão formal quando o juiz decide dar ou não mais

poderes ao “amicus” (casos que veremos mais à frente).

3.4. Outros princípios

Além dos princípios acima citados, Carolina Tupinambá94 elenca mais cinco

princípios na atuação do “amicus curiae”:

93 SCHWARZER, William; HIRSCH, Alan. Os elementos da gestão processual: um guia de bolso para juízes. Revista Julgar, nº 19, janeiro/abril 2013, pp. 189-206. 94 TUPINAMBÁ, Carolina. Op. cit., p. 127.

47

a) A Transparência sobre o interesse que lhe move – superando o mito de que o

amicus é sujeito imparcial no processo, mister que sua participação seja sincera.

Deve o amicus admitido no feito esclarecer qual interesse real o demove, se

acaso é patrocinado por alguém, como pode ser beneficiado por um ou outro

desfecho do processo etc.;

b) O enriquecimento do debate – o amicus deve colaborar com a qualidade da

decisão judicial, deve levar ao conhecimento do Judiciário conjecturas

sociológicas da lide, deve explorar consectários de possíveis desfechos, deve

anunciar o potencial multiplicador da demanda ou mesmo os prognósticos do

aproveitamento da mesma ratio decidenti em outras demandas similares. Este

papel do amicus, sem o qual dispensável a sua atuação, sua intervenção: o

incremento do diálogo entre o Judiciário e a sociedade. Assim, o amicus deve

permitir que a Corte medite sobre a realidade subjacente à causa e os efeitos da

decisão. Isto porque, o amicus curiae, por sua atuação pretérita, invariavelmente

possui ampla experiência para aportar aos autos indicativos seguros acerca da

cinzenta realidade discutida.

c) A objetividade dos argumentos – o amicus deve simplificar, esclarecer, focar

o debate. Não se qual ampliar o objeto de cognição, mas compreendê-lo

profunda e totalmente. Assim, não se espera que o amicus complique ainda mais

a solução do caso, crie embaraços, cause "frisson", medo ou insegurança em

relação a um dos possíveis resultados da lide. Este, definitivamente não é o seu

papel, sob pena de torna-se um inimicus curiae.

d) Contraditório – as partes devem ser ouvidas acerca da intervenção do amicus,

antes da admissibilidade de seu ingresso.

e) Representatividade adequada – inexiste autorização legal para que toda e

qualquer pessoa participe do debate travado nas relações processuais. É

imprescindível, portanto, identificar o melhor porta-voz da sociedade civil o

amigo da Corte será uma pessoa física, de idoneidade e saber incontestáveis e

específicos; ou jurídica, que reúna continente significativo de membros e

simpatizantes. Deverá existir, ainda, pertinência temática entre a matéria

discutida no processo e os fins institucionais do amicus curiae. Cada setor da

sociedade intervem nas demandas que lhe dizem respeito, não se justificando a

utilização da figura para satisfazer curiosidades, vaidades ou caprichos.

48

4. Natureza jurídica do “amicus curiae”

Para entendermos se a decisão do legislador de enquadrar o “amicus” como

terceiro interveniente foi correta, é importante sabermos o conceito de intervenção de

terceiros. A regra no processo civil brasileiro é que este se desenvolva apenas perante as

partes e o juiz, porém, algumas vezes, outras pessoas alheias a este poderão ser afetadas

pela decisão judicial e, por isso, será permitido a estes intervir no processo para defender

seus interesses.

Segundo o professor Humberto Theodoro Júnior95, a intervenção dá-se quando

alguém ingressa, como parte ou coadjuvante da parte, num processo pendente entre outras

partes. Já Ovídio A. Baptista da Silva96 entende que a intervenção ocorre quando alguém

participa do processo sem ser parte na causa, com o objetivo de auxiliar ou excluir os

litigantes, defendendo algum direito ou interesse que possa ser prejudicado pela sentença.

Apesar dos autores citados divergirem quanto ao terceiro interveniente ser parte

ou não no processo, ambos concordam que este ingressa no processo para defender

interesses próprios que possam ser afetados pela decisão judicial.

O Novo Código de Processo Civil finalmente passou a regulamentar a figura do

“amici curiae”, visto que antes ela aparecia somente em legislações esparsas. A polémica

doutrinária que surgiu com essa regulamentação no CPC foi justamente a inserção deste

instituto como sendo uma intervenção de terceiros. Como já dissemos, alguns autores o

consideram como um assistente e outros como auxiliar do juízo e são essas diferentes

posições que passaremos a analisar agora. Há também autores que o classificam como um

instituto “sui generis”, outros entendem que a sua intervenção assemelha-se a de “custos

legis”, e há também quem o veja como um perito.

Discutir a natureza jurídica do “amicus curiae” não é apenas uma disputa de ego

dos doutrinadores. A inserção deste instituto como sendo um terceiro interveniente,

assistente ou auxiliar do juízo, trará consequências, por exemplo, nos seus poderes,

deveres, limitações, na sujeição aos efeitos da decisão no processo e na identificação de

litispendência.

95 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. 44ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2006. 96 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de Processo Civil. 7ª ed., rev. e atual, Rio de Janeiro: Forense, 2005.

49

O Ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki97 entende que tal figura

possui características mistas de auxiliar do juízo e de terceiro interveniente, e, nas suas

palavras:

Categorizá-lo como um ou outro é uma empreitada científica de êxito discutível,

porque, se há peculiaridades que o aproximam de cada uma dessas

classificações, há também aspectos que o diferenciam de ambas.

Ao longo do nosso estudo chegamos à ideia de que seria melhor não rotular o

“amicus” imediatamente como sendo uma ou outra dessas figuras. Entendemos que a sua

natureza jurídica deveria ser fixada de acordo com o modo que intervém no processo, ou

seja, deverá ser analisada caso a caso. Por exemplo, nos casos em que o “amicus” intervier

voluntariamente ou a pedido do juiz poderá ser somente um auxiliar do juízo ou um fiscal

da lei (“custos legis”), ou quando a sua intervenção ocorrer por vontade das partes esta

intervenção será uma intervenção de terceiro, ou, até mesmo, uma assistência. Seguindo

este entendimento podemos inclusive ter dois ou mais “amici” no mesmo processo com

naturezas jurídicas diferentes. Imaginemos o seguinte: uma das partes convoca a oitiva de

um “amicus” para corroborar a sua tese. Neste caso, como veremos abaixo, este “amicus”

terá a natureza jurídica de assistente (pois está ali para auxiliar uma das partes). Porém, no

mesmo processo há a presença de outra figura que ingressou como “amicus curiae” a

pedido do juiz para lhe esclarecer algum assunto pendente. Já agora, tal figura terá a

natureza jurídica de auxiliar do juízo. Teremos então dois “amici” com naturezas jurídicas

distintas no mesmo processo.

Vamos então analisar cada uma das correntes sobre a natureza jurídica deste

instituto.

4.1. Intervenção de Terceiros

Esta é a corrente maioritária da doutrina brasileira e, inclusive, foi adotada pelo

legislador ao incluir o “amicus curiae” no capítulo das intervenções de terceiros no Novo

Código de Processo Civil. Existem, porém, algumas divergências sobre qual será o

97 ADI 3460 ED. Relator(a): Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, julgado em 12 de fevereiro de 2015, Acórdão eletrônico DJe-047, DIVULG 11-03-2015, PUBLIC 12-03-2015.

50

interesse do “amicus curiae” na demanda. Alguns autores defendem que tal interesse deve

ser o verdadeiro interesse jurídico, e outros autores defendem que pode ser um interesse

meramente econômico, social ou público.

Dirley da Cunha Júnior98 afirma que o “amicus curiae” é um terceiro especial que

pode intervir no processo para auxiliar a Corte sempre que demonstrar algum interesse

objetivo relativamente à questão jurídica em debate. Já Milton Luiz Pereira99 entende que a

intervenção do “amicus curiae” independe da demonstração de interesse jurídico na

demanda, bastando o interesse económico.

Carlos Gustavo Rodrigues Del Prá100 aduz, por sua vez, que:

O amicus não é um assistente de qualquer das partes; portanto seu agir não se

destina diretamente à defesa de uma delas, embora isso possa ocorrer

reflexivamente; isso não significa, contudo que o amicus é uma figura

desinteressada, porquanto age em defesa de interesse que lhe foi investido

legalmente (interesse público); ou seja, age para auxiliar a corte, mas também

age na defesa de um interesse de abrangência coletiva/social.

Salienta ainda que ao se retirar do “amicus curiae” a qualidade de terceiro

interveniente nega-se-lhe também o exercício de determinados poderes processuais, o que,

na sua opinião, ocasionaria um esvaziamento na sua missão101. Tal entendimento vai de

encontro ao pensamento do autor Daniel Amorim Assumpção Neves102, pois para este

autor a principal consequência de se admitir o “amicus curiae” como sendo um terceiro

interveniente radica na atribuição de natureza jurídica de parte a este após sua admissão no

processo.

Outra consequência importante de se enquadrar o “amicus” como sendo um

terceiro interveniente será a possibilidade de se interpor de agravo de instrumento contra

decisão que admitisse ou não o ingresso deste no processo, pois o artigo 1015º, IX do CPC,

98 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. A Intervenção de Terceiros no Processo de Controle Abstrato de Constitucionalidade – A Intervenção do Particular, do Co-Legitimado e do Amicus Curiae na ADIN, ADC e ADPF. In: DIDIER Jr., Fredie; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos Polêmicos e Atuais Sobre os Terceiros no Processo Civil (e Assuntos Afins). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 157. 99 PEREIRA, Milton Luiz. Amicus Curiae: Intervenção de Terceiros. Revista de informação legislativa, vol. 39, n. 156, pp. 7-11, out./dez. 2002. 100 DEL PRÁ, Carlos Gustavo Rodrigues. Amicus Curiae: Instrumento de participação democrática e de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2007, pp. 113-114. 101 Ibidem, pp. 59-81. 102 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manuel de Direito Processual Civil. 10ª ed., rev. e act., São Paulo: Juspodivm, 2018.

51

admite tal recurso quando se trata de intervenção de terceiros. O artigo 138º do CPC é bem

claro ao estabelecer que a decisão que determina de ofício ou a requerimento das partes o

ingresso do “amicus curiae” no processo é irrecorrível, porém deixa uma lacuna

relativamente à decisão que indefere o pedido. Neste caso, basta analisarmos o artigo

1015º, IX do CPC que, como já foi dito acima, permite a interposição de agravo de

instrumento para este tipo de decisão. No caso de entendermos que o “amicus” não seria

um terceiro interveniente, a decisão do juiz ou relator para admitir ou não o seu ingresso na

lide seria realmente irrecorrível.

Também é importante ressaltar a legitimidade recursal do “amicus curiae”. O

artigo 138, §1º não autoriza o “amici” a interpor recurso (ressalvados os casos de oposição

de embargos de declaração e a hipótese do §3º). Porém, se este é considerado parte no

processo porque não pode recorrer das decisões do juízo? O Novo Código de Processo

Civil manteve, no artigo 996º, a legitimidade recursal da parte, o que não justifica tal a

vedação exposta no artigo 138, §1º.

Novamente, se tivermos apenas em consideração a definição originária do

“amicus”, essa corrente, na nossa opinião, não estaria correta, pois neste caso o “amicus

curiae” não se tornaria parte no processo. Tal figura seria inserida na causa para auxiliar o

juiz apenas por ser especialista no assunto discutido, porém, ele não seria diretamente

afetado pela decisão do juízo. Ele apenas daria o seu parecer técnico, o que pode ou não

favorecer uma das partes dependendo do assunto da lide, mas essa nunca deveria ser a sua

intenção.

Cássio Scarpinella Bueno103 partilha deste entendimento em relação ao “amicus

curiae” no Controle de Constitucionalidade. Segundo o autor:

O "terceiro" a que se refere o arti. 7º, §2º, da lei 9.868/99 não deve ser estudado

em confronto com o "terceiro-intervenientes", assim entendidos aqueles que em

nome próprio e por "direito" próprio, que deriva, direta ou indiretamente, do que

se discute em juízo, buscam intervir em processos alheios. Mas, bem

diferentemente, a partir de um contexto em que o que se busca é a produção de

melhor decisão jurisdicional, realizada, na medida do necessário, uma instrução

quanto à constitucionalidade ou inconstitucionalidade de dada norma. Uma

intervenção que se preocupa muito mais com os efeitos externos e difusos do que

103 BUENO, Cássio Scarpinella. 2012, op. cit., p. 122.

52

for decidido do que, propriamente, com o atingimento desses mesmos efeitos na

situação pessoal (na sua esfera jurídica individual) do interveniente.

O STF também não considera tal figura como sendo uma intervenção de terceiros,

como podemos observar no julgado abaixo:

E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE -

INTERVENÇÃO ASSISTENCIAL - IMPOSSIBILIDADE - ATO JUDICIAL

QUE DETERMINA A JUNTADA, POR LINHA, DE PECAS DOCUMENTAIS

- DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE - IRRECORRIBILIDADE -

AGRAVO REGIMENTAL NÃO CONHECIDO. - O processo de controle

normativo abstrato instaurado perante o Supremo Tribunal Federal não admite a

intervenção assistencial de terceiros. Precedentes. Simples juntada, por linha, de

pecas documentais apresentadas por órgão estatal que, sem integrar a relação

processual, agiu, em sede de ação direta de inconstitucionalidade, como

colaborador informal da Corte ("amicus curiae"): situação que não configura,

tecnicamente, hipótese de intervenção ad coadjuvandum. - Os despachos de

mero expediente - como aqueles que ordenam juntada, por linha, de simples

memorial expositivo -, por não se revestirem de qualquer conteúdo decisório,

não são passíveis de impugnação mediante agravo regimental (CPC, art. 504)104

(grifo nosso).

Porém, como já dito no tópico anterior, com a mudança da definição do “amicus”

e a existência de dois tipos de “amicus” - governamentais e privados -, quando se tratar de

“amici” privados podemos sim dizer que estes têm natureza jurídica de terceiros

intervenientes. E geralmente ocorrerá quando a parte for a responsável por requerer a

participação do “amicus curiae” no processo.

4.1.2. Assistência

Alguns doutrinadores consideram que o amicus seria uma intervenção de

terceiros, porém na modalidade da assistência, como explicaremos a seguir.

104 ADI 748 AgR. Relator(a): Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/1994, DJ 18-11-1994 PP-31392 EMENT VOL-01767-01 PP-00010. Disponível em: http://portal.stf.jus.br. Acesso em: 25 de abril de 2018.

53

Num primeiro momento é essencial que possamos definir o que caracteriza o

instituto da assistência. Segundo Cássio Scarpinella Bueno105 é:

É a possibilidade de aquele que não é nem autor e nem réu, buscar sua

intervenção em processo alheio para a tutela de um interesse ou de um direito

seu. Consoante a expectativa de resultado daquele processo inter alios afete, mais

ou menos intensamente, direito seu, relação jurídica da qual é titular, ele,

assistente, pode buscar sua intervenção, forte na perspectiva de criar condições

para o proferimento de uma decisão que, favorável a quem lhe assiste, não lhe

seja prejudicial.

Miguel Teixeira de Sousa106 nos diz que poderá intervir numa ação o terceiro que

“mostre interesse em ser abrangido pelo caso julgado da decisão ou em opor-se à

apreciação da causa favoravelmente a uma das partes, e pode ser chamado a intervir nela

um terceiro que qualquer das partes tenha interesse em incluir no âmbito subjetivo do

caso julgado da decisão”.

A figura da assistência está prevista na legislação brasileira no artigo 121º e

seguintes do CPC. Já na legislação portuguesa encontra-se nos artigos 326º e seguintes do

CPC. O código português, ao contrário do brasileiro, traz o conceito da assistência no

artigo 326º, I: “Estando pendente uma causa entre duas ou mais pessoas, pode intervir

nela como assistente, para auxiliar qualquer das partes, quem tiver interesse jurídico em

que a decisão do pleito seja favorável a essa parte.”

Como vimos no artigo citado acima, é necessário que haja o interesse jurídico, ou

seja, uma relação de prejudicialidade e/ou dependência da relação jurídica da lide, bem

como da relação entre assistido e assistente107.

O terceiro pode intervir a qualquer tempo, tendo de aceitar o processo no estado

em que este se encontrar108.

O insituto da assistência apresenta-se como uma maneira do assistente se prevenir

a fim atenuar os efeitos da sentença ou de uma contestação que possa afetar um direito

105 BUENO, Cássio Scarpinella. 2012, op. cit., p. 371. 106 TEIXEIRA DE SOUSA, Miguel. 1997, op. cit., p. 176. 107 FREITAS, José Lebre de; ALEXANDRE, Isabel. Código de Processo Civil Anotado. Vol. 1, Coimbra: Coimbra Editora, 2014, p. 639. 108 “Artigo 327.º, nº 1 do CPC – O assistente pode intervir a todo o tempo, mas tem de aceitar o processo no estado em que se encontrar.”

54

seu109. Esta afirmação seria um bom exemplo da razão de alguns autores entenderem que o

“amicus” poderia ser considerado um assistente, pois ele irá intervir no processo quando

observar que algum direito seu (ou de algum grupo da sociedade que este possa

representar) poderá ser afetado caso a sentença daquele caso seja favorável a parte

contrária.

Essa corrente é defendida, dentre outros autores, por Edgar Silveira Bueno

Filho110, que afirma que, além do interesse jurídico na demanda, o terceiro deverá

demonstrar os requisitos necessários para a admissibilidade da intervenção como “amicus

curiae”, quais sejam: a relevância da matéria, as especificidades do tema objeto da

demanda ou a repercussão social da controvérsia. O autor afirma ainda que deverá ser

verificada a representatividade do interveniente para somente depois o Tribunal permitir a

intervenção. Por isso, o processualista chega à conclusão de que se trata de assistência

qualificada.

Já tivemos decisões no Superior Tribunal de Justiça que se aliam à esta corrente,

como podemos observar no acórdão111 abaixo:

MEDIDA CAUTELAR. EFEITO SUSPENSIVO. RECURSO ESPECIAL.

ANTV. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTERVENÇÃO DO CADE.

COMPETÊNCIA. [...]. 3. A regra inscrita no art. 5º, parágrafo único, da Lei

9.469/97 e art. 89 da Lei 8.884 – contém a base normativa legitimadora da

intervenção processual do "amicus curiae" em nosso Direito. Deveras, por força

de lei, a intervenção do CADE em causas em que se discute a prevenção e a

repressão à ordem econômica, é de assistência. Outrossim, tratando-se de

entidade federal, inequívoca é a competência da Justiça Federal, mercê de a ação

ser movida pelo Parquet federal em relação a qual, somente as decisões daquela

justiça vincula. (CC) 40.534, Rel. Min. Teori Albino Zavascki) 4. Liminar

indeferida.

109 FERNANDES, João Guilherme Madeira. Assistência no Processo Civil. 90 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-civilísticas - Menção em Direito Processual Civil, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2015, p. 25. 110 BUENO FILHO, Edgard Silveira. Amicus curiae – A democratização do debate nos processos de controle de constitucionalidade. Revista Diálogo Jurídico, nº 14, jun./ago., Salvador, 2002. 111 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Jurisprudência. Medida Cautelar nº. 9.576 – RS. Requerente: Associação Nacional dos Transportadores de Veículos. Requerido: Ministério Público Federal. Relator: Min. Luiz Fux. Brasília, 15/02/2005. Disponível em: http://www.stj.jus.br/portal/site/STJ. Acesso em: 19 de maio de 2018.

55

Muitos doutrinadores são contrários a essa corrente, como por exemplo Cássio

Scarpinella Bueno112, que afirma que o assistente será um interveniente “egoísta” que atua

com um interesse próprio na causa, pois de alguma forma será afetado pela decisão

judicial. O autor afirma que “a vitória do assistido significa vitória para o assistente”, o

que não ocorre na intervenção do “amicus curiae”, pois para este pouco importa quem

sairá vitorioso na causa, tendo, portanto, uma atuação “altruísta”. Bueno diz ainda que

beneficiar o autor ou o réu é consequência da atuação do “amici” e não a causa. Porém, o

próprio autor traz-nos a figura do “amicus litigante”- isto é, um terceiro interveniente que

procura exercer os mesmos poderes das partes e dominar o controlo do processo para tentar

obter um resultado favorável aos seus próprios interesses, principalmente quando se tratar

da formação de precedentes. Ainda segundo o autor, “o amicus curiae teria tudo para ser

assimilado ao nosso assistente litisconsorcial”113.

No entanto, os argumentos dos autores que são contra essa corrente só são válidos

se levarmos em conta o “amicus” na sua forma originária - uma figura imparcial que luta

somente pelo melhor interesse da sociedade e para uma solução justa do litígio, não

importando quem sai vencedor. Atualmente já existem muitas correntes, principalmente na

doutrina dos EUA, que entendem haver dois tipos de “amicus curiae”: o imparcial

(“amici” governamentais) e os parciais (“amici” privados ou particulares). Sobre eles

falaremos num capítulo à parte, mas, no momento, é importante citarmos as seguintes

palavras de Damares Medina114:

Atualmente, a doutrina predominante, em especial nos EUA, tem no amicus

curiae um instrumento de defesa adicional das partes em litígio. Um terceiro

interessado, que ingressa na ação para mostrar à corte outros vieses e nuanças

que deverão ser levados em consideração, em razão dos desdobramentos da

questão jurídica controvertida para além dos limites do processo, na defesa dos

interesses do grupo que representa.

112 BUENO, Cassio Scarpinella. 2012, op. cit., p. 411. 113 Ibidem. 114 MEDINA, Damares. Op. cit., p. 37.

56

Passemos agora à análise do artigo 119º do CPC Brasileiro:

Art. 119º

Pendendo causa entre 2 (duas) ou mais pessoas, o terceiro juridicamente

interessado em que a sentença seja favorável a uma delas poderá intervir no

processo para assisti-la.

Como podemos observar, o artigo estabelece que o terceiro que tiver interesse em

que a sentença seja favorável à uma das partes poderá intervir no processo para assisti-la, o

que se encaixa bem na ideia atual do “amicus” privado. Concluímos então que, analisando

o caso concreto, tratando-se do “amicus” privado (ou particular), é possível enquadrar a

intervenção do “amicus curiae” como assistência.

4.2. Auxiliar do juízo

Esta é uma corrente minoritária que defende que o “amicus curiae” será um

auxiliar do juízo, levando em conta a etimologia da expressão (“Amigo da Corte”). Essa

posição é defendida por autores tais como Mirella de Carvalho Aguiar e Fredie Didier Jr.,

sendo também a posição adotada pelo STF, tal como podemos observar no acórdão115

abaixo:

Ementa: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. "AMICUS CURIAE".

PEDIDO DE HABILITAÇÃO NÃO APRECIADO ANTES DO

JULGAMENTO. AUSÊNCIA DE NULIDADE NO ACÓRDÃO RECORRIDO.

NATUREZA INSTRUTÓRIA DA PARTICIPAÇÃO DE "AMICUS CURIAE",

CUJA EVENTUAL DISPENSA NÃO ACARRETA PREJUÍZO AO

POSTULANTE, NEM LHE DÁ DIREITO A RECURSO. 1. O "amicus curiae"

é um colaborador da Justiça que, embora possa deter algum interesse no

desfecho da demanda, não se vincula processualmente ao resultado do seu

julgamento. É que sua participação no processo ocorre e se justifica, não como

defensor de interesses próprios, mas como agente habilitado a agregar subsídios

que possam contribuir para a qualificação da decisão a ser tomada pelo Tribunal.

A presença de "amicus curiae" no processo se dá, portanto, em benefício da

jurisdição, não configurando, consequentemente, um direito subjetivo processual

115 ADI 3460 ED. Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 12/02/2015, Acórdão eletrônico DJe-047 DIVULG 11-03-2015 PUBLIC 12-03-2015.

57

do interessado. 2. A participação do "amicus curiae" em ações diretas de

inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal possui, nos termos da

disciplina legal e regimental hoje vigentes, natureza predominantemente

instrutória, a ser deferida segundo juízo do Relator. A decisão que recusa pedido

de habilitação de "amicus curiae" não compromete qualquer direito subjetivo,

nem acarreta qualquer espécie de prejuízo ou de sucumbência ao requerente,

circunstância por si só suficiente para justificar a jurisprudência do Tribunal, que

nega legitimidade recursal ao preterido. 3. Embargos de declaração não

conhecidos (grifo nosso).

Os dois autores acima citados têm pensamentos parecidos ao argumentarem que o

“amici” não terá a função de auxiliar nenhuma das partes (o que não significa que isso não

possa ocorrer involuntariamente) e que de forma alguma defendem interesse jurídico

próprio. O “amici” tem como principal função aprimorar e aperfeiçoar as decisões

proferidas em juízo. Mirella de Carvalho Aguiar116 diz ainda que o “amicus curiae” presta

esclarecimentos de fato ou de direito visando à sua correta apreciação pelo juízo e melhor

aplicação da lei, o que, em tese, será de interesse comum a todos os ligantes.

Alguns dos que defendem essa posição alegam ainda que o “amicus curiae” terá

uma função parecida com a do perito, pois ao perito cumpre a tarefa de assistir o juiz

quando houver necessidade de prova de fatos que dependam de conhecimentos técnicos ou

científicos, ou seja, os dois esclarecem questões postas na causa que não são de domínio do

juiz.

Fredie Didier Jr117 entende que as duas figuras são bem distintas, pois o “amici”,

ao contrário do perito, pode intervir voluntariamente no processo e não se submete a

exceção de suspeição ou impedimento, não tem direito a honorários profissionais nem está

sujeito a um determinado prazo para entregar o “laudo” (memoriais).

116 AGUIAR, Mirella de Carvalho. Amicus Curiae. Salvador: Juspodivm, 2005. 117 Fredie Didier Jr. entende que o “amicus curiae” é um sujeito processual ao lado do juiz, das partes, do Ministério Público e dos auxiliares da justiça. Com eles não se confunde, entretanto, porque, sendo a “sua função (…) de mero auxílio, em questões técnico jurídicas municia o magistrado com elementos mais consistentes para que melhor possa aplicar o direito ao caso concreto. Auxilia o magistrado na tarefa hermenêutica”. Ainda segundo este autor, justamente em função desta última característica é que o “amicus curiae” deve ser distinguido dos peritos. Os peritos têm a função clara de servir como instrumento de prova, ou seja, de averiguação do substrato fático. A nova reforma processual. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 185.

58

Na Itália, o “amicus” também é considerado um auxiliar do juízo e está previsto

na legislação trabalhista118 e no Código de Processo Civil, que no seu artigo 68º, parágrafo

primeiro, estabelece que quando seja exigido por lei ou surgir a necessidade o juiz pode ser

auxiliado por especialistas numa determinada atividade ou profissão - em geral, por pessoa

idônea para realizar atos que não pode fazer por si mesmo. Entendemos que o “amicus” se

enquadra neste artigo, pois o juiz ser auxiliado por um especialista quando houver

necessidade é exatamente o conceito de “auxiliar do juízo”.

Na França também há o entendimento de que o “amicus” será apenas um auxiliar

do juízo e que não deve ser confundido com uma parte no julgamento, pois não tem

nenhum interesse em agir.

Como já foi dito, o “amicus curiae” vem-se distanciando cada vez mais do perfil

imparcial que caracterizava a sua atuação na Roma antiga e hoje já são admitidos “amicus

parciais” que não são de forma alguma considerados auxiliares da Corte. Entretanto,

entendemos que quando for o juiz a requisitar a intervenção do “amicus” no processo ou

quando este ingressar voluntariamente, tal figura manterá a sua imparcialidade, atuando

assim como mero auxiliar do juízo.

4.3. Custos legis - fiscal da lei

Para melhor compreensão desse aspeto é necessária uma breve introdução sobre a

atuação do Ministério Público no Processo. O art. 178º do Novo Código de Processo Civil

Brasileiro determina quando é que o Ministério Público intervém no processo como fiscal

da lei e tem a seguinte redação:

Art. 178º

O Ministério Público será intimado para, no prazo de 30 (trinta) dias, intervir

como fiscal da ordem jurídica nas hipóteses previstas em lei ou na Constituição

Federal e nos processos que envolvam:

I – interesse público ou social;

II – interesse de incapaz;

III – litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana.

118 O artigo 421º, parágrafo segundo, do Codigo di Procedura Civile, título Norme per le controversie in matéria di lavoro, prevê, dentro dos poderes instrutórios do magistrado, que este pode, de ofício ou a requerimento das partes, pedir aos sindicatos informações e observações, escritas ou orais, dentro de uma lide individual.

59

Neste momento, para o nosso trabalho interessa-nos apenas a análise do inciso I

do referido artigo. Segundo Cássio Scarpinella Bueno119, o MP, neste caso, não estará a

atuar a favor de nenhum dos litigantes, mas sim “de forma reconhecidamente desvinculada

do interesse individual, subjetivado, trazido ao processo”. Estará realmente a atuar de

forma imparcial.

Com o mesmo pensamento, Cândido Dinamarco120 afirma que:

Sua missão (do Ministério Público) é fiscalizar e participar com o objetivo de

que o resultado do processo seja compatível com os preceitos do direito objetivo

e, por esse modo, fiel aos valores éticos, políticos, sociais, econômicos, tutelados

nas normas que o compõem. Daí sua imparcialidade diante do conflito em si

mesmo e dos sujeitos conflitantes, porque o objetivo dessa intervenção é a

prevalência de valores, e não, diretamente, ou em primeiro plano, a outorga de

tutela jurisdicional a um daqueles. Para cumprir essa missão, é dever do custos

legis evitar condutas inconvenientes das partes litigantes, suprir suas omissões,

buscar a boa instrução do juiz, propor julgamentos conforme o direito, recorrer

de decisões que lhe pareçam discrepantes deste, etc. seu único compromisso é

com o interesse público, o qual é a mola e elemento legitimador da própria

existência do parquet (grifo nosso).

Ao observamos as colações dos dois ilustres autores podemos notar semelhanças

com a definição primária do “amicus curiae”, o qual, como já foi dito, será um sujeito

imparcial que intervém no processo apenas para auxiliar o juiz, trazendo ao seu

conhecimento fatos que não são de seu domínio ou, até mesmo, auxiliando na interpretação

de uma lei. Essa semelhança fica mais clara ainda com a colocação de Antônio Cláudio da

Costa Machado121 sobre o assunto:

O Ministério Público quando intervêm na qualidade de custos legis não se

vincula ao interesse de nenhuma das partes, senão ao interesse mais alto de

colaborar com o juiz no descobrimento da verdade factual e de permitir a mais

perfeita e técnica aplicação das normas jurídicas ao caso concreto. Para cumprir

119 BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit., p. 355. 120 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. Vol. II, São Paulo: Malheiros, 2001, p. 425. 121 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no Processo Civil Brasileiro. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1998, p. 286.

60

esse encargo que a lei lhe atribui fiscaliza o órgão do parquet não só toda a

atuação das partes, seus representantes, como também a do próprio juiz,

propugnando sempre pela solução mais conforme com os ditames das leis

materiais e processuais.

Devido à semelhança na atuação das duas figuras citadas, entendemos que quando

o “amicus curiae” for citado ou quando comparecer espontaneamente no processo também

poderá atuar como fiscal da lei. O nobre colega de mestrado Rodrigo Gonçalves122 também

manifesta o mesmo entendimento e, além disso, defende uma “Democracia Monitória”,

afirmando na página 28 do seu artigo que:

(…) nas hipóteses de intervenção monitorial, o amicus mostra-se o instrumento

adequado para, procedimentalmente, fiscalizar a prestação de contas do exercício

de dizer, por último, qual o sentido da lei, promovendo a concretização do novo

paradigma do "Estado Democrático Monitorial de Direito".

Porém, para que a hipótese do “amicus” como fiscal da lei se concretize seria

necessário que lhe fossem atribuídos mais poderes dentro do processo. Não basta apenas

poder apresentar memoriais, recorrer da decisão que impeça o seu ingresso ou interpor

Embargos Declaratórios, pois, neste caso, não seria realmente um fiscal, mas sim somente

um auxiliar (o que ele já é). Sobre os poderes conferidos ao “amicus curiae”, Cássio

Scarpinella Bueno123 afirma que:

Os poderes (ai compreendidas também as "faculdades "e os "direitos") a serem

exercidos pelo amicus devem ser entendidos como decorrência do grau de

interesse que justifica sua intervenção e de acordo com a própria razão de ser da

sua finalidade. Não há, com efeito, como reconhecer como alguém possa

intervir, a qualquer título, em juízo, em processo alheio, e não ter a possibilidade

de exercer determinados poderes processuais que lhe garanta, quando menos, o

atingimento da finalidade que justifica sua intervenção. São, destarte, "poderes-

meio", poderes verdadeiramente instrumentais. Se não fosse para fazer algo em

juízo, não haveria qualquer sentido em justificar a intervenção de alguém em

processo alheio. O nosso processo não precisa de figuras decorativas.

122 GONÇALVES, Rodrigo de Souza. O amicus curiae e o controle das cortes supremas: da democracia monitória à intervenção monitorial. 33 f. Artigo (Mestrando) - Curso de Direito, Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2017 (texto cedido pelo autor). 123 BUENO, Cássio Scarpinella. 2012, op. cit., p. 505.

61

Como base para a ideia dos poderes que o “amicus” poderia/deveria ter para atuar

como “custos legis”, podemos usar o artigo 179º do Código de Processo Civil Brasileiro

que define os poderes do Ministério Público.

Art. 179º

Nos casos de intervenção como fiscal da ordem jurídica, o Ministério Público:

I – terá vista dos autos depois das partes, sendo intimado de todos os atos do

processo;

II – poderá produzir provas, requerer as medidas processuais pertinentes e

recorrer.

Entendemos que não é função do“amicus” produzir ou requerer a produção de

provas testemunhais ou periciais, mas pode trazer para o processo provas documentais caso

sejam relativas a dados que motivaram a sua intervenção.

O colega mestrando Rodrigo Gonçalves124 vai mais adiante e brilhantemente

exemplifica alguns poderes que deveriam ser concedidos ao “amicus”, os quais peço vênia

para citar:

(a) monitorar a admissibilidade e validade do processo ou recurso, sanando

irregularidades e impugnando eventual uso da técnica de jurisprudência

defensiva, a fim de velar pela concretização da regra da primazia do mérito (art.

4, CPC/BR); (b) opor exceção de suspeição ou impedimento do Relator,

controlando a imparcialidade do julgador; (c) requerer, sem alterar a base fática

alegada pelas partes, o deferimento de tutela de urgência ou dela recorrer; (d)

monitorar a correta aplicação das técnicas do sistema de precedentes (como

distinguishing, overrruling e overriding); (e) integrar os debates na fase pré-

decisional; (f) utilizar de sua legitimação social para o controle – via recursal -

das decisões judiciais (tanto as proferidas no curso do procedimento quanto as de

mérito); (g) garantir que seus argumentos sejam considerados na fase decisional,

mediante expressa análise no corpo das decisões; (h) monitorar a execução das

decisões (fase pós-decisional), sobretudo nas hipóteses de processos estruturais;

(i) monitorar a execução do julgado em IRDR, em especial quando tiver como

objeto questão relativa a prestação de serviço concedido, permitido ou autorizado

(§2o, art. 985, CPC/BR); (j) ajuizar Suspensão de Segurança (art. 15, caput, Lei

124 GONÇALVES, Rodrigo de Souza. Op. cit., p. 22.

62

no 12.016/2009); (k) utilizar de outros sucedâneos recursais, por exemplo,

pedido de reconsideração e correição parcial e; (l) ajuizar Reclamação, nos

termos do art. 988 do CPC/BR, para preservar a competência e garantir a

autoridade das decisões dos Tribunais, também com finalidade de concretização

das decisões nas quais atuou (sobretudo, nos procedimentos de criação dos

chamados "precedentes fortes").

Tendo em conta o que foi dito, concluímos que haveria a possibilidade do “amicus

curiae” atuar como fiscal da lei devido à semelhança de sua atuação com a do Ministério

Público, mas para isso seriam necessários dois requisitos: i) que o seu ingresso no processo

se dê de forma voluntária ou a requerimento do juiz (únicas hipóteses em que seria

genuinamente imparcial), e; ii) que lhe fossem atribuídos mais poderes para que realmente

possa exercer o papel de representante da sociedade na proteção de seus interesses e na

fiscalização do judiciário.

5. Conceito de partes e a (im)parcialidade do “amicus curiae”

5.1. O amicus curiae é parte no processo?

Como sabemos, o Novo CPC enquadrou o “amicus curiae” como sendo uma

modalidade de Intervenção de Terceiros, porém, independente de qual for a sua natureza

jurídica importante se faz questionarmos se este seria ou não parte no processo para que

possa ter (ou não) mais poderes atribuídos a si.

Comecemos então pelas partes no processo. Ainda hoje há divergência doutrinária

sobre o conceito de partes.

Chiovenda125 tem um pensamento mais restritivo na medida em que sustenta que

parte é o sujeito que pede ou contra quem se pede tutela jurisdicional. Neste caso, seriam

partes somente o autor e o réu da demanda. Por autor entendemos que “é aquele que deduz

em juízo uma pretensão (quis res in iudicium deducit)”, e réu “aquele em face de quem

aquela pretensão é deduzida (is contra quem res in oudicium deducitur)”126. Já Liebman127

125 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller, 1998, p. 150. 126 SILVA, Fernando Gabriel de Carvalho e. Amicus Curiae no Novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 5. 127 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. V. I, Tocantins: Intelectus, 2003.

63

tem um entendimento mais amplo, afirmando ser parte todo sujeito que participa da relação

jurídica processual em contraditório defendendo um interesse próprio ou alheio.

A doutrina maioritária segue o entendimento de Chiovenda e, por isso, não

considera o “amicus curiae” como sendo parte no processo. Cássio Scarpinella Bueno128 é

um dos adeptos deste pensamento. Nas suas palavras:

O que deve ser destacado é que a afirmação de que o amicus é terceiro não pode

ser entendida no sentido de que é assistente ou, mais amplamente, que o ser

"terceiro" significa que deva necessariamente assumir aquelas específicas

modalidades de terceiro que o nosso Código de Processo Civil conhece e, com

alguns contornos diversos, sempre conheceu. Como se o amicus pudesse

pretender intervir no processo alheio somente a partir de uma daquelas

modalidades interventivas. Ser terceiro aqui, que significar, apenas, que o amicus

não é parte.129

Fernando Gabriel de Carvalho e Silva130 segue o entendimento de que o “amicus”

não é parte no processo, mas sim um sujeito processual.

Isto porque, todo aquele que participa do processo, possuindo legitimidade para

prática de alguns atos, e ainda interferindo na cognição do magistrado, é

considerado sujeito processual, independente da qualidade de que se reveste esta

atuação.

Cássio Scarpinella Bueno131 também considera o “amicus” como sendo um

sujeito processual e que, por conseguinte, está sujeito a deveres processuais. Assim, o autor

entende ser cabível o regime jurídico do artigo 77º do NCPC brasileiro132 ao “amicus

curiae”.

128 BUENO. Cássio Scarpinella. 2012, op. cit., p. 396. 129 Ainda segundo o autor, também são terceiros os assistentes, os oponentes, os nomeados, os denunciados e os chamados. Mas também são terceiros os peritos, os intérpretes e o próprio Ministério Público, quando este atua na qualidade de fiscal da lei. Todavia, essa circunstância não aproxima por si só o “amici” daquelas outras figuras, apenas revelam um traço em comum – e esse específico traço em comum deve ser entendido na exata medida de sua existência: todos são terceiros porque, de forma mais ou menos intensa, estão autorizados a atuar em processo alheio, ainda que não sejam autores ou réus. E mais: ainda que o objeto litigioso não lhes diga respeito nem direta, nem indiretamente. Ibidem. 130 SILVA, Fernando Gabriel de Carvalho e. Op. cit., p. 34. 131 BUENO. Cássio Scarpinella. 2012, op. cit., p. 396. 132 “Art. 77º - Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo: I – expor os fatos em juízo conforme a verdade; II – não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de

64

Há quem considere possível a convivência dos dois conceitos, sendo que a tese de

Chiovenda seria o conceito de “partes na demanda” e a tese de Liebman seria o conceito

de “partes no processo”, bastando apenas que o sujeito participe da relação jurídica para

que seja parte, sendo neste caso possível enquadrar o “amicus curiae” como sendo parte

do processo.

O Supremo Tribunal Federal Brasileiro não considera o “amicus” como sendo

uma intervenção de terceiro, nem parte no processo, conforme podemos observar no

significado deste instituto exposto no Glossário Jurídico do site do Tribunal133:

Descrição do Verbete: "Amigo da Corte". Intervenção assistencial em processos

de controle de constitucionalidade por parte de entidades que tenham

representatividade adequada para se manifestar nos autos sobre questão de

direito pertinente à controvérsia constitucional. Não são partes dos processos;

atuam apenas como interessados na causa. Plural: Amici curiae (amigos da

Corte).

Nós entendemos que para que possam ser atribuídos mais poderes ao “amicus”

como argumentamos no capítulo anterior, este deverá ser considerado parte no processo.

5.2. A (im)parcialidade do “amicus curiae”

Antes de começarmos a discussão acerca da (im)parcialidade do “amicus curiae”,

é importante estabelecermos os significados de “imparcial” e “imparcialidade” e, para

isso, utilizaremos o Dicionário Houaiss134:

Imparcial: 1- aquele que se abstém de tomar partido ao julgar ou ao constituir-se

em julgamento, que julga sem paixão, 2- que não sacrifica a verdade ou a justiça

a considerações particulares.

Imparcialidade: caráter ou qualidade do que é imparcial; equidade, isenção. fundamento; III – não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito; IV – cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação; V – declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva; VI – não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso.” 133 Glossário Jurídico. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/glossario/. Acesso em: 10 de maio de 2018. 134 Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro Instituto Antônio Houaiss. Ed. Objetiva , 2001

65

Uma das principais características do “amici” colocada pela doutrina é a de que

este seria imparcial, mas esse entendimento vem-se modificando, pois raramente essa

figura se abstém de tomar partido ao ingressar numa lide. Pelo contrário, geralmente o

“amici” defende uma das posições adotada pelos litigantes. É precisamente essa mudança

no entendimento doutrinário que passaremos a analisar de seguida.

É também importante entendermos a diferença entre “interesse jurídico” e

“interesse institucional”, pois para muitos autores estes conceitos são fundamentais para

justificar o enquadramento dos “amici” numa ou noutra corrente das que citamos

anteriormente.

O interesse jurídico prende-se com o desejo de vitória que o terceiro tem em

relação a uma ou outra parte, ou seja, o terceiro auxilia uma das partes com o objetivo de

que esta ganhe a causa. Já o interesse institucional corresponde à vontade que o terceiro

tem na solução do litígio, não interessando qual parte sairá vencedora. Segundo Daniel

Amorim Assumpção Neves135, este interesse está voltado para a melhor solução possível

do processo por meio do maior conhecimento da matéria e dos reflexos no plano prático da

decisão136. O autor afirma ainda que o interesse institucional será o verdadeiro interesse

jurídico, pois, diferente do interesse jurídico do assistente, não diz respeito à qualquer

interesse subjetivo.

Justamente por conta dessa diferenciação entre interesse jurídico e interesse

institucional, alguns autores, tais como Daniel Amorim Assumpção Neves e Fredie Didier

Jr., entendem que o “amicus curiae” não precisa ser totalmente imparcial na causa, desde

que tenha apenas o interesse institucional, até porque um total desinteresse deste no

processo tornaria injustificável sua participação. Sobre este assunto, Daniel Amorim

Assumpção Neves137 afirma que:

É preciso reconhecer que o amicus curiae contribui com a qualidade da decisão

dando sua versão a respeito da matéria discutida, de forma que ao menos o

interesse para a solução da demanda no sentido de sua manifestação sempre 135 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Op. cit., p. 133. 136 BUENO, Cássio Scarpinella. 2012, op. cit., pp. 500-511; BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: Saraiva, 2007, p. 177, fala em „„legítimo interesse no resultado da ação‟‟. DEL PRÁ, Carlos Gustavo Rodrigues. Op. cit., p. 64, chama de „„interesse público de controle‟‟. CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Op. cit., p. 157, fala em „„interesse objetivo relativamente à questão jurídico-constitucional em discussão‟‟. 137 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Op. cit., p. 259.

66

existirá. Ainda que tenha muito a contribuir em razão de seu notório

conhecimento a respeito da matéria, não é comum que as manifestações do

amicus curiae sejam absolutamente neutras.

No direito norte-americano está sendo cada vez mais difundida a ideia de que

existem “amici” parciais e imparciais. Segundo Lowman138, dois grupos de “amicis”

emergiram: o primeiro grupo é composto por unidades governamentais, como o Governo

Federal e os seus ramos componentes, e; o segundo grupo é composto por indivíduos ou

grupos que representam interesses privados. O primeiro grupo seria aquele que Lowman

chama de “amici” neutrais (ou governamentais) e é o mais próximo do Direito Romano,

baseado na ideia do “consiliarius”, ou seja, são imparciais e se limitariam a fornecer

informações aos tribunais. Cássio Scarpinella Bueno139 acrescenta que estes teriam a

possibilidade de uma ação neutra em juízo e “de representar adequadamente os interesses

que não estão presentes no litígio”. Adita ainda que “a atuação governamental na

qualidade de amicus afina-se melhor ao requisito da legitimidade processual e para agir

em juízo”.

Quanto aos “amici” parciais, Lowman140 entende haver dois tipos: os “private

party amicus curiae”, que segundo o autor apesar de poderem abandonar a característica da

imparcialidade, não lhes foram atribuídos grandes poderes no processo - ficaram limitados

a levantar questões jurisdicionais e outras importantes questões negligenciadas pelas partes

para garantir a apresentação de cenário factual completo e sugerir possíveis implicações da

decisão do tribunal, ou seja, em geral, os tribunais limitaram a capacidade dos “amici”

privados para atuarem como uma espécie de assistentes na causa. E os “litigating amicus

curiae” ou “amicus curiae híbridos” que seriam uma evolução dos “amici”

governamentais e algo equivalente às partes no processo, pois teriam poderes que antes

somente eram atribuídos a estas, como por exemplo, alegar fatos, requerer meios de prova

e apresentar evidências com relevância probatória.

O Ministro do STF Luís Roberto Barroso manifestou-se recentemente sobre a

questão da imparcialidade ou não do “amicus”.

138 LOWMAN, Michael K. Op. cit., pp. 1243-1299. 139 BUENO, Cássio Scarpinella. 2012, op. cit., p. 119. 140 LOWMAN, Michael K. Op. cit., p. 1259.

67

Não sei se concordo com a tese de que os amici curiae devem ter participação

imparcial. Eles entram para defender a correção da posição que defendem. A

posição não exige imparcialidade. Salvo da parte de juízes, a imparcialidade não

é deste mundo.

A Ministra Carmen Lúcia141 concordou com o Ilustre Ministro e disse que “nem

de longe falaria em imparcialidade. Preocupo-me apenas quando alguém diz que é amigo

de uma das partes. É preciso saber qual é o objetivo.”

Alexandre Freitas Câmara142 também posicionou-se acerca da imparcialidade do

“amicus curiae”:

Registre-se, aqui, então, um ponto relevante: o amicus curiae não é um "terceiro

imparcial", como é o Ministério Público que intervém como fiscal da ordem

jurídica. O amicus curiae é um sujeito parcial, que tem por objetivo ver um

interesse (que sustenta) tutelado. Dito de outro modo, ao amicus curiae interessa

que uma das partes saia vencedora na causa, e fornecerá ao órgão jurisdicional

elementos que evidentemente se destinam a ver essa parte obter resultado

favorável. O que o distingue do assistente (que também intervém por ter

interesse em que uma das partes obtenha sentença favorável) é a natureza do

interesse que legitima a intervenção.

Fica cada vez mais claro para nós que raramente o “amicus curiae” será imparcial

num processo. Podemos estar diante da parcialidade como algo de interesse geral, como

por exemplo, a intervenção de uma associação para a defesa dos direitos da população

afro-brasileira para abordar assuntos relativos às cotas, ou uma entidade para a preservação

da história e da cultura dos judeus que intervém para definir se o crime de racismo abrange

o anti-semitismo, ou da parcialidade com o interesse pessoal na causa no caso dos “private

party amicus curiae”, ou dos “amicus curiae” híbridos já acima citados.

Apesar disso, existem países que ainda mantêm a ideia de imparcialidade do

“amici”, como por exemplo a França que manteve a fidelidade ao modelo tradicional

inglês do “amicus”: aquele que presta auxílio à Corte, no interesse da justiça, em razão da

sua experiência específica em determinado campo. Nas palavras de Carlos Gustavo

141 Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-fev-02/carmen-lucia-rediscutir-papel-amici-curiae-supremo. Acesso em: 12 de abril de 2018. 142 CÂMARA. Alexandre Freitas. O Novo Código de Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015, p. 125.

68

Rodrigues Del Prá143, a “sua função assemelha-se mais à sua própria denominação, e, por

isso, age mais como um „amigo da corte‟ do que um terceiro em defesa de interesses não

representados em juízo”.

6. Amostras estatísticas e críticas sobre o “amicus curiae”

A Estatística é o método que ensina a recolher, classificar, apresentar e interpretar

um conjunto de dados numéricos. Quando bem aplicada, o que supõe, entre outras coisas,

uma amostra representativa do fenómeno analisado, é uma ferramenta excelente para

ajudar o pesquisador a fundamentar suas análises.

A pesquisa de Damares Medina144 no Supremo Federal Brasileiro - e com

referências também à Suprema Corte dos EUA - dá suporte a algumas de nossas

conclusões. Segundo a autora, das ações julgadas no modelo concentrado sem a

participação do “amicus”, 65,2% não foram conhecidas, enquanto das que contavam com a

participação de tal figura apenas 42,6% não foram conhecidas. Além disso, as ações que

contavam com a participação do “amicus” tiveram 31,8% de procedência, ao passo que as

que não tinham a participação deste obtiveram apenas 23,4% de procedência. Ainda de

acordo com a autora, “a evidência empírica do aumento superior a 22% nas chances de

conhecimento da ação reforça a hipótese de que o ingresso do amicus curiae aumenta

consideravelmente as chances de conhecimento do processo.”

Para confirmar o entendimento da autora iremos citar as suas pesquisas em

relação às ADPF‟s e às ADI‟s. Segundo Damares Medina145, das 69 ADPF ajuizadas sem a

participação do “amicus”, 68 não foram conhecidas (98,6%), enquanto das 9 ações que

contavam com a participação do “amicus” 7 foram conhecidas (77,8%), ou seja, o ingresso

do “amicus” aumentou em mais de 20% a chance de a ação ser conhecida. Além disso,

apenas 1,4% das ações de ADPF sem a participação do “amicus” foram julgadas

procedentes, enquanto 9,7% das ações com o “amicus” foram julgadas procedentes.

Em relação às ADI que contavam com a participação do “amicus”, 40,3% não

foram conhecidas e 32,8% foram julgadas procedentes. Quando não houve a participação

143 DEL PRÁ, Carlos Gustavo Rodrigues. Op. cit., p. 34. 144 MEDINA, Damares. Op. cit., pp.136-137. 145 Ibidem.

69

do “amicus”, 64,5% não foram conhecidas a os julgamentos procedentes ciaram para

23,8%.

A autora cita ainda diversas pesquisas em relação à atuação do “amicus curiae”

nos Estados Unidos, as quais pedimos vênia para citarmos com o fim de nos ajudar a

compreender a importância deste instituto.

Kearney e Merril146, após pesquisa exaustiva sobre a atuação dessa figura na

Suprema Corte dos EUA, concluíram que entre os anos de 1946 e 1955 foram entregues

531 memoriais de “amicus”. Já entre 1986 e 1995 esse número cresceu para 4907, o que

representa um aumento de mais de 800%. Alem disso, com relação à quantificação da

citação dos memoriais nas decisões da Suprema Corte, concluíram que em 15% das

decisões foi citado o nome de pelo menos um “amicus curiae” e em 37% dos casos foi

citado pelo menos um memorial. Identificou-se ainda que os “amici” parecem ser mais

eficazes quando os seus memoriais são partidários e apoiam um dos lados em juízo.

Os pesquisadores Spriggs e Wahlbeck147 notaram que há uma maior efetividade

dos memoriais quando os “amici” reiteram os argumentos das partes e oferecem novas

informações. Cladeira e Wrhigth defendem que a presença dos “amici” pode influenciar a

decisão da Suprema Corte em ouvir ou não um caso.

Collins148 apontou uma possível correlação entre a relevância e o status da

organização representada pelo “amicus” e o conteúdo do memorial. Segundo o autor,

apesar de o conteúdo da manifestação ser mais importante que a entidade que a subscreve,

organizações com experiência em atuação como “amicus” podem oferecer melhores

memoriais, atraindo, em consequência, mais e maior atenção por parte dos juízes

(“repeated players”).

Lynch149 analisou a influência dos “amicus curiae” através de entrevistas aos

“clerks” (assessores jurídicos) da Suprema Corte dos EUA. 56% dos entrevistados

indicaram que os casos de alta complexidade técnica ou áreas obscuras do direito são casos

em que os memoriais são mais úteis. 83% dos “clerks” disseram ler brevemente todos os

146 KEARNEY, J. D.; MERRIL, T. W. The influence of amicus curiae Briefs on the Supreme Court. University of Pennsylvania Law Review. Vol. 148, pp. 743-855, 2000, p. 765. 147 SPRIGGS, J. F.; MAHLBECK, P. J. Amicus curiae and the Role of Information ai the Supreme Court. Political Research Quartely. Vol. 50, pp. 365-386, 1997, p. 375. 148 COLLINS Jr, Philip M. Friends of the Court: examining the influence of Amicus Curiae participation in U. S. Supreme Court Litigatin. Law & Society Review, vol. 38, nº 4, pp. 807-832, 2004, p. 822. 149 LINCH, Kelly J. Best Friends? Suoreme Court Law Clerks on Effective Amicus Curiae Briefs. Journal of Law and Politics, vol. 20, pp. 33-75, 2004, p. 66.

70

memoriais. A identidade do “amicus curiae” também faz toda a diferença. 70% afirmaram

que os memoriais do “Solicitor General” dos EUA são atentamente lidos. Além disso, o

autor do memorial também influencia na atenção que os “clerks” lhe dão. Entre os mais

reverenciados estão os académicos proeminentes e os advogados renomados.

Diversos autores têm elaborado críticas em relação a essa figura. Tais críticas são

muitas vezes no sentido de que o “amicus” é utilizado somente para atrasar o processo, não

trazendo nada de novo ao processo, ou que o “amicus” é apenas alguém que quer auxiliar

uma das partes no processo e se utiliza da figura do “amicus curiae” para pode fazer isso

sem se tornar parte no processo. Passemos então para a opinião desses autores.

Kurland e Hutchinson150 defendem que a entrega de memoriais elaborados pelo

“amici” deveria ser restrita, pois muitas vezes eles apenas criam uma carga adicional de

trabalho a um judiciário já carregado e, além disso, destacam que essa figura é sempre

parcial, apoiando uma ou outra parte no processo, não sendo em nenhuma hipótese o

“amigo da corte”. Harper e Etherington151, já na década de 50, tinham uma opinião

parecida à destes autores ao afirmarem que o lobby realizado pelos inúmeros memoriais de

“amicus curiae” tornaram-se um problema para a Suprema Corte dos EUA.

Damares Medina152 considera que raramente os memoriais trazem “insights” ou

argumentos que ainda não estavam presentes no processo, mas caso pretendam fazê-lo

poderiam oferecer tais argumentos diretamente para as partes que tencionam apoiar.

Acrescenta ainda que o verdadeiro objetivo de um memorial seria influenciar politicamente

o julgamento, dando sinais de posições ideológicas a partir de qual lado do processo está

sendo apoiado.

Além disso, Collins153 afirma que os memoriais seriam uma forma barata de

alcançar uma boa exposição na mídia, mostrando o ativismo da entidade perante a

sociedade e os seus associados. Já que os “amici” estão livres dos ônus da litigância, tais

como custas e sucumbências, sai muito mais barato entregar um memorial do que iniciar

todo um processo.

150 KURLAND, Philip B; HUTCHINSON, Dennis J. Whit friends like these… American Bar Association Journal, nº 70, pp. 16-21, 1984. 151 HARPER, Fowler V.; ETHERINGTON, Edwin D. Lobbyists before the Court. University of Pennsylvania Law Review, vol. 101, nº 8, pp. 1.172-1.176, junho de 1953. 152 DAMARES, Medina. Op. cit., p. 41. 153 COLLINS Jr, Philip M. Op. cit., p. 826.

71

Por fim, o juiz Richard Posner154, que defende inclusive a abolição do “amicus

curiae”, após 16 anos de leitura de memoriais, chegou à conclusão de que a maioria foi

entregue por aliados de uma das partes e se limitaram a repetir os argumentos já utilizados

por estas no curso do processo. Enfatiza que a maioria extrapola o número permitido de

páginas e que servem apenas como veículos de interesses políticos no processo judicial, o

que só contribui para o aumento dos custos deste. Para que o “amicus” possa ser aceite no

processo o juiz defende que os memoriais deveriam ser permitidos apenas em situações

muito específicas, nomeadamente: “I- quando uma das partes não está representada ou é

mal representada; II- quando o amicus possui interesse em outros processos nos quais

podem ser diretamente afetados pela decisão; III- quando o amicus possui informação

única ou perspectiva singular da controvérsia, o que pode representar uma ajuda à Corte

além daquela que os advogados podem oferecer.”

Cássio Scarpinella Bueno155 também acaba por defender que o “amicus” deve ter

algo de novo para acrescentar ao processo, pois para o autor quando o pedido de ingresso

desta figura vem logo acompanhado com as razões que o sustentam otimiza o processo e

segue o princípio da economia processual, além de demonstrar a vontade do “amicus” de

colaborar com o processo. E ainda, “um amicus que nada tenha a acrescentar ao debate

não pode ser considerado propriamente um amicus curiae.”

154 Nat‟I Organization for Women v. Scheidler, 223, F. 3d, 615 (7th Cir. 2000), Ryan v. Commodities Futures Trading Comm‟n, 125, F 3d, 1062 (7th Cir. 1997) e Voices for Choices v. III. Bell Tele. Co., 339 F. 3d, 542, 544 (7th Cir. 2003), Apud ALGER, Jonathan, KRISLOV, Marvin. You‟ve got to have friends: lessons learned form the role of amici in The University of Michigan Cases. Journal of College and University Law, vol. 30, nº 3, p. 503, 2004. 155 BUENO, Cássio Scarpinella. 2012, op. cit., p. 483.

72

II. CONCLUSÃO

Como visto ao longo desse trabalho, o “amicus curiae” está presente no

ordenamento jurídico desde a antiguidade. Seja na figura do “consilliarius”, seja na figura

do “advocatus”, sua longevidade é uma comprovação da importância e da necessidade de

entendermos claramente o seu papel nas disputas judiciais.

Ao discutirmos as diferentes posições dos autores chegamos à conclusão de que a

ideia do “amicus” como alguém completamente desinteressado no processo já foi

ultrapassada, pois apesar de ainda existirem casos em que este irá intervir somente para

auxiliar o juiz, ele deverá ter algum interesse (nem que seja somente fiscalizar, como

dissemos no ponto 4.3 do trabalho), pois caso contrário sua intervenção não faria sentido.

No entando, constatamos que existem dois diferentes tipos de intervenções: quando o

“amicus” vai ao processo para assumidamente ajudar uma das partes ou quando vai

somente por possuir interesse na causa e não tem a intenção de auxiliar nenhum dos

litigantes (ainda que isso aconteça de forma involuntária).

Pelo que foi dito acima entendemos que exluir o “amicus” da lide com base na

justificação de que este acaba por ajudar uma das partes no processo não faz sentido, uma

vez que hoje em dia já se aceita a existência de “amicis” parciais. Por isso, tal argumento,

por si só, não justificaria a extinção desta figura tão importante no processo.

E ainda, a alegação de que raramente o “amicus” traz algo novo para o processo

poderia até ser válida se levarmos em consideração somente o fato de que ele está apenas

reproduzindo o que as partes já disseram nas suas intervenções. De fato, só serviria para

atrasar o processo. Porém, a pesquisa realizada por Damares Medina, em 2008, mostra-nos

que os processos que não têm a participação de “amicus curiae” têm menos chance de

serem conhecidos nos Tribunais Superiores e, ainda, têm menor possibilidade de serem

julgados procedentes, por isso concluímos que, em que pese a repetição de argumentos nos

memoriais, a participação do “amicus” poderá ser fundamental para a vitória de uma ou

outra parte.

Vimos também como o Processo Cooperativo facilita a atuação desta figura, já

que o juiz ganha mais poderes e deixa de estar preso somente ao que as partes levam ao

processo. Passa a poder aceitar fatos que chegam ao seu conhecimento de outras formas,

como por exemplo através da oitiva do “amicus”. E ainda, como dissemos no tópico 2,

73

caso o processo possua elementos muito técnicos poderá designar diligência para

esclarecimentos de fatos, sem caráter probatório, como por exemplo a oitiva de um

“amicus curiae”. Tratamos inclusive de alguns princípios de atuação do juiz que dão

abertura à participação dos “amici” nos processos.

Além disso, sabemos que a legitimação do Direito, baseada no exercício da

liberdade e proteção dos direitos indivuiduais e coletivos, foi reforçada após a

constitucionalização do Direito Civil. Baseados nisso, podemos afirmar que o “amicus

curiae” cumpre um papel fundamental na democratização do Direito ao dar voz àqueles

que não estão arrolados diretamente na lide mas que dela podem participar, seja por

interesse instiuicional, seja por interesse jurídico. E para confirmar este entendimento,

citamos novamente o Ministro Gilmar Mendes156, do Supremo Tribunal Federal Brasileiro,

que em seu julgado afirma que “não há dúvida, outrossim, que a participação de

diferentes grupos em processos judiciais de grande significado para toda a sociedade,

cumpre uma função de integração extremamanete relevante no Estado de Direito.”

Dito isto, entendemos que o que foi discutido ao longo de todo este trabalho tem

grande relevância, pois não se trata apenas de defender uma ou outra posição

“cegamente”, procuramos demonstrar que cada autor pode ter argumentos válidos e,

dependendo do caso concreto, uma ou mais correntes podem estar corretas. Afinal, como

disse o famoso escritor brasileiro Paulo Coelho “Não existe nada de completamente errado

no mundo, mesmo um relógio parado, consegue estar certo duas vezes por dia”.

156 STF. Ação Direta de Inconstitucionalidade: ADI 3842MG. Disponível em: https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6078694/acao-direta-de-inconstitucionalidade-adi-3842-mg-stf. Acesso em: 01 de março de 2018.

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