38
AMÍLCAR CABRAL O PEDAGOGO DA REVOLUÇÃO PAULO FREIRE Palestra: Curso de Mestrado da Faculdade de Educação Universidade de Brasília, 8 de novembro de 1985. Texto gravado e organizado por: Laura Maria Coutinho Disciplina: Educação e cultura Professor: Venício Arthur Lima Organização do evento: Laura Maria Coutinho (Mestranda em Educação) Maria Luiza Pereira Angelim (Mestranda em Educação) Erasto Fortes Mendonça (Mestrando em Educação) Celso Ribeiro (Professor da SEEDF) Renato Hilário dos Reis (mestrando em educação) Raúl Jorge Vera Cruz Barbosa (aluno do Instituto Rio Branco)

Amilcar e Paulo Freire

Embed Size (px)

Citation preview

  • AMLCAR CABRAL O PEDAGOGO DA REVOLUO

    PAULO FREIRE

    Palestra: Curso de Mestrado da Faculdade de Educao Universidade de Braslia, 8 de novembro de 1985. Texto gravado e organizado por: Laura Maria Coutinho Disciplina: Educao e cultura Professor: Vencio Arthur Lima Organizao do evento: Laura Maria Coutinho (Mestranda em Educao) Maria Luiza Pereira Angelim (Mestranda em Educao) Erasto Fortes Mendona (Mestrando em Educao) Celso Ribeiro (Professor da SEEDF) Renato Hilrio dos Reis (mestrando em educao) Ral Jorge Vera Cruz Barbosa (aluno do Instituto Rio Branco)

  • 2

    APRESENTAO

    Este texto falado foi gravado e transcrito e ficou aguardando uma oportuni-

    dade de ser apresentado a Paulo Freire para que ele pudesse fazer as alteraes

    que julgasse pertinentes. Isso no aconteceu.

    Como, no momento em que a palestra ocorreu, no dispnhamos de compu-

    tador, o texto estava transcrito e datilografado. Permaneceu guardado. Ao ser refe-

    rido em sala de aula, para alunos do curso de mestrado, houve o interesse de al-

    guns deles em conhecer Amlcar Cabral e suas reflexes sobre cultura. E, ainda, as

    reflexes de Paulo Freire sobre Cabral, ainda apenas datilografado. Alguns alunos,

    dentre eles um caboverdeano, que sabia de Cabral, mas no tinha acesso biblio-

    grafia, manifestaram o desejo de copiar os textos da bibliografia de Amlcar Cabral

    e tambm incumbiram-se de digitar o texto datilografado para que outras pessoas

    pudessem conhec-lo.

    Mantivemos o texto falado, apenas limpamos as repeties e buscamos

    algumas poucas referncias que ajudam a contextualizar a fala. Inserimos alguns

    subttulos para ajudar na leitura. Tambm fizemos a relao da bibliografia que

    conseguimos reunir sobre Cabral na poca. Parte dela nos foi cedida, para cpia,

    por um estudante cabo-verdeano, do Instituto Rio Branco. Alguns ttulos da biblio-

    grafia esto disponveis para cpia na Faculdade de Educao da UnB e de difcil

    acesso at hoje. No est digitalizada. As imagens foram retiradas de sites de bus-

    ca.

    Colocamos, hoje, em pblico este trabalho, realizado no mbito do nosso

    curso de mestrado na Faculdade de Educao da Universidade de Braslia. Muitas

    coisas mudaram, outras permanecem. Acreditamos que essas reflexes podem con-

    tribuir para a educao de jovens e adultos e, sobretudo, para quem quer pensar a

    educao como enraizamento no tempo do hoje, o tempo do presente, o nico

    tempo possvel para qualquer transformao.

    Braslia, maio de 2008.

    Laura Maria Coutinho

    Maria Luiza Pereira Angelim

    Renato Hilrio dos Reis

  • 3

    ABERTURA

    Tem um grupo nosso que j est trabalhando com as idias de Amlcar Ca-

    bral, e como Paulo Freire tem um interesse muito grande em Amlcar Cabral, ele

    concordou em participar de uma conversa conosco especificamente sobre este te-

    ma. O grupo que j est trabalhando h mais tempo nisso, elaborou j algumas

    questes. Ele vai abrir fazendo algumas colocaes sobre Amlcar Cabral e o seu

    pensamento e depois sero colocadas as questes. (Vencio Arthur Lima.)

    INCIO DA CONVERSA DE PAULO FREIRE

    Muito bem. Eu gostaria, no comeo desta conversa nossa, de deixar algum

    ponto, ou dois, mais ou menos claros. Em primeiro lugar a satisfao que eu tenho

    de estar aqui hoje. Depois da volta do exlio em meados de 80, essa a primeira

    vez, ou melhor, a 2; que eu venho a UnB para uma reunio do Conselho Diretor.

    Mas para uma conversa como essa a 1 vez que eu venho UnB legalmente sem

    nenhuma camuflagem.

    O Vencio me trouxe aqui em 81 creio, com outras pessoas, mas eu vim sem

    ningum saber, entrava numa sala misteriosa, porque simplesmente era proibido.

    Ento, eu queria dizer da satisfao da estar aqui com vocs nessa manh. Agora,

    a 2 coisa que eu quero sublinhar que ao aceitar vir aqui ter uma conversa sobre

    Amlcar Cabral, de maneira nenhuma eu quero dar a impresso de que me conside-

    ro um especialista no trabalho, no pensamento, na prtica de Amlcar Cabral. Evi-

    dentemente, porm, eu tenho pensado sobre o pensamento de Cabral, porque se

    eu tambm se eu no soubesse sequer quem foi Amlcar Cabral, no se explicava a

    minha aceitao de vir aqui, pois seria um ato profundamente leviano. Imoral, do

    ponto de vista intelectual, vir para c para discutir o que eu no sei, no seria pos-

    svel. Mas insisto que no me considero um especialista, e gostaria de ter virado

    um bom especialista, no com uma certa superficialidade com que s vezes a gente

    se pensa especialista em alguma coisa. Eu cheguei realmente at ter um projeto de

    fazer um estudo, assim uma espcie de biografia da prxis de Amlcar e era um

    grande sonho, em certo sentido eu me sinto frustrado at hoje, porque no pude

    fazer isso. Mas eu gostaria, agora, de fazer alguns comentrios, antes das pergun-

    tas.

  • 4

    Amlcar Cabral

    Eu conhecia Amlcar Cabral no pessoalmente, mas atravs das referncias

    que se faziam Amlcar Cabral, luta Africana. Parece-me que era impossvel, in-

    clusive, comentar, falar dos movimentos de libertao em frica, sobretudo, da

    chamada frica de expresso Portuguesa, que para mim muito mais a expresso

    de uma postura colonialista portuguesa do que verdadeira essa afirmao, sem

    falar de Cabral. Eu sempre dizia que no reconhecia as fricas, uma de expresso

    Portuguesa, de expresso Francesa, de expresso Inglesa, para mim o colonialismo

    pairou e imps-se sobre a frica e sem ter conseguido jamais ter transform-la em

    fricas de expresso disto ou daquilo. Mas era. E difcil, pensar sobre os movi-

    mentos de libertao dessa chamada falsamente frica de expresso Portuguesa,

    sem se fazer referncia a Amlcar Cabral. Amlcar Cabral esteve na gestao de

    todos os movimentos de libertao das ex-colnias Portuguesa, desde o tempo que

    ele jovem ainda, estudava em Lisboa.

    Pessoalmente, lamentavelmente, eu nunca pude encontrar Amlcar, uma

    das minhas frustraes, eu gostaria de t-lo conhecido pessoalmente. Mas conhecia

    seus trabalhos e fiz a leitura de alguns de seus textos. Dediquei-me muito leitura

    de seus textos quando, aps a libertao da Guin Bissau, Cabo Verde e demais

    pases, recebi um convite do Governo da Guin Bissau para, com uma equipe com a

    qual eu trabalhava, na poca em Genebra, dar uma contribuio ao povo Guineense

    e tambm Cabo Verdiano. Ento naquela poca uma das exigncias que ns nos

    fizemos foi exatamente fazer um estudo srio do que a gente encontrou da obra de

    Amlcar. Lembro-me de que eu li dois volumes da obra de Amlcar numa traduo

    francesa; s depois eu consegui o texto original publicado em Lisboa. Mas a gente

    lia, eu costumava a ler o Amlcar assim, pgina por pgina, palavra por palavra,

    fazendo minhas notas, e quando cheguei, fomos juntos, a equipe do Instituto de

    Ao Cultural IDA, e eu a Bissau, ns comeamos ento a conversar com gente

    que havia lutado ao lado de Amlcar, com gente cabo-verdiana e com gente guine-

  • 5

    ense, que havia lutado com Amlcar, ao lado de Amlcar. E a gente foi vendo e

    comprovando uma enorme coerncia, atravs dos depoimentos, entre o que a gen-

    te lia nos textos de Amlcar, e o que se diziam a ns nos depoimentos. Gente moa,

    gente jovem, guerrilheiro que tinha lutado nos campos, nas matas com Amlcar.

    Ento, a leitura de Amlcar, a personalidade Amlcar, de Amlcar como um grande

    revolucionrio, era uma coisa que a mim me fascinava e me fascina completamente

    hoje.

    O livro no escrito de Paulo Freire

    E nasceu da, desses encontros com a obra de Amlcar com a repercusso

    dessa obra na prtica, inclusive com a distncia s vezes enorme entre o que Aml-

    car escreveu e o que Amlcar fez enquanto processo de libertao, ou seja a posta

    em prtica aps a mudana, aps a libertao. Isso no diminuiu em nada, para

    mim, a validade das propostas de Cabral. Nasceu da precisamente o sonho de fa-

    zer um estudo, uma espcie de biografia da prxis. Eu cheguei at a ter o nome do

    livro que eu quis escrever, que no pude escrever, que se chamaria Amlcar Ca-

    bral, Pedagogo da Revoluo, eu estabeleci uma diferena j para esse ttulo en-

    tre, ser pedagogo da revoluo e ser pedagogo revolucionrio, me parece que h

    uma ligeira diferena que no diminui em nada o que apenas pedagogo revolu-

    cionrio.

    H uma diferena que eu acho fundamental, Amlcar me parece que na ver-

    dade, foi um pedagogo da revoluo, quer dizer, ele teve, ele encarnou perfeita-

    mente o sonho de libertao de seu povo e os procedimentos polticos pedaggicos,

    para a realizao desse sonho. Recordo tambm que um dos caminhos que eu pen-

    sei para fazer o trabalho sobre Amlcar era procurar ouvir ao mximo a gente que

    havia lutado ao lado dele, dentro da Guin, em Cabo Verde, e depois, em outros

    pases da frica, e depois fora da frica. Cheguei a ter uma conversa com a lide-

    rana do PAI a quem eu coloquei a minha proposta, o meu projeto.

    E eu dizia que como intelectual, eu me sentia um militante, e que a diferen-

    a entre mim e um outro intelectual qualquer, que outro intelectual poderia fazer

    uma pesquisa muito sria, inclusive, e depois escrever o livro, sem pedir permisso

    nenhuma ao partido, sem se entregar tambm ao debate do partido. Mas que essa

    no era a minha posio. Caso o partido dissesse sim, eu iria ento trabalhar e se

    chegasse um dia ao trmino do que eu sonhava, eu ofereceria os originais, antes de

    public-los ao partido, ao PAI, para que o PAI lesse os originais e depois me convo-

  • 6

    casse no sentido de debater comigo os pontos com os quais o partido no concor-

    dasse. E eu dizia com muita lealdade, se o PAI me convence do meu erro eu retiro,

    se no me convence, ento eu no retiro. Mas o que eu quero deixar muito clara

    a minha posio poltica, e no apenas a posio de um intelectual interessado na

    obra de um grande lder, como foi o Amlcar. O partido aceitou, no fez nenhum

    obstculo. Eu dizia mais ainda que, aprovado o texto, que eu daria o texto ao parti-

    do e que apenas, trabalharia, junto s editoras para que publicassem, mas que os

    direitos autorais pertenceriam ao Partido.

    Julinho Carvalho

    Comecei ento a trabalhar, me lembro, uma coisa lamentvel, eu gravei a-

    proximadamente 10 entrevistas em Bissau e se perderam todos os cassetes na

    nossa mudana de Genebra para o Brasil. Eu me lembro, por exemplo, uma entre-

    vista excelente foi com o cabo-verdiano que est hoje em Cabo Verde, ele era o

    comissrio das Foras Armadas em Bissau, antes da ruptura, Julinho Carvalho. Eu

    conversei tanto com esse homem, um homem extraordinrio, um grande estrate-

    gista militar. Tive com ele uma entrevista fantstica, foi ele que gravou mais, perto

    de duas horas. Falando da viso poltica, da viso militar, e da viso que a gente

    poderia chamar aqui sem nenhum receio, humanista, de Amlcar Cabral, sem, po-

    rm, dar ao adjetivo humanista nenhuma conotao piegas, humanista no sentido

    da radicalidade com que a gente se refere ao que h de humano. Ento ele me con-

    tou fatos como esse que eu vou relatar aqui: disse ele que um dia, uma equipe de

    comandantes, de que ele fazia parte, organizou, fez um projeto armado, no sentido

    de destruir o principal quartel portugus e esta ao seria uma perda irreparvel

    para foras colonialistas. Com aquela derrota dos portugueses, vislumbrada no pro-

    jeto que os comandantes militares faziam, dificilmente o exrcito colonialista pode-

    ria sobreviver.

    Disse-me o comandante que levaram o projeto a Amlcar, e ele examinou,

    discutiu durante duas horas o projeto e, em certo momento, ele pergunta aos co-

    mandantes E qual o custo social da posta em prtica deste projeto? Militarmente

    eu no tenho dvida nenhuma que realmente funciona. Mas eu quero saber a

    posta em prtica, o que vai custar? E o comandante disse: Olha, ns liquidaremos

    as tropas portuguesas, em cem por cento, perdemos cinqenta por cento das nos-

    sas. A resposta de Amlcar: muito caro para ser posto em prtica.Ento disse

    que fez uma pergunta extraordinria.

  • 7

    Essas coisas me impressionavam tanto que eu no esqueo. No ano que

    vem eu vou a Genebra e ainda tenho a esperana de descobrir essas fitas por l.

    Mas ento o Amlcar disse a eles uma coisa que a mim me impressionou. Disse:

    Olha, vocs fizeram um plano, um projeto de guerra, de luta, como se tivessem

    esquecido de que ns estamos com a histria, e a histria conosco. Os portugueses

    que esto contra a histria. Ento no h mal nenhum que a gente retarde o

    momento ltimo da ltima p de terra em cima do colonialismo, por um tempinho

    mais, sem perder tanta gente. E ento concluiu dizendo o seguinte: O que inte-

    ressa a ns expulsar os colonialistas, no necessariamente mata-los. Para expul-

    sa-los, precisamos matar alguns e morrer. Por isso vocs vejam, que a colocao

    ao contrrio, inclusive uma colocao, me parece, profundamente normal, porque

    eu nunca pude admitir, quando se pensa, por exemplo, que revolucionrio gente

    truculenta que anda querendo matar.

    um absurdo, porque isso no revolucionrio, isso uma patologia, no

    , portanto, atributo de revolucionrio querer matar gente. Mas essa preocupao

    do Amlcar, dizia esse comandante, estava permanente na luta e nas anlises que

    Amlcar fazia nos seus textos, alis, os seus textos na sua maioria so resultados

    exatamente de extraordinrios seminrios, muitos dos quais feitos em plena selva,

    como avaliao do processo de luta, de luta armada etc.

    O que ainda no estava aqui

    O outro moo, uma outra entrevista que me impressionou enormemente, foi

    de um jovem que estava funcionando quando eu conversei com ele, na Guin Bis-

    sau, como uma espcie de supervisor distrital no campo da educao, algo parecido

    com isso na nomenclatura do sistema educacional brasileiro, numa zona. Ele con-

  • 8

    versando comigo eu lhe perguntei: O que foi que mais te impressionou, na tua

    passagem por Amlcar? E ele disse: Camarada Paulo Freire, o que mais me im-

    pressionava no camarada Cabral era a capacidade que ele tinha de conhecer o que

    ainda no estava aqui.O que ser isso, perguntei, ele disse: Eu penso no ca-

    marada.Eu digo: Mas claro que voc pensa Diz agora, eu sou capaz de pen-

    sar seiscentos metros em torno de mim. O camarada Cabral pensava seis anos na

    frente dele". E a eu disse: Explica isso.Ele disse: Uma vez ns estvamos na

    frente da batalha, numa certa zona de luta, depois de uma semana de castigo forte

    da aviao tuga, o camarada Cabral chegou para uma visita de inspeo e de estu-

    dos.Isso o que eu estou chamando aqui de seminrios que ele costumava fazer,

    de avaliao da prtica. No fundo, Amlcar foi um extraordinrio terico, por isso foi

    um excelente prtico, praticista. Ento, ele trouxe a moada para um desses semi-

    nrios.

    Eu fico a imaginar uma daquelas clareiras maravilhosas que a gente acha na

    frica, nos bosques, nas matas, e l sentados bem africanamente, sombra das

    rvores grandes, Amlcar conversava, avaliava o processo de luta, e em certo mo-

    mento disse: Eu preciso retirar duzentos de vocs da frente da luta, para mandar

    para outra frente de luta. Eu preciso de duzentos de vocs para mandar para Cona-

    cri, para Instituto de Capacitao, para capacitar os duzentos e depois traz-los

    para o interior do pas para as zonas libertadas, no sentido de trabalhar como pro-

    fessores.E a o jovem olha para mim e diz, vejam como um raciocnio assim mui-

    to imediato. Muito parecido com milhares de raciocnios nossos no Brasil e na Am-

    rica Latina. Disse: Como que eu, que estava com um fuzil na mo, vendo o meu

    companheiro cair morto junto de mim, os tugas matando a gente, como que eu

    podia naquela hora pensar que pudesse haver a possibilidade de duzentos de ns

    sarem da frente de luta para ir estudar. Ento a minha reao foi a seguinte: Mas

    camarada Amlcar, esse negcio de educao fica para depois.

  • 9

    Voc veja que essa reflexo extraordinariamente igual a de milhares de

    ns aqui na Amrica Latina, para no falar s no Brasil. Ento camarada Cabral

    esse negcio de educao, fica pra quando a gente botar os tugas para fora, a a

    gente pensa na educao, e a a gente se forma, se capacita. Eu pensava que o

    camarada Cabral ia trazer para c mais duzentos guerrilheiros, e no tirar duzentos

    de c.E Cabral vai e diz a ele: E por que voc acha que no est certo isso? E o

    moo diz: Porque a gente no pode perder essa guerra.Cabral ento diz: Mas

    exatamente para no perder a guerra, que eu preciso de duzentos de vocs.Isso

    um dilogo lindo. Isso um negcio, para mim, extraordinrio! E o moo continua-

    va sem acreditar e sem entender, sobretudo.

    O pedagogo da revoluo

    Num parntese, h algo embutido nesse dilogo que me fala muito do peda-

    gogo da revoluo. na verdade isso que eu chamo de substantividade democrti-

    ca, preciso acabar com essa invencionice de que falar em democracia j significa

    imediatamente que o sujeito da social democracia ou revisionista espontanesta,

    frouxo ou um bando de coisas como essas. preciso acabar com essa mania de

    que s h rigor sob o autoritarismo. preciso que quem diga isso, assuma seu au-

    toritarismo, e no o transfira para os outros. Ento, esse dado da conversa, vejam

    bem, muito importante, o moo que dialogava com Cabral o tinha na verdade

    como o grande lder, ningum pense que no, porque hoje ainda o grande lder

    presente, e no presente magicamente, nem miticamente. Olha, obviamente que

    naquela hora ele sabia que Cabral era o lder. Mas o lder no falava apenas aos

    liderados, porque falava com os liderados, ao lado de falar aos liderados.

    Eu quero fazer outro parntese para dizer, que para mim fundamental que

    uma liderana radicalmente democrtica revolucionria, que essa liderana fale aos

    liderados. Mas que no possvel, que ela deixe de falar com, e para mim, s h

    uma maneira de falar aos liderados sem falar contra eles, falar com eles tambm.

  • 10

    S falando com, que voc se legitima em determinados, necessrios momentos,

    em que voc correria o risco de cair num espontanesmo. S falando com que em

    certos momentos voc legitima o direito de falar a. Isso fazia Amlcar de uma

    maneira extraordinria, o autoritrio sempre fala a, o espontanesta pensa que

    jamais pode falar a, e que tem sempre de falar com, e para mim essas so duas

    posies falsas. A minha posio de quem fala a por que fala com. Isso fazia o

    Amilcar, esse dilogo desse moo uma beleza.

    Em certo momento de sua narrativa, ele ento diz que Amlcar olha a todos

    e diz o seguinte: Meus amigos, meus camaradas, esta guerra vai ser ganha por

    alguns da minha gerao, que escaparo, vai ser ganha por alguns da gerao de

    vocs que escaparo, mas vai ser ganha pela gerao que est chegando a. Ve-

    jam vocs que viso, isso o que eu chamo de sensibilidade histrica, que saa

    pelos poros dele, isso que a capacidade de ler o mundo e no de ler os textos.

    Quem se perde apenas na leitura dos textos se esborracha constantemente. S no

    se esborracha quando s cuida mesmo da sua academia e quando cuida da acade-

    mia, sem tarefas administrativas. E a dizia Amlcar: E o que acontece que da-

    qui a cinco anos por a, seis, quando essa gerao que est a jovenzinha, chegar

    ao momento da luta definitiva, vai precisar de instrumentos de guerra, que no so

    os que vocs esto usando, mas instrumentos de guerra que vo exigir conheci-

    mento matemtico que vocs no tiveram e nem tm, so acontecimentos cientfi-

    cos de que a gerao outra vai precisar.A disse ele: E o que ns precisamos no

    momento exatamente levar duzentos de vocs, para serem formados no sentido

    de voltar a formar c. O moo me olha e me diz: Camarada Paulo, eu fui ento

    para Conacri. Confesso ao senhor que eu fui sem entender muito, mas fui. Estudei,

    capacitei-me e voltei. Formei quadros aqui que eram realmente os quadros da ge-

    rao que tinha que ganhar, e vi alunos que estudaram comigo derrubando avies

    tugas, com foguetes, esses foguetes soviticos. Parou, olhou para mim e disse:

    Camarada Paulo Freire, foi por isso que no comeo eu disse ao senhor que eu sou

    capaz de pensar seiscentos metros em torno de mim, e que o camarada Cabral

    pensava seis anos na frente dele.

    Profestismo, advinhao, intuio

    Eu me lembro ainda de quando ele me disse isso, eu aproveitei para falar

    sobre que eu entendia de profetismo. Para mim o camarada Cabral, era um profeta,

  • 11

    no por que fosse um doido barbudo, como o beato Salu da novela1, por que h um

    equvoco, muita gente quando ouve falar em profeta, fica pensando que se trata de

    gente maluca, de gente doida, suja, que vive fazendo discursos. No. O profeta ou

    a profetiza, exatamente quem, por viver intensamente o hoje, adivinha o ama-

    nh.

    Eu usei o adivinhar propositadamente para valorizar um pouco, a tarefa de

    adivinhar na epistemologia. Eu acho que conhecer no adivinhar, mas passa tam-

    bm pela adivinhao ou pela intuio para gente ser mais corts. O profeta exa-

    tamente essa pessoa que no tem nada do doido, que tem uma profunda raiz no

    hoje que ele briga para transformar. E exatamente essa prxis atolada no hoje

    que o faz, compreendendo o passado, prever, antever o futuro, porque ele sabe

    que o futuro afinal de contas se faz no hoje que se transforma.

    No h um futuro como uma coisa marcada, esperada para gente colocar

    depois, como se fosse um mdulo que a gente fabrica e deixa l a espera da pessoa

    que vai chegar para busc-lo no futuro. No, o futuro se constri na transforma-

    o radical do hoje. E era isso que fazia Cabral, esse homem capaz do pensar seis

    anos na frente dele. Os depoimentos que eu tive na Guin Bissau somam mais ou

    menos, quinze ou dezesseis horas de gravao, todos eles de diferentes figuras,

    camaradas que lutaram com o fuzil, com uma responsabilidade de comandante,

    camaradas que eram comissrios ou ministros na poca da entrevista.

    O primeiro ministro, que morreu em acidente, Chico Terra, me deu tambm

    uma entrevista muito boa, todos esses depoimentos, enfatizaram, em Amlcar, pri-

    meiro essa capacidade de prever, segundo enfatizaram esse gosto do falar com,

    terceiro enfatizavam uma extraordinria competncia, associada a uma sensibilida-

    de histrica, qualidades absolutamente indispensveis, ao saber cientfico, ao lado

    da sensibilidade do objetivo, do concreto, da objetividade. Salientavam, tambm,

    um imenso respeito, ao senso comum, ao conhecimento, que caracteriza a incerte-

    za da sabedoria popular. Ele tinha um profundo respeito a isso.

    1 Novela Roque Santeiro de Dias Gomes, Rede Globo de Televiso.

  • 12

    Eu me lembro, por exemplo, que em um dos textos dele que resultou, des-

    sas avaliaes de luta, ele discute com um grupo de guerrilheiros, a crendice no

    poder do cri-cri, que exatamente, os bentinhos, as coisas que a gente usa, amu-

    letos, a crena no amuleto, os chamados mezinhos. No Brasil a gente tem um me-

    zinho, que no um amuleto, uma espcie diferente de amuleto, a cachacinha

    no chazinho. E o camarada brigando, convencido de que o mezinho faria com que a

    bala do inimigo ricocheteasse, batia e pulava para o outro lado e no pagava o su-

    jeito. E ele ouve aquilo com uma sabedoria do antroplogo poltico, e depois diz:

    Eu gostaria de dizer aos camaradas que o que nos defende da bala do inimigo

    saber ou no saber brigar.

    Cultura e crena

    ter, diria eu agora acrescentando um pouco, ter ou no ter uma compe-

    tncia sobre a luta que a gente ganha na luta, no o mezinho que faz isso. A diz

    Cabral: Mas o partido respeita, respeita a crena, a convico que est no corpo

    da nossa cultura. Eram essas as dimenses da cultura que ele chamava de debili-

    dade da cultura, essas debilidades estavam do ponto do vista da sua anlise, exa-

    tamente, nas relaes entre o ser humano e o mundo natural. E ele defendia, ve-

    jam que coisa bacana, que no era sacudir a p de terra em cima daquela compre-

    enso mgica do real, no era para as pessoas ficarem ao nvel daquela debilidade,

    mas era partir daquela debilidade, para poder alcanar a sua superao. isso que

    em nvel poltico pedaggico eu venho dizendo desde os anos cinqenta.

    No entanto, h crticos meus neste pas, que dizem que o que eu defendo

    que o educador deve ficar ao nvel do educando. Isso uma coisa incrvel. Eu nun-

    ca usei o verbo ficar, por que seria um absurdo, eu tenho usado sempre o verbo

    partir. Partir da concepo do mundo que tenha o educando ou que tenha a massa

  • 13

    popular e partir, a no ser que me provem com algum dicionrio, significa deslocar-

    se de um certo ponto, com direo a outro. Portanto, h no verbo partir uma cono-

    tao do movimento e outra de intencionalidade, de diretividade. por isso que a

    educao diretiva mesmo, ela um partir de.

    Pois bem. Em Cabral voc percebe isso de uma forma extraordinria, mas a

    ele conclui o discurso dele naquela que deve ter sido uma bonita tarde numa mata

    da Guin Bissau. E ele diz: No entanto, no tenho dvida nenhuma de que os fi-

    lhos dos nossos filhos vo elogiar o PAIGCi, que soube lutar, mas vo dizer sorrin-

    do: os nossos pais acreditavam em coisas bizarras, em coisas estranhas. Mas vo-

    cs vejam que isso um negcio maravilhoso! A que cada vez mais esse homem

    se afirma a mim, como um pedagogo da revoluo. Vocs vejam, seria um absur-

    do, por exemplo, simplesmente dizer: vocs so uns idiotas, e eu no sei, como

    que vocs esto vivos ainda. Mas por outro lado seria tambm um absurdo conce-

    der, no era possvel conceder. O caminho para, no estigmatizando, no conceder,

    era debater, era falar sobre a debilidade, isso ele fez em tudo Hoje, nessa manh

    que vocs me oferecem aqui na UnB, o fato de eu estar de novo pensando nessas

    coisas, no tive tempo de reler nada, mas isso me apaixonou tanto que eu no ga-

    ranto, se eu achar as entrevistas em Genebra, que eu escreva o livro que eu queri-

    a, mas pelo menos um artigo para analisar isso.

    O sonho

    Eu vou terminar o ltimo depoimento para ter tempo da gente fazer a con-

    versa geral. O depoimento de uma mulher, que tinha um posto muito elevado, mui-

    to importante, no ministrio da educao, tambm a mim me impressionou muito.

  • 14

    Ela me disse que um dia o Cabral reuniu toda uma equipe diretora em Conacri,

    exatamente a Guin, Conacri, que se libertou do colonialismo francs antes da li-

    bertao. E l o PAIGC tinha esse centro de capacitao, e um dia, me dizia essa

    depoente, numa reunio grande de avaliao do processo de luta, quando aparen-

    temente estava concluindo a reunio, me disse ela que Cabral parou, fixou os olhos

    no teto da sala, e disse: Agora me deixem pensar. E comeou a falar s. Descre-

    vendo o que seria a Guin e o que seria Cabo Verde, aps a independncia. Che-

    gou, inclusive, a pormenores administrativos, falava dos ministrios, dos departa-

    mentos, que se chamava comissariados, descreveu, perfilou o pas, saindo da lama

    colonialista, e constituindo-se na continuidade da luta pela libertao, enquanto luta

    pela consolidao da libertao. E em certo momento, ele pra, olha para o grupo

    todo e um dos membros da equipe disse: Camarada Cabral, mas isso sonho. E

    ele apontava esse sonho para um perodo imediato muito prximo. E a me disse

    ela que Cabral deu uma resposta, dessas que eu fixei. E ele disse: Sim, sonho.

    Mas ai da revoluo que no sonha. Ai dos revolucionrios que no sonham. A

    questo que se coloca apenas saber como lutam para viabilizar o sonho.

    Vocs vejam, isso de novo tem que ver com essa dimenso proftica de Ca-

    bral, e com uma conscincia muito lcida, muito clara que ele tinha, da relao in-

    quebrantvel da prtica e teoria, que ele jamais dicotomizou, s que nunca fez um

    discurso, verbalmente terico, que dificultasse a compreenso do seu contedo por

    parte de seus camaradas de guerra, de luta.

    Em Cabral e com Cabral

    Em Cabral eu aprendi uma poro de coisas, digo em Cabral significando

    tambm com Cabral, eu aprendi muitas coisas. Eu confirmei outras coisas de que

    eu suspeitava, mas eu aprendi, por exemplo, uma coisa que a necessidade que

    tem o educador progressista e o educador revolucionrio.

    Eu fao uma distino muito rpida entre um e outro: para mim um educa-

    dor progressista aquele que trabalha numa sociedade burguesa de classe como a

    nossa, por exemplo, e tem o sonho que o transcende, que vai mais alm de fazer a

    escola melhor, mas que preciso fazer, porque ele sonha mesmo com a trans-

    formao radical da sociedade burguesa, numa sociedade socialista. Esse para mim

    um educador progressista.

  • 15

    O educador revolucionrio aquele que j se encontra situado histrica e

    socialmente, na sociedade, em processo, em um nvel maior do processo atual. Vou

    dar um exemplo, eu acho que um de ns aqui um educador progressista, e na

    Nicargua um de ns seria um educador revolucionrio. Talvez se pudesse dizer: -

    Paulo isso um negcio to acadmico que no adianta. Eu tambm no dou muita

    ateno a essa distino semntica.

    Simplicidade e simplismo

    Mas voltando ao que eu dizia, uma coisa que eu aprendi muito com Cabral,

    foi como um educador progressista precisa fazer-se simples, sem, porm, jamais

    virar simplista. Isso me parece fantstico. Pegue os textos de Cabral, e eles so

    realmente simples, mas no simplistas. Para mim o simplismo, uma expresso

    fantstica, contundente do elitismo, pior at do que o populismo, mas coincide

    muito com certas vocaes populistas. Quer dizer, no fundo o simplismo autorit-

    rio. O simplista aquele que diz: como vou falar a essa gente que no capaz de

    me entender. Ento ele fala meias verdades, quartos de verdade, no so nem

    meias verdade, so pitadas de verdades.

    Em Cabral a gente v contrrio disso, o que Cabral faz buscar, com simpli-

    cidade, falar do concreto seriamente. Depois dessa introduo em que eu digo a

    vocs, e repito, que no me sinto um especialista em Cabral, no me arrogo assim,

    mas que tenho uma enorme admirao por ele. Inclusive, eu tenho em nossa casa,

    uma foto de Cabral, a nica foto em que o vi em p com um fuzil. Disseram-me

    em Bissau, que ele tinha horror quela foto, por que era uma das nicas coisas,

    possivelmente negativas em Cabral. E que ele tinha raiva do tamanho dele, eu no

    sei ate onde verdade, mas dizem que ele era baixinho e que tinha uma raiva e-

    norme do seu tamanho, sobretudo quando ele estava com um fuzil a tiracolo, a a

    gente v que ele era pequeno mesmo. Por causa dessa histria da altura Cabral, eu

    vou ate me admitir o direito de ser medocre e dizer um desses frases bestas: Ca-

    bral era enorme por dentro.

    A memria do que no vi: Cabral e Guevara

    Mas eu fico aqui a me lembrar desses depoimentos, e se eu fosse um artista

    plstico, eu seria capaz de reproduzir o que eu tenho na memria do que eu no vi.

    O encontro de Cabral com Guevara na mata. Disse-me a pessoa que fez esse depo-

    imento, que os dois ficaram parados, um diante do outro, profundamente atrados

  • 16

    um pelo outro. Depois se abraaram. Possivelmente, aquele momento, em que dois

    homens enormes, sendo um baixo e o outro grando, se encontraram, tenha sido o

    nico em que Cabral no teve raiva do tamanho fsico dele. como se ele se com-

    pletasse tambm fisicamente, com o que sobrava do tamanho fsico de Guevara.

    Mas que na verdade os dois eram um para o outro iguais do ponto de vista da

    compreenso da luta. No por acaso que Guevara tambm no teve nenhum re-

    ceio de falar em amor, com relao revoluo, ele ainda fez uma concesso, por

    que disse: Ainda correndo risco de parecer ridculo, eu digo que no h revoluo

    sem amor. E depois tem aquela outra linda frase dele sobre a ternura: preciso

    endurecer sem jamais perder a ternura. No por acaso que ele dizia isso e que

    Cabral dizia coisas parecidas.

    No fundo, para mim, foram estes dois homens, as duas das maiores expres-

    ses deste sculo, e Guevara, tambm era um pedagogo da revoluo, no era s

    um pedagogo revolucionrio, tinha a mesma sensibilidade popular, sem ser populis-

    ta. Ele se arrepiava tambm diante do povo, do povo, e ele sabia o que que sig-

    nificava povo. Por exemplo, o Amlcar no tem tambm, nenhum receio de falar em

    povo. Ele sabe o que que significa povo. Muito bem. Eu vim aqui muito mais para

    dar um depoimento tambm, depoimento sobre depoimentos, em torno dessa figu-

    ra extraordinria, que Amlcar Cabral.

    PERGUNTA:

    Para ns uma emoo grande ver Paulo Freire, falando de Amlcar Cabral. Algu-

    mas perguntas j foram tratadas, mas de qualquer maneira a idia seria explicar o

    processo histrico da Guin Bissau e Cabo Verde, com suas diferenas, na busca da

    unidade. Como que o senhor sentiu isso, como o senhor percebeu essa questo?

    Exato, eu posso dizer a vocs como eu percebi. Um dia, logo no comeo de

    minhas visitas a Cabo Verde e a Guin Bissau, eu cheguei a perguntar a um dos

    ministros, se no seria mais fcil, por exemplo, um tipo de solidariedade poltica,

    um tipo de solidariedade cultural, de solidariedade econmica, entre os cinco pases

    irmos, mantendo cada um deles a sua autonomia administrativa, poltica etc. Por

    que me parecia que havia certos rasgos histricos e culturais entre as duas socie-

  • 17

    dades, me parecia difcil superar isso para ter um bloco s. A prpria forma de ex-

    perincia colonizadora que Portugal teve, os procedimentos colonizadores entre

    Cabo Verde e Guin Bissau foram distintos.

    A impresso que eu tenho que o colonizador escolheu o arquiplago de

    Cabo Verde, para fabricar l assimilados culturais, na sua grande maioria. Isso era

    o sonho dos portugueses e que no deu certo. Era essa a poltica para com a popu-

    lao mestia mais para clara de que para escura de Cabo Verde. L foi formada a

    intelectualidade que teve uma chance que os outros no tiveram. Portugal pensava

    em tirar, e tirou de Cabo Verde, quadros, seus quadros necessrios, quadros inter-

    medirios para a administrao colonial nas outras colnias, ou nas chamadas pro-

    vncias. Isso se deu durante longo tempo e esse fato marcava uma diferena, com

    relao s demais colnias.

    De modo que eu via, por exemplo, uma maior facilidade, no sei se bem a

    palavra, uma maior aplicao na poca, das propostas Cabralianas em Cabo Verde,

    do que na Guin, por exemplo, uma maior coerncia, entre o que se dizia e entre e

    que se fazia. Eu achava meio difcil, e havia tambm uma certa ciumada, que eu

    no quero discutir se era correto ou no, de guineenses, e isso era aproveitado, do

    ponto de vista da direita, com relao a caboverdianos. O comissrio Julinho Cava-

    lho, sujeito extraordinrio, tem uma clareza poltica, formidvel, um grande es-

    trategista militar, com uma lucidez enorme. Mas Julinho era caboverdiano, e com a

    ruptura, com os acontecimentos de 79, quando o Luiz Cabral, o irmo de Amlcar,

    foi afastado, Julhinho foi para Cabo Verde, com outros mais. Como presidente en-

    to do partido.

    Livro escrito e livro falado

    No livro Por uma Pedagogia da Pergunta, nesse livro, quero explicar, eu co-

    mecei, eu comecei a falar livros e no apenas escrever livros. E um desses livros

    falados, eu falei em Genebra com um exilado chileno, muito amigo meu, que me

    substituiu no Conselho Mundial de Igrejas. E um excelente intelectual, chamado

    Antnio Faundez. Eu gosto muito desse livro. Eu acho um livro srio, um livro afeti-

    vo tambm, as pginas que eu dedico anlise de como eu vi o exlio, a mim me

    satisfazem quando eu releio.

    Mas h um momento para mim muito bonito do livro, que o papo crtico de

    Faundez comigo, quando ele critica a atuao minha e de meus companheiros na

  • 18

    Guin. E a eu tento explicar essa questo da Lngua Portuguesa. Evidentemente

    que nas Cartas a Guin eu no deixei isso claro, e eu explico agora nesse livro por

    que no deixei. Mas uma das primeiras coisas que eu fiz quando escrevi ao Mrio

    Cabral que no irmo de Amlcar, que era o ministro da educao da poca, foi

    exatamente sobre a questo da lngua portuguesa, e isso eu disse em Cabo Verde,

    de pblico at. Eu acho que, lingisticamente um absurdo, uma inviabilidade

    ensinar o portugus na Guin Bissau s massas populares, uma inviabilidade pol-

    tica. s vezes a inviabilidade no poltica.

    Vocs imaginem que se o Brasil fizesse uma revoluo, vivesse uma revolu-

    o, e nos chegssemos aos camponeses brasileiros, e aos obreiros, aos operrios

    brasileiros, e dissssemos o seguinte: - Olha, para revoluo da gente avanar, ns

    vamos ter que alfabetizar agora, em espanhol. a mesma coisa.

    Mas eu me lembro que, na minha primeira consulta ao Mrio Cabral, na mi-

    nha primeira carta, nas Cartas a Guin, eu fao uma referncia a esse problema.

    Quando ns chegamos a Guin, eu coloquei isso para equipes do ministrio, e ele

    me disse que no, que havia um bilingismo, e h mesmo em grande parte do Ca-

    bo Verde. Por exemplo, em Cabo Verde voc pode alfabetizar em lngua portuguesa

    sem violentar, eu no diria que sem violentar, violenta um pouco, mas possvel

    fazer. Em So Tom mais ainda, mais que na Guin Bissau, em Angola, em Mo-

    ambique. Moambique e Angola esto numa situao pior do que Cabo Verde, do

    que a Guin.

    Angola e Moambique tm uma situao dramtica, por que no criaram,

    no houve condies histricas sociais para criar uma lngua como o crioulo. No se

    criou o crioulo, em Angola nem em Moambique, o que temos em Angola e Moam-

    bique so as lnguas nacionais etnos culturais, dos diferentes grupos. Existem trinta

    lnguas, trinta e seis lnguas, dezesseis lnguas, eu compreendo as dificuldades.

    Politicamente no pode o MPLA nem a FRELIMO, por exemplo, chegar ao povo de

    Angola e de Moambique e decretar que uma daquelas lnguas seria a lngua nacio-

    nal. Fazer isso seria um desastre. Ento a nica sada poltica que tiveram, foi de-

    corrente da inviabilidade lingstica. Fazer da lngua do colonizador a lngua cuja

    tarefa a tarefa impossvel de formar a sua infncia e a sua mocidade, que a ln-

    gua estrangeira.

  • 19

    A lngua do colonizador

    Eu vou ler aqui e agora uma carta do livro Por uma pedagogia da pergunta.

    Quem no leu esse livre ainda, talvez nem precise comprar. Mas esse um pro-

    blema, esse um grande desafio que as lideranas revolucionrias tm de enfren-

    tar. Vocs vejam o seguinte, sem querer ser simplesmente o reducionista: No pro-

    cesso da independncia, pode-se ter, grosso modo, duas possibilidades da linha

    poltica a ser implantada, com a chegada ao poder do grupo nacional. A primeira

    seria, por exemplo, a de, rompendo com o colonialismo, cair, porm, no neocolo-

    nialismo, que colonialismo adocicado.

    E tem mais, o neocolonialismo barateia as despesas do colonizador, ele gas-

    ta menos e lucra mais, por que ele no precisa necessariamente de manter um es-

    pao ocupado por seus funcionrios, a sua burocracia. Ele vai substituindo a sua

    burocracia pela nacional, pagando menos. Na postura neocolonialista, a lngua do

    colonizador continua sendo absolutamente fundamental. Ento, o colonizador faz

    tudo para preservao da sua lngua, como presena de poder.

    Eu no quero discutir aqui agora, uma srie de conseqncias to bvias a

    para ns. A outra opo poltica a ruptura fundamental com o colonialista, e a

    partida para um tipo de sociedade independentizada. Meus amigos, o que isso sig-

    nifica para uma liderana lcida? Eu digo nesse livro aqui, nos Dilogos, o que sig-

    nifica, por exemplo, grupos europeus, privados e pblicos, de estados, chegando

    diariamente ao aeroporto de Bissau para trazer propostas de desenvolvimento. Em

    Cabo Verde era a mesma coisa, haviam propostas de desenvolvimento que no

    tinham na sua maioria, nada com o desenvolvimento, que interessasse aos povos

    independentes. que interessava s agncias, elas apanham inclusive as lideranas

    desexperimentadas.

    Essas lideranas tm larga experincia de guerra de luta na selva, mas a

    experincia desse outro tipo, a diplomtica, a discusso da economia, a compreen-

    so do planejamento interessado ao povo, isso tudo tem que ser criado, inclusive o

    que custa a esses paises em termo da ajuda internacional.

    Inclusive, nesse aspecto, eu sugiro que vocs chamassem aqui o Douglas

    um dia para discutir tambm frica com vocs, do ponto de vista econmico e do

    desenvolvimento. Ele tem feito estudos extraordinrios sobre esse assunto mos-

    trando inclusive, quanto custa um expert das Naes Unidas, que no vai para Gui-

  • 20

    n Bissau, a no ser que lhe paguem sete mil dlares por ms, seis mil dlares.

    Porque um expert no , necessariamente, um militante poltico, alis por isso

    mesmo ele um expert. Eu no estou sabotando ningum, o cara merece ganhar o

    seu dinheiro, est certo. Mas o que significa isso do ponto de vista do pas, isso

    mexe com a ecologia, com a poltica da regio, so os hbitos dos brancos que

    chegam. Eu vi em Bissau padaria para fazer po s para os experts brancos. O que

    isso tudo significa? Ento essa linha, no quero discutir aqui as dificuldades. A

    gente j sabe como no fcil. Esse pas daqui da gente, dizem, se independenti-

    zou no dia sete de setembro 1822. Pois , continua numa extraordinria dependn-

    cia. Faz pouco tempo que vinha aqui uma chilena, de vez em quando, dizer como

    que devia ser a economia em Braslia, faz pouco tempo isso. Agora vocs imaginem

    o que tudo isso, deste ponto de vista, portanto, da construo de uma autonomia,

    da independncia, da identidade cultural.

    Lngua e identidade

    Obviamente que a o problema da lngua absolutamente crucial, porque,

    vejam bem meus amigos, esse negcio de lngua em primeiro lugar uma abstra-

    o. No sei se tem algum esperto aqui em lingstica, mas o que concreto mes-

    mo a linguagem. Esse negcio de Lngua Portuguesa, lingstica, isso abstrao,

    o concreto a maneira como a gente fala, o discurso da gente, e esse de classe.

    E esse um discurso de classe, que est submetido a mudanas culturais de classe

    tambm, a influncias etc. Agora vejam: o problema da linguagem vem diretamen-

    te com o erro da cultura ou da classe. Por isso que uma das primeiras providn-

    cias que o colonizador faz tentar impor a sua linguagem sobre o colonizado.

    fantstico como o colonizado se defende, como ele se defende manhosamente con-

    tra, e vamos usar a lngua para no dificultar muito, contra a lngua estrangeira

    invasora e como ele se defende falando e mantendo a sua lngua que o colonizador

    chama de puro bastardo dialeto. Por que o colonizado se convence de que se ele

    tem um momento de liberdade, este momento aquele em que se expressa na sua

    forma de ser e de falar, que a sua prpria linguagem.

    Ora, a questo da linguagem fundamental. Eu me lembro de que uma das

    providncias que o presidente Nyerere2 que acaba de deixar o governo da Tanznia

    tomou foi a de escalonar a mudana do ingls para o suale3. Ele superou, no ano

    2 Julius Nyerere, presidente da Tanznia.

    3 Lngua desse pais.

  • 21

    X, o ingls na pr-escola, no outro ano ou dois anos depois, superou o ingls no

    primeiro grau. At deve estar chegando agora para universidade. O Nyerere para

    mim outro grande africano de quem eu discordo de vez em quando, mas para

    mim, um dos grandes pedagogos deste sculo, no apenas na frica, mas no

    mundo. S que no conhecido no Brasil, ele conhecido nos pases de lngua in-

    glesa. Eu conversei muito com o Nyerere sobre essa questo de identidade cultural,

    e ele tinha a vantagem de falar brilhantemente, fantasticamente o suale e o ingls.

    Ele falava o ingls de Oxford, e um suale de Tanznia. Ento esse problema de

    lngua deve ser uma preocupao central, fundamental, em qualquer processo de

    luta. Porque o problema da linguagem est dentro do programa da cultura. H uma

    frase de Amlcar muito fantstica em que ele diz: a luta de libertao um fato

    cultural e um fator de cultura. S isso um seminrio de um semestre. Agora ve-

    jam que, dentro desse fato cultural, est a linguagem tambm. Ento isso , para

    mim, um ponto de partida, como preocupao.

    Agora, evidentemente vocs no pensem que fcil. Eu conversava com o

    ministro e dizia: Olha, preciso ganhar esta luta, preciso ganhar essa guerra.

    Sugerimos a ida para l, isso tudo eu digo nesse livro, de lingsticas com um gran-

    de conhecimento das lnguas africanas e do crioulo. Hoje em dia, esta l uma equi-

    pe de lingstica, segundo me disse e o Miguel, continuando a trabalhar. Mas no

    fcil voc pr o crioulo, por exemplo, como lngua nacional e lngua de mediao da

    formao cultural e poltica do seu povo. Onde que voc vai buscar dinheiro e

    competncia tcnica e cientfica para traduzir todas as obras fundamentais que a

    Guin no produziu ainda e que tem de ler, tem de estudar? Passar tudo isso da

    noite para o dia para o crioulo, com que dinheiro, tempo e com que competncia?

    Revoluo no brinquedo, uma coisa muito sria, mas tudo isso tem que ser

    pensado.

    Eu queria, em cinco minutos, ler a tal carta, que eu acho que esclarece mui-

    tas dessas coisas. Quando chegou o momento de nossa assessoria, e que eu vi que

    no dava, mas um ano e pouco depois de ter chegado l, eu escrevi a carta ao mi-

    nistro que eu vou ler. No publiquei por uma questo poltica, uma questo de res-

    peito, uma questo ttica, hoje j tempo de publicar. Ento eis a carta4 a Mrio

    Cabral de julho de 1977:

    4 Transcrita como foi lida.

  • 22

    Desde o primeiro momento em que comeamos o nosso dilogo, atravs das

    primeiras cartas que lhe fiz, dilogo que no apenas continuou e se aprofundou,

    mas tambm se vem estendendo a outros camaradas, uma preocupao constante

    nos acompanhou. A de jamais nos vermos em nossa colaborao a Guin e ao Cabo

    Verde, como espertos internacionais. Mas, pelo contrrio, como militantes. Como

    camaradas engajando-nos, mais e mais no esforo comum de reconstruo nacio-

    nal.

    O que quero dizer com isso vou reafirmar: que para ns no s individu-

    almente, ns como equipe, seria impossvel um tipo de colaborao em que funcio-

    nssemos como consultores tcnicos desapaixonadamente. Assim, tambm, por

    outro lado, que vocs todos nos receberam, assim tambm que vocs entende-

    ram desde o princpio a nossa presena a. O que vocs queriam e esperavam de

    ns era o que buscvamos fazer e ser. No tivesse havido essa coincidncia e no

    raro, poderamos ter sido tomados como impertinentes, num ou noutro momento

    do nosso trabalho em comum, quando o que sempre nos moveu foi e continua a

    ser, o nosso esprito de militncia. com esse mesmo esprito que (eu tenho uns

    amigos que dizem que eu nasci no Recife por acaso, eu deveria ter nascido em Mi-

    nas Gerais, pela habilidade poltica.)

    com este mesmo esprito que lhe escrevo mais esta carta, carta que, em-

    bora escrita e assinada por mim, sumariza a posio de toda equipe e se constitui

    numa espcie de relatrio meu, incompleto, de nossa ltima reunio em Genebra,

    em que tentamos um balano das atividades a que estamos ligados na Guin Bis-

    sau. Recordemos aqui, ainda que rapidamente, como necessidade didtica alguns

    dos pontos, que juntos, o comissariado de educao e ns, vimos estabelecendo

    como fundamentais desde os comeos de tais atividades:

    a) A alfabetizao de adultos como toda educao um ato poltico, no podendo

    por isso mesmo ser reduzida ao puro aprendizado mecnico de leitura e de escrita.

    b) O aprendizado da leitura e da escrita de textos, em coerncia com a linha polti-

    ca do PAIGC, com a qual concordamos, implica a compreenso crtica do contexto

    social a que os textos se referem. Demanda a leitura da realidade, atravs da anli-

    se da prtica social dos alfabetizandos, de que o ato produtivo uma dimenso

    bsica. Da a impossibilidade de separar-se a alfabetizao e a educao em geral,

    de produo, e por extenso necessria, da sade.

    c) A introduo da palavra escrita em reas onde a memria social exclusiva, ou

    preponderantemente oral, (isso outro problema enorme na frica), pressupe

    transformaes infra-estruturais capazes de tornar necessria a comunicao escri-

    ta. Da a necessidade que se teve de estabelecer as reas prioritrias para a alfabe-

  • 23

    tizao. Isto , aquelas que estivessem sofrendo tais transformaes ou por sofr-

    las em curto prazo.

    Tomando estes itens como campo de referncia para anlise do que foi pos-

    svel fazer neste ano e pouco de experincias de que tanto temos aprendido, temos

    como resultado bvio que o ponto central, o problema maior a ser pensado e discu-

    tido o da lngua. Em vrias oportunidades, no somente em cartas, mas tambm

    em reunies de trabalho a, a questo da lngua foi discutida. Debatemo-la no seio

    mesmo da comisso nacional, na sesso da sua instalao, e uma vez mais na l-

    tima de suas reunies, se no me equivoco.

    Poucas no foram, por outro lado, as vezes em que tratamos este problema

    com os membros das comisses coordenadoras, da comisso coordenadora, vol-

    tando a ele a em junho passado, em umas das reunies que voc presidiu, e de

    que Mrio de Andrade participou (Mrio de Andrade era uma espcie de ministro da

    cultura) juntamente com camaradas de outros setores do comissariado de educa-

    o. Reunio em que Marcos Arruda props um pequeno texto, algumas sugestes,

    a propsito.

    Poderia finalmente citar ainda, a ultima conversa que tivemos com o cama-

    rada presidente, cujo ncleo principal foi a lngua. H um ano e pouco, se no es-

    tamos interpretando mal a poltica do governo, se pensava que seria vivel a alfa-

    betizao em Lngua Portuguesa, mesmo reconhecendo-se o crioulo como lngua

    nacional. A razo radical para a alfabetizao na lngua estrangeira, era a inexistn-

    cia, ainda, da disciplina escrita do crioulo, enquanto esta disciplina no fosse alcan-

    ada, pensava-se que no havia porque deixar o povo iletrado, os prprios resulta-

    dos que se vinham obtendo com a alfabetizao em Portugus no seios das FARPs

    reforavam essa hiptese. (As FARPs so as Foras Armadas Revolucionrias Popu-

    lares).

    O que a prtica, porm, vem evidenciando, que o aprendizado da Lngua

    Portuguesa, se d mesmo com dificuldades, nos casos em que esta lngua no se

    acha totalmente estranha prtica social dos alfabetizandos, o que de resto b-

    vio. Este exatamente o caso das FARPs, como de certos setores de atividades de

    centros urbanos como Bissau. Mas este no o caso dos centros rurais do pas, em

    que se encontra a maioria esmagadora da populao nacional, em cuja prtica so-

    cial a Lngua Portuguesa inexiste.

    Na verdade, a Lngua Portuguesa no a lngua do povo da Guin Bissau,

    no por acaso que o camarada presidente se cansa, como nos afirmou, quando

    tem que falar por longo tempo em portugus, (isso ele me disse, o Cabral). O que

    se vem observando nas zonas rurais, apesar do alto nvel do interesse e de motiva-

    o dos alfabetizandos e dos animadores culturais, a impossibilidade do aprendi-

  • 24

    zado de uma lngua estrangeira, como se ela fosse nacional, de uma lngua virtual-

    mente desconhecida, pois que as populaes durante os sculos de presena colo-

    nial, lutando por preservar sua identidade cultural, resistiram a ser tocados pela

    lngua dominante, no que foram ajudadas, pela maneira como os colonizadores se

    comportaram, quanto a organizao das foras produtivas do pas.

    O uso de suas lnguas deve ter sido por muito tempo, um dos nicos instru-

    mentos de luta de que dispunham. No de estranhar porque os prprios domina-

    dores culturais destas mesmas zonas dominem precariamente o portugus. De es-

    tranhar seria que, em tais circunstncias, o aprendizado da Lngua Portuguesa, se

    estivesse dando mesmo razoavelmente apenas se h uma rea, por exemplo, de

    cujo esforo de alfabetizao, era legtimo esperar os melhores resultados. Esta

    rea Gorki. Eu falo muito nisso no outro livro. O centro Mximo Gorki integrando

    cada fez mais a vida das comunidades em torno dele, contando com professores

    efetivos e estagirios com alto nvel de conscincia poltica, tinha todas as condi-

    es necessrias para tornar-se um ncleo de apoio aos trabalhadores da alfabeti-

    zao.

    O que se observou, porm, ao longo da experincia e se comprovou em ju-

    nho passado com a avaliao feita por Augusto e Marcos Arruda, que os alfabeti-

    zandos, durante os longos meses de esforo, no conseguiram fazer outra coisa

    seno uma caminhada cansativa, em torno das palavras geradoras. Marchavam da

    primeira quinta, na quinta haviam esquecido a terceira, voltava-se terceira e se

    percebiam que haviam olvidado a primeira e a segunda. Por outro lado, ao procura-

    rem criar palavras, com as combinaes silbicas de que dispunham, raramente o

    faziam em portugus.

    Eu mesmo tive a oportunidade de ver palavras portuguesas, mas cuja signi-

    ficao era outra completamente, pois era em macanha5 que pensavam. Um dia eu

    ouvi um sujeito fazer da-de-di-do-du, ele pegou dedo e disse dedo. Eu a disse:

    "Elza, esse cara criou uma palavra". A o animador me disse: "No, isso da em

    macanha, significa no sei o que, mas a pronncia era dedo. A Lngua Portuguesa,

    no tem nada que ver com a sua prtica social. Na sua experincia cotidiana, no

    h um s momento sequer, em que a Lngua Portuguesa se faa necessria. Nas

    conversas em famlia, nos encontros de vizinhos, no trabalho produtivo, nas com-

    pras do mercado, nas festas tradicionais, ao ouvir o camarada presidente, nas lem-

    branas do passado, nestas, o que deve estar claro que a Lngua Portuguesa, a

    lngua dos tugas, de que se defende, de que se defenderam, durante todo o perodo

    colonial.

    5 http://www.didinho.org/aguinenocontextodospaisesdelinguaportuguesa.htm

  • 25

    Pode se argumentar que esta dificuldade no aprendizado se deve inexis-

    tncia de materiais de suporte. O que nos parece, porm, que a falta desses ma-

    teriais no sentido mais amplo possvel poderia ser, em outras circunstncias, a cau-

    sa principal do fato, nesta puramente adjetiva. O que quer dizer que, mesmo

    dispondo de um bom material de ajuda, como o caderno de educao popular, os

    resultados seriam apenas pouco melhores. que o caderno, enquanto material de

    suporte de ensino, incapaz de superar a razo fundamental substantiva de difi-

    culdade: a ausncia da lngua portuguesa na prtica social do povo.

    Na postura neocolonialista, a lngua do colonizador continua sendo absolu-

    tamente fundamental. Ento, o colonizador faz tudo para a preservao da sua ln-

    gua, como presena de poder. Eu no quero discutir aqui agora, uma srie de con-

    seqncias to bvias a para ns. A outra opo poltica a ruptura fundamental

    com o colonialista, e a partida para um tipo de sociedade independentizada.

    Eu sugiro que, quem tem esse livro, que leia essa carta inteira. O que eu

    chamava a ateno mais adiante tambm sobre como no fundo, usar a Lngua

    Portuguesa como lngua mediadora da formao poltico, ideolgico, cientfica, e

    tcnica, do ex-colonizado, e usar a super estrutura, como fator determinante da

    diviso das classes sociais dentro do prprio corpo da revoluo, o que um para-

    doxo. Eu dizia ao ministro l: Olha o que e que vai acontecer, bilnges aqui, biln-

    ges exatos s os filhos de vocs, so os filhos dos ministros, os filhos de uma pe-

    quena burguesia, que mora no centro urbano. Por exemplo, voc bacanamente

    bilnge, mas possivelmente, e eu conheo um Cabo Verdiano que nem sequer falar

    o crioulo, s fala portugus.

    A eu dizia pra eles: Olha, se continua isso desse jeito, o que vai acontecer?

    Pode-se dizer hoje que quem governar esse pas dentro de vinte anos sero vocs.

    E onde que est a participao das grandes massas camponeses deste pas, no

    processo de reconstruo nacional e de criao de uma democracia popular. Onde?

    Eles no vo participar, exatamente porque vocs vo continuar atravs da escola-

    rizao, a fazer a seleo do poder. E obviamente que, entre o teu filho que biln-

    ge e o filho do campons que no bilnge, que s fala crioulo, a lngua tnica

    deles, o que vai acontecer, que na escolha o teu filho vai passar em cursos, so-

    bretudo se os critrios de avaliao, continuam sendo critrios intelectualistas. Se a

    escola continua a avaliar a capacidade de saber da criana, pela decoreba da geo-

    grafia e da histria, e no introduz no processo avaliativo, a habilidade de ler o

    mundo, que a criana que no fala portugus tem, a sabedoria que ela ganhou

    tambm, e isso no vai entrar. O que vai acontecer ento que, s quem se apro-

  • 26

    va quem, em primeiros lugares, quem bilnge. A eu posso dizer quem que

    vai governar esse pas.

    Trabalho coletivo

    Ento, eu coloco isso a, e a eu fao no fim da carta duas ou trs propostas.

    Eu fao, por exemplo, a anlise de uma experincia brilhante que houve l, de hor-

    tas coletivas, que comeou com a alfabetizao e suspendeu-se a alfabetizao, e o

    ganho de aprendizado desse grupo, foi a descoberta do valor do trabalho coletivo, e

    no do ba-be-bi-bo-bu. A eu mostro, inclusive analiso a importncia disso, e uma

    dessas cartas foi para l em 77, e houve mudanas, o governo comeou depois a

    aceitar o debate em torno disso, com muito mais abertura do que antes, e eu com-

    preendia inclusive a dificuldade.

    Um dia o prprio presidente me disse: Camarada Paulo Freire, entre ns

    mesmos h aqueles que no aceitam o crioulo, acham no lngua, um dialeto

    feio. Obviamente porque a penetrao da ideologia dominante fortssima, mes-

    mo lutando, o sujeito ainda terminava aceitando o perfil de que sua cultura, e de

    sua histria, e de si mesmo tinha feito pelo colonizador, e que, portanto, sua lngua

    feia e incompetente para expressar sua cincia, tecnologia e a arte.

    E tem at um momentinho aqui que eu digo, no livro, que nenhum no h

    razo nenhuma para o portugus, o alemo e o francs, para falar s nessas trs

    expresses de linguagem, ficarem ressentidos porque tm que usar a palavra s-

    tress, por exemplo. No tem como traduzir stress, em qualquer deles tem-se dizer

    stress.

  • 27

    Lngua e desenvolvimento tecnolgico

    O problema da evoluo da linguagem est ligado diretamente ao desenvol-

    vimento das foras produtivas de qualquer sociedade. E o processo da tecnologiza-

    o e da cientifizao est ligado ao desenvolvimento das foras produtivas, ou

    ento no se bom marxista. Agora, o que acontece, que o desenvolvimento

    tecnolgico Norte Americano, juntou a tradio do poder anterior, que era exata-

    mente o poder econmico poltico do mundo da Inglaterra, seu poder econmico,

    tecnolgico e poltico hoje, fazem da linguagem inglesa, de sua expresso. Por isso

    o Gilberto Freire disse h trinta anos atrs com outra inteno possivelmente, que o

    ingls o latim moderno. Virou latim moderno, pelas plenas razes por que o latim

    antes foi o latim.

    Ento essa histria de dizer que o crioulo no tem capacidade uma balela,

    reacionarismo, no cientfico, ideologia pura. Porque vem com qualquer outra

    linguagem, a capacidade de crescer e de se desenvolver. Qual a lngua hoje que

    no tem uma srie enorme de introdues do ingls? Para mim o nico deslize de

    Cabral exatamente num texto dele, que eu tenho aqui, quando dele diz que o

    maior presente que os tugas deixaram, para ele, foi a lngua.

    Lngua e luta poltica

    Sobre isso, no meu livro, escrevi assim: Uma das raras ingenuidades de A-

    mlcar. Eu conversei sobre isso em Bissau, numa das minhas entrevistas. E dizia

    para as pessoas que eu no entendo como um sujeito que foi, to rigoroso quanto

    Cabral foi e ao mesmo tempo to manhoso, pode ter dito uma coisa dessas e a

    prpria viva dele me disse: Camarada Paulo Freire, preciso entender esse tex-

    to e o contexto histrico e social, em que ele o pronunciou. Essa questo funda-

    mental e hoje qualquer analista de Cabral ter que sublinhar isso, no pode passar

    despercebido. Mas o que me disseram l foi o seguinte, que na poca em que

    Cabral fez essa afirmao, cabia essa anlise, pois estava havendo um risco, na

    luta, de uma certa sectarizao, que colocava os Cabo Verdianos e os Guineenses

    contra qualquer portugus, contra a cultura portuguesa, contra a linguagem portu-

    guesa, contra tudo que fosse portugus.

    E Cabral precisava cortar o risco de engrossamento dessa perspectiva, que

    para ele, e eu concordo, enfraqueceria a prpria luta. E era no fundo uma ingenui-

    dade, porque a questo do colonizado diante de cultura colonizadora, no de ne-

  • 28

    gar, ou melhor, a de neg-la dialticamente, no dizer que no tem nada nela

    que sirva, nisso Cabral era muito lcido.

    Nenhuma cultura pode ser avaliada como absolutamente ruim, ou absoluta-

    mente boa. Cultura necessariamente diferente. Ento o que voc vai ter que ver

    o que que voc pode fazer para aproveitar dos tugas, o que eles tm de positivo.

    Disseram-me que, foi nesse momento a que Cabral fez essa afirmao. Por tanto,

    que essa firmao era ttica. Agora, se eu fosse camarada dele naquele tempo,

    amigo eu diria: No publica isso, muda Cabral, mesmo com toda ttica que tu

    tens que ter, tu tens outros caminhos de evitar a sectarizao. Ele dizendo isto es-

    tava aceitando uma coisa absolutamente inexistente, que era a lngua como puro

    instrumento. Ento eu acho que, no foi s a ttica no, eu acho que a Amlcar

    errou. Mas bacana voc encontrar um baita de um erro num sujeito extraordin-

    rio como ele.

    PERGUNTA:

    Na experincia africana, a cincia tomada como argumento de luta em que medida

    preservou o modo de pensar e explicar os fenmenos que no esto na pauta da

    cincia contaminada pelo positivismo?

    Esta uma excelente pergunta. A impresso que eu tenho, voc sabe que nas car-

    tas a Guin Bissau, em certo momento talvez at por pura intuio, uma coisa que

    eu acho que, eu sugeriria a quem gosta de estudar (parece at falta de modesta

    por minha parte), levar-se muito em considerao, esse negcio da adivinhao,

    esse negcio de sensibilidade, esse negcio da intuio, que no tem nada contra a

    rigorosidade cientfica. Mas, pelo contrrio, tem que estar embutida na rigorosida-

    de, no procedimento rigoroso com relao ao objeto. Por que afinal de contas, a

    rigorosidade est na forma como voc se aproxima do objeto.

    O motor da histria

    Nas cartas a Guin em certos momentos, eu toco nisso de raspo, digo que

    Amlcar lutava por uma compreenso cientfica, mas nunca cientificista da realida-

    de. Segundo lugar, a minha impresso, a minha convico, a de que Amlcar es-

    tava muito longe dos critrios positivistas. Amlcar foi, para mim, um muito bom

    marxista, que fez uma leitura africana de Marx, no uma leitura alem de Marx,

    nem uma leitura no sculo passado. Ele fez uma leitura deste sculo na frica. No

  • 29

    por outra coisa, que ele em plena Havana, no srio discurso que ele fez em Hava-

    na, ele rejeita aceitar, a afirmao de que a luta de classes o motor na histria.

    Ele nega isso em Havana, e ele diz no texto que no propriamente a luta de clas-

    se, ele analisa historicamente o surgimento das classes, tecnicamente, marxista-

    mente falando, e afirma que muito mais do que a classe o modo de produo que

    se constitui em motor da histria.

    Eu tenho a impresso tambm que, do ponto de vista marxista, quando se

    fala na luta de classe, possivelmente no apenas tomando classe no sentido mais

    tcnico, mais exato. Antes mesmo do surgimento histrico das classes sociais, ha-

    via conflitos, j havia lutas de interesses contraditrios, de dominante e dominados.

    Mas Cabral colocava isso, com muita independncia em Havana, e ele diz que, uma

    das razes para recusar a luta de classe como motor da histria que ele no po-

    deria aceitar que a frica no tivesse existncia antes. E depois ele coloca outra

    questo. Ele coloca no fundo duas questes epistemolgicas. Uma essa. O que

    que houve antes da luta, da resistncia das classes, e o que que vai haver de-

    pois? A ele disse: Ser que se acaba a histria? Essa segunda pergunta j me pa-

    rece mais complexa. Ser que com a revoluo socialista no mundo, com a suplica-

    o das classes antagnicas, etc, se acaba a histria tambm? A revoluo socialis-

    ta seria o anncio do fim? Se for eu prefiro at que no tenha. Eu gosto muito da

    histria mesmo.

    Gramsci e Cabral

    Ento Cabral coloca essa questo, com muita independncia. Mas o que eu

    acho o seguinte, um homem como esse deveria ser estudado ao lado de um outro

    para mim extraordinrio, que o Gramsci. E eu no sei se Amlcar estudou Grams-

    ci. Ele no faz nenhuma referncia a Gramsci no por safadeza, no. Ele realmen-

    te parece que no leu Gramsci. As obras de Gramsci comearam a ser traduzidas

    quando ele estava brigando, j dentro do mato. Em Espanhol os primeiros livros de

    Gramsci, foram traduzidos, eu estava no exlio.

    Agora vocs vejam como ambos se sensibilizam diante da cultura, sem, con-

    tudo, nem um nem outro, hipertrofiarem cultura. Mas o que ambos fizeram prati-

    camente, um escreve na cadeia, preso atolado, pensando pra burro. O outro escre-

    ve no mato, por que a obra de Amlcar, no tenha dvida, com algumas excees,

    por exemplo, dos escritos de juventude, e a ele foi muito mais poeta, ele escreveu

    no mato, ele escreveu, brigando. Havia talvez, duas espcies de texto1 os que ele

  • 30

    escreveu para a briga na mata e os para a briga poltica dentro das Naes Unidas

    e nas Universidades. Por que, vocs vejam a genialidade desse homem, Amlcar

    Cabral dizia: A luta da libertao uma luta poltica, por um momento armado, e

    no ao contrrio. Ele jamais disse: A luta de libertao uma guerra com algumas

    pitadas de poltica. Por que tem gente que acha que no tem poltica nunca, s ba-

    la, e ele diz que o contrrio, uma luta evidentemente poltica com momento

    armado.

    Luta armada e luta poltica

    E Cabral usou os dois momentos, ele viveu integralmente, a substantividade

    da luta. Por isso teorizou. Por que ele estava um dia numa mata daquelas de Bis-

    sau, dois dias depois, recebendo o ttulo de Dr. Honoris Causa de uma universidade

    norte americana. E fazendo, ao receber o ttulo de Dr. Honoris Causa, um discurso

    sobre a guerra de Cabo Verde e Guin Bissau. Ia para as Naes Unidas lutar, a

    primeira grande vitria dele foi a poltica, eles conseguiram convencer as Naes

    Unidas, e as Naes Unidas convenceram o mundo de que eles eram um pas inva-

    dido por Portugal.

    As Naes Unidas foram l, para dentro da mata, para decretar a indepen-

    dncia, isso um negcio extraordinrio. Ali houve um negcio formidvel, quem

    conscientizou o exrcito portugus, foram as perdas deles. Chegou o momento em

    que no teria havido mudanas em Portugal, a chamada Revoluo dos Cravos, se

    no tivesse havido a guerra na frica. Foram os Africanos nas suas matas, que

    transformaram e derrubaram a direita de Portugal. Foram eles. Chegou um mo-

    mento em que o exrcito portugus, isso me era dito l, quando os aviadores por-

    tugueses comearam a cair, porque antes eles vinham de helicpteros, e fuzilavam

    as crianas depois desciam, o que eu dito nas cartas Guin Bissau verdade, o

    cara descia, e espetava a mulher grvida. Sacudiam o feto para cima e espetado na

    baioneta. Isso da foi verdade, verdade.

    Um dia o povo africano recebe os instrumentos soviticos, que foram obtidos

    pela politicidade fantstica de Cabral que trabalhou bem junto a Unio Sovitica

    nisso. E quando os portugueses vinham sobrevoando, cantarolando, eles danaram a

    derrubar os avies. Aqueles meninos da gerao que contei aqui.

  • 31

    Cada avio que passava caa, porque eles no erravam um tiro. A os pilotos

    no subiam mais, no queriam mais ir, a tiveram que fazer a mudana interna de

    Portugal. Mas eu acho que, um cara como esse deveria ser estudado. Quer dizer,

    ao lado de um Gramsci. Qual a diferena grande entre os dois? Amlcar morreu

    possivelmente mais velho do que ele, Gramsci, e teve o que Gramsci no teve, por

    que Amlcar teve X anos de guerra dentro do campo, dentro do mato, Gramsci

    no, Gramsci teve foi cadeia. Mas eu tenho uma convico de que o estudo, o estu-

    do isolado ou simultneo de textos deles dois, tem uma importncia enorme, deve

    ser feito por educadores, eu acho que uma das coisas que est fazendo falta aos

    educadores exatamente essa compreenso da politicidade da educao e da pe-

    dagogia.

    PERGUNTA:

    Ns estamos tentando compreender Paulo Freire hoje, por isso nossa vontade de

    ouvi-lo falar sobre Amlcar Cabral. A pergunta a seguinte: Como, hoje, Paulo Frei-

    re v a viabilidade de aplicao de seu mtodo de alfabetizao: a) como parte de

    um currculo de normalista, b) em aplicao extra institucional c) ou algum outro

    caminho?

    Sem desrespeitar a sua pergunta de vocs eu daria uma volta seguinte: eu acho

    que essa pergunta tem que ver com as minhas experincias anteriores. Uma das

    coisas que eu acho piores nas pessoas quando elas se arrepiam com qualquer

    tipo de crtica. Eu acho horrvel isso. Ela fica de beicinho, choraminga, vai para o

    canto da sala. Eu s no sou obrigado a bater palmas. Agora, h um tipo de crtica

    que eu no aceito, por exemplo, tem gente que diz o seguinte: o Freire deu uma

    contribuio no seu tempo. Quer dizer, nos anos cinqenta e nos anos sessenta. Ele

  • 32

    me pe velhinho, como se eu tivesse com 95 anos de idade, calado h trinta. A, o

    cara analisa, ento, a influncia que Paulo Freire teve no seu tempo. E dizer ento,

    que a importncia que teve no seu tempo, me demite imediatamente do hoje em

    1985, se eu acreditasse nisso eu iria para casa chorar, no ombro de Elza, minha

    filha me d o teu ombro.

    Fazer a escola

    Eu me acho em 1985 tanto quanto tu, com uma vantagem mnima, e nunca

    voc tem s a vantagem. A minha vantagem da experincia anterior. A desvanta-

    gem , possivelmente, um maior enraizamento teu, no hoje, do que o meu, o que

    fundamental. Por isso que os velhos so moos na medida em que se enrazam

    no tempo dos moos. Mas eu no quero dizer que eu tenho exatamente a sua ida-

    de, quanto capacidade de me enraizar. Ento com esse jeito que eu vou te di-

    zer. Eu acho que tudo o que a gente possa fazer, como estudante e como intelectu-

    al, de um modo geral, estudante e professor, e um dia eu tambm espero que a

    gente diga como zelador de uma escola, porque o que est acontecendo que o

    elitismo desse pas muito grande. A diviso de classe um negcio terrvel -, de

    tal maneira que, quando se pensa, quando um educador fala nos que fazem a esco-

    la, primeiro machista por que no aceitam as mulheres fazendo a escola. Segun-

    do de classe, porque para eles s os educadores fazem a escola. Ento, so os

    intelectuais os que fazem a escola. Para mim no, quem zela, essa moa que me

    trouxe um caf faz a sua universidade tambm. preciso ser respeitada.

    Evidentemente, isso no significa que eu esteja aqui dizendo que essa moa

    que zela deve ser convidada para discutir que tipo de programa se vai implantar, o

    que se vai fazer na teoria da comunicao, de jeito nenhum, porque a esfera dela

    no essa. E eu tambm no tenho que dar palpite de como ela melhor pode lim-

    par uma xcara. Essa a esfera de sua responsabilidade, que to bacana quanto

    a minha, de discutir o contedo de pedagogia. Mas eu acho que, isso faz parte de

    revoluo que no esta a ainda. Ento eu acho que, tudo o que a gente pudesse

    fazer hoje aos que fazem a escola, no sentido de melhor-la, de faz-la menos ru-

    im, da escola pblica, a escola pblica e livre, aberta realmente s classes traba-

    lhadoras desse pas, a gente devia fazer.

    Tudo o que a gente pudesse fazer do ponto de vista, das condies materiais

    incluindo a, ento, a briga pelos salrios dos educadores, pelos salrios dos ser-

    ventes, por tanto, pelos salrios de quem faz a escola. Eu acho um absurdo que, a

  • 33

    gente, professor, s briga para subir o da gente. preciso brigar para subir o sal-

    rio do zelador, e diminuir a distncia entre o que a gente ganha e o que ele ganha.

    No demagogia no, coragem de dizer isso. Agora, as condies materiais tm

    que ver com a sala, tm que ver com o salrio do professor, o salrio da moa que

    faz o caf. A merenda tem que ver com o quadro-negro, com materiais didticos,

    tem que ver com a competncia de quem faz a escola, a competncia cientfica.

    Mas sendo cientfica e tcnica, essa competncia necessariamente poltica tam-

    bm, por que admitir uma separao entre uma e outra, absolutamente ingnuo

    e antidialtico. No h competncia tcnica que j no seja poltica. preciso saber

    a servio de quem eu sou um homem bom tcnico, e essa pergunta me leva a uma

    resposta de carter poltico, a opes polticas. preciso saber buscar uma escola

    melhor, do ponto de vista de qu? Porque no h uma escola melhor do que ela

    mesma.

    preciso saber que escola pblica pode ser melhor, e eu estou querendo,

    ns estamos querendo. Isso no possvel saber se ns nos situarmos no ponto de

    vista dos interesses populares ou no. Quer dizer, preciso saber se a escola pbli-

    ca melhor que eu quero e essa que continua eficientemente expulsando as classes

    populares de dentro dela. Se a escola pblica que eu estou querendo essa que est

    fechada a esses oito milhes de meninos, ou se pelo contrrio, a escola pblica que

    eu quero aquela onde se vai lutar para ampliar as suas portas, e no janelas, pa-

    ra entrada das classes trabalhadoras dentro dela.

    Mas essa escola pblica melhor, no s uma questo de quantidade, se

    bem que a gente sabe que a quantidade termina guiando, provocando uma mudan-

    a de qualidade. Mas preciso tambm comear a ver, o que eu chamo de capaci-

    tao permanente, de quem faz a escola, e de como trabalhar e orientar esse tipo

    de esforo de formao permanente. Mas isso tambm tem que ver, e poltico

    isso, com a questo do conhecimento. Quer dizer, como conhecer bem essa escola

    que se pretende melhor ou menos ruim. Isso significa discutir, debater o papel do

    educador, o papel do educando.

    A escola democrtica

    Tem muita gente que, equivocadamente, pensa que toda discusso que voc

    faa em torno da relao, com toda crtica que voc faa, s relaes entre o edu-

    cador e o educando so escolanovismo, isso baitamente ingnuo, no ? O que

    escolanovismo criticar apenas a escola burguesa ou a escola que se d dentro, ou

  • 34

    as relaes que se do dentro de uma escola burguesa, sem ultrapassar os seus

    limites. Toda prtica educativa gira em torno de contedos e de objetos de conhe-

    cimento, porque todo ato educativo um ato gnosiolgico. Ento, admitir uma pr-

    tica educativa onde no houvesse contedo, absolutamente um absurdo. A ques-

    to fundamental substantiva, no se h ou no h contedos porque isso bvio,

    a questo saber contedos a favor de quem e de qu. Portanto, a questo me-

    todolgica do ato de conhecer contedo. Essa a questo substantiva que se es-

    conde, do ponto de vista autoritrio.

    Obviamente que h meia dzia de iluminados que decretam o que deve a

    gerao futura saber. Do ponto de vista da substantivamente democrtica o educa-

    dor no se omita na escolha e na delimitao dos campos de contedos, mas em

    lugar de fazer ele s isso, ele fala ao educando sobre os contedos, falando com

    ele. A que est a diferena.

    Ento eu acho que, hoje vivemos no Brasil, objetivamente, um clima em que

    h todo um esforo no sentido de fazer coincidir a experincia dentro da intimidade

    da escola com o que est havendo l fora, como as greves, por exemplo. Os banc-

    rios chegaram a uma greve agora extraordinria, em que eles souberam colocar,

    provar para o povo, que eles pediam, discutiam e sabiam se organizar. E engra-

    ado como algumas vozes faziam apelos para que os bancrios fossem patriotas,

    desistindo de lutar, enquanto que aos banqueiros no precisa se pedir nada, porque

    j se supe que eles sejam patriotas porque so banqueiros.

    Ento, vocs vejam o movimento das chamadas diretas j, as massas que

    vieram as ruas, s praas desse pas, a prpria morte do Presidente Tancredo Ne-

    ves, a tomada do seu corpo pelas massas populares. Isso tudo tem que ver com a

    escola, isso est no clima histrico social dessa sociedade. Eu acho que uma socie-

    dade, cujas ruas se encheram com um milho e setecentos mil, s em So Paulo,

    de gente defendendo as diretas j, devia ter uma escola que corresponda a isso,

    mais democrtica, mais aberta. Nesse sentido, veja bem, nunca licenciosa, a ques-

    to que se coloca no da licenciosidade, no a do espontanesmo, mas tambm

    no a da manipulao e nem a do autoritarismo. Eu digo tambm nesse livrinho

    que o espontanesmo no tem o seu contrrio positivo no autoritarismo, e vice-

    versa. Eu acho que, o corpo da pergunta de vocs est ai. A questo no a do

    mtodo do ba-b-bi-b-bu, a questo dessa viso epistemolgica, politizada da

    prtica educativa, num caminho democrtico e no democratista.

  • 35

    Bibliografia:

    Braslia, 12/11/85 MJMG/spp

    CDU: 12 C117 Fontes Consultadas: Biography Index, 1970-84; Historical Abstracts, Par B, 1979-84; Internatonal Bibliography of the Social Sciences: Political Sciences, 1974-80; Public Affairs Service, 1978 a junho/85. Idiomas: Ingls

    PERIDICOS:

    1. DAVIDSON, B. The importance of Cabral. Afr.Aff., 83:117-9, jan.1984 BI/39(3)1985

    2. ANDELMAN, D.A. Profile; Amilcar Cabral. frica Report, 15:18-9, May 1970 BI/9

    3. JINADU, L. Adele. Some African theorists of culture and modernization: Fanon, Cabral and some others. Afr. Stud. R., 21(1):121-38, Apr.,1978

    IBSS/PS, 1979

    4. CHILCOTE, Ronald H. Guinea-Bissaus struggle: past and present. Africa Today, 24:31-9, jan./mar., 1977

    PAIS/63, 1977

    5. AFRICAN leader slain. Christiar Cent., 90:197-8, Feb., 1973 BI/09

    6. MAGUBANE, Bernard. Toward a sociology of national libertation from colonial-ism: Cabrals legacy (libertation struggle of Guinea-Bissau and Cape Verde). Contemporary Marxism, p. 5-27, Fall, 1983

    PAIS/70, 1984

    7. LYON, Judson. Marxismo and ethno-nationalism in Guinea-Bissau, 1956-76, Ethic and Racial Studies, 3(2):156-68,1980

    HA/32B(3)1981

    8. ROBINSON, Cedric J. Amilcar Cabral and the dialetic of Portuguese colonialism. Indian Pol. Sci. Rev., 16(2):176-96, 1982

    HA/PART B, 35(3)1984

    9. BIENEN, Henry. State and revolution: the World of Amilcar Cabral. J. Mod. Afr. Stud., 15(4):555-68, Dec. 1977

    IBSS/PS, 1978

    10. CHABAL, Patrick. The social and political tought of Amilcar Cabral> a reassess-ment. J. Mod. Afr. Studies, 19(1):31:56, 1981

    HA/34B(2) 1983

  • 36

    11. McCULLOCH, Jack. Amilcar Cabral: A theory of imperialism. J. Mod. Afr. Stud-ies, 19(3):503-11, 1981

    HA/34B(3)1983

    12. RUDEBECK, Lars. Development and class struggle in Guinea-Bissau. Monthly Review, 30:14-32, Jan., 1979

    PAIS/65, 1979

    13. DAVIDSON, Basil. Cabral on the African revolution. Monthly Rev., 31(3):33-44 HA/31B(1-4)1980

    14. DAVIDSON, B. Cabrals monument. New Statesm, 85:117-8, Jan., 1973 BI/9

    15. OPOKU, K. Cabral and the African revolution. Prsence Afr., 105/1045-60, 1978 IBSS/PS, 1979

    16. ROBINSON, Cedric J. Amilcar Cabral and the dialetic of Portuguese colonialism. Radical Am., 15(3):39-57,1981

    HA/34B(2)1983

    17. CHALIAND, G. Legacy of Amilcar Cabral. Ramparts Magazine, 11:17-20, Apr., 1973

    BI/9

    18. LUKE, Timothy W. Cabrals Marxism: an African satrategy for socialis develop-ment. Studies in comparative Communism, 14(4):307-30,81

    HA/34B(3)1983

    19. DAVIDSON, B. Amilcar Cabral death of an African educationist. Time Educ. Sup., (3009):6, Jan., 1973

    BI/9

    LIVROS:

    20. ANDREINI, Jean-Claude & LAMBERT, Marie-Claude. La Guine-Bissau: dAmilcar Cabral la reconstruction nationale. Paris, Ed. LHarmattan, 1978.215p.

    IBSS/OS,1979

    21. CABRAL, Amlcar. Unity and struggle: speeches and Wrintings. Heinemmn Educ., 1980.298p.

    PAIS/67, 1981

    22. CHABAL, Patrick. Amilcar Cabral: revolutionary leadership and peoples war. N. York, Cambridge, Uni. Press, 1983. 272p.

    PAIS/70, 1984

  • 37

    23. DAVIDSON, Basil. No fist is big enough to hide the sky: the liberation of guinea rd cape verde; aspects of an African revolution foreword by Amilcar Cabral. Hill, Lawrence, 1981.187p.

    PAIS/68, 1982

    24. FISAS ARMENGOL, V. Amilcar Cabral y la independencia de Guinea-Bissau. Barcelona, Ed. Nova Terra, 1974.129p.

    IBSS/OS, 1975

    Cabral, Amlcar. A arma da teoria Unidade e Luta. (Textos escolhidos por Mrio de Andrade), vol. I. Comit Executivo da Luta do PAIGC, Novo Seara, 1978.

    Cabral, Amlcar. A prtica revolucionria Unidade e Luta II. Obras Escolhidas. Vol.II. Comit Executivo da Luta do PAIGC, Novo Seara, 1977.

    Cabral, Amlcar. Guin-Bissau: nao africana forjada na luta. Lisboa: PAIGC, S/D. DNI Diviso Nacional de Informao. O homem e sua obra. Cabo Verde:Edies Voz do Povo, n 2, S/D.

    Duarte, Dulce Almada. Os fundamentos culturais da unidade dimenso cultural na estratgia de libertao nacional. Simpsio Amlcar Cabral. Cabo Verde 17 a 20 de janeiro de 1983. Edio do DIP do PAIGC, 1983.

    Kikanorov, Anatole. Amlcar Cabral. Srie: Combatentes do Povo. Traduo do ingls: Filomena Maria Santos. Lisboa: Edies Sociais, S/D

    PAIGC. Manual Poltico. Coleo Liberao Nacional. Dirigida por Manuel Queirs. Edies Maria da Fonte, 1974.

    Pereira, Aristides. Continuar Cabral. Simpsio Amlcar Cabral. 17 a 20 de janeiro de 1983. Edio do DIP do PAIGC, 1983.Cabral, Amlcar. Textos polticos de Amlcar Cabral: Juven-tude e Cultura. Caderno 8. Ministrio da Educao e Investigao Cientfica, Secretaria de Es-tado dos Desportos e Aco Social Escolar, Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis. Coimbra: Casa da Cultura da Juventude, 1976.

    Santos, Carlos Pinto. Amlcar Cabral: libertador, 1924-1973.

    http:/www.vidaslusofonas.pt/amlcar_cabral.htm

    i O PAIGC um partido criado na Guin Bissau, a 19 de Setembro de 1959. Amlcar Cabral, Aristides Pereira, Lus Cabral, Jlio de Almeida, Fernando Fortes e Elise Tur-pin criam o Partido Africano da Independncia/Unio dos Povos da Guin e Cabo Ver-de.Criado clandestinamente, que acaba por se legalizar quatro anos mais tarde,quando foi sediada em Guin Conacri, antes disso era um partido clandestino na Guin Bissau angariando partidarios. Em Novembro de 1957 os fundadores do (PAIGC) participam em Paris numa reunio para o desenvolvimento da luta contra o colonialismo portugus, uma luta que era apoiada por anti-colonialistas em Lisboa, Em Accra num encontro pan-

  • 38

    africano vo a caminho de Luanda quando ocorre o massacre de Pidjiguiti. Em janeiro de 1960 vo Segunda Conferncia dos povos africanos, em Tunis, em maio esto em Conacri. Ainda neste ano, em Londres, denuncia se, numa conferncia internacional, pela primeira vez, o colonialismo portugus. Em 1960 e 1962, comea a formao de militantes quadros de expanso para o interior da Guin Bissau e pedidos de apoio aos pases limtrofes. A Republica Popular da China d o primeiro passo, recebendo Amil-car Cabral e alguns miltantes dando lhes preparao e formao ideolgica. Em 1961 o Reino de Marrocos lhes d apoio idntico. e s em 1962 da se a luta contra a armada Portuguesa. Durante todos os anos de luta, sublinha se com nfase que a luta do PAIGC no contra o povo portugus. O combate , exclusivamente, contra o sistema colonial. (Extrado de texto da wikpdia.org/wiki/PAIGC)

    Site do partido: www.paigc.org