Amor e Ódio (psicografia Yvonne A. Pereira - espírito Charles)

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/6/2019 Amor e dio (psicografia Yvonne A. Pereira - esprito Charles)

    1/234

    Amor e dio

    YVONNE A. PEREIRA.Obra ditada pelo Esprito CHARLES.

    FEDERAO ESPRITA BRASILEIRA.Dedico este livro Juventude Esprita do Brasil, quando se comemora o centenrio deuma aurora de redeno para as sociedades terrenas, isto o aparecimento Deum manancial de ensinamentos que as dessedentar nas justas aspiraes da Alma "OLivro dos Espritos", expoente da Nova Revelao.No te oferto moda de generosa e idealista da terra de Santa Cruz, que te inspiras sombra do Evangelho, e em cujos ombros repousam vultosas responsabilidades.Obra de mrito, jia literria como esperarias do Alm-Tmulo e realmente mereces.No tendo sido escritor na Terra, seno apenas um facultativo que transitou peloscanais da Medicina em poca em que a magna cincia no era abrilhantada com asdescobertas e aperfeioamentos dos dias atuais tambm o no poderia ser na PtriaEspiritual, onde, se muito nos arraiais das Belas Letras, sussurrando Aos crebrosmedinico ensaio literrio, faz-o apenas no desejo de ser til, valendo-me de temaseducativos deparados aqui e alm, uma vez no desempenho De sagradoscompromissoscom uma falange de educadores espirituais destacados para os servios de reformaindividual-social no imenso torro brasileiro.Para a presente obra, adaptada ao Testamento do Cristo tais as normas da aludidafalange, preferi valer-me de um tema da vida real, por mais lgico e sugestivo Paraos fins a que me proponho. No te oferto, portanto, uma fico, mas episdio dramtico

    vivido h um sculo apenas, ao qual eu prprio assisti nas derradeiras etapasda minha ltima peregrinao terrena.Necessariamente, intercalei o Romance nas pginas da realidade, com fim de que oteu corao delicado no se confrangesse demasiadamente, ante a bruteza dos fatosem si mesmos, convidando-te a fechar o livro antes que sua moral fosse devidamenteexposta.Todavia, declaro-te que a Quarta Parte deste volume foi integralmente vazada noaparelho medinico tal como a ouvi do prprio narrador; e que esse Gaston, a quemte habituars a querer no decorrer da leitura, hoje reencarnado em terras do Brasil,poder at mesmo vir a ler a sua prpria histria nestas pginas, pois, comotu, jovem, corao e mente alcandorados pelas alvssaras da Doutrina dos Espritos.

    Conheci-o na Frana de Lus Filipe E, conquanto no se tratasse de um titular, comoaqui o coloco, mas de inspirado artista do verso e da msica, foi, efetivamentealuno gratuito do professor Rivail, operoso profissional tipogrfico, merecendo aconfiana do Senhor Vtor Hugo para a composio das suas peas.Muitos nomes que ilustraram a literatura francesa da poca recebiam de suas mos ospoemas encomendados, bem assim discursos em boa prosa e arrebatadoras canesmusicadas, aos quais assinavam e publicavam como se de sua lavra fosse, validandoainda mais, assim, a glria de que se ufanavam, enquanto o verdadeiro autor,pauprrimo,de suas bolsas obtendo a remunerao, apenas era felicitado por sua pobre me, a

  • 8/6/2019 Amor e dio (psicografia Yvonne A. Pereira - esprito Charles)

    2/234

    quem adorava, e da qual era o nico arrimo.Uma infeliz paixo de amor por certa dama da aristocracia ensejou o drama quemotivou estas pginas. Acusado de crimes que no praticou, vtima de represliasodiosas,viu-se relegado a um degredo aviltante pela fora imperialista de Napoleo III Ecertamente teria sucumbido pena ltima no fosse a interveno generosa de Rivail.No mundo astral, em dia festivo para o Reformatrio da Legio dos Servos de Maria,onde tenho a honra de professar ao lado de nobres vultos da Espiritualidade, eleprprio narrou a sua histria, precisando detalhes que desconhecamos, s vsperasde se internar em novas formas carnais, h cerca de vinte anos.F-lo por solicitao do grande Hugo, de quem foi inseparvel no Alm-Tmulo, e porquem at ali fora conduzido em visitao fraterna.Peo-te venha Juventude Esprita do Brasil para alterar, a teu benefcio, o eplogodeste drama.No perders com isso.E, quanto a mim, assim agindo, estarei certo de que, terminada sua leitura, fechars olivro com um sorriso amvel para este amigo que, no Espao, assumiu grandescompromissos para contigo.CHALES Rio de Janeiro.PRIMEIRA PARTE.Um certo homem tinha dois filhos. O mais moo deles disse ao pai: Pai d-me parteda fazenda que me pertence.E o pai lhe repartiu a fazenda. E, poucos dias depois, o filho mais novo, ajuntando tudo,partiu para uma terra longnqua, e ali desperdiou sua fazenda, vivendodissolutamente.

    (JESUS CRISTO O Novo Testamento, Parbola do Filho Prdigo Lucas, c, v.11, 12 e13.).CAPITULO I.Gaston de Saintpierre.Em Paris, nos sales aristocrticos que a nobreza do tempo de Lus Filipe engalanavacom a elegncia e o bom gosto cuja fama se estenderia posteridade com fulgoresinesquecidos esse nome ressoava como smbolo de gentilezas e esplendor.Gaston de Saintpierre Que gentil-homem mais cortejado do que esse a quemchamavam "o divino Apoio", na Frana de Lus Filipe.Que cavalheiro de mais elevada distino com mais completos dotes intelectuais.Oh.

    E que mais perfeita formosura do que a do seu porte msculo de mancebo, que aosvinte anos de idade se via rogado a posar para pincis de renome, como tipo impecvelpara traduzir a perfeio imortal do Apoio de Belvedere.Gaston d'Arbeville, Marqus de Saintpierre, dolo bajulado e invejado, em toda a partese via requisitado como personagem indispensvel e sedutora.Belo, elegante, gentilssimo de maneiras, ao mesmo tempo em que muito culto epossuidor de umaatraente aparncia, era com facilidade que fascinava as mulheres, asquais aos seus caprichos se rendiam escravizadas; ao passo que suas riquezas, porsua vez, cativavam as atenes do elemento masculino, pelo qual se via servilmenteadulado.

  • 8/6/2019 Amor e dio (psicografia Yvonne A. Pereira - esprito Charles)

    3/234

    Sobre quantos o rodeavam, no vasto crculo de suas relaes, exercia fascinaoirresistvel semideus que atraa o fervor de uma multido de crentes.Gaston d'Arbeville descendia de velha famlia normanda, honesta e conceituada, querecebera foros de nobreza das poderosas mos do cardeal Duque de Richelieu, graasaos servios a estes prestados pelos d'Arbeville quando o mesmo grande ministro deLus XIII achou por bem moderar a prepotncia dos Senhor es feudais a fim de unificara Frana em torno da Coroa.Era normando tambm e no encantador ambiente da provncia natal permaneceragrande parte da infncia, transportando-se depois para a capital do reino, a fim deaprimorara educao que seus pais lhe desejavam dar.Em Paris, fora discpulo, primeiramente, do eminente e jovem professor Hippolyte LonDenizard Rivail, a quem glorioso futuro deveria imortalizar sob opseudnimode Allan Kardec.Mas depois, a conselho deste, aperfeioara seus estudos por vrias capitais daEuropa, o que fez que abrilhantasse as capacidades intelectuais com to peregrinose slidos conhecimentos que dificilmente se encontraria mancebo de sua idade que selhe avantajasse em instruo; ao passo que nos conservatrios e academias daItlia penetrara os sublimes segredos da Arte e se fizera msico exmio e pintorinspiradssimo.Tocava, com desenvoltura verdadeiramente digna da sua poca, o piano e a flauta.Porm era harpa o seu instrumento preferido.Compositor e poeta produzia, ele prprio, as canes e romnias para o seu repertrio,empolgado por vero idealismo, numa poca em que os sopros divinos da Inspirao,ldima centelha do Belo, deram aos gnios da Msica a glria que os imortalizaria,

    imprimindo, assim, tambm ele, nessas produes, uma feio de to sagrado padroidealista que teria passado Histria com as palmas do gnio, se a trajetria da suaexistncia no fora traada pela irresistvel Lei que pesa os destinos dascriaturas atravs das Causas produtoras de Efeitos lgicos.Quando cantava, fazendo-se acompanhar aos sons da harpa, sua voz aveludada detenor, rigorosamente educada, faria lembrar cenas festivas daquelas reunies de ArteClssicas levadas a efeito em esferas educativas do Mundo Espiritual; ao passo que,muitas vezes, aps dias recolhidos em abenoadas operosidades, apresentava aosamigos surpresos telas to formosas quanto sugestivas, como artista do pincel quetambm era To culto e inspirado no verdor dos anos, dir-se-ia o moo normandoarrastar de existncia precedente os slidos conhecimentos que possua, parecendo

    bastar diminuto esforo da vontade para que de suas faculdades revivessem oscabedaisarquivados nos sacrrios da subconscincia.Excetuando-se as Artes e os Esportes, que tambm cultivava, pois se dedicava commestria equitao e esgrima, como bom elegante da poca, s se preocupava amais com caprichos e deveres sociais.To admirvel personalidade parecia, no entanto, presa de singular complexo,porquanto, Senhor de um carter generoso, facilmente inclinado aos ditames do Bem,poroutro lado se fazia presa do mal, deixando-se resvalar para declives de excessos

  • 8/6/2019 Amor e dio (psicografia Yvonne A. Pereira - esprito Charles)

    4/234

    prejudiciais, que empanavam desagradavelmente o cintilante pendor anunciado.Dir-se-ia mesmo que temerosa dualidade lhe forava o desvio das aes, que eleprprio antes desejaria orientadas retamente, qual se invisvel comparsa obsessorqui um inimigo de remoto pretrito espiritual porfiasse por lhe dirigir as atitudes paraos nveis da perdio.Assim era que, possuindo ouro, sua maior preocupao era despend-lo em festasopulentas e libertinagens incontidas, cometendo excessos de toda natureza.No obstante, envolvia-se em poltica, pois se vivia a poca em que idias republicanasse avigoravam para derribarem Lus Filipe do poder e se proclamar na Frana Repblica honesta sonhada por um pgil de nobres idealistas.D'Arbeville aderira aos republicanos e se integrara galhardamente no corpo deassociaes poderosas, como a Maonaria e grmios polticos que mais tardeapoiaramLus Napoleo na supremacia da Repblica.Afeioado a tais princpios, o doidivanas que ele era tornava-se, no obstante, digno deadmirao.Sincero no seu ideal poltico, liberal, ardoroso e, no fundo, dotado de formoso carterinclinado generosidade e ao herosmo, a idia que esposava dedicava grandeparte das suas energias e da fortuna que possua.Fundara jornais, os quais dirigia com nomes supostos, visto que, como aristocrata,vexava-se de afrontar a nobreza com o liberalismo de tais doutrinas;Mantinha, por conta prpria, funcionrios, redatores, oficinas tipogrficas, sem medirexcessos, antes ainda prodigamente remunerando colaboradores das secesliterriasdos seus jornais, a fim de que a suave atrao das belas letras seduzisse para aqueles

    rgos o entusiasmo da juventude da Sorbona e dos Liceus.Antes, porm, de se instalar em Paris, Gaston de Saintpierre viajara por toda a Europa,atingindo at mesmo as regies geladas da Rssia.As viagens ofereceram-lhe novas experincias e muita audcia.E quando, em certanoite de gala, pela primeira vez, as portas brasonadas do seupalcio do faubourg Saint-Germain se abriram para a aristocracia de Paris, j noexistia em seu carter a lenidade encantadora de outrora, capaz de recordar oadolescente da Normandia.Iniciou-se nessa noite uma vida dissoluta.A candura da alma, que no a inocncia, mas a Moral, perdeu-a ele entre o turbilhodos prazeres a que se entregou.

    Sobrepunham-se os excessos, cumulando-o de responsabilidades.Os prazeres mal dirigidos pervertiam-lhe a reputao, comprometendo-lhe tambm ahonorabilidade pessoal.As companhias ms, falsos amigos que pululam ao redor do incauto farejando arruin-lo, quais moscas roda do monturo, tentavam-no, arrastando-o para precipitososdesvios.O jogo absorveu-o.Avaidade de se mostrar invencvel nas partidas para que se via tentado, levava-o adesbaratar seus imensos cabedais o luxo principesco de que se cercava, asimprudentes

  • 8/6/2019 Amor e dio (psicografia Yvonne A. Pereira - esprito Charles)

    5/234

    prodigalidades que praticava, parecendo joguete de sugestes perniciosas provindasda mente obsessor de algum inimigo do Invisvel, e, finalmente, a vida execrvelque Paris lhe proporcionava, carcomiam, de dia para dia, as preciosas sementes dasvirtudes que sua me, a Senhor a Assuncion darbeville, entre beijos e conselhoslhe introduzira na alma, ao p do bero, nos aprazveis dias da infncia e ao alvorecerda juventude.Do fundo da velha e tradicional Normandia, no entanto, trimestralmente vinha umcorreio.Era o mordomo do Marqus de Saintpierre, seu pai O antigo servo, Michel Blanchard,quase to nobre quanto o velho fidalgo provinciano, dentro da sua dignidadeverdadeiramenteSenhorial, trazia fundos, presentes e cartas. Os presentes partiam da incansvelsolicitude materna, que em vo convidava o ausente a uma estao de repouso naquietaodo bero natal; as cartas eram epstolas do senso paterno, que invariavelmenteadvertiam o ingrato nestes termos: Meu filho:Os nossos tabelies de Paris advertiram-me de que as tuas retiradas bancrias foramexcessivas no ltimo trimestre.Considera, meu rapaz, que isso bastante grave, pois elevas tuas despesas s de umprncipe, quando a prudncia aconselha a moderao dos prazeres, para no viresa comprometer o futuro.No tenciono privar-te das naturais alegrias prprias da mocidade.Todavia, aconselho-te a pensar seriamente nos dias porvindouros, a fim de nolamentares mais tarde os excessos atuais.Vem Normandia visitar-nos.

    Sofremos com tua prolongada ausncia e tudo em nossa aldeia relembra nossasaudade a tua pessoa querida.Repito, meu filho: o balano do ltimo trimestre assustou-me.Vem sem demora. Tua me aflige-se e chora constantemente.Urgente ser que escolhas a noiva que te convenha e te cases sem mais delongas, afim de que as responsabilidades do matrimnio te outorguem moderao noscostumes.E necessrio se faz que nos compreendas e modifiques tua conduta, para que se noderrua nossa casa nem se avilte a tua reputao. Mas Gaston no atendia aos rogosdos bondosos pais.Desculpava-se fragilmente com aqueles que lhe haviam dado o ser e continuava

    grilhetado s teias da letal seduo que o intenso burburinho da capital sobre si mesmoexercia.Um dia o mordomo chegou ao seu palcio de saint-germain carregando significativocrepe nos vestidos, de fronte carregada e semblante abatido.O moo fidalgo fizera-o entrar at o gabinete em que repousava e recebeu-oalegremente, sem atentar no luto que envolvia o velho servo.Havia Gaston terminado a primeira refeio, chegada de Blanchard.Eram duas horas da tarde.Na vspera, ruidoso festim em casa de um dos seus amigos levara-o a passar insone anoite toda, deprimindo-lhe as energias corporais.

  • 8/6/2019 Amor e dio (psicografia Yvonne A. Pereira - esprito Charles)

    6/234

    Mas nem por isso se sentia aborrecer.Esse admirvel Gaston de Saintpierre possua, a mais, extraordinria qualidade de

    jamais mal-humorar-se.Risonho e amvel, como sempre, fez sentar o velho servo ao p dele e, depois dasnaturais efuses do primeiro momento, foi dizendo, com despreocupao:Mas que bons ventos te impeliram da nossa Normandia, caro Michel, antes do trimestrevencido.Com que ento te convenceste, finalmente, de que Paris prefervel insuportvelplacidez da nossa pobre Saintpierre.Blanchard suspirou significativamente, e Gaston ouviu-o retorquir interrogao comum acento de to profunda angstia, que, mal grado seu, s ento percebeu oaspecto grave do mordomo de seu pai: No estou a passeio, Senhor.Motivos gravssimos trazem-me vossa presena.Impressionado e srio, aquele a quem a pieguice dos bajuladores cognominou tambmde o formoso d'Arbeville sentou-se no canap em que se recostara, s ento reparandonos crepes que envolviam seu antigo pagem.Oh, Michel.Que fazes em Paris, por Deus.Vejo-te coberto de luto.Sucedeu-nos, porventura, alguma desgraa, Michel.E minha me.Oh, como est minha me?Segurou o servo pelo brao, emocionado, aflito.Calmamente, o mordomo respondeu: A Senhor a marquesa desfruta boa sade,Senhor.

    Ento, e este luto.Que significam tais delongas.Guardo luto por vosso pai, Senhor, o mui nobre Marqus d'Arbeville de Saintpierre,meu amo.Como se o fragor de uma fasca eltrica o atingisse, o jovem d'Arbeville ps-se de p,meio alucinado: Pois qu.Meu pai.Meu pai, morto.No possvel, Michel, no pode ser.Oh, meu pobre pai.No pode ser, meu Deus, no pode ser.

    Meu pobre e querido pai.Suas lgrimas foram sinceras.Gaston amava profundamente o pai.A desobedincia em que vinha incorrendo no exclua do seu corao a ternura poraqueles que lhe haviam dado o ser.Sofreu com o inesperado da fnebre notcia e seu corao angustiou-se, enquanto aconscincia o acusava das ingratides contra o pobre velho que tanto o.Quisera rever no solar onde nascera, a seu lado experimentando o labor saudvel dascriaturas destitudasde ambies; que clamara saudades, queixando-se do insulamentoangustiante com que a ausncia do filho infelicitava sua vida; que lamentara vezes sem

  • 8/6/2019 Amor e dio (psicografia Yvonne A. Pereira - esprito Charles)

    7/234

    conto a indiferena desse filho em atender s splicas dos pais que antesdesejariam v-lo de retomo aos seus braos, saudosos de estreit-lo contra o corao.E agora, inesperadamente, morria esse pai bonssimo sem beijar uma vez ainda aquelepedao do seu ser, que l se deixava ficar, em Paris, e s de longe em longeos visitava; certamente torturado de saudades, aflito durante os espasmos da agonia,pesaroso por no poder abeno-lo, aconselhando-o por uma vez ainda.Michel confortou-o com o desvelo a que se habituara dispensar-lhe desde a primeirainfncia.E quando viu que a violncia do choque cedera lugar a uma dor mais concentrada,explicou: O velho Marqus Gaston Augustus d'Arbeville, Senhor de Saintpierre,falecerahavia apenas trs dias, aps crise momentnea que no ensejara tempo de reclamar apresena do filho para a sua cabeceira.Fora o aneurisma.De h muito vinha o nobre Senhor queixando-se de padecimentos do corao.A enfermidade agravava-se diariamente.At que inesperada contrariedade, penosa e chocante, o fulminara.Acabrunhado, Gaston, aps compreender que o servo terminara a exposio,interrogou, pensativo: E essa contrariedade, esse choque mortal, que origem teve.Vossa respeitvel me vo-la explicar em Saintpierre, Senhor marqus.De certo minha me me espera, no assim, Michel.Roga-vos, em nome de vosso pai, que partais sem demora a Saintpierre, a fim depresidirdes aos funerais e selardes o mausolu, como tradicional que faa em vossafamlia o herdeiro, do nome.Sim, Michel, parta sem delongas.

    Meu pobre e querido pai, perdoa-me, perdoa-me.Na madrugada seguinte partiram.Profundamente atingido pelo inesperado acontecimento, Gaston passara a noite, febrile insone.Os crepes foram dispostos nos brases.As janelas e portes das duas residncias que possua viram-se rigorosamenteselados.O belo marqus fizera participar a alguns amigos o acontecimento que o surpreenderae despedia-se de Paris por prazo indeterminado.Um desses amigos, certamente o nico que o estimava realmente, George deSoissons, adido ao corpo da embaixada francesa em certo pas estrangeiro, mas

    casualmenteem Paris, na ocasio, acompanhou-o na dolorosa misso de presidir aos funerais,confortando-o qual verdadeiro irmo que se diria ser.Na mesma noite da sua partida, porm, nos prprios sales dos clubes galantesfreqentados por ele, variados comentrios surgiam em torno do seu nome e da mortede seu pai: Eis que nossas festas perdero o brilho; nosso divino Apoio, enlutado, nofulgir do Olindo destas salas e nem da magnificncia dos seus encantos.Afirmavam, pesarosas, as mulheres enamoradas.No ser assim.Duvidavam as mais ambiciosas o querido marqus depressa se aborrecer da

  • 8/6/2019 Amor e dio (psicografia Yvonne A. Pereira - esprito Charles)

    8/234

    provncia, no resistir sequer a trs meses de luto.E quando retornar s salas ser para nos favorecer melhor, com o ouro da herana.Nada.Nada.Atalhavam os homens maledicentes o pai foi milionrio, mas as loucuras do filhoarruinaram-no.E l possvel alguma fortuna, grande que seja, resistir a desvarios, como os temd'Arbeville.Se Gaston d'Arbeville arruinar-se, matar-se-.Profetizavam os pessimistas, dramticos. orgulhoso e ateu.No enfrentar a runa.Um carter como o seu no se resignar luta pela existncia.Gargalhadas explodiram.Era evidente que o jovem normando no lograra fazer amigos leais em tais ambientes,adespeito das inmeras gentilezas de que era prdigo.Gaston de Saintpierre, arruinado, era novidade a que alguns no davam crdito, masque outros, invejosos e despeitados, desejavam acontecesse, sem, todavia, aceitarema possibilidade, por incrvel tal se lhes afigurar.Surgiram, porm, outros assuntos.Lembrou-se de mais algum a criticar.E o nome do formoso d'Arbeville, como o tratavam as damas, no foi mais pronunciadonaquela noite.CAPITULO II.Os dias que se seguiram aos funerais do velho fidalgo foram divididos entre o pesar e

    as atividades oriundas da situao.Me e filho, depois de prolongado tempo de ausncia, entraram em confidencias.Gaston rogara a genitor informaes quanto aos sucessos que agravaram aenfermidade do marqus, cuja importncia antevira nasreticncias do velho Blanchard.E Assuncion, penalizada, exps-lhe sem rodeios o amargor da situao: a casa deSaintpierre encontrava-se arruinada.Motivos variados e complexos, independentes da vontade do seu respeitvel chefe eapesar do seu extremo devotamento ao trabalho, motivos aos quais as excessivasdespesas do prprio Gaston no foram estranhas, eram os fatores da grave situao.J bastante enfermo desde algum tempo, o Senhor de Saintpierre no resistira apreenso resultante dos ltimos balanos, que lhe exigiram fadigas ininterruptas,

    na desesperada tentativa de remediar a situao, e tivera o mal agravado subitamente,dando-se ento, o desenlace.Para o jovem herdeiro, a queda da casa de seus antepassados, que desde os temposhericos do grande cardeal fulgurava entre a honradez e a riqueza era fato Que seno coadunava com a sua pequena capacidade de resignao.Aterrava-o a perspectiva da insolvncia do melindroso caso No pequeno espao detempo necessrio ao exame dos peritos sobre os bens de Saintpierre, a apreenso.Apoucara-o como se pertinaz enfermidade lhe houvesse depauperado as energias.Todavia, a percia dos administradores verificara ser ainda possvel equilibrarem-se asfinanas derrudas, se enrgicas medidas se articulassem para suprir As falhas

  • 8/6/2019 Amor e dio (psicografia Yvonne A. Pereira - esprito Charles)

    9/234

    existentes.O momento exigia, portanto, do jovem herdeiro, absoluto devotamento na direo dasoperaes, orientao segura para as transaes que exigiriam, alm do mais, sensocomercial, medidas econmicas severas e inteiro sacrifcio dos antigos hbitos.Mas Gaston, sobre quem as vaidades sociais e o orgulho pessoal exerciam funestopoder, entendia ser desdouro o sacar emprstimos, pedir moratrias, desfazer-se dosimveis suprfluos que ostentava em Paris, vacilao que o levava a perder tempoprecioso para a salvaguarda do patrimnio que lhe viera s mos.Inelutveis confuses desorientavam-no, transformando num caos a sua mente.E, adensando-as, porventura ainda mais a sinistra idia, j delineada em suascogitaes exacerbadas, a qual, em sua ausncia, a maledicncia dos falsos amigosprognosticaraa seu respeito: o suicdio. Mas. bem certo que a criatura humana, centelha do EternoFoco do Amor, jamais se encontrar desamparada na romagem cruciante da conquistade si mesma.A Providncia conhece as possibilidades morais e espirituais de cadauma, e, muitasvezes, de um acervo de maldades supostas irremediveis faz extrair a refulgnciada estrela de que somos essncia.Achavam-se nessa altura os acontecimentos quando UM importante fato se colocourepentinamente entre Gaston, o seu passado de erros e a derrocada que lhe prediziadesesperos nos horizontes do futuro, oferecendo-lhe refrigrio e salvao.Uma tarde, ao jantar, disse-lhe a marquesa, com a polidez acentuada que lhe erahabitual: Ser-me-ia profundamente agradvel, caro Gaston, se amanh meconcedessescerto obsquio que pretendo de ti.

    Pois que me pedireis, Senhor a, que vo-lo possa negar.So-me ordens os vossos desejos.Atender-vos-ei com agrado.Obrigada, meu filho.Nem eu esperava outra atitude da tua nobreza. simples, alis, o que desejo: osnossos vizinhos, Senhor es Viscondes de Lacordaire,voltam agora Frana, depois de alguns anos passados em Npoles, onde possuemavultados imveis.So fidalgos tourenginos, de excelente reputao, pessoas de alto valor e muitacerimnia.Estimaria fazer relaes com os Senhor es de La-cordaire, minha me.

    Justamente, caro marqus, o que desejo tratar.O Visconde de Lacordaire e teu finado conheceram-se durante a mocidade de ambos,e nessa poca entretiveram amistosas relaes, as quais jamais foram estremecidaspor qualquer incidente.Voltando agora Ptria, habitam novamente a linda herdade desaintecroix, integradaao patrimnio da casa de Lacordaire com o dote de sua esposa, e a qual conhecemporconfinar suas terras com as nossas propriedades; e tencionam, ao que parece,passar ali, de quando em quando, longas temporadas.Ouo-vos, Senhor a, com prazer.Sabendo que nossa casa ainda conserva luto pelo malogrado marqus, honra-nos o

  • 8/6/2019 Amor e dio (psicografia Yvonne A. Pereira - esprito Charles)

    10/234

    visconde com umavisita de psames e j amanh aqui estar acompanhado da famlia,fiel ao dever de antiga afeio ao finado e distino social que rigorosamenteobserva.Perdo, minha me interrompeu vivamente o moo, no o Visconde de Lacordaire omesmo de quem tenho ouvido falar George com tantos encmios e deferncias, seuprimoe amigo ntimo. o mesmo, com efeito.Os de Franceville desoissons e os de Lacordaire unem-se por laos de parentesco emais ainda por slidos elos de estima.Porm, certa de que aborreces visitas, e, ao demais, que tencionas excursionaramanh pelas montanhas, ficar-te-ia agradecida, meu filho, se te impusesses anteso dever de receber pessoalmente os visitantes, dada a elevada dignidade de que soportadores.Com prazer o farei, Senhor a.Desejo mesmo estabelecer relaes com uns antigos amigos de meu pai, que traz,alm dessa, para mim, to preciosa recomendao, a outra, de ser aparentado com omeu caro George.Porm dissestes que se far acompanhar da famlia.Sim, da esposa, Madeleine de Lacordaire e da filha, discpula das monjas de SantaGenoveva, de Paris.Ah.Existe uma filha.Uma menina. Interrogou discretamente o moo marqus, fitando sua me, interessado.Sim, um anjo, no precisamente uma menina.

    E vs a conheceis, Senhor a.Encontrei-h poucos dias, acompanhada de sua me, na igreja da aldeia.E como se chama esse anjo, marquesa? A Senhor a d'Arbeville sorriu, contrafeita, poisno desconhecia os pendores galantes do filho: Chama-se Henriette Lacordaire.Mas previno-te, meu filho, de que se trata de uma jovem mal sada da infncia, e deeducao e costumes inteiramente opostos aos das que conheceste em Paris.Aguais-me a curiosidade pela menina de Lacordaire, Senhor a marquesa.Assuncion, contrariada, replicou com azedume: Basta, Gaston.Saintpierre no Paris e o solar de teus maiores no dever recordar os palcios dosbulevares ou os clubes galantes em que te divertias.Espero que te conduzas altura da probidade de um d'Arbeville.

    Retiraram-se da mesa.A nobre viva envolveu-se nas pesadas echarpes de luto e, acompanhada por duasdamas, dirigiu-se ao templo a fim de assistir aos ofcios da noite.Gaston, porm, para quem os sentimentos religiosos eram nulos, montou o seu favoritoe ps-se a cavalgar, como lhe era hbito, pelas alamedas dos bosques prximos,que reacendiam penetrantes aromas sob os derradeiros revrberos do sol-poente.Alguns minutos depois j se desinteressara da conversao mantida ao jantar.Tantos vultos femininos haviam desfilado por sua vida, que no o preocupava agora aperspectiva de ver-se posto diante de uma menina encantadora.Alis, ouvindo falar marquesa, afigurou-se-lhe que a jovem visitante do dia imediato

  • 8/6/2019 Amor e dio (psicografia Yvonne A. Pereira - esprito Charles)

    11/234

    seria novo padro daquelas insuportveis mooilas que se deseducara na forade se aferrarem a quantos preconceitos possvel conceber-se atrs das fanatizadasmuralhas de um convento, e cuja nica verdadeira qualidade encantarem asmatronasprovincianas com a inexperincia e o desaponto de que do provas na vida prtica.Para ele, a menina de Lacordaire, to expressivamente mencionada por sua me, seapresentaria mal disposta no seu traje de interna, no sabendo pisar numa sala senocom grandes assombros e a falar raramente, ventilando apenas assuntos piedosos.Nem outra coisa se aprenderia entre freiras severas e aldes da Normandia.No o tentava, pois, a idia de qualquer pretenso em torno da colegial, que,indubitavelmente, seria insulsa, no obstante a atitude piegas por ele mesmo assumida mesa de sua me e por esta a tempo repelida.No dia seguinte, hora aprazada, preparava-se com o apuro costumeiro, esperandoapresentar-se visita.Roland, seu criado de quarto, to jovem quanto o amo e seu leal amigo, depois de ohaver preparado a capricho, viera encontr-lo ainda ao espelho, dando vaidosamenteum retoque ltimo ao vesturio:Os Viscondes de Lacordaire aproximam-se, Senhor E a Senhor a marquesa roga notardeis em vos apresentar.O formoso d'Arbeville correu janela.Sim.Eis que sua carruagem transpe os portes.Para qual salo os conduzir o tonto do Michel.Para o salo nobre, Senhor, segundo ordens de vossa me.Pois ento desamos.

    E que Michel me anuncie.Deus do cu.Quantos incmodos por uma visita de provncia.* O Visconde Flvio Henri de Lacordaire era um fidalgo de avultadssimos recursosfinanceiros, e acabava de ingressar com xitos invejveis na absorvente carreirapoltica, que estiola no corao e na conscincia do homem tais sejam as ambiesque o induzam ou a mrbida paixo em que se apie os legtimos conceitos de justia.Era, alm dessas vantagens de que muito se vangloriava, o que de mais conservador epreconceituoso se poderia deparar num carter de aristocrata.Severo, orgulhoso, presumido, Senhor de uma soberba feroz, esse carter sombriopadro inconfundvel do.

    Egosta posto ao lado do prdigo, na cintilante parbola messinica colocava acima detodas as demais convenincias a honra do seu nome, a reputao dos brasesda casa de que descendia e o respeito s leis vigentes do pas, como intransigenterealista que tambm era Honesto e reto at ao fanatismo, incapaz de uma atitudecondenvel no seio da sociedade em que vivia; probo at ao exagero muito maisinspirado na vaidade de se tornar contemplado como modelo para o prximo, do querealmenteimpelido por virtudes, tais qualidades eram por ele ostentadas com a orgulhosasuperioridade de no admitir lacunas no procedimento alheio, achando-se, por issomesmo, sempre pronto a condenar o prximo ao primeiro deslize observado.

  • 8/6/2019 Amor e dio (psicografia Yvonne A. Pereira - esprito Charles)

    12/234

    A um homem do povo talvez relevasse falta, por levar em considerao a inferioridadeda sua classe, qual desprezava.Mas, a um aristocrata jamais desculparia qualquer ato que desdourasse a rutilnciaprpria d estirpe.Para a sua apreciao, o fidalgo seria um semideus, favorecido, pelo nascimento, poruma graa divina ou pela predestinao.Assim se julgava, entronizado num orgulho insupervel, assim considerava seus iguaisde classe.Dentro do lar mostrava-se afvel desde que respeitadas fossem as prprias vontades.Era o rei do lar.Seria o seu tirano se, dentro dos muros domsticos, no encontrasse atitudes passivasao respeito que sabia impor.E porque se habituara assim e aos seus tambm assim habituara, a paz reinava emseus domnios vergados sob sua autoridade intransigente.Todavia, tornava-se modelo de chefe de famlia, se considerarmos certas qualidadespor ele mantidas sem desfalecimentos.Respeitvel e zeloso, portador de um decoro digno de elogios, exigia para aqueles quelhe usavam o nome o mximo respeito e todas as consideraes.A famlia era o seu grande culto, visto que era descendncia sua; e quisera que omundo inteiro o compreendesse, para, com ele, tributar-lhe as homenagens e aveneraoa que, no seu conceito, teria direito.Uma nica filha o matrimnio lhe concedera.De Lacordaire rendia a esse pedao do seu ser um preito de venerao quiincomparvel, se conceber que seus afetos se mesclavam com o sentimento indefinvel

    doavarento pelo tesouro a que monta guarda.Educava-a sob a severidade do critrio observado pelos prprios costumes, por julg-los incorruptveis; e confiava em que, sob to sadia direo, os destinos deHenriette Flavie seriam como os destinos gloriosos dos predestinados.E, cioso do seu futuro, imaginara dar-lhe para esposo um aristocrata modelar quereunisse, a par de um aglomerado de qualidades excelentes, muitas vantagensfinanceirase reconhecida inclinao afetiva por ela prpria.Na pessoa de seu primo George de Franceville, Marqus de Soissons, encontrara oSenhor de Lacordaire a personagem ideal, que zelaria pelo seu formoso dolo com os

    desvelos de que se faria este merecedor.De incomum envergadura moral, e desfrutando posio destacada no pas, pois queservia nos misteres diplomticos com absoluta competncia, o jovem de Soissonspreencheria,com efeito, as pretenses de um pai fanatizado pelo afeto.E pelas ambies, tal o Visconde Flvio.Todavia, tencionando uni-los mais tarde, visto que se apossara das iniludveisinclinaes de Soissons por sua filha, desta no contava exigir obedincia cega seporventura, contra toda a expectativa, repugnasse menina as pretenses de ambossua e de Soissons, desde que fosse este substitudo por novo pretendente, digno,

  • 8/6/2019 Amor e dio (psicografia Yvonne A. Pereira - esprito Charles)

    13/234

    como o primeiro, de to alto acolhimento.Quanto esposa, jamais permitira imiscuir-se na educao da filha. pobre Senhor a fora conferido to s o desempenho de zeladora do lar e dasnecessidades intrnsecas da famlia, misso que a dignssima fidalga desempenhavasobos mais elevados princpios das virtudes domsticas.Era, pois, com essa altiva personagem que o frvolo e leviano Marqus d'Arbeville sedefrontaria.Por muito Senhor de si que fosse, como na realidade era, visto a grande prtica dosmeios sociais que tinha, Gaston no se conseguiu forrar grande surpresa dosencantos pessoais da menina Henriette Flavie.Curvando-se polidamente diante dela, enquanto o pai lha apresentava, imediatamenteconcluiu que considerao errnea e apressada formara da colegial elogiada porsua me, na vspera.A filha de Lacordaire dir-se-ia daquelas criaes angelicais, trazidas do pas do Idealpara a mgica realidade de telas imortais pelos artistas do passado.Tudo nessa atraente criatura era encanto, graa, lenidade indescritveis.Sua beleza clssica, de linhas impecveis, arrebataria a sensibilidade de quem querque fosse, que, vendo-a, se foraria a buscar no cu comparaes para defini-la.Gaston era um artista.Pulsavam em suas faculdades psquicas as sublimes vibraes de emoessuperiores.A imaculada formosura da virgem que acabavam de pr diante de seus olhos cativou-lhe as atenes.Conversaram.

    A superioridade de suas maneiras avantajou-se no conceito do prncipe das salas: suacultura era vasta e slida, seus modos distintos e nobres, sua graa ingnuae cativante.No se trataria, certamente, de uma mulher medocre.Oh.No apresentavam to sedutores caractersticos as demais jovens que conhecera.Quando, pois, o Senhor de Lacordaire, levantan-do-se, dera por findo o cumprimentodo dever social que se impusera, dispondo-se se retirar, Gaston j a si mesmoafirmava que a jovem provinciana lhe conquistara singular simpatia.J escravo de seus hspedes, permitira-se gentileza de acompanh-los carruagemlembrando as atitudes encantadoras do finado pai, em cuja mesa camponeses e

    aldeesse sentavam para com ele cear.Depois, quando, por uma vez ainda, contemplou Henriette Flavie ao lado de sua me,acomodada nos estofos do carro; quando a viu, envolta na suave penumbra dascortinasde couro, muito delicada na alvura sugestiva do irrepreensvel vestido de musselinabranca, que faixas de cetim atavam cintura, prenunciando-lhe a perfeio dasformas; quando, levado por necessidade imperiosa de lhe confessar, por qualquermodo, as fortes impresses que o dominavam, a fitou fixamente em plenos olhos, osquais o clssico chapu de plumas, branco tambm, sombreava com sugestivos

  • 8/6/2019 Amor e dio (psicografia Yvonne A. Pereira - esprito Charles)

    14/234

    acentos de melancolia Gaston de Saintpierre sorriu lealmente, emocionado com aquelaindescritvelsatisfao interior, de que se originam grandes sentimentos afetivos.Timidamente, a moa, assim contemplada, baixou os olhos.No, porm, sem antes retribuir a insinuante gentileza.A carruagem movimentou-se, clere, sob os estalos do chicote no dorso dos cavalos.E Gaston, pensativo, s deixou de segui-la com o olhar depois que os pesados portesde Saintpierre se fecharam sobre ela.Ento, subiu lentamente as escadarias que levavam aos aposentos prprios; mas,enquanto subia, fenmeno singular positivou-se s suas faculdades anmicas,segredando-lheaos ouvidos como se algum lhe falasse, com ele subindo os mesmos degraus: Desteo primeiro passo para a jornada tormentosa dos testemunhos inapelveis, Gastond'Arbeville.Prepara-te, acautelando-te: Esta criana influir decisivamente no teu destino.Angstia insopitvel e indefinvel ofuscou-lhe por instantes o corao, perturbando-lheo raciocnio como se de sua fronte porejassem suores de agonia.Mas fora impresso rpida, sem base para afligi-lo declaradamente.E, como sempre, no resto daquela tarde, deu-se s cavalgadas ao longo das velhasestradas ensombradas de frondosos arvoredos, seguido de perto pelo fiel Roland.CAPITULO III.Passaram-se alguns meses, durante os quais se estreitaram as relaes entre ascasas de Lacordaire e de Saintpierre.Gaston deixara-se permanecer na terra natal e parecia ressurgir para vida nova,demonstrando acentuado interesse em aes laboriosas que possibilitassem a

    recuperaodas finanas de sua casa.Satisfeita, a Senhor a de Saintpierre observava a transformao do filho e se rejubilavacom a boa vontade, pelo mesmo demonstrada, em atend-la quanto aos deveresa executar no crculo de operaes que a situao exigia; e, incessantemente,animava-o nos excelentes propsitos que voluntariamente ele se impusera, oraaconselhando-odocemente ou advertindo-o com um exemplo generoso.Durante esse espao de tempo, entretanto, o jovem normando visitara Paris algumasvezes, levado pela imposio das negociaes comerciais afeta sua casa, poisassumira, finalmente, a direo dos prprios interesses, como fora desejo de seu

    malogrado pai.Todavia, no era simplesmente no intuito de reorganizao da grandeza periclitante deseus brases que d'Arbeville se resignava ao exaustivo labores campesinos,renunciando s normas da passada conduta: era para no deix-los empalidecer noconfronto com os da casa de Henriette.To-pouco somente o amor ao trabalho o levara a se resignar to depressa as dlcidassolides de Saintpierre, concitando-o a ponderaes criteriosas, a mais coerentesilaes que as mantidas primitivamente.Era porque ali tambm vivia Henriette, e em seus olhos as promessas de um porvircintilante de felicidades deslumbraram sua alma, enamorando-a de amor e de

  • 8/6/2019 Amor e dio (psicografia Yvonne A. Pereira - esprito Charles)

    15/234

    esperanas.Gaston d'Arbeville amava Henriette de Lacordaire.Amava-a como se em toda a sua vida outra coisa no fizera seno ador-la, certo deque suas almas se irmanavam sob o vigor de leis morais indissolveis, e que oporvir vincularia progressivamente aquele estranho sentimento que dele se apossara,atando-o para sempre ao seu destino.No fim de um ano de suave convivncia com a herdeira de Lacordaire, o velho solar deSaintpierre parecia ao jovem Marqus o cenrio ideal, onde quereria permanecerdurante toda a sua vida.A mais singela bonina que se lhe deparasse entre as silvas da campina, ou o insetodesgracioso que pairasse aqui e ali, sugando o nctar das flores agrestes, continhampara ele, agora, os mais sugestivos encantos, porque, agora, a todas as coisas atendiaatravs da boa vontade da renovao que o vero sentimento do esprito criaem nosso.Ser.Sua prpria me apresentava-lhe encantos novos.Somente agora lhe compreendia o valor das qualidades pessoais.Como lhe era agradvel, agora, a sua companhia.E que formosas as suas virtudes, inavaliveis tesouros no entrevistos no curso dasrelaes femininas que voluteavam em torno dele, na colmia intensa de Paris.Sua me, bem como o anjo estremecido de Lacordaire, ofereciam aos novos cotejosdas suas prprias ponderaes modelos inapreciveis da mulher moralmente educada,dignificada pelo critrio das atitudes cotidianas.Junto de ambas reconhecia-se dignificado tambm, esforando-se por, no conceitontimo de si mesmo, se tornar digno do.

    Amor como do apreo de ambas..E, nesse ambiente novo e sadio para ele, sob o amparo tutelar daqueles dois coraesafetuosos e desinteressados, o leviano moralmente tambm se engrandecia, toextasiado sob a lenidade do presente ditoso que desfrutava que se no apercebia dapossibilidade de um futuro adverso.Henriette, com efeito, graciosa e formosssima, dir-se-ia uma parcela do cu encarnadana gentileza de uma forma feminina.Ao se avistar sua encantadora figura, invariavelmente trajada de branco, por piedososvotos de sua me, que a temera perder durante certa enfermidade grave da infncia;com os cachos de cabelos louros, daquela fulgurao fluida do sol nas manhs deestio, a lhe pousarem graciosamente sobre os ombros depois de moldurarem.

    A fronte em caprichosos anis; contemplando-se suas formas clssicas, de umabeleza, por assim dizer, imaterial, muito alva a pele, como se de leite e aucenaspudesseser tecida, olhos profundos e doces onde transluzia a cor azul do firmamento ter-se-ia aimpresso de que contemplando apario idntica foi que o gnio de Rafaelcriou as telas dos seus anjos.De toda a sua pessoa irradiavam-se estranhos atrativos, o que a tornavairresistivelmente sedutora, chamando a si, naturalmente, a admirao de quem querque diantedela se demore.

  • 8/6/2019 Amor e dio (psicografia Yvonne A. Pereira - esprito Charles)

    16/234

    Visitavam-se com freqncia as duas famlias, tornando-se indispensvel presenade uma no solar da outra.Freqentemente, assim, os dois jovens se avistavam, com agradveis ensejos paraestreitarem os elos afetivos que desde o primeiro dia haviam prendido seus coraes.Nessas visitas, ou nos longos passeios que faziam.Acompanhados pelas Senhor as de Lacordaire e darbeville, Gaston apenas se deixavareconhecer como o gal famoso dos sales de Paris pela elegncia das maneiras ea distino no trato.Sua preocupao maior era mostrar-se afvel, atencioso para com a menina por quemse apaixonara: hoje, auxiliava-a na colheita de borboletas e flores agrestes, pelosbosques de Saintecroix; amanh, rindo-se com ela como dois meninos em frias,deitava migalhas aos cisnes que boiavam, tranqilos, nos tanques do elegante parque.Aqui, colhia trevos e morangos pelos prados atapetados de relva, durante as aprazveisexcurses; acol, atava-lhe a fita da cintura ou do chapu ou carregava osalforjes da merenda e das colees de plantas e insetos.E pela tardes clidas, enquanto as duas matronas conversavam na lenidade dosterraos e o visconde examinava memoriais polticos, alheio s demais preocupaes,o divino Apoio-, feito servo humilde, tocava o balano suspenso de velhas galhadaspara divertir o seu dolo, embalan-do-a docemente, e sussurrando-lhe aos ouvidosdelicadas confisses de amor, as quais faziam-na rir, prazenteira como uma crianamimada, enquanto o rubor lhe tingia as lindas faces do colorido forte das papoulasdo canteiro e, roda, os paves passavam, de plumagens vistosas levantadas, e oscisnes, alm, boiavam faceiros numa feliz convivncia.Os Senhor es de Lacordaire, assim como a Marquesa de Saintpierre, no sconheciam o idlio do jovem par como at apoiavam a unio.

    O Visconde Flvio, que nutrira pelo Senhor de Saintpierre, pai, admirao leal,reconhecendo-lhe a austera nobreza de carter, no obstante trazer em mente outrosprojetos de aliana para sua casa, percebendo.As ternas inclinaes da filha por d'Arbeville, dizia secretamente esposa que aceitariaGaston, cuja afeio por.Henriette se tornava visvel, porquanto a honorabilidade dos brases e a situaofinanceira dos mesmos nada ficariam a dever aos seus prprios, pois, por essaocasio,os prejuzos que pesavam sobre os cofres de Saintpierre ainda no tinhamultrapassado os gabinetes dos notrios e dos banqueiros.Madeleine de Lacordaire transmitia filha as simpatias paternas.

    Comovida e risonha, Henriette comunicava ao afetuoso namorado as prometedorasnovidades trazidas por sua me.Este, ofuscado pelas prprias esperanas, dividia com o corao Materno a imensafelicidade que lhe inundava o corao.E eram todos felizes.Todavia, os prejuzos financeiros em Saintpierre eram gravssimos, consoante ficouesclarecido, e as medidas capazes de minor-los mais difceis de execuo do quea princpio se julgara.Impossvel afastar o acervo de impasses com a presteza e o sigilo imaginados noprimeiro momento.

  • 8/6/2019 Amor e dio (psicografia Yvonne A. Pereira - esprito Charles)

    17/234

    A d'Arbeville seria inadivel conseguir moratrias generosas, emprstimos bancriosou particulares, hipotecas urgentes, mesmo a venda de imveis cuja manuteno.Sobremodo onerava a j sobrecarregada casa, a fim de solver compromissos vultosose sair-se com Honra da runa, resignando-se depois a recomear, com a vida singelado pequeno agricultor, em Saintpierre.A isso mesmo o aconselhava a prudente previso materna, que no enxergavadesdouro na modstia do viversimples da provncia.O jovem marqus, porm, no se poderia facilmente acomodar a descer do pedestalem que desde a infncia se reconhecera suspenso, mormente agora, quando alvoradasfagueiras surgiam para a sua vida sentimental, apontando-lhe sublimes ideais a atingir.Seria indispensvel, oh, sim Tentar o impossvel para se manter equilibrado, sem quetranspirasse na sociedade a luta ntima que sustentava.No.No se deixaria abater pelo primeiro sopro da adversidade.Reagiria, lutaria, venceria.Mas o desconcertante fantasma da realidade impunha-se, apesar das energias quevibravam em sua alma; e, ansioso, via escoarem-se os dias sem se poder definir aosolhos do visconde quanto s pretenses sobre Henriette Flavie.Tolhia-o a perspectiva lamentvel contra a qual se debatia, pois no ignorava que tudose esclareceria uma vez proposta aliana matrimonial entre as duas casas.A idia de que viesse de Lacordaire suspeit-lo de interesses junto fortuna da filha,sabendo-o arruinado, levava-o, portanto, a dilatar o ensejo da proposta,dando-lhe foras, todavia, para tentativas salvadoras em torno da melindrosa situao.Presa de inenarrveis angstias pensou em recorrer ao seu amigo de infncia, George

    de Franceville de Soissons, bastante leal, rico e relacionado para socorr-locom bons xitos na crtica emergncia, o qual, fiel aos deveres da carreira diplomtica,mantinha-se afastado da Ptria.Obtida para tanto a aprovao de sua me, darbeville dirigiu-se ao gabinete de trabalhono intuito de executar o que delineara em pensamento, escreven-do-lheumacarta.Sim.Vazaria no corao desse amigo incomparvel as tempestades que tentavam destro-lo.E f-lo, com efeito.Relatou com mincias, em missiva longa e pattica, sua runa financeira, a paixo de

    amor em que se absorvia, as esperanas e os desalentos da conseqentes,relembrandoainda a f, que em seu corao Prosseguia, inabalvel, na antiga afeio que uniaambos, e em nome da qual pedia socorro.Se George recebesse essa carta, certamente d'Arbeville estaria salvo da runa e emcondies de desposar a rica herdeira de Lacordaire, porquanto o jovem diplomatapossua carter elevado bastante para sacrificar-se em Benefcio do antigocondiscpulo, e sem, ao demais.Revelar o segredo do amor que tambm nutria por Henriette.Mas estava determinado, pelas leis sbias que presidiam a romagem terrena desses

  • 8/6/2019 Amor e dio (psicografia Yvonne A. Pereira - esprito Charles)

    18/234

    trs espritos colocados frente de testemunhos redentores, que aqueles dois irmospelo corao jamais se entenderiam relativamente ao sentimento que a ambosabrasava, sem que um do outro nada suspeitasse.Terminada a longa epstola, lembrana decepcionante interps-se entre ele e seusprojetos, anulando-lhe os intuitos:George de Franceville era primo de Flvio de Lacordaire, ntimo daqueles a quem eleprprio, Gaston, temiadesgostar.Por muito honrado e discreto que fosse o marqus, no revelaria um dia ao afim queele, Gaston, lhe solicitara socorro para escapar runa e desposar Henriette?Que conceito de sua hombridade, alis, formaria a gentil menina no dia em que seinteirasse de que seu noivo recorrera proteo de um parente dela prpria, a fimde conseguir a vitria dos intentos. Afoitamente, despedaou a carta: No.No recorrerei a George.Monologou, irritado.Mil vezes no.Ser a mim mesmo que deverei a conquista de minha felicidade.Vencerei sozinho.Realmente, George de Soissons era uma alma bonssima, encarnada num invlucromasculino.O Visconde Flvio Henri, desejando-o para esposo da filha, no fazia mais que justiaaos elevados dotes pessoais desse jovem cujo carter admirvel era digno derespeito econsiderao.Ele e Gaston eram amigos ntimos, sinceramente afins desde a infncia.Longamente aparentado tambm com Assuncion d'Arbeviile, por linha materna, aqueleencantador fidalgo afeioara-se profundamente ao belo filho do Senhor de Saintpierre,

    desde menino, quando se instruam ambos sob a direo dos mesmos professores econvivendo nos mesmos internatos.Um pouco mais velho que darbeville, George era tambm mais criterioso e sensato.Desgostavam-no as leviandades do amigo, delas prevendo conseqnciasdesastrosas.Mas porque reconhecesse que, no fundo, Gaston trazia sentimentos generosos,perdoava-lhe sempre que a via errar e continuava dedicando-lhe a mesma slida esingularafeio.Por sua vez, Gaston temia-o, respeitava-o mesmo, estimando-o profundamente, echocando-se quando o reconhecia agastado.

    Sem poder satisfatoriamente definir a singularidade da afeio que ao amigoconsagrava, o que darbeville sentia ressaltar dos prprios sentimentos para com eleerauma estranha, inslita impresso de piedade.Porque piedade.Porque a intraduzvel comoo, misto de compaixo e ansiedade angustiante,pungindo a alma de Gaston durante certos momentos em que fitava o semblante afveldocondiscpulo, em cujos lbios eterno sorriso, aflorando discretamente, era o trao maiscaracterstico? Que misteriosas, sacrossantas reminiscncias se aviventavam

  • 8/6/2019 Amor e dio (psicografia Yvonne A. Pereira - esprito Charles)

    19/234

    da subconscincia do jovem doidivanas, vislumbrando s sbitas tenebroso passadoem que ambos se agitaram, talvez dramaticamente.No o sabia ele.Mas sentia-o.E para Gaston o bondoso George era mais do que o amigo preferido, porque era oirmo dileto, por quem sacrificaria at mesmo a vida.Amigo ntimo tambm de Lacordaire e seu parente, George convivera algum tempocom Henriette Flavie, por ela sentindo-se profundamente atrado desde as primeirasimpresses.A timidez que lhe era apangio em assuntos sentimentais, porm, e natural delicadeza,fizeram-no manter-se to discretamente, que a ingnua menina no s

    jamais lhe compreendera as fugidias confisses, como nem mesmo por ele seinteressara, supondo oriundas doparentesco as homenagens de que era alvo.O mesmo no sucedera, entretanto, sagacidade do visconde, que imediatamenteprojetara vantajosa aliana, rejubilando-se com a descoberta em torno do excelenteprimo.Os deveres profissionais que afastavam George freqentemente da Franaprovocavam prolongadas ausncias entre os dois jovens amigos.Certamente, por esse motivo, ignorava o divino Apoio os sentimentos afetivos deGeorge por uma dama porquanto, criterioso e prudente, este jamais confidenciava emassuntos sentimentais com quem quer que fosse; e ainda menos quandoessa dama se chamasse Henriette de Lacordaire.Por sua vez, d'arbeviile, que no o tornara a ver desde os funerais do pai, jamais sereferira ao seu amor, nas cartas que lhe escrevia, no obstante p-lo

    A par das relaes estabelecidas com a casa de Lacordaire, e no o fizera por nodesejar confiar a um pedao indiscreto de papel referncias sobre aquela que asmelhores consideraes lhe merecia.Alis, conhecendo-o to de perto o jovem desoissons, acredita-lo-ia agora, se,porventura, atravs da estreiteza de uma simples missiva lhe participasse quaseapaixonarapor sua linda prima de Lacordaire? Assim colocado em to aflitivo dilema, tomou aresoluo de relatar prpria Henriette o que se passava consigo mesmo, levadopor significativo sentimento de dignidade.Confessou-lhe quanto entendeu conveniente: as adversidades advindas paraSaintPierre, as amargurosas elucubraes em que se debatia, o prprio passado de

    rapaz inquietoe leviano, assim os contumazes receios pelo futuro.Mas as superioridades mentais da jovem herdeira, que ao melindroso relato ouviu combondade, alcanando as honestas intenes do noivo, e se desinteressando.de vantagens financeiras para to somente aspirar ventura do amor consagrado pelomatrimnio; o gesto generoso.e admirvel, postergando desvarios do pretrito por um presente repeso e um futuro deboa vontade para reabilitao integral, levantaram o nimo do acabrunhado fidalgo,facultando a renovao das esperanas.Ficara, assim, estabelecido que Henriette se conformaria de boamente com a vida

  • 8/6/2019 Amor e dio (psicografia Yvonne A. Pereira - esprito Charles)

    20/234

    modesta da provncia, caso os esforos empregados pelo marqus redundassemimprofcuospara reconquistar a posio perdida.Dedicar-se-iam ambos, uma vez unidos para sempre, ao doce aconchego do lar, semoutras ambies que a estabilidade do seu amor e a tranqilidade dos filhos, queas bnos do Altssimo lhes concederiam.Aconselhara-o mesmo a no se expor a demasiados sacrifcios: ela o esperaria porindeterminado prazo, jurando-lhe fidelidade absoluta.Que ouvisse antes o prudente alvitre de sua me: vendesse os imveis suprfluos a fimde solver as dvidas mais prementes; hipotecasse algum outro e conservasseSaintPierre, valioso bastante para faz-lo recuperar-se.Livre de mortais preocupaes encorajou-se ele a descer do pedestal de orgulho ondepreferiria deter-se para tocou sempre.Transportou-se, portanto, a Paris, e iniciou as providncias para o que lhe pareceuurgente.O nobre palcio do faubourg Saint-Germain foi vendido sem delongas, sob admiraodos antigos comensais que o ajudaram a arruinar-se.Outro, nas proximidades do Bois de Boulogne, seguiu o primeiro, sem intermitncias.As preciosas colees de arte desceram dos altares onde suas inclinaes artsticas ashaviam colocado, e se dispersaram ao som irritante do martelo de um leiloeiro.Acompanharam-nas as carruagens principescas, com nobres parelhas de pura raainglesa e normanda, sem transio.E os fogosos ginetes rabes, glrias das paradas hpicas e festas de gala a que erachamado a concorrer aps, sob seus olhos pensativos, deixaram as cavalariasclebres de Saint-Germain para as de certo mercador ingls dado a costumes

    aristocrticos.E nem mesmo o relicrio dos antepassados: armaduras, aparelhamentos de guerraque serviam aos d'Arbeville desde trs sculos, escapou renovao que em torno doantigo aluno do professor Rivail se iniciava.Paris murmurou e espanto geral alvoroou a nobreza.Realizou-se o que o belo marqus receara daquele gesto: ofragor de sua queda fora retumbante.Partida dos gabinetes dos notrios, a notcia de sua runa cruzou as ruas, penetrou ossales, atingiu as relaes do moo fidalgo e se confirmou com o memorvelacontecimento da disperso dos seus bens.Seu nome, ento, rodou de boca em boca, na girndola ingrata dos comentrios.

    Fecharam-se-lhe antigas intimidades.Seus companheiros e amigos de outros tempos recebiam-no distraidamente,esquecendo-se de convid-lo para as festas que realizavam.As damas sorriam-lhe, contrafeitas, levadas somente pela afetao social, j lhe noencontrando semelhanas com Apoio.Partidrios polticos, certos de que no mais poderiam sugar de sua bolsa quantiasavultadas para o que denominavam o bem da causa, fechavam-lhe a entrada parasessessecretas, excluam-no das atas e das diretorias e riscavam-lhe o.nome das listas de scios benemritos.

  • 8/6/2019 Amor e dio (psicografia Yvonne A. Pereira - esprito Charles)

    21/234

    E seus defeitos e erros, suas aes censurveis do passado, que todos haviamincentivado e dos quais compartilharam, foram relembrados com malcia, comentadoseagravados sob o exagero da maledicncia.O dolo tombara do frgil pedestal de ouro em que se apoiara, despedaando suasfictcias glrias sob a fora do.egosmo humano.Gaston ento se contemplou e reconheceu-se repudiado pela prpria sociedade que oendeusara.Sua runa trazia, alm de outras, a ardente decepo de compreender que a sociedadeem que vivia era, com efeito, corrompida e venal; e que no seria em ambientestais que se encontrariam caracteres desinteressados, capacitados para a funohonrosa da Vera considerao ao prximo.Sofreu, mas resistiu.Contava readquirir ainda a posio perdida para, um dia, confundir os ingratos.Poderosa altivez e estranha serenidade mantiveram-no tranqilo e digno frente doescndalo.Soubera cair, como o desejara sua me: com a honra prpria de um d'Arbeville.O amor de Henriette encorajara-la f nesse amor e a confiana numpromissor futuro, que traria para os seus braos Henriette envolta em vaporosos vusde noivado, retiveram-no .beira do desespero, sustentando-o na amargura do momento.Enganaram-se aqueles que lhe haviam prognosticado o suicdio como remate a umapossvel runa.Gaston no se lembrou do suicdio.

    No pensou na morte como soluo para a adversidade que se estendera sobre seuspassos.No quis morrer.O que ele queria, era viver.Viver por Henriette e para Henriette.CAPTULO IV.Algumas figuras representativas das finanas do pas capitalistas, alta burguesia,

    judeus comerciantes e at.mesmo vultos menos preconceituosos da aristocracia acabavam de fundar importantefirma exportadora de produtos do reino e importao de matrias primas no existentesno mesmo.

    Habilmente organizada, a dita sociedade a que nos dias atuais se denominariaCompanhia trazia honesta reputao e, logo de incio, se impusera no conceito geralpelas garantias que oferecia aos clientes e aos acionistas.Existiam filiais e representaes no estrangeiro e falava-se em estender suasatividades atravs do Pacfico, nas plagas recompensadoras da grande e douradaAmrica,que refulgia riquezas na longitude setentrional.Seria, como tudo indicava, emprego de capital vantajosssimo, ao mesmo tempo emque ao patritica, porque se propagariam produtos franceses, qui pelo mundointeiro.

  • 8/6/2019 Amor e dio (psicografia Yvonne A. Pereira - esprito Charles)

    22/234

    Gaston' sentiu-se tentado a explorar o terrena sobremodo o assunto, visto quepertencia agora, como, alis, os seus antepassados, s classes produtoras do pascomofidalgo agricultor que era.Oxal to louras perspectivas lhe soerguessem a fortuna e o conceito.Ao demais, seria meio honroso de viver e de empregar capital; e o Senhor deLacordaire, conhecendo-o laborioso como o fora seu velho pai, certamente se encheriade confiana para receb-lo na famlia.Raciocinou longamente, levado por excelente franqueza e boa vontade, e capacitou-sede que a dita agremiao viera ao encontro de suas prprias necessidades.Balanceou, em seguida, os haveres que possua, reuniu capitais disponveis, hipotecouainda terras e granjas espalhadas at para aqum.da Normandia, pesou e estabeleceu divisas revelando aprecivel tino administrativo e,entregando a direo interna de SaintPierre competente vigilncia de suame e de Michel Blanchard, filiou-se companhia como scio.Tudo indicava que se obrigaria a estender-se em viagens longas atravs da Franacomo de pases estrangeiro.No se ops, inclinado ao trabalho para a recuperao do antigo poderio.Todos os pormenores estabelecidos aceito que fora, com sincero jbilo, peloscapitalistas burgueses, que o receberam com honra e confiana, o"divino Apoio", agoratransformado em deus Mercrio, encheu-se de nimo e esperanas e pensou que eratempo de se dirigir a de Lacordaire a fim de solicitar a mo de Henriette.Tornou, pois, ao solar paterno especialmente para atender ao melindroso assunto; e, jno dia imediato, visitou seus vizinhos de saintecroix, a fim de estabelecercom a noiva querida o dia mais propcio para oficialmente se apresentar ao visconde

    como pretendente mo dela. Passeavam, nessa tarde, pelas alias pitorescasdo velho parque, comovidos e felicssimos, mos ternamente enlaadas, pronunciandoapenas curtas frases de amor, entre sorrisos e pequenas promessas semprerenovadas.As duas matronas bordavam a sombra dos castanheiros. Cansado de caminhar, o

    jovem par aproximou-se do tanque onde os cisnes boiavam a espera das migalhascostumeiras.Mas inslita comoo perturbava-os nesse dia, que se tornaria inesquecvel viram oscisnes, no lhes atiraram.guloseimas. Espessas ramadas floridas teciam discretos cortinados ao redor de ambos.Docemente, como transportado por unes religiosas, Gaston atraiu.

    a si o anjo louro que o animara ao culto do dever e, estreitando-o ao corao, deps-lhe nos lbios o fervoroso sculo do seu amor, selando o eterno consrcio.de suas almas.* *Com admirao do moo marqus, o Visconde Flavio, aps ouvir religiosamente suasexposies, recebeu com frieza a solicitao da mo de Henriette.D'Arbeville era desses homens cujo temperamento impulsivo e franco encobre,freqentemente, preciosas qualidades de honradez e lealdade, que no raro seestendems raias da delicadeza de consciente.

  • 8/6/2019 Amor e dio (psicografia Yvonne A. Pereira - esprito Charles)

    23/234

    de qualquer gesto refalsado que redundasse em prejuzos ou decepes para outrem,seus desregramentos de rapaz haviam to somente a ele molestado, sem complicar-lhea conscincia quanto a incmodos causados a quem.quer que fosse.Afigurou-se-lhe, por conseguinte, dever de honra expor ao visconde as ltimastransaes feitas por sua casa, conquanto o fizesse discreta e delicadamente, assimevitando que o severo fidalgo colhesse de outras fontes o que s ele estaria emcondies de verdadeiramente esclarecer.Entendera, pois, fiel aos princpios de lealdade dos seus antepassados, que,franqueando o corao ao pai da futura esposa, quanto aos contratempos surgidos emSaintPierre,provar-lhe-ia a honradez dos prprios sentimentos e intenes e se poria a coberto desuspeitas ofensivas.E o Senhor de Lacordaire nobreza de princpios, retido de carter insofismvel louvar-lhe-ia a franqueza e no s lhe concederia a permisso solicitada como atelevaria, provavelmente, o grau.de considerao que lhe dispensava.Sobressaltou-se, pois, desagradavelmente, observando a severidade quegradualmente se acentuava na fisionomia do visconde a cada nova palavra que emitia.Mas seu sobressalto agravou-se, transformando-se em penosa ansiedade, emdecepo angustiante, quando, contra toda a expectativa, o orgulhoso fidalgo, usandodeexcessiva cerimnia para a intimidade que vinculava as duas famlias, se furtou a umaexplicao definitiva, apresentando subterfgios demasiadamente frgeis para

    vaticinar concluses satisfatrias: Sobremodo me honra a vossa solicitao, Senhormarqus respondeu ele, empertigado numa soberbia desconcertante, aps a longaexposio do formoso d'Arbeville e felicito-me por haver merecido do vosso conceito aspreferncias para a aliana que propondes.No obstante, pesa-me declarar-vos que considero mademoiselle demasiadamente

    jovem para as responsabilidades do matrimnio, e que venho mesmo pensando emretorn-laao convento a fim de aprimorar-lhe a educao.No pensava cas-la, portanto, to cedo.Todavia, rogo-VOS a fineza de aguardardes meu regresso de Paris para discutirmos opresente assunto.

    Tenciono partir j amanh.Como vedes, no disponho de prazo para reunir conselho com a Senhora viscondessaA fim de estabelecermos o destino que convir mademoiselle De Lacordaire.Levantara-se ao pronunciar as ltimas palavras, parecendo no prestar ateno nadescortesia que praticava com a Senhora de Saintpierre, que entendera de bom avisoacompanhar o filho em visita de to grande responsabilidade.A polidez obrigava o solicitante a conformar-se com a deciso do interlocutor.Gaston e sua me retiraram-se, sem poderem cumprimentar sequer a viscondessa,que no comparecera ao salo, desagradavelmente impressionados com o rumoinesperado

  • 8/6/2019 Amor e dio (psicografia Yvonne A. Pereira - esprito Charles)

    24/234

    que tomara a situao.A verdade, no entanto, era que, ouvindo a nobre relao do jovem de SaintPierre,Flvio de Lacordaire chocara-se at ao mago do ser, impressionando-sedesagradavelmenteante as dedues tiradas a cada frase ouvida do interlocutor.Em chegando a Paris, retumbou-lhe imediatamente aos ouvidos, j contaminados depreveno, o fragor da runa de SaintPierre, a qual, sendo fato recente, repercutiaainda com escndalo nas rodas da nobreza.Fcil foi, portanto, a Flvio Henri colimar o alvo que trazia em mira, isto , investigarpormenores em torno da personagem em apreo.O nome do pretendente aliana com sua casa era assunto preferido nos ambientesaristocratas e financistas.Sucedia ento o que sucede invariavelmente em ocasies anlogas: Gaston surgia,agora, de todos os lados, no conceito de seus mesmos comparsas, como portador detodos os defeitos, elemento nocivo aos meios sociais que tivessem dignidades a zelar ecujo carter se aviltara ao contacto de todas as dissolues.Todas as vozes, a que se dirigira Flvio procura de enfornes, ecoavam aos seusouvidos decepcionados apontando ao marqus leviandades imprprias de um fidalgo,aes censurveis, iniqidades antes criadas pela maledicncia de despeitados eantigos rivais.Nenhuma voz a seu favor.Nenhum gesto amigo que lhe atenuasse as antigas inconseqncias, ao em vez deagrav-las.Muitos de seus prprios correligionrios polticos, que tanto lhe deviam, agora que jno poderiam dele esperar as mesmas prodigalidades pecunirias, criticavam-no

    vilmente, na sanha demonaca de tudo censurar e maldizer por hbito, por pouco no oacusando de traidor da Ptria.A qualquer porta que batesse de Lacordaire em busca de informaes que garantissema felicidade da filha o nome do Marqus dArbeville era batido pelo descrditocom a rigidez da impiedade que no trepida jamais em agravar e destruiraqueles que durante muito tempo lhe fizeram sombra.Completamente desmoralizado a partir do momento em que sua runa fora conhecida,Gaston de SaintPierre j no possua admiradores na sociedade que o endeusaracorvejando-lheas riquezas.Vivamente impressionado, o austero visconde deixou a meio os afazeres que o tinham

    levado capital e correu .Saintecroix, receoso pelo momento, que se lhe afigurou gravssimo.No.pensava, indignado.Jamais Henriette Flavie usaria o nome de tal homem.Esse nome envilecido por um descendente que no honrara as tradies da famliamacularia a probidade de que se orgulhava a casa, de Lacordaire.No.Saberia defender a filha das garras do abutre feroz que ameaava destroar-lhe oporvir.

  • 8/6/2019 Amor e dio (psicografia Yvonne A. Pereira - esprito Charles)

    25/234

    Henriette era uma criana.Na sua idade as paixes no so durveis: esqueceria o primeiro sonho ao prprioembate da primeira desiluso.Ao chegar a saintecroix, seu primeiro cuidado fora ordenar esposa providenciasseenxoval e bagagens para menina, porque sem tardana fa-la-ia retornar ao convento,a fim de aperfeioar a educao.No se referira solicitao, que de Gaston recebera, sequer a ss com a senhoraviscondessa, guardando antes o mais absoluto silncio em torno da momentosaquesto.Entretanto, sabedor do regresso de seu vizinho, o Marqus darbeville, nervado eansioso, esperava as comunicaes oficiais, a que o dever de polidez obrigaria oSenhor de Lacordaire, a fim de apresentar-se e receber a resposta a que tinha direito.Tardava, porm, esse comunicado, o que no augurava feliz resultado para as suaspretenses.Ao findar do terceiro dia, incapaz de esperar por mais tempo, deliberou apresentar-se,de qualquer forma, diante do homem cujas mos tinham os seus destino, e solicitouuma entrevista.O mordomo da aprazvel manso de saintecroix fizera entrar o marqus para umpequeno' salo de cerimnias.Profundo silncio pesava sobre a habitao.Apreensivo, no vislumbrara o vulto gracioso da noiva nos terraos onde,habitualmente, ainda ao longe a entrevia, sua espera.Porm, passos abafados se fizeram ouvir na ante-sala e o Visconde Flvio, austero edando mostras de grande severidade na fisionomia carregada, deu solene entradano salo, enquanto o visitante ia ao seu encontro esboando espontneo movimento

    de afabilidade.Compreendendo, porm, ao primeiro instante, a disposio hostil de seu vizinho, deSaintPierre, decepcionado, dissera sem prembulos ao que vinha.E Flvio Henri de Lacordaire, sem mesmo tentar disfarar a animosidade de que sesentia possudo, respondeu-lhe incisivamente, parecendo no desejar maioresexplicaes:Lamento, SenhorMarqus de Saintpierre ver-me obrigado a declarar-vos no ser possvel atender vossa solicitao:de modo algum convm casa de Lacordaire uma aliana com a casa de SaintPierre.O entendimento fazia-se com ambos os interlocutores de p.

    Flvio de Lacordaire no convidara seu hspede a sentar-se.Gaston retorquiu, serenamente, quase altivo: Contudo, espero, SenhorVisconde, que me honrareis com uma explicao sobre a recusa que julgo no merecere que me vem ferir profundamente.A explicao que desejais, Senhores tornou Flvio impaciente, com frases ligeiras e emtom hostil , seria todesagradvel para vs como para mim.Rogo-vos poupar-nos a ambos o dissabor de vo-la dar.Gaston encontrava-se profundamente apaixonado.Todo o seu ser confrangeu-se sob a insuportvel humilhao da rude negativa.

  • 8/6/2019 Amor e dio (psicografia Yvonne A. Pereira - esprito Charles)

    26/234

    O amor, no raro, leva aquele que ama a suportar dolorosas humilhaes.O divino Apoio, atingido em cheio no corao, debateu-se desesperadamente, pelacausa prpria, como o nufrago na nsia suprema do salvamento.Em tom incerto, emocionado, o pobre moo apelou ainda: Visconde.Amo mademoiselle de Lacordaire.Depus nesse grandioso sentimento, que pela primeira vez sinto fazer pulsar meucorao, todas as minhas esperanas de felicidade, como a prpria vida.Dai-me as razes de vossa recusa, que talvez no sejam bem fundamentadas, poissinto-me sincero e leal; e a fim de que aos vossos olhos eu me justifique, se porventuravossa presente resoluo implica algo desfavorvel surgido contra mim, pois que,dantes, vossas atitudes me levaram a crer que aceitareis essa unio.Oh.por quemsois, no arruineis dois coraes que se procuraram e compreenderamternamente.Basta, marqus.Compreendo, Senhor de lacordaire situao delicada, mas no irremedivel que nomomento.atravessa a casa de SaintPierre, e a qual lealmente expus, para que me noacussseis de segundas intenes nessa aliana, o escolho que vos leva adesfavorecer-me.Bradou d'Arbeville, cujo orgulho ofendido se exaltara; e em seguida, continuou, em tomquase suplicante: Eu no vos peo me concedais a mo de mademoiselle nestemomento.Dai-me, porm, vossa palavra, que ma concedereis mais tarde.Sou jovem.Lutarei.

    Reerguerei minha casa ao nvel da vossa, reconquistarei o antigo brilho de meusantepassados, vencerei.Por um instante, Flvio de Lacordaire quedou-se impressionado.O acento de sinceridade, de suprema dignidade, de que se impregnaram as ltimaspalavras do moo fidalgo, pareceu-lhe, por um momento, vazado da mais elevadaexpresso.de honradez.Sem o saberem, aqueles dois homens encontravam-se num desses momentosdecisivos da vida humana, que aos seus configurantes podero conferir.legtimo galardo espiritual perante a Sbia Lei que tudo regula em torno dos destinosdas criaturas; ou conserv-los, simplesmente, na inferioridade das paixes

    em que se agitam. A chave do futuro, todavia, naquele impressionante instante da vidade ambos, pertencia a de Lacordaire. Se esse homem, de coraoEnrijecido no orgulho, se deixasse inspirar, naquele instante, por uma parcela de boavontade em contribuir para a satisfao de outrem, e apertasse a mo ao opositor,dizendo:Creio em ti, vejo que s sincero, s bem-vindo ao seio de minha famlia" teriaestendido sobre o abismo do seu prprio passado ponte salvadora que facilmenteo conduziria a porto compensador do futuro espiritual, que o aguardava, poupando-seamargas decepes atravs da Dor, porque teria cumprido sbio preceitodivino, cristmente expungido, com o perdo, mculas de velho dio adquirido em

  • 8/6/2019 Amor e dio (psicografia Yvonne A. Pereira - esprito Charles)

    27/234

    anterior existncia planetria. Mas no o fez. No quis faz-lo, apesardo momento de reflexo que no minuto supremo a conscincia lhe concedia. Ento,deps sobre os ombros do inimigo de outrora, que agora no desejava senoo perdo, o esquecimento e a reconciliao, a cruz das provaes expiatrias,deixando que acontecimentos cruciantes alis, inevitveis, porque originrios decausas enraizadas no pretrito seguissem o seu curso doloroso, tornando-se, porm,ele mesmo, daquele momento em diante, a pedra do escndalo que deveria chegar,responsvel que se fez, como instrumento voluntrio, da punio que a Sbia Leiaplicaria, mesmo que ele no se apressasse em execut-la, inspirado nos mauspendoresdo prprio carter.Retorquiu, ento, aos veementes protestos que ouvia, com uma concluso suprema:E' escusado, Marqus d'Arbeville. E rogo-vos considereis terminada esta desagradvelentrevista.Esclarecei-me, por quem sois, visconde, dos motivos por que sou repelido. a fim deque me seja permitido remov-los.; Pois bem, j que indiscretamente o exigis e Flvio de Lacordaire chamou a si, parapronunciar esta crua objurgatria, toda a gravidade que o momentoRequeria :

    Quereis os motivos. -los: Quando animei com minha tolerncia as vossaspreferncias pela menina de Lacordaire, era que supunha conhecer-vos atravs dasrespeitveistradies de vossa casa. Hoje, porm, conheo melhor o verdadeiro critrio, o carterpessoal e particular do atual Marqus de SaintPierre, porque mo foi reveladopela nobreza da Corte de Lus Filipe; e por isso me nego a favorecer os vossos

    intentos, por no vos considerar digno bastante da minha confiana.Cumprimentou com um leve movimento de cabea o interlocutor interdito, o qual setornara lvido de indignao, e, chamando o mordomo, exclamou:- A carruagem do Senhor marqus. enquanto acrescentava, dirigindo-se a este:Espero da vossa qualidade e honra de fidalgo, olvideis haver conhecidomademoiselle" de Lacordaire.Emudecido, Gaston fitou longamente o visconde, ferido no mais profundo de sua alma,como atendendo a sbitas revivescncias da subconscincia, que das profundezasdo esprito apontava em de Lacordaire o inimigo implacvel do pretrito, incapaz deperdoar e esquecer. Quis retrucar, revidando o que julgava insulto.Conteve-se, no entanto, vislumbrando em pensamento, como por encanto, a figura

    nobre de seu pai, incapaz que fora de uma ao, de um gesto menos solidrioou delicado, e o qual como que lhe sussurrava aos ouvidos, docemente, naquelemomento gravoso de sua vida:

    Retira-te em paz, meu filho. Ser o mais prudente.Ento, tomou das mos do mordomo o chapu e a bengala que lhe eramapresentados; e, agitando com suprema elegncia sua capa de forros de seda branca,que deixouevolar pela sala ondas de precioso perfume, a fim de tra-la nos ombros, saiu semmesmo cumprimentar o visconde. Ao transpor, porm, o limiar dosalo que acabava de deixar, dirigindo-se para a escadaria, acompanhando o

  • 8/6/2019 Amor e dio (psicografia Yvonne A. Pereira - esprito Charles)

    28/234

    mordomo ouviu, surpreendido, que vibravam estrepitosa gargalhada atrs de si, comoalgumque se rejubilasse com a decepo que acabava de sofrer. Voltou-se bruscamente, nointuito de reconhecer o insensato que assim procedia vislumbrou, ento, comintraduzvelsurpresa, chocando-se at a mais profunda sensibilidade da alma um vultosingular espcie de fantasma humanizado, que, alm, dir-se-ia esconder-se entre osreposteiros. Era uma estranha figura de mancebo, perfil clssico de medalha florentina,cuja indumentria lembraria a Regncia, cabelos em desalinho, o peito tarjado desangue vivo e espumejante, que lhe escorria de horrvel ferimento na garganta, ondeum punhal se cravara.Fora viso rpida, mas que lhe permitira compreenso exata de detalhes.Desorientado, lvido, sentindo a alma contaminada por inslitas vibraes, angustiantese malficas, Gaston desceu as escadarias tocado de alucinao, sembem compreender o que se passava em derredor, somente recuperando o uso normaldo prprio raciocnio quando a carruagem rodava sob as ramadas benfazejas dosvelhoscarvalheiros que o viram nascer.Trs dias depois o divino Apoio" deixava os bosques queridos da aldeia natal a fim deretomar o curso de seus afazeres nas convulses de Paris, enquantoa loura Henriette, banhada em lgrimas, dava entrada no Convento do Sacr-Coeur deRouen, a fim de aprimorar a educao.CAPITULO VGaston de SaintPierre arrendara, em Paris, o primeiro andar de um vasto e nobreedifcio da rua de Lafayette, ali passando a residir. Tratava-se de um bairro

    comercial, e a constante agitao das classes laboriosas movimentava-o at asprimeiras horas da noite. No existia nessa rua qualquer residncia Senhor ia.que indicasse a presena de um aristocrata. Mas d'Arbeville no chegara a seimpressionar seriamente com mais esse episdio de sua j acidentada vida.,Pesava-lhe, certo, a diferena do ambiente, pois fora brusca a mudana do aristocrtico palciode Saint-Germain para a muito prosaica rua de Lafayette. Para quem, como ele,fulgira entre os mais notveis astros da aristocracia, o modesto primeiro andar ondeagora residia seria humilhante.Mas esse jovem, em cujo carter seus detratores teimavam em descobrir tendnciasnegativas, trazia nos refolhos da alma preciosas inclinaes para o Bem, que

    principiavama germinar.O homem vulgar, cuja mentalidade se tisna das caligens dos preconceitos primitivos,alcana e aceita somente aquilo que brutalmente se impe atravs de formas ouatos exteriores, na objetividade passageira das circunstncias de momento. O JuizSupremo, no entanto, atenta de preferncia nas possibilidades que se ocultam nosarcanos da conscincia das suas criaturas, sem se demorar a criticar o exterior, ouseja, as aes que os homens, no raramente, praticamarrastados mais pelas circunstncias favorveis do meio em que vivem do que mesmopor suas verdadeiras inclinaes e vontade. Deus conhece essas possibilidades.

  • 8/6/2019 Amor e dio (psicografia Yvonne A. Pereira - esprito Charles)

    29/234

    As tendncias generosas que houver sero carinhosamente incentivadas dentro doharmonioso mecanismo de Suas prprias leis, as nobres predisposies auxiliadas poroutros tantos fatores que se conjugam na magnfica trama da vida. E as sementes devirtudes que l se deixavam estar, nos refolhos da alma humana, ocultas ao mundo,mas visveis a Deus, germinam, crescem, florescem, frtitificam na primaverasacrossanta da reabilitao. E assim que de um delinqente se elevar probidadedohomem de bem; de um libertino a gravidade da sensatez; de um rprobo a humildade ea solicitude do crente. Deus, o Pai todobondade e toda misericrdia o sbio e paciente jardineiro que cultiva na alma imortalde seus filhos os germens das virtudes com que os dotou a todos.Da porque Gaston d'Arbeville sentia que um senso novo se impunha dentro de seusraciocnios, melhororientando-o para as peripcias que se apresentavam, agora, em sua vida.Alis, que lhe restaria fazer, seno resignar-se vida de seu novo bairro? No era eleprprio, agora, comerciante tambm? No era do trabalho exaustivo, daspreocupaesprofundas de homem de negcios, dos esforos junto a burgueses laboriosos queestava vivendo, contando reabilitar-se, financeiramente, a fim de reconquistar posiopara ofuscar de Lacordaire -e dele receber Henriette? Porventura aqueles burguesessimples, trabalhadores honrados, almas temperadas no cadinho de pelejas rudes,no se mostravam seus amigos desinteressados, sabendo que j bem pouco possua,recebendo-o amistosamente em seumeio, despreocupados da sua reputao de fidalgo?Outrora, conquanto esposando idias liberais, longe se julgava de ombrear-se a

    homens como esses, que agora o serviam nas crticas circunstncias em que seencontrava.Reconhecia-os, agora, nobres e probos. Admirava-os. Grandiosa qualidade reconheciaque era, no corao de um ser humano, a ausncia do orgulhode casta.Preocupado com estas ilaes do prprio raciocnio, porm, resignado, sentiu-se bemna singeleza do seu primeiro andar. Alis, seu bom gosto de artista, os desvelosde seu criado de quarto, que jamais abandonaria o amo, e a solicitude materna, que lheprovera as malas de tudo o que fosse til e agradvel, transformaram sua casaem habitao encantadora, qual nem mesmo faltava o encanto de alguns tabuleirosricamente floridos ao longo do terrao, transformando-o

    em aprazvel jardim suspenso.Entregara-se, ento, com labor digno de elogios, s atividades da sua associao, eembrenhava-se no mundo das finanas internacionais, interessando-se pelos produtosde toda natureza. O senso de responsabilidade apresentou-se, inspirado pelo Trabalho,e, despertando-lhe brios novos, serenamente encaminhou-se ao cumprimento dosdeveres profissionais. O valor construtivo de que era capaz revelou-se atravs dasmeritrias e abendioadas lutas inerentes ao trabalho cotidiano, mostrando admirveisqualidades que jaziam adormecidas em seu carter e Gaston, ento, reconheceu oquanto era superior e digno para um homemo fato de viver sua prpria custa, sob a proteo do seu trabalho. Amava seus

  • 8/6/2019 Amor e dio (psicografia Yvonne A. Pereira - esprito Charles)

    30/234

    labores e reconhecia-lhes os encantos. Sua alma de grande idealista perfumara-osde generosos aspectos, de mltiplos atrativos. Reconhecia em seus afazeres um amigoque o guiava sincera e desinteressadamente. Deles fizera uma individualidadedigna de ser amada e respeitada, visto que lhe oferecera socorro em ocasio adversa.O pobre marqus, porm, apesar de tudo,sofria.as horas de repouso tornavam os dissabores e as apreenses do corao avultavam,amargurosas e desconcertantes. Todas as noites, findos os afazeres, e muitas vezesfatigado, Gaston entregava-se ao repouso e, dando asas meditao, aprazia-se emreler pginas do amado livro das recordaes. Os bosques de Pierre, com seusespinheiroscheirosos e as macieiras fecundas, os lagos e jardins de saintecroix, onde desfrutarahoras suavssimas ao ladode Henriette, eram recordaes que ele evocava fielmente, cruciando-se de saudades,vibrando as mesmas dulcssimas emoes experimentadas ento. Mas nemsempre as pginas desse livro sentimental apresentavam detalhes assim fagueiros econfortadores. A lembrana da humilhao infligida por de Lacordaire, revoltava-se,o corao contundido, envergonhado frente a si prprio, vendo-se obrigado aacovardar-se por circunstncias irremovveis no momento.Ento, o corao opresso, a mente torturada pelo clamor angustiante de inelutveiselucubraes, levantava-se agitado e como que irradiando emoes superiores.Empunhava, a harpa, a qual amava com a venerao do verdadeiro artista, ou sentava-se ao piano. A inspirao descia do Infinito para recear-lhe a alma com ondasde ritmos arrebatadores e puros, levando-o a transvasar para a msica a dor que olacerava, assim criando melodias deficas, sonatas ou romanzas, rias ou preldiosque seriam eloqentes expresses da Arte formosa e incomparvel outras vezes,

    preferia sentar-se secretria e escrever. Tomava da grande pluma e traava, em versos maviosos,encantadores poemas buclicos, elegias mimosas, romances sugestivos ou ternos, dasquais,ainda por ele adaptados melodia anteriormente imaginada, dele faziam admirvelintrprete das duas artes divinas Msica e Poesia.Um ms depois de se haver instalado novamente em Paris, Gaston de SaintPierredirigiu-se a Rouen a fim de visitar sua jovem prometida. No conhecia as ordens dovisconde em torno da filha. Julgara, portanto, possvel v-la facilmente, e, ansioso soba impetuosidade do seu carter ardoroso e inquieto, j se imaginava contemplando-a,enternecido lembrana do encanto irresistvel que irradiava de toda a pessoa de sua

    bem-amada. Mas, gentilmente recebido pela superiora dirigente do importanteestabelecimento, na qualidade de parente da menina de Lacordaire, conforme acharapor bem se apresentar, apenas pudera colher informaes acerca de sua sade, poisdeclarara-lhe a respeitvel dama, penalizada dentro da rigidez das suasresponsabilidades, que ordens paternas lhe vedavam permitir nobre educada quaisquer visitas que no apresentassem licena escrita pelo prpriopunho do visconde.Decepcionado, o ansioso marqus confessou-se impotente para remover o inesperadoempeo. Uma ordem do visconde ser-lhe-ia totalmente impossvel obter. As antigasrelaes haviam sido definitivamente rompidas entre as duas casas. A Senhor a

  • 8/6/2019 Amor e dio (psicografia Yvonne A. Pereira - esprito Charles)

    31/234

    Madeleine j no visitava sua amiga viva d'Arbeville; e Flvio Henri, se com seu antigovizinho se encontrava algumas vezes, em Paris, furtava-se mesmo polidez decumpriment-lo.Mas o corao que devotadamente se consagra a outrem geralmente adquire, pelafora das circunstncias, a preciosa virtude da perseverana.Gaston no desesperou ante a declarao da digna religiosa, antes, perseverou nointento que o animava, a si mesmo prometendo o consolo insupervel de revera lirial criatura que lhe perfumara o corao com as suaves essncias de umsentimento sincero e dignificante.Ora, por determinado domingo de cada ms, a ilustre congregao franqueava aopblico seu grande Santurio.Situado de molde a tornar-se independente do edifcio conventual, o Santurio ofereciaaos fiis entrada em seu recinto sem devassar quaisquer dependncias daquele,o qual, no entanto, a este se ligava por comunicaes internas.Uma vez ao ms, portanto, os nobres portes do Santurio descerravam-se emhospitaleiro acolhimento ao mundo. As naves se abarrotavam de fiis e ofcios soleneseram celebrados em honra ao padroeiro. No se fechavam, ento, seno noite, asportas chapeadas da capela. Devotos de todas as classes iam e vinham, patenteandoos ardores das prprias convices. Enfermos acorriam para a splica de milagres emtroca de prendas que, fervorosos, depositavamsobre o altar. Mendigos postavam-se aqui e acol, pelas cercanias, espreitandocompensadoras coletas. Ao meio-dia abriam-se os portes do Dispensrio mantidopela nobre casa, atendendo distribuio de ddivas pobreza a ele filiada, serviosestes desempenhados pelas excelentes mestras e suas educadas, que eramsubstitudas

    alternadamente, de ms a ms. E o dia prosseguia, ruidoso e festivo, entremanifestaes de f e fraternidade.Ao suave anunciar do ngelus, porm, o incenso perfumoso subia em espiraisgraciosas, de turbulos esbraseados. Os grandes lustres de cristal, pendentes daabbadado venerando templo, enchiam-se de luzes fulgurantes. O capelo ornava-se comvistosos paramentos e iniciava seus misteres sacerdotais, coadjuvadopor outros religiosos menores. O rgo vibrava, em notas melanclicas e doces, depureza emocional, suas cordas que se diriam tangidas por delicados frmitosimateriais;e cnticos suaves, que traziam lembrana nomes venerveis de gnios da msica

    sacra, enchiam de melodias a nave repleta de fiis silenciosos, de luzes e perfumes.Eram os ofcios da noite o Te-Deum" com que se encerravam as cerimnias.Ora, enquanto ia e vinha pelos locais descritos, o jovem marqus no s observara queo Santurio era guardado em velrio, durante o dia todo, por duas religiosas,que se revezavam de duas em duas horas, at aos ofcios da noite, como reconheceuem uma delas certa jovem pertencente ao crculo de suas relaes sociais, quandoemParis se vira no apogeu da fortuna.Essa jovem Alice do Fval desaparecera subitamente dos sales, sem que ele jamaisse preocupasse em indagar do seu paradeiro.

  • 8/6/2019 Amor e dio (psicografia Yvonne A. Pereira - esprito Charles)

    32/234

    Deparando-a, agora, sob vus religiosos, surpreendeu-se profundamente, aliando,porm, imediatamente, extraordinria novidade a idia obsedante por que se deixavadominar: comunicar-se com a noiva reclusa.Como tent-lo, porm.Nenhum alvitre lhe socorria a rspida ansiedade.Em qualquer outra circunstncia, ao reconhecer Alice envergando o feio burel demonja, ter-se-ia mantido discreto, no se fazendo reconhecido.Mas, presa de insopitvel impacincia que lhe vinha postergando o senso doraciocnio aproximou-se da jovem religiosa e, apresentando-lhe cumprimentos,manifestou a satisfao, comoa surpresa, de ali encontr-la.Falaram-se durante alguns curtos minutos, segundo o regulamento da casa.No obstante, no decorrer da curta palestra nada mais se atreveu solicitar senoinformaes quanto ao domingoseguinte, obtendo como resposta a desalentadora notcia de que apenas uma vez emcada ms se realizavam as mesmas festividades.Passou-se um longo ms, portanto, durante o qual d'Arbeville se conservara emangustiosa expectativa, sem lograra mais leve notcia do seu dolo.Sob o imprio de enervantes indues, viu chegar, finalmente, a data para novaperegrinao a Rouen.Contando encontrar a jovem prometida nos servios do Dispensrio, uma vez que, noms anterior, ela ali no comparecera, preparara longa missiva confiando-lhe projetosfuturos, renovando afirmativas anteriores, expondo as razes porque deveria ausentar-se por indeterminado prazo, visto que, dentro em breve, deveres

    imperiosos o obrigariam a longas viagens.Entretanto, em chegando ao Dispensrio, e ali se demorando durante todo o tempo dadistribuio das ddivas, no logrou satisfao para a ansiosa expectativa quetrouxera.Vagou, decepcionado e contrafeito, pelas dependncias franqueadas ao pblico,pondo-se a investigar meio seguro de fazer chegar s mos, da menina a ardentemissivaque escrevera.Compreendendo, apreensivo, que o Sol decli