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8/3/2019 AMos Comentario - Portugues
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A TICA NO LIVRO DE AMS: O PROFETA DOS
POBRES, FRACOS E OPRIMIDOS
por Julio Cezar Lazzari Junior1
Resumo: Injustia social no tem poca. Parece onipresente eatemporal. Ao ler o livro de Ams, temos a sensao dele ter sidoescrito em nossa gerao. Este documento que faz parte dasEscrituras dos judeus e dos cristos, um grito de protesto contra a
injustia, opresso e indiferena. Ams foi um homem corajoso.Denunciou os abusos sociais dos homens poderosos de sua poca.No se intimidou com os perigos de se levantar contra reis esacerdotes. Protestou contra a diferena polar na distribuio deriqueza. Censurou a hipocrisia e a prtica religiosa destituda de amor,misericrdia e justia. Assim, seus vaticnios so usados por profetas,poetas e socialistas de todos os tempos, mesmo pelos que nuncaconheceram seus escritos, mas que repetem suas idias essenciais.Palavras-chave: Ams; injustia; direitos; pobres.
Abstract: Social injustice havent time. It seems timeless andomnipresent. Reading the Book of Amos, we feel it has been written inour generation. This document is part of the Scriptures of Jews andChristians is a cry of protest against injustice, oppression andindifference. Amos was a brave man. He denounced the abuse ofsocial powerful men of his time. Do not if intimidated with the dangersto get up against kings and priests. Protested against the polar
difference in distribution wealth. Criticized the hypocrisy and religiouspractice devoid of love, mercy and justice. Thus, his predictions areused by prophets, poets and socialists of all times, even by those whonever knew his writings, but repeated their key ideas.Keywords: Amos; injustice; rights; poor.
1 Bacharel em Teologia, tecnlogo em Comunicao em Marketing, ps-graduado em Marketing
Internacional (Uninove), ps-graduado em Cincias da Religio (PUC) e mestrando em Filosofia (USJT).
E-mail:[email protected] .
mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]8/3/2019 AMos Comentario - Portugues
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A tica no livro de Ams: o profeta dos pobres, fracos e oprimidos
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Introduo: fundo histrico da poca de Ams
Ams foi um profeta que viveu na poca dos reis Uzias e
Jeroboo II (cf. Am 1:1), do sul e do norte de Israel, respectivamente.
Morava numa cidade chamada Tecoa, a qual ficava a dez quilmetros
ao sul de Belm da Judia. Foi contemporneo dos profetas Osias e
Isaas, segundo nos informam os livros dos prprios profetas nos
primeiros versculos (cf. Os 1:1; Is 1:1; Am 1:1); tendo exercido o seu
ministrio proftico entre os anos 786 e 746 a.C., de acordo com
Champlin (cf. Champlin, 2001, p. 3505).2
No estudou em escola deprofetas, no teve treinamento teolgico, mas era um homem do
campo, simples, sendo chamado de boiadeiro, pastor e criador de
sicmoros, uma rvore da famlia da figueira (cf. Hoover, 2008, p.79).
O profeta Ams direcionou as suas profecias tanto para o reino
do norte, cuja capital era Samaria (cf. Am 4:1), como para o reino do
sul, cuja capital era Jud (cf. Am 2:4), bem como, tambm, para outras
naes (cf. Am 1:3 2:3). Para situar o leitor no pano de fundo
histrico que a Bblia fornece sobre a diviso de Israel em dois reinos,
norte e sul, cito o trecho de um artigo de minha autoria, que explica
sumariamente a situao:
O reino unificado de Israel teve fim quando o reiSalomo faleceu e as tribos do norte foram at Roboo,o novo rei, pedir alvio na carga tributria. Roboo,seguindo o conselho impetuoso dos jovens quecresceram com ele, com palavras duras deu a entenderque no s manteria os altos impostos, como os
2
ABblia de Jerusalm (BJ) afirma que Ams pregou no perodo de 783 a 743 a.C. (p. 1246).
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aumentaria, provocando grande revolta entre apopulao, liderada por Jeroboo, que veio a se tornar orei das tribos nortistas. A partir da houve separaoentre as tribos do norte e do sul, na poltica e na religioe, algum tempo depois, Samaria se tornou a capital doreino do norte, enquanto Jerusalm a capital do reino dosul (1 Rs 12). (Lazzari Junior, 2011, p. 31)
Assim, o leitor pode ler a referncia bblica citada e conferir a
informao fornecida pela Bblia Hebraica. Apesar da diviso poltica e
religiosa provocada no antigo reino unificado, segundo a Bblia, e dodio e das guerras que tudo isso gerou3, a mensagem de Ams se
dirige aos dois reinos, sem distino, como se ambos,
independentemente de suas brigas, fossem responsveis diante de
Deus pela forma como agiam. Ou seja, um povo poderia pensar mal
do outro e Jud poderia ver Israel como apstata por ter abandonado
o local oficial do culto divino, mas Ams trata ambos comoresponsveis por suas aes perante o prximo, como povos a quem
Deus tem seus olhos atentos para suas obras.
Ams exerceu o seu ministrio numa poca de prosperidade,
mas de profundas inverses de valores e de princpios ticos.
Segundo o texto bblico, Jeroboo II reinou em Samaria, norte de
Israel, por 41 anos (cf. 2 Rs 14:23). Em sua poca, o territrio de Israel
foi expandido (cf. 2 Rs 14:25,28). Do lado do sul, Uzias fez um grande
reinado, ficando no poder por 55 anos4 (cf. 2 Cr 26:3). Uzias
3 Para conferir uma das guerras entre os reinos do norte e do sul, ver 2 Cr 16.
4 Segundo a Almeida revista e corrigida (ARC). E 52 anos, segundo a Bblia de Jerusalm (BJ) e outras
tradues.
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conquistou alguns territrios filisteus e rabes (cf. 2 Cr 26:6,7) e sua
fama chegou at ao Egito (cf. 2 Cr 26:8). Ele tambm construiu torres
na capital do sul, Jerusalm, cavou poos, fortificou o seu exrcito (cf.
2 Cr 26:9-11) e at era um engenheiro da guerra, inventando armas
para derrotar os seus inimigos (cf. 2 Cr 26:14,15).
As referncias citadas nos do um claro cenrio histrico em
que Ams se situava. A Bblia de Jerusalm(2008) tem um comentrio
sobre Am 1:1, que cita um terremoto:
Esse terremoto , talvez, atestado pelas escavaesarqueolgicas de Hasor, na Galilia superior; deve sersituado nos meados do sculo VIII a.C. De acordo comZc 14,5 (LXX), em conseqncia desse sismo, os valesforam obstrudos. (ibidem, p. 1612)
Assim, se a data fornecida pelo comentrio da Bblia de
Jerusalmest de acordo com a arqueologia para o terremoto citado
no texto bblico, ento a data do terremoto seria a mesma em que o
profeta Ams viveu, no sculo VIII a.C., como informamos no incio.
A Bblia ainda nos fornece um cenrio onde havia muita
prosperidade econmica, o territrio de Israel havia se alargado, a
agricultura recebeu cuidados especiais (cf. 2 Cr 26:10), torres parasentinelas foram construdas e armas de guerra existiam em
abundncia, o que dava bastante segurana para os israelitas.
Embora na anlise espiritual Jeroboo II tenha sido reprovado (cf. 2 Rs
14:24), no sentido poltico-econmico ele foi timo. Uzias, apesar da
sua soberba ao final da vida, alargou os territrios israelitas e trouxe
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prosperidade para o seu povo. A fama de Israel tinha se espalhado
para outros pases. As promessas do pacto mosaico estavam se
cumprindo e tudo parecia correr muito bem.
Entretanto, a prosperidade, a fama e a segurana so coisas
boas que buscamos, mas muitas vezes so seguidas de indiferena
para com os pobres, soberba, egosmo e desejo de acumular mais e
mais, custe o que custar. Isso no quer dizer que todos os ricos,
famosos e prsperos tenham tais adjetivos negativos, mas sabemos
que h uma tendncia muito grande do rico explorar o pobre e ignoraros direitos dos mais fracos. Os direitos conquistados pelos pobres e
minorias foram adquiridos com muita luta, dificuldade, suor, lgrimas e
sangue. neste cenrio de indiferena, explorao, desigualdade,
injustia e falta de amor que o profeta Ams levanta a sua voz e
convida os homens a se voltarem para Deus, que justo e no aceita
que os direitos do prximo sejam violados.
A tica de Ams no o permite ver atos de crueldade contra o
prximo
Vejamos o que diz o profeta sobre o enunciado do ttulo deste
captulo:
Assim diz o Senhor: Por trs transgresses de Gaza, epor quatro, no retirarei o castigo, porque levaram emcativeiro todos os cativos para os entregarem a Edom.(Am 1:6 ARC)
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Os habitantes de Gaza tinham no trfico de pessoas uma
prtica comercial comum. Segundo Champlin, eles
capturavam comunidades inteiras especificamente como propsito de fazer lucro mediante o comrcio deescravos. Os cativos eram vendidos em leiles nosmercados de escravos em Edom. Dali, eram conduzidosa outras pores do mundo. (Champlin, 2001, p. 3510)
Homens eram separados de suas esposas e filhos eram vendidos para
outros povos. Edom, nao que descendeu de Esa, irmo de Jac,cooperava com este comrcio anti-humano. O trfico de pessoas era
punido na Lei de Moiss com a pena de morte. Os homens de Gaza,
conhecidos na Bblia como filisteus, aproveitavam-se das guerras que
venciam, levavam homens como despojos a Edom, que os repassava
para outras naes. Os srios, especialmente a capital Damasco,
tambm cooperavam com o trfico de homens, levando-os tambm
para Edom (Am 1:3). Alm do desespero da guerra, que deixa
destruies irreparveis, mulheres e crianas tinham que ver seus
maridos e pais sendo levados para outros pases. Eles nunca mais se
veriam. Ams, vendo que a maldade tinha alcanado graus
intolerveis, proclama que Gaza e Damasco seriam recompensadasno seu devido tempo, se no houvesse mudana de conduta.
O profeta continua seu sermo ao dizer:
Assim diz o Senhor: Por trs transgresses dos filhos deAmom, e por quatro, no retirarei o castigo, porquefenderam o ventre s grvidas de Gileade, para
dilatarem os seus termos. (Am 1:13 ARC)
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Assim diz o Senhor: Por trs transgresses de Moabe, epor quatro, no retirarei o castigo, porque queimou osossos do rei de Edom, at os reduzir a cal. (Am 2:1 ARC)5
A expresso por trs transgresses dos filhos de Amom, e por
quatro, no retirarei o castigo, significa que eles j tinham
ultrapassado os limites. Para eles, os fins justificavam os meios. No
havia qualquer princpio tico nas relaes internacionais. Mesmo em
guerras, existem regras e limites. Amom ignorou tudo isso. Seuslderes praticavam atos de crueldade de modo intolervel. Ao fazerem
guerras contra outras naes, com o objetivo de alargarem seus
territrios, chegaram a abrir os ventres das mulheres grvidas. As
pobres gestantes, alm de verem seus maridos e filhos assassinados
em invases motivadas pela ganncia, eram brutalmente mortas,
tendo seus ventres rasgados por homens sanguinrios, quearrancavam o feto com as mos, fazendo cesarianas precoces sem
anestesia, com espadas afiadas, matando sem misericrdia. incrvel
como o desejo por conquista cega os homens, fazendo-os
ultrapassarem todos os limites da tica, da misericrdia, do respeito ao
prximo. Ams no suportou saber de tais acontecimentos e sua
indignao contra essa crueldade o levou a sentenciar o castigo da
nao de Amom, visto que todos os limites j tinham sido
5 Para o leitor que quiser conferir como a Bblia explica a origem dos povos amonitas e moabitas, ver Gn
19:36-38, onde ambos teriam sido originados do incesto de L com suas duas filhas.
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ultrapassados. A crueldade de Amom impedia Ams de ficar calado,
ainda que oficialmente ele no fosse um profeta.
Moabe no teve comportamento muito melhor do que seu
irmo Amon. Nem mesmo os mortos eram respeitados. Existe algum
mecanismo em nossa mente que nos leva a acharmos as pessoas que
morrem melhores do que elas realmente foram. Talvez seja um
recurso do nosso crebro que visa no guardarmos rancor dos
falecidos, pelo menos esquecendo o que eles fizeram de mal. Mas os
moabitas j tinham ultrapassado este estgio havia algum tempo. Osossos do rei de Edom tinham sido queimados. Os tmulos eram
violados. Era uma forma cruel de desrespeitar a famlia e o povo de
Edom. Champlin conjectura que
talvez eles [os hebreus] embalassem a noo de quequalquer forma de cremao seria feita em detrimentodo esprito que estava no outro lado da existncia.(Champlin, 2001, p. 3511)
Os moabitas, talvez querendo prejudicar os vivos e as almas que j
tinham partido, queimaram os ossos do falecido rei6. Violar tmulos
desrespeitar os sentimentos dos vivos, as crenas, a reverncia e
sensibilidade que existem neste momento de dor. Ams tambm notolerou tal falta de sentimento e anunciou a sentena contra os
moabitas, que tambm tinham ultrapassado os limites.
6A Bblia de Jerusalm diz o seguinte: A incinerao, que devia tornar a alma infeliz na outra vida, era
para o semita crime abominvel. (p. 1614).
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Ams fala sobre os direitos dos pobres
E se deitam junto a qualquer altar sobre roupas
empenhadas, e na casa dos seus deuses bebem ovinho dos que tinham multado (Am 2:8 ARC)
Os homens ricos da sociedade israelita antiga no saam no
prejuzo em circunstncia alguma. Criavam meios de ganhar dinheiro
de todas as formas e arrancar o mximo que podiam dos menos
favorecidos. Quando a explorao chegava ao limite, a ponto do pobreno ter mais de onde tirar recursos, at mesmo suas roupas eram
penhoradas como garantia. A Lei de Moiss exigia que a restituio de
uma roupa penhorada fosse feita antes do pr-do-sol (cf. Ex 22:26-27).
Entretanto, esse preceito da Lei era ignorado pelos rprobos, os quais,
certamente, achavam brechas na lei para executar tudo o que
desejavam.O profeta continua a registrar suas queixas:
Fazei ouvir isso nos palcios de Asdode, e nos palciosda terra do Egito, e dizei: Ajuntai-vos sobre os montesde Samaria, e vede que grandes alvoroos no meiodela, e os oprimidos dentro dela. (Am 3:9 ARC)
E derribarei a casa de inverno com a casa de vero; eas casas de marfim perecero, e as grandes casastero fim, diz o Senhor. (Am 3:15 ARC)
No reino do norte havia opresso contra o pobre. Isso estava
chegando aos ouvidos das outras naes. A prosperidade econmica
conquistada por Jeroboo II no chegava ao povo. Como costuma
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ocorrer na histria, o rico esmaga o pobre. O padro tico do profeta o
impulsionava a protestar contra a distribuio injusta de riquezas, a
qual levava o pobre a ficar mais pobre, como costuma acontecer
principalmente em pases subdesenvolvidos. Devemos ter em mente
que Israel era uma nao pequena e limitada, em comparao com as
grandes potncias. Tal falta de estrutura levou a prosperidade
econmica a no beneficiar a nao como deveria. Ams pinta um
quadro onde os ricos viviam em casas de marfim, enquanto os pobres
eram oprimidos. No s as casas, mas at as camas eram feitas destematerial caro e precioso (Am 6:4). Segundo Champlin, a arqueologia
evidencia que nesta poca
seus leitos eram decorados com engastes demrmores, com representaes de lrios, veados, lees,esfinges e figuras humanas aladas. Foi um perodo de
vida ociosa, riqueza, arte e lassido moral. (Champlin,2001, p. 3505)
Os ricos so acusados de no fazerem o que reto, ou seja,
de no exercerem o direito (cf. Am 3:10). Eles no s entesouravam
riquezas, como tambm violncia e destruio. a filosofia dos fins
que justificam os meios. O prazer era o fim principal das vidas desteshomens, ainda que para alcanar este alvo tivessem que pisar nos
pobres e oprimidos. Ams enxergava Yahwehcomo um Deus justo,
piedoso, bondoso, que no tolerava o acmulo injusto de riquezas. A
sua lei revelava-o como um ser que cuida dos pobres e ordenava que
o seu povo fizesse o mesmo.
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O cenrio visto por Ams vvido, forte, terrvel. Os ricos, que
viviam em tranquilidade absoluta (cf. Am 6:1), perderiam tudo o que
tinham e seus bens seriam dissolvidos. O prprio inimigo de Israel
seria o executor da justia, fazendo-o colher exatamente aquilo que
plantou. As fortalezas seriam derrubadas e os palcios saqueados
(Am 3:11). Os ricos injustos eram os maiores alvos das duras crticas
do profeta boiadeiro. Na poca em que ele profetizou, Israel ainda no
tinha sofrido sob os cativeiros assrio e babilnico, os quais quase
extinguiram os descendentes de Jac da face da Terra. Ams anunciaque os ricos opressores seriam os primeiros a serem levados para o
cativeiro (cf. Am 6:4-7). Segundo algumas referncias bblicas, sua
predio se cumpriu poca do cativeiro babilnico, onde o primeiro a
ser preso foi o rei, junto com seus filhos (cf. 2 Rs 25:5-7), seguido
pelos sacerdotes (cf. 2 Rs 25:18) e pela cpula real (cf. 2 Rs 25:19).
Tudo isso acontece paralelamente destruio do templo, do palcio
real, dos muros da cidade e das casas dos homens poderosos em
Jerusalm (cf. 2 Rs 25:9,10). O simples profeta, homem sem muita
cultura, trabalhador do campo, anuncia o futuro dos homens
poderosos e opressores, os quais ignoravam princpios ticos nas
relaes interpessoais, deixando de lado o rfo, a viva, o pobre, epensavam apenas em enriquecer, acumular bens, cultivar o prazer,
no se importando se tudo aquilo era conquistado s custas do
trabalho dos que possuam muito pouco e no tinham qualquer direito
de aproveitar as coisas boas da vida. A semente da opresso havia
sido plantada e no devido tempo eles colheriam esses frutos.
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A queixa do profeta segue livre curso:
Portanto, visto que pisais o pobre, e dele exigis um
tributo de trigo, edificareis casas de pedras lavradas,mas nelas no habitareis; vinhas desejveis plantareis,mas no bebereis do seu vinho. (Am 5:11 ARC)
Uma das maneiras de empobrecer uma nao impondo uma
alta carga tributria e no retribuir estes impostos em benefcios para
as pessoas. Em muitos pases do mundo, em especial na frica, os
lderes nacionais vivem vidas luxuosas, enquanto a populao sequertem o que comer. Enquanto estava no auge, Saddam Hussein vivia no
luxo, tendo torneiras de ouro em seu palcio, enquanto os iraquianos
sempre foram muito pobres. No Brasil, segundo o Instituto Brasileiro
de Planejamento Tributrio (IBPT) a carga tributria ficou em 35,13%
do PIB, em 2010 (cf. Alvarenga, 2011). Segundo o mesmo instituto, o
brasileiro precisa trabalhar 149 dias por ano para pagar todos os
impostos nas esferas federal, estadual e municipal. Para termos a
noo de quanto trabalhamos, a pesquisa do IBPT aponta que nos
Estados Unidos o trabalhador dedica 102 dias de trabalho em um ano
para pagar tributos (cf. Falco, 2011). O salrio de um deputado
federal, no nosso pas, de 26,7 mil reais, em junho de 2011 (cf.Bresciani, 2011). Por outro lado, dados do Censo 2010 do IBGE
informam que 56% dos lares brasileiros tm renda per capita (por cada
habitante do lar) menor que um salrio mnimo por ms 510 reais na
poca em que a pesquisa foi realizada (cf. Mais da metade..., 2011).
Se Ams vivesse em nossos dias, ele estaria protestando de maneira
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veemente contra o quadro de injustia social e m distribuio de
renda. Polticos de diversos cargos seriam alvos de sua crtica por
causa da explorao por meio dos impostos e da no-devoluo
destes recursos em benefcios.
Ams continua a falar:
Porque sei que so muitas as vossas transgresses, eenormes os vossos pecados: afligis o justo, tomaisresgate, e rejeitais os necessitados na porta. (Am 5:12
ARC)
Alm de serem tributados injustamente e explorados, os pobres
tambm eram deixados de lado quando procuravam a justia. A porta
o termo utilizado para falar do lugar de julgamento, onde os
magistrados atuavam.7 Apesar da prosperidade, Israel era uma nao
corrupta. Como costuma ocorrer, os pobres so preteridos na hora dereceberem o que tm direito. Os ricos afligiam o justo, subornando os
juzes e comprando sentenas. O profeta no tolerou ver homens
revestidos de autoridade sendo corrompidos de modo to baixo,
tomando decises com base no poder aquisitivo dos indivduos. Se
Ams vivesse em nossa sociedade, certamente ele teria muitos
processos judiciais contra si. Isso porque as crticas dele no eram
genricas, como dos apresentadores sensacionalistas de televiso,
mas tinham nome e endereo. Ele no se intimidou em censurar os
poderosos da sociedade, pois no estava interessado no que eles
7 ANova verso internacional (NVI) traduz parte deste versculo assim: Vocs oprimem o justo, recebem
suborno e impedem que se faa justia ao pobre nos tribunais.
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tinham a oferecer. comum vermos Igreja e Estado andando de mos
dadas para desfrutarem do poder que um pode proporcionar ao outro.
Para um homem como Ams, isso seria impensvel. Ele no aliviaria
os seus discursos pesados por interesses polticos. No podia ignorar
que somente os pobres eram punidos, enquanto os ricos criminosos
estavam em paz e tranquilos.
Ams pe a sua cabea em risco ao defender os fracos e
atacar os opressores. Quem est no poder no quer modificaes. As
mudanas normalmente surgem como reivindicaes de quem noest satisfeito. Comumente h perseguio, censura, calnia e
opresso. O poder estabelecido, geralmente da religio e do Estado,
busca calar a boca destes profetas, sejam religiosos, sejam
comunistas ateus, sejam filsofos, sejam quem forem. O sacerdote,
representando a religio estabelecida, denuncia Ams diante do rei (cf.
Am 7:10), pois o profeta tinha anunciado a espada contra Jeroboo II
(cf. Am 7:9). O profeta convidado a se retirar do norte e ir para o sul
(cf. Am 7:12,13). O que ele pregava incomodava a elite. Nenhum
homem que se levante contra a corrupo do sistema deixa de ser
perseguido. Nenhuma pessoa que tenha elevados padres ticos, que
tem compaixo, vive em plena tranquilidade. O poder estabelecidovende a idia de que tudo est timo. A propaganda falsa costuma ser
uma das armas do sistema corrupto, mentiroso e injusto.
Ams era uma pessoa sensvel e inteligente, apesar de ter sido
um homem simples. A sabedoria no vem apenas dos ttulos
acadmicos, mas da vivncia. A inteligncia no escrava do
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conhecimento, mas amiga da sensibilidade e da sensatez. O profeta
no podia ficar quieto ao ver a nao prosperar em todos os sentidos,
mas continuar sendo desigual.
A religio vazia da gerao de Ams
Apesar do cenrio de corrupo moral que existia em Israel
poca de Ams, as pessoas no deixaram de ser religiosas,
contrastando com o comportamento dos hebreus quando voltaram do
exlio da Babilnia, onde at mesmo os sacrifcios da religio judaicaforam negligenciados (cf. Ag 1:3-9; Ml 1:6-8,12-14; 3:8-10). Todavia,
na poca de Ams os preceitos da lei mosaica eram obedecidos com
rigor e os rituais eram feitos com muita dedicao. Certamente os
sacerdotes tambm participavam da corrupo moral que existia em
Israel, mas ficavam satisfeitos porque o povo trazia os sacrifcios que
estavam ordenados na Tor, os quais eram desfrutados por eles.
As prticas religiosas dos contemporneos de Ams so
descritas por ele. Vejamos:
Aborreo, desprezo as vossas festas, e as vossasassemblias solenes no me do nenhum prazer.
E, ainda que me ofereais holocaustos, e ofertas demanjares, no me agradarei delas: nem atentarei paraas ofertas pacficas de vossos animais gordos.Afasta de mim o estrpito dos teus cnticos; porque noouvirei as melodias dos teus instrumentos. (Am 5:21-23 ARC)
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Este discurso irritou a cpula sacerdotal, visto que os rituais do
templo so tratados como inteis, pois eram feitos por uma gerao
que vivia uma religio vazia, desprezando o amor ao prximo, o
respeito, a justia. Os religiosos acreditavam que os sacrifcios por
eles oferecidos cancelavam os seus pecados, as suas maldades,
como se aps cada oferenda aos sacerdotes, as contas deles fossem
zeradas. O profeta alfineta, com seus duros discursos, a conscincia
de quem cria que rituais eram mais importantes do que carter. Pior
ainda, ele censura os homens que acreditavam que os rituais dareligio permitiam a eles viverem de maneira injusta.
Em contraste com o ritual vazio, Ams demonstra o que deve
acompanhar a verdadeira religio: Corra porm o juzo como as
guas, e a justia como o ribeiro impetuoso (Am 5:24 ARC). A
religio cheia de rituais, metdica, com generosidade nas doaes
para o templo, de nada valia se no houvesse amor ao prximo. O
profeta exorta aos seus ouvintes e leitores de que nada vale ser
religioso se no for justo. Nenhuma religio que oprime os pobres,
fracos, minorias ou quem quer que seja boa. Ams certamente
observava a hipocrisia daqueles homens ao terem aparncia de
piedade. Em um paralelo a este assunto, embora contextualizando oritual ao da Igreja Catlica, Leonardo Boff diz o seguinte:
Como celebrar dignamente, consoante a natureza doprprio gesto de Jesus, a eucaristia num mundo deinjustias e de violaes dos direitos humanos? Pode-seater-se somente ao aspecto pessoal de adorao? Queligao existe entre culto eucarstico e justia e
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fraternidade? Esta questo nos coloca no corao dodiscurso proftico, no cerne da preocupao de S.Paulo quando fala da eucaristia, finalmente, no prprioensino de Jesus conservado pelo evangelista S.Mateus. (Boff, 1984, pp. 107-108)
Boff contrasta o ato do sacrifcio de Cristo com a frase a
natureza do prprio gesto de Jesus com a celebrao da eucaristia,
que representa o ato do sacrifcio em prol de todos. O telogo
questiona a ligao entre o rito e a ao, entre a prtica religiosa e a
relao com o prximo, inclusive citando, alm do ensino de Jesus, o
discurso de Paulo aos corntios, onde, segundo escreve o apstolo, os
cristos participavam da Ceia mas ajudavam a aumentar o sofrimento
de quem praticamente no possua nada (cf. 1 Co 11:17-22). A crtica
de Boff se dirige ao mesmo tipo de pessoas que Ams censurou.
Indivduos que se preocupavam mais com a religio do que com o serhumano que deve ser beneficiado por ela. Eram pessoas que
acreditavam que Deus se importava mais com os ritos do que com a
justia e a misericrdia.
Para agravar ainda mais o baixo nvel da gerao da qual
estamos falando, ela no queria qualquer tipo de mudana, pois sua
vida confortvel, para aquela mentalidade, era sinal de aprovao
divina. A liderana religiosa no queria receber qualquer tipo de
repreenso (cf. Am 7:13). Talvez o sacerdote, com todo o
conhecimento e pompa que tinha, tenha se sentido ultrajado ao ser
corrigido por um simples homem do campo. Quem era ele para falar
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A tica no livro de Ams: o profeta dos pobres, fracos e oprimidos
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com tal ousadia? Aquela gerao era soberba (cf. Am 6:8) e nenhum
discurso sobre tica a faria mudar sua conduta.
Ams, com muita persistncia, convida os habitantes do norte a
olharem para Calne, Hamate e Gate, para carem em si e enxergarem
que estavam se superestimando (cf. Am 6:2). Calne e Hamate,
localizadas ao norte de Ar, teriam sido dominadas pela Assria entre
854 e 845 a.C., aproximadamente. Gate teria sido destruda por
Hazael, rei de Ar, em 815 a.C. (cf. Champlin, 2001, p. 3524). Os
samaritanos deveriam olhar para estas cidades e ver que o mesmoaconteceria a eles, se continuassem a serem prepotentes e injustos.
Israel no tinha motivos para crer que era melhor do que estas
cidades, as quais, na sua exaltao, foram humilhadas.
A insistncia de Ams intil, pois os ricos daquela gerao
continuariam esmagando os pobres e miserveis (cf. Am 8:4) e
fazendo da justia algo amargo (cf. Am 5:7; 6:12). Aqueles que tinham
tido oportunidade de estudar e ter uma criao diferenciada eram os
mais insensveis. O conhecimento da Tor no os levou a terem bons
princpios ticos e a serem homens de bem. A verdade ecoa sua voz
atravs do boiadeiro, que repreendeu os reinos do norte e do sul de
Israel, bem como as outras naes que ignoravam os direitos doprximo e cometiam barbaridades.
Consideraes finais
O cenrio visto e criticado por Ams se repete a todo o
momento, em toda a histria. Este diagnstico pode nos causar um
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Espiritualidade Libertria, So Paulo, n. 3, 1. sem. 2011, pp. 91-111.
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profundo desnimo, mas, em meio maldade, sempre surgem
homens protestando contra os poderosos opressores. Pessoas com
ideologia, que no se vendem para o sistema.
Elas aparecem em toda a parte. Podem ser crists,
muulmanas, budistas ou sem religio. Mesmo sendo ateu, Karl Marx
foi uma espcie de profeta da sua gerao, denunciando o que os
profetas da Bblia j tinham criticado no passado. A Teologia da
Libertao tambm ecoou as vozes dos mensageiros divinos para o
nosso tempo, mostrando que a Igreja no pode se aliar elite e seesquecer dos pobres.
A boca de Ams no foi amordaada. poca quiseram cal-
lo, mas no conseguiram. Sua mensagem est espalhada em todos os
lugares onde h injustia. Os seus representantes contemporneos,
ainda que no conheam os seus escritos, continuam clamando contra
os poderosos nos EUA, na frica, na Amrica Latina e em qualquer
lugar onde haja desigualdade, opresso e misria. Os ricos, por mais
que vivam no conforto, sempre sero incomodados por homens como
Ams, pois a indignao contra a opresso no est limitada ao
judasmo ou ao cristianismo. Ela brota em qualquer corao sensvel,
em qualquer alma que no tenha sido deformada pela ganncia.A tica de Ams dizia que as necessidades humanas valiam
mais do que os rituais da religio, ainda que estes ltimos no
tivessem sido invalidados por ele, por si s, mas sim porque eram
feitos sem conscincia, sem reflexo, desacompanhados da justia e
do bom senso. Ao canonizarem este livro, o qual faz parte da Bblia
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A tica no livro de Ams: o profeta dos pobres, fracos e oprimidos
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Hebraica, os judeus reconheceram que ele estava certo e que seus
antepassados foram repreendidos com justia. Esta atitude,
certamente, fez do judasmo uma religio de irmandade, a qual busca
a justia e o equilbrio social entre os seus membros. Que a voz de
Ams continue ecoando em nossa sociedade, por meio de todos
aqueles que so sensveis, inteligentes e tm ideais.
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