Amy Yoes. O Independente, October 1988

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  • 8/3/2019 Amy Yoes. O Independente, October 1988

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    EXPOSiES

    Pedaos de anjosdem se concebe. Um caos onde j existe, nas palavras deAnton Ehrenzweig, uma hid-den order0/art.A (Ordem encoberta dasfotografias de Amy Yoes reside essencialmente no reduzido nmero de objectos quepassam pelas suas composies, objectos que aprendemos a reconhecer. Ora a preto e branco, ora a cores, estesobjectos - que so quase

    e panejamentos e, finalmente, as mozinhas persistentesde um boneco de mola numconstante e mudo apelo. Oteor decorativo parece sugerir que a artista se preparapara montar um palco - umpalco que nunca chega a materializar-se. So cenriosque ficam sempre no registodo possvel e do prospectivo.O que nos apresentado , defacto, o caos no qual a or-

    AMV VOES confrontados com o brica-ESCULTURA, FOTOGRAFIA, braque, qui fortuito, deGaleria Monumental, Campo quotidianos consumeristas,Mrtires da Ptria 101, construidos e desconstrudosLisboa; 1520 horas, excepto em composies sumptuosas

    segundas. _ cornucpias a abarrotarAmarca principal das de azulejos, pedaos de talhafotografias de Amy pintada ou dourada, candeei-Yoes o seu sentido da ros art nouveau, frascos de . abundncia, do dobrar plstico, volutas, urnas fune- e desdobrar de um espao rrias h muito abandona-que, em esprito, verdadei- das, flores em papel deramente barroco. Somos alumnio, uvas Ersatz, caixas .

    4 IV-I8 o INDEPENDENTE. 21 DE OUTUBRO DE 1988

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    sempre de prazer. e no deutilidade - so submetidos aum processo de montagemque, de incio, parece assemelhar-se ao bricolage: o recolher e juntar de materialheterogneo preexistente que o verdadeiro esprito subjacente, por exemplo, s colagens de Picasso, sConstrues Merz de Schwitters, j para no falar dasconstrues fantsticas doFacteur Cheval. Na clebredefinio de Lvi-Strauss, oselementos recolhidos pelobricoleur so preexistentes eas finalidades a que so subordinados no dependemda disponibilidade de matria-prima ou de instrumentosconcebidos e adquiridos es-pecificamente para o projecto em curso. Pelo contrrio,o universo de instrumentosdo bricoleur limitado e aregra principal do seu jogo sempre a de se satisfazer como que tem mo.

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    Ao serviodo bom gosto

    Mas, no verdadeiro esprito dos anos 80, os brico/agesdesta jovem artista - nascida na RFA em 1959 e agoraradicada em Chicago - noso de forma alguma comparveis com as construesnafves do Facteur Cheval. verdade que encontramosi asrie finita mas heterogneade elementos. S que esteselementos no estavam mo - foram, pelo contrrio, cuidadosamente seleccionados, no s pelas suas tonalidades e formas arabescas, como pela atmosfera vagamente kitsch e retro de que~ s t o imbudos e que realada pela iluminaoamarelada. Tudo ao serviodo bom gosto. Um gostofunkye desafinado, ningumduvida, mas sempre um bomgosto que se difunde atravsdo fragmentado, do enjeitado, do aleatrio. Estes elementos so ainda sujeitosao mecanismo distanciadorda reproduo mecnica. Fotografados, colados e refotografados, eles dependemdos instrumentos especializados que os servem - as lentes,os trips, as iluminaes - ,ao contrrio do que se passacom o brim/age. Consequentemente, a heterogeneidadedos materiais de origem absorvida pela uniformidadebrilhante e limpa da impresso fotogrfica resultante:estas obras so irnicas, enquanto que o brico/age ingnuo.

    J as esculturas expostas,apesar de lidarem tambmcom ideias de unidade e heterogeneidade, no so to bemsucedidas. As duas peas verticais sugerem que a artistaainda est pouco vontadecom a dureza do mrmore e

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    com as exigncias do trabalho tridimensional. O empilhar de elementos - pe-daos de mrmore com asasvestigiais - evoca" obr..l deJos Pedro Croft com quemAmy Yoes wntactou no ate-lier Made ln em Alenquer,mas sem a subtileza e sofisticao do.escultor. A verdade que, apesar das asas, estestrabalhos no chegam avoar. A instalao no jardimda galeria - uma fonte\>constituda de uma srie deurnas/balastres de mrmore pousadas no cho e ligadasentre si por uma mangueira- uma obra ldica e atlrica. O seu parente maisprximo no nenhum dostrabalhos expostos na galeria, mas a instalao que aartista montou no tanque ejardim do Palcio Fronteira.Na Monumental, as obrasde parede - urnas partidas epedaos de molduras e volutas em equilbrio precrio edinmico - so mais felizesque as peas verticais. Ape-. sar das aluses a fragmentosarqueolgicos expostos emmuseus, a referncia principal destas obras , de facto,as fotografias da prpria artista ..

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    Representaesde sonhosQuanto a estas, as suas re-cia s o ariada. a tra-lha arJ'umada deTony Cragg

    dos princpios dos anos 80, osrelevos manifestamente barrocos de Frank Stella e os 10-bleaux nostlgicos que deramfama a Joseph Cornell. Nopanfleto que acompanha aexposio, a artista exprime oseu interesse pela (Ordem quese assemelha ao caos, mas,na verdade, os trabalhos maisbem sucedidos so aquelesem que a ordem se assemelhaa... ordem. As fotografiassem ttulo n.OS I e 2 destacam:-se como particularmente felizes, pela forma como nelas aabundncia contrastadacom a estrutura. Noutros trabalhos, porm, a falta de diferenciao de escala dos elementos reproduzidos acompanha um horror vacui,.criando uma espcie de im-

    . passe visual para o espectador.Talvez o aspecto mais interessante da obra de AmyVoes seja a sua qualidade obsessiva - o constante enchere esvaziar de espaos, a compulso de repetir que, sabemo-lo todos, uma das pulses profundas das nossas vi- das interiores. Vindos de. ummuseu privado de memrias- mesmo se um pouco teatralizadas -, os objectos fotografados parecem ser manifestamente fsicas (rastos) desonhos. Ou de representaes de sonhos ...

    Ruth Rosengarten