Upload
dangmien
View
220
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL PARA A SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E SAÚDE
Ana Paula Caetano de Menezes Soares
O MODO DE APRENDIZAGEM DO PACIENTE OBESO E ADESÃO AO TRATAMENTO
Rio de Janeiro
2009
Ana Paula Caetano de Menezes Soares
O MODO DE APRENDIZAGEM DO PACIENTE OBESO E ADESÃO AO TRATAMENTO
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Saúde, Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação em Ciências e Saúde.
Orientador: Prof. Dr. Maurício de Abreu Pinto Peixoto – NUTES/UFRJ
Rio de Janeiro
2009
Soares, Ana Paula Caetano de Menezes
O modo de aprendizagem do paciente obeso e adesão ao tratamento / Ana Paula Caetano de Menezes Soares. -- Rio de Janeiro: UFRJ/ Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, 2009.
151 f. ; 31 cm.
Orientadores: Maurício de Abreu Pinto Peixoto
Dissertação (mestrado) – UFRJ / Centro de Ciências da Saúde Pós- graduação em Educação em Ciências e Saúde, 2009.
Referências bibliográficas: f. 111-120 1. Obesidade. 2. Educação alimentar e nutricional. 3. Aprendizagem. 4. Idiossincrasia. 5. Estudo comparativo. 6. Educação em Ciências e Saúde – Tese. I. Peixoto, Maurício de Abreu Pinto. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro de Ciências da Saúde, Pós-graduação em Ciências e Saúde. III. Título.
ANA PAULA CAETANO DE MENEZES SOARES
O MODO DE APRENDIZAGEM DO PACIENTE OBESO E ADESÃO AO TRATAMENTO
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Saúde, Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação em Ciências e Saúde.
Rio de Janeiro,
__________________________________________
Prof. Dr. Maurício de Abreu Pinto Peixoto/NUTES – UFRJ
__________________________________________
Prof. Dr. Marcos Antônio Gomes Brandão/EEAN – UFRJ
___________________________________________
Profª Dra. Victória Maria Brant Ribeiro/ NUTES – UF RJ
Dedico este estudo a todas as pessoas com excesso de peso que eu já atendi em minha caminhada como conselheira nutricional, que ao me confiar suas angústias e dificuldades de renúncia e transformação, me auxiliaram a vislumbrar e delinear o perfil profissional que eu desejara.
AGRADECIMENTOS
À Deus, pela vida e pelo lenitivo da fé, que trouxe coragem e perseverança, para vencer cada
etapa desta longa caminhada;
Ao Prof. Dr. Maurício Abreu Pinto Peixoto, pela acolhida e pela orientação criteriosa, sempre
me ajudando a pensar, tomar consciência e monitorar meu próprio aprendizado;
Aos meus pais, Ailton Teles de Menezes e Lenyr Caetano de Menezes, sem os quais esta
jornada nunca teria deixado de ser um sonho para se tornar realidade;
Ao meu amado esposo Márcio José Soares, pelo apoio incondicional e paciência com as
minhas ausências e ansiedades;
À minha querida madrinha Lair de Souza Caetano pelas preces e incentivo, mas
principalmente pelo exemplo de seus 80 anos de vida;
Aos nutricionistas e amigos, docentes do Curso de Nutrição do Centro Universitário de Volta
Redonda, pelas palavras e gestos de estímulo, principalmente à Profª Ms Adriana Hocayen de
Paula, ex-coordenadora do curso e cujo apoio foi imprescindível para esta realização;
À Ivanete Rosa de Oliveira, pela generosa contribuição e pelo incentivo desde o anteprojeto
do processo seletivo;
À Paulo Roberto Araújo, meu companheiro de viagem, pelas nossas conversas
compartilhando o cansaço, as angústias e alegrias;
Aos meus colegas de turma pela união, descontração e espírito de equipe, tanto durante as
aulas quanto no grupo da internet;
Aos amigos, membros do Grupo de Estudos em Aprendizagem e Cognição (GEAC), pelas
contribuições valiosas a este trabalho e ao meu processo de construção do conhecimento;
Aos amigos e irmãos do Pronto Socorro Espírita à Caminho da Paz, pelas preces constantes,
por relevarem minhas ausências e desculpas, e pelo trabalho de autodescoberta que tanto me
ajudou nesta jornada;
Aos meus sogros e cunhados pelo apoio silencioso, mas cheio de carinho e cuidado.
RESUMO
SOARES, A.P.C.M. O modo de aprendizagem do paciente obeso e adesão ao tratamento. Rio de Janeiro, 2009. 151p. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Saúde) – NUTES/CCS. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2009.
Estudou-se sob um viés cognitivista, a relação existente entre o modo de aprender o
autocuidado da obesidade e a adesão ao tratamento, manifestado por dezesseis pacientes de
Ambulatório de Nutrição de um campus universitário. Os dois modos de aprendizagem –
aquisitivo e interativo – são propostos por Barnes (1995), a partir do referencial teórico
humanista de Fromm (1987). Os sujeitos estudados foram divididos em três grupos: a)
indivíduos obesos que abandonaram o tratamento ou b) que sendo assíduos ao mesmo,
também não aderiram a ele e, c) eutróficos e pré-obesos com história pregressa de obesidade,
que tenham emagrecido com reeducação alimentar e exercício físico, ou ainda depois de
submetidos à Cirurgia Bariátrica. Por meio de entrevistas abertas semi-estruturadas, esta
pesquisa estratégica, verificou que: 1) na maior parte dos pacientes que evadiram ao
tratamento com insucesso no mesmo; observou-se aproximação ao modo de aprendizagem
aquisitivo, 2) todos aqueles que emagreceram pós-cirurgia demonstraram possíveis
aproximações da aquisição antes da cirurgia e da interação depois de submetidos a mesma, e
3) os pacientes que perderam peso com reeducação de hábitos alimentares e estilo de vida
aproximaram-se do modo interativo. Finalmente, observou-se a importância de se considerar
os aspectos cognitivos idiossincrásicos de cada paciente no processo de educação nutricional,
no sentido de lograr adesão do paciente ao tratamento.
Palavras chaves: OBESIDADE. ADESÃO AO TRATAMENTO. MODO AQUISITIVO. MODO INTERATIVO.
ABSTRACT
SOARES, A.P.C.M. The obese patient way of learning and the adhesion to the treatment. Rio de Janeiro, 2009. 151p. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Saúde) – NUTES/CCS. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2009.
The existing relation between the obesity self-care way of learning and the treatment adhesion
was studied under a cognitive tendency, in sixteen patients from a university campus
Nutrition Ambulatory. Acquisitive and interactive ways of learning are proposed by Barnes
(1995), through Fromm’s theoretical humanist referential. The subjects studied were divided
into three groups: a) obese individuals that had abandoned treatment or b) that even sedulous
to the same, didn’t join it and, c) eutrophic and pre-obese with previous obesity history, that
had lost weight through feeding reeducation and physical exercises, or after undergoing
Bariatric Surgery. Through open and semi-structured interviews, this strategic research,
verified that: 1) in most part of the patients who left the treatment unsuccessfully; closeness to
the acquisitive way of learning was observed, 2) all of those who lost weight post-surgery
demonstrated possible closeness to acquisition before the surgery and interaction after
undergoing surgery, 3) the patients who lost weight through feeding habits and life style
reeducation were close to the interactive way. Finally, it was observed the importance of
taking into consideration idiosyncrasies cognitive aspects of each patient in the process of
nutritional education, in a way of applying the patient into the treatment.
Keywords: OBESITY. TREATMENT ADHESION. ACQUISITIVE WAY. INTERACTIVE WAY.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1. Associação do objeto de estudo.................................................................................19
Figura 2. Categorias cognitivistas.............................................................................................39
Quadro 1. Características dos dois modos de aprendizagem na obesidade.........................49-50
Quadro 2. Quadro comparativo dos critérios de classificação de João.....................................64
Quadro 3. Quadro de aprendizagem de Alice...........................................................................65
Quadro 4. Resumo da história de Iolanda.................................................................................66
Figura 3. Contingência qualitativa de resultados......................................................................68
Quadro 5. Manifestações e/ou relatos explícitos dos critérios de classificação para a
aquisição..............................................................................................................................69-73
Quadro 6. Manifestações e/ou relatos explícitos dos critérios de classificação para a
interação...............................................................................................................................88-89
Figura 4. Aspectos modulados pelos dois modos de aprendizagem.......................................101
Quadro 7. Quadro comparativo dos critérios de classificação de Mateus..............................103
Quadro 8. Manifestações dos critérios de classificação da aquisição nos relatos de Mateus..............................................................................................................................104-105
Quadro 9. Manifestações dos critérios de classificação da interação nos relatos de João......107
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO ..........................................................................................11
1.1 Sentido Pessoal ..................................................................................................................15
1.2 O Problema ........................................................................................................................16
1.3 Construção do objeto .........................................................................................................18
1.4 Delimitação do objeto ........................................................................................................20
1.5 Justificativa........................................................................................................................22
CAPÍTULO 2 – OBESIDADE: DO COLETIVO AO INDIVIDUAL.. .............................24
2.1 Aspectos gerais...................................................................................................................25
2.2 Bases psicossociais, econômicas e culturais da obesidade ..............................................28
2.3 Adesão e abandono ao tratamento da obesidade..............................................................32
CAPÍTULO 3 – APROFUNDAMENTO DO OBJETO .....................................................36
3.1 Aproximações com o contexto da aprendizagem..............................................................37
3.1.1 Cognitivismo ............................................................................................................38
3.1.2 Dois modos de aprender...........................................................................................49
3.2 Aquisição e interação na obesidade..................................................................................54
3.3 Procedimentos Metodológicos...........................................................................................59
3.3.1 O contexto do estudo................................................................................................52
3.3.2 Os sujeitos do estudo................................................................................................53
3.3.3 A coleta de dados .....................................................................................................54
3.3.4 Critérios de classificação..........................................................................................59
3.3.5 Análise dos dados.....................................................................................................62
CAPÍTULO 4 – AS MANIFESTAÇÕES DOS DOIS MODOS DE APRENDIZAGEM 67
4.1 Aquisição............................................................................................................................69
4.1.1 Da obesidade ............................................................................................................74
4.1.2 Do comportamento alimentar...................................................................................77
4.1.3 Da atitude diante do tratamento dietético.................................................................81
4.2 Transição da aquisição para a interação..........................................................................99
4.3 Interação ............................................................................................................................87
4.3.1 Da obesidade ............................................................................................................90
4.3.2 Do comportamento alimentar...................................................................................93
4.3.3 Da atitude diante do tratamento dietético.................................................................96
4.4 Comparação entre os modos de aprendizagem ................................................................98
4.5 Mateus e João: os casos “negativos”..............................................................................101
CAPÍTULO 5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................108
6- REFERÊNCIAS ...............................................................................................................111
APÊNDICES.........................................................................................................................139
APÊNDICE A – Quadros de aprendizagem.........................................................................122
APÊNDICE B – Resumo das histórias.................................................................................138
ANEXOS ...............................................................................................................................146
ANEXO A – Pontos de corte do IMC....................................................................................147
ANEXO B – Resolução CFN N° 417/2008............................................................................148
ANEXO C – Termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE)......................................150
ANEXO D – Aprovação do Comitê de Ética ........................................................................151
VtÑ•àâÄÉ D „ \ÇàÜÉwâ†ûÉ
12
1 INTRODUÇÃO
O presente estudo busca, por meio de trabalho empírico, em pesquisa qualitativa e
suporte teórico, observar e compreender fenômenos que emergem das relações estabelecidas
no campo da Educação em Saúde, mais especificamente a área da Educação Nutricional. Seu
objeto foi construído a partir de problema relacionado à prática de um profissional de saúde –
conselheiro nutricional – que lida com pacientes obesos, em um Ambulatório de Nutrição de
um campus universitário. O problema refere-se à baixa adesão ao tratamento e consequente
insucesso na perda ponderal.
Há algum tempo, este problema vem sendo trabalhado por outros autores (ASSIS
& NAHAS, 1999; RIEBE et al, 2003; EDMUNDS et al, 2007), porém com pouco sucesso.
Em que pese suas valiosas contribuições, além das de outros trabalhos, as abordagens em
geral são quantitativas e/ou de estado da arte dos trabalhos publicados na década de 1990. Em
síntese, os trabalhos anteriores estudaram, principalmente, aspectos relacionados à motivação
(HOLLI & CALABRESE, 1991; STERNBERG, 1993; ROLLNICK, 1996 apud ASSIS &
NAHAS, 1999) e à mudança de comportamento, de fundamentação comportamental implícita
(HASLER et al, 2004; RIEBE et al, 2005; LIOU & BAUER, 2007; JOHNSON et al, 2008).
Esta pesquisa enfoca outro aspecto do problema. Já que os caminhos anteriores –
motivação e comportamento – obtiveram pouco sucesso terapêutico, dirigimos nossa atenção
à aprendizagem. Assim, nosso pressuposto é que a obesidade apresenta-se, entre outras, como
decorrente de uma visão de mundo aprendida e apreendida. Por isso, se há alguma chance de
sucesso, esta deve se localizar na compreensão e posterior terapia dos processos
idiossincrásicos de aprendizagem. Mais especificamente, esta pesquisa se debruça sobre os
significados pessoais da obesidade, em pacientes de tratamento com conselheiro nutricional.
Aprender é, aqui definido, como processo que torna o indivíduo capaz de mudar
seu comportamento a partir da apreensão de conhecimentos e habilidades que o transformam
e o enriquecem tanto ético-socialmente quanto intelecto-culturalmente (LAJONQUIÈRE,
1992; BERBAUM, 1993).
Nos últimos anos, estudos do GEAC (Grupo de Estudos em Aprendizagem e
Cognição) têm demonstrado que a maneira de aprender um dado conteúdo adquire
13
importância no desempenho posterior do aprendiz. Por exemplo: Pinto (2000), trabalhando
com estudantes de enfermagem, demonstrou que o comportamento na ação profissional
associa-se ao estilo de aprendizagem do aprendiz. Mattos (2002), ao pesquisar estudantes de
nutrição, mostrou que havia associação entre o estilo de aprendizagem do aluno com o
desempenho em diferentes tipos de avaliação, sendo superior quando havia correspondência
entre ambos.
No GEAC, Renni (2003), foi a primeira a trabalhar com os modos de
aprendizagem, quando observou correlação positiva entre eles, em cuidadores de crianças
hemofílicas e a evolução clínica dessas crianças. Também, o mesmo grupo descreve aspectos
metacognitivos1 que podem ser eficientes para a criação de estratégias diagnósticas de
enfermagem (BRANDÃO, 1999) e para alavancar o processo de aprendizagem do diagnóstico
fonoaudiológico clínico (SANTOS, 2006).
Tais achados, pelo menos em parte, são harmônicos aos estudos de outros autores.
Assim, Kolb et al (1971) trabalharam com uma abordagem teórica experimental voltada para
o ensino da psicologia organizacional, mostrando que tais estilos de aprendizagem são
benéficos para auxiliar o aprendiz a orientar e melhorar sua própria aprendizagem. Estudiosos
da metacognição (FLAVELL, 1979; SILVA & SÁ, 1993; DOMINOWSKI, 1998) mostram
também seus benefícios para o processo de aprendizagem com a monitoração metacognitiva e
a metacognição em ação. Assim, deduz-se que os constructos cognitivos dos pacientes
precisam ser considerados de forma análoga, na prática da educação nutricional.
Dessa forma, pareceu razoável supor que processos de aprendizagem poderiam
estar relacionados à já citada baixa adesão ao tratamento. No entanto, pouco se sabe a esse
respeito. Por isso, pareceu interessante à autora levantar questionamentos sobre as diferentes
características do processo de aprendizagem desses pacientes, de modo a fornecer alguns
subsídios iniciais nesta perspectiva particular, sobre o problema em tela.
Assim, uma vez em campo, esta pesquisadora realizou entrevistas abertas
semiestruturadas, com indivíduos classificados em quatro grupos: a) os que persistiram e
conseguiram sucesso no tratamento de perda ponderal; b) os que não abandonaram o
tratamento e, mesmo assim, não obtiveram sucesso; c) outros ainda que abandonaram o
1 Metacognição refere-se à capacidade de uma pessoa de prever o próprio desempenho em diversas tarefas e de
monitorar seus níveis atuais de domínio e compreensão (BRANSFORD et al., 2007, p. 30).
14
tratamento; d) os indivíduos que perderam peso apenas depois de submetidos à Cirurgia
Bariátrica.
O intuito foi o de relacionar essas situações com o modo de aprender desses
indivíduos, sob a perspectiva do referencial de Fromm (1989), posteriormente correlacionado
por Barnes (1995), com o cenário da aprendizagem, cuja proposta resultou em dois modos de
aprendizagem, a saber: a aquisição ou aprendizagem passiva e a interação ou aprendizagem
ativa.
Fromm, em 1989, propõe duas formas distintas de as pessoas experimentarem a
vida: o modo Ser e o modo Ter. Segundo Fromm, não se trata de afirmações sobre identidade
e/ou posse, mas de duas formas essenciais de se relacionar com as situações cotidianas, com
as coisas e com as pessoas. Os indivíduos orientados predominantemente para o modo Ser
comportam-se de maneira ativa, buscando de modo permanente transformar-se e evoluir-se de
forma crítica e consciente. As pessoas orientadas pelo Ter, apresentam o predomínio de uma
atitude de pertença e posse diante da vida. A partir deste referencial, Barnes (1995) traça
correlações com características ativas e passivas de aprendizes, propondo os dois modos de
aprender supracitados.
Assim, este trabalho constituiu-se de cinco capítulos, dos quais o primeiro refere-
se a uma introdução que busca apresentar as ideias gerais do estudo: seu referencial teórico, a
construção e a delimitação do objeto, sua justificativa e os objetivos. O segundo capítulo trata
a apresentação da obesidade não só como uma doença que tem-se configurado como
problema de saúde pública, em vários países, mas uma doença antropológica, social e
psicologicamente construída, além de discutir em linhas gerais, as questões relacionadas à
adesão e ao abandono do tratamento da obesidade. O terceiro capítulo traz duas correntes
teóricas da aprendizagem – o behaviorismo e o cognitivismo – e seus principais
pesquisadores, correlacionando-as com a prática do profissional de saúde e com o tratamento
da obesidade, como fundamentação para a utilização, neste estudo, dos modos de
aprendizagem supracitados. Estes, por sua vez, são aprofundados e correlacionados com o
universo da obesidade, além de descrever os procedimentos metodológicos de realização da
pesquisa. O quarto capítulo apresenta os resultados da pesquisa, cuja discussão, com
referencial teórico oportuno, possibilita responder as questões levantadas no primeiro capítulo
e tecer algumas conclusões que, por sua vez, são, finalmente, apresentadas no quinto e último
capítulo do trabalho em forma de considerações finais, além de algumas recomendações.
15
1.1 Sentido Pessoal
Comecei a trabalhar com obesidade, de forma mais frequente, no Ambulatório do
Hospital Municipal de Pinheiral, onde muitos pacientes de demanda espontânea para
consultas individuais começaram a desafiar meus conhecimentos sobre o assunto.
A graduação em Nutrição forneceu-me respaldo técnico e teórico para a realização
de modificações necessárias no gasto energético para a perda ponderal, para a distribuição de
macronutrientes da dieta, para a utilização de material instrucional básico, como a lista de
substituição, e orientação nutricional. No entanto, na prática, sentia uma lacuna entre as
técnicas de aconselhamento nutricional adequadas e a real adesão do paciente obeso ao
tratamento.
Como a demanda espontânea pela consulta nutricional, para tratamento da
obesidade, foi gradativamente aumentando muito, passei a triar esses pacientes para uma
atividade em grupo, que foi denominada Grupo de Reeducação Alimentar (GRA). Nesse
primeiro momento contei com a participação de uma equipe multidisciplinar – enfermeira,
psicóloga e professora de educação física – que me ensinou muito e contribuiu de maneira
importante para a criação do formato que eu desejava para o GRA.
Com a implantação do Programa Saúde da Família (PSF) no município, ocorreu
uma ampliação do GRA e cada módulo de saúde da família ganhou seu próprio grupo.
Nessa época, já trabalhando como docente do Curso de Nutrição do Centro
Universitário de Volta Redonda – UniFOA, passei a receber estagiários como preceptora e
pude, então, modificar a técnica empregada, pela qual além das orientações nutricionais, os
participantes do grupo passaram a receber dieta personalizada, de acordo com o
porcionamento preconizado pela Pirâmide de Alimentos.
Todos os pacientes, em um primeiro encontro, passavam por avaliação
antropométrica e eram orientados, em linhas gerais, sobre a Pirâmide e os Grupos de
Alimentos. Posteriormente, todos recebiam dieta personalizada com lista de substituição
própria, e os encontros ganhavam temas pertinentes, tais como: porção e porcionamento,
atividade física, abordagem psicológica da obesidade, alimentos diet e light, aproveitamento
integral de alimentos etc.
16
Utilizávamos dinâmicas, imagens, alimentos de borracha e músicas para construir
novos conhecimentos, reforçar ideias e hábitos adequados e proporcionar adesão ao
tratamento. No entanto, tais esforços após um ano de GRA, no PSF, me pareceram
improfícuos e pouco resolutivos, uma vez que o nível de abandono do tratamento foi altíssimo
e o sucesso, na perda ponderal, baixo.
Não obstante nossos esforços de incentivar as trocas de experiências, entende-se
que o tratamento em grupo pode ser muito mais produtivo do que consultas individuais, nesse
aspecto. Toda essa gama de novos conhecimentos e/ou significados, em forma de orientações,
não garantiram o efeito esperado, o que nos levou, em um primeiro momento, a questionar a
metodologia de ensino empregada no GRA, gerando com isso, a monografia final da Pós-
Graduação em Docência e Educação para o Pensar, a qual propunha um GRA voltado para a
metodologia preconizada pelos paradigmas da Educação para o Pensar, principalmente
Matthew Lipman e seu método de Comunidade de Investigação.
1.2 O Problema
Inquieto-me com o aumento significativo dos casos de obesidade, já que estes têm-
se configurados, cada vez mais, como um problema de saúde pública, em diversos países,
inclusive no Brasil. Aqui, como em outros lugares do mundo, pela primeira vez, o número de
pessoas com excesso de peso supera o de desnutridos (SICHIERI & SOUZA, 2007, p. 347).
Por isso resolvi dar continuidade aos meus estudos a fim de contribuir para a criação e escolha
de métodos e técnicas mais pertinentes para conselheiros nutricionais planejarem a abordagem
de pacientes obesos.
É sabido que as informações sobre a obesidade, técnicas ou não, estão em grande
número, disponíveis em todos os lugares: revistas, livros populares, trabalhos científicos e
agendas políticas dos governos. No entanto, nenhuma faixa etária ou grupo social está
protegido da obesidade, e a comunidade científica ainda encontra dificuldades para resolver a
questão essencial, ou seja, a de como controlar o peso ao longo da vida adulta
(HEYMSFIELD, 2004 apud SICHIERI & SOUZA, 2007, p. 347).
17
Em contato com o Grupo de Estudos em Aprendizagem e Cognição (GEAC) do
NUTES/UFRJ, pude começar a desviar meu olhar do ensino para o da aprendizagem,
admitindo a ideia de que as abordagens metodológicas a serem testadas em grupos, ou mesmo
em pacientes individuais, obterão maior êxito na medida em que previamente
compreendermos os mecanismos internos de aprendizagem do sujeito.
Ou seja, do modo peculiar que cada indivíduo possui para aprender; dos momentos
em que as pessoas mais constroem seus conhecimentos – com que tipo de materiais
instrucionais ou meios de comunicação isso acontece – dos motivos que desencadeiam este
aprendizado; do que significa a obesidade e as implicações de perder peso ou não.
De acordo com as propostas mais recentes dos organismos internacionais e
agências de saúde, as recomendações resumem-se em abordar, paralelamente, o consumo e o
gasto de energia. Ou seja, alterar hábitos dietéticos e de atividades físicas, como duas
consequências da crescente industrialização (SICHIERI & SOUZA, 2007, p. 347). No
entanto, nesse processo o conselheiro nutricional depara-se com uma série de hiatos que os
trabalhos científicos e as estratégias propostas não preveem.
Os primeiros têm origem na formação acadêmica do profissional. A cadeira de
Educação Nutricional, que seria o espaço para promover a problematização dessas questões e
ensinar o nutricionista a problematizar também com os pacientes (RODRIGUES & BOOG,
2006), foi, durante muito tempo, desbaratada e tratada muito mais como um apêndice da
nutrição em saúde pública, do que como um campo específico de conhecimento, sofrendo,
com isso, dificuldades como a escassez de professores especializados, e a falta de bibliografia
adequada e de pesquisas (BOOG, 1999).
Como consequência disso, o processo de aconselhamento nutricional tem-se
baseado muito mais na transmissão e “mera adesão à dieta” do que na problematização com o
cliente das questões relativas ao comportamento alimentar e suas dificuldades de caráter
subjetivo (RODRIGUEZ et al, 2005). Por conseguinte, pacientes passam a ter dificuldades em
criar um vínculo com seu conselheiro nutricional, inclusive os obesos.
E, finalmente, outra lacuna que as estratégias para o tratamento nutricional da
obesidade não dão conta, são as características idiossincrásicas tanto no “aprender a ser
obeso”, quanto no processo de aprender a lidar e combater a própria obesidade.
18
Isso quer dizer que, se apenas a apropriação e a retenção de conhecimentos fossem
capazes de produzir, de forma automática, uma mudança de comportamento, não haveríamos
de ter, por exemplo, nutricionistas obesos ou médicos fumantes. É imprescindível considerar a
individualidade relacionada ao modo de aprendizado do sujeito em qualquer situação que
envolva, de alguma, forma o binômio ensino-aprendizagem. Tais divagações nos levaram a
questionar:
• Por que o tratamento nutricional, que implica o ensino de novas maneiras de comer,
viver e ser, é eficaz em alguns casos e em outros, não, já que todos recebem as
mesmas orientações?
• Se isso é uma realidade, torna-se razoável admitir uma influência do modo individual
de aprendizagem nesse processo, tanto na adesão ao tratamento quanto na evasão
dele?
1.3 Construção do objeto
Historicamente, o campo da Educação Nutricional, assim como o da Educação em
Saúde, ao qual faz parte, foi muito influenciado pelo movimento das pedagogias críticas, no
final dos anos 70 e início dos 80 (NUTBEAM, 2000; WANG, 2000; KICKBUSCH, 2001;
MCQUISTON et al, 2001 apud PEREIRA, 2003). Paulo Freire e seu método da
problematização são hoje paradigmas da disciplina e da prática de alguns profissionais
(PEREIRA, 2003; RODRIGUEZ & BOOG, 2006).
No entanto, ainda existe o predomínio do tecnicismo educacional, que proliferou
nos anos 70, como consequência das teorias behavioristas (PEREIRA, 2003, grifo da autora).
E, dessa forma, na maior parte das ações educativas promovidas por profissionais de saúde e
conselheiros nutricionais, a transmissão de saberes científicos, sem articulação com o saber
popular, e a imposição de orientações nutricionais descontextualizadas dos hábitos e cultura
dos pacientes ainda são práticas hegemônicas (BOOG, 1999; LIMA et al, 2000; FERREIRA
& MAGALHÃES, 2007).
E, de forma análoga às afirmações de Perrenoud (1995, p. 47) sobre a dissociação
entre o que o professor ensina e o que o aluno aprende, insistindo que a aprendizagem
19
depende, antes de tudo, da atividade do aluno e da substituição do saber transmitido pelo
saber construído; Cordeiro & Minayo, em 1997 (apud PEREIRA, 2003), denunciaram que a
formação do profissional de saúde poderia ser mais humanística, considerando que o paciente
tem sido tratado mais como objeto das ações em saúde do que como sujeito.
Ou seja, a prática do profissional de saúde, como educador, ainda tem sido um
espelho de sua formação, e a resposta do paciente, como aprendiz tem sido a evasão de um
tratamento, que desconsidera sua individualidade. Bransford et al. (2007, p. 46-47),
recentemente, reafirmaram que os diversos métodos de ensino para adultos violam
sistematicamente os princípios referentes à otimização da aprendizagem, quando não são
centrados no aprendiz, em seus conhecimentos e na comunidade em que se insere.
Dessa forma, a associação que aflora e instiga este trabalho tem, de um lado, a
obesidade, uma patologia que nas últimas décadas vem se apresentando como problema de
saúde pública e que está diretamente relacionada com modificações nocivas dos hábitos
alimentares, causadas pela industrialização crescente, aliada ao estilo de vida sedentário da
sociedade moderna, cuja intervenção do profissional de saúde tanto no aspecto profilático
quanto no clínico, depende de uma prontidão para mudança de comportamento alimentar e de
postura de vida, que implicam um processo cognitivo, ou melhor, uma reconstrução cognitiva.
E aponta, por outro lado, a individualidade desse paciente frente ao processo de
reaprender a comer, com todas as suas implicações:
a) Afetivas, da relação com o próprio alimento;
b) sócio-culturais, do meio no qual cada pessoa está inserida, e
c) econômicas, do acesso do sujeito a determinados tipos de alimentos.
Figura 1. Associação do objeto de estudo
20
Nesse prisma, o problema exposto levanta questões que demandam um referencial
teórico-humanista que abarque todos esses vieses sócioculturais, psicológicos e cognitivos
envolvidos na gênese e manutenção da obesidade, bem como na reeducação alimentar
relacionada ao tratamento. Um referencial que indique modos pessoais capazes de influenciar
todo este processo porque, na realidade, estão presentes nas causas diretas e/ou indiretas da
obesidade – peculiares do sujeito. Um referencial, enfim, que propondo modos de
aprendizagem, situe estes modos na história pessoal do indivíduo e tragam correlação com a
evolução do mesmo no tratamento.
Assim sendo, o objeto desta pesquisa aponta para a associação entre o modo de
aprendizagem do obeso e sua resposta ao tratamento, com base na proposta feita por Barnes
para caracterizar dois modos de aprendizagem – ativa ou interativa e passiva ou aquisitiva –
baseados na obra “Ter ou Ser?” de Erich Fromm (BARNES, 1995, p.25). No qual, dessa
forma, se busca estudar, sob um viés cognitivista, a relação eventualmente existente entre o
modo de aprender o autocuidado da obesidade e a adesão ao tratamento, e descrever o modo
idiossincrásico de aprendizagem na gênese da doença, no comportamento alimentar e no
autocuidado inerente ao tratamento. Além de identificar nos sujeitos estudados o seu modo de
aprendizagem, por aproximação a tipos ideais, e caracterizar a relação eventualmente
existente entre o modo de aprendizagem e o grau de adesão ao tratamento.
1.4 Delimitação do objeto
Colocar a associação entre adesão ao tratamento da obesidade e modo de
aprendizagem na posição de objeto de pesquisa, demanda a necessidade de uma delimitação,
devido à complexidade do elenco de fatores e variáveis envolvidos e interligados a essas
questões. O primeiro recorte a ser feito no problema apresentado é o foco, uma vez que tal
objeto de pesquisa pode ser tratado à luz de variados enfoques. Como exemplo, ciências
humanas como a Antropologia, a Psicologia Clínica/Hospitalar ou mesmo a Sociologia. Não é
este o caso do presente estudo.
O objeto desta pesquisa enfatiza a aprendizagem. Muito embora seja difícil
compreender o binômio ensino-aprendizagem de forma dissociada, foi no modo de aprender a
tratar a obesidade, demonstrado pelos sujeitos estudados, é que buscamos explicar as
21
diferentes formas de evolução do tratamento. Tendo, portanto, dentro do contexto da
aprendizagem um olhar cognitivista para a compreensão e descrição dos fenômenos que se
apresentaram.
Enfatize-se, pois, que formas de tratamento ou técnicas dietoterápicas e de
aconselhamento mais eficazes não estão sendo discutidas nesta pesquisa, nem métodos de
ensino indicados para educação em saúde, ainda que estes sejam temas frequentes na
literatura (OPAS, 1996, passim; CARVALHO et al, 2004; SNETSELAAR, 2005, passim;
SILVEIRA & RIBEIRO, 2005; HENNINGTON, 2005).
Esta pesquisa não abrange também análises sobre a metodologia e o material
instrucional por meio dos quais os sujeitos estudados receberam orientações e/ou informações
a cerca da patologia e de como tratá-la.
No entanto, apesar do enfoque privilegiar aspectos cognitivos, faz-se necessário
construir algumas interfaces com a história pessoal dos sujeitos, de modo a explicar e
contextualizar a obesidade. Isso porque, como veremos em tópicos mais adiante, a
consideração do modo de aprendizagem que norteou a construção dos hábitos alimentares do
sujeito, inclui, pelo menos em parte, o que se apresenta a seguir:
• a gênese da doença, ou seja, como e em que fase da vida do indivíduo o ganho
ponderal se iniciou, a partir da perspectiva e justificativa do próprio sujeito;
• possíveis causas alimentares (regionais e/ou sazonais), psicológicas ou sócio-
econômicas deste ganho de peso, colhidas por meio da fala do entrevistado;
• as influências do meio, no qual o sujeito está inserido, ou seja, o seu contexto e os
aspectos familiares, como formadores de seus hábitos alimentares, e
• o significado desta obesidade, para o sujeito estudado, ou seja, o que é para este
indivíduo o “ser obeso” em seu sentido mais interno, com todas as suas implicações na
vida prática.
Dessa forma, estes aspectos foram principalmente considerados na medida em que
contribuíram para aproximar o sujeito de tal ou qual modo de aprendizagem proposto no
objeto de pesquisa e situar sua postura frente ao tratamento, a si mesmo e à própria patologia,
bem como seu comportamento alimentar e relação com este alimento, sempre observados com
vistas à essência das ideias de Fromm (1987).
Assim, ao estabelecer os critérios de exclusão, esta pesquisa procura anular
influências fisiopatológicas mais marcantes tais como: a) causas genéticas da obesidade; b)
22
comorbidades, como o Diabetes Mellitus; c) causas hormonais, como o hipotireoidismo, e d)
transtornos da esfera psiquiátrica, como o Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica
(TCAP).
Tendo interessado então, a esta pesquisa, o modo com que os sujeitos aprenderam
as orientações nutricionais e de estilo de vida relacionadas a qualquer iniciativa com fins de
perda ponderal, que lhes foram prescritas e/ou transmitidas, do ponto de vista cognitivista, ou
seja, se o aprendizado realmente ocorreu de maneira ativa ou passiva. E, qual a correlação
destas formas de aprendizado com a evolução do paciente no tratamento.
1.5 Justificativa
A educação e a saúde são espaços de produção e aplicação de saberes destinados ao desenvolvimento humano. Há uma intersecção entre estes dois campos, tanto em qualquer nível de atenção à saúde quanto na aquisição contínua de conhecimentos pelos profissionais de saúde. Assim, estes profissionais utilizam, mesmo inconscientemente, um ciclo permanente de ensinar e aprender (PEREIRA, 2003).
Os trabalhos que correlacionam a área da Saúde com a área da Educação, com
foco na aprendizagem, geralmente tomam, como objeto, elementos do âmbito acadêmico, tais
como alunos de graduação presencial ou de ensino a distância das diversas carreiras da área
da saúde (BRANDÃO, 1999; MATTOS, 2002; SANTOS, 2006; PENNA, 2007), ou, ainda, a
educação permanente dos profissionais (TRENTINI et al, 1996; BERBEL, 1998; CYRINO &
TORALLES-PEREIRA, 2004; GAZZINELLI et al, 2005; SILVEIRA & RIBEIRO, 2005).
Muito embora sejam abundantes na literatura, estudos sobre a relação profissional de saúde-
paciente/cliente (AYRES, 2004; PUCCINI & CECÍLIO, 2004; PEREIRA & AZEVÊDO,
2005), os constructos cognitivos do paciente na perspectiva desta relação ainda são pouco
explorados nas pesquisas.
Como parte desse processo, o tratamento da obesidade, sob qualquer aspecto
analisado, apresenta-se como um desafio aos profissionais da área da saúde e da comunidade
científica, e apesar da grande quantidade de pesquisas realizadas em todo o mundo, há que
discuti-la em todos estes desdobramentos, pois ainda há uma escassez de trabalhos que
23
realizem a interface da obesidade com aspectos relacionados à aprendizagem na perspectiva
do aprendiz.
Sabemos que, de uma forma ou de outra, os esforços de profissionais da área da
saúde, que se deparam com casos de obesidade em sua prática diária, incluem ações no
âmbito da educação em saúde. Por isso é justificado que tais profissionais busquem, no campo
da educação, conhecimentos que contribuam para aperfeiçoar sua abordagem prática tanto na
prevenção, quanto na intervenção desta patologia.
Ressalte-se de outra parte, as dificuldades que os profissionais de saúde enfrentam
no sentido de trazer, de fato, este paciente para o tratamento, representando um importante
viés na abordagem da obesidade. Ou seja, a não adesão ao tratamento é uma realidade
enfrentada por profissionais que lidam com esses pacientes e que vem sendo amplamente
discutida em pesquisas (PROCHASKA, DICLEMENTE & NORCROSS, 1992; ASSIS &
NAHAS, 1999; WILSON & SCHLAM, 2004; TORAL & SLATER, 2007).
VtÑ•àâÄÉ E „ buxá|wtwxM wÉ vÉÄxà|äÉ tÉ |Çw|ä|wâtÄ
25
2 OBESIDADE: DO COLETIVO AO INDIVIDUAL
2.1 Aspectos gerais
A obesidade é uma doença crônica que se caracteriza pelo acúmulo excessivo de
gordura, em forma de tecido adiposo, a um nível tal que a saúde esteja comprometida. Para
ser diagnosticada, dispõe-se de alguns métodos que avaliam e determinam a composição
corporal, a fim de definir o tipo de distribuição da gordura (CUPPARI, 2002, p. 150).
Sua etiologia independe da idade e varia conforme o gênero. No feto, pode ser
influenciada pela ingestão calórica, tabagismo materno e diabetes gestacional, sendo que
crianças com baixo peso ao nascer ou pequenas para a idade gestacional podem estar mais
propensas a desenvolver gordura abdominal e suas consequentes comorbidades. Crianças em
aleitamento materno exclusivo (AME), durante pelo menos três meses, têm menor risco de
desenvolver sobrepeso ao atingir a idade escolar. Na infância, o aparecimento da obesidade é
determinado pela idade e histórico familiar e, na adolescência, a obesidade denuncia um
futuro sobrepeso na idade adulta. A gravidez pode deixar um legado de peso elevado em
mulheres adultas, assim como o uso de contraceptivos orais e o período pós-menopausa,
também pode levar ao ganho ponderal. A mudança de estilo de vida da adolescência para a
fase adulta pode relacionar-se com o ganho ponderal em homens adultos.
Além disso, outros fatores correlacionam-se e interferem na etiologia da
obesidade, tais como: dieta, sedentarismo, abandono do tabagismo, uso de determinados
fármacos, etnia, aspectos neuroendócrinos e genéticos, bem como os fatores
socioeconômicos, psicológicos e culturais (UEHARA & MARIOSA, 2005, p. 195 et seq.) que
serão aprofundados no próximo subitem.
Dentre os modos de avaliação para mensurar a obesidade, temos o Índice de
Massa Corporal (IMC), que é uma forma útil e muito prática, calculada pela divisão do peso
atual (em quilogramas) pela estatura ao quadrado (em metros). O resultado de tal cálculo é
submetido a pontos de corte (ANEXO A) que classificam o indivíduo desde a desnutrição até
a obesidade mórbida (OMS, 1997; CUPPARI, 2002, p. 153; ENGSTROM, 2002, p. 90)
26
Segundo a OMS (1997), todo indivíduo com Índice de Massa Corporal igual ou
maior a 25 kg/m2 tem algum grau de sobrepeso ou excesso de peso. Classifica-se como pré-
obesidade a condição cujo IMC encontra-se na faixa de 25 a 29,9 kg/m2. A obesidade também
se enquadra neste sobrepeso, entretanto somente se o IMC for igual ou maior que 30 kg/m2, é
que o indivíduo será classificado como obeso.
No entanto, a desvantagem da utilização do IMC, é que ele não distingue o
aumento de massa magra ou gorda, nem tampouco informa sobre a distribuição desta gordura
no organismo, sendo necessário cruzar seu resultado com outros indicadores como a Relação
Cintura-Quadril e/ou Circunferência da Cintura e Pregas Cutâneas (CUPPARI, 2002, p. 153;
ENGSTROM, 2002, p. 91).
No tocante à distribuição de gordura no organismo, a obesidade classifica-se em
andróide ou central, onde há deposição adiposa na região abdominal ou visceral e na parte
superior do corpo, e ginecóide, onde a adiposidade encontra-se acumulada na região femoral e
glútea (CUPPARI, 2002, p. 155; ZANELLA, 2005, p.219 et seq.).
Quanto à sua causa, a obesidade tem sido classificada em obesidade endógena,
que ocorre por consequência de alterações metabólicas, neuroendócrinas e fisiológicas, e
obesidade exógena, que ocorre devido à ingestão excessiva de alimentos, sedentarismo,
aspectos culturais e psicológicos e outros fatores exteriores (LEMES, 2004 apud CARDOSO,
2006).
Com relação à situação epidemiológica, a obesidade vem se definindo como
fenômeno epidemiológico mundial, já que, de acordo com dados da OMS, 60% da população
dos EUA estão acima do peso ideal, sendo deste total 35% considerados obesos. Além disso,
na Europa, alguns países possuem 25% de indivíduos obesos do total de habitantes, e na
América Latina já existem evidências de que a prevalência de obesidade superou a de
desnutrição (CARNEIRO, 2005, p. 203).
Segundo os resultados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE
(2004), estima-se que 40% dos indivíduos adultos do Brasil apresentam sobrepeso, não
havendo diferença substancial entre homens e mulheres. Na idade adulta, a frequência do
excesso de peso supera largamente a do déficit de peso: em oito vezes, no caso da população
feminina e em quinze vezes no caso da população masculina.
27
Entre os homens, a prevalência do excesso de peso é maior nas Regiões Sudeste,
Sul e Centro-Oeste do que nas Regiões Norte e Nordeste e, em cada uma destas regiões, é
sempre maior nas áreas urbanas do que nas áreas rurais. Entre as mulheres, a prevalência do
excesso de peso difere menos entre regiões e em cada uma delas, exceto na Região Nordeste,
é maior nas áreas rurais do que nas urbanas.
Com relação à obesidade no Brasil, a POF/IBGE (2004) levantou ainda que ela
afeta 8,9% dos homens adultos e 13,1% das mulheres adultas do País. Obesos representam
cerca de 20% do total de homens com sobrepeso e cerca de um terço do total de mulheres
com excesso de peso.
A situação epidemiológica da obesidade no Brasil é tão alarmante que a Política
Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), aponta-a como controle prioritário, destacando
ainda que somado a este problema, os hábitos alimentares inapropriados constituem,
igualmente, um grande desafio. Nas diferentes regiões do Brasil, a cultura popular ainda
preserva tradições e práticas alimentares errôneas sobre o valor nutritivo, propriedades
terapêuticas, indicações ou interdições de alimentos ou ainda de suas combinações. Ressalte-
se, de outra parte, a multiplicação do comércio de fast foods.
Nesse sentido, providências vêm sendo tomadas com o objetivo de conscientizar a
população sobre os riscos da obesidade e de suas comorbidades, como o fomento à prática de
atividades e à adoção de hábitos alimentares mais saudáveis, com o apoio de profissionais da
área da saúde (PNAN, 2003).
De forma geral, a obesidade deve ser enfrentada de maneira holística, pois é uma
doença que abrange muitos aspectos individuais e possui um viés sóciocultural
importantíssimo. O tratamento poderá ser medicamentoso ou não, o qual será avaliado e
prescrito por médico; poderá englobar atividade física ou não, dependerá do caso, da
avaliação médica e do concurso de profissional habilitado da área de Educação Física,
entretanto o tratamento sempre demandará um acompanhamento dietoterápico adequado.
A atenção dietética ao paciente obeso se inicia com a avaliação do estado
nutricional, para determinação do diagnóstico e das necessidades nutricionais, seguido do
desenvolvimento do plano de ação nutricional que implementa a dietoterapia de acordo com o
cálculo da dieta e aporte de macro e micronutrientes, em que a quantidade de calorias
ingeridas seja inferior à quantidade de calorias gastas, para levar ao maior consumo de energia
28
estocada sob forma de gordura. E, finalmente, a educação nutricional traçará o diagnóstico
comportamental desse paciente a fim de direcionar as estratégias de aconselhamento e
motivação para a mudança de comportamento (CUPPARI, 2002, p. 160 et seq.; ZANELLA,
2005, p. 237; SNETSELAAR, 2005, p. 498-508).
Zanella (2005) ainda completa que a atividade física isoladamente não é método
eficaz para perda de peso, porém seu aumento pode auxiliar no controle ponderal em longo
prazo e melhorar a saúde do organismo no geral.
Além disso, sabemos que os grupos de apoio são inestimáveis para os obesos que
estão tentando perder peso e para aqueles que estão tentando mantê-lo, pois propiciam
convívio social que, em muitos casos, foi traumático e sofrido, e auxiliam na mudança do
estilo de vida (MAHAN & SCOTT-STUMP, 2002, p. 493).
Vale ressaltar a disseminação e a importância dos métodos cirúrgicos (Bariatria),
no tratamento da obesidade graus II e III, com uma ou mais complicações associadas, e a
utilização cada vez maior da terapia comportamental, para que o paciente identifique e vença
barreiras psicológicas (ZANELLA, 2005, p. 241).
Após esse panorama geral do diagnóstico, da classificação e da epidemiologia da
obesidade, bem como da intervenção multidisciplinar relacionada ao tratamento, faz-se
necessário enfatizar a construção geral do quadro psicológico, social, econômico e cultural do
indivíduo obeso, enquanto facetas desta patologia que possibilitam a interface com o viés
cognitivo.
2.2 Bases psicossociais, econômicas e culturais da obesidade
Durante os primeiros meses de vida, produz-se um fenômeno de identificação
mútua, tácita e automática entre a mãe e a criança, de maneira que é difícil reconhecer qual a
necessidade do bebê e qual a projeção da mãe.
Até completar dois anos, o bebê passa por um processo de auto-reconhecimento
caracterizado por uma demarcação cognitiva com os demais, o que implica uma atitude
emocional em relação aos outros que é mediada pela qualidade da resposta dos pais ou
29
cuidadores às suas necessidades, podendo gerar ou não, autonomia, segurança, autoconfiança
etc. (GUAJARDO, 2003).
Inserida neste contexto, a amamentação consagra a existência física, a psíquica e a
cultural de um indivíduo, em que a figura da mãe e da mulher atrela a alimentação a uma
referência afetiva (GARCIA, 1997).
Ressalte-se, de outra parte, a importância da amamentação por meio de relatos de
Lacerda & Accioly (2004), em que parece haver uma correlação significativa entre
aleitamento materno e desenvolvimento cognitivo, uma vez que crianças alimentadas com
leite de vaca e/ou fórmulas artificiais apresentariam um escore de função cognitiva menor do
que crianças alimentadas com leite materno (LACERDA & ACCIOLY, 2004, p.319).
Dessa forma, o estabelecimento de um vínculo mãe-filho fraco e ruim poderá
desencadear e atuar na manutenção da obesidade. Os caminhos por meio dos quais isso se dá
são múltiplos e variados. A literatura tem apontado várias causas e/ou objetivos da
superalimentação. Dentre elas pode-se citar a compensação inadequada de uma rejeição
inicial da maternidade, a valorização de paradigmas inconscientes a cerca da aparência
saudável de um bebê, ou um desmame precoce que, neste caso, pode acarretar sentimentos de
perda que poderão ser supridos com a alimentação. E, assim, progressivamente a criança vai
aprendendo com a mãe que o alimento é a solução para todos os conflitos: angústias,
ansiedades, dores...
Além do mais, o cotidiano de muitas famílias apresenta situações que podem
favorecer a evolução da obesidade, tais como: ciúme de irmãos, sentimento de rejeição,
problemas escolares, conflito entre os pais. Quando a criança já é obesa, os distúrbios
psicológicos aparecem mais precocemente do que os orgânicos e/ou metabólicos
(CARDOSO, 2006).
Esta relação com a figura materna e contexto familiar é utilizada por autores para
explicar a origem do Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP), enfatizando que
pessoas com esse transtorno têm maior probabilidade de responder com alimentação a
sentimentos e situações que causam tensões emocionais, do que obesos sem transtorno
alimentar. É importante ressaltar que todo indivíduo com TCAP é obeso, mas nem todo obeso
tem TCAP (PASSOS, STEFANO & BORGES, 2005, p. 62).
30
Concomitante a este aspecto psicológico, ao originar-se no universo doméstico, o
ato de comer acaba envolvendo também o convívio familiar e social de tal forma que mesmo
pessoas que realizam refeições na rua, caracterizam este ato com manifestações que delatam a
busca do lar, tais como: a necessidade de companhia amistosa, a valorização de ambientes
aconchegantes, a frequência aos mesmos lugares etc (GARCIA, 1997).
Especificamente na obesidade, o alimento é visto como uma gratificação
substituta, equivalente de afeto, compensação ou recompensa; e na sua ausência pode ser visto
até como punição, abandono ou rejeição. O comer em excesso poderia ser um mecanismo de
defesa para aplacar essa angústia, ou para enfrentar sentimentos de inadequação pessoal
(MATOS, 2005, p.260).
Os elementos constituintes das representações sobre alimentação são complexos e
orientam o comportamento alimentar sem serem, necessariamente, regidos pela coerência,
mas com forte influência das circunstâncias em que uma determinada situação se apresenta.
As matrizes psicológicas que preservam a história social e individual do sujeito sustentam a
ideia de alimentação através do paladar (GARCIA, 1997).
Hernández & Arnáiz (2005, p. 315) complementam estas reflexões ao afirmarem
que os alimentos acumulam, além dos aspectos nutricionais, um arcabouço de significações
que muito além das funções fisiológicas abrangem representações externas geradas pelo
entorno cultural no qual o sujeito está inserido.
Finalmente, ainda nesta relação com a obesidade, estes autores afirmam que o
estado físico de estar gordo contradiz o padrão de beleza hegemônico em nossa cultura atual:
o da magreza como ideal estético. Tal contradição cria um estereótipo criticável do obeso
glutão que come desenfreadamente e acaba sendo percebido como uma pessoa egoísta,
transgressora das normas sociais, autoindulgente e sem autocontrole. Esta conduta e sua
consequência física passam a ser exemplo, em nossa cultura, do que não se deve fazer e ser:
comer em excesso e estar gordo (HERNÁNDEZ & ARNÁIZ, 2005, p. 319, grifos dos
autores).
Como uma possível consequência disso, o obeso tem dificuldade de sentir prazer
nas relações sociais, o comer é seu prazer número um. Alguns autores relatam inclusive um
processo penoso de estigmatização, desde a infância, caracterizado, principalmente, por
discriminação na família e grupo social no qual a criança e/ou o adolescente está inserido;
31
posterior discriminação no trabalho, exclusão social, exploração por parte da indústria de
alimentos diet/light e fitness, problemas para encontrar e comprar roupas, maus tratos por
parte de profissionais de saúde e ridicularização pública (MYERS & ROSEN, 1999; PUHL &
BROWNELL, 2003; CARDOSO, 2006; RODRIGUES & BOOG, 2006).
Em contrapartida, Carr et al. (2007) afirmam não existir uma relação consistente e
estatisticamente significante entre obesidade e resultados psicológicos, acrescentando ainda
que estes aspectos parecem variar de acordo com a classificação do obeso no IMC, e que a
obesidade assume o papel de traço mais marcante na identidade de um indivíduo, em
detrimento de outras características como raça e sexo.
Paralelo a tudo isso, o estudo realizado por Kaufman & Karpati (2007, grifo dos
autores) com famílias latinas do subúrbio de NY – US relata que apesar da pobreza,
insuficiência alimentar e dificuldades em pôr comida na mesa, muitos adultos e crianças têm
sobrepeso ou são obesos.
Esta relação inversa entre prevalência de obesidade e nível socioeconômico é explicada, em países desenvolvidos, por uma desvantagem deste estrato social em ter acesso a alimentos de baixo teor energético, como frutas e verduras, e a locais apropriados para atividade física. Além dessas situações, é questionada a dificuldade de pessoas portadoras de obesidade em prosseguir os estudos e alcançar níveis superiores de escolaridade. Porém ainda não há estudos sobre essa relação em países em desenvolvimento (ALMEIDA & FERREIRA, 2005, p. 190).
Hernández & Arnáiz (2005, p. 329) também discutem estas contradições
socioeconômicas à luz da antropologia da alimentação, por meio de reflexões de Bourdieu
(1988, p. 188), sobre as preferências e aversões relacionadas às diferentes classes sociais, que
atribuem status social ao consumo de certos alimentos, classificam outros como diretamente
relacionados à pobreza, correlacionam alguns outros com a ideia de senso comum sobre o
próprio corpo, sua beleza e sua saúde. Essa cultura, de acordo com a argumentação dos
autores, teria origem na revolução industrial, em que a classe burguesa e dominante passou a
atribuir valor moral à magreza elegendo distinguir-se das classes trabalhadoras adotando um
ideal de magreza que logo seria imitado pelas classes média e baixa (MENNELL,
MURCOTT & OTTERLOO, 1992 apud HERNÁNDEZ Y ARNÁIZ, 2005, p. 329-330).
Segundo Almeida & Ferreira (2005, p. 185 et seq.), esta relação com a revolução
industrial não é somente inerente a uma demarcação de classe social. Este importante marco
histórico também deixou sua participação no processo gradativo de aumento de peso da
32
população, obtendo auxílio de profundas mudanças nos hábitos alimentares e estilo de vida
das pessoas.
Com relação à questão da escolaridade levantada na citação acima, Ribeiro Filho
(2005) confirma-a, ao relatar que quanto maior o nível educacional, tanto menor a prevalência
de obesidade, assim como o estado civil, o número de filhos e o tipo de emprego também têm
correlação positiva com o ganho ponderal (RIBEIRO FILHO, 2005, p. 228-29).
Dessa forma, a partir de todas as implicações aqui apresentadas, a abordagem
holística do tratamento da obesidade aponta para essa interface com a aprendizagem e sua
individualidade. Pois um novo comportamento alimentar deverá ser aprendido de forma que
haja modificação e reconstrução dos hábitos e do estilo de vida. Entretanto, este processo de
mudança tem demonstrado ser tarefa mais árdua para o paciente do que possam imaginar os
profissionais de saúde que lidam diretamente com a obesidade e suas comorbidades, haja vista
o elevado nível de evasão do tratamento observado. Assim sendo, antes mesmo de buscar
auxílio nas correntes teóricas sobre aprendizagem, torna-se imprescindível que este trabalho
apresente brevemente algumas questões inerentes à adesão e ao abandono do tratamento da
obesidade.
2.3 Adesão e abandono ao tratamento da obesidade
Zapata et al. (2007) afirmam, após análise estatística e quantitativa, algo que o
senso comum da comunidade científica e dos profissionais de saúde e da área já afirmava: a
adesão ao tratamento nutricional em um programa de perda ponderal, orientado por
nutricionista, melhora a composição corporal de adultos com pré-obesidade e obesidade.
No entanto, muito antes deste estudo transversal, autores como Holi & Calabrese
(1991) já se dedicavam à compreensão dos processos de adesão e abandono a tratamentos
nutricionais, a partir da conscientização e mudança do comportamento alimentar. Estes
autores apresentam uma distinção entre termos, amplamente encontrados na literatura, tais
como, complacência e adesão. O primeiro – a complacência – deve ser entendido como a
congruência entre as prescrições dietéticas e o comportamento alimentar do paciente.
Subentende-se aqui, no paciente, uma postura de aceitação passiva das recomendações do
33
conselheiro nutricional. Já a adesão, caracteriza o comprometimento do paciente com o
tratamento nutricional decorrente de sua participação ativa na problematização e nas diretrizes
de sua mudança alimentar (HOLI & CALABRESE, 1991 apud ASSIS & NAHAS, 1999).
No tocante ao controle de peso, Assis & Nahas (1999) realizam uma ampla
delimitação de conceitos acerca de termos utilizados pela literatura sobre o assunto. O
primeiro a ser apreciado é a palavra motivação. Ela ganha fronteiras descritivas como algo
que faz com que o indivíduo aja, algo que instiga seu comportamento ou suas mudanças,
conduzindo-o às escolhas ou preferências. A motivação sofre influência de uma série de
variáveis intrínsecas e extrínsecas em que as primeiras referem-se a fatores internos do
indivíduo tais como desejos, necessidades, direções ou metas e as segundas podem atuar
positivamente como suporte familiar, o prazer e as recompensas materiais; ou negativamente,
como ocasiões sociais ou a falta de apoio familiar e de amigos (HOLI & CALABRESE, 1991;
ROLLNICK, 1996; HORN, 1997 apud ASSIS E NAHAS, 1999).
Conhecendo estes fatores, profissionais de saúde podem atuar mais ativa e
planejadamente ao motivar, deixando sempre claro para o paciente a diferença entre
manutenção e recaída. A manutenção refere-se a uma perda ponderal que será mantida ao
longo do tempo ou o uso continuado de regras que regulam a ingesta; a recaída é a
subsequente recuperação do peso perdido ou a violação de uma ou mais dessas regras. Sendo
ainda importante ressaltar a diferença entre recaída e lapso, já que este não implica abandono
e recuperação do emagrecimento conquistado, mas a primeira ocorrência de uso ou ingestão
de substância-alvo após período de abstinência ou exemplo de ingestão não planejada e
controlada, na qual uma quantidade calórica superior ao recomendado é ingerida sem
planejamento prévio e compensatório anterior (STERNBERG, 1993 apud ASSIS & NAHAS,
1999).
Assis et al. (1996), em estudo a partir da Análise Ergonômica do Trabalho (AET)
em um ambulatório de nutrição, relataram ainda que aspectos inadequados no posto de
trabalho do nutricionista podem interferir na relação profissional-paciente e no abandono ao
tratamento, tais como: ambiente (luminosidade, ruído, ventilação, mobiliário e equipamentos),
organização do ambulatório (marcação de consultas e retornos, tempo de consulta, dados do
prontuário e tempo de espera de atendimento) e prescrição (tempo limitado de consulta, falta
de material ilustrativo e uso de dieta padronizada).
34
Esses achados confirmam o elenco de quatro conjuntos de fatores influentes na
adesão do cliente ou paciente a uma prescrição dietética proposto por Holi & Calabrese
(1991), sendo estes relacionados aos pacientes ou clientes, ao profissional, ao serviço ou
clínica e à prescrição.
Assim sendo, várias são as propostas de tratamento encontradas na literatura com
o objetivo de proporcionar a tão perseguida adesão do paciente ao tratamento, nas diversas
faixas etárias. Nem todos os programas de educação nutricional propostos explicitam a teoria
ou modelo no qual se fundamentam (ASSIS & NAHAS, 1999).
Mais recentemente, observam-se as propostas de Grupo de Apoio Motivacional de
West et al. (2007), que parecem embasar sua técnica na terapia comportamental, embora não
explicitem isto em seu trabalho. Este grupo é descrito como uma abordagem centrada no
cliente para promoção de mudança comportamental explorando a ambivalência em um
ambiente, cuja diretriz de conduta seria dar apoio sem julgamentos. O conselheiro relaciona a
mudança comportamental com os valores pessoais que levaram um participante a motivar-se
em perder peso, sem a preocupação de dar novas informações, direcionando os frequentes
questionamentos ao grupo. Os autores aplicaram a técnica em grupo de mulheres com
diabetes tipo II e obtiveram resultados positivos no tocante à frequência nas sessões, perda de
peso e controle dos níveis glicêmicos.
Em 2006, Rodrigues & Boog influenciadas por Freire (2000), propõem o método
de problematização, para realizar uma intervenção de educação nutricional com adolescentes
obesos de Campinas – SP. Considerando fatores antropológicos e psicossociais, foi aplicado
um modelo de intervenção baseado no aconselhamento dietético descrito por Holi &
Calabrese (1986), que é pautado no diálogo, sem imposição ao cliente, de respostas prontas
para o problema, promovendo mudanças de comportamento alimentar como consequências de
um processo reflexivo, sem a mera transmissão de informações sobre o que fazer.
Dessa forma, a observação e compreensão da motivação intrínseca e extrínseca
por parte do binômio profissional de saúde-paciente/cliente, bem como o formato das
propostas de programas de educação nutricional encontrados na literatura e supracitados,
também reforçam a interface que o tratamento da obesidade precisa estabelecer com a
idiossincrasia cognitiva do paciente, a fim de lograr algum sucesso. Sendo assim, o próximo
capítulo, a partir de uma apresentação geral do contexto da aprendizagem correlacionado com
a obesidade e seu tratamento, indicará o foco central deste campo de conhecimento para esta
35
pesquisa: o modo de aprendizagem classificado nas perspectivas de Fromm (1987) e Barnes
(1995) como aquisitivo e interativo.
VtÑ•àâÄÉ F „ TÑÜÉyâÇwtÅxÇàÉ wÉ Éu}xàÉ
37
3 APROFUNDAMENTO DO OBJETO
3.1 Aproximações com o contexto da aprendizagem
O binômio ensino-aprendizagem, embora sempre visto como dois processos
intimamente entrelaçados, uma vez que um não é possível sem o outro, começou a ser
analisado, descrito, caracterizado e refletido de forma dissociada com o desenvolvimento da
Psicologia Cognitiva e da Psicopedagogia, pois diversas teorias situam a aprendizagem antes
de qualquer situação na individualidade, na atividade e na idiossincrasia do aprendiz
(PERRENOUD, 1995, p.47; PEIXOTO & SILVA, 2002, p. 19).
Compreendendo este processo dessa forma, o educador tem a possibilidade de
proporcionar ao aluno situações favoráveis à construção do saber, respeitando o seu modo e
estilo de aprendizagem, que são modulados por diversas variáveis individuais
(PERRENOUD, 1995, p.47; SERAFINI, 1996, p. 131-32).
Podem-se admitir duas conceituações para a aprendizagem, sendo uma do ponto
de vista pedagógico, que envolve termos chaves como aquisição de conhecimentos
pela/para..., aquisição da capacidade de..., e outra que compreende a aprendizagem como um
conceito psicológico, no qual diversas teorias têm analisado questões fundamentais,
ampliando o campo de conhecimentos nesta área e propondo novas diretrizes para outras
(LEIF, 1976 apud PEIXOTO & SILVA, 2002, p. 55-56, grifo dos autores).
Assim sendo, esses teóricos filiam-se a três grandes correntes de ideias sobre a
aprendizagem, com respectivas propostas pedagógicas, quais sejam: behaviorismo,
neobehaviorismo e cognitivismo. Tal demarcação refere-se ao enfoque dado às variáveis que
determinam comportamentos observáveis, que são: o estímulo (início do processo), a
mediação e a resposta. Dessa forma, o estímulo consiste nas circunstâncias do ambiente e/ou
do indivíduo que determinam um dado comportamento, e a resposta é o comportamento
observado, a mediação é a variável referente a tudo que acontece entre o estímulo e a resposta
(PEIXOTO & SILVA, 2002, p. 60).
38
A seguir, será apresentada, em linhas gerais, somente a corrente cognitivista, cujas
ideias de alguns de seus prepostos servirão de base para a discussão e compreensão dos
fenômenos estudados pelo objeto desta pesquisa. Apesar de sua importância, o behaviorismo
e o neobehaviorismo não serão enfatizados neste trabalho.
A corrente behaviorista observa somente a relação entre o estímulo e sua
correspondente resposta. Estuda, assim, as características dos diferentes estímulos na medida
em que modulam a força das conexões entre estes e suas consequentes respostas. E esta era
exatamente sua limitação já que “essa orientação dificultava o estudo de fenômenos como
compreensão, raciocínio e pensamento” (BRANSFORD et al, 2007, p. 23). Por isso, a crítica
da escola cognitivista é que a teoria behaviorista baseava-se quase que exclusivamente em
experimentos com animais, desde a observação dos mecanismos para a formação dos aspectos
não-intencionais dos hábitos, até a compreensão dos estados e processos emocionais,
temperamentais, motivacionais e atitudinais da aprendizagem, e que resumem àquilo que
chamamos personalidade (AMSEL, 1989, p. 03).
O neobehaviorismo, por sua vez, delineou-se como um movimento de transição,
uma tentativa de se desenhar um behaviorismo menos radical que preservasse o rigor
científico da utilização do comportamento como dado mas que também admitisse hipóteses
sobre estados mentais internos, na medida em que estas se tornassem necessárias para a
explicação de fenômenos diversos, sendo inclusive chamado por muitos de behaviorismo com
bê minúsculo (AMSEL, 1989, p. 27; BRANSFORD et al, 2007, p. 23, grifo dos autores).
Dessa forma, no contexto deste objeto de estudo não se evidencia a necessidade de um
aprofundamento das abordagens behaviorista e neobehaviorista.
3.1.1 Cognitivismo
Na corrente cognitivista a ênfase está na mediação, ou seja, nos processos do
conhecimento (PEIXOTO & SILVA, 2002, p. 63; BRANSFORD et al, 2007, p. 27). Uma
forma de compreender o cognitivismo é classificá-lo em duas grandes e abrangentes
categorias cujas fronteiras são, às vezes, muito tênues, mas que se discriminam conforme
esquematiza, a seguir, a figura 2.
39
Figura 2. Categorias cognitivistas (PEIXOTO & SILVA, 2002, p. 63-64)
Além do gestaltismo, o cognitivismo clássico também abrange o chamado
processamento de informação (AMSEL, 1989, p. 34). Para teóricos dessa corrente a
estimulação física é encadeada em eventos neuronais posteriores à entrada de informação
pelos sentidos, sendo a noção de código imprescindível para seus estudos. Esta corrente
originou a maioria dos testes de memória (PEIXOTO & SILVA, 2002, p. 64-65).
Outro grande expoente do cognitivismo clássico é Gardner que, em sua Teoria das
Inteligências Múltiplas, sugere que cada indivíduo possui em graus variados, diferentes
formas de inteligência, quais sejam: linguística, musical, lógico-matemática, espacial,
corpóreo-cinestésica, intrapessoal, interpessoal (PEIXOTO & SILVA, 2002, p. 71) e, em
proposta mais recentemente, a naturalista (BRANSFORD et al, 2007, p. 140).
A visão primordial do movimento cognitivista a respeito da aprendizagem é que
as pessoas elaboram o novo conhecimento e o entendimento, com base no que já sabem e
naquilo em que acreditam. A partir desta premissa desenvolveu-se o movimento
construtivista2. No entanto houve uma confusão entre as abordagens pedagógicas (ensino) e a
teoria do conhecimento. Sob esta perspectiva o ensino seria construtivista na medida em que
os professores nunca transmitissem nada diretamente ao aluno, sempre permitindo que ele
2 Neste movimento, o conhecimento existente é utilizado para construir um novo conhecimento (BRANSFORD et al, 2007, p. 29).
Cognitivismo
Cognitivismo
Clássico
(objetivista)
Visão Construtivista
(subjetivista)
O aprendizado ocorre por meio de algum tipo de representação mental do mundo de conhecimento externo e independente do aprendiz.
O conhecimento existe apenas na subjetividade do aprendiz, compreende a aprendizagem como uma construção da representação interna do conhecimento.
40
construa o conhecimento por si mesmo. Mas isto é, na realidade, uma simplificação
inadequada da teoria do conhecimento construtivista, já que os teóricos desta corrente
consideram que todo conhecimento é construído a partir do conhecimento prévio,
independentemente de como o aluno é ensinado. Isso significa que a construção do novo
conhecimento independe da forma de ensino. Ou seja, mesmo a audição de uma aula
expositiva envolve iniciativas ativas por parte do aprendiz. Bransford et al. (2007, p. 27, 29),
de maneira mais sutil mostram que não se trata de ocultar o conhecimento, mas de monitorar
o processo de aprendizagem, tendo atenção “ao conhecimento e às crenças trazidas pelos
alunos para a sala de aula, quando utilizam esse conhecimento como ponto de partida para a
nova instrução e quando monitoram as mudanças de concepção dos alunos à medida que a
instrução evolui”.
Conceito importante contido neste contexto e amplamente discutido por Bransford
et al. (2007) é o de transferência. Na perspectiva dos autores, transferência refere-se “a
capacidade de estender o que se aprende em um contexto a novos contextos”. Sofre influência
da compreensão, da memorização, do tempo, da motivação, do contexto e das representações
de problemas, e pode ser ativa ou passiva (p. 78-95).
Esses mesmos autores ainda enfatizam que a ciência cognitivista da aprendizagem
também destaca a importância de se ajudar as pessoas a assumir o controle da sua própria
aprendizagem. O que vem sendo estudado, pesquisado e testado sob o título de metacognição,
determinando, em consequência disso que as escolas e as salas de aula devem estar centradas
no aprendiz (BRANSFORD et al, 2007, p. 30, 43).
Seja por tal ou qual caráter, a teoria cognitivista da aprendizagem derrubou a
antiga ideia de que “a mente das crianças são como tábulas rasas”. E o primeiro e principal
pesquisador responsável por esta conquista foi o psicólogo suíço Jean Piaget, no início dos
anos 1920. Tornou-se célebre ao proclamar que as crianças atravessam uma série de estágios
de desenvolvimento qualitativamente diferentes (LEFRANCOIS, 1972, p. 230-243;
SUTHERLAND, 1996, p.19, grifo do autor). Suas contribuições sobre o papel ativo dos
“pequenos aprendizes” foram discutidas e complementadas por Vygotsky, que demonstrou
profundo interesse pela influência do ambiente social e cuja proposta mais importante foi a
zona de desenvolvimento proximal (BRANSFORD et al, 2007, p. 114, 115).
Na correlação do cognitivismo com a educação permanente e atuação em
educação em saúde dos profissionais dessa área, vale destacar três teorias preconizadas pela
41
Organização Pan-americana de Saúde que parecem fundamentarem-se nas ideias e preceitos
dos teóricos da corrente cognitivista: o Modelo Transteórico ou Teoria das Etapas de
Mudança, o Modelo de Crenças em Saúde (Health Belief Model) e a Teoria Social Cognitiva
(OPAS, 1996, passim).
A Teoria das Etapas de Mudança ou Modelo Transteórico foi originariamente
proposto por Prochaska, DiClemente & Norcross (1992) como auxílio na abordagem ao
tabagista e dependentes químicos e etílicos e vem sendo recentemente relacionado e utilizado
como instrumento diagnóstico comportamental, com diretrizes motivacionais para a educação
em saúde e nutricional, inclusive para a adesão ao tratamento dietético de doenças crônicas.
Possui uma aplicação mais individual e divide-se em cinco conceitos nos quais os pacientes
são comportamentalmente inseridos e transitam como etapas no processo de mudança, quais
sejam: pré-contemplação, contemplação, decisão, ação e manutenção (OPAS, 1996, p.13;
ASSIS & NAHAS, 1999; SNETSELAAR, 2005, p. 498-499).
O Modelo de Crenças em Saúde (MCS) ou Health Belief Model (HBM)
formulado por Becker & Mainan, em 1975, considera probabilidades de adoção ao
comportamento apropriado para a prevenção e controle de algumas doenças, dependendo da
percepção do indivíduo de uma ameaça à saúde pessoal, e a convicção de que a ação
recomendada reduziria esta ameaça. Dessa forma, um conjunto de crenças contribuiria para a
motivação e engajamento a um comportamento particular relacionado à saúde (ASSIS &
NAHAS, 1999). Sendo elas: suscetibilidade, gravidade, benefícios, barreiras, sinais de ação
de autoeficácia (OPAS, 1996, p. 15).
Essa mesma publicação da Organização Pan-americana de Saúde (1996)
recomenda sua aplicação em pesquisas populacionais, realizadas previamente à implantação
de programas de educação em saúde, com o intuito de conhecer a comunidade em questão, no
que diz respeito às suas crenças e conhecimento prévio (OPAS, 1996, p.13). No tratamento
para a perda ponderal poderá ser útil ao conselheiro nutricional conseguir extrair do paciente
uma motivação a partir do conceito de suscetibilidade às comorbidades associadas e, ambos,
trabalharem nos benefícios, derrubando, assim, as possíveis barreiras enraizadas no
conhecimento prévio do paciente.
A Teoria Social Cognitiva explica o comportamento humano como dinâmico
recíproco e a partir de três vias – fatores intra e interpessoais, as influências ambientais e o
comportamento – que interagem continuamente. Sua abordagem engloba grupos institucionais
42
de várias faixas etárias e divide-se em seis conceitos: determinismo recíproco, capacidade de
condução, expectativas, autoeficácia, aprendizagem por observação e reforço.
As três teorias podem se complementar no delineamento de um diagnóstico prévio
de uma população ou comunidade, e no tratamento da obesidade, na medida em que também
promovam adesão ao tratamento como um processo que necessita da postura consciente, ativa
e crítica-reflexiva por parte do paciente (OPAS, 1996, p.19-22; ASSIS & NAHAS, 1999;
TORAL & SLATER, 2007).
Além disso, inserem-se nesse contexto os aspectos idiossincrásicos do indivíduo
em seu modo de aprender, os quais, neste capítulo, serão apresentados, discutidos e
correlacionados com a obesidade a partir deste ponto.
3.1.2 Dois modos de aprender
Após um apanhado geral do contexto da corrente teórica cognitivista, necessário
para caracterizar o viés cognitivista do presente estudo, torna-se indispensável, aqui, situar os
dois modos de aprendizagem em sua origem humanista, do referencial teórico de Fromm
(1987), que passa posteriormente pela descrição de Barnes (1995), e a consequente proposta
dos dois modos de aprender dos indivíduos.
Por ser ou ter não me refiro a certas qualidades distintas de um sujeito em declarações como: “eu tenho um carro”, “eu sou branco ou “eu sou feliz”. Refiro-me a dois modos fundamentais de existência, a duas diferentes espécies de orientação para com o eu e o mundo, a duas diferentes espécies de estrutura de caráter cujas respectivas predominâncias determinam a totalidade do pensar, sentir e agir de uma pessoa (FROMM, 1987, p. 43).
A partir de um referencial humanista cristão e marxista, Erich Fromm, apresenta,
em sua obra “Ter ou Ser?”, duas formas de visão de mundo, dois modos de experiência e
postura psicossocial, cultural e ideológica diante da vida: o modo Ter e o modo Ser. O autor
descreve a sociedade aquisitiva – fruto da revolução industrial, traça um preocupante
prognóstico dos rumos desta sociedade, situa o Ter e o Ser nos diversos setores da experiência
de vida humana – na aprendizagem, nas recordações, na leitura, no exercício de autoridade, na
43
relação com o conhecimento, no amor e na fé – e propõe alternativas baseadas em uma
mudança de postura individual e ideológica, na qual a sociedade, hegemonicamente orientada
pelo modo Ser, recicla valores morais e éticos (FROMM, 1987, passim).
[...] ter é uma função normal de nossa vida: a fim de viver nós devemos ter coisas. Além do mais é preciso ter coisas a fim de desfrutá-las. [...], tem-se a impressão de que a própria essência de ser é ter: de que se alguém não tem, não é (FROMM, 1987, p. 35).
O Ter refere-se a uma forma aquisitiva, de pertença e posse do indivíduo ao se
relacionar com as pessoas, com as coisas, com o conhecimento e até consigo mesmo, no qual
“a pessoa é aquilo que tem”. Outros autores já citados neste trabalho situam a epidemia
mundial da obesidade como consequência da revolução industrial (HERNÁNDEZ &
ARNÁIZ, 2005, p. 329-330; ALMEIDA & FERREIRA, 2005, p. 185 et seq.). Evidência que
traz correlação com as ideias de Fromm ao propor a sociedade aquisitiva, com seu consumo
desenfreado em todos os setores da vida humana, inclusive no tocante à alimentação.
Fromm ainda enfatiza as duas manifestações características do modo Ter: o
hedonismo radical, com “a satisfação irrestrita de todos os desejos”, e o conceito de
incorporar, que indica a necessidade das pessoas predominantemente orientadas pelo modo
Ter de “incorporar uma coisa, como por exemplo, comendo-a ou bebendo-a, é uma forma
arcaica de possuí-la” (FROMM, 1987, p. 24-44).
Por outro lado, o Ser implica um processo constante de transformação gerado pela
autonomia e autenticidade, cuja atitude crítico-reflexiva reverte-se em verdade e evolução. É
muito mais do que uma declaração de identidade entre sujeito e predicado. Implica evolução e
transformação do indivíduo nos sentimentos e em todos os setores e relações de sua vida.
“Significa renovar-se, evoluir, dar de si, amar, ultrapassar a prisão do próprio eu isolado, estar
interessado, desejar, dar” (FROMM, 1987, p. 97).
Dessa forma, o Ser tem como requisitos primordiais a independência, a liberdade
e a razão crítica, e como maior característica, uma postura ativa do indivíduo (o “Ser Ativo”).
Não no sentido de estar atarefado, mas sim, uma forma de atividade íntima na qual o sujeito
faz uso criativo dos poderes e talentos humanos.
44
No entanto, como não se refere a coisas definíveis como o Ter, Fromm (1987, p.
97-98, grifos do autor) enfatiza que o Ser é, em sua essência indefinível em palavras, mas que
emerge na medida em que o sujeito se afasta do Ter, em sua busca por identidade e segurança
por meio da posse e do apego, o que exige “renúncia da egocentricidade e egoísmo, ou, nas
palavras frequentemente empregadas pelos místicos, tornando-se vazios, pobres”.
Na experiência cotidiana, os indivíduos orientados pelo Ter e pelo Ser destacam-
se, por exemplo, em situações como no exercício da autoridade, no qual a diferença reside em
ter autoridade e ser uma autoridade. Pois aquele que tem autoridade – situação que quase
todos nós já vivenciamos – a exerce de forma arbitrária, abusiva e ameaçadora, diferente
daquele que é uma autoridade devido à sua competência inata para tal. Trata-se de um
indivíduo que irradia autoridade, que não precisa dar ordens, ameaçar ou subornar, pois
demonstra autoridade pelo que é e, não, pelo que faz ou diz.
Outro exemplo da diferença entre Ter e Ser está na esfera do conhecimento, uma
vez que existem aqueles que têm conhecimento e aqueles que simplesmente conhecem. Os
primeiros tomam e conservam posse de conhecimento disponível (informação); já aqueles que
conhecem, utilizam este conhecimento de forma funcional, como meio no processo de
pensamento produtivo (FROMM, 1987, p. 53-55).
Conhecer significa penetrar através da superfície, a fim de chegar às raízes, e, por conseguinte, às causas; conhecer significa “ver” a realidade em sua nudez. Conhecer não significa estar de posse da verdade; significa penetrar além da superfície e lutar critica e ativamente a fim de se aproximar cada vez mais da verdade (FROMM, 1987, p. 56).
Em 1995, Barnes apresenta e aprofunda as correlações das ideias de Fromm sobre
o Ter e o Ser com a aprendizagem (1987, p. 46-48), propondo dois modos de aprender: o
modo aquisitivo, ou aprendizagem passiva e o modo interativo, ou aprendizagem ativa.
No modo aquisitivo o aprendiz vê o conhecimento como algo a ser adquirido e
possuído, todo um conjunto de conhecimento é transformado em um aglomerado de ideias
fixas ou teorias armazenadas de forma passiva, ou seja, o aprendiz torna-se tão somente um
proprietário de um conjunto de conhecimentos/noções e afirmações feitas por outra pessoa.
Dessa maneira, aluno e aula tornam-se estranhos, o primeiro tão somente tratou de se
45
apropriar de alguns conceitos que tenha conseguido levar para o papel, ou seja, a maior parte
do conteúdo não se torna parte dele, porque as ideias essenciais, difíceis de traduzir em
anotações de aula, acabam sendo ignoradas e banalizadas.
O modo interativo – aprendizagem ativa – é observado quando o aprendiz se
ocupa do assunto, ainda que antecipadamente à aula, e se envolve com o conhecimento que
está sendo construído durante a mesma. Portanto, o modo interativo proporciona estímulo dos
processos mentais do aprendiz, originando novas ideias e mudanças, por intermédio de
participação ativa, caracterizada pela compreensão de conceitos e questões, em lugar da pura
e simples retenção e apropriação destes. O aluno busca um aprofundamento na essência do
conteúdo da aula, persiste, tece analogias, recorda situações do cotidiano, busca interfaces
com áreas afins e torna-se parte do assunto, assim como este passa a ser parte de sua vida e
história.
Agindo de modo interativo, o aprendiz preocupa-se em aprofundar as afirmações
e informações com o objetivo de levantar questões, analisar e testar paradigmas, persistindo
nas ideias a fim de compreendê-las. Dessa forma, no modo interativo ou ativo, o aprendiz não
trabalha com afirmações isoladas, trata-as passivamente ou considera-as como conhecimento
fixo. Ele não absorve nada sem processar, fazer interfaces, conexões, confrontar com suas
próprias opiniões, refletindo ativamente nas questões levantadas (BARNES, 1995, p. 26-27).
Além do mais, o modo interativo facilita a memória, ao correlacionar-se
positivamente com a capacidade de lembrar, recordar e recuperar imagens e acontecimentos
prévios, que de alguma forma, deixaram uma impressão no aprendiz (FROMM apud
BARNES, 1995, p. 28-29; PEIXOTO & SILVA, 2002, p. 107).
Dessa maneira, retornando ao cerne das ideias propostas inicialmente por Fromm
(1987), faz-se necessário enfatizar que o Ter (aquisitivo) e o Ser (interativo) sempre estarão
diretamente ligados a diversos aspectos das diferentes experiências inerentes ao
desenvolvimento cognitivo, desde a mais tenra idade do comportamento humano.
Ou seja, todo indivíduo, antes mesmo de frequentar o ambiente escolar, aprende
coisas, hábitos e comportamentos. Inicia sua inserção cultural na sociedade em que vive,
desde o conhecimento mais elementar inserido no acostumar-se do universo do senso comum,
até as posteriores e sofisticadas questões filosóficas (SANTOS & PEREIRA, 1999, p. 40-47,
grifo dos autores). Entretanto, cada indivíduo terá sua forma peculiar de se posicionar diante
46
da vida, das pessoas, dos fatos, das coisas e do conhecimento, na qual emergem os dois
modos de aprendizagem propostos: pessoas predominantemente orientadas pelo Ter e aquelas
predominantemente orientadas pelo Ser.
Assim, torna-se razoável admitir que esse processo abranje também a formação
dos hábitos alimentares, das representações sobre o alimento, do “aprender a comer”, e
inclusive das concepções sobre saúde e doença, que devem ser observadas, com cuidado, pelo
profissional da área de saúde, no sentido de compreender e intervir em situações específicas,
tal como a obesidade.
3.2 Aquisição e interação na obesidade
Em 2003, Renni realizou um estudo qualitativo, com cuidadores de crianças
hemofílicas, com o intuito de descrever o significado da doença a partir da perspectiva do
sujeito, e verificar qual o modo de aprendizagem dos cuidadores e como este impactava a
evolução e o controle das lesões causadas pela hemofilia. Nesse estudo, a hipótese de trabalho
inicial foi bem semelhante à que orienta este estudo. Afirmava que crianças hemofílicas
cuidadas por indivíduos orientados para a interação teriam menos sequelas que aquelas
cuidadas por responsáveis orientados para a aquisição. Os resultados obtidos permitiram
aceitar a hipótese, dada a ocorrência de correlação positiva entre aprendizagem ativa
(interação) por parte dos cuidadores e uma boa evolução das respectivas crianças (RENNI,
2003).
No tocante à obesidade, sugere-se a possibilidade de considerar três aspectos na
relação entre atitudes do paciente obeso e os modos de aprendizagem aquisitiva e interativa. O
primeiro refere-se às atitudes do obeso, mais diretamente ligadas à relação com o profissional
de saúde e o atendimento nutricional. O segundo engloba as atitudes relacionadas ao próprio
obeso, na sua relação com a obesidade. E finalmente a terceira inclui os conceitos e crenças
do paciente sobre a obesidade, considerada como entidade mórbida abstrata e generalizante.
Dessa forma, o obeso orientado, por exemplo, predominantemente pelo modo
aquisitivo durante a consulta nutricional pode vir a apresentar-se extremamente passivo e
complacente, uma vez que aceita a prescrição e o estabelecimento de alterações em sua rotina
47
e horários sem esboçar qualquer tentativa de negociação e ajustamento que torne o programa
de reeducação alimentar mais próximo de seu cotidiano. Isso acontece porque frequentemente
este é um indivíduo que já vai para o tratamento com a estreita visão de que ele será um
sacrifício necessário a enfrentar, por alguns meses, mas que tão logo seu objetivo seja
alcançado poderá retornar à “sua vida normal”. Ainda mais, acredita não ser responsável pela
própria saúde, atribuindo esta tarefa ao profissional que o atende. Finalmente, é provável que
este paciente também não busque por novas informações que complementem as prescrições,
aqui e neste contexto adquiridas.
Consequentemente, de volta à sua realidade, ao se deparar com a dieta prescrita e
a necessidade de sua implementação, defronta-se com suas próprias responsabilidades. E,
assim, sua adesão ao tratamento, muito provavelmente, será frágil e por um curto espaço de
tempo.
Para obesos interativos, todo este processo é natural, uma vez que o programa de
reeducação alimentar que tem, em mãos, não é um corpo estranho no seu dia-a-dia; mesmo
porque já havia a pré-consciência de que o tratamento não envolvia uma autopunição
temporária mas sim uma transformação em seus hábitos alimentares e estilo de vida. Então,
além de um relacionamento ativo e questionador com o conselheiro nutricional, este indivíduo
complementa as orientações nutricionais com informações apreendidas, nos meios de
comunicação em massa, livros etc.
Ressalte-se, ainda, que obesos aquisitivos parecem ter uma forte tendência a
transferir, para o conselheiro nutricional, a responsabilidade pelo seu tratamento. Em
decorrência disso, é muito comum que pessoas obesas já tenham passado por diversos
tratamentos e profissionais diferentes. Já os obesos interativos, ao contrário, participam
ativamente, negociam, partilham e constroem seu aprendizado constantemente e junto com o
profissional, deixando de ser objetos e se tornando sujeitos de seu tratamento.
Com certos obesos o conselheiro nutricional precisa ter um cuidado redobrado
para não pré-julgar determinados aspectos. Por exemplo: nem sempre que um indivíduo com
excesso de peso afirma não compreender o porquê disso, uma vez que “quase não come” ou
“não come tanto para estar daquele jeito”, significa que este paciente esteja omitindo fatos de
sua realidade e ingestão alimentar. É que obesos aquisitivos, muito provavelmente, terão uma
menor consciência do quanto ingerem nos intervalos das refeições.
48
Por outro lado, pode-se sugerir que obesos aquisitivos também podem ter clareza
de seu consumo alimentar excessivo tanto nos intervalos, quanto durante as refeições. No
entanto, esta consciência não os traz para a predominância da interação, devido à acomodação
que ela reflete. Ou seja, existe uma submissão a fatores percebidos pelo indivíduo como
imutáveis que favorecem sua obesidade, sejam eles intrínsecos ou extrínsecos e que ademais,
os tornam “vítimas” da mesma, de acordo com sua própria perspectiva.
Longe disso, a interação sugere que os obesos orientados neste modo de
aprendizagem têm maior consciência de sua ingestão alimentar excessiva, por isso não se
submetem aos fatores causais de sua obesidade, dos quais se responsabilizam pelas medidas
necessárias ao seu combate.
Outro ponto que requer uma correlação com o modo aquisitivo e interativo é a
distinção entre lapso e recaída. Obesos orientados pela aquisição, muito provavelmente, não
conseguirão diferenciar ambas as situações e transformarão um lapso em abandono do
tratamento. Já obesos orientados pelo modo interativo desfrutam de momentos
prazerosamente gastronômicos, com familiares e amigos, e no dia seguinte retornam à sua
rotina de mudança de comportamento alimentar. Isso não quer dizer que os aquisitivos
também não desfrutem de tais momentos. O que se argumenta aqui é que, possivelmente, sua
postura de posse e pertença os atrapalhe a separar as duas situações e colocar um “ponto
final” nestes momentos.
Com relação à própria obesidade, os indivíduos com excesso de peso e imersos na
aquisição, parecem ter na patologia o traço marcante de sua personalidade e/ou caráter
compartilhado por outros membros da família, o que pode causar um menosprezo pela
gravidade da doença, subestimando seus riscos e prejuízos à saúde. Consequentemente, o
tratamento será encarado como uma mera manipulação de comida de diferentes tipos e
quantidades.
Já aqueles inseridos na interação, responsabilizam-se não somente pelo tratamento
mas também pela obesidade, em todos os seus desdobramentos, pois esta não é a
característica que resume sua essência, nem tampouco necessita dela para estabelecer conexão
familiar. Esta responsabilidade gera autonomia que possibilita a interação com informações
complementares, em fontes diversas, e com outras pessoas, no intuito de buscar um
autocuidado da patologia, compreendendo o alimento como mediador material e simbólico
desse processo.
49
Apesar dessas polaridades – da aquisição e da interação – propostas a partir dos
constructos de Fromm (1987) e Barnes (1995), e correlacionadas livremente aqui com a
obesidade, é importante salientar que indivíduos com excesso de peso, em todos os aspectos
classificáveis, no modo aquisitivo, podem vir a obter sucesso em tratamento de perda
ponderal; assim como aqueles classificáveis como interativos podem nunca chegar a perder
peso significativamente em um ou vários tratamentos dietoterápicos. Ou ainda, as duas
situações de sucesso ou insucesso, na perda de peso, podem acontecer com pessoas que
apresentam uma mescla de ambos os modos de aprender a tratar o sobrepeso. Como será
possível observar adiante nos resultados desta pesquisa, descritos no item 4.5.
Abaixo, em um esforço de síntese apresentam-se as questões supracitadas no
quadro 1:
Aquisitivo Interativo
Quanto ao atendimento
1 Concorda com as orientações sem questionar. Questiona as aplicações práticas das orientações
dadas.
2 As orientações recebidas bastam-lhe; não procura por outras, em fontes diversas de
informação.
As orientações servem de base para a busca de novas informações em diversas fontes.
3 Não tem consciência do autocuidado
orientado. Aprende o autocuidado com postura consciente.
4 A responsabilidade pelo tratamento é
exclusivamente do profissional. A responsabilidade pelo tratamento é partilhada e
negociada entre ele e o profissional.
Quanto a si mesmo
5 Transforma lapso em recaída. Diferencia lapso de recaída.
6 Encara o tratamento como um sacrifício
passageiro. Encara o tratamento como uma reeducação de hábitos
e estilo de vida.
7
Acomodado – Mesmo identificando eventos ou fatores que favorecem a obesidade entende-os como imutáveis e, portanto
submetido a eles.
Ativo – Ao identificar eventos ou fatores que favorecem a obesidade, entende-os como passíveis de
mudança e, portanto não se submete a eles.
8 Coloca-se com vítima da doença e suas
consequências. Assume responsabilidade pelo seu peso corporal,
tomando medidas para combater suas consequências.
9 Não tem consciência de sua ingesta alimentar
diária. Tem consciência de sua ingesta alimentar diária.
Quanto à obesidade
50
10 A obesidade é um traço inerente à pessoa ou à
família. A obesidade é uma característica não essencial da
pessoa ou da família.
11
A obesidade é causada por situações, pessoas e fatos (externos ou não) que submetem ao
indivíduo à moléstia. O obeso não tem responsabilidade pela obesidade.
A obesidade é causada por situações, pessoas e fatos, externos ou não, que podem ser, pelo menos em parte,
controláveis pelo indivíduo. O obeso tem responsabilidade pela obesidade.
12
Visão estreita do assunto – Entende a obesidade apenas como aumento de peso e cujo tratamento é apenas a manipulação de comida de diferentes tipos e quantidades.
Visão ampla do assunto – Entende a obesidade como balanço energético e doença sistêmica. Seu tratamento
envolve tanto aspectos alimentares principalmente ditos como modificação de visões de mundo. O
alimento tem um significado tanto material como simbólico.
Quadro 1. Características dos dois Modos de aprendizagem na obesidade
3.3 Procedimentos Metodológicos
[...] os atos sociais envolvem uma propriedade que não está presente nos outros setores do universo abarcados pelas ciências naturais: o SIGNIFICADO (HUSSERL, 1980, p. 181 apud MINAYO, 1999, p. 55, grifo da autora).
Minayo baseia-se no filósofo Husserl para apresentar e discutir os contributos da
linha de pensamento da Fenomenologia para pesquisas em saúde, e acrescenta que, no campo
de preocupações da fenomenologia social, está o mundo da vida cotidiana no qual o homem
se situa com suas angústias e preocupações em intersubjetividade com seus semelhantes.
Além disso, em muitas situações, as pesquisas com uma abordagem dialética possibilitam ao
campo da Saúde uma compreensão desses aspectos sócioeconômicos, políticos e ideológicos
relacionados com os saber teórico e prático, popular e científico, acerca do autocuidado, dos
constructos e dos significados em sua totalidade histórico-cultural.
Leedy & Ormrod (2005, p.139) afirmam que em um estudo fenomenológico, a
questão principal é explicitar os significados dos indivíduos com relação a sua experiência,
implicando percepções, perspectivas e compreensões pessoais de uma situação particular.
Em coerência com esses argumentos, o presente estudo prossegue à luz da linha
fenomenológica, uma vez que esta concebe a subjetividade como constitutiva do ser social e
inerente ao âmbito da autocompreensão objetiva (MINAYO, 1999, p. 13 e 55-56). Uma vez
51
que a fenomenologia considera a intencionalidade da consciência humana para descrever,
compreender e interpretar o fenômeno a ser estudado.
Ao nos reportarmos aos argumentos oferecidos como justificativas para a
realização desta pesquisa, bem como à construção do objeto de estudo, encontramos várias
situações que já indicam a necessidade de um caminho metodológico que torne explícito o
que está implícito, no comportamento e nas experiências humanas. A orientação metodológica
da fenomenologia proporciona este retorno ao mundo da vida cotidiana, com base em relatos
descritivos da ação social (COLTRO, 2000).
Em outras palavras, este trabalho, ao se debruçar no universo da obesidade com
um olhar fenomenológico, pretende trazer luz a diversas lacunas ainda existentes, apesar dos
inúmeros trabalhos publicados sobre este assunto. Ainda que seu foco sejam os aspectos
cognitivos – por ser de orientação fenomenológica – o presente estudo pode abrir novos
horizontes de pesquisa e evidenciar os vieses subjetivos da experiência vivida por indivíduos
obesos, em sua relação com a patologia e o conselheiro nutricional.
Dessa forma, para ir ao encontro dos objetivos propostos, esta pesquisa estratégica
norteou-se pelo método qualitativo. Trata-se de uma pesquisa estratégica porque, conforme
definiu Minayo (1999, p. 26), orienta-se para problemas que surgem na sociedade, ainda que
não preveja soluções práticas para esses problemas, com a finalidade de lançar luz sobre
determinados aspectos da realidade. Quanto à abordagem qualitativa, esta se evidenciou desde
a construção do problema e do objeto deste estudo, visto que “parte do pressuposto de que as
pessoas agem em função de suas crenças, percepções, sentimentos e valores, e que seu
comportamento tem sempre um sentido, um significado que não se dá a conhecer de modo
imediato, precisando ser desvelado” (ALVES-MAZZOTTI & GEWANDSZNAJDER, 1999,
p.131) tendo sido importante por favorecer esta compreensão empírica da realidade, na
perspectiva dos sujeitos estudados; ou seja, compreendendo o comportamento e a experiência
humana, na medida em que buscou estudar o processo mediante o qual as pessoas construíram
seu aprendizado (BOGDAN & BIKLEN, 1994).
Chor (1999), ratifica a escolha do método qualitativo para pesquisas como a
descrita neste trabalho, ao reconhecer “as lacunas deixadas pela epidemiologia, ao não levar
em conta o caráter não racional das escolhas de comportamento” (CHOR, 1999).
52
3.3.1 O contexto do estudo
O UniFOA é um Centro Universitário situado na cidade de Volta Redonda – RJ,
cujo Curso de Nutrição utiliza os hospitais e unidades básicas de saúde do município para a
realização de estágio curricular supervisionado em Nutrição Clínica e Nutrição Social,
conforme estabelecido em Projeto Pedagógico. No Campus Olézio Galotti, no bairro Três
Poços, funciona a Policlínica André Sarmento Bianco, também vinculada à Secretaria
Municipal de Saúde de Volta de Redonda. Ela se destina, entre outros objetivos, à
acomodação de estagiários no atendimento gratuito para funcionários e alunos da instituição e
comunidade não só do município de Volta Redonda, mas também de outros municípios da
região, tais como Pinheiral e Barra Mansa.
Na policlínica, o grupo de estagiários do 7° período de Nutrição realiza consultas
ambulatoriais, grupos de obesidade (Grupo de Reeducação Alimentar – GRA) e grupo de
hipertensos e diabéticos. Os pacientes são oriundos tanto de encaminhamentos dos módulos
de saúde da família, quanto do agendamento de demanda espontânea. Em ambas as situações
verifica-se um crescente número de casos de obesidade associada ou não a outras
comorbidades.
Nas situações de consultas individuais, os estagiários têm autonomia para
conversar livremente com os pacientes e possíveis acompanhantes. As consultas transcorrem
de acordo com a resolução N° 417/2008 do Conselho Federal de Nutricionistas (CFN –
Anexo B), que estabelece as fases do atendimento ambulatorial de nutrição, bem como os
protocolos de avaliação nutricional e cálculo de dieta. Após aprovação da preceptora dos
cálculos nutricionais estabelecidos pelo estagiário, o mesmo explica ao paciente a utilização
da lista de substituição de alimentos (formulário próprio do serviço) e realiza o
aconselhamento nutricional, cujas orientações são específicas de acordo com cada patologia e
contexto.
O grupo destinado ao tratamento da obesidade – Grupo de Reeducação Alimentar
(GRA) – consiste em uma triagem dos pacientes de demanda espontânea para tratamento tão
somente do excesso de peso, em reuniões especiais, elaboradas, executadas e avaliadas pela
preceptora de estágio, em parceria com um grupo de alunos participantes de um projeto de
53
iniciação científica, o qual leva o nome do grupo e que possui metodologia de ensino
específica.
3.3.2 Os sujeitos do estudo
O recorte constituiu-se de adultos de ambos os sexos, que tenham apresentado
perda ponderal após período de tratamento nutricional, ou que tenham abandonado o
tratamento em qualquer fase, inclusive aqueles que, embora não tenham abandonado o
tratamento, também não demonstraram adesão ao mesmo. Para tanto, foram estabelecidos
critérios que tornassem a amostra homogênea e critérios de exclusão, elencados a seguir:
Critérios para Homogeneizar os Participantes
Foram eleitos para participar da pesquisa, indivíduos:
• de ambos os sexos e adultos, com faixa etária entre 20 e 65 anos de idade, de acordo
com a Organização Mundial de Saúde (OMS, 1995 apud ENGSTRON, 2002, p.
94,101), exceto gestantes e nutrizes;
• portadores de obesidade, ou seja, aqueles que tenham IMC maior ou igual a 30 kg/m2 ,
com exceção daqueles cujo percentual de gordura corporal seja incompatível com a
obesidade (< 30%, CUPPARI, 2002, p. 153), e que receberam orientações nutricionais
nos últimos 5 anos;
• que possuíam IMC entre 25 e 29,9 Kg/m2 ou dentro da faixa de eutrofia, desde que
tivessem história pregressa recente de obesidade, tendo ocorrido a perda ponderal em
menos de 5 anos, com manutenção do peso e diagnóstico de IMC, após tratamento
dietoterápico;
• cuja perda ponderal, neste espaço de 5 anos, não tenha sido mantida;
• que tendo recebido orientações dietéticas, não chegaram a perder peso, pois evadiram
do tratamento, em qualquer momento do mesmo;
54
• que tendo recebido orientações dietéticas, não chegaram a perder peso, pois apesar da
assiduidade às consultas, na realidade não demonstravam complacência às
recomendações;
• que se declararam com renda suficiente para obtenção de alimentos, vestuário,
medicamentos etc;
• que soubessem ler e escrever.
Dos 16 participantes da pesquisa, 06 foram pacientes atendidos individualmente
no ambulatório da Policlínica, dos quais somente 01 obteve sucesso na perda ponderal, após
adesão ao tratamento, os outros 05 evadiram do mesmo com insucesso. Outros 04 eram
participantes do GRA, dos quais somente 01 aderiu ao tratamento e obteve sucesso no
mesmo; já os outros 03, apesar de não encontrarem resultados significativos na perda de peso,
mantinham-se assíduos aos encontros do grupo. E há ainda, 06 entrevistados que obtiveram
sucesso na perda ponderal, no entanto, não eram pacientes da Policlínica UniFOA. Dentre
eles, 02 receberam orientações de conselheiro nutricional em consultório particular; 04
emagreceram após cirurgia bariátrica; desses, 03 são funcionários da Instituição. Dentre esses
entrevistados, todos os 04 receberam orientações de profissionais de saúde (endocrinologistas)
e/ou de nutricionistas no acompanhamento pré e pós-cirúrgico.
3.3.3 A coleta de dados
Tendo por base as recomendações de Bogdan & Biklen (1994) e Minayo (1999, p.
109), foi utilizada a técnica da entrevista aberta semiestruturada, pois permite a obtenção de
dados descritivos na linguagem do próprio sujeito, desenvolvendo no pesquisador uma ideia
sobre a maneira dos sujeitos interpretarem aspectos do mundo e da construção ou
reconstrução de hábitos e atitudes de comportamento alimentar.
Assim sendo, o roteiro de perguntas a seguir, serviu apenas como ponto de partida
para facilitar a pesquisadora. Por isto não houve obediência estrita a ele, possibilitando que o
entrevistado expusesse suas ideias livremente. Ou seja, essas perguntas indicavam para a
entrevistadora a informação desejada. No entanto, a forma e a ordem com que as questões
foram elaboradas durante as entrevistas, dependeram das características do entrevistado.
55
Além disso, no roteiro abaixo grafado, as perguntas serão apresentadas juntamente
com a informação que buscam obter. Da mesma forma que os critérios de classificação
apresentados em próximo item, tais objetivos se construíram inicialmente a partir da leitura da
obra “Ter ou Ser?” de Erich Fromm (1987). Em seguida, por meio da releitura dos modos Ter
e Ser propostos por Barnes (1992) correlacionando-os com: a) a obesidade; b) o
comportamento alimentar de obesos; c) a atitude dos mesmos diante de uma proposta de
tratamento dietoterápico. Finalmente o roteiro construído foi testado em duas entrevistas,
visando verificar sua adequação.
Roteiro de entrevista
Objetivo: Situar o início da obesidade na história do indivíduo; indicar a relação do sujeito
com a sua obesidade, bem como seu nível de consciência com relação às causas da mesma.
• Você foi uma criança e/ou adolescente obeso? Em que fase da vida você se tornou
obeso?
• Qual é a lembrança mais antiga que fez com que você realmente se sentisse uma
pessoa gorda?
• A que você atribui seu ganho de peso nesta fase?
• O que te deu a certeza de que está obeso?
Objetivo: Identificar construção dos hábitos pessoais, dentro da influência positiva e/ou
negativa do contexto do meio no qual estava inserido
• Como eram os hábitos alimentares da sua família?
• Qual era a sua relação com esses hábitos?
Objetivo: Indicar o significado da doença, sob a perspectiva do próprio sujeito.
• O que é obesidade para você?
Objetivo: Situar o pesquisador no histórico de procuras do indivíduo por ajuda para
tratamento e possíveis informações prévias sobre a obesidade e seus desdobramentos.
56
• Quando você ouviu pela primeira vez de um profissional de saúde o diagnóstico de
obesidade? O que sentiu?
• Este profissional lhe deu informações sobre a obesidade? O que é? Quais os riscos?
Como tratar?
Objetivo: Denunciar o comportamento alimentar.
• Com relação à comida, como você se comporta à mesa ou em festas e outros eventos
sociais?
Objetivo: Verificar qual foi a motivação da busca por tratamento.
• Como foi que você chegou ao tratamento nutricional? Por quê?
Objetivo: Verificar a relação do sujeito com o tratamento e uma possível influência na
motivação.
• Quando iniciou o tratamento, qual era sua visão a respeito do mesmo? Você pensava
em uma dieta ou em uma reeducação alimentar?
• O que significou, para você, fazer tratamento alimentar para perder peso?
Objetivo: Apontar a relação desse sujeito com o alimento se era/é uma relação característica
do Ter ou do Ser.
• Como você se comporta quando sente vontade de comer algum alimento ou
preparação calórica, não indicado no seu programa de reeducação alimentar?
• Com relação à comida, como você se comporta à mesa, ou em festas e outros eventos
sociais?
O grupo de perguntas a seguir foi feito somente àqueles indivíduos que
conseguiram perder peso após tratamento nutricional e manter esta condição:
Objetivo: Indicar o modo de esse paciente lidar com a reeducação alimentar: ativo ou
passivo.
• Qual foi sua postura e atitude diante do tratamento?
57
• Você procurou e tem procurado ler mais e se informar sobre obesidade e alimentação
saudável em outras fontes de informação? Quais? Por que essas?
• Os seus familiares e amigos participaram ou têm participado do tratamento? Como?
• O que significou para você essa perda de peso? Como se sentiu?
• Qual foi o grande aprendizado que você teve, com relação à alimentação e hábitos
alimentares, durante este processo?
Objetivo: Indicar a relação deste sujeito com o alimento mesmo após a perda ponderal se
era/é uma relação característica do Ter ou do Ser.
• Como você se comporta quando sente vontade de comer algum alimento ou
preparação calórica não indicada no seu programa de reeducação alimentar?
• Como era essa situação de “vontade de comer algo” antes da reeducação alimentar e
da perda de peso?
• Com relação à comida, como você se comportava à mesa, ou em festas e outros
eventos sociais, e como se comporta agora?
O grupo de perguntas que se seguem foi feito somente para os pacientes que
abandonaram o tratamento:
Objetivo: Indicar o grau e o tempo de comprometimento com o tratamento e as possíveis
causas da evasão.
• Em que momento você abandonou o tratamento? Você chegou a seguir as orientações
por pelo menos alguns dias?
Objetivo: Verificar a relação do sujeito com o tratamento e uma possível influência desta
relação na motivação.
• O que significou, para você, fazer dieta para perder peso?
• Qual foi sua postura e atitude diante da dieta?
Objetivo: Indicar o modo como cada paciente lidou com a reeducação alimentar: ativa ou
passiva – buscando inclusive informações em tratamentos anteriores.
58
• Você procurou e tem procurado ler mais e se informar sobre obesidade e alimentação
saudável em outras fontes de informação? Quais? Por que estas?
• Como seus familiares e amigos participaram e têm participado do tratamento?
• O que foi mais difícil na dieta? Por quê?
• E outros tratamentos (para perder peso), por que foram abandonados?
• O que significou para você esse(s) abandono(s)?
O grupo de perguntas a seguir foi feito somente para os pacientes que, não tendo
aderido ao tratamento, também não o abandonaram completamente e se mantinham, assíduos
às consultas, sem, no entanto, obter sucesso na perda de peso:
Objetivo: Verificar a relação do sujeito com o tratamento e uma possível influência na
motivação, indicando inclusive passividade diante da necessidade de mudança do
comportamento alimentar.
• O que significa, para você, fazer dieta para perder peso?
• O que você acha de todas as orientações que recebe aqui? Por quê?
Objetivo: Buscar a falha na adesão ao tratamento e sua correlação com o modo de orientação
Ter ou Ser.
• O que tem sido mais fácil e o que tem sido mais difícil na dieta? Por quê?
Todas as entrevistas foram gravadas em aparelho MP3 digital e fita cassete
(mediante autorização dos sujeitos estudados), e foram transcritas logo após o término, para
facilitar na pormenorização de detalhes descritivos. Antes de iniciar a entrevista, os pacientes
entrevistados foram informados da confidencialidade dos dados obtidos e assinaram o Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido, segundo determinação do Comitê de Ética em
Pesquisa Científica em Seres Humanos (Anexo C).
Esta pesquisa foi entregue, para apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa
Científica em Seres Humanos do Centro Universitário de Volta Redonda, por ser o local da
realização de maior parte da coleta, tendo sido aprovado pelo mesmo no processo N° 169/07
em 07 de dezembro de 2007, conforme documento em Anexo D.
59
No momento da transcrição, os participantes tinham seus nomes modificados,
com o intuito de proteger e resguardar sua privacidade e sigilo. A escolha desses nomes
obedeceu ao seguinte critério estabelecido pela pesquisadora: o primeiro entrevistado recebeu
um nome iniciado pela letra “A”; o segundo, pela letra “B”; o terceiro, pela letra “C” e assim
por diante. Dessa forma, é possível o leitor saber, por exemplo, que a entrevista do João foi a
décima a ser realizada.
Além disso, uma classificação preliminar também foi elaborada, e logo em
seguida do pseudônimo, seguem-se os códigos A+S (adesão com sucesso), E+I (evasão com
insucesso), tto assíduo + ñ adere (referência as três participantes do GRA, que frequentam
assiduamente os encontros do grupo, mas não emagreciam, pois não faziam a dieta), e
A+S/E+I após Cir. Bariát. (referência aos pacientes que obtiveram sucesso, ou não, na perda
ponderal, depois de submetidos à cirurgia bariátrica).
Entretanto, vale destacar que o termo adesão aqui, neste contexto, abrange
também uma postura de complacência3, por parte do entrevistado, diante do tratamento e a
assiduidade às consultas. O termo evasão, por sua vez, já tendo ficado explícito nos critérios
de homogeneização dos participantes do estudo, refere-se ao abandono do tratamento, a
qualquer momento do mesmo, ainda que o entrevistado só tenha participado de uma única
consulta nutricional. O sucesso relaciona-se com a perda de peso desejada e consequente
alteração do IMC, e o insucesso com a manutenção da condição de obesidade, de acordo com
a classificação no IMC.
3.3.4 Critérios de classificação
Weber (1974 apud MINAYO, 1999, p. 50-51) propôs a construção do tipo ideal
para melhor compreensão da realidade social, nas bases teórico-metodológicas da sociologia
compreensiva. Nessa linha de pensamento, o autor “nos diz que as realidades sociais são
construídas nos significados e através deles e só podem ser identificadas na linguagem
significativa da interação social.” A partir destas reflexões, a teoria dos tipos ideais serviu
como um instrumento racional e teórico de aproximação da realidade.
3 Ver item 2.3
60
Os “tipos-ideais” não existem empiricamente, são artifícios criados pelo cientista para ordenar os fenômenos, para indicar suas articulações e seu sentido. Sintetizam e evidenciam os traços típicos, originais de determinado fenômeno tornando-o inteligível (MINAYO, 1999, p. 51).
Propondo este instrumento, Weber pretendia “tornar as Ciências Sociais rigorosas
e fidedignas, mas de uma perspectiva diferente da abordagem positivista” (MINAYO, 1999,
p. 51). Por isso, na perspectiva deste estudo, os critérios de classificação que seguem serviram
com um modelo de tipo ideal dos indivíduos orientados pela aprendizagem passiva ou
aquisição ‘Ter’ e aqueles orientados pela aprendizagem ativa ou interação ‘Ser’. Dessa forma,
a classificação foi feita a partir de uma aproximação deste ou daquele modo de aprendizagem
ideal.
Assim como o roteiro de perguntas já apresentado, estes critérios também se
basearam nos constructos de Fromm (1987) e Barnes (1995), só que de forma mais pontual,
uma vez que o próprio Barnes estabeleceu características bem polares dos dois modos de
aprendizagem – aquisitivo e interativo – a partir do Ter e do Ser de Fromm.
Por exemplo, Fromm (1987) caracteriza pessoas orientadas predominantemente
pelo Ter como aquelas cuja postura de posse e pertença se observa em todas as atividades e
relações de suas vidas, inclusive durante o processo de aprendizagem. Em 1995, a partir
dessas ideias, Barnes afirma que o aluno aquisitivo é aquele cuja postura diante de uma aula é
de receptáculo passivo de informações que procura adquirir e armazenar, mas que não se
tornam parte dele. Assim sendo e de forma análoga, trazendo estas características para a
obesidade e comportamento alimentar de obesos, foi possível estabelecer, como critério de
classificação, que o obeso aquisitivo não participa ativamente da construção de seu programa
de reeducação alimentar. Pelo contrário, aceita as orientações recebidas sem questioná-las, e
não busca complementá-las em outras fontes de informação.
Assim sendo, os pacientes considerados como aquisitivos, segundo o descrito por
Fromm e Barnes foram aqueles que:
• Não se referiram a nenhum questionamento sobre as orientações recebidas,
simplesmente as seguiam ou não;
• Demonstraram uma tendência a transferir/atribuir a responsabilidade pelo tratamento a
terceiros (o profissional, alguém da família, amigos etc);
61
• Não tiveram interesse em complementar seus conhecimentos em outras fontes de
informação;
• Demonstraram dificuldade em dissociar lapso4 e recaída5;
• Entenderam o tratamento como um sacrifício com data marcada para terminar e não
como um processo de reeducação perene;
• Demonstraram acomodação e conformismo;
• Apresentaram tendência à vitimização;
• Atribuíram causas externas à obesidade;
• Quando assumiam a própria responsabilidade, apresentavam-se incapazes de agir
contra a obesidade;
• Entenderam a obesidade como um traço inerente à sua pessoa ou família.
Com o mesmo raciocínio procedeu-se o estabelecimento dos critérios de
classificação para a interação. Em 1987, Fromm propõe que o Ser, dentre outras
características, implica um processo constante de transformação e evolução. Barnes (1995), a
partir disso, afirma que alunos interativos interessam-se e transformam-se com as novas ideias
aprendidas em uma aula, por exemplo. Da mesma forma, no comportamento alimentar de
obesos interativos, diante de uma proposta de tratamento, verifica-se a compreensão por parte
do paciente, de que isso se trata de uma reeducação alimentar, parte de um processo de
aprendizado que gera mudança, transformação. Dessa maneira, os pacientes considerados
como interativos, segundo o descrito por Fromm e Barnes foram aqueles que:
• Submeteram as orientações ao seu julgamento crítico;
• Construíram a dieta junto com o profissional;
4 Definido linhas atrás por Sternberg (1993) apud Assis & Nahas (1999) como a primeira ocorrência de uso ou ingestão de substância alvo após período de abstinência ou exemplo de ingestão não planejada e controlada, na qual uma quantidade calórica superior ao recomendado é ingerida sem planejamento prévio e compensatório anterior (item 2.3).
5 Assim como o anterior definido como abandono do tratamento e recuperação do emagrecimento conquistado (item 2.3).
62
• Em caso de abandono, o fizeram de forma explícita, como decorrente de decisão
própria;
• Assumiram a responsabilidade de seu tratamento, demonstrando capacidade de fazê-
lo;
• Buscaram complementar o conhecimento fornecido pelo profissional de saúde em
outras fontes de informação;
• Conseguiram e ainda conseguem dissociar lapso de recaída;
• Entenderam o tratamento como reeducação alimentar, ainda que não conseguissem
expressar este termo específico;
• Demonstraram-se ativos diante do tratamento, conseguindo atuar nas causas inerentes
ao contexto sócio-ambiental da obesidade;
• Tiveram responsabilidade pela obesidade, compreenderam isso e buscaram modificar
as causas externas e internas; não se fizeram de vítima da doença.
3.3.5 Análise dos dados
Os arquivos de som do tipo “wave”, oriundos das entrevistas, foram escutados
algumas vezes para observação e reconhecimento do sentido lógico, na ligação e relação entre
os elementos que constituem a superfície textual. Como já foi dito, a transcrição era feita logo
em seguida à entrevista, para melhor detalhamento das reações e atitudes dos entrevistados na
transcrição. Essas transcrições, na íntegra, não constam no anexo deste estudo por conterem
informações pessoais percebidas, pela pesquisadora, como confidenciais.
Com as transcrições impressas, foi realizada uma leitura inspecional – leitura
superficial de um texto ou livro inteiro sem a preocupação em aprender algo de imediato
(ADLER & VAN DOREN, 1990, p.41) – para uma compreensão mais abrangente sobre cada
sujeito. Logo após, foi realizada uma leitura analítica, pormenorizada para marcação de
aspectos relevantes (ADLER & VAN DOREN, 1990, p. 85).
63
Dessa forma, as manifestações dos critérios de classificação – aquisitivos e
interativos – foram sublinhadas. De acordo com Salomon (1993, p. 73), sublinhar é uma
técnica que deve ser utilizada após a leitura do texto inteiro e que serve para marcar uma ideia
principal, os detalhes importantes e o que de fato interessa ao leitor de forma significativa.
Feito isso, os sujeitos foram aproximados de tal ou qual modo de aprendizagem de
acordo com o predomínio de um ou outro grupo de critérios. Vale destacar que esses grupos
de critérios caracterizam dois modos de aprendizagem ideais, isto é, existentes apenas como
ideias abstratas que sintetizam um conceito. Os modos de aprendizagem aqui utilizados o são
apenas como ferramentas auxiliares para a compreensão dos sujeitos, na perspectiva deste
estudo. Os participantes do estudo, assim como todos e quaisquer indivíduos, de fato possuem
características tanto da aquisição quanto da interação, variando inclusive conforme a situação
específica na qual se dá a aprendizagem. Por isso e para diminuir o risco da reificação, a nossa
ênfase no diagnóstico por aproximação ao modelo ideal do modo de aprendizagem. Nesse
sentido, procuramos, em cada sujeito, identificar as características que, por sua intensidade,
frequência, regularidade ou permanência na manifestação, permitiram aproximá-lo mais de
um modo ideal de aprendizagem do que de outro.
No entanto, dado o perfil pouco característico de dois indivíduos (João e
Mateus), para sua aproximação aos modos ideais, fez-se necessária a construção de quadros
comparativos dos critérios de classificação, conforme o exemplificado a seguir no quadro 2.
Nestes, os critérios foram grafados em cores diferentes em uma escala do rosa pálido ao
vermelho, o que indicava, respectivamente, a importância de cada critério no comportamento
e no relato do indivíduo, sendo muito útil à pesquisadora na aproximação desses dois sujeitos,
especificamente, no modo de aprendizagem.
Como se vê, a seguir, a escala cromática apontou o predomínio da interação,
apesar de se tratar de um paciente que abandonou o tratamento com insucesso no mesmo.
64
CRITÉRIOS DA AQUISIÇÃO CRITÉRIOS DA INTERAÇÃO
Não se referiram a nenhum questionamento sobre as orientações recebidas, simplesmente as seguiam ou não;
Demonstraram uma tendência a transferir/atribuir a responsabilidade pelo tratamento a terceiros (o profissional, alguém da família, amigos etc);
Não tiveram interesse em complementar seus conhecimentos em outras fontes de informação;
Demonstraram dificuldade em dissociar lapso e recaída;
Entenderam o tratamento como um sacrifício com data marcada para terminar e não como um processo de reeducação perene;
Demonstraram acomodação e conformismo;
Apresentaram tendência à vitimização;
Atribuíam causas externas à obesidade;
Quando assumiam a própria responsabilidade, apresentavam-se incapazes de agir contra a obesidade;
Entendiam a obesidade como um traço inerente à sua pessoa ou família.
Submeteram as orientações ao seu julgamento crítico;
Construíram a dieta junto com o profissional;
Em caso de abandono, o fizeram de forma explícita, como decorrente de decisão própria;
Assumiram a responsabilidade de seu tratamento, demonstrando capacidade de fazê-lo;
Buscaram complementar o conhecimento fornecido pelo profissional de saúde em outras fontes de informação;
Conseguiram e ainda conseguem separar lapso de recaída;
Entenderam o tratamento como reeducação alimentar, ainda que não conseguissem expressar este termo específico;
Demonstraram-se ativos diante do tratamento, conseguindo atuar nas causas inerentes ao seu contexto sócio-ambiental da obesidade;
Tiveram responsabilidade pela obesidade, compreendiam isso e buscavam modificar as causas externas e internas, não se faziam de vítimas da doença.
Quadro 2. Quadro comparativo dos critérios de classificação de João
Novamente, com a íntegra das transcrições em mãos, foi construído o que se
denominou como Quadros de Aprendizagem (Apêndice A). Estes quadros, em consonância
com o roteiro de perguntas utilizado, correlacionam: a) a obesidade; b) o comportamento
alimentar; c) a atitude do obeso diante do tratamento, com as Questões Aristotélicas – O quê?,
Quando?, Onde?, Como?, Por quê? e Para quê? – conforme proposto por Salomon (1993, p.
72), como esquema útil para extrair as ideias principais, separando-as dos simples detalhes
acessórios. Como é possível observar a seguir (Quadro 3), esses quadros procuraram ressaltar
claramente o modo idiossincrásico de aprendizagem da condição de obesidade e o
comportamento alimentar inerente a esta, bem como o modo de aprender com o tratamento e
no decorrer dele.
65
QUADRO DE APRENDIZAGEM: ALICE (A+S) INTERATIVA CARACTERÍSTICAS DOS MODOS DE APRENDIZAGEM, CONFORME OS CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO
O QUÊ QUANDO ONDE COMO POR QUÊ PARA QUÊ O
BE
SID
AD
E Algo que de início
não incomodava, mas que ao causar dores e comorbidades passou
a incomodar
Depois das gestações de seus dois filhos.
Em casa, pois era dona de casa, saía
pouco.
Excesso de ingestão calórica.
Ansiedade, “cabeça”. Obtenção de algum prazer.
CO
MP
OR
TA
ME
NT
O
ALI
ME
NT
AR
Inconsciente – achava que devia “comer de tudo, pois vai morrer mesmo”. Mas esta forma de pensar foi
modificada.
Percebeu que poderia fazer escolhas mais
saudáveis e começou a ver resultado nisto.
Em casa – inconsciente.
No trabalho – mesmo lidando com
alimentos, muitas vezes até bem calóricos, o
comportamento tornou-se consciente.
As orientações eram problematizadas com
o conselheiro nutricional, a
atividade física auxiliou, e houve
busca por informações em fontes diversas.
Refere que antes era por desconhecimento
e submissão a esta condição.
Modificado para obter resultados
significantes em sua saúde.
AT
ITU
DE
DIA
NT
E D
O
TR
AT
AM
EN
TO
D
IET
ÉT
ICO
Significou um desenvolvimento
pessoal, um processo de evolução.
Quando os problemas ósseos e musculares
se intensificaram com o excesso de peso.
Não buscou foi encaminhada pelo
médico.
Consultas individuais em consultório
particular.
No início, temor e desconfiança. Depois,
tornou-se ativa, inclusive buscando por informações
complementares na mídia e na Internet.
Rejeitava o mito da “dieta”, cheia de
proibições. Depois, tomou consciência do
processo de reeducação pelo qual
estava passando.
Fazer uma tentativa de controle dos
problemas ósseos.
Quadro 3. Quadro de aprendizagem de Alice
66
Entretanto, ainda havia a necessidade de um instrumento de análise que trouxesse
os aspectos ligados à história de cada sujeito. Se os quadros de aprendizagem traziam os
aspectos cognitivos, havia detalhes sócio-ambientais e históricos dos quais estes não davam
conta e que mereciam ser considerados, para melhor aproximação dos sujeitos nos dois modos
de aprendizagem ideais. Para isso, Salomon (1993, p. 82) recomenda a construção de um
resumo com o intuito de apontar as ideias mais importantes de um dado conteúdo. No caso
deste estudo, resumos das histórias dos participantes da pesquisa.
Assim, a partir das transcrições, foram construídos os denominados Resumos da
História (Apêndice B) do sujeito estudado, como exemplifica o Quadro 4.
Quadro 4. Resumo da história de Iolanda
Após este trabalho de análise, foi possível extrair alguns achados relacionados
com a proposta se associação deste estudo, entre obesidade e os dois modos de aprender, que
serão apresentados e discutidos no próximo capítulo. .
RESUMO DA HISTÓRIA: IOLANDA (E+I) AQUISITIVA
Paciente do sexo feminino; 50 anos; 1,50 m de altura; divorciada com 2 filhos. Consultou pela 1ª vez em 18/09/2006 apresentando-se com 79,2 kg; IMC 35,2 kg/m2 e CA 99 cm; antes de abandonar ao tratamento, consultou em 16/11/2006 quando estava com 75 kg; IMC 33,3 kg/m2 e CA com 95 cm. É diabética e na 1ª consulta estava fazendo uso de Zetron e metformina. Quis verificar seu peso atual no dia da entrevista em que se apresentou com 76,9 kg e IMC 34,1 kg/m2 e relatou estar fazendo uso de anfetamínicos, demonstrava-se um pouco nervosa.
Define a obesidade como a causa de todos os seus problemas emocionais e familiares (como o fim de seu casamento, por exemplo), um grande incômodo, mas do qual não consegue se livrar. Relata ter começado a ganhar peso na menarca e voltado a controlar o peso com tratamento, no entanto, com o casamento e a chegada do primeiro filho não conseguiu mais controlar o excesso de peso. Diz ter sido uma adolescente muito “presa” pelos pais, seu lazer estava sempre relacionado aos prazeres gastronômicos, uma vez que na casa de seus pais havia sempre “fartura de comida”. Relata que a se ver grávida quis comer de tudo sem qualquer freio, e desde então o comportamento alimentar é muito exagerado, inconsciente e descontrolado. Entretanto, o excesso de peso logo transforma este prazer de comer em angústia e frustração, o que a leva a ficar ansiosa e comer mais ainda, formando um ciclo vicioso. Então acaba se fazendo de vítima deste tratamento penoso e sacrificante que lhe restringe todos os prazeres da vida. Aceitava passivamente as orientações que não se aplicavam em sua rotina e quando foi questionada sobre isso alegou que desejava impor-se disciplina no tratamento, mas não conseguiu e se colocou como vítima desta situação.
VtÑ•àâÄÉ G „ Tá ÅtÇ|yxáàt†Æxá wÉá wÉ|á ÅÉwÉá wx tÑÜxÇw|étzxÅ
68
4 AS MANIFESTAÇÕES DOS DOIS MODOS DE APRENDIZAGEM
Neste capítulo, serão apresentadas e discutidas algumas manifestações de ambos
os modos de aprendizagem – aquisitivo e interativo – nas entrevistas realizadas. Para ilustrar a
contingência qualitativa dos resultados deste estudo, apresenta-se abaixo a figura 3.
Figura 3. Contingência qualitativa de resultados
Com relação à aquisição, nove pacientes demonstraram-se mais próximos deste
modo de aprendizagem de acordo com os critérios de classificação elencados no capítulo
anterior. Neste grupo de nove pacientes aquisitivos é possível observar um predomínio de oito
casos de insucesso no tratamento (Cléo, Dalila, Estér, Flora, Glauco, Helena, Iolanda e
Plínio), favorecendo, neste caso, a associação entre aquisição e a evasão com insucesso no
tratamento da obesidade. Do recorte de 16 entrevistados, três (Nívea, Olga e Quéops)
demonstraram uma transição da aquisição para a interação, todos obtiveram sucesso na perda
ponderam depois de submetidos à Cirurgia Bariátrica. Com relação à interação, quatro
indivíduos apontaram uma aproximação destes critérios, sendo que três (Alice, Brigite e
Lucas) obtiveram adesão com sucesso no tratamento, também favorecendo a associação entre
a interação e a adesão com sucesso no tratamento da obesidade. Tanto no grupo de aquisitivos
quanto no grupo de interativos, observa-se a ocorrência de um “caso negativo” à associação
proposta.
69
4.1 Aquisição
Ressalte-se que o ponto de partida é o modo Ter, na perspectiva de Fromm (1987,
p. 44), como por exemplo, no trecho abaixo em que há evidentes manifestações deste modo
de aprendizagem na maneira do indivíduo se comportar diante do alimento: o consumo
desequilibrado e a necessidade de ter aquele alimento em quantidade exagerada, que satisfaça
a ânsia de incorporar o prazer que ele representa.
“Eu tenho que consumir aquele negócio!... Eu sou muito fanática por chocolate. Então, assim, se alguém me oferece um bombom, eu prefiro não aceitar, porque se eu comer aquele bombonzinho, eu não vou me sentir satisfeita. Eu vou ter que... Não importa a hora que eu vou sair da faculdade, eu vou ter que passar em algum lugar, eu vou comprar uma caixa ou uma barrinha pra mim, porque eu não me satisfaço com um bombom” (Cléo, E+I, aquisitiva).
Dessa forma, o quadro 5 apresenta a seguir as manifestações demonstradas pelos
nove pacientes e/ou o relato explícito de alguns dos critérios de classificação no modo
aquisitivo, o que possibilitou a aproximação destes para a aquisição:
CRITÉRIO DE CLASSIFICAÇÃO MANIFESTAÇÃO/RELATO EXPLÍCITO
1- Cléo
Não referiu nenhum questionamento às orientações recebidas, simplesmente seguiu ou não.
Demonstrou dificuldade em questionar as orientações que recebia dos estagiários que a atenderam. Tinha problema com os horários e com as refeições à noite, no entanto, não levou esta dificuldade às pessoas que a consultaram; aceitou as prescrições e acabou fazendo a dieta só por uma semana.
Entendia o tratamento como um sacrifício com data marcada para terminar e não como um processo de reeducação perene.
“Ah eu estava achando tão sacrificante... Eu olhava para os meus docinhos, que eu não podia... (...) Aí abandonei de vez a dieta.”
Não teve interesse em complementar seus conhecimentos em outras fontes de informação.
“Eu não procuro outra fonte de pesquisa por fora. Nem na TV, Internet, nada.”
Demonstrou dificuldade em separar lapso e recaída. “Segui direitinho por uma semana. Aí foi quando eu fui a uma festa de aniversário! (risos) E ainda até lembro a festa até hoje...”
Demonstrou acomodação e conformismo. “A minha mãe falou assim: ‘Você não tem jeito, não. Pra você conseguir alguma coisa, você tem que abrir
70
mão de outras. Então o leite, de duas uma: ou você passa a tomar o leite de caixinha, ou você me deixa colocar um pouco de água no seu leite’. Eu disse: ‘Nada feito. Porque eu sou fanática por leite...’”
Atribuiu causas externas à obesidade. Apontou várias: alto custo da dieta, estar morando na casa do namorado (onde ele cozinha com muita gordura), ansiedade com provas e trabalhos da faculdade, mudança de local de trabalho etc.
2- Dalila
Não teve interesse em complementar seus conhecimentos em outras fontes de informação.
“Eu vejo o que dá na televisão né... (...) E assim, quando aparece alguma coisa pra ler sobre isso, eu leio né... (...) Mas, eu não busco.”
Entende a obesidade como um traço inerente à sua pessoa ou família.
“Eu não esquentava muito minha cabeça, não. Porque assim, na minha família a gente sempre foi gordo. Então quer dizer, cada um que engordava e olhava o outro já gordo, então não se incomodava muito com aquilo. Porque a minha mãe sempre foi gorda...”
Demonstrou acomodação e conformismo. “Ah, eu não sei, porque eu nunca me incomodei com isso. E até hoje, os outros falam que estou gorda, eu não esquento, não. Eu sei que eu estou e que isto prejudica. Assim, igual eu fumava, aí eu sentia falta de ar. Então foi por isso que eu parei de fumar.”
3- Estér
Entendia o tratamento como um sacrifício com data marcada para terminar e não como um processo de reeducação perene.
“Não, eu achava que ia ser um sacrifício... (...) Ah... A dieta tira meu prazer de comer muito... (...) Comer pouco é ruim, mas só assim que eu vou emagrecer... Pra mim foi tudo difícil.”
Atribuiu causas externas à obesidade. “Porque eu perdi minha mãe muito cedo, né. Quando a minha mãe faleceu eu estava com 9 anos, aí a minha avó que me criou, depois eu fui morar com meu pai e meu pai gostava assim muito de macarrão, tinha vezes que a gente até enjoava. E assim era mais macarrão que ele dava pra gente.”
Não teve interesse em complementar seus conhecimentos em outras fontes de informação.
Não referiu qualquer busca por informações em outras fontes, mas também não ignora o que chega até suas mãos:
“Eu até fico... Quando vejo uma revista ou quando passa no jornal na televisão, eu presto atenção...”
4- Flora
Não teve interesse em complementar seus conhecimentos em outras fontes de informação.
“Não só o que chega mesmo assim quando vai falar alguma coisa na televisão, eu gosto de ver... Quando tem alguma coisa no jornal, na revista assim eu leio...”
Entendia o tratamento como um sacrifício com data marcada para terminar e não como um processo de
“Ah eu esperava... É eu achava que ia ser sacrificante, porque agora eu acho que não é tão sacrificante a dieta que vocês passam aqui, mas eu
71
reeducação perene. pensava que era pior entendeu, mais rigorosa.”
Demonstrou acomodação e conformismo. “É porque assim, logo no comecinho, eu comecei a fazer a dieta né, aí estava tendo resultado. Aí depois caía só que eu perdia era gramas. Aí não conseguia perder aquele tanto que eu tinha que perder. Aí desanimava e parava. Aí depois começava de novo.”
5- Glauco
Não teve interesse em complementar seus conhecimentos em outras fontes.
Relatou nunca ter buscado por mais informações, nem antes, nem depois de iniciar o tratamento nutricional.
Entendia o tratamento como um sacrifício com data marcada para terminar e não como um processo de reeducação perene.
“No início foi (um sacrifício), pra mim foi. Porque eu falei pra você, eu comia bem. Comia muita coisa na rua. Então, o quê que acontece, no início eu balancei um pouquinho.”
Demonstrou tendência a transferir/atribuir a responsabilidade pelo tratamento a terceiros.
“Olha, às vezes a minha mulher fica comigo, porque a minha mulher adora comer uma coxinha, nessas lanchonetes de japonês que eles fazem aquela coxinha especial, né. Massa fina e tudo. Ela fica chateada: ‘Você não vai comer!’ Eu digo: ‘Não, eu vou evitar comer massa’. Aí ela vem e põe na minha boca ainda: ‘Olha como é que está gostoso!’ Pô, aí eu dou uma beliscada pra ela não ficar chateada.”
Atribuiu causas externas à obesidade. Apontou causas como: matrimônio, atividade profissional dentro de uma cozinha industrial, convívio social com a família, amigos e colegas de trabalho.
“É aquele problema, eu engordei um pouquinho, mas não por causa da alimentação, foi pelo nervoso que eu ficava. Minha esposa está reclamando, tem que levar no hospital e o problema da minha sogra...”
Quando assumia a própria responsabilidade, apresentava-se incapaz de agir contra a obesidade.
“Eu tinha uma mania, até falei com a menina na época (a estagiária que o atendeu), que eu saía na rua, aí comia duas três coxinha, tomava suco, chegava a casa ainda almoçava. Você vê, dilatava o estômago, entendeu? Aí é olho grande! A pessoa tem que ter!...”
6- Helena
Não teve interesse em complementar seus conhecimentos em outras fontes.
Negou qualquer busca por outras informações em outros veículos: “Não. Não, busquei não. Nada.”
Demonstrou dificuldade em separar lapso e recaída. “Ah eu acho que foi mesmo falta de... (pausa) falta de... Descuido mesmo da minha parte em não fazer mais dieta. Que aí veio Natal, veio Ano Novo, veio meu aniversário... Aí começou a vir aniversário na família, aí eu fui entrando naquilo que eu não podia comer.”
Atribuiu causas externas à obesidade. Atribuiu seu excesso de peso, principalmente, a um tratamento dermatológico com Fluconazol.
72
Apresentou tendência à vitimização. “Teve vizinha do lado da minha casa que fez dieta aqui também e perdeu muito peso. Acho que perdeu na faixa de uns 8 a 10 quilos, com a dieta. Aí eu faço a mesma dieta e consegui perder menos peso, entendeu? Aí cheguei a pensar: ‘Por que ela perdeu e eu não? Se eu faço a mesma dieta que ela?’ Aí foi onde comecei a desanimar...”
Quando assumia a própria responsabilidade, apresentava-se incapaz de agir contra a obesidade.
“Ah eu como muito, muito mesmo. Não sou de ficar beliscando muito não, sabe, mas sou de comer muito, quando eu sento pra comer, pra almoçar, pra jantar... (...) A minha filha fala assim: ‘Nossa mãe, a sra. come muito!’ (...) Mas aí eu como muito mesmo (ênfase), meu prato é um prato bem reforçado.”
Demonstrou acomodação e conformismo. “Aí depois eu comecei a fazer tratamento, comecei a ganhar muito peso. Aí ela viu que eu estava ganhando muito peso e me mandou procurar nutricionista. Aí eu não esquentei, não procurei, então comecei só a ganhar peso...”
“Ah deve ter uns cinco anos que ela mandou procurar nutricionista. Só que eu não procurei nutricionista na época. Fui procurar nutricionista agora, deve ter o quê... Um ano e pouco que eu fui procurar nutricionista.”
7- Iolanda
Não referiu nenhum questionamento às orientações recebidas, simplesmente seguir ou não.
Demonstrou-se passiva neste aspecto, pois teve problemas com os horários das refeições impostos pela estagiária que a atendeu, mas não tentou qualquer negociação neste sentido, aceitou a orientação e depois teve várias dificuldades com isso, até acabar desistindo de vez.
Não teve interesse em complementar seus conhecimentos em outras fontes de informação.
Refere que antes do tratamento nutricional era pior, não buscava, nem mesmo se interessava pelo que chegava até suas mãos. Depois, durante o tempo que esteve em tratamento, e mesmo após a evasão, diz que ainda não procura, mas hoje se interessa pelo que é disponibilizado na TV e em revistas.
Quando assumia a própria responsabilidade, apresentava-se incapaz de agir contra a obesidade.
“Ih, como mesmo (ênfase), parece que o mundo vai acabar... Eu mesma não entendo isso, sabe quanto mais eu quero emagrecer, na hora... (pequena pausa) é um descontrole muito grande, sabe. Na hora: ‘dane-se...’ Quero saber daquele momento... ‘Dane-se...’ Depois vem o arrependimento, é tarde demais.”
Apresentou tendência à vitimização. “Eu sinto assim... É como se eu pudesse ser mais feliz se eu fosse mais magra... Às vezes eu vejo uma pessoa magra, eu penso: ‘Ai meu Deu, deve ser tão bom, parece que é mais leve.’ Parece que veste uma calça e fecha com uma tranqüilidade. Aí eu me sinto muito mal... Sabe, eu não me aceito gorda, mas fui gorda a vida inteira... Mas eu não aceito...”
Atribuiu causas externas à obesidade. Apontou causas como: suas gestações, o fim do casamento, problemas de saúde da família e outros
73
fatores ligados ao “nervosismo”.
8- Plínio
Entendia a obesidade como um traço inerente à sua pessoa ou família.
“As pessoas tentam de avisar, mas você não aceita muito (ênfase), por que pra gente parece que está normal.”
Atribuía causas externas à obesidade. “Mesmo sem comer eu engordava (alguma ênfase) ansiedade, sistema nervoso. Problema maior é a discriminação isso principalmente. Não acha roupa para comprar em qualquer lugar, no ônibus as pessoas não sentam perto de você, parece que você esta com um tipo de doença, você entra na loja e as pessoas já falam que não tem roupa pro seu tamanho. Mesmo você comendo pouco você engorda.”
Quando assumia a própria responsabilidade, apresentava-se incapaz de agir contra a obesidade.
“Eu sempre fui carnívoro. Gostava muito de comer às vezes substituía almoço por sanduíche. Trocava a janta por pizza. Churrasco eu comia bastante, depois de casado piorou muito. (...) Eu parei de praticar esporte só trabalhando sentado, estudando. Trabalhava no período da madrugada, praticamente eu não comia comida, nessa época era só Bob´s, não comia comida, (...) No fim de semana era cerveja direto. Tudo de errado é mais gostoso.”
Apresentou tendência à vitimização. “... eu fui ao zoológico com meu filho e não consegui passar na roleta, não andava de ônibus, ia de van por que tinha vergonha de entrar pela frente. E comecei a não sair mais de casa, ia trabalhar de van, voltava e ficava só em casa, então comecei a entrar num estado depressivo... (pausa) E comendo, né... (pausa) Um dia eu passei mal porque a minha pressão foi a 26.”
Demonstrou acomodação e conformismo. “Minha esposa sempre tentou... Sempre ali comigo, tentava avisar, você ta comendo muito. Você está gordo. Mas não aceitava. O gordo não aceita, nós não enxergamos desta forma. Você está falando comigo, eu vou ficar com raiva por que você esta falando comigo, mas no fundo é a verdade. Só tive a consciência que estava chegando ao estágio final mesmo (grande ênfase), quando eu passei mal em casa com forte dor no peito. Achei que estava infartando, não conseguia fazer nada e como minha esposa ia me tirar do lugar?”
Quadro 5. Manifestações e/ou relatos explícitos dos critérios de classificação para a aquisição.
Como descrito no subitem da análise dos dados, as informações mais relevantes
das entrevistas transcritas serviram de base para a construção dos Quadros de Aprendizagem.
Cada Questão Aristotélica foi respondida com relação à obesidade, ao comportamento
alimentar e à atitude diante do tratamento dietético (Quadro 3): aspectos enfatizados, neste
trabalho, desde as correlações entre os dois modos de aprendizagem com a obesidade
74
(subitem 3.2 – Quadro 1.), até a formulação das perguntas utilizadas nas entrevistas e dos
critérios de classificação.
4.1.1 Da obesidade
Para esse grupo de pacientes próximos da aquisição, o significado da obesidade,
respondendo à questão “O que é?”, confirmou a visão estreita dos mesmos sobre a doença. Os
relatos indicam que a obesidade é vista somente como um mal-estar físico, gerado pelo
excesso de peso corporal e muito mais relacionado aos aspectos da estética e do consumo de
roupas do que com os ligados à saúde. Por isso, acaba sendo vista com uma fraqueza pessoal e
a causa e/ou consequência de todos os problemas emocionais e sociais, conforme ilustram os
recortes de relatos a seguir:
“Obesidade é quando você vai andar, se sente cansada; roupa não te serve (ênfase), você se sente pesada... Acho que pra mim é isso... Eu estou sentido bem isso na pele agora... (um pouco encabulada).” (Cléo, E+I, aquisitiva).
“Eu olhava no espelho e ia comprar calça pra mim... Puxa vida! Gostava de uma calça que estava na vitrine, quando pegava pra vestir ela não fechava... Ficava ridículo o corpo, entendeu? A barriga... Então me incomodava...” (Glauco, E+I, aquisitivo).
“Aí depois veio a separação, então eu me larguei de novo, me abandonei, só fui engordando, engordando, cheguei a 90 e poucos quilos. Aí só quando foi agora, depois que passaram muitos anos é que a gente acorda e vê a besteira que fez. Por que eu não vigiei meu peso lá trás, né, a gordura envelhece a gente...” (Iolanda, E+I, aquisitiva).
As limitações físicas geradas pela doença ratificam a aproximação deste grupo
com a aquisição, pois não parecem transformarem-se em motivação intrínseca determinante
de uma postura ativa para qualquer tentativa de tratamento, muito pelo contrário, traduzem
acomodação e conformismo. Como no relato a seguir: Helena reconhece a obesidade a partir
destes aspectos estéticos e de uma limitação física vivenciada, mas no decorrer da entrevista
afirmou que mesmo tendo ouvido pela primeira vez, de um profissional de saúde
(dermatologista), o diagnóstico de obesidade, sentiu-se surpresa e triste, e demonstrou não
aceitação da doença, pois mesmo incentivada por sua dermatologista a procurar um
75
nutricionista, só tomou esta decisão quatro anos mais tarde, quando seu IMC ganhou
proporções alarmantes e, mesmo assim, acabou evadindo este tratamento sem conseguir
emagrecer.
“Você vai vestir uma roupa não fica boa, não aguenta andar muito, porque o peso... Você vai calçar um sapato não fica bom, porque você calça o sapato e anda um pouco, o salto já logo abre, entendeu? É guarda roupa... Calça comprida que quase não uso, devido ao excesso de peso... Então eu acho que eu estou bem obesa. (...) Ah eu me senti assim... Fiquei triste, né. Porque eu tinha um corpo bom, na época eu pesava 62 quilos, aí passar pra 80. Agora eu estou com 98. Essa semana mesmo eu fui lá à doutora, ela falou: ‘Nossa você ganhou peso novamente!’ (com ênfase, principalmente no novamente). (...)... ela falou que era pra eu estar marcando uma consulta com uma nutricionista né. (...) Ah deve ter uns cinco anos que ela mandou procurar nutricionista. Só que eu não procurei nutricionista na época. Fui procurar nutricionista agora, deve ter o quê... Um ano e pouco que eu fui procurar nutricionista.” (Helena, E+I, aquisitiva).
É possível olhar para tais achados sob a ótica cognitivista da aprendizagem social,
na qual além de se considerar as funções mentais de representação e raciocínio, há que se
analisar os processos cognitivos a partir de suas relações com a atenção, a motivação, as
atitudes, as opiniões e os projetos de cada sujeito (BERBAUM, 1993, p. 46). Para o objeto
deste estudo, as principais variáveis a se considerar são: a motivação, as atitudes e os projetos.
Uma vez que são estes aspectos que parecem se relacionar mais diretamente com a postura
apresentada pelos sujeitos em questão e sua visão aquisitiva a cerca da obesidade.
A questão “Quando?” relaciona-se com a época da vida do indivíduo em que o
processo de ganho de peso iniciou-se. Apesar de alguns indivíduos deste grupo referir-se a
excesso de peso desde a infância (n=3), a maioria tornou-se obesa em idade adulta. No caso
das mulheres, a correlação mais frequente foi com a gestação e no caso dos homens, a fase
pós-casamento.
“Perdi 20 quilos e casei magrinha. Então depois do casamento eu mantive mais ou menos este peso. Só que na gravidez, eu não vigiei, eu quis aproveitar, porque na época eu não tinha muito entendimento, sabe. Eu pensei assim: ‘Ah agora que eu estou grávida, me deixa fazer e comer o que eu quero!’ Aí eu engordei 30 quilos (pequena pausa) na primeira gravidez. Fiquei uma bola (grande ênfase).” (Iolanda, E+I, aquisitiva).
“Nunca fui magrinho, mas não era gordo nem obeso na adolescência. Comecei a engordar depois de 5 ou 6 anos de casado. Falta de registro, alimentação completamente errada. Tenho 15 anos de casado. Eu sempre começava as famosas dietas, tomei remédio parava. O meu auge foi em torno de 180 Kg.” (Plínio, E+I, após Cir. Bariát., aquisitivo).
76
O locus deste ganho de peso foi um aspecto apontado pela questão “Onde?”, e
demonstrou-se importante nesta tentativa de aproximação com a aquisição. A maioria de
mulheres deste grupo (n=5) era de donas-de-casa, com uma exceção (Cléo), e no caso dos
homens foi observado que apesar do local da atividade profissional também indicar
associação positiva com o excesso de ganho de peso, o locus relacionado com a obesidade
também foi a casa, com todas as suas implicações afetivas, psicológicas e culturais; em
consonância com as reflexões feitas por Garcia (1997), em seu estudo qualitativo sobre
comportamento alimentar no centro da cidade de São Paulo.
“Trabalhava no período da madrugada, praticamente eu não comia comida, nessa época era só Bob´s, não comia comida, (...) No fim de semana era cerveja direto.” (Plínio, E+I, após Cir. Bariát., aquisitivo).
“Mas eu posso afirmar que eu passei a ser obeso depois que eu me casei e daí fichei na Companhia e comecei a trabalhar no refeitório. Aí neste período fui só... Fim de semana churrasco e aquela comida forte lá do refeitório, eu só fui... (mostrando com os braços afastados do tronco em sinal de excesso de peso abdominal).” (Glauco, E+I, aquisitivo).
“Eu não trabalhava aqui, aí eu sempre levantava cedo, fazia caminhada... Eram só os meus três ‘cream-cracker’, chá... Foi mais fácil do que agora... Acho que agora, por causa da faculdade também, você acaba ficando ansiosa. Aí você desconta na comida. Entendeu? E de preferência doce. Porque eu sou do tipo que assim, troco o almoço por doce.” (Cléo, E+I, aquisitiva).
A questão “Como?” refere-se à formação dos hábitos alimentares que resultariam
em ganho de peso em excesso, em alguma fase da vida. Todo o grupo de sujeitos próximos da
aquisição indicou hábitos alimentares inadequados desde a infância, e muito embora, a
obesidade só tenha chegado à fase adulta, esses hábitos foram considerados, pelos
participantes do estudo como mediadores desse processo, como explicita o recorte de Flora
(tto assíduo+ñ adere, aquisitiva) a seguir:
“Não, criança não... Adolescente eu não era gorda, assim nem magra. Excesso de peso assim mais ou menos normal. (...) Eu engordei durante a gravidez, eu estava acima do peso que o médico falou, né. Aí, depois que eu tive ele, eu emagreci durante a amamentação, depois que eu parei de amamentar eu comecei a engordar de novo. (...) Eu comia bem na hora do almoço, (...). Desde criancinha nunca fui de comer pouquinho não.”
77
Com relação ainda aos achados das questões “Onde?” e “Como?”, é possível
observá-los à luz da perspectiva cognitivista, por meio das reflexões de Berbaum (1993, p. 14-
15) sobre os componentes do sistema sujeito-meio, cuja relação se estabelece de maneira
dinâmica pelas opções do sujeito face aos elementos do meio (material e humano) ao qual está
exposto e de qual se apercebe.
Entretanto, de forma incoerente, ao apontar causas para a obesidade, na questão
“Por quê?”, observou-se um elenco de causas externas, que indicam claramente os processos
de vitimização já correlacionados com a aquisição na obesidade. Como, por exemplo, no caso
de Iolanda que, segundo seu próprio relato a seguir, sua construção de hábitos alimentares foi
totalmente equivocada, e, no entanto, como já foi apontado no Quadro 6 várias foram as
causas indicadas por ela para a obesidade, tais como: suas gestações, a separação do marido
com o fim do casamento, problemas de saúde na família e outros fatores ligados ao
“nervosismo”.
“Ah tudo errado!... Hoje eu sei que eram errados porque eu não sabia, né. Meu pai e minha mãe eram do interior e por ignorância achavam que criança gorda é que era criança saudável, né, aquela ideia errada... E eu fui criada muito presa, sabe, não tinha contato com amigas, ninguém, que meu pai não deixava, era muito dentro de casa. E, comida (alguma ênfase) era o que mais tinha na minha casa... Não podia nada, mas comida... (grande ênfase) Nosso Deus! Era demais sabe...” (Iolanda, E+I, aquisitiva).
O “Para quê?”, neste aspecto da obesidade, está intimamente ligado ao
comportamento alimentar e, desta forma, será a primeira Questão Aristotélica a ser
respondida no próximo subitem.
4.1.2 Do comportamento alimentar
A questão “Para quê?” vem confirmar a busca pelo hedonismo que envolve as
representações sociais sobre alimentação e comportamento alimentar, ou seja, “... a busca da
satisfação do paladar, do prazer pelo que será consumido, [...]” (GARCIA, 1997, p. 457). E
que também indicam congruência com a busca do hedonismo inerente ao modo Ter descrito
por Fromm (1987, p. 25,26), conforme ilustram os recortes a seguir:
78
“Ah, eu comia bastante, não tinha freio não. Nem em festas... Tudo que tinha na festa eu tinha que comer. Mesmo depois do que o médico me falou quando eu estava grávida. (...) Eu inventava as coisas pra fazer, fazia todo tipo de bolo... Essas coisas assim... Eu não esquentava a cabeça não.” (Estér, tto assíduo+ñ adere, aquisitiva).
“Ah ai (longo suspiro) É a melhor coisa do mundo... O meu prato eu arrumo numa quantidade que eu veja assim e acho que está bom, sabe. (pausa) Mas, eu volto (alguma ênfase). Se estiver o paladar gostoso, né, que é uma coisa que é difícil eu não achar gostoso... Eu volto. (Iolanda, E+I, aquisitiva).
Por outro lado, o comportamento alimentar significa a chave, a solução de todos
os problemas relacionados com o excesso de peso, no entanto, é algo muito difícil de ser
modificado, justamente pela postura passiva do indivíduo aquisitivo diante da possibilidade
de perda do prazer que ele representa.
Falando sobre o sentimento de propriedade, Fromm (1987, p. 85) oferece
subsídios para a compreensão desse significado do comportamento alimentar para os
indivíduos deste estudo, pois enumera as situações nas quais é possível observar a relação de
posse dos indivíduos, inclusive com as outras pessoas, com as doenças, com as suas ideias,
crenças e hábitos. Dessa forma, hábitos e comportamentos alimentares tornam-se uma
propriedade cuja perda põe em risco a segurança e causa desconforto no indivíduo orientado
no modo Ter.
“A minha mãe falou assim: ‘Você não tem jeito, não. Pra você conseguir alguma coisa, você tem que abrir mão de outras. Então o leite, de duas uma: ou você passa a tomar o leite de caixinha, ou você me deixa colocar um pouco de água no seu leite.’ Eu disse: ‘Nada feito. Porque eu sou fanática por leite...’” (Cléo, E+I, aquisitiva).
Além disso, a questão do esquecimento não pode ser ignorada nesse contexto.
Como explicita o seguinte relato de Cléo (E+I, aquisitiva):
“Mas quando já via, já estava com um doce na boca. Aí eu pensava: ‘Nossa, não era pra estar comendo...’ Igual refrigerante... Semana passada eu cheguei a botar refrigerante no copo, aí parei e falei assim: ‘Espera aí, eu não estou tomando refrigerante...’ Daí eu consegui... Mas que é difícil é!
Sobre isso, Ausubel (2003, p. 119) esclarece que a terceira e última fase do
processo de aprendizagem significativa envolve a recuperação e a reprodução dos significados
79
recentemente “adquiridos e retidos”. Fato que não se evidencia no grupo de sujeitos
aquisitivos deste estudo, uma vez que as ideias erradas relevantes são tão fortes e bem
estabelecidas na estrutura cognitiva dos sujeitos que ocorre uma dificuldade de “assimilação”
de ideias correspondentes mais valiosas, em termos objetivos. Além dessa causa para o
esquecimento, o autor ainda acrescenta que quadros idiossincrásicos seletivos em termos
culturais e tendências de atitude exercem forte influência sobre a ancoragem das ideias
relevantes, com o seu consequente esquecimento (AUSUBEL, 2003, p.120).
Por sua vez, o “Quando?” relaciona-se exatamente com essa mudança. Um
processo muito lento e tácito pode ser observado, mas pode se tratar muito mais de simples
complacência6 a alguma orientação que tenha sido mais bem apreendida, do que ao processo
de transformação, inerente ao Ser (interação) que, na hipótese, resultaria em adesão e sucesso
no tratamento.
“É o que eu falei no início eu achei difícil, né. Cortar o refrigerante e eu cortei bastante, o doce também foi muito difícil. Eu adoro um doce, depois da refeição então... Se tiver uma goiabada, ou uma marmelada ou um doce de leite... Porque eu estou evitando, entendeu. O que que eu faço? Eu compro mais fruta, muita laranja, mexerica... Às vezes, acabo de almoçar em vez de pegar o doce, eu vou lá pego uma fruta, entendeu? Como uma fruta pra poder disfarçar...” (Glauco, E+I, aquisitivo).
“Ah mudou a maneira de comer (ênfase). Agora não é tudo assim que eu vejo que eu vou comer. (pausa) Mudou bastante coisa.” (Estér, tto assíduo+ñ adere, aquisitiva).
Essa “apreensão” de algumas orientações demonstradas pelo grupo de sujeitos
aquisitivos pode relacionar-se com a proposta de aprendizagem mecânica de Ausubel (1968,
apud Moreira & Masini, 1982, p. 09), na qual as novas informações pouco interagem com os
conceitos relevantes e especificamente existentes na estrutura de conhecimento desses
indivíduos, sendo armazenada de forma arbitrária, sem que haja interação.
No tocante ao “Onde?” e ao “Como?”, observa-se o contraste da casa e da rua, já
discutido sob o viés sociológico por DaMatta (1985) que, citado por Garcia (1997, grifos da
autora), relaciona a casa e a rua como categorias sociológicas na compreensão da sociedade
brasileira enquanto sistema de ação formado por valores e ideias.
Segundo DaMatta (1985 apud Garcia, 1997, grifos da autora) nos códigos da
casa, a hospitalidade e a familiaridade tipificam uma suposta harmonia do lar. O código da
6 Ver item 2.3.
80
rua é regido por leis e mecanismos impessoais, tais como o modo de produção, a luta de
classes, a subversão da ordem, a lógica do sistema financeiro capitalista, etc. Dessa maneira,
com relação ao comportamento alimentar no meio urbano, Garcia conclui que “não se pode
transformar impunemente a casa em rua e vice-versa. Há regras e rituais importantes para
isso”, inclusive no que diz respeito aos processos cognitivos envolvidos com o
comportamento alimentar (GARCIA, 1997, grifos da autora).
Face à importância de todas essas questões, verifica-se no “Onde?” e no “Como?”
do comportamento alimentar dos sujeitos próximos da aquisição, uma submissão cognitiva e
passiva desse processo, como parecem ilustrar os trechos a seguir:
“Olha, às vezes a minha mulher fica comigo, porque a minha mulher adora comer uma coxinha, nessas lanchonetes de japonês que eles fazem aquela coxinha especial, né? Massa fina e tudo. Ela fica chateada: ‘Você não vai comer!’ Eu digo: ‘Não, eu vou evitar comer massa.’” (Glauco, E+I, aquisitivo).
“A alimentação da minha família, não é nada assim, carne com gordura, nada de excesso de gordura. Comem bastantes legumes, verduras... Então se fosse pra seguir a dieta através deles, não teria problema nenhum. Mas como eu não fico em casa, mais eu fico na FOA, então não dá pra eu acompanhar a alimentação.” (Cléo, E+I, aquisitiva).
Enfatizando ainda, como se dá o processo cognitivo deste comportamento
alimentar, é possível verificar um exagero quantitativo, consciente e voluntário, como nos
trechos abaixo:
“Antes quando me dava vontade de comer, até comida fora de hora eu comia.” (Flora, tto assíduo+ñ adere, aquisitiva).
“Ah eu como muito, muito mesmo. Não sou de ficar beliscando muito não, sabe, mas sou de comer muito, quando eu sento pra comer, pra almoçar, pra jantar... Eu como bastante sim.” (Helena, E+I, aquisitiva).
As causas para este comportamento (“Por que”?), em sua maioria, passam por
questões relacionadas às emoções, às angústias, aos medos, aos traumas e às perdas. Os
termos “ansiedade” e “nervosismo” foram utilizados com frequência representando toda gama
de sentimentos compensados com a alimentação.
81
“... às vezes eu acabo de comer, não sei se eu fico com aquilo na cabeça, aí eu vou pego um biscoito ali, vou lá pego outro biscoito e como. Outra hora é um copo de refrigerante... Às vezes você não está com aquela vontade de comer, mas você vai ali pega um biscoito e come... (...) Não sei te explicar mesmo. Parece que é impulso (com alguma ênfase) que dá na gente e aí você vai lá e acaba fazendo. Às vezes você não está com vontade de comer, aí você vai ali e pega.” (Dalila, tto assíduo+ñ adere, aquisitiva).
“Mas é aquele negócio, você fica num estado de nervos, você corre e come um negócio ali, come outro aqui, entendeu, então já viu né?” (Glauco, E+I, aquisitivo).
“Ah, se eu ficar nervosa como mais ainda... Eu acho que o meu problema é nervoso, se eu ficar nervosa, eu como muito... (...) E fica aquela preocupação, quando dá aquela hora dele chegar e ele não chega, aí eu fico nervosa, já vou na panela e como aquele montão de comida (pouca ênfase), entendeu? E isso é frequente.” (Helena, E+I, aquisitiva).
4.1.3 Da atitude diante do tratamento dietético
Há dois matizes para o significado do tratamento nutricional na perspectiva dos
indivíduos aquisitivos entrevistados: o primeiro é a visão de que o tratamento é um sacrifício
necessário e do qual se tornam vítimas, e o segundo é a aceitação de que o tratamento implica
um trabalho de conscientização e reeducação, diante do qual sua atitude ainda é passiva. Nos
dois recortes a seguir é possível verificar representantes destes dois eixos.
No primeiro relato de Estér (tto assíduo+ñ adere, aquisitiva), a concepção de que
o tratamento é um sacrifício dos prazeres gastronômicos está presente; ela usa o termo “força
de vontade” para representar sua assiduidade às reuniões do grupo, no entanto, isso nunca se
reverteu em sucesso no tratamento, e o processo de vitimização inerente à aquisição está claro
e presente.
“Não, eu achava que ia ser um sacrifício... (...) Ah no comecinho foi (ênfase), mas agora não é não. Eu acho que eu estou tendo mais força de vontade, aí não está sendo muito sacrifício não. (...) Ah a dieta tira meu prazer de comer muito... Comer pouco é ruim, mas só assim que eu vou emagrecer...”
“Ah, a gente sabe que é difícil, mas eu esperava assim, que a gente tem que se conscientizar... Pra poder melhorar a saúde da gente, alimentação, né. (...) Pra mim não é sacrificante, não. Porque dentro das minhas medidas, das condições da gente, eu faço. (...) Tudo ali aos poucos a gente foi se adaptando né. Mas dizer que é fácil você mudar de cara não é não.”
Neste segundo relato de Dalila (tto assíduo+ñ adere, aquisitiva), verifica-se a
percepção desse processo de consciência e reeducação de hábitos alimentares, porém a atitude
82
é passiva, o processo é gradativo e tácito, e o insucesso na perda ponderal acaba sendo
preponderante. Especificamente, neste caso de Dalila, possivelmente por uma relação direta e
positiva com os aspectos, que a aproximam da aquisição, já mencionados no Quadro 5.
Tanto a primeira quanto a segunda situação coexistem com a assiduidade às
reuniões, pois (no caso, especificamente, destas duas pacientes, que eram do grupo) o GRA
demonstrou-se muito mais como um encontro de amigas e vizinhas do que realmente um
espaço de problematização que trouxesse resultados positivos na perda ponderal.
“Ah não sei, por que a gente mora perto e a gente é muito amiga e a gente gosta de ficar juntas, só por isso...” (Estér, tto assíduo+ñ adere, aquisitiva).
Entretanto, no caso de todos os outros sujeitos aquisitivos que evadiram ao
tratamento em consultas individuais, as duas concepções também são aparentes, como
demonstram os trechos a seguir:
“Porque eu não acreditava... Sempre pensava como uma dieta mesmo (grande ênfase). Eu parei de vir aqui, (...)... mas o problema eu vejo que está dentro de mim. Então é assim, se eu estou bem, estou equilibrada, minha vida está equilibrada e meus filhos estão bem, então eu consigo me manter bem. (...) O mais difícil é manter o horário. (...) É porque eu vejo assim: o erro está todo em mim, então, eu quero tentar me corrigir... Não adianta eu chegar aqui e falar pra você que você está impondo... Não é... Eu sei (ênfase) que o problema está em mim, entendeu? Eu tento lutar contra isso.” (Iolanda, E+I, aquisitiva).
“Não, acho que mais uma reeducação alimentar. Porque dizer que eu vou lá e arrumo aquele prato imenso, não é. Talvez o meu problema esteja justamente na qualidade e não na quantidade. (...) Ah, sei lá. Acho que devido ao horário, devido ahaa... Porque quando você faz essa dieta, mesmo ela não tendo, assim um alto custo. Você tem que ter ela ali. Os ingredientes pra você estar praticando ela, né?” (Cléo, E+I, aquisitiva).
Desses sujeitos aquisitivos que se enquadram na primeira situação (n=6), ou seja,
vêem o tratamento como um sacrifício; a maioria (n=4) não vinha de tentativas repetidas de
acompanhamento dietético. Ao contrário, aquela havia sido a primeira procura por tratamento
(as duas exceções são Iolanda e Plínio). No caso dos outros dois sujeitos aquisitivos que
relatam e/ou demonstram compreender o tratamento nutricional como um processo de
reeducação alimentar, Dalila estava em sua primeira procura por tratamento, e Cléo havia
83
feito dieta sem acompanhamento profissional. Dessa forma, as questões “O quê?” e
“Quando?” não demonstraram uma associação positiva.
E, além disso, não se observa também associação com a metodologia empregada
no tratamento. Ou seja, as duas concepções são encontradas nas histórias tanto dos sujeitos
que passaram por consultas individuais, quanto por aqueles que participaram da abordagem
em grupo (GRA).
Ao responder a questão “Como?” verifica-se que os entrevistados próximos da
aquisição que participaram deste estudo demonstraram passividade diante das orientações
nutricionais. Durante as entrevistas, quando questionados, todos referiram concordância com
o que lhes era ensinado, no entanto, sempre acabavam relatando algum ponto incompatível
com sua rotina e hábitos, mas nunca estes pontos foram discutidos durante a consulta.
“Ah concordava... (pequena pausa, falando das orientações que recebeu na consulta) Principalmente no método de substituições. (...) Eu acho que só na hora que assim, em vez de jantar, eu comer um sanduíche com cenoura, tomate, alface... Não tem como... Você chegar cansada, 11 e meia da noite e você fazer isso. Você sempre vai para o lado mais prático. Ou você pega a comida que já está pronta e come, ou você faz um café com leite e toma. Porque até você fazer, ralar cenourinha, lavar alfacinha e colocar no pão, você desanima, não tem como.” (Cléo, E+I, aquisitiva).
Além disso, somente um entrevistado (Plínio) disse buscar novas informações
sobre alimentação e dieta, em outras fontes de aprendizagem, como a mídia (escrita e falada)
ou Internet. Todos os outros, deste grupo de sujeitos próximos da aquisição, ou se referiam a
não ter interesse em buscar mais informações, ou a absorver um pouco somente daquilo que
chega até ele, sem ter se preocupado em procurar por isso.
Por outro lado, é interessante observar o caso de Iolanda (E+I, aquisitiva) que,
durante a entrevista, também referiu-se à mesma concordância passiva com orientações que
poderiam ser discutidas e adaptadas à sua realidade. Mas quando questionada do porquê de
não ter trazido este problema para ser tratado durante a consulta, relatou a busca consciente de
autoimposição, possivelmente ligada à sua concepção de tratamento já ilustrada acima e
fortemente relacionada com um processo de culpa.
84
“É porque eu vejo assim: o erro está todo em mim, então, eu quero tentar me corrigir... Não adianta eu chegar aqui e falar pra você que você está impondo... Não é... Eu sei (ênfase) que o problema está em mim, entendeu? Eu tento lutar contra isso. Igual no início, a primeira vez, eu já achei difícil assim o horário né. Então carregava barrinha de cereal na bolsa, às vezes eu estava no médico... Tinha vezes que eu me esquecia de comprar, tinha que arrumar lugar ainda pra comprar, passava do horário e eu pulava uma refeição... Aí já descontrola né... E aquilo ali eu já me puno muito, eu já me culpo muito das coisas.” (Iolanda, E+I, aquisitiva).
Este caso de Iolanda acaba apontando para uma possível causa para as atitudes
desses sujeitos diante do tratamento nutricional, embora em outras entrevistas isso não tenha
ficado tão explícito. A concepção de que o tratamento é um sacrifício com data e hora para
iniciar e terminar pode trazer alguma influência com a postura de complacência aliada à
autoimposição de orientações descontextualizadas.
Vale destacar também, o relato de Plínio (E+I, após Cir. Bariát., aquisitivo) sobre
sua atitude passiva e negativa diante do tratamento, mesmo depois da cirurgia:
“... a vontade continua a mesma, a vontade de comer besteira, nada disso passa. Sinto as mesmas vontades de antes, quem fizer a cirurgia e disser que passa que não sente igual, está mentindo. Tem que ter a consciência de que isso vai continuar. Nada vai me impedir de abrir uma lata de leite condensado e chupar a lata inteirinha. (...) Como minha esposa fala ‘é 90% cabeça, 10% corpo’. (...) Porque a cabeça de gordo continua, sempre vai continuar...”
E, finalmente, o “Para quê?” aponta para um processo de desmotivação com
sentimentos de fraqueza e derrota. Muito embora, alguns reconheçam alguma alteração de
hábitos alimentares que sempre serão saudáveis e pertinentes, de forma geral, o insucesso e a
evasão do tratamento sempre indicam um processo cíclico de fraqueza/derrota, seguida de
culpa, que por sua vez termina por levar ao exagero no comportamento alimentar,
ocasionando, assim, o ganho ou a manutenção do excesso de peso.
“Pra mim foi um sinal de fraqueza. (...)... eu me senti fraca, sabe, por não ter levado a diante. Na época eu me senti... ‘Nossa! Como é que pode um doce me dominar e eu não conseguir dominar a minha vontade de comer doce?’ Mas quando já via, já estava com um doce na boca.” (Cléo, E+I, aquisitiva).
85
4.2 Transição da aquisição para a interação
Dentre os quatro pacientes bem sucedidos na perda ponderal, após a cirurgia
bariátrica, Plínio foi o único que não demonstrou uma possível transição gradativa da
aquisição para a interação. Os outros três – Nívea, Olga e Quéops – apontam características
muito próximas do Ter (aquisitivo) antes e muito próximas do Ser (interativo) depois de
submetidos à cirurgia.
Exemplo interessante é o de Nívea: embora no pré-cirúrgico apresentasse algumas
poucas características da interação, como o interesse em complementar seus conhecimentos
sobre alimentação saudável em outras fontes de informação, a predominância da aquisição era
evidente, pois tais informações não se revertiam em ações efetivas de modificação de seu
comportamento alimentar. Nos trechos abaixo atribui causas externas à obesidade e a visão do
tratamento dietético como um sacrifício, respectivamente:
“Na época eu parei de trabalhar, parei de estudar, casei virei dona de casa e fiquei ociosa e passei a ter muita ansiedade e comecei a comer muito, com isso agravou o fator de eu ter tido alguns problemas hormonais e eu comecei a ganhar peso sem medida.”
“Com 14 anos eu comecei a ter sobrepeso, fiz muita dieta, tomei remédio para emagrecer tentei vários médicos e sempre mantive o peso à base de remédio.”
Apesar de demonstrar consciência sobre a doença, referiu-se ao comportamento
alimentar exagerado, de certa forma, assumindo a responsabilidade, mas não conseguindo agir
para modificá-lo:
“Farta... (risos) com tudo que engorda né... Muito doce, muito salgado, muita comida. (...) Sim, também tinha... (falando de frutas e hortaliças) Da minha parte não... Eu comia obrigada, não era por vontade própria, mas eu preferia as mais gordurosas, os alimentos mais gordurosos... Frituras...”
Ou seja, apesar de toda a informação que parecia adquirir, não conseguia
distinguir lapso de recaída e, nem mesmo, libertar-se do processo de acomodação e
vitimização, como se observa nos seus relatos a seguir, sobre o consumo de frutas e hortaliças
antes e depois da cirurgia:
86
“Eu lia revistas, livros, internet o que saia de nutrição, de informação nutricional eu buscava. Mas sempre era frustrado no começo eu conseguia, mas sempre tinha recaída, não consegui manter um equilíbrio.” (Nívea, A+S após Cir. Bariát, aquis.���� inter.).
Nívea percebe a importância da cirurgia como um possível elemento
desencadeador de um processo de transição e tenta designá-la como um “recomeço”. Além
disso, as consequências da redução do estômago, como a Síndrome de Dumping, motivam o
paciente a modificar sua postura e buscar essa transformação, a postura ativa, o desejar,
inerentes ao modo Ser e à interação.
“Hoje, mudei completamente, hoje eu como salada. Eu faço a refeição de 3 em 3 horas todos os dias. Acordo de manhã e faço meu desjejum... (...) Eu às vezes até brinco assim, que eu operei a mente também, porque não suportava verduras e legumes. Tinha ânsia de vômito quando ingeria alface, eu me sentia mal. Mas hoje não, hoje eu sinto prazer de estar comendo... Eu gosto mesmo de estar comendo legumes e verduras (ênfase). Não é obrigado, é por prazer.”
“Hoje eu ainda estaria obesa. Não teria conseguido manter (alguma ênfase) o hábito alimentar que eu tenho hoje. Eu tentei fazer várias vezes uma reeducação alimentar e não consegui. Sempre tinha recaída. (...) Eu acho que a cirurgia foi... Como é que eu posso falar... Foi um reinício... Uma ajuda a mais para eu conseguir reiniciar a minha vida, eu não estava conseguindo voltar ao que eu era antes. Então a cirurgia foi o ponto de partida novo (ênfase), para eu estar reiniciando a minha vida novamente.”(...)
“Fazer mal é dar Dumping. Dá mal estar. Aí eu espero a vontade passar e realmente passa. Agora, quando eu sei que é algo que eu posso comer que não vai me fazer mal, vou como um pedaço e me sinto satisfeita. Não tenho a necessidade de comer mais do que um pedaço. (...) Hoje eu tenho a consciência que eu posso comer e que isso não quer dizer que eu fugi de uma dieta ou que não deu certo.” (Nívea, A+S após Cir. Bariát, aquis.���� inter.).
O caso de Nívea foi apresentado como exemplo, no entanto, é possível observar o
mesmo processo de mudança nas entrevistas de Olga e Quéops. O próprio Fromm (1987, p.
43-44) oferece subsídios para a discussão dessa transição, quando insere os conceitos de
processo, atividade e movimento como elementos do Ser. Assim, Ser implica mudança,
crescimento e transformação, muito embora o autor reconheça que estas são qualidades
inerentes ao processo vital humano.
Esses relatos de Quéops (A+S, após Cir. Bar, Aquis�Inter) explicitam as duas
situações pré e pós-cirurgia. O primeiro trata-se de uma situação que ocorreu em sua infância
e que demonstra claramente a sua relação de pertença e posse com o alimento, conforme o
87
descrito por Fromm (1987, p. 43). O segundo refere-se a sua relação atualmente com a
comida, depois de submeter-se à cirurgia.
“Um fato curioso de uma vez que um amigo de meus pais foi fazer um rodízio de pizza, (...) Aí, as pizzas iam saindo e as pessoas iam comendo. E eu ia guardando todos os pedaços de pizzas. Só para depois, na hora que todo mundo já tivesse comido, eu poder dizer: ‘Ah, aqui oh, eu tenho todas!’”( em tom de brincadeira e com voz falseada de criança).
“Só que hoje vejo de forma diferente, hoje eu como o que posso ou o que eu consigo, e o resto eu consigo deixar pra lá. (...) Você tem que tirar sua fome do estômago ou do ‘olho grande’ e passar para cabeça. Você chega num self service e vê o que você gosta e então o que você pode ir eliminando. Nisso você tem que colocar balanceado etc. Você só consegue viver bem (grande ênfase) se você comer de uma forma balanceada.”
O processo de “tirar a fome do estômago e passar para a cabeça” é a chave da
transição proposta aqui para esses sujeitos. Trata-se da renovação e evolução características
de “O Ser Ativo” (FROMM, 1987, p. 97) embora somente Quéops tenha conseguido
verbalizar isso de forma tão explícita durante a entrevista, Nívea e Olga também de certa
forma demonstraram este processo.
4.3 Interação
O modo de aprendizagem ativo foi observado em três sujeitos que aderiram ao
tratamento, obtendo sucesso na perda ponderal (Alice, Brigite e Lucas), conforme propõe a
hipótese do estudo.
Nos relatos desse trio de entrevistados, torna-se possível perceber as
características marcantes da interação, sob a perspectiva do Ser descrito por Fromm (1987, p.
96), quais sejam: a autonomia de decisão, o comprometimento, a busca por transformação,
por independência e por evolução. No seguinte relato percebe-se como o Ser de fato refere-se
à experiência humana, ao “processo de mútuo relacionamento vivo”, porém indefinível em
palavras, conforme elucida o próprio Fromm:
88
“Eu acho que foi um desenvolvimento pra mim, eu acho que eu consegui... uma evolução, no caso, eu consegui evoluir (ênfase)” (Alice, A+S, interativa).
“Mas eu estava com tantos problemas que eu resolvi mudar a minha vida. (...) Porque a vida melhor que eu considero não é só o corpo, a gente primeiro tem que gostar da gente. Por que se a gente, não gostar da gente não adianta” (Lucas, A+S, interativo).
Assim, no Quadro 6 apresentam-se, a seguir, as manifestações e/ou relatos
explícitos dos critérios de classificação da interação por parte desse grupo de entrevistados.
CRITÉRIO DE CLASSIFICAÇÃO MANIFESTAÇÃO/RELATO EXPLÍCITO
1- Alice
Demonstrou-se ativa diante do tratamento, conseguindo atuar nas causas inerentes ao contexto sócioambiental da obesidade.
“Ah, eu comia tudo que eu via pela frente, não queria nem saber. Agora, não. Agora eu escolho o que eu vou comer, eu penso duas, três vezes na caloria que aquilo ali tem, entendeu?”
Conseguiu e ainda consegue separar lapso de recaída.
“Você tem que se conscientizar que você não deve (ênfase) comer aquilo, mas final de semana, se vai sair, você não vai ser a chata no meio de todo mundo, não. Eles vão comer uma pizza, você come... vão comer um macarrão, você come... mas depois acabou ali, acabou também”
“Aí, pediu pizza... (pequena pausa) e eu comi a pizza, entendeu. E como sem culpa agora. Não tem aquela culpa, só que chego ao resto da semana, eu volto toda a minha rotina de novo. E eu sinto que não estou aumentando de peso de novo, e exercício!”
Submetia as orientações ao seu julgamento crítico.
Em caso de abandono, o fez de forma explícita, como decorrente de decisão própria.
“Eu acho que agora eu comecei a pensar de uma maneira assim saudável, né? E nem estou me castigando tanto. Porque antes eu fazia dieta com médico, fiz um monte, três vezes. Tomava aqueles remédios fortes, aí me proibiam tudo (ênfase) que eu gostava tudo era proibido. Eu não podia comer nada. Aí eu começava a ficar revoltada com aquilo. Eu vou ficar o resto da vida sem comer o que gosto? (...) Aí acabava que eu não chegava até o final,...”
Procurou complementar o conhecimento fornecido pelo profissional de saúde em outras fontes de informação.
Aspecto muito explícito em sua entrevista, não somente pela busca espontânea de mais conhecimento em fontes alternativas, mas também porque conseguiu reverter estes conhecimentos em atitudes positivas e ativas no processo do tratamento.
Entendia o tratamento como reeducação alimentar, ainda que não conseguisse expressar este termo específico.
“Eu acho que foi um desenvolvimento pra mim, eu acho que eu consegui... uma evolução, no caso, eu consegui evoluir (ênfase). Porque hoje eu vejo que eu fazia tudo errado, (...) Então pra mim foi uma reeducação mesmo, eu sinto que eu (...) passei por um processo de reeducação.”
89
2- Brigite
Demonstrou-se ativa diante do tratamento, conseguindo atuar nas causas inerentes ao contexto sócioambiental da obesidade.
“Ele (marido) gosta muito de torresmo, ele compra torresmo, eu falo: ‘Não compra isso daí’, falo. Converso com ele: ‘Isso daí faz mal, faz mal pra você também’. Eu não como torresmo, já até falei pra ele. E ele já está mudando, eu já estou tentando mudar ele, porque eu sei que é difícil né. Ele compra, eu faço e não como, faço pra ele... Mas aí já estou tentando mudar a cabeça dele pra não ficar trazendo essas coisas pra dentro de casa...”
Conseguiu e ainda consegue separar lapso de recaída. “Teve um dia que eu estava com vontade de comer bolo de chocolate. Aí o que que eu fiz? Eu não (grande ênfase) fiz o bolo de chocolate em casa. Fui à padaria, comprei um pedaço, ainda dividi com meus dois meninos pequenos, dei um pedacinho pra cada e comi um pedacinho pequeno.”
Submetia as orientações ao seu julgamento crítico.
Em caso de abandono, o fez de forma explícita, como decorrente de decisão própria.
“Ah, eu vim uma vez aqui na FOA, mas aí foi só uma vez, eu não continuei... (...) Foi com nutricionista, uma vez só... Mas aí eu nem voltei... (...) Ah (pequena pausa) como é que eu vou explicar?... Assim, ela fez uma ficha pra mim, só que no computador. Aí ela só conversou uns negocinhos, fez uma dieta, mas aí não segui, não entendi bem, não peguei. Não é que nem o grupo, entendeu? O grupo abre a mente da gente melhor, a gente entende melhor, entendeu? Conversa... e vai aprendendo bastante coisa.”
Procurou complementar o conhecimento fornecido pelo profissional de saúde em outras fontes de informação.
“Ah, eu leio em revista... Igual, o Globo Repórter, não sei se você viu o Globo Repórter que passou da senhora que perdeu 40 quilos, você vê que foi difícil, mas ela conseguiu (ênfase), e a gente vendo aquilo ali, né? (...) E eu vejo, leio também sobre dieta, essas coisas. Leio tudo, tudo que passa... Televisão, tudo que... Revistas, essas coisas, me interessam.”
3- Lucas
Demonstrou-se ativo diante do tratamento, conseguindo atuar nas causas inerentes ao contexto sócioambiental da obesidade.
Entendia o tratamento como reeducação alimentar, ainda que não conseguisse expressar este termo específico.
“Mas eu estava com tantos problemas que eu resolvi mudar a minha vida. Tanto é que depois de 15 anos sendo gerente de Banco, eu saí do Banco justamente por isso: pra ter uma vida melhor. Porque a vida melhor que eu considero não é só o corpo, a gente primeiro tem que gostar da gente. Por que se a gente, não gostar da gente não adianta. Se não botar determinação, eu gosto de mim, eu gosto do meu corpo, eu gosto de me sentir bem, eu quero me sentir bem... Não muda... (...) Eu sabia que tinha que ter uma reeducação, ...”
Tinha responsabilidade pela obesidade, compreendia isso e procurava modificar as causas externas e internas; não se faziam de vítima da doença.
“Mas a questão toda é exercício, você controlar a alimentação, você colocar na cabeça... É objetivo (ênfase). Se você colocar como objetivo... É fácil? Não é fácil. Mas tem que ser como objetivo. Você tem que aceitar aquilo, colocar na sua cabeça. (...). Tem que encaixar, você tem que seguir, é uma regra.”
Quadro 6. Manifestações e/ou relatos explícitos dos critérios de classificação para a interação
90
A partir deste ponto, o grupo de sujeitos interativos será apresentado de forma
mais detalhada com a ajuda dos Quadros de Aprendizagem (Anexo E), construídos a partir
das Questões Aristotélicas e dos três aspectos que permeiam esta análise: a obesidade, o
comportamento alimentar e a atitude do sujeito diante do tratamento nutricional.
4.3.1 Da obesidade
O significado da doença para este grupo de pacientes interativos não diferiu muito
do significado demonstrado pelos aquisitivos. A distinção reside no que esses dois grupos de
sujeitos agiram a respeito da obesidade. O mal-estar físico visto, não como uma consequência
mas como a própria doença, e a influência dos aspectos inerentes à estética foram aqui a
motivação intrínseca7 que serviu como força motriz do processo de mudança sofrido pelos
indivíduos que aderiram ao tratamento. De acordo com Bransford et al. (2007, p. 77) a
motivação, por sua vez, pode influenciar o processo de transferência8 da aprendizagem. O que
pode ter sido um fator decisivo para o sucesso no tratamento desses sujeitos, confirmando
também a aprendizagem ativa (ou interativa) de acordo com a definição de Barnes (1995, p.
27), uma vez que a transferência é considerada como um processo ativo e dinâmico, mais do
que o produto final passivo de um conjunto específico de experiências de aprendizagem
(BRANSFORD et al, 2007, p. 79).
Ressalte-se de outra parte as considerações de Berbaum (1993, p. 53) a respeito da
motivação e da experiência passada, uma vez que o autor enfatiza que estes dois aspectos
referem-se a características essencialmente individuais, com as mais diversas manifestações;
devendo, portanto, ser considerados de maneira específica. Com relação a isso Bransford et
al. (2007, p. 101-103) ainda acrescenta que os significados vinculados ao conhecimento
cultural são importantes na ocorrência e na promoção da transferência. Ou seja, o
conhecimento prévio não é apenas um conjunto genérico de experiências atribuíveis aos
7 Definida no item 2.3 por Assis & Nahas (1999) como algo que faz com que o indivíduo aja algo que instiga um comportamento ou mudanças dele, conduzindo às escolhas ou preferências. Neste caso, intrínsecas, pois se referem a fatores internos do indivíduo, como desejos, necessidades, direções ou metas.
8 Como descrito no subitem 3.1.2 refere-se “a capacidade de estender o que se aprende em um contexto a novos contextos” (Bransford et al, 2007).
91
estágios de desenvolvimento pelos quais os aprendizes passaram, mas inclui também o tipo de
conhecimento que os aprendizes adquirem em virtude de seus papéis sócioculturais.
No caso de dois sujeitos desse grupo de interativos, a Questão Aristotélica
“Quando?” merece um destaque. Trata-se de Alice e Lucas, um casal que mudou toda sua
qualidade de vida no momento em que decidiram tratar a obesidade. Assim, não foram
somente os hábitos alimentares que se modificaram, mas também, os hábitos de prática de
exercício físico, o desafio na mudança de atividade profissional e o afastamento de membros
da família (o filho que foi morar em outra cidade). Todos esses fatores que contribuíram para
a união do casal e resultaram em adesão ao tratamento da obesidade e sucesso no mesmo,
como explicitam os seguintes recortes:
“Mas eu estava com tantos problemas que eu resolvi mudar a minha vida. Tanto é que depois de 15 anos sendo gerente de Banco, eu saí do Banco justamente por isso: pra ter uma vida melhor. Porque a vida melhor que eu considero não é só o corpo, a gente primeiro tem que gostar da gente”.
“Eu e a Alice a gente se ajudava um ao outro, aí o apoio é muito grande... (...) Força de vontade e apoio familiar é super importante. Um tem que ajudar o outro, principalmente num casal. Um tem que colaborar com o outro” (Lucas, A+S, interativo).
Já no caso de Brigite, a motivação extrínseca relacionada a um processo de
coerção da parte de familiares e amigos para que ela procurasse tratamento está evidente no
trecho abaixo:
“Roupa, tudo diferente e os outros também falam né? As pessoas falam com a gente... (...) Minha irmã, meu esposo, colegas (ênfase), minha mãe... Meu irmão, também, ‘me enchia muito o saco’, (...). Todo mundo ‘enchendo o saco’... Aí eu falei: ‘Não, vou dar um jeito...’” (Brigite, A+S, interativa).
Este processo de coerção foi apontado por Prochaska e DiClemente (1992),
autores proponentes do modelo transteórico (MTT)9, que sugeriram este processo como um
dos fatores relacionados com a passagem do paciente da pré-contemplação para o estágio de
contemplação; contudo, sem comprovação empírica.
9 Ver no subitem 3.1.2.
92
Dessa forma, no caso de Alice e Lucas o locus deste processo foi a microempresa
que abriram juntos (lanchonete). Como visto anteriormente, decisiva na união do casal e parte
de todo um conjunto de ações que facilitaram e/ou potencializaram a adesão ao tratamento.
Mas que se relacionam fortemente com o processo de transformação e evolução, inerente ao
Ser descrito por Fromm (1987).
“Eu fico aqui na lanchonete e não como nada que tem aqui dentro. (...) Quando que eu ia sair de um turno, igual a este que eu fico aqui, o dia inteiro, trabalhando, (...). Quando você acha que ia chegar a casa e não ia pensar em fazer uma comida pra mim? Eu como aqui 6 horas da tarde, meu lanche, pão integral, com queijo branco, é a minha última refeição, (...). Aí eu vou pra casa, você pensa que eu vou chegar a casa, vou comer? Às vezes eu levo esse leite de soja que eu tenho aqui, eu levo pra lá, aí depois que faço exercício, (...). Mas eu não fico mais catando coisa no armário, biscoito, não fico mais...” (Alice, A+S, interativa).
Os três sujeitos interativos que aderiram ao tratamento nutricional e obtiveram
sucesso no mesmo assumiram a responsabilidade pelo elevado consumo calórico responsável
por seu excesso de peso anterior. O que responde ao “Como?” relacionado com a obesidade e
fica explícito nos recortes a seguir:
“Ah, eu comia tudo que eu via pela frente, não queria nem saber” (Alice, A+S, interativa).
“Comia tudo, muito salgadinho, comia tudo (com alguma ênfase). Comida, bastante comida, carne com gordura, adorava... adoro carne com gordura... E, assim, refrigerante, muito refrigerante. Negócio de fruta, nem pensar, eu não ligava pra fruta, não” (Brigite, A+S, interativa).
“Era um pudim inteiro, eram seis pães de sal, era um prato e meio de comida, era exagerado... Refrigerante, doce, tudo que você puder imaginar era exagerado” (Lucas, A+S, interativo).
Quanto às causas apontadas para a obesidade, os três sujeitos interativos com
adesão e sucesso no tratamento apontam causas externas distintas do comportamento
alimentar anterior inadequado evidenciado nos relatos supracitados. A ansiedade é novamente
a mais comentada, todavia parece muito mais ser o “Por quê?” do comportamento alimentar
exagerado do que da obesidade em si, embora isto não tenha ficado explícito nas entrevistas.
É possível admitir que esta causa configure-se muito mais como motivação extrínseca.
93
“E a minha ansiedade, também que me faz engordar. (...) Depois da primeira gravidez, eu fiquei assim, se eu estou ansiosa, eu engordo. Eu nem preciso comer muito, (...). Negócio meu é cabeça, eu consigo, parece que eu vou, eu me faço... Tem hora que eu acho que eu mesma me castigo, entendeu, e eu começo a engordar” (Alice, A+S, interativa).
“Mas aí tem outro fator. Porque que eu não voltei? Para eu obter sucesso com qualquer coisa eu não posso estar aqui no meu local de trabalho. (...) Porque aqui dentro não dá tempo... (...) Entre atender a minha demanda profissional e atender a minha demanda como pessoa, eu vou atender a minha demanda profissional” (João, E+I, interativo).
Assim como no grupo de aquisitivos, o “Para que?” está muito relacionado com o
comportamento alimentar, no sentido de que a obtenção de prazer por meio do alimento ainda
é uma evidência já demonstrada acima. A nuança aqui que distingue os dois grupos – da
aquisição e da interação – é que com o início do tratamento e a obtenção de alguns bons
resultados iniciais, a orientação pela aprendizagem ativa pode ter facilitado a adesão.
4.3.2 Do comportamento alimentar
Sempre que questionados sobre seu comportamento alimentar, os três pacientes
interativos que aderiram ao tratamento nutricional conseguiam confrontar o antes e o depois
da perda ponderal. Relatavam o consumo exagerado como já foi demonstrado, contudo,
imediatamente traçavam o paralelo dos novos hábitos construídos. Como mostram os
seguintes trechos:
“Ah, eu comia tudo que eu via pela frente, não queria nem saber. Agora, não. Agora eu escolho o que eu vou comer, eu penso duas, três vezes na caloria que aquilo ali tem, entendeu? (...) Então, eu posso ir à restaurante...” (Alice, A+S, interativa).
“Comida muito gordurosa, que nem a minha alimentação... É assim, o jeito de cozinhar em casa eu mudei meu esposo até viu diferença. Então, foi através assim... Até ele mesmo notou diferença, dos alimentos...” (Brigite, A+S, interativa).
Assim, o comportamento alimentar parece ser visto como o mediador de todo o
processo de mudança experimentado pelos sujeitos estudados. Algo que foi e ainda tem sido
modificado, trabalhado e superado.
94
Este significado do comportamento alimentar indicado por estes três sujeitos, nos
leva ao “Quando?”. Esta mudança foi realizada na fase inicial do tratamento, muito
provavelmente, entre a primeira e a terceira consulta individual, agregando maior motivação e
postura ativa diante das orientações.
Com relação a isso, Berbaum (1993, p. 57) afirma que aprendizes podem ser
influenciados por um “fator de reflexão – impulsividade”, que faria com que alguns tivessem
tendência para responder mais rapidamente, ainda que cometendo erros, enquanto outros
teriam necessidade de um tempo mais longo para reagir.
Vale aqui destacar o caso de Brigite (A+S, interativa) que era participante do
GRA, e ao contrário de suas colegas que frequentavam os encontros, mas não aderiam ao
tratamento, Brigite conseguiu emagrecer consideravelmente, muito provavelmente por já ter
rejeitado uma proposta de tratamento individual que não lhe proporcionou problematização
das questões alimentares, o que conseguiu nos encontros do grupo.
A questão “Como?” correlaciona-se fortemente com o conceito de atividade de
Fromm (1987, p. 98, grifo do autor), no qual a conduta intencional socialmente reconhecida
resulta em mudanças correspondentes, socialmente úteis. Desse prisma, é possível verificar
que esses sujeitos interativos conseguiram realizar modificações em seu meio, levar e
construir conhecimento com seus familiares, criar novos hábitos como a prática de exercício
físico e evoluir sua visão de mundo. Vejamos os seguintes recortes:
“Ah, a pressão alta que eu tenho? Está controlada, depois que eu emagreci, até a minha pressão não sobe mais, (...) E a fibromialgia?... Cadê minha fibromialgia, que não tinha cura?... Por que eu diminuí o peso, né?!... E eu fiquei mais feliz também, né?... Tem isso também, né? Eu acho que a gente começa a gostar mais da gente, né? Hoje eu tenho prazer de ir a um lugar, comprar uma roupa pra mim” (Alice, A+S, interativa).
“... a gente está aprendendo como se alimentar corretamente e até eu mesma vou cuidar dos meus filhos. Porque, assim... Eu fazendo legumes, salada e dando pra eles, eles também estão passando bem e estão aprendendo e ficando bem também,...” (Brigite, A+S, interativa).
“Educação. Eu acho que o mais importante é você ter educação, e você ter metas. Eu acho que tudo na vida é meta. É você botar objetivo e ter meta. ‘Eu ser assim, eu quero fazer isso e eu quero fazer aquilo...’ Então a meta é importante. Tudo (grande ênfase) na vida. Acho que até as menores coisas da vida, você tem que ter uma meta e um objetivo pra seguir. Tem que ter uma linha” (Lucas, A+S, interativo).
95
Ainda conceituando esta atividade, Fromm (1987, p. 99, grifos do autor)
acrescenta que não se trata de ocupação, de “estar atarefado” alienadamente. Esta atividade é
não-alienada, pois o indivíduo se sente o sujeito de sua atividade, produzindo algo e
permanecendo relacionado com ela; o que Fromm denominou de atividade produtiva.
Os motivos para o aprendizado e consequente mudança no comportamento
alimentar variam para os três. Alice sofria com as comorbidades da obesidade; Lucas iniciou a
prática de exercício físico antes do tratamento dietético, que só foi cogitado para acompanhar
e incentivar a esposa, e Brigite, por sua vez, incomodava-se principalmente com os fatores
estéticos.
“Subiu (a glicose), fiquei com problema de colesterol alto, triglicerídeo alto, diabetes,... (...) A osteoporose veio agora no final, que eu descobri... Por que, há dois anos eu comecei a ter dificuldade pra caminhar dentro de casa. Se eu sentava, pra eu levantar era a maior dificuldade, eu levantava igual uma velhinha” (Alice, A+S, interativa).
“Ah, (pausa) ficar gorda desse jeito (pequena ênfase), muito gorda, barriguda (riso, um pouco encabulada)... (...) Ah, a gente se vê! Né, a gente se vê. Roupa, tudo diferente...” (Brigite, A+S, interativa).
“Eu comecei a caminhada assim, automaticamente. Mas não estava muito motivado por que... (pequena pausa) eu continuava comendo. Eu caminhava, mas comia... Eu caminhava e comia, então não fazia muito efeito. E a Alice precisou por necessidade, doença, e aí o que aconteceu? Eu entrei (ênfase). Eu entrei mais no intuito de ajudar e comecei a seguir, e nessa eu gostei (ênfase)!” (Lucas, A+S, interativo).
Da mesma forma que o “Para quê?” do subitem anterior da obesidade, no caso de
aprender a mudar o comportamento alimentar, é muito provável que prazeres como o de
perder peso ganhando mais vitalidade e agilidade, e a necessidade de comprar peças de
vestuário em tamanhos menores tenham conseguido sobrepujar o prazer da “comida” em si.
Além disso, cabe aqui incluir, o incômodo dos sujeitos deste grupo com relação
ao processo de discriminação e estigmatização sofrido pelas pessoas obesas.
“Você se torna engraçado para você se sentir bem no meio dos outros. O gordinho é assim: a gente se torna engraçado para se sentir bem com os outros e a gente se torna chacota dos outros (ênfase). A verdade é essa” (Lucas, A+S, interativo).
96
Os três de alguma forma explicitaram esta questão que pode ter sido decisiva no
processo de aprendizagem de um novo comportamento alimentar de forma ativa e consciente.
Muito embora, Rodrigues e Boog (2006) em um estudo qualitativo no qual trabalharam com
adolescentes obesos, tenham afirmado que o estigma da obesidade abala a estrutura psíquica
do indivíduo de forma tal, que gera ansiedades, tensões e sentimentos que configuram um
esquema cíclico comer – angustiar-se – comer, contribuindo assim para a manutenção da
obesidade. O presente estudo parece apontar para o oposto, pelo menos no que se refere a
indivíduos interativos.
4.3.3 Da atitude diante do tratamento dietético
No caso dos três indivíduos interativos, o tratamento era visto como um sacrifício
de alto custo, inclusive financeiro. Como explicita Brigite (A+S, interativa) no recorte
seguinte:
“Ah, eu achei que ia ser assim mais sacrificado mesmo, eu achei. Eu achei, quando eu vim, eu achei que ia ser mais difícil... Eu achei que ia passar as coisas que a gente não tem condições de comprar, no começo eu pensei. (...) Os outros mesmo falam... Ah, ela vai ao nutricionista... O nutricionista passa só coisa que a gente não pode comprar, e igual aqui, o acompanhamento que vocês fizeram é tudo que a gente já tem em casa, que a gente já se alimenta mesmo...”.
Barreiras como essas são muito comuns, conforme esclarece e discute o modelo
de crenças em saúde (Health Belief Model)10. Referem-se às opiniões das pessoas sobre o
custo (monetário ou não) das ações recomendadas (OPAS, 1996).
Todos tiveram essa visão modificada ao longo do processo. O tratamento
nutricional passou a ser entendido como um processo de desenvolvimento pessoal e
evolucional. O que segundo Ausubel (2003), delineou-se como um processo de aprendizagem
significativa.
Com relação a isso, este autor esclarece que novos significados são resultados da
interação ativa e integradora entre novos materiais de instrução e ideias relevantes da estrutura
10 Ver subitem 3.1.2.
97
de conhecimentos do aprendiz (subsunçores); refletindo, portanto, a ação e a finalização
anteriores do processo de aprendizagem significativa (AUSUBEL, 2003, p. 43, 71).
Destacando-se que, no caso do tratamento nutricional, os materiais instrucionais podem ser a
lista de substituição de alimentos, a pirâmide alimentar, diários alimentares etc.
O locus desse processo foi o encontro com o conselheiro nutricional. A postura
desses pacientes, diante do tratamento que indica o “Como?”, foi visivelmente crítica,
consciente e problematizadora.
“Porque o que podia comer eu perguntava, o que que não podia. Em termos de mistura, ah é isso, é aquilo... Eu tirava as dúvidas” (Lucas, A+S, interativo).
“Foi com nutricionista, uma vez só... Mas aí eu nem voltei... (...) Ah (pequena pausa) como é que eu vou explicar?... Assim, ela fez uma ficha pra mim, só que no computador. Aí ela só conversou uns negocinhos, aí fez uma dieta, mas aí não segui, não entendi bem, não peguei” (Brigite, A+S, interativa).
Ainda olhando para a questão “Como?”, Brigite em determinados momentos da
entrevista parece ter demonstrado uma postura de complacência, aceitando as orientações
prescritas sem discuti-las do que tendo uma atitude ativa e consciente, característica da
adesão, como indica seu relato a seguir:
“Seguia direitinho, fazia tudo direitinho... Seguia direitinho, continuei fazendo, fazia direitinho.” (Brigite, A+S, interativa).
No entanto, este caráter da aquisição não é preponderante em sua atitude no
tratamento, apesar de não ter buscado por informações complementares em outros meios, só
absorvendo o que lhe chegava às mãos. Ao contrário de Alice e Lucas que procuravam por
informações sobre alimentação saudável e exercícios físicos na Internet e em programas de
televisão.
A questão é que Brigite, mesmo não buscando por tais informações, de fato
aprendeu com o que chegou até ela, muito provavelmente porque estes materiais de instrução,
de alguma forma, relacionaram-se, quer a algum aspecto ou conteúdo existente e
especificamente relevante de sua estrutura cognitiva, quer a algumas ideias anteriores, de
98
caráter menos específico, mas geralmente relevantes e existentes em sua estrutura de
conhecimentos (AUSUBEL, 2003, p. 71-72).
Respondendo a questão “Por quê?”, esta alteração na visão sobre o tratamento
dietético, que influenciou a atitude destes pacientes e o sucesso dos mesmos, provavelmente
refere-se à metodologia de trabalho da conselheira nutricional que tratou o casal e do GRA,
no caso de Brigite. Rodrigues & Boog (2006), no estudo já citado, também relatam resultados
interessantes e positivos ao utilizarem o método da problematização como estratégia-base.
Com relação à questão “Quando?”, os relatos das entrevistas indicam que a modificação da
visão sobre o tratamento ocorreu durante todo o processo gradativamente.
O “Para quê?”, neste caso, muito embora, isso não tenha ficado explícito nas três
entrevistas, a partir dos Quadros de Aprendizagem construídos para análise destes dados, foi
possível clarificar a finalidade principal e essencial desse processo: a busca de melhores
condições de saúde e qualidade de vida.
“Eu acho que foi um desenvolvimento pra mim, eu acho que eu consegui... uma evolução, no caso, eu consegui evoluir (ênfase)” (Alice, A+S, interativa).
4.4 Comparação entre os modos de aprendizagem
Após análise bem discriminada das manifestações dos dois modos de
aprendizagem ideais, tornou-se necessário um último confrontamento desses, na perspectiva
dos achados deste estudo e seus sujeitos. Ainda que algumas redundâncias sejam inevitáveis.
Com relação ao significado da doença, os aquisitivos e os interativos não
divergiram na visão de que a obesidade trata-se simplesmente de um mal-estar físico, que gera
consequências para a saúde e desconfortos ligados a questões estéticas. O contraste está na
forma como esta visão impactou a adesão ou não no tratamento. Os aquisitivos submetem-se
passivamente a esta concepção e os interativos, não se fazendo de vítimas, encontraram aí o
incentivo para a busca de alguma mudança.
Dessa forma, aquisitivos conseguiram apenas apontar a época de suas vidas e o
principal locus para a gênese da obesidade. Os interativos, além de apontar a época do
99
surgimento da doença, foram capazes de explicitar o momento e o locus em que o contexto
ambiental foi reformulado e reconstruído para possibilitar o tratamento da obesidade,
evidenciando ainda, vários aspectos afetados por esta necessidade.
Entretanto, foi possível observarmos uma congruência entre os indivíduos
orientados pela aquisição e os orientados pela interação, no momento em que todos
relacionaram o elevado consumo alimentar para explicitar como se deu o ganho de peso.
Contudo, e de forma incoerente, todos também atribuíram causas externas para a
doença. A diferença, no entanto, reside no fato de que os aquisitivos submetem-se a essas
causas, não conseguindo modificá-las; já os interativos encontram, nas mesmas, motivação
extrínseca para a adesão ao tratamento nutricional da obesidade.
A finalidade do excesso de peso evidenciou-se mais nos Resumos das Histórias
dos sujeitos estudados do que nos Quadros de Aprendizagem. Assim, verificamos que o
consumo elevado de alimentos evidenciado pelos sujeitos aquisitivos relaciona-se com a
obtenção de algum prazer – em meio a tantas ansiedades, medos e angústias. No caso da
interação, os indivíduos apontaram para uma mudança de foco deste hedonismo: do alimento
para as conquistas ligadas ao processo de perda de peso.
Na concepção dos sujeitos aquisitivos estudados, o comportamento alimentar
relaciona-se diretamente com o excesso de peso. No entanto, as dificuldades de mudança são
muitas e complexas, justamente devido à necessidade de pertença e posse do prazer que este
comportamento representa. Já os interativos foram capazes de apontar conscientemente o
antes e o depois de seu comportamento alimentar, que era visto, então, como a base de todo
processo de mudança.
Processo este que, no caso dos aquisitivos, configurou-se lento e tácito, mas
existente. Não obstante o fato desses sujeitos predominarem na evasão do tratamento com
insucesso, não significa que alguma mudança não tenha ocorrido. Os interativos, por outro
lado, demonstraram um processo mais intenso, explícito e acelerado; fortemente
correlacionado às questões cognitivas.
Ainda tratando-se do comportamento alimentar, os indivíduos orientados pela
aquisição demonstraram submissão e passividade perante a influência dos loci “casa” e “rua”.
Os indivíduos orientados pela interação atuaram crítica, ativa e conscientemente para
modificar e/ou ajustar estes loci.
100
Com relação às causas do comportamento alimentar, tanto na aquisição quanto na
interação, encontramos a ênfase dada pelos sujeitos às causas emocionais e ao estigma do “ser
obeso”. Todavia, no caso dos aquisitivos essas causas são parte do processo cíclico
relacionado com o hedonismo do exagero no consumo alimentar. Os interativos, por sua vez,
enfatizaram mais essas causas, para fechar outro ciclo: o dos prazeres que a mudança e a
perda de peso trouxeram.
A postura diante do tratamento, no caso dos sujeitos aquisitivos apontava para
dois eixos de visões: o tratamento concebido como um sacrifício dos prazeres gastronômicos
e o tratamento visto como um trabalho de conscientização e reeducação; cuja atitude, no
entanto, ainda é passiva. A primeira percepção de que o tratamento dietético é um sacrifício,
também foi apontada pelos indivíduos interativos, porém, no início do processo. Ao longo do
tratamento esta visão foi evidentemente modificada. A orientação pela aprendizagem ativa
(interação) foi decisiva nessa mudança de significado e a correlação com a teoria de autores
cognitivistas corroborou este achado.
Os aquisitivos não apontaram associação entre estes dois eixos de significados
sobre o tratamento nutricional nem com qualquer momento do processo ou de tentativas
anteriores, nem com a metodologia empregada pelo conselheiro nutricional. Já os interativos
deixaram claro que essa mudança de significado aconteceu ao longo do processo do
tratamento, durante os encontros com o conselheiro nutricional.
Os sujeitos aquisitivos participantes deste estudo apresentaram-se passivos,
indicando inclusive, que esta passividade pode ser causada pela visão de que o tratamento é
algo imposto, externo ao indivíduo, um conjunto de ordens dadas pela autoridade de um
profissional de saúde que, por isso, serão aceitas mas não, necessariamente, cumpridas.
Os sujeitos interativos, pelo contrário, demonstraram uma atitude de
aprendizagem ativa, crítica e consciente de comprometimento com tratamento, causada pela
orientação pelo modo Ser, somada à disponibilidade de problematização por parte do
conselheiro nutricional.
E, finalmente, observamos que a finalidade da evasão do tratamento é inerente ao
ciclo de formação e manutenção da obesidade, com sentimentos de fraqueza e derrota, no
caso dos sujeitos aquisitivos. Para os interativos, o tratamento serviu para buscar melhores
101
condições de saúde e qualidade de vida, como partes de uma caminhada de transformação e
evolução perenes.
4.5 Mateus e João: os casos “negativos”
Figura 4. Aspectos modulados pelos modos de aprendizagem
Como visto até aqui, perder peso implica comprometimento com o tratamento
nutricional. Esse comprometimento é necessário porque o paciente precisa superar uma série
de dificuldades. Tais dificuldades relacionam-se com o ambiente no qual este indivíduo está
inserido, com todos os vieses psicológicos, antropológicos, sociais e econômicos. E que,
como já discutido, vão desde o aleitamento materno até o fenômeno de transição nutricional
da população brasileira, passando pelo estigma do excesso de peso, pelas consequências da
revolução industrial e o acesso a gêneros alimentícios.
No entanto, para que o indivíduo chegue nesse nível de comprometimento, faz-se
necessária uma tomada de decisão e/ou uma aceitação da necessidade de mudança.
Justamente são esses dois aspectos modulados pelos modos de aprender aquisitivo e/ou
interativo. Isto é, as pessoas relacionam-se aquisitivamente ou interativamente com o seu
meio sóciocultural, gerando respostas psicológicas e cognitivas ao longo do processo de
tratamento da obesidade.
Já dito, o modo aquisitivo e interativo foram considerados como “modos ideais”,
ou seja, perfis algo estereotipados, sem a necessária correspondência perfeita com sujeitos
reais. Por isso a classificação neste estudo, fez-se por aproximação a esses tipos ideais. Assim,
não surpreende que indivíduos possam eventualmente responder de forma aquisitiva, em
determinados períodos de sua vida, em resposta a determinadas influências de seu meio
102
sócioambiental, e em outros também se aproximar de atitudes mais interativas, mediante à
alteração de alguns aspectos do meio. Este raciocínio pode ser confirmado pelas minuciosas
(e já citadas neste trabalho) descrições de Berbaum (1993, p. 14-15) sobre os elementos do
sistema sujeito-meio. E, justamente em resposta a estas ponderações tornou-se necessário o
afloramento da sutileza de interpretação para discutir dois casos específicos.
O primeiro é o de Mateus. Classificado como aquisitivo, no entanto, tendo aderido
ao tratamento, com sucesso na perda de peso. Seria um argumento contrário à hipótese, ou
seja, seria, para este estudo, um “caso negativo”. O outro caso “negativo” à hipótese deste
estudo foi o de João que, apesar de ter evadido ao tratamento com manutenção do sobrepeso,
demonstrou mais proximidade com os critérios de classificação da interação. Em uma visão
simplista, caberia rejeitar a hipótese do trabalho já que, em geral, um caso negativo tem uma
força lógica de falseamento bem superior a muitos casos positivos a corroborar assertivas. No
entanto, cabe retornar aos conceitos fundamentais dos modos aquisitivo e interativo de
maneira a compreender essa aparente contradição.
Iniciemos com Mateus. Ao analisar as informações de sua entrevista e
comparando o predomínio de cada critério no Quadro 7, parece ser possível afirmar que
Mateus aderiu ao tratamento e obteve sucesso aquisitivamente, ou seja, não demonstrou o
processo de transformação e evolução próprios do modo Ser, conforme Fromm (1987, p. 44)
descreveu:
“Engraçado que no começo do tratamento eu quase não fazia né... Aí, faltava assim uma semana ou 10 dias pra consulta, aí eu fechava a boca. Aí seguia, tentava seguir a dieta. Chegava aqui tinha emagrecido um quilo, tinha mês que não emagrecia... Até um dia que eu tomei um susto: ao invés de emagrecer eu engordei. Aí falei: ‘Aí não! Então eu comecei a fazer a dieta certinho.’” (Mateus, A+S, aquisitivo).
Como confirmação disso está o fato de que Mateus, à época da coleta de dados,
vinha ganhando peso novamente, submisso a fatores externos com os quais não vinha
conseguindo lidar, conforme seu relato no trecho a seguir:
“Aí quando eu comecei a namorar aí que desregulou tudo, porque aí você sai. Não dá pra seguir horário pra comer, começa a comer muita besteira... (...) Agora fica mais difícil estudando, trabalhando... (em tom de justificativa). Porque quando eu não estava estudando ainda, eu corria né. Fazia exercício, corria...”
103
O quadro 7, abaixo, possibilita o contraste dos “graus de aquisição e interação”
deste sujeito do estudo indicando, com cores mais fortes o predomínio da aquisição. Na
análise deste quadro ficam evidentes, porém, alguns traços da interação no processo cognitivo
de Mateus. Embora estes não sejam predominantes podem ser os responsáveis pela
manutenção do seu peso ideal por aproximadamente quatro anos consecutivos. Este fato
aponta para um possível processo de complacência11 ao tratamento nutricional.
Dessa forma, sob a perspectiva da lente focal de Ausubel (2003), a aprendizagem
por memorização pode se relacionar com a estrutura cognitiva de um aprendiz, mas apenas de
uma forma arbitrária e literal que não resulta na associação de novos significados. Pois, de
acordo com o autor, “é afetada por fatores tais como tendências culturais e de atitude e pelas
exigências de situações específicas do próprio âmbito de reprodução”. Assim, fica clara a
influência marcante do meio em que Mateus está inserido a modular todo este processo.
CRITÉRIOS DA AQUISIÇÃO CRITÉRIOS DA INTERAÇÃO
Não referiram nenhum questionamento às orientações recebidas, simplesmente as seguiam ou não;
Demonstraram uma tendência a transferir/atribuir a responsabilidade pelo tratamento a terceiros (o profissional, alguém da família, amigos etc);
Não tiveram interesse em complementar seus conhecimentos em outras fontes de informação;
Demonstraram dificuldade em separar lapso e recaída;
Entenderam o tratamento como um sacrifício com data marcada para terminar e não como um processo de reeducação perene;
Demonstraram acomodação e conformismo;
Apresentaram tendência à vitimização;
Atribuíram causas externas à obesidade;
Quando assumiam a própria responsabilidade, apresentavam-se incapazes de agir contra a obesidade;
Entenderam a obesidade como um traço inerente à sua pessoa ou família.
Submeteram as orientações ao seu julgamento crítico;
Construíram a dieta junto com o profissional;
Em caso de abandono, o fizeram de forma explícita, como decorrente de decisão própria;
Assumiram a responsabilidade de seu tratamento, demonstrando capacidade de fazê-lo;
Procuraram complementar o conhecimento fornecido pelo profissional de saúde em outras fontes de informação;
Conseguiram e ainda conseguem separar lapso de recaída;
Entenderam o tratamento como reeducação alimentar, ainda que não conseguissem expressar este termo específico;
Demonstraram-se ativos diante do tratamento, conseguindo atuar nas causas inerentes ao seu contexto sócioambiental da obesidade;
Tiveram responsabilidade pela obesidade, compreendiam isso e buscavam modificar as causas externas e internas, não se faziam de vítima da doença.
Quadro 7. Quadro comparativo dos critérios de classificação de Mateus
11 Ver item 2.3.
104
Assim sendo, sugere-se que Mateus inserido em um contexto totalmente voltado
para comportamentos favoráveis ao tratamento, poderia vir a obter sucesso na perda ponderal,
e isto em função do seu caráter aquisitivo. Observa-se, em sua história, repita-se, o
emagrecimento e o retorno ao sobrepeso em sintonia com o ambiente, este, então modulador
de suas mudanças – característica presente na aquisição.
É possível observar a influência do meio em algumas intervenções coletivas
(ROMON et al, 2004; DUTRA et al, 2006). Em algumas cidades da França, Espanha e
Inglaterra, com alto índice de obesidade, já implementaram programas de controle, tanto da
ingestão de alimentos quanto do aumento no gasto energético. Tais programas associaram-se
também a outras estratégias coletivas tais como educação nutricional voltada para as escolhas
alimentares desde o momento da compra até o preparo dos alimentos além de projetos de
intervenção nas escolas para prevenção da obesidade infantil. Este é o caso do EPODE, um
programa de prevenção da obesidade infantil, proposto por Summerbell (2007) e
implementado em diversas cidades da França, Espanha e Bélgica, cujos resultados têm
apontado para o declínio da prevalência de sobrepeso e obesidade infantil, mediante o
estímulo à modificação do estilo de vida de toda a população.
Assim, o quadro a seguir, enfatiza a aproximação de Mateus dos critérios de
classificação da aquisição.
CRITÉRIO DE CLASSIFICAÇÃO MANIFESTAÇÃO/RELATO EXPLÍCITO
Entendia a obesidade como um traço inerente à sua pessoa ou família.
“Porque assim meu pai e minha mãe são gordinhos, meu pai sempre comeu “bem”. Outro dia ela fez uma feijoada lá, meu pai reparou e contou que eu tinha comido 4 vezes e ele comeu 6 vezes, pratão mesmo. E eu tenho tendência mesmo... Na família do meu pai, o pessoal é todo gordinho, na da minha mãe também tem um pessoal gordinho...”
Refere que a obesidade nunca o incomodou, nem mesmo as brincadeiras desagradáveis dos adolescentes colegas de colégio.
Não referiu nenhum questionamento às orientações recebidas, simplesmente seguir ou não.
“Eram cinco biscoitos e um copo de leite, tal hora tinha que comer isso... Comia certinho. Aí comecei a evitar, assim em horário que ia comer pão, eu comia fruta... Ou comia barra de cereal, ou tomava um iogurte, ou alguma coisa assim... Aí depois ela me orientou a evitar repetir.”
105
Demonstrou acomodação e conformismo. “Eu realmente nunca esquentei de ter vergonha de andar sem camisa, usar sunga assim... Esses negócios eu nunca esquentei. Eu sempre fui mesmo bem largado, relaxado, não ligava pra nada não... Eu brincava também que eu sempre fui um gordinho assim “meio saudável”, (...)
Atribuíu causas externas à obesidade. “Aí quando eu comecei a namorar aí que desregulou tudo, porque aí você sai. Não dá pra seguir horário pra comer, começa a comer muita besteira... (...) Agora fica mais difícil estudando, trabalhando... (em tom de justificativa). Porque quando eu não estava estudando ainda, eu corria né. Fazia exercício, corria...”
Quadro 8. Manifestações dos critérios de classificação da aquisição nos relatos de Mateus
No relato abaixo Mateus deixa claro sua complacência ao se deixar influenciar
pelos hábitos alimentares de sua família, assim como a obediência às orientações nutricionais,
seguindo-as sem que estas sejam fruto de um processo de construção ativo e consciente em
parceria com o profissional responsável.
“(...) nunca faltou salada na minha casa e coisas assim que era pra dieta... E antes quando eu era mais novo eu não comia estas coisas e agora já como o repolho, a beterraba, a couve, até couve crua... A vagem... Passei a experimentar.”
Porém, no próximo relato, Mateus já demonstra como a submissão à influência do
locus rua vem modificando suas atitudes alimentares. E as orientações autoimpostas
complacentemente já não se encaixam mais em seu cotidiano, porque na verdade, não foram
constructos cognitivos originados na problematização com o conselheiro nutricional durante
as consultas.
“Agora fica mais difícil estudando, trabalhando...” (em tom de justificativa).
Ademais, como já sugerido por Garcia (1997) em seu estudo qualitativo sobre o
comportamento alimentar no meio urbano, os indivíduos que realizam refeições na rua,
delatam a busca por rituais característicos da casa, o que envolve, dentre outros aspectos,
ambiente aconchegante, companhia amistosa, e principalmente, a obtenção de prazer
gastronômico em preparações tidas com “caseiras”.
106
Assim, todas essas controvérsias na aproximação dos modos de aprendizagem
ideais apontadas por Mateus indicam não somente a influência do meio neste processo, mas
também a possibilidade de respostas diferentes (da aquisição e da interação) em momentos
diferentes da vida do sujeito.
Tendo visto um “aquisitivo” que “emagreceu”, cabe-nos agora estudar o seu
oposto – o “interativo” que “não emagreceu”. Trata-se do João. Observando-se o Quadro 2
(item 3.3.5) percebe-se que embora classificado como interativo, suas características
mostraram-se contrastantes.
Por um lado João aproximou-se da aquisição ao demonstrar entender o tratamento
como um sacrifício datado para começar e terminar, e principalmente não reverter qualquer
informação complementar sobre alimentação e nutrição a que tem acesso (devido a sua
profissão), em práticas e atitudes na sua vida cotidiana. Por outro, aspectos como sua rejeição
veemente a qualquer prática impositiva no planejamento dietético, seu julgamento crítico
acerca das orientações recebidas e o abandono consciente devido à não-problematização
dessas questões durante a consulta acabaram sendo preponderantes na aproximação desse
indivíduo para a interação. Conforme explicita o recorte a seguir:
“... mas as pessoas que estiveram aqui comigo, sabe aquela coisa que já está pronta... E eu acho que dieta tem que ser uma coisa individual pra cada um. Eu, por exemplo, não gosto de fruta. Então, não adianta você fazer uma dieta pra mim que eu tenha que comer fruta todo dia, porque eu não vou comer.”
Ainda com relação ao trecho acima, vale destacar que João, assim como todos os
outros sujeitos deste estudo, consultados no Ambulatório de Nutrição da Policlínica André
Sarmento Bianco (UniFOA), recebeu um plano dietético calculado de acordo com seus dados
individuais. Ainda assim, demonstrou a percepção de receber uma “dieta pronta”,
desvinculada de sua realidade cotidiana e hábitos pessoais. E isso indica sua postura crítica e
consciente, e ratifica sua aproximação da interação, pois nos remete de volta à definição de
“O Ser ativo” (FROMM, 1987, p. 97), cuja presença de razão crítica, independência e
liberdade; gera uma atividade íntima no emprego criativo dos poderes humanos. Neste caso,
mesmo que em desacordo com os objetivos do conselheiro nutricional, e também
contribuindo para não atingir seu próprio objetivo ao procurar o auxílio profissional.
107
Além disso, o quadro abaixo traz algumas manifestações e relatos explícitos
extraídos da entrevista de João que confirmam sua aproximação com os critérios de
classificação da interação.
CRITÉRIO DE CLASSIFICAÇÃO MANIFESTAÇÃO/RELATO EXPLÍCITO
Submetia as orientações ao seu julgamento crítico.
Em caso de abandono, o fez de forma explícita, como decorrente de decisão própria.
“... mas as pessoas que estiveram aqui comigo, sabe aquela coisa que já está pronta... E eu acho que dieta tem que ser uma coisa individual pra cada um. Eu, por exemplo, não gosto de fruta. Então, não adianta você fazer uma dieta pra mim que eu tenha que comer fruta todo dia, porque eu não vou comer.”
Construiu a dieta junto com o profissional. Esta necessidade foi decisiva em sua evasão ao tratamento. Apesar de ter sido calculada individualmente, sua prescrição dietética foi construída somente pelas estagiárias que o atenderam, ou seja, estas acabaram o isolando-o deste processo e menosprezando, na anamnese, os dados que ele havia lhes relatado.
Possuía responsabilidade pela obesidade, compreendia isso e buscava modificar as causas externas e internas, não se fazia de vítima da doença.
Muito embora não consiga de fato modificar as causas externas e internas, provavelmente por colocar seu trabalho acima de outras prioridades, ele demonstrou responsabilidade pela obesidade e não indicou processo de vitimização.
“Hoje eu tenho a necessidade de fazer dieta por causa de uma possível diabetes que eu posso ter. O meu motivo é: ‘Não quero ter diabetes’. Porque eu já tive amigos... Amigos que são e eu sei como é que é. (...) É este o meu estímulo, meu estímulo hoje é baixar glicose, é não entrar em risco de diabetes.”
Quadro 9. Manifestações dos critérios de classificação da interação nos relatos de João
Nesses relatos de João observa-se a atividade produtiva, descrita por Fromm
(1987). Ele demonstra não-alienação no que se refere ao seu tratamento, sendo exatamente
por isto que não ocorre adesão ao que se lhe propôs. Dessa forma, pontua seus objetivos
alcançáveis, tal como sua preocupação em controlar a glicemia. Também por isso, além de
sua atitude interativa, muito possivelmente, poderá vir a obter sucesso até mesmo na perda
ponderal. Para tal parece-nos importante que, em tratamentos vindouros, o conselheiro
nutricional seja capaz de criar um espaço para problematização, pois, como percebemos, a
predisposição para a aprendizagem ativa já está ali, bastando ser trabalhada adequadamente.
VtÑ•àâÄÉ H „ VÉÇá|wxÜt†Æxá y|Çt|á
109
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entrevistar os pacientes do modo exposto foi produtivo, já que pudemos, não só
estudar a influência do modo de aprendizagem do autocuidado da obesidade na adesão ao
tratamento, como também descrever o modo idiossincrásico de aprendizagem na gênese da
doença, no comportamento alimentar e no decorrer do tratamento. O suporte teórico escolhido
foi eficaz no afloramento das correlações, sem precedentes, entre os modos de aprendizagem
e a obesidade. A consequente elaboração dos critérios possibilitou a aproximação a tipos
ideais que, após a análise dos dados, evidenciaram vários aspectos levantados nas correlações.
Dessa forma, as respostas para os questionamentos apresentados no primeiro
capítulo deste trabalho ganharam formato científico. Ou seja, ficou clara a interferência dos
aspectos idiossincrásicos no tratamento nutricional, justificando a eficácia do tratamento em
alguns casos e em outros não. E, ao caracterizar a relação entre estes modos individuais de
aprendizagem e o grau de adesão ao tratamento, tornou-se possível aceitar a hipótese do
trabalho. Em outras palavras, os sujeitos estudados manifestaram associação positiva entre a
aquisição e o abandono com insucesso, bem como a interação com a adesão e o sucesso.
Os dois grupos mostraram exceções a esta hipótese, o que tornou ainda mais
interessante a aproximação aos modos de aprendizagem ideais. Estas exceções levantam uma
série de vieses que precisam ser considerados por conselheiros nutricionais. Assim sendo,
nem sempre o sucesso no tratamento de perda ponderal indica uma aprendizagem ativa do
autocuidado; tampouco o insucesso com o abandono do tratamento indica sempre a
aprendizagem passiva. Existe uma série de fatores sócioculturais, afetivos e cognitivos
envolvidos neste processo. Acreditamos que a metodologia de trabalho do conselheiro
nutricional precisa passar por métodos e técnicas que:
• explicitem para o profissional o modo de aprendizagem do paciente, tanto em
abordagens individuais, quanto nas abordagens em grupos;
• trabalhem efetivamente a motivação – intrínseca e extrínseca – tornando claro ao
paciente seus significados pessoais sobre a obesidade, seu comportamento alimentar e
o tratamento nutricional;
110
• norteiem-se pela problematização das questões alimentares, fazendo com que o
paciente se torne sujeito do processo e não objeto do mesmo.
Desta forma, ter respondido às questões iniciais e delineado estas recomendações
não se configurou como final de caminho. Ao contrário, suscitou novas questões, quais sejam:
a) Como instrumentalizar, de maneira eficaz e rápida o profissional, de modo que
ele consiga, pelo menos, aproximar o paciente obeso de tal ou qual modo de aprendizagem na
dinâmica de várias consultas individuais ou da problematização em grupo?
b) De que forma o conselheiro nutricional poderá transformar estas características
individuais em aspectos motivacionais para adesão ao tratamento da obesidade?
c) O conselheiro nutricional está preparado para trabalhar de forma
problematizadora com indivíduos obesos? Esta tem sido a realidade hegemônica no cuidado
nutricional? Esta tem sido a realidade na formação acadêmica do nutricionista?
Fica evidente que este estudo direciona vários caminhos para pesquisas vindouras,
ainda com ênfase no binômio ensino-aprendizagem. A expectativa é que o campo da
educação nutricional possa, de fato, utilizar das contribuições didático-pedagógicas às quais
sempre se debruçou, para interferir positivamente na área clínica.
I@ exyxÜ£Çv|tá
112
6 REFERÊNCIAS
ADLER, M.J. & VAN DOREN, C. Como ler um livro. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1990.
ALMEIDA, B. de & FERREIRA, S.R.G. Epidemiologia da Obesidade. In: CLAUDINO, A.M. & ZANELLA, M.T. Guia de transtornos alimentares e obesidade. São Paulo: Manole, 2005.
ALVES-MAZZOTTI, A.J. & GEWANDSZNAJDER, F. O método nas ciências naturais e sociais – pesquisa quantitativa e qualitativa. São Paulo: Pioneira Thomson Learning Ltda., 1999.
AMSEL, A. Behaviorism, Neobehaviorism, and Cognitivism in Learning Theory: historical and contemporary perspectives. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 1989.
ASSIS, M.A.A. & NAHAS, M.V. Aspectos motivacionais em programas de mudança de comportamento alimentar. Rev Nutr Campinas, 12 (1): 33-41, jan/abr, 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rn/v12n1/v12n1a03.pdf> acesso em: 28/05/2007.
AUSUBEL, D.P. Aquisição e retenção de conhecimentos: uma perspectiva cognitiva. Portugal: Paralelo Editora, 2003.
AYRES, J.R.C.M. O cuidado, os modos de ser (do) humano e as práticas de saúde. Saúde e Sociedade, v.13, n.3, p.16-29, set-dez, 2004.
BARNES, R. Seja um ótimo aluno – guia prático para um estudo universitário eficiente. Campinas, SP: Papirus, 1995.
BERBAUM, J. Aprendizagem e formação. Portugal: Porto Editora, 1993.
BERBEL, N.A.N. A problematização e a aprendizagem baseada em problemas: diferentes termos ou diferentes caminhos? Interface: comunicação, saúde e educação, v.2, n.2, fev. 1998.
113
BOGDAN, R.C. & BIKLEN, S.K. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Portugal: Porto Editora, 1994.
BOOG, M.C.F. Educação nutricional em serviços públicos de saúde. Cad Saúde Pública, Rio de Janeiro, 15(Sup. 2): 139-147, 1999.
BRANDÃO, M.A.G. Uma Visão Metacognitiva das Estratégias Diagnósticas de Enfermagem. (Dissertação de Mestrado). Rio de Janeiro: UFRJ/NUTES, 1999.
BRANSFORD, J.D.; BROWN, A.L. & COCKING, R.R. Como as pessoas aprendem: cérebro, mente, experiência e escola. São Paulo: Editora Senac, 2007.
CARDOSO, L.K.O. Avaliação psicológica de crianças obesas em um programa de atenção multiprofissional a obesidade da Universidade de São Paulo – 2001 e 2002. (Dissertação de Mestrado) Ribeirão Preto, 2006. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/22/22131/tde-05062006-145916/> acesso em 30/08/2007.
CARNEIRO, G. Patogênese da Obesidade. In: Claudino, A.M. & Zanella, M.T. Guia de transtornos alimentares e obesidade. São Paulo: Manole, 2005.
CARR, D.; FRIEDMAN, M.A.; JAFFE, K. Understanding the relationship between obesity and positive and negative affect: the role of psychosocial mechanisms. Body Image (4) 165-177, 2007. Disponível em: <http://www.scopus.com/scopus/results/results.url?sort=plf-f&src=s&st1=Understanding+the+relationship+between+obesity++and+positive+and+negative+affect%3a+the+role+of+psychosocial+mechanisms&st2=&sid=tmIaFTAtq7GuT8vJIt_ZZ8h%3a30&sot=b&sdt=b&sl=132&s=TITLE-ABS-KEY%28Understanding+the+relationship+between+obesity++and+positive+and+negative+affect%3a+the+role+of+psychosocial+mechanisms%29&origin=searchbasic&txGid=tmIaFTAtq7GuT8vJIt_ZZ8h%3a3> acesso em: 27/06/2007.
CARVALHO, C.M.R.G.; FONSECA, C.C.C.; PEDROSA, J.I. Educação para a saúde em osteoporose com idosos de um programa universitário: repercussões. Cad Saúde Pública, Rio de Janeiro, 20(3):719-726, mai-jun, 2004.
CHOR, D. Saúde pública e mudanças de comportamento: uma questão contemporânea. Cad Saúde Pública, Rio de Janeiro, 15(2): 423-425, abr-jun, 1999.
114
COLTRO, A. A Fenomenologia: um enfoque metodológico para além da modernidade. Cad de Pesq em Admin, São Paulo, v.1, n.11, 1º TRIM/2000.
CYRINO, E.G. & TORALLES-PEREIRA, M.L. Trabalhando com estratégias de ensino-aprendizado por descoberta na área da saúde: a problematização e a aprendizagem baseada em problemas. Cad Saúde Pública, Rio de Janeiro, 20 (3): 780-788, mai-jun, 2004.
CUPPARI, L. Guias de Nutrição da UNIFESP – Faculdade de Medicina de São Paulo: Nutrição Clínica do Adulto. São Paulo: Manole, 2002.
DOMINOWSKI, R.L. Verbalization and problem solving. In: HACKER, D.J.; DUNLOSKY, J.; GRAESSER, A.C. Metacognition in Educational Theory and Practice. New Jersey: LEA, 1998.
DUTRA, C.L.; ARAÚJO, C.L.; BERTOLDI, A.D. Prevalência de sobrepeso em adolescentes: um estudo de base populacional em uma cidade no Sul do Brasil. Cad Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(1):151-162, jan, 2006.
EDMUNDS, J.; NTOUMANIS, N.; DUBA, J.L. Adherence and well-being in overweight and obese patients referred to an exercise on prescription scheme: a self-determination theory perspective. Psychology of Sport and Exercise (8) 722–740, 2007.
ENGSTROM, E. M. (org.). SISVAN: Instrumento para o combate aos distúrbios nutricionais em serviços de saúde – o diagnóstico nutricional. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2002.
FERREIRA, V.A. & MAGALHÃES, R. Nutrição e promoção da saúde: perspectivas atuais. Cad Saúde Pública, Rio de Janeiro 23(7):1674-1681, jul, 2007. FLAVELL, J.H. Metacognition and cognitive monittoring: a new era of cognitive developmental inquiry. Am Psych, v.34, 906-911, 1979.
FROMM, E. Ter ou Ser? Rio de Janeiro: LTC – Livros Técnicos e Científicos Editora S.A., 1987.
GARCIA, R.W.D. Práticas e comportamento alimentar no meio urbano: um estudo no centro da cidade de São Paulo. Cad Saúde Pública, Rio de Janeiro, 13(3): 455-467 jul-set, 1997.
115
GAZZINELLI, M.F.; GAZZINELLI, A.; REIS, D.C.; PENNA, C.M.M. Educação em saúde: conhecimentos, representações sociais e experiências da doença. Cad Saúde Pública, Rio de Janeiro, 21 (1): 200-206, jan-fev, 2005.
GUAJARDO, E.S. A Emoção na Construção de Significados. Rev Pátio, ANO VII Nº 27 ago/out, 2003.
HASLER, G.; DELSIGNORE, A.; MILOS, G.; BUDDEBERG, C.; SCHNYDER, U. Application of Prochaska’s transtheoretical model of change to patients with eating disorders. J Psyc Res 2004 [cited 2008 Jun 12] 57:[about 6 p.]. Disponível em: <http://www.scopus.com/scopus/results/results.url?sort=plf-f&src=s&st1=Transtheoretical+model+eating+behavior&st2=&sid=S6enOGTs_Qw28EyLEwyszJg%3a30&sot=b&sdt=b&sl=53&s=TITLE-ABS-KEY%28Transtheoretical+model+eating+behavior%29&origin=searchbasic&txGid=S6enOGTs_Qw28EyLEwyszJg%3a3>, acesso em 30/11/2008.
HENNINGTON, E.A. Acolhimento como prática interdisciplinar num programa de extensão universitária. Cad Saúde Pública, Rio de Janeiro, 21(1):256-265, jan-fev, 2005.
HERNÁNDEZ, J.C. y ARNÁIZ, M.G. Alimentación y Cultura: perspectivas antropológicas. 1ª ed. Barcelona: Editorial Ariel, 2005.
JOHNSON, S.; PAIVA, A.L.; CUMMINS, C.O.; JOHNSON, J.L.; DYMENT, S.J.; WRIGHT, J.A.; et al. Transtheoretical Model-based multiple behavior intervention for weight management: effectiveness on a population basis. Prev Med 2008 [cited 2008 Jun 5] 46:[about 9 p.]. Disponível em: <http://www.sciencedirect.com/science?_ob=ArticleURL&_udi=B6WPG-4PYP6X2-1&_user=687336&_rdoc=1&_fmt=&_orig=search&_sort=d&view=c&_acct=C000037858&_version=1&_urlVersion=0&_userid=687336&md5=47e262b2fd83a2c3392ee28e6ee34e79>, acesso em 30/11/2008.
KAUFMAN, L. & KARPATI, A. Understanding the sociocultural roots of childhood obesity: food practices among Latino families of Bushwick, Brooklyn. Social Science and Medicine (64) 2177-2188, 2007. Disponível em: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/sites/entrez?cmd=Retrieve&db=pubmed&dopt=AbstractPlus&list_uids=17383060> acesso em: 27/06/2007.
KOLB, D.; RUBIN, I. & MCINTYRE, J. Organizational psychology: an experimental approach, Englewood Cliffs, NJ, Prentice-Hall, 1971.
116
LACERDA, E.M.A. & ACCIOLY, E. Alimentação do lactente com fórmulas lácteas. In: ACCIOLY, E.; SAUNDERS, C.; LACERDA, E.M.A. Nutrição em Obstetrícia e Pediatria. Rio de Janeiro: Cultura Médica, 2004.
LAJONQUIÈRE, L. De Piaget a Freud: para repensar as aprendizagens. A (psico)pedagogia entre o conhecimento e o saber. Petrópolis, RJ: Vozes, 1992.
LEED, P.D. & ORMROD, J.E. Practical Research: planning and design. Columbus, Ohio: Pearson Education Ltd, 2005.
LEFRANCOIS, G.R. Psychological Theories and Human Learning: Kongor’s Report. Califórnia: Cole Publishing Company, 1972.
LIMA, R.T.; BARROS, J.C.; MELO, M.R.A.; SOUSA, M.G. Educação em saúde e nutrição em João Pessoa, Paraíba. Rev Nutr Campinas, 13(1): 29-36, jan./abr., 2000.
LIOU, D. & BAUER, K.D. Exploratory Investigation of Obesity Risk and Prevention in Chinese Americans. J Nutr Educ Behav.(39) 134-141, 2007.
MAHAN, L. K; ESCOTT-STUMP, S. Krause – alimentos, nutrição e dietoterapia. São Paulo: Roca, 2002.
MATTOS, T.M. Estilos de Aprendizagem e Avaliação: estudo da relação entre os estilos de aprendizagem e o desempenho acadêmico de estudantes do Curso de Nutrição da UFF em avaliações formais do rendimento escolar. (Dissertação de Mestrado). Rio de Janeiro: UFRJ/NUTES, 2002.
MINAYO, M.C.S. O desafio do conhecimento – pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Editora Hucitec; Rio de Janeiro: Editora Abrasco, 1999.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Política Nacional de Alimentação e Nutrição. Brasília: Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. – 2ªed. revisada, 2003.
MOREIRA, M.A. & MASINI, E.F.S. Aprendizagem Significativa: a teoria de David Ausubel. São Paulo: Moraes, 1982.
117
MYERS, A. & ROSEN, J.C. Obesity stigmatization and coping: relation to mental health symptoms, body image, and self-esteem. International Journal of Obesity 23, 221-230, 1999. Disponível em: <http://www.nature.com/ijo/journal/v23/n3/abs/0800765a.html> acesso em: 27/06/2007.
OPAS (Organizacion Panamenricana de la Salud). Modelos y Teorias de Comunicacion em Salud. Division de Promocion y Proteccion de la Salud, 1996.
PASSOS, T.C.M.; STEFANO, S.C. & BORGES, M.B.F. Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP). In: CLAUDINO, A.M. & ZANELLA, M.T. Guia de transtornos alimentares e obesidade. São Paulo: Manole, 2005.
PEIXOTO, M.A.P.; SILVA, R.N.M.B. Aprendizagem: estratégias e estilos. Rio de Janeiro: ABT, 2002.
PENNA, A.C. Estilos de aprendizagem e ambientes de ensino: estudo comparativo dos estilos verbalizador e visualizador nos contextos presencial e a distância. (Dissertação de Mestrado). Rio de Janeiro: UFRJ/NUTES, 2007.
PEREIRA, A.L.F. As tendências pedagógicas e a prática educativa nas ciências da saúde. Cad Saúde Pública, Rio de Janeiro, 19(5): 1527-1534, set-out, 2003.
PEREIRA, M.G.A. & AZEVÊDO, E.S. A relação médico-paciente em Rio Branco/AC sob a ótica dos pacientes. Rev Assoc Med Bras; 51(3): 153-7, 2005.
PERRENOUD, P. Ofício de aluno e sentido do trabalho escolar. Porto: Porto Editora, 1995.
PESQUISA de Orçamentos Familiares 2002-2003: análise da disponibilidade domiciliar de alimentos e do estado nutricional no Brasil / IBGE, Coordenação de Índices de Preços. Rio de Janeiro: IBGE, 2004.
PINTO, C.M.I. Estilos de aprendizagem: uma experiência na aprendizagem em enfermagem. (Dissertação de Mestrado) Rio de Janeiro: UFRJ/NUTES, 2000.
118
PROCHASKA, J.O.; DICLEMENTE, C.C.; NORCROSS, J.C. In search of how people change. American Psychologist, Kingston, September, 1992.
PUCCINI, P.T. & CECÍLIO, L.C.O. A humanização dos serviços e o direito à saúde. Cad Saúde Pública, Rio de Janeiro, 20(5):1342-1353, set-out, 2004.
PUHL, R.M. & BROWNELL, K.D. Psychosocial origins of obesity stigma: toward changing a powerful and pervasive bias. The Int Ass for the study of obes – obesity reviews 4, 213-227, 2003. Disponível em: <http://www.blackwell-synergy.com/doi/abs/10.1046/j.1467-789X.2003.00122.x> acesso em: 27/06/2007.
RENNI, M.S. O significado da aprendizagem em Hemofilia: a influência do modo de aprendizagem do cuidador sobre a evolução clínica de crianças hemofílicas. (Dissertação de Mestrado). Rio de Janeiro: UFRJ/NUTES, 2003.
RESOLUÇÃO CFN N° 417/2008. Dispõe sobre procedimentos nutricionais para atuação dos nutricionistas e dá outras providências. Disponível em <http://www.cfn.org.br/novosite/pdf/res/2008/res417.pdf>, acesso em 22/09/2008 e 04/05/2009.
RIBEIRO FILHO, F.F. Avaliação Clínica da Obesidade. In: CLAUDINO, A.M. & ZANELLA, M.T. Guia de transtornos alimentares e obesidade. São Paulo: Manole, 2005.
RIEBE, D.; GREENE G.W.; RUGGIERO, L.; STILLWELL, K.M.; BLISSMER, B.; NIGG, C.R.; CALDWELL, M. Evaluation of a Healthy-Lifestyle Approach to Weight Management. Prev Med, 36: 45–54, 2003.
RIEBE, D.; BLISSMER, B.; GREENE, G.W.; CALDWELL, M.; RUGGIERO, L.; STILLWELL, K.M.; et al. Long-term maintenance of exercise and healthy eating behaviors in overweight adults. Prev Med 2005 [cited 2008 Jun 12] 40: [about 10 p.]. Disponível em: <http://www.scopus.com/scopus/results/results.url?sort=plf-f&src=s&st1=Transtheoretical+model+eating+behavior&st2=&sid=S6enOGTs_Qw28EyLEwyszJg%3a30&sot=b&sdt=b&sl=53&s=TITLE-ABS-KEY%28Transtheoretical+model+eating+behavior%29&origin=searchbasic&txGid=S6enOGTs_Qw28EyLEwyszJg%3a3>, acesso em 30/04/2009.
RODRIGUES, E.M. & BOOG, M.C.F. Problematização como estratégia de educação nutricional com adolescentes obesos. Cad Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22 (5): 923-931, maio, 2006.
119
RODRIGUES, E.M.; SOARES, F.P.T.P.; BOOG, M.C.F. Resgate do conceito de aconselhamento no contexto do atendimento nutricional. Rev Nutr, 18(1): 119-128, jan/fev, 2005.
ROMON, M.; DUHAMEL, A.; COLLINET, N.; WEILL, J. Influence of social class on time trends in BMI distribution in 5-year-old French children from 1989 to 1999. Inter J Obesity, 29, 54–59, 2005. Disponível em : <http://www.nature.com/ijo/journal/v29/n1/abs/0802788a.html>, acesso em 30/04/2009.
SALOMON, D.V. Como fazer uma monografia. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
SANTOS, G. Aprendizagem do diagnóstico fonoaudiológico clínico na perspectiva metacognitiva. (Dissertação de Mestrado), p. 29, 31-33. Rio de Janeiro: UFRJ/NUTES, 2006.
SANTOS, J.M; PEREIRA, A. Cosmovisão, Epistemologia e Educação: Uma compreensão holística da realidade. Rio de Janeiro: Gama Filho, 1999.
SERAFINI, M.T. Saber Estudar e Aprender. 2ª ed. Portugal: Editora Presença, 1996.
SICHIERI, R. & SOUZA, R.A.G. Epidemiologia da obesidade. In: KAC, G.; SICHIERI, R. & GIGANTE, D.P. Epidemiologia Nutricional. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/Ateneu, 2007.
SILVA, A.L.da & SÁ, I. Saber estudar para saber. Portugal: Porto Editora, 1993.
SILVEIRA, L.M.C. & RIBEIRO, V.M.B. Grupo de adesão ao tratamento: espaço de “ensinagem” para profissionais de saúde e pacientes. Interface: comunicação, saúde e educação, v.9, n.16, p.91-104, set.2004/fev.2005.
SNETSELAAR, L. G. Aconselhamento Nutricional. In: MAHAN, L.K; ESCOTT-STUMP, S. Krause – alimentos, nutrição e dietoterapia. São Paulo: Roca, 2005.
SUMMERBELL, C. The ‘Healthy Living’ Social Marketing Initiative: a review of the evidence. Durhan University, 2007.
120
SUTHERLAND, P. O Desenvolvimento Cognitivo Actual. Lisboa: Instituto Piaget, 1996.
TORAL, N. & SLATER, B. Abordagem do modelo transteórico no comportamento alimentar. Ciência & Saúde Coletiva, 12 (6): 1641-1650, 2007.
TRENTINI, M.; TOMASI, N. & POLAK, Y. Prática educativa na promoção da saúde com grupo de pessoas hipertensas. Cogitare Enferm., Curitiba, v. 1 n. 2, p. 19-24, jul./dez. 1996.
UEHARA, M.H. & MARIOSA, L.S.S. Etiologia e História Natural da Obesidade. In: CLAUDINO, A.M. & ZANELLA, M.T. Guia de transtornos alimentares e obesidade. São Paulo: Manole, 2005.
WEST, D.S.; DiLILLO, V.; BURSAC, Z.; GORE, S.A. & GREENE, P.G. Motivational interviewing improves weight loss in women with type 2. Diabetes Care, v.30 (5), may, 2007. Disponível em: <http://care.diabetesjournals.org/cgi/content/abstract/30/5/1081> acesso em: 07/11/2007.
WILSON, G.T. & SCHLAM, T.R. The transtheoretical model and motivational interviewing in the treatment of eating and weight disorders. Clinical Psychology Review, 24 (3): 361-378, july, 2004.
WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Obesity: preventing and managing the global epidemic. Report of a WHO, Consultation on a Obesity. Geneva: WHO, 1997.
ZANELLA, M.T. Obesidade e Risco Cardiovascular. In: CLAUDINO, A.M. & ZANELLA, M.T. Guia de transtornos alimentares e obesidade. São Paulo: Manole, 2005.
________. Tratamento da Obesidade. In: ________. Guia de transtornos alimentares e obesidade. São Paulo: Manole, 2005.
ZAPATA, L.I.G.; GIRALDO, N.A.; ESTRADA, A.; MUÑOZ, A.L.; MESA, E.; HERRERA, C.M. La Adherencia al tratamiento nutricional y composición corporal: un estudio transversal en pacientes com obesidad o sobrepeso. Rev Chil Nutr , vol. 34 (1), março 2007. Disponível em: http://www.scielo.cl/scielo.php?pid=S0717-75182007000100005&script=sci_arttext acesso em: 07/11/2007.
TÑ£Çw|vxá
122
APÊNDICE A – Quadros de aprendizagem
QUADRO DE APRENDIZAGEM: ALICE (A+S) INTERATIVA CARACTERÍSTICAS DOS MODOS DE APRENDIZAGEM, CONFORME OS CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO
O QUÊ QUANDO ONDE COMO POR QUÊ PARA QUÊ O
BE
SID
AD
E Algo que de início
não incomodava, mas que ao causar dores e comorbidades passou a incomodar
Depois das gestações de seus dois filhos.
Em casa, pois era dona de casa, saía pouco.
Excesso de ingestão calórica.
Ansiedade, “cabeça”.
Obtenção de algum prazer.
CO
MP
OR
TA
ME
NT
O
ALI
ME
NT
AR
Inconsciente – achava que devia “comer de tudo, pois vai morrer mesmo”. Mas esta forma de pensar foi modificada.
Percebeu que poderia fazer escolhas mais saudáveis e começou a ver resultado nisto.
Em casa – inconsciente. No trabalho – mesmo lidando com alimentos, muitas vezes até bem calóricos, o comportamento tornou-se consciente.
As orientações eram problematizadas com o conselheiro nutricional, a atividade física auxiliou, e houve busca por informações em fontes diversas.
Refere que antes era por desconhecimento e submissão a esta condição.
Modificado para obter resultados significantes em sua saúde.
AT
ITU
DE
DIA
NT
E
DO
TR
AT
AM
EN
TO
D
IET
ÉT
ICO
Significou um desenvolvimento pessoal, um processo de evolução.
Quando os problemas ósseos e musculares se intensificaram com o excesso de peso. Não buscou foi encaminhada pelo médico.
Consultas individuais em consultório particular.
No início, temor e desconfiança. Depois, tornou-se ativa, inclusive buscando por informações complementares na mídia e na Internet.
Rejeitava o mito da “dieta”, cheia de proibições. Depois, tomou consciência do processo de reeducação pelo qual estava passando.
Fazer uma tentativa de controle dos problemas ósseos.
123
QUADRO DE APRENDIZAGEM: BRIGITE (A+S) INTERATIVA CARACTERÍSTICAS DOS MODOS DE APRENDIZAGEM, CONFORME OS CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO
O QUÊ QUANDO ONDE COMO POR QUÊ PARA QUÊ O
BE
SID
AD
E Vista como
excesso de gordura, mais ligada a uma questão estética do que de saúde.
Depois do nascimento do filho mais velho.
Em casa – parou de trabalhar.
Excesso de ingestão calórica.
Parou de trabalhar e se tornou dona-de-casa, sem se preocupar com alimentação e exercícios físicos.
Preencher um vazio que ficou com a saída do trabalho.
CO
MP
OR
TA
ME
NT
O
ALI
ME
NT
AR
Inadequado, formado pelos hábitos adquiridos desde a infância.
Antes da vinda ao GRA.
Em casa. “Comia de tudo”. Excesso de frituras, massas e refrigerante. Não usava alimentos saudáveis.
Não havia a consciência.
Obtenção de algum prazer.
AT
ITU
DE
DIA
NT
E D
O
TR
AT
AM
EN
TO
D
IET
ÉT
ICO
Achava que o tratamento era sinônimo de sacrifício e teria alto custo. Mas essa visão foi modificada.
Depois de conhecer e começar a freqüentar o GRA.
Nas reuniões do grupo.
Demonstrou-se mais ativa e adaptada ao tratamento em grupo do que ao individual. Busca por informações complementares na mídia.
As discussões do grupo auxiliavam a transferir as informações para seu cotidiano.
Cozinhar e comer corretamente.
124
QUADRO DE APRENDIZAGEM: CLÉO (E+I) AQUISITIVA CARACTERÍSTICAS DOS MODOS DE APRENDIZAGEM, CONFORME OS CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO
O QUÊ QUANDO ONDE COMO POR QUÊ PARA QUÊ O
BE
SID
AD
E
Mal-estar físico e dificuldades sociais.
Começou a ganhar peso aos poucos depois dos 16 anos, mas quando começou a trabalhar no UniFOA (3 anos) o ganho acelerou.
Trabalho no Campus e Faculdade à noite, também neste Campus.
Ingestão de chocolates, bolos e doces. Sedentarismo.
Excesso de doce disponível no Campus onde trabalha. Antes trabalha em um local em que não tinha tanto acesso.
Obtenção de prazer.
CO
MP
OR
TA
ME
NT
O
ALI
ME
NT
AR
Algo inconsciente quer muito emagrecer, mas não consegue ver isso como conseqüência da mudança no comportamento.
Influenciado pelas alternativas de lanches rápidos e de doces no local de trabalho.
No campus e em eventos sociais, em casa não consegue balancear a alimentação.
Ligado a um consumismo exagerado, principalmente de doces e chocolates.
Ansiedade. Totalmente voltado para o consumo de doces.
AT
ITU
DE
DIA
NT
E D
O
TR
AT
AM
EN
TO
D
IET
ÉT
ICO
Confusa – vê a dieta como uma reeducação qualitativa, mas demonstrou-se passiva, não questionando e negociando as orientações recebidas.
Ao procurar por tratamento e nas consultas subseqüentes.
Nas consultas individuais.
Aceitando algumas orientações que não se aplicavam a sua rotina e que depois não foram cumpridas. Não buscou por informações complementares.
Problemas com horários e tipo de lanche indicado para a noite, quando chega tarde da faculdade.
Sentiu-se fraca e derrotada por não conseguir levar o tratamento à frente, voltando à sua rotina de doces e chocolates.
125
QUADRO DE APRENDIZAGEM: DALILA (TTO ASSÍDUO+Ñ ADERE ) AQUISITIVA CARACTERÍSTICAS DOS MODOS DE APRENDIZAGEM, CONFORME OS CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO
O QUÊ QUANDO ONDE COMO POR QUÊ PARA QUÊ O
BE
SID
AD
E Algo que não a
incomoda, não traz qualquer prejuízo a sua saúde.
Foi uma criança obesa, perdeu peso na adolescência e voltou a engordar depois da primeira gestação
Dona-de-casa. Hábitos formados desde a infância sem consumo de hortifruti.
Família de obesos, como se fosse um traço próprio.
Obtenção de prazer.
CO
MP
OR
TA
ME
NT
O
ALI
ME
NT
AR
Algo de será mudado muito lentamente.
Após início no GRA, mas sem pressa.
Em casa. Inconsciente. Com a entrada no grupo, diz ter diminuído alguma coisa, mas grande relevância.
Não vê grande necessidade. Não há motivação nem intrínseca e nem extrínseca.
Manter-se dentro das características da família (irmãs e mãe).
AT
ITU
DE
DIA
NT
E D
O
TR
AT
AM
EN
TO
D
IET
ÉT
ICO
Achava que o tratamento seria difícil, mas entendia que implicava em um trabalho de conscientização.
Quando procurou pelo GRA, após outras tentativas de tratamento mal-sucedidas.
Os encontros do grupo são estimulantes, mas não se revertem em perda real de peso, isso parece incomodar e desestimular.
Confusa – hora demonstra adesão, no momento seguinte reconhece os lapsos. Absorve as informações da mídia que lhe chegam, mas não busca por elas.
Parece estar em um processo mais lento, muito “seu” e próprio da aquisição.
Continuar com o convívio amigável e social que o grupo proporciona, e que tem sido mais importante do que a perda ponderal em si.
126
QUADRO DE APRENDIZAGEM: ESTÉR (TTO ASSÍDUO+Ñ ADERE) AQUISITIVA CARACTERÍSTICAS DOS MODOS DE APRENDIZAGEM, CONFORME OS CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO
O QUÊ QUANDO ONDE COMO POR QUÊ PARA QUÊ O
BE
SID
AD
E Algo ruim, mas
ligado ao aspecto da estética e do consumo de roupas.
Desde a infância. Dona-de-casa. Ao ir morar com o pai este consumia muito macarrão e massas.
Alimentação “bastante pesada”. Criada sem mãe ficou um tempo com tia e avó.
Preencher o vazio da ausência da mãe no início e depois obtenção de algum prazer e convívio social.
CO
MP
OR
TA
ME
NT
O
ALI
ME
NT
AR
Inconsciente, consumo exagerado sem nem sequer se dar conta.
Antes de sua entrada no GRA e mesmo durante o tratamento.
Em casa e eventos sociais.
Consumo desenfreado antes da vinda ao GRA. Depois diz estar tentando impor limites, mas sem sucesso.
Há alguma motivação interna, mas os fatores externos acabam influenciando mais e a adesão fica prejudicada.
Obtenção de algum prazer.
AT
ITU
DE
DIA
NT
E D
O
TR
AT
AM
EN
TO
D
IET
ÉT
ICO
Via o tratamento como um sacrifício, mas diz ter modificado esta visão, apesar disso não obtém sucesso na perda de peso.
Modificou a concepção de “tratamento sacrificante” com a abordagem em grupo.
Os encontros do grupo são estimulantes, mas não se revertem em perda real de peso, isso parece incomodar e desestimular.
Não é das mais participativas nas reuniões, parece aceitar tudo passivamente. Absorve as informações da mídia que lhe chegam, mas não busca por elas.
Parece estar em um processo mais lento, muito individual e próprio da aquisição.
Continuar com o convívio amigável e social que o grupo proporciona, embora o insucesso traga alguma frustração.
127
QUADRO DE APRENDIZAGEM: FLORA (TTO ASSÍDUO+Ñ ADERE) AQUISITIVA CARACTERÍSTICAS DOS MODOS DE APRENDIZAGEM, CONFORME OS CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO
O QUÊ QUANDO ONDE COMO POR QUÊ PARA QUÊ O
BE
SID
AD
E Vista como
excesso de gordura, mais ligada a uma questão estética do que de saúde.
Na gravidez, tendo emagrecido com a lactação, ao término começou a engordar gradativamente.
Dona-de-casa. Hábito de excesso desde a infância.
Grandes refeições em quantidade exagerada e consumo de prato de refeição na hora de desjejum e lanches.
Satisfação das necessidades mais elementares.
CO
MP
OR
TA
ME
NT
O
ALI
ME
NT
AR
Inconsciente, consumo exagerado sem nem sequer se dar conta.
Antes de sua entrada no GRA e mesmo durante o tratamento.
Em casa e eventos sociais.
Refere desânimo. Sem motivação intrínseca.
Obtenção de algum prazer.
AT
ITU
DE
DIA
NT
E D
O
TR
AT
AM
EN
TO
D
IET
ÉT
ICO
Via o tratamento como um sacrifício, mas diz ter modificado esta visão, apesar disso não obtém sucesso na perda de peso.
Modificou a concepção de “tratamento sacrificante” com a abordagem em grupo.
Os encontros do grupo são estimulantes, mas não se revertem em perda real de peso, isso parece incomodar e desestimular.
Participa das reuniões, mas não tem profundidade na problematização. Absorve as informações da mídia que lhe chegam, mas não busca por elas.
Parece estar em um processo mais lento, muito individual e próprio da aquisição.
Continuar com o convívio amigável e social que o grupo proporciona, embora o insucesso traga alguma frustração.
128
QUADRO DE APRENDIZAGEM: GLAUCO (E+I) AQUISITIVO CARACTERÍSTICAS DOS MODOS DE APRENDIZAGEM, CONFORME OS CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO
O QUÊ QUANDO ONDE COMO POR QUÊ PARA QUÊ O
BE
SID
AD
E Vista como uma
fraqueza de uma pessoa que não tem domínio de seu próprio peso.
Depois do casamento e de começar a trabalhar no refeitório de uma grande indústria da cidade.
Convívio social decorrente do início da atividade profissional.
Ingestão excessiva de fast e junk food na rua, além da ingesta excessiva no lar.
“Olho grande”. Suprir uma ansiedade decorrente de “aborrecimentos de família”.
CO
MP
OR
TA
ME
NT
O
ALI
ME
NT
AR
Vem sendo modificado, mas sem grande relevância, sem pressa.
Depois da procura por tratamento nutricional.
Atualmente, em casa e na rua (bares, lanchonetes, etc).
Tentou modificar, mas sem grande apoio familiar (esposa): consumo desenfreado de junk food.
Ansiedade, nervosismo.
Obtenção de algum prazer.
AT
ITU
DE
DIA
NT
E D
O
TR
AT
AM
EN
TO
D
IET
ÉT
ICO
Vê a dieta como um sacrifício com data e hora para início e término, esta visão não foi modificada.
Antes e depois das consultas individuais que chegou a comparecer em tratamento.
Nas consultas individuais.
Aceitava passivamente as informações e orientações dadas nas consultas. Absorve as informações da mídia que lhe chegam, mas não busca por elas.
As restrições necessárias vão de encontro com a quantidade exagerada e com a qualidade dos alimentos consumidos.
Fazer algumas modificações: não admite ter evadido do tratamento, apesar de não ter retornado mais. Julga as poucas modificações que fez como uma continuidade.
129
QUADRO DE APRENDIZAGEM: HELENA (E+I) AQUISITIVA CARACTERÍSTICAS DOS MODOS DE APRENDIZAGEM, CONFORME OS CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO
O QUÊ QUANDO ONDE COMO POR QUÊ PARA QUÊ O
BE
SID
AD
E Vista como
excesso de gordura, mais ligada a uma questão estética do que de saúde.
Depois da última gestação.
Dona-de-casa. Hábitos formados desde a infância sem consumo de hortifruti.
Atribuiu o ganho ponderal a um tratamento medicamentoso com fluconazol para uma micose.
Suprir uma ansiedade decorrente de aborrecimentos com marido alcoólatra.
CO
MP
OR
TA
ME
NT
O
ALI
ME
NT
AR
Consumo excessivo principalmente nas grandes refeições.
Antes e mesmo depois da procura por tratamento.
Em casa e eventos sociais.
Inconsciente, sem demonstrar qualquer motivação para mudança.
Hábitos alimentares construídos desta forma.
Obtenção de algum prazer.
AT
ITU
DE
DIA
NT
E D
O
TR
AT
AM
EN
TO
D
IET
ÉT
ICO
O tratamento era visto como uma dificuldade a mais na sua vida já tão difícil.
Antes e depois das consultas individuais que chegou a comparecer em tratamento.
Nas consultas individuais.
Aceitava passivamente as informações e orientações dadas nas consultas. Não buscou por informações complementares.
As restrições necessárias vão de encontro com a quantidade exagerada. Transformou lapso em recaída.
Diz ter aprendido a comer alguns “alimentos saudáveis” e a diminuir um pouco a quantidade, embora não aceite a preconizada pela dieta.
130
QUADRO DE APRENDIZAGEM: IOLANDA (E+I) AQUISITIVA CARACTERÍSTICAS DOS MODOS DE APRENDIZAGEM, CONFORME OS CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO
O QUÊ QUANDO ONDE COMO POR QUÊ PARA QUÊ O
BE
SID
AD
E A causa de todos
os seus problemas emocionais e familiares. Um grande incômodo, mas que não consegue se livrar.
Na menarca, tendo emagrecido após tratamento. Casou-se com peso desejável, mas engordou muito na gestação.
Dona-de-casa, hoje divorciada.
Hábito de excesso desde a infância.
A se ver grávida quis fazer e comer de tudo sem vigilância.
Sentir algum prazer, mas acaba criando um círculo vicioso.
CO
MP
OR
TA
ME
NT
O
ALI
ME
NT
AR
Exagerado, ligado ao prazer de comer.
Antes e após a procura por tratamento. A dieta foi seguida por alguns meses.
Em casa e eventos sociais.
Inconsciente, desenfreado e descontrolado.
Parece querer desfrutar somente daquele momento, sem preocupação com as conseqüências.
Obtenção de algum prazer.
AT
ITU
DE
DIA
NT
E D
O
TR
AT
AM
EN
TO
D
IET
ÉT
ICO
O tratamento é visto como um processo sacrificante do qual ela é a vítima.
Antes e depois das consultas individuais que chegou a comparecer em tratamento.
Nas consultas individuais.
Aceitando as orientações que não se aplicavam a sua rotina e que não foram cumpridas. Aprende algo na mídia, mas não busca por estas informações.
É passiva com as orientações alegando que desejava se impor as mudanças, mas não consegue e comporta-se como vítima desta condição.
Sente-se derrotada e reinicia o ciclo de vitimização.
131
QUADRO DE APRENDIZAGEM: JOÃO (E+I) INTERATIVO CARACTERÍSTICAS DOS MODOS DE APRENDIZAGEM, CONFORME OS CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO
O QUÊ QUANDO ONDE COMO POR QUÊ PARA QUÊ O
BE
SID
AD
E
Algo com que podia conviver que incomodava mais pelo aspecto saúde, desde que algum médico orientasse tto. Não aceita que é obeso.
Desde a infância, tendo emagrecido na adolescência e voltando a ganhar peso depois do casamento.
Em casa, na escola, mais tarde, no local de trabalho.
Criado com ingesta elevada de massas e frituras, e baixa ingesta de hortifruti.
Muito “mimado”, inclusive em termos de alimentação.
Obtenção de algum prazer.
CO
MP
OR
TA
ME
NT
O A
LIM
EN
TA
R Inadequado para a
saúde, mas condizente com os hábitos e estilo de vida.
Antes e depois da procura por tratamento.
Em casa e no local de trabalho, além de lugares na rua, por demanda do trabalho.
O tratamento tem que se adequar ao seu estilo de vida e não o contrário.
Atender as demandas da rotina de trabalho.
Praticidade.
AT
ITU
DE
DIA
NT
E D
O
TR
AT
AM
EN
TO
D
IET
ÉT
ICO
Tratamento nutricional visto como um sacrifício, mais uma orientação, uma indicação de um profissional com mais autoridade: o médico.
Antes e depois da consulta individual que chegou a comparecer.
Na consulta. Abandonou o tratamento de forma explícita, decorrente de decisão própria. Não buscou por informações complementares.
Por não aceitar a abordagem das estagiárias que o atenderam – tendo sido considerado interativo por isso.
Tem medo de se tornar diabético.
132
QUADRO DE APRENDIZAGEM: LUCAS (A+S) INTERATIVO CARACTERÍSTICAS DOS MODOS DE APRENDIZAGEM, CONFORME OS CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO
O QUÊ QUANDO ONDE COMO POR QUÊ PARA QUÊ O
BE
SID
AD
E Uma tristeza
interior que se converte em comportamento de escárnio para os outros.
Começou após casamento, intensificou-se ao parar de fumar.
Principalmente no lar.
Ingesta exagerada. Dotes culinários da esposa.
Obtenção de algum prazer e convívio familiar.
CO
MP
OR
TA
ME
NT
O A
LIM
EN
TA
R
Algo que causava mal estar e desconforto abdominal, levando ao aborrecimento. Mas que foi modificado.
Antes da procura por tratamento da esposa, então começou a modificar para incentivá-la.
Em casa e no novo trabalho, já que foi bancário por 15 anos e durante o tratamento, largou este emprego e tornou microempresário.
Muito exagerado durante muito tempo. Com o tto da esposa começou a seguir as orientações junto com ela.
Infringiu-se à mudança para auxiliar a esposa, encarou a mudança como um objetivo, uma regra.
Auxiliar na prática de atividade física, ajudar a esposa no tratamento dela.
AT
ITU
DE
DIA
NT
E D
O
TR
AT
AM
EN
TO
D
IET
ÉT
ICO
Encarou o tratamento como uma regra, um objetivo a ser alcançado. A reeducação alimentar veio depois do sucesso obtido para manutenção.
Antes e durante o tratamento da esposa.
Consultas individuais em consultório particular.
Adotando uma postura ativa diante das orientações que a nutricionista dava a sua esposa, assumindo a responsabilidade. Buscava na mídia por informações sobre atividade física.
Tomou consciência do processo de reeducação pelo qual estava passando.
Educação, diz ter sido este o maior aprendizado em todo este processo.
133
QUADRO DE APRENDIZAGEM: MATEUS (A+S) AQUISITIVO CARACTERÍSTICAS DOS MODOS DE APRENDIZAGEM, CONFORME OS CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO
O QUÊ QUANDO ONDE COMO POR QUÊ PARA QUÊ O
BE
SID
AD
E Um incômodo
muito grande, quase uma deformidade.
Começou na idade escolar, tendo piorado muito ao parar atividade física (natação) na adolescência.
Em casa principalmente, pais também obesos.
Ingesta elevada, hábitos alimentares irregulares.
“Olho grande”. Obtenção de algum prazer e convívio familiar.
CO
MP
OR
TA
ME
NT
O
ALI
ME
NT
AR
Inconsciente e descontrolado, mas foi modificado quando o peso subiu muito.
Mesmo depois de iniciar o tratamento, manteve o comportamento inadequado, tendo modificado somente quando ficou preocupado com o aumento do peso.
Durante o processo de mudança – em casa. Após o sucesso no tto, iniciou atividade profissional.
Hábitos alimentares construídos inadequadamente e reconstruídos com a ajuda da nutricionista.
Comportamento modificado devido ao aumento do peso excessivamente – motivação intrínseca.
“Primeiro a saúde, depois estética”.
AT
ITU
DE
DIA
NT
E D
O
TR
AT
AM
EN
TO
D
IET
ÉT
ICO
Confuso – vê a dieta como uma reeducação qualitativa.
Antes e depois do tratamento.
Nas consultas individuais.
Mas demonstrou-se passivo, não questionando e negociando as orientações recebidas.
O excesso de peso começou a causar preocupação e um pouco de vergonha, sentimentos que até então não incomodavam.
“Aprender a comer melhor”, experimentar e consumir alimentos mais saudáveis, antes rejeitados.
134
QUADRO DE APRENDIZAGEM: NÍVEA (A+S APÓS CIR. BARIÁT .) AQUIS. ���� INTERAT CARACTERÍSTICAS DOS MODOS DE APRENDIZAGEM, CONFORME OS CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO
O QUÊ QUANDO ONDE COMO POR QUÊ PARA QUÊ O
BE
SID
AD
E “Mal-estar físico e
moral”. Sobrepeso na adolescência, mas controlado. Aumentou muito depois de casar.
Em casa – parou de trabalhar e estudar ao se casar.
“Mesa farta” desde a infância.
A ociosidade levou à ansiedade.
Convívio conjugal, obtenção de prazer.
CO
MP
OR
TA
ME
NT
O
ALI
ME
NT
AR
Antes da cirurgia – conscientemente inadequado, tinha acesso à alimentação saudável, não gostava. Pós-cirurgia: mudança total na qualidade principalmente.
Antes e depois de se casar, o comportamento foi totalmente modificado com a cirurgia.
Depois da cirurgia voltou a trabalhar o que não atrapalhou a mudança alimentar.
A cirurgia desencadeou um processo de mudança tão radical, que alimentos saudáveis antes rejeitados com aversão, tornaram-se prazerosos.
Pós-cirúrgico de redução de estômago, a mudança acaba sendo obrigatória.
“Reiniciar” sua vida depois da cirurgia.
AT
ITU
DE
DIA
NT
E D
O
TR
AT
AM
EN
TO
D
IET
ÉT
ICO
Sempre encarou o tratamento como um sacrifício, inclusive com uso de anfetamínicos. Parece ainda ter esta visão, mas não tem alternativa, além de se reeducar.
Antes da cirurgia. O tratamento nutricional tornou-se obrigatório depois da operação.
Nas consultas individuais com a nutricionista da equipe multiprofissional.
Apesar de sua postura pré-cirurgia, sempre buscou por informações na mídia e Internet. Mas isso não se revertia em resultados.
Transformava lapsos em recaída, hoje – pós-cirurgia – sabe que se comer algo restrito terá Síndrome de Dumping.
“Aprender a comer corretamente, (...) consegui a reeducação que eu nunca conseguia antes”
135
QUADRO DE APRENDIZAGEM: OLGA (A+S APÓS CIR. BARIÁT. ) AQUIS. ���� INTERAT. CARACTERÍSTICAS DOS MODOS DE APRENDIZAGEM, CONFORME OS CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO
O QUÊ QUANDO ONDE COMO POR QUÊ PARA QUÊ O
BE
SID
AD
E Algo causado por
outros problemas e distúrbios maiores, mas sempre incomodou.
Desde bebê, mas depois de problemas financeiros que levaram a depressão.
Em casa – problemas financeiros (ficou desempregada).
Apesar de a mãe estimular hábitos saudáveis, demonstrou preferência por doces desde criança.
Filha caçula, bebê com problema de saúde. Adulta – desemprego levou à ansiedade e depressão.
Obtenção de algum prazer.
CO
MP
OR
TA
ME
NT
O
ALI
ME
NT
AR
Construído de forma saudável na família, mas o consumo de doces era excessivo. Após cirurgia – mudança radical tomou aversão a doces.
Antes e durante os problemas de depressão.
Comia escondido e escondia comida em casa.
Consumo desequilibrado de doces, bolos e pizzas. Fazia purgação.
Antes: comportamento conseqüência de problemas psiquiátricos. Pós-cirúrgico de redução de estômago, a mudança acaba sendo obrigatória.
AT
ITU
DE
DIA
NT
E D
O
TR
AT
AM
EN
TO
D
IET
ÉT
ICO
Dieta sacrifício com período marcado, ou até conseguir resultados satisfatórios.
Antes e depois da cirurgia.
Consultas individuais com a mesma endocrinologista desde a adolescência.
Processo de transição da aquisição para a interação. Muito lento. Sempre buscou por informações na mídia e levou os questionamentos à endocrinologista.
Atribui tudo aos problemas neurológicos e psiquiátricos.
O tratamento nutricional sempre foi um coadjuvante dos outros tratamentos, tanto que foi o psiquiatra que sugeriu a cirurgia bariátrica.
136
QUADRO DE APRENDIZAGEM: PLÍNIO (E+I) APÓS CIR. BARI ÁT.) AQUISITIVO CARACTERÍSTICAS DOS MODOS DE APRENDIZAGEM, CONFORME OS CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO
O QUÊ QUANDO ONDE COMO POR QUÊ PARA QUÊ O
BE
SID
AD
E Algo que não
incomodava tanto, apesar dos avisos de outras pessoas, mais ligado à questão da discriminação.
Depois de alguns anos de casamento.
Em casa e no trabalho.
Trocando refeições por lanches de massas e fast food. Fins de semana – churrasco com cerveja.
Trabalhando de madrugada, maior facilidade.
Obtenção de algum prazer e convívio familiar.
CO
MP
OR
TA
ME
NT
O A
LIM
EN
TA
R Modificado por
causa da cirurgia, mas ainda tem as mesmas “vontades de comer besteira” de antes.
Antes e depois da cirurgia, só que depois, as limitações o impediam, ainda tem refluxo com freqüência.
Tem dificuldades maiores para se alimentar no trabalho depois de ter operado.
Pós-cirúrgico: perdeu todo prazer de se alimentar.
Pós-cirúrgico de redução de estômago, a mudança acaba sendo obrigatória.
Tentativa de recuperar alguma qualidade de vida.
AT
ITU
DE
DIA
NT
E D
O
TR
AT
AM
EN
TO
DIE
TÉ
TIC
O
Algo totalmente desconsiderado antes da cirurgia. E mesmo depois, continua sem acompanhamento nutricional.
Antes e depois da cirurgia.
Não está se tratando como deveria.
Reconhece o consumo de alimentos restritos e nocivos, mesmo tendo refluxo e Dumping. Buscava e ainda busca por informações na TV e Internet.
“Porque a cabeça de gordo continua, sempre vai continuar...”
A cirurgia foi uma tentativa desesperada, vista com “milagrosa”, mas sem o acompanhamento psicológico, parece não estar sabendo lidar com a necessária transição da aquisição para a interat.
137
QUADRO DE APRENDIZAGEM: QUÉOPS (A+S APÓS CIR. BAR.) AQUIS. ���� INTERAT. CARACTERÍSTICAS DOS MODOS DE APRENDIZAGEM, CONFORME OS CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO
O QUÊ QUANDO ONDE COMO POR QUÊ PARA QUÊ O
BE
SID
AD
E Algo contraditório
mediador positivo e negativo das relações. Causa de todos seus problemas e limitações.
Na infância. Casa dos pais e avós.
Hábitos inadequados construídos desde a infância.
Questões culturais: família mineira, descendente de italianos e turcos – muita “fartura” à mesa.
Para agradar os avós, para “ter” a comida.
CO
MP
OR
TA
ME
NT
O A
LIM
EN
TA
R Antes da cirurgia
– inadequado e exagerado. Após, consciência da mudança para se viver bem.
A mudança ocorreu somente com a cirurgia.
Em casa e no trabalho.
Passou a rever suas escolhas alimentares. “Tirar a fome do estômago e passar para a cabeça”.
Sua cirurgia não podia dar errado, pois era membro da equipe médica.
Tentativa decisiva, depois de tantos insucessos.
AT
ITU
DE
DIA
NT
E D
O
TR
AT
AM
EN
TO
D
IET
ÉT
ICO
Dieta sacrifício com período marcado, ou até conseguir algum resultado. Visão modificada com a cirurgia.
Antes da cirurgia. O tratamento nutricional tornou-se obrigatório depois da operação.
Nas consultas individuais com a nutricionista da equipe multiprofissional.
Processo de transição da aquisição para a interação mais acelerado e consciente.
Trabalhava com cirurgia bariátrica, chegou um momento em que começaram a vir as cobranças dos pacientes.
“Entender depois da obesidade que eu era infinitamente maior que a própria obesidade. (...) eu tive que me enfrentar (grande ênfase) sem essa capa”.
138
APÊNDICE B – Resumo das histórias
RESUMO DA HISTÓRIA: ALICE (A+S) INTERATIVA
Sexo feminino; 46 anos; 1,50 m de altura. Iniciou o tratamento nutricional em consultório particular em novembro de 2006, com 91,8 kg e IMC de 40,8 kg/m2. Recebeu alta em setembro de 2007 com 71 kg (IMC 31,5 kg/m2), os quais vêm mantendo até hoje. Afirma que não consegue emagrecer mais.
A obesidade era algo que realmente não incomodava, mas que ao causar dores e comorbidades precisou ser tratada. Casou-se com peso ideal, mas ao longo do tempo, principalmente depois das duas gestações, ganhou muito peso, em decorrência de um comportamento alimentar exagerado, que se demonstrou relacionado a uma busca inconsciente por algum prazer e que foi modificado gradualmente, à medida que percebia que o tratamento nutricional era um processo de reeducação alimentar, ao invés do paradigma da “dieta” que tanto rejeitava, e com a qual nunca havia conseguido êxito. Paralelo a isso, passou por outro processo de transformação: deixou de ser dona de casa e tornou-se microempresária junto com seu esposo, abrindo uma lanchonete. Dessa forma, o excesso de ingestão calórica e o sedentarismo foram substituídos por um novo estilo de vida, mediante a problematização das questões relacionadas à sua alimentação junto com a conselheira nutricional, em consultas particulares. O temor e a desconfiança foram substituídos por uma atitude ativa, com busca de informações complementares relevantes na mídia e na Internet. Assim sendo, atribuía seu excesso de peso à ansiedade, ao desconhecimento e à submissão a algo superior a ela mesma, e queixou-se intensamente da discriminação sofrida pelo obeso. Disse ter passado por um processo –física (precisou fazer cirurgia plástica), mental e socialmente doloroso – de evolução.
RESUMO DA HISTÓRIA: BRIGITE (A+S) INTERATIVA
Sexo feminino, 36 anos, dona-de-casa, tem 1,59m de altura, chegou ao GRA com 85,2 kg, CA de 104,5 cm e um IMC de 33,9kg/m2, em 04/06/07. Emagreceu 10 Kg em cinco meses, tendo alcançado 75,5 kg, 99 cm de CA e 29,9 kg/m2, em 31/10/07. Em última aferição dia 25/03/08, apresentou-se com 78kg.
O significado da obesidade pareceu muito mais ligado à questão estética e ao consumo de roupas do que aos problemas de saúde vinculados, provavelmente porque ainda não havia apresentado qualquer co-morbidade associada e havia começado a ganhar peso depois da primeira gestação. Dessa forma, o comportamento alimentar era inadequado, fruto de hábitos alimentares formados assim desde a infância. Mais do que apoio familiar para procurar por tratamento, sofreu mesmo uma coerção, até porque via este tratamento como um sacrifício de alto custo monetário e renúncia dos poucos prazeres que restaram depois de abandonar sua atividade profissional e tornar-se dona de casa e mãe. Rejeitou uma primeira tentativa de consulta individual, na qual não observou atitude problematizadora da parte da conselheira nutricional, e adaptou-se muito melhor ao tratamento, obtendo o sucesso observado e supracitado nas reuniões e discussões do GRA, com postura ativa, inclusive caracterizada pela busca de informações na mídia. O comportamento alimentar, antes inconsciente, tornou-se consciente e diz ter aprendido a cozinhar e comer corretamente.
139
RESUMO DA HISTÓRIA: CLÉO (E+I) AQUISITIVA
Sexo feminino; 30 anos de idade; mede 1,67 metros. Consultou uma primeira vez, com a profª Célia, com 87Kg (sem informação da data) e abandonou o tratamento. Consultou pela segunda vez, comigo em 26/02/07, quando estava com 97,8 Kg; 97 cm de circunferência abdominal, IMC de 35,2 Kg/m2 e também abandonou o tratamento. É técnica de enfermagem, trabalha na Policlínica do UniFOA e cursa enfermagem noturno também no UniFOA.
Via a obesidade como um mal-estar físico que implicava em dificuldades sociais, que teve início na adolescência, mas que se acelerou quando começou a trabalhar em seu atual emprego e cursar faculdade no período noturno. O comportamento alimentar é inconsciente e inadequado (consumo excessivo de fast food e principalmente de doces), quer muito emagrecer, mas não consegue conceber isto como uma consequência de um processo de reeducação alimentar, ainda mais, atribuí isto à ansiedade. Dessa forma, a visão que tem do tratamento é confusa, pois ao mesmo tempo em que vê a dieta como uma reeducação qualitativa, demonstrou-se passiva, não questionando e negociando as orientações recebidas, e transformando lapso em recaída. E esta postura não foi modificada com o tratamento em algumas consultas individuais que participou até evadir. Provavelmente porque, aceitava as orientações que, em sua maioria, não se aplicavam à sua rotina e que depois não eram cumpridas e não buscou por informações complementares. Vê mais custos do que benefícios no tratamento: é preferível manter o excesso de peso que tanto incomoda, do que deixar de consumir doces e chocolates para suprir a necessidade de obter algum prazer, mesmo que isso a faça se sentir fraca e derrotada.
RESUMO DA HISTÓRIA: DALILA (TTO ASSÍDUO+Ñ ADERE) AQ UISITIVA
Sexo feminino; 42 anos; 1,61 m de altura; está em tratamento no Grupo de Reeducação Alimentar (GRA) desde agosto de 2007, quando se apresentava com 103,3 Kg; 106 cm de CA e IMC 39,7 Kg/m2. Após 9 meses de tratamento no GRA e tendo freqüentado as reuniões assiduamente, encontra-se com 102,2 Kg; 111,6 cm de CA e IMC 39,4 Kg/m2 (05/05/08). Tem 3 filhos, dois rapazes e uma menina.
A obesidade é algo que não a incomoda, tampouco traz qualquer prejuízo a sua saúde, é mais uma marca familiar, entre a mãe e as irmãs, pois foi uma criança obesa e apesar do peso adequado na adolescência, voltou a engordar depois da primeira gestação, assim como suas irmãs. O comportamento alimentar é fruto de hábitos inadequados formados desde a infância (grande quantidade de carboidratos, sem consumo de
hortifruti) e que muito provavelmente, será mudado lentamente. Chegou ao GRA trazida por amigas/vizinhas e é assídua aos encontros mais por este convívio social do que pela problematização de questões relacionadas com sua alimentação e a modificação desta. Assim sendo, demonstrou-se frustrada e desestimulada, a troca de experiências fomentada no grupo e as informações da mídia que recebe passivamente não são revertidas em perda real de peso, pois não há motivação intrínseca e nem extrínseca para isso.
140
RESUMO DA HISTÓRIA: ESTÉR (TTO ASSÍDUO+Ñ ADERE) AQU ISITIVA
Paciente do sexo feminino; 28 anos de idade; 1,68 cm de altura; está em tratamento no GRA desde agosto de 2007; quando se apresentava com 97 Kg; 99 cm de CA e IMC de 34,03 Kg/m2. Após 9 meses de tratamento no GRA e tendo freqüentado as reuniões assiduamente, encontra-se com 93,7 Kg; 95 cm de CA e IMC 33,2 Kg/m2 (05/05/08). Ou seja, emagrecimento pouco significativo se considerado o tempo de tratamento. Tem uma filha de 6 anos e é uma pessoa calada, não é de falar muito, mesmo nas reuniões do grupo.
A obesidade tem um significado muito negativo em sua vida, muito embora nem tudo isso tenha ficado explícito na entrevista, conseguiu verbalizar o aspecto estético, mas teve muita dificuldade em relatar as situações desagradáveis causadas pelo estigma e discriminação que pessoas obesos desde a infância sofrem. Os hábitos alimentares foram construídos inadequadamente, ocasionando um comportamento alimentar inconscientemente exagerado, que ela atribuiu à ausência da mãe e ao fato de ter sido criada pelo pai. Sempre viu o tratamento nutricional como um sacrifício, com renúncia dos poucos prazeres que ainda tem, com o GRA criou a consciência do aspecto de reeducação de hábitos e estilo de vida inerente ao tratamento, mas isso não necessariamente se converteu em sucesso na perda ponderal, o que gerou frustração e desmotivação. Só que o convívio social com amigas/vizinhas que os encontros do grupo proporcionam faz com que não abandone totalmente o tratamento, mas as orientações não são seguidas, haja vista sua passividade diante das informações que lhe chegam via mídia, as quais não busca por qualquer discussão no grupo.
RESUMO DA HISTÓRIA: FLORA (TTO ASSÍDUO+Ñ ADERE) AQU ISITIVA
Paciente do sexo feminino; 25 anos de idade; 1,47 cm de altura; está em tratamento no GRA desde agosto de 2007; quando se apresentava com 70 Kg; 89 cm de CA e IMC de 32,4 Kg/m2. Após 9 meses de tratamento no GRA e tendo freqüentado as reuniões assiduamente, encontra-se com 72 Kg; 88 cm de CA e IMC 33,3 Kg/m2 (05/05/08). Tem um filho de 6 anos.
A obesidade é aqui mais relacionada aos fatores estéticos e ao consumo de roupas, e este acaba sendo o fator intrínseco mais forte em sua motivação para o tratamento, que antes da sua chegada ao GRA era visto como um sacrifício, mas essa visão foi modificada mediante a problematização realizada em grupo, no entanto, isso não se reverteu em perda ponderal, apesar da assiduidade aos encontros, muito provavelmente porque os fatores externos tem sido, de alguma maneira, mais valorizados, em uma relação de submissão aos mesmos. O comportamento alimentar é inconsciente, irregular e exagerado, e as orientações negociadas em grupo parecem não ter modificado esta realidade, o que gera frustração e desmotivação. Só que o convívio social com amigas/vizinhas que os encontros do grupo proporcionam faz com que não abandone totalmente o tratamento, mas as orientações não são seguidas, haja vista sua passividade diante das informações que lhe chegam via mídia, as quais não busca por qualquer discussão no grupo.
141
RESUMO DA HISTÓRIA: GLAUCO (E+I) AQUISITIVO
Paciente do sexo masculino; tem 55 anos; 1,75 m de altura; casado (c/ pelo menos 1 filho); é mecânico aposentado. Consultou pela 1ª vez em 10/09/07 sob queixa inicial de gota. Seus exames indicavam intolerância à glicose (126mg/dl) e ácido úrico 8,1 mg/dl; usando Alopuridol 100mg e Captopril 12,5 mg. Apresentava-se com 96,8 kg, IMC 31 kg/m2 e CA com 107 cm. Em 13/11/2007 trouxe novos exames laboratoriais nos quais a glicose era 91 mg/dl e o ácido úrico 6,5 mg/dl. Evadiu ao tratamento após consulta em 03/12/2007 com 91,3 kg e IMC 29,8 kg/m2. No dia da entrevista quis verificar seu peso apresentando 94 kg, CA com 104 cm e IMC 30,7 kg/m2.
A obesidade é definida como uma fraqueza, uma falta de domínio sobre suas vontades, que gera uma deformidade e leva a pessoa ao “ridículo”. Foi um processo gradativo iniciado com o casamento e intensificado com o início de uma atividade profissional, então o locus principal foi a casa, o trabalho e a rua. Atribuiu a obesidade a fatores externos, demonstrando uma relação de submissão: ansiedade, aborrecimentos, “olho grande” etc. De certa forma, transfere a responsabilidade pela doença a terceiros, principalmente a esposa e outros familiares. O tratamento nutricional é um sacrifício, no entanto alguns aspectos do comportamento alimentar inadequado vêm sendo modificados, mas sem grande motivação intrínseca e extrínseca. Nas consultas individuais das quais participou, a postura era passiva, ou seja, aceitava as orientações, sem questionar e acabava não seguindo tudo aquilo em sua rotina diária. O que apreendia na mídia, não se tornava parte dele e não era problematizado durante as consultas.
RESUMO DA HISTÓRIA: HELENA (E+I) AQUISITIVA
Paciente sexo feminino; 53 anos; tem 1,62 m de altura; dona de casa; casada e hipertensa. Consultou pela 1ª vez em 17/08/2006 quando estava com 91,3 kg; IMC 35,2 kg/m2 e CA 106 cm. Nesta data apresentou exames que indicavam hipercolesterolemia (239 mg/dl). Abandonou o tratamento, tendo retornado novamente em 27/08/2007 e 10/09/2007 com 97,5 kg e 98,9kg; consecutivamente, no entanto sumiu mais uma vez e voltou em 19/02/2008 e 03/03/2008 com 95,9 kg e 97,6; respectivamente. Quando foi contatada para a entrevista já havia evadido novamente, pois não apareceu para o retorno no mês 04/08. Não demonstrou interesse em aferir o peso atual no dia da entrevista, então não foi solicitada para tanto.
Começou a ganhar peso depois da última gestação, o locus deste ganho foi a casa e vê a obesidade como um excesso de gordura corporal, que traz incômodos mais relacionados com a estética e a dificuldade de se comprar roupas. Reconhece o comportamento alimentar muito exagerado, principalmente quantitativamente e nas grandes refeições, devido a hábitos formados desde a infância com baixo consumo de produtos hortifruti. No entanto, atribuiu o excesso de peso a um tratamento dermatológico, apesar de relatar suas dificuldades emocionais por causa de um convívio conflituoso com marido alcoólatra – queixou-se de muita ansiedade. Dessa forma, o tratamento nutricional era encarado como mais uma dificuldade em sua vida já tão sofrida e esta visão não foi modificada com as consultas individuais as quais participou. Aceitava passivamente as informações e orientações dadas nas consultas, sem questionar e problematizar com as estagiárias, embora reconheça ter aprendido a consumir muitos “alimentos saudáveis”, estas orientações não se transformaram em hábito e acabou transformando lapso em recaída. Não buscou por quaisquer informações complementares em outra fonte.
142
RESUMO DA HISTÓRIA: IOLANDA (E+I) AQUISITIVA
Paciente do sexo feminino; 50 anos; 1,50 m de altura; divorciada com 2 filhos. Consultou pela 1ª vez em 18/09/2006 apresentando-se com 79,2 kg; IMC 35,2 kg/m2 e CA 99 cm; antes de abandonar ao tratamento, consultou em 16/11/2006 quando estava com 75 kg; IMC 33,3 kg/m2 e CA com 95 cm. É diabética e na 1ª consulta estava fazendo uso de Zetron e metformina. Quis verificar seu peso atual no dia da entrevista onde se apresentou com 76,9 kg e IMC 34,1 kg/m2 e relatou estar fazendo uso de anfetamínico, demonstrava-se um pouco nervosa.
Define a obesidade como a causa de todos os seus problemas emocionais e familiares (como o fim de seu casamento, por exemplo), um grande incômodo, mas do qual não consegue se livrar. Relata ter começado a ganhar peso na menarca e voltado a controlar o peso com tratamento, no entanto, com o casamento e a chegada do primeiro filho não conseguiu mais controlar o excesso de peso. Diz ter sido uma adolescente muito “presa” pelos pais, seu lazer estava sempre relacionado aos prazeres gastronômicos, uma vez que na casa de seus pais havia sempre “fartura de comida”. Relata que a se ver grávida quis comer de tudo sem qualquer freio, e desde então o comportamento alimentar é muito exagerado, inconsciente e descontrolado. Entretanto, o excesso de peso logo transforma este prazer de comer em angústia e frustração, o que a leva a ficar ansiosa e comer mais ainda, formando um ciclo vicioso. Então acaba se fazendo de vítima deste tratamento penoso e sacrificante que lhe restringe todos os prazeres da vida. Aceitava passivamente as orientações que não se aplicavam em sua rotina e quando foi questionada sobre isso alegou que desejava impor-se disciplina no tratamento, mas não conseguiu e se colocou como vítima desta situação.
RESUMO DA HISTÓRIA: JOÃO (E+I) INTERATIVO
Paciente do sexo masculino; tem 1,79 m de altura; 53 anos de idade e é hipertenso. Consultou no Ambulatório de Nutrição da Policlínica UniFOA em 28/04/06 com 109,6 kg; CA de 120 cm e IMC de 34,2 kg/m2. Após esta data não retornou mais ao tratamento. É jornalista e não demonstrou interesse em se pesar no dia da entrevista.
Não se aceita como obeso, diz que o excesso de peso, com que luta desde a infância é algo com o qual pode conviver, parece ter se tornado um traço de sua personalidade, mas aceita se tratar desde que haja indicação de profissional com autoridade para tal: o médico. Até porque rejeita veementemente a ideia de tornar-se diabético, o que o deixa com a visão de que o tratamento nutricional é um sacrifício necessário para não adquirir esta comorbidade. Refere ingesta elevada desde a infância, com hábitos muito irregulares, atribuiu isso a uma relação de “mimo”, por ser o único filho homem, único sobrinho, único neto etc, e indicou em primeiro lugar, a casa como locus desse processo, depois a rua e principalmente hoje o local de trabalho, demonstrando uma visível relação de vitimização. No entanto, porque teve uma postura ativa e questionadora diante das orientações prescritas que não se aplicavam aos seus hábitos e dia-a-dia, abandonando o tratamento de forma explícita, decorrente de decisão própria e por não concordar com esta abordagem da parte das estagiárias que o atenderam. Apesar de não buscar por informações complementares, mesmo sendo jornalista, reconhece que o que pesquisa sobre alimentação e nutrição para o trabalho não se reverte em qualquer mudança na sua vida.
143
RESUMO DA HISTÓRIA: LUCAS (A+S) INTERATIVO
Paciente do sexo masculino; 46 anos; 1,69 m de altura. Há dois anos e meio começou por conta própria com 120 kg (IMC – 42,1 kg/m2), hoje vem se mantendo com 82 kg (IMC – 28,7 kg/m2).
Define a obesidade como uma tristeza interior que se reverte em comportamento irônico e debochado como uma máscara, uma capa protetora para o escárnio das outras pessoas sobre este indivíduo obeso. Datou seu ganho ponderal gradativamente após o casamento e intensificado quando parou de fumar, e o locus foi o lar. A ingesta exagerada das preparações de uma esposa “muito competente na cozinha” e o estilo de vida e a atividade profissional sedentária foram apontados como causa. No entanto, os danos à saúde da esposa vieram primeiro e para ajudá-la iniciou o tratamento junto com ela, apesar de reconhecer que já apresentava algumas comorbidades. Encarou o tratamento como um sacrifício, só que mais no início. Depois se tornou uma regra, um objetivo a ser alcançado e principalmente um coadjuvante da prática de exercícios físicos. A reeducação alimentar veio depois do sucesso obtido, mais para manutenção, e o locus desta mudança foi as consultas particulares com a conselheira nutricional da esposa. Entretanto, paralelo a tudo isso veio uma mudança crucial de atividade profissional e estilo de vida. Dessa forma, adotou uma postura ativa diante das orientações que a nutricionista dava a sua esposa, assumindo a responsabilidade e buscando na mídia por informações sobre atividade física. Refere que seu maior aprendizado nesse processo foi educação.
RESUMO DA HISTÓRIA: MATEUS (A+S) AQUISITIVO
Paciente do sexo masculino; 22 anos; 1,80 m de altura; iniciou o tratamento com 128 kg (IMC – 39,5 kg/m2), no 1° semestre de 2004. Atualmente, vem mantendo-se com 92 kg (IMC – 28,4 kg/m2).
Visão confusa da obesidade: ao mesmo tempo em que indicava um incômodo muito grande, quase uma deformidade corporal, também garantia que o escárnio da parte dos colegas de escola desde a infância nunca o incomodou. O excesso de peso corporal piorou muito na adolescência, quando parou de praticar natação e alegou ingesta elevada e hábitos alimentares irregulares, além da obesidade dos pais. Queria deixar clara sua despreocupação com a estética, atribuindo somente à busca pela saúde o sucesso no tratamento. Este por sua vez, era visto como uma reeducação qualitativa, sem preocupação com o porcionamento, no entanto, isso não foi suficiente para obter êxito, e pelo contrário, chegou a engordar no início, o que foi o ponto crucial para sua motivação intrínseca e perda ponderal. Este processo se deu em consultas individuais com conselheira nutricional, porém demonstrou-se passivo, não questionando e negociando as orientações recebidas. Mas, no contexto e no estilo de vida que tinha na época, conseguiu adesão e sucesso, apesar de ter se sentido muito magro ao final de tudo. Agora, vem gradativamente voltando a ganhar peso e retornando ao ciclo da vítima submissa a fatores externos: está trabalhando e estudando a noite.
144
RESUMO DA HISTÓRIA: NÍVEA (A+S APÓS CIR. BARIÁT.) A QUIS ���� INTERAT
Paciente do sexo feminino; 27 anos de idade; 1,65m de altura. Consultou-se com cirurgião em outubro de 2006 com objetivo de submeter-se à cirurgia bariátrica a fim de perder peso. Estava com 95 Kg e IMC de 34,9 Kg/m2, e foi desestimulada pelo profissional a submeter-se à cirurgia, pois não havia indicação para tal. Em março de 2007 voltou ao mesmo com 113 Kg e IMC de 41,5 Kg/m2, tendo sido operada em 26/03/07. Hoje está com 60 Kg, IMC de 22,0 Kg/m2, fazendo uso de Complexo B, Centrum e Citoneurim (injeção com vitaminas do complexo B).
Definiu a obesidade como um mal-estar físico e moral, e relatou sobrepeso na adolescência, mas controlado, cujo aumento significativo veio a acontecer depois de se casar, quando parou de trabalhar e estudar por um tempo. Pois além do convívio gastronômico de recém-casada, sentiu-se ociosa e ansiosa. O comportamento alimentar é marcadamente oposto nas duas fases pré e pós-cirurgia. Antes, inadequado, com consciência disso, pois já buscava por informações sobre alimentação e nutrição na mídia e na Internet, no entanto essas informações não se tornavam parte sua e não impactavam as várias tentativas de perda ponderal, sempre transformava lapsos em recaídas, e tinha acesso a alimentos saudáveis em casa, com estímulo principalmente da mãe, porém rejeitava com aversão a todos. Reconhece que se obrigou a ganhar peso para poder submeter-se à operação. Depois da cirurgia, o comportamento passou a ser irretocável, com melhora da qualidade de vida e da autoestima. Alegou que entendia a cirurgia como um divisor de águas em sua vida, uma oportunidade de reiniciar. O tratamento sempre foi visto como um sacrifício e o uso de medicação era indiscriminado e nocivo ao seu bem-estar, parecia buscar uma resolução miraculosa para a obesidade, mas não tinha forças para realizar a reeducação alimentar necessária sem esta motivação extrínseca. Com a cirurgia o tratamento se torna obrigatório e o paciente já encaminhado para consultas individuais coma conselheira da equipe multidisciplinar. Demonstra total consciência das complicações como a Síndrome de Dumping.
RESUMO DA HISTÓRIA: OLGA (A+S APÓS CIR. BARIÁT.) AQ UIS ���� INTERAT
Paciente do sexo feminino; 40 anos de idade; 1,68m de altura. Fazia tto com endócrino desde 1988 para controle de peso. Já havia abandonado este e outros ttos neurológicos quando operou em 03/10/07. Estava com 130 Kg (IMC=46,09 Kg/m2), atualmente está com 83 Kg (em 21/07/08, IMC=29,4 Kg/m2). Toma Tegretol 400 mg, Daflorin 40 gtas e Vitaminas do Complexo B.
A obesidade é vista como consequência de outros distúrbios neurológicos maiores e poderosos, mas que nem por isso deixou de incomodar muito, mas também por causa disso, pode ter havido uma potencialização do processo de vitimização. Por isso, mesmo ao datar sua obesidade, sempre vinha uma justificativa externa ou relacionada à outra doença. O principal locus é a casa, primeiro a da mãe, apesar desta estimular o consumo de alimentação adequada (mas sem deixar de fazer preparações calóricas), depois sua própria casa (já casada), pois teve depressão e síndrome do pânico a se ver desempregada diante de vários compromissos financeiros. A alimentação, seu principal prazer, limitava-se preferencialmente a doces, e massas às vezes. O comportamento alimentar era fortemente influenciado pelos problemas emocionais e neurológicos. Um pouco antes da cirurgia descobriu que é bipolar, mas o excesso de peso já era considerável e a sugestão sobre a alternativa cirurgia bariátrica foi do próprio psiquiatra. O que ratifica o quanto a obesidade era deixada de lado em detrimento dos outros tratamentos, e a dieta (tratamento de vários anos com endocrinologista) era negligenciada, transformando lapsos em recaídas, apesar da busca constante por informações na mídia e posteriores questionamentos destas com a endócrino. Com a cirurgia o tratamento se torna obrigatório e o paciente já é encaminhado para consultas individuais com a conselheira da equipe multidisciplinar. Demonstra total consciência das complicações como a Síndrome de Dumping, no entanto diz que depois da cirurgia tomou aversão a doces.
145
RESUMO DA HISTÓRIA: PLÍNIO (A+S APÓS CIR. BARIÁT.) AQUISITIVO
Paciente do sexo masculino; 38 anos de idade; 1,64m de altura. Estava com 160 Kg (IMC=59,7 Kg/m2) em agosto de 2004, quando operou. Refere que atualmente seu peso está entre 95 e 97 Kg (IMC – 36,1 Kg/m2), no entanto se recusou a pesar no dia da entrevista. Subjetivamente, não me pareceu estar com peso inferior a 100 Kg. Toma Rivotril, com acompanhamento do neurologista; Centrum, Complexo B e “protetor gástrico” (SIC).
Algo que não incomodava tanto, apesar dos avisos de outras pessoas, mais ligado à questão da discriminação, algo que teve início ou aumento depois de alguns anos casado, principalmente ligado ao convívio com a família e colegas de trabalho, embora tenha atribuído como causa, os horários irregulares de trabalho que estimulavam o consumo de fast food e refrigerantes. O comportamento alimentar só foi modificado com e por causa da cirurgia, mas enfatizou muito que sua cabeça ainda é a mesma e “as vontades” de antes ainda existem com intensidade. Apesar do tempo, ainda tem episódios frequentes de refluxo. Perdeu todo o prazer de se alimentar, com grandes dificuldades, principalmente no local de trabalho. Não demonstra estar numa possível transição da aquisição para a interação, como os outros, pois reconhece o consumo de alimentos restritos e nocivos, mesmo tendo refluxo e Dumping. Apesar disso, procurava e ainda procura por informações na TV e Internet.
RESUMO DA HISTÓRIA: QUÉOPS (A+S APÓS CIR. BARIÁT.) AQUIS ���� INTERAT
A obesidade trata-se de algo contraditório mediador positivo e negativo de todas as suas relações e a causa de todos seus problemas e limitações desde a infância. Fruto de hábitos inadequados construídos desde a infância, na casa dos pais, mas principalmente na casa dos avôs. Alegou questões culturais: família mineira, descendente de italianos e turcos – muita “fartura” à mesa, e que comia para agradar aos avôs, para “ter” a comida. O comportamento alimentar, antes da cirurgia era inadequado e exagerado. Após, adquiriu consciência da mudança para se viver bem, pois afirmou que a única cirurgia que não podia dar errado era a sua, pois é o psicólogo da equipe multidisciplinar. Dessa forma, passou a rever suas escolhas alimentares: “tirar a fome do estômago e passar para a cabeça”. O tratamento dietético sempre foi visto como um sacrifício com período marcado, ou até conseguir algum resultado, porém esta visão modificada com a cirurgia. Apesar da obrigatoriedade seu processo de reeducação demonstra-se mais consciente.
TÇxåÉá
147
ANEXO A – Pontos de corte do IMC
Classificação do Estado Nutricional em adultos de acordo com o IMC
Índice de Massa Corporal (IMC) Classificação
< 16,0 Kg/m Desnutrição Grau II
16,0 – 16,9 Kg/m Desnutrição Grau I
17,0 – 18,4 Kg/m Baixo Peso
18,5 – 24,9 Kg/m Adequado ou eutrófico
25,0 – 29,9 Kg/m Pré-obesidade
30,0 – 34,9 Kg/m Obesidade Grau I
35,0 – 39,9 Kg/m Obesidade Grau II
≥ 40,0 Kg/m Obesidade Grau III
Fonte: OMS, 1997 apud CUPPARI, 2002, p. 92.
148
ANEXO B – Resolução CFN N° 417/2008
DISPÕE SOBRE PROCEDIMENTOS NUTRICIONAIS PARA ATUAÇÃO DOS
NUTRICIONISTAS E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.
O Conselho Federal de Nutricionistas, no exercício das competências previstas na Lei n°
6.583, de 20 de outubro de 1978, no Decreto n° 84.444, de 30 de janeiro de 1980 e no
Regimento Interno aprovado pela Resolução CFN n° 320, de 2 de dezembro de 2003, e
ouvidos os Conselhos Regionais de Nutricionistas na 71ª Reunião Conjunta CFN /CRN,
realizada no dia 13 d e março de 2008 e deliberado na 192ª Reunião Plenária, Ordinária do
CFN, esta realizada nos dias 12 e 14 de março de 2008; e
CONSIDERANDO:
Que compete aos Conselhos Federal e Regionais de Nutricionistas orientar, disciplinar e
fiscalizar o exercício da profissão;
Que compete ao nutricionista, enquanto profissional de saúde, conforme o art. 1º da Lei nº
8.234, de 17 de setembro de 1991, zelar pela preservação, promoção e recuperação da saúde;
Os objetivos, os campos de atuação e o princípio da integralidade na atenção à saúde, do
Sistema Único de Saúde (SUS), previstos na Lei nº 8080/1980;
O compromisso profissional, legal e ético na assistência à saúde por parte do nutricionista, e a
sua responsabilidade em impedir e evitar infrações à legislação sanitária;
As atividades privativas e também atribuídas aos nutricionistas, definidas nos artigos 3° e 4°
da Lei n° 8.234, de 17 de setembro de 1991;
A Resolução do CFN que dispõe sobre a definição da área de atuação do nutricionista e suas
atribuições e estabelece parâmetros numéricos de referência por área de atuação;
As normas de conduta para o exercício da profissão de nutricionista que constam no Código
de Ética Profissional;
149
A Lei nº 9.656, de 03 de junho de 1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de
assistência à saúde; e
A Resolução Normativa d a ANS, que atualiza o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde;
RESOLVE:
A RT. 1º. Estabelecer os procedimentos nutricionais para atuação do nutricionista.
Parágrafo Único. Para os fins desta Resolução adotam-se os Procedimentos Nutricionais e
respectivas definições constantes do Anexo I, “Referência Nacional de Procedimentos
Nutricionais do Sistema CFN /CRN”.
A RT 2º. Fica aprovada a “Tabela Nacional de Procedimentos Nutricionais do Sistema
CFN/CRN”, constante do ANEXO II.
A RT 3º. A Tabela Nacional de Procedimentos Nutricionais do Sistema CFN/CRN e a
Referência Nacional de Procedimentos Nutricionais do Sistema CFN/CRN poderão ser
revistas a qualquer tempo, segundo os critérios a serem estabelecidos pelo CFN.
A RT 4º. Os casos omissos serão resolvidos pelo Plenário do Conselho Federal de
Nutricionistas.
A RT 5º. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 18 de março de 2008.
150
ANEXO C – Termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE)
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Você está sendo convidado(a) como voluntário(a) a participar de uma pesquisa que
se entitula: O modo de aprendizagem do paciente obeso influenciando na adesão ao
tratamento. O motivo que nos leva a estudar a aprendizagem em obesidade, estão relacionados
com a criação de métodos de ensino mais eficazes em ajudar os pacientes obesos a emagrecer.
O objetivo desse projeto é estudar uma possível relação entre o modo do paciente
obeso aprender a se tratar com sua adesão ao tratamento. Os procedimentos de coleta de
material referem-se a uma entrevista com a Profª Ana Paula C. de Menezes Soares, do
Ambulatório da Policlínica – UniFOA, a ser realizada neste mesmo local e gravada em
aparelho MP3 digital e fita cassete. A princípio, sua participação resume-se em um único dia
de entrevista, que não lhe causará qualquer desconforto ou risco. Tudo que for conversado
será mantido em sigilo e sua identidade também.
Desde já agradecemos sua participação lembrando que esta pesquisa destina-se a
propor estratégias de auxílio à pessoas que sofrem com problemas de excesso de peso, sem
conseguir emagrecer.
Profª Ana Paula Caetano de Menezes Soares
Professora do Curso de Nutrição – UniFOA
Mestranda do NUTES/UFRJ
Estou ciente, confirmo minha participação e autorizo a utilização de meus dados.
Volta Redonda, ____/____/____ ________________________________
Assinatura
151
ANEXO D – Aprovação do Comitê de Ética