Ana Paula Valadão

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  • 8/16/2019 Ana Paula Valadão

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    O assunto homossexualidade não sai de pauta. O mais recente tititi foi por

    conta de um comentário da cantora evangélica Ana Paula Valadão em sua

    página no Facebook sobre um comercial da loa de roupas !"A. #a pe$a

    publicitária casais trocam de roupa % o homem usa a roupa e cal$ados da

    mulher e vice&versa % sugerindo uma certa naturalidade e liberdade de escolhasexual. !aso semelhante aconteceu ano passado com a 'oticário (ue lan$ou

    uma campanha para o dia dos namorados onde várias pessoas do mesmo sexo

    recebiam presentes e se abra$avam para comemorar seu dia.

    !abe lembrar (ue vivemos hoe no 'rasil a imin)ncia de um estado

    teocrático com o avan$o da bancada evangélica em 'ras*lia. +ambém

    importante advertir (ue vivemos uma onda de conservadorismo muito grande,

    onde temas como legali-a$ão do aborto, legali-a$ão da maconha, legali-a$ãoda prpria união entre pessoas do mesmo sexo é demoni-ada e refutada pela

    maioria dos brasileiros. /esmo de diante de casos de sucesso onde essas

    práticas foram legali-adas, como a(ui no vi-inho 0ruguai.

    #o tocante ao homossexualismo, geralmente o discurso de rep1dio vem de

    uma direita as(uerosa, (ue oga todo seu veneno expelido por um falso

    moralismo, no intuito de conservar benesses geralmente ad(uiridas de forma

    il*cita. Alguns desses reacionários no entanto, não passam de caricaturas,legitimados por um inexplicável apoio pol*tico&eleitoral. !ontribui ainda a

    parcela religiosa da popula$ão e seus 2representantes3, geralmente

    interessados em participa$ão pol*tica, ganhos econ4micos e aplausos e

    acumula$ão de capital simblico. 'asta termos em mente (ue somos o maior

    pa*s catlico do mundo, e pasmem, também o maior pa*s evangélico. Os

    argumentos giram em torno da manuten$ão da morfologia familiar tradicional

    e de (ue 5eus fe- o p)nis para penetrar apenas na vagina e (ue o 6nus tem a1nica fun$ão de defecar e coisas do tipo.

    Ao longo da histria do pensamento surgiram várias ideias (ue refutam

    esses argumentos. Vamos explicar tr)s deles7 um da antiguidade, outro da

    idade média e o 1ltimo, contempor6neo.

    O mito de Prometeu e 8pimeteu

    9egundo a mitologia grega, houve uma época em (ue os deuses olimpianos

    venceram os titãs e estabeleceram a pa- e a ordem csmica antes amea$ada

    pelos 1ltimos. :eus no comando do /onte Olimpo era o grande responsável

  • 8/16/2019 Ana Paula Valadão

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    pela tran(uilidade agora vivida. !erta feita, enoados pela monotonia celeste

    um dos deuses teve a ideia de se criar alguma espécie de ser (ue os

    divertissem, (ue lhes oferecessem oferendas, constru*ssem templos e ;-essem

    sacrif*cios em suas homenagens. 8m;m, (ue reconhecessem a divindades

    desses, senão, não faria sentido ser deuses... Foram escolhidos para a tarefadois irmãos, deuses de (uinta grande-a7 Prometeu, o (ue pensa antes e

    8pimeteu, o (ue pensa depois. 8n(uanto Prometeu cuidava de criar homens

    seu irmão fa-ia os animais. 8 tentou ser o mais competente poss*vel, não

    obstante sua fama de tapado. 8 conseguiu. Fe- todos os animais e distribuiu

    todos os atributos de forma a e(uilibrar o conunto desses seres. !ada um

    deles (ue surgia, á surgia com tudo (ue precisava para a vida toda. 9em

    nenhuma necessidade de auste ou recall. Assim, um era velo-, o outro forte,mais outro era leve, o seguinte o p)lo o protegia do frio. +udo distribu*do da

    forma mais brilhante poss*vel. Orgulhoso de seu empenho e resultado,

    8pimeteu foi correndo avisar ao irmão de seu feito. O (ue foi severamente

    repreendido por ele. Por (ue< Por(ue ele 8pimeteu distribuiu todos os atributos

    existentes entre todos os animais e para o homem, o (ual era fabricado por

    Prometeu, não sobrou nada. 9em sa*da, ele invadiu o palácio de Atenas, deusa

    da sabedoria, e roubou a ast1cia, dando aos homens e por isso sendoseveramente castigado.

    8mbora sea um mito % mas em meu entendimento o mito é rico em

    sabedoria % a histria da cria$ão humana na visão pré&cristã, nos tra- grandes

    ensinamentos. Primeiro (ue ns fomos criados sem nenhum propsito

    grandioso. 9implesmente fruto do tédio dos 5euses e para estes adorar, servir,

    reconhecer suas grandiosidades. 9egundo, fomos criados sem nenhum

    apetrecho (ue nos tornasse forte diante da nature-a. +erceiro, (ue na aus)nciade proeto e for$a para viver sem preocupa$ão, precisamos criar, ns mesmos,

    nossas condi$=es de vida. #ão s isso, como também de;nir (uem somos, o

    (ue (ueremos % e isso inclui nossas escolhas, entre elas, a sexual.

    >iovani Pico della /irandola e a dignidade do homem

    9e hoe em dia a discussão homoafetiva tem um apoio urisdicional, baseado

    na ideia de sueito portado de direitos, nem sempre foi assim. ?sso foi uma

    constru$ão social criada entre o @enascimento e o ?luminismo. Os conceitos de

    pessoa, sueito, direito subetivo, dignidade da pessoa humana etc, formam o

  • 8/16/2019 Ana Paula Valadão

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    alicerce ur*dico (ue nos chega até hoe.

    5a @oma antiga até o in*cio da /odernidade, os conceitos de pessoa, sueito

    e dignidade eram totalmente diferentes. Pessoa era personagem, isto é, uma

    consci)ncia moral, (ue deveria obedecer normas sociais, sem uma consci)ncia

    de um eu. 9ueito era s1dito, suei$ão, a(uele (ue estava por baixo do dom*niode uma autoridade. 8 dignidade era uma categoria histrica relacionada ao

    status. O (ue tinha dignidade não era a pessoa e sim o cargo (ue ela ocupava.

    Ou sea, o valor atribu*do por uma autoridade ou pelo povo.

    !om o desmoronamento de uma ideia de cosmo ordenado, ;nito e perfeito,

    onde cada um tinha um lugar natural, á determinado, compartilhada pelos

    antigos e pela falta de resposta mais clara e o obetiva pelos cristãos, o homem

    se v) so-inho no universo. 8 ;nalmente se reconhece como um indiv*duo.!omo sendo alguma coisa substancial, reconhecendo sua interioridade. Ponto

    de partida de sua prpria vida. A dignidade não é mais o (ue se tem, e sim, o

    (ue se é.

    #a idade média, um erudito chamado >iovanni Pico della /irandola em seu

    5iscurso 9obre a 5ignidade umana, clássico do pensamento humanista, vai

    dissertar sobre a condi$ão humana. 5i- della /irandola (ue (uando 5eus criou

    todas as coisas teve o deseo de criar um ser, consciente e (ue pudesseapreciar sua cria$ão. 8 esse ser consciente seria o homem, (ue não s

    apreciaria como daria sentido ao mundo, senão, este estaria preso a si mesmo.

    Ora, 5eus cria a pedra, a árvore, a minhoca, o vento, a ostra, as estrelas e tudo

    mais (ue existe no universo. 8 cada uma dessas cria$=es tem um propsito,

    uma ;nalidade, 2serve para alguma coisa3. /as para (ue< 9e fosse para seu

    prprio deleite, seria absurdo, pois 8le é 5eus, é tudo, não precisa contemplar

    sua prpria cria$ão. 8ntão ele precisa criar um ser (ue reconhe$a a cria$ão e(ue d) sentido a ela. B mais ou menos como a pessoa (ue compra uma roupa

    *ntima, se perfuma e espera o companheiro ou companheira na cama para

    surpreend)&loCaD e agradá&loCaD. (uando este chega, dá um beio na testa, vira

    para o lado e dorme. 5e nada valeu toda a produ$ão se não houve

    reconhecimento do esfor$o.

    9 (ue não havia mais lugar na nature-a, isto é, entre todos os seres não

    havia mais lugar para o homem. 5eus criou então o reino humano, sem uma

    ;nalidade prpria. #o va-io existencial da cria$ão, ustamente para dar sentido

    a esta cria$ão. Para (ue a nature-a exista Cpara nsD é preciso estarmos fora

  • 8/16/2019 Ana Paula Valadão

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    dela, não sermos natural. #o entanto, por não ter um lugar no mundo, por não

    ter uma ra-ão para existir, e, sim, para positivar essa exist)ncia outra, o

    homem tem algo (ue nenhum outro ser tem7 a liberdade, a capacidade de

    fa-er&se, de inventar&se, de escolher ser a(uilo (ue (uiser. #ovamente não

    encontramos no ser humano nada (ue desabone a op$ão (ue uma pessoa fa-por relacionar&se com outra do mesmo sexo.

    9artre, a ess)ncia e a exist)ncia

     #a 1ltima metade do século passado, ninguém explorou melhor e deu

    contornos de;nitivos a essa ideia do (ue o ;lsofo franc)s Eean&Paul 9artre.

    Analisando a exist)ncia, 9artre nos explica (ue nas coisas do mundo a ess)ncia

    precede a exist)ncia, bordão clássico de sua ;loso;a. #o caso do martelo, docomputador e da mesa, antes desses obetos existirem concretamente no

    mundo, havia a ideia desses obetos. #ão s, havia também uma ;nalidade

    preestabelecida, um modo de fa-er e um alguém com conhecimento técnico

    para fa-er. ?sto é, havia um proeto de martelo, um proeto de computador e

    um proeto de mesa. B isso (ue 9artre chama de ess)ncia. Primeiro o proeto

    da coisa, sua ess)ncia, depois a exist)ncia.

    /as e o homem< #esse caso é o contrário. Primeiro o homem existe, depoisse de;ne, depois ganha sua ess)ncia. #o caso do homem, a exist)ncia precede

    a ess)ncia. #ão há nenhuma espécie de determinismo no ser humano.

    Podemos di-er, por exemplo, (ue o martelo serve para bater, a mesa serve

    para comer e o computador serve para navegar. Eá o homem para (ue serve<

    Para nada. #ão tem nenhuma ;nalidade. B ele (ue de;ne sua ;nalidade. A

    exist)ncia é uma condena$ão liberdade, pois sendo senhor de sua prpria

    vida, é radicalmente livre para escolher. 5iante de uma situa$ão concreta davida, nos deparamos com mil possibilidades de escolha. Pois, diferente da

    nature-a, onde tudo é como é % um obeto lan$ado sempre cai para baixo % o

    homem é regido pelo princ*pio da conting)ncia. As coisas podem ser de várias

    maneiras diferentes. ?nclusive a nossa orienta$ão sexual.

    As ideias de 9artre sinteti-am o percurso (ue tentamos fa-er, para mostrar

    (ue não fa- nenhum sentido comentários como o de Ana Paula Valadão e

    tantos outros. Assim como não fa- sentido o discurso racial e todo tipo de

    preconceito. O problema é (ue muita gente á elaborou racioc*nios bem melhor

    do (ue o meu. /ais convincentes e mais robustos teoricamente. /as contra

  • 8/16/2019 Ana Paula Valadão

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    essa 2gente3 há uma impossibilidade enorme de diálogo. Por (ue por mais

    lgico e bem arrumados os nossos argumentos, esbarram&se em uma espécie

    de irracionalidade, cuo fundamento maior é 5eus ou a /oral ou a Vergonha ou

    a Fam*lia etc. #esse caso, dado a impossibilidade de diálogo, sugiro (ue

    usemos em favor desses grupos (ue sofrem a discrimina$ão a usti$a. Por maisfalha e pass*vel de cr*ticas (ue sea, ainda é o melhor remédio contra a

    insanidade dessas aberra$=es.