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SENADO IMPERAL ANNO DE 18 70 LIVRO 4 ANAIS DO SENADO Secretaria Especial de Editoração e Publicações - Subsecretaria de Anais do Senado Federal TRANSCRIÇÃO

ANAIS - 1870 - LIVRO 4 - Transcrição · Alves de Souza, residente em Saquarema, ... Carlos Pimete, ... outros paizes o valor dos gêneros tende a baixar no

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SENADO IMPERAL

ANNO DE 1870LIVRO 4

ANAIS DO SENADO

Secretaria Especial de Editorao e Publicaes - Subsecretaria de Anais do Senado Federal

TRANSCRIO

yuribeloCaixa de texto ANNAES DO SENADO DO IMPERIO DO BRAZIL

SENADO

56 SESSO EM 1 DE SETEMBRO DE 1870.

PRESIDNCIA DO SR. VISCONDE DE ABAETE'. Summario. Expediente: Officios do 1

secretario da cmara dos Srs. deputados, remettendo trs proposies. Parecer da mesa n. 313. Requerimento e parecer da commisso de fazenda. Ordem do dia: Discusso de uma proposio da cmara dos Srs. deputados sobre penses. Discusso de uma proposio da mesma cmara sobre o recenseamento. Discusso do art. 2 do projecto de lei do oramento. Discursos dos Srs. Sinimb e ministro do Imprio. Discusso do art. 3 do projecto de lei do oramento. Discursos dos Srs. Zacarias, Baro de Muritiba e Ribeiro da Luz.

As' 11 horas da manh fez-se a chamada, e

acharam-se presentes 30 Srs. senadores, a saber: Visconde de Abaet, Almeida e Albuquerque, Jobim, Visconde de Sapucahy, Paranagu, Sayo Lobato, Chichorro, Baro de Mamanguape, Ribeiro da Luz, Visconde de Itaborahy, Visconde de Camaragibe, Jaguaribe, Baro de Cotegipe, Baro de Pirapama, Baro do Rio-Grande, Teixeira de Souza, Zacarias, Baro das Trs Barras, Baro de Muritiba, Fernandes Braga, Paranhos, F. Anto, F. Octaviano, Baro de S. Loureno, Duque de Caxias, Cunha Figueiredo, Baro do Bom Retiro, Sinimb, Leito da Cunha e Torres Homem.

Compareceram depois da chamada os Srs. Souza Franco e Silveira da Motta.

Deixaram de comparecer com causa participada os Srs. Diniz, Baro de Antonina, Baro de Itana, Paula Pessoa, Baro de Maroim, Carneiro de Campos, Mendes dos Santos, Figueira de Mello, Dias Vieira, Fonseca e Mafra.

Deixaram de comparecer sem causa participada os Srs. Nunes Gonalves, Conde da Boa Vista, Souza Queiroz, Firmino, Silveira Lobo, Saraiva, Dias de Carvalho, Nabuco, Visconde de S. Vicente, Visconde de Suassuna e Pompeu.

O Sr. presidente abriu a sesso. Leu-se a acta da sesso antecedente, e, no

havendo quem sobre ella fizesse observaes, foi approvada.

O Sr. 1 secretario deu conta do seguinte:

EXPEDIENTE Officios do 1 secretario da cmara dos Srs.

deputados: Um de 31 de Agosto ltimo, declarando que

dita cmara adoptou e vae dirigir a sanco imperial o projecto do senado autorisando o governo a fabricar moedas de troco. Inteirado.

Um, de igual data, remettendo a representao da assembla provincial de Minas relativa proposta para o emprstimo de 35,000:000$ para o prolongamento da estrada de ferro de D. Pedro II. A commisso de oramento.

Dous, de 29 do dito mez, remettendo as seguintes proposies:

A assembla geral resolve: Art. 1 Fica approvada a penso de 60$

mensaes a que foi elevada por decreto de 17 de Agosto de 1870, a penso de 30$ concedida por decreto de 4 de Maio de 1866, e approvada pelo decreto legislativo n. 1328 de 10 de Agosto do mesmo anno, a D. Maria Francisca da Silva Gomes, viva do capito do 10 corpo de voluntrios da ptria lreneu Gentil Gomes.

Art. 2 Esta penso ser paga desde 4 de Maio de 1866.

Art. 3 Revogam-se as disposies em contrrio.

Pao da cmara dos deputados, em 29 de Agosto de 1870. Conde de Baependy, presidente Joaquim Pires Machado Portella, 1 secretario. Jos Maria da Silva Paranhos Junior, 2 secretario.

A assembla geral resolve: Art. 1 E' approvada a penso de 30$

mensaes, sem prejuzo do meio soldo que possa competir, concedida por decreto de 10 de Agosto de 1870 a D. Marinha Antonia de Oliveira e Souza, viva do capito do 6 batalho de infanteria Joaquim Rodrigues de Souza, morto em combate.

Art. 2 Esta penso ser paga da data do respectivo decreto.

Art. 3 Revogam-se as disposies em contrrio.

Pao da cmara dos deputados, em 29 de Agosto de 1870. Conde de Baependy, presidente. Joaquim Pires Machado Portella, 1 secretario. Jos Maria

4 Sesso em 1 de Setembro de 1870 da Silva Paranhos Junior, 2 secretario. A' commisso de penses e ordenados.

A assembla geral resolve: Art. 1 E' e governo autorisado para conceder carta

de naturalisao de cidado brasileiro; 1 Aos sbditos portuguezes, Jacintho Theodoro

Pessoa Francisco Ribeiro Silva, Amaro Pinto da Silva, Manoel Martins de Freitas, Joo Fernandes Loureiro, piloto do brigue nacional Henrique, todos de profisso martima; Jos Joaquim Rodrigues, Joaquim Pinto Rosas, Joo Muniz Bettancourt, Antonio Augusto Pereira, Joaquim Vieira Borges, e Manoel Rodrigues de Medeiros, residentes no Brasil; Eduardo Joaquim Corra de Brito, residente na provncia do Amazonas; Sebastio Joaquim Barbosa, residente na provncia do Maranho; Joo Duarte Franco, residente na provncia do Cear; padre Manoel da Silva Cid, coadjuctor da freguezia de Nossa Senhora do Rozario de Goyana, na provncia de Pernambuco; Francisco de Oliveira Travassos, residente na villa do Brejo da Madre Deus, na mesma provncia; Joaquim Antonio da Silva Lima, Francisco de Magalhes Menezes, Manoel Cardozo da Silva Corumb, residentes na provncia de Sergipe; Antonio Gonalves Barreiros Jos Gonalves Barreiros, Lucio Pinto Marques, Jos Pereira Heinrik Maltez, residentes na provncia da Bahia; Balthasar Jos Pinheiro, residente na cidade de Santo Amaro na mesma provncia; Joo Pereira de Souza Guimares, Manoel Vicente Torreira de S, residente no municpio da Parahyba do Sul, provncia do Rio de Janeiro; Manoel Vicente Ferreira de S, residente na freguezia da Bemposta, Felisberto de Barros Nascentes residente no municpio de S. Fidelis, Joo Francisco, Rufino Rodrigues, Antonio de Gouva Leite, residentes em Macahe, Florencio Alves de Souza, residente em Saquarema, Antonio Cardoso de Siqueira, fazendeiro no municpio de Capivary, Antonio Rodrigues Louro, residente em S. Joo da Barra, e Luiz Teixeira de Mattos, todos na provncia do Rio de Janeiro; Jos Gonalves de Lima, Joo Ventura Rodrigues, Joo Fernandes de Mattos Lima, Jos Lopes da Motta, Jos Marques Neves, Antonio Jos Vieira, Manoel Jos Teixeira, Joo Jos Corra, Manoel Franco de Santa Anna, Antonio Martins da Silva Pinto, Joaquim Borges Linhares Pereira, Joo Madeira da Fonseca, machinista de 1 classe da armada nacional, Joo Gomes de Paiva, machinista extranumerrio de 3 classe, Manoel Thomaz Moreira do Couto, Joaquim Gomes Vinha, Florncio de Almeida, Joo Maria Rodrigues machinista de 3 classe da mesma armada, residentes nesta Crte; Augusto Cesar da Silva, residente em Taubat, provncia de S. Paulo; padre Antonio Bento Barbosa, Jos Fernandes dos Santos Braga, residentes na mesma provncia; Lino de Souza Ferreira, residente na cidade de Castro, provncia do Paran; Joo Rodrigues dos Santos, padre Ignacio Jos da Costa, Antonio Lopes Branco, Domingos Jos de Oliveira Guimares, Manoel Jos da Costa, Francisco Monteiro Bento, Theodosio Domingues Fanquino, Joo Nepomuceno, residentes na provncia de S. Pedro do Rio Grande do Sul; Antonio Mendes Baptista, Heitor Plcido Fernandes, Domingos Alves Ferreira, residentes na cidade de Diamantina; Antonio da Silva Bernardes, Jos da Silva Abranches, residentes em S. Caetano do Chopot, Joo Ribeiro Mendes, Jos Cardoso Leal, residentes no municpio do Presdio, Baslio Jos de Sant'Anna Rales, residente

em S. Paulo do Muriah, todos da provncia de Minas Geraes; Julio Cesar Ramos, Joo de Almeida Albuquerque Castro, residentes na mesma provncia; Luiz Monteiro de Aguiar, constructor, residente na cidade de Cuiab, provncia de Matto Grosso.

2 Aos sbditos de outras naes: Jorge Nacour, natural de Alepo, actual vice-cnsul do Brasil no Egypto, Jos Nicolo Debban natural de Damietta, empregado no consulado geral do Brasil no mesmo paiz; Etienne Savic, sbdito austraco; aos norte-americanos Joseph Lions Mac Gee, residente na provncia do Par, James Southey, machinista ex-numerrio de 2 classe da armada nacional; ao cidado hanoveriano Adolpho Henrique Muller, residente na provncia do Par; aos sbditos francezes, padre Jean Baptiste Roger Felon, residente na capital da provncia do Maranho, Joo Morat, residente na provncia de Santa Catharina; ao sbdito inglez Joo Robertson residente na capital da provncia de Piauhy; aos sbditos italianos Joo Firpo, residente na provncia do Rio-Grande do Norte, Eduardo Gabrielli, residente na provncia do Espirito-Santo, Braz Antonio de Oliveira, residente na provncia de S. Paulo, padre Nicolo Carbicci, Antonio Fortunato, residentes na provncia de S. Pedro do Rio-Grande do Sul, padre Domingos Stabile, residente em S. Jos do Rio Preto, municpio de Juiz de Fra, provncia de Minas-Geraes, Carlos Pimete, residente na cidade de Diamantina da mesma provncia, padre Braz Nicolo Ligorno, vigrio da freguezia de Santa Rita da lbitipoca, municpio de Barbacena da mesma provncia; aos sbditos allemes David Moretzohu, residente em Ouro Preto na mesma provncia, Francisco Jos Bokel, residente na provncia da Bahia, Gustavo Greimer, residente na cidade de Porto Alegre, provncia de S. Pedro do Rio-Grande do Sul; ao sbdito hespanhol Jos Ribeiro, residente nesta Crte; e a Marcos Risch, natural do reino da Hungria, residente na cidade de Cuyab, provncia de Matto Grosso.

Art. 2 Ficam revogadas as disposies em contrrio.

Pao da cmara dos deputados, em 30 de Agosto de 1870. Conde de Baependy, presidente. Joaquim Pires Machado Portella, 1 secretario. Francisco Pinto Pessoa, 3 secretario, servindo de 2 A' commisso de constituio.

Um de 30 do mesmo mez remettendo a seguinte proposio:

PROPOSTA.

Emendas feitas e approvadas pela Cmara dos Deputados a' proposta do poder executivo, que autorisa o governo a contrahir o emprstimo de 35.000:000$000 destinado a completar as linhas da estrada de ferro de d. PEDRO II.

Acrescente-se no logar competente: A assembla geral decreta: Augustos e dignssimos Srs. representantes da

nao,

Sesso em 1 de Setembro de 1870 5

Os encargos da guerra contra o ex-dictador do Paraguay, e a gloriosa paz conquistada custa de to nobres esforos, impem aos altos poderes do Estado deveres que no podem ser adiados.

Cumpre-lhes, ora mais que nunca, promover todos os melhoramentos, ao menos os de resultados mais extensos e perdurveis, para que, sem descontinuar na marcha do progresso, possa o Imprio solver os empenhos contrahidos.

De entre as medidas mais prprias para realisar este duplo fim, avantaja-se a construco, complemento e aperfeioamento dos meios de transporte, cuja benfica influncia na prosperidade do paiz, to extenso quanto pouco povoado, attestada pelo reduzido nmero de kilometros de nossas estradas mais perfeitas.

Para duplicar ou triplicar a respectiva produco, a lavoura nacional apenas carece de meios de transportes rpidos e baratos. O incremento admirvel da cultura algodoeira, desde que, dedusidas as despezas do frete, o seu producto alcanou no mercado preo remunerador, demonstra quantas foras se esterilisam entre ns por to sensvel falta.

Pelo augmento da produco nacional e desenvolvimento da cultura de gneros similares em outros paizes o valor dos gneros tende a baixar no mercado, augmentando ao agricultor brasileiro os inconvenientes da concurrencia.

A prompta execuo de um systema completo de viao aperfeioada e extensa no intuito de ligar o maior nmero de centros productores aos mercados, muito concorrer para annullar esses perniciosos effeitos.

Em falta de estudos positivos sobre as grandes artrias deste systema, e

no estado actual dos nossos trabalhos technicos, parece de boa poltica que, sem pospr outras exigncias do servio pblico em assumpto to momentoso, os poderes do Estado prestem efficaz coadjuvao estrada de ferro de D. Pedro II, destinada a levar vida e riqueza a uma grande rea deste vasto Imprio.

Terminadas a 3 e 4 seces, aproveitar a trs de nossas mais frteis provncias; prolongada at o Rio das Velhas, seu benfico influxo immediatamente se estender, pela navegao do Rio S. Francisco, a sete provncias do Imprio, abrindo copiosas fontes de prosperidade para toda a communho nacional.

Pelos clculos a que mandou proceder seu director, ora-se em cerca de 35.000:000$000 a quantia necessria concluso das mencionadas seces e ao prolongamento do tronco principal s margens do Rio das Velhas. E, sem embargo da importncia da empreza, para realisal-a a estrada de ferro de D. Pedro II pede smente o sacrifcio temporrio da renda lquida, sem prejuzo da amortisao da divida contrahida em Londres em 1858. Mediante operaes de crdito sobre esta base, compromette-se aquelle funccionario a concluir todos os trabalhos dentro de oito annos, dotando o paiz com uma estrada de 890 kilometros de extenso e no valor de 70.000:000$.

Mas se contam-se como certos, resultados de obra to urgente, porque retardal-os?

Se houver quem para ella preste os capitaes exigidos, em muito menos tempo auferir o paiz os desejados benefcios.

As maravilhas de rapidez em construces idnticas, j no sorprendem, depois do caminho de ferro interocenico nos Estados-Unidos, concludo em

6 Sesso em 1 de Setembro de 1870

menos de sete annos com a extenso de 5,250 kilometros. A estrada de ferro de D. Pedro II tem custado at

31 de Dezembro de 1869 a somma de 33,444:709$210 sendo 25,243,781$276 durante o regmen da associao, no qual foram construdas a primeira seco e grande parte da segunda, e 8,201:008$934 depois que em Julho de 1865 passou ao domnio do Estado.

No obstante o emprego de tamanha quantia, o augmento progressivo de sua renda lquida, que o anno passado montou a 2,480:154$971, ou 71/6% do capital empregado, deve inspirar robusta confiana no resultado das sommas applicadas a completar, no menor praso, to magnfica empreza.

Qualquer receio a semelhante respeito desapparecer, refletindo-se na economia que o commercio e a lavoura realisaram nos gastos do transporte de suas mercadorias depois de abertura ao trfego a primeira seco da estrada. Autoridades competentes oram em 60,000:000$ as vantagens assim obtidas depois de 1860. Reduza-se metade, e ainda assim a somma ser igual ao custo da estrada.

E' certo que o prolongamento do tronco principal, alm da zona do caf, no produzir logo os mesmos resultados prticos; mas fora de dvida que no sero muito demorados, cumprindo demais ter em considerao que as despezas de construco e custeio tero de diminuir, tanto pela natureza do terreno, como por effeito dos melhoramentos que a sciencia tem introduzido na viao frrea.

Em face dos motivos expostos, tendo a honra de apresentar-vos, de ordem de Sua Magestade o Imperador, a seguinte proposta:

Art. 1 O governo fica autorisado a contrahir, por partes ou integralmente, o emprstimo de 35,000:000$, destinado a completar as linhas da estrada de ferro de D. Pedro II, na 3 seco, at o Porto Novo do Cunha, na 4 at a Cachoeira, e no prolongamento, at o Rio das Velhas.

Art. 2. Ficam revogadas as disposies em contrrio.

Art. 1 (E' o 1 da proposta.) Art. 2 (additivo). O governo fica tambm autorisado

a contratar com as respectivas companhias o resgate das estradas de ferro de Recife a gua Preta, da Bahia a Joaseiro e de Santos a Jundiahy, por ttulos da dvida externa, comtanto que o dispndio annual com os respectivos juros e amortisao no exceda a importncia da garantia concedida a cada uma das ditas companhias.

1 Effectuado o resgate, a renda lquida das estradas de ferro ser empregada nas obras do seu prolongamento por seces, segundo o trao mais vantajoso que se verificar por estudos a que desde j se proceder, podendo o governo despender mais na construco de cada uma at 1,000:000$ annualmente.

2 Se no effectuar-se o resgate, o governo contratar como julgar conveniente o prolongamento pela frma e com os meios acima declarados, alm dos facultados em leis anteriores.

Art. 3 (additivo) O governo mandar com urgncia estudar o systema completo de viao, e levantar a carta itinerria do Imprio, despendendo, pelos meios consignados na lei do oramento vigente, a quantia necessria execuo destes trabalhos, que sero opportunamente apresentados assembla geral.

Art. 4 (E' o 2 da proposta.

Sesso em 1 de Setembro de 1870 7 Palcio do Rio de Janeiro, em 20 de Junho de

1870. Diogo Velho Cavalcanti de Albuquerque. Pao da cmara dos deputados, em 29 de Agosto

de 1870. Conde de Baependy, presidente. Joaquim Pires Machado Portella, 1 Secretario. Jos Maria da Silva Paranhos Jnior, 2 secretario.

O Sr. 2 secretario leu o seguinte:

PARECER DA MESA N. 313 DE 1 DE SETEMBRO DE 1870.

Apresenta redigida a emenda approvada pelo

Senado em 2 discusso proposio da Cmara dos Srs. deputados, elevando os vencimentos que actualmente percebem o official, amanuenses e outros empregados da secretaria do supremo tribunal de justia.

I

Objecto do parecer. Redaco da emenda feita

pelo Senado proposio da Cmara dos Srs. Deputados, augmentando os vencimentos dos empregados da secretaria do supremo tribunal de justia. Quadro explicativo da redaco.

O quadro que se junta sob n. 1 contm em uma de

suas columnas o teor dos artigos, e paragraphos da proposio da Cmara dos Srs. Deputados, a que se refere emenda supri, e em outra a emenda approvada pelo Senado a um dos paragraphos do art. 1.

O quadro o que se segue:

QUADRO N. 1 ANNEXO AO PARECER DA MESA N. 313

Projecto da Cmara dos Srs. deputados A assembla geral resolve: Art. 1 Ficam elevados os vencimentos, que

actualmente percebem o official-maior e os amanuenses da secretaria do supremo tribunal de justia, assim como o thesoureiro-porteiro, e os contnuos do mesmo tribunal nos termos constantes da tabella junta.

1 Desses vencimentos trs quartas partes sero percebidas como ordenado, e o restante a ttulo de gratificao, qual s tero direito taes empregados, quando em effectivo exerccio.

2 O amanuense mais antigo passar a ter a denominao de official, e o outro, limitando-se s funes prprias do seu emprego, deixar de fazer s vezes de porteiro da secretaria, cujas obrigaes ficaro a cargo de um dos contnuos, que fr designado pelo presidente do tribunal, e a quem competir por este accrescimo de servio a gratificao addicional de cento e oitenta mil ris por anno, ficando derrogado o art. 44 da lei de 18 de Setembro de 1828, que permitte aos contnuos fazer o servio em semanas alternadas.

Art. 2 Ficam revogadas as disposies em contrrio.

Emenda do Senado

No foi approvado.

II Comparao entre as disposies da lei de 1828 e

as da proposio Comparando-se o projecto da lei da Cmara dos

Srs. Deputados com a lei de 18 de Setembro de 1828, que creou o supremo tribunal de justia, na parte que se refere denominao e ao nmero de empregados, reconhecem-se as seguintes alteraes:

1 D-se a denominao de official-maior da secretaria ao empregado que a lei chama simplesmente official, porque considerou o secretario do tribunal como o chefe da secretaria.

Esta alterao tem a sua origem, segundo parece, em alguns avisos da secretaria da justia, que alis nem um direito podem estabelecer.

2 Legitima-se a creao de dous amanuenses da secretaria, que nem a lei de 18 de Setembro de 1828, nem outra alguma havia creado.

Aquella creao funda-se tambm em avisos do ministrio da justia, e outrosim no facto de terem as leis do oramento decretado fundos para pagamento da despeza.

Neste caso succede, contra todos os princpios no s de direito, como de recta razo, converter-se o effeito em causa; porquanto evidente que a decretao de fundos para pagamento dos amanuenses devia ser a consequncia da creao destes logares, em virtude de lei anterior, e esta o nico fundamento da existncia legal de taes logares.

3 Transferem-se para um dos contnuos, designado pelo presidente do tribunal, as funces de porteiro, dispensado dellas um dos amanuenses, que actualmente as exerce, como deve inferir-se desta disposio do projecto.

Entretanto o que estabelece a lei de 18 de Setembro de 1828 que haja um thesoureiro, que ser tambm porteiro, para cuidar da guarda, limpeza, e aceio da casa do tribunal.

Os Contnuos so seus ajudantes, e devem fazer o servio por semana, e um no impedimento do outro.

III

Quadro comparativo entre os vencimentos

estabelecidos pela lei de 1828 e os propostos no projecto. O quadro que se junta sob n. 2 mostra quaes so

os vencimentos, que actualmente percebem os empregados existentes na secretaria do supremo tribunal de justia, e a differena para mais entre esses vencimentos, e os que o projecto de lei da Cmara dos Srs. Deputados tem por fim estabelecer.

E' fcil de reconhecer que o augmento proposto nada tem de exagerado nem quanto ao nmero de

8 Sesso em 1 de Setembro de 1870

empregados, nem quanto aos vencimentos. Pelo contrrio, pde asseverar-se sem medo de errar que os vencimentos so ainda insufficientes em relao ao desenvolvimento, de que so susceptveis os variados servios que taes empregados devem satisfazer no interesse da administrao da justia.

O quadro o seguinte:

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O quadro que fica transcripto foi formulado, quanto aos vencimentos dos actuaes empregados da secretaria do supremo tribunal de justia, de accordo com a tabella demonstrativa do 2 do ministrio da justia, annexa ao oramento da receita e despeza do Imprio para o exerccio de 1871 e 1872, e, quanto aos novos vencimentos, de accordo com o projecto de lei da Cmara dos Srs. Deputados tal como veio para o senado.

IV

Processo da discusso do projecto desde sua apresentao no

Senado. Como complemento das informaes que tem prestado, a

mesa passar agora a expor o processo que tem tido nesta Cmara a discusso do projecto da Cmara dos Srs. Deputados subjeito actualmente ao exame, e deliberao do Senado.

Do parecer da mesa n. 8 de 3 de Fevereiro de 1864 publicado no tomo 1 da respectiva colleco, a pgina 75, e de outros documentos que se consultaram, resulta o seguinte:

Em sesso de 3 de agosto de 1858 o projecto lido, e mandou-se imprimir.

Em sesso de 8 de Julho de 1859 entrou o projecto em 1, e passou para 2 discusso, e nesse mesmo dia o Sr. Senador Baro de Muritiba offereceu um requerimento de adiamento, que foi approvado, para que o projecto fosse remettido commisso de legislao.

A commisso de legislao apresentou o seu parecer que foi lido, e mandou-se imprimir em sesso do 1 de Junho de 1860.

O parecer da commisso conclue nos termos, que a mesa pede licena para transcrever:

A commisso de legislao cumprindo a determinao do Senado depois de declarar que lhe parecem insufficientes os vencimentos actuaes destes empregados, e que convir augmental-os, si as circumstancias do thesouro o permittirem, sobre o que na discusso poder o Senado ser esclarecido por algum dos nobres ministros, que teem assento na casa, concordando assim em substncia com a proposio da outra Cmara, passa a expr algumas consideraes, pelas quaes em seu entender no pde a dita proposio ser adoptada nos termos em que est concebida, e que serviro pra justificar a emenda, que tem a honra de sujeitar deliberao do Senado.

E' preceito constitucional, que s a lei pde crear empregos pblicos: a de 18 de Setembro de 1828 que regula a matria subjeita, para o expediente do tribunal s creou um secretario, um official, um thesoureiro-porteiro e dous contnuos, ignorando a commisso o acto donde procede ao official-maior, de que falla a proposio da Cmara dos Srs. Deputados, e sendo os amanuenses de creao incompetente do governo, entende que antes de augmentar-se os vencimentos de taes empregos preciso que a lei os cre.

No parece commisso necessrio um official-maior em uma secretaria onde no ha outros officiaes.

A graduao de official conferida a um dos amanuenses no pde, no entender da commisso, ser objecto de lei.

Sesso em 1 de Setembro de 1870 9 A disposio que dispensa um dos amanuenses de

fazer s vezes de porteiro, ficando semelhante obrigao a cargo de um dos contnuos, designado pelo presidente do tribunal com uma gratificao addicional, derrogado o art. 44 da lei de 18 de Setembro de 1828 na parte em que permitte aos contnuos fazer o servio em semanas alternadas, tambm no pde ter o apoio da commisso, porque nenhuma lei incumbiu ao amanuense este servio, e a nica, que regula esta matria providenciou do modo o mais conveniente, creando um porteiro que cuide da guarda, aceio, e limpeza da casa do tribunal, de que so ajudantes em seus impedimentos os contnuos:

Assim, a commisso de parecer que entre em discusso a dita proposio com a seguinte emenda que tem a honra de offerecer:

A assembla geral resolve: Art. 1 Ficam elevados os vencimentos que

actualmente percebem o official, thesoureiro porteiro, e contnuos do supremo tribunal de justia nos termos constantes da tabella junta.

Art. 2 Para o expediente do tribunal haver tambm dous amanuenses com os vencimentos contemplados na mesma tabella.

Art. 3 Dos vencimentos de que tratam os artigos antecedentes trs quartas partes sero percebidas como ordenado, e o restante a ttulo de gratificao, qual s tero direito taes empregados quando em effectivo exerccio.

Art. 4 Ficam revogadas as disposies em contrrio.

Tabella a que se refere esta resoluo

Official............................................................ 2:000$000 Amanuense.................................................... 1:500$000 Thesoureiro porteiro....................................... 1:000$000 Contnuo........................................................ 720$000

Pao do Senado, 29 de Maio de 1860. Souza

Ramos. F. D. Pereira de Vasconcellos. Silveira da Motta.

Em sesso de 18 de Junho de 1860 continuou a 2, discusso do projecto com as emendas da commisso de legislao, e o Sr. Senador Ferraz mandou mesa o seguinte requerimento:

Requeiro que o projecto com quaesquer outros relativos a augmento de vencimentos de magistrados, parochos, cnegos, e secretrios de relaes, etc., v commisso de fazenda para interpr o seu parecer, ficando egualmente equiparada a sorte dos empregados da secretaria do supremo tribunal de justia das secretarias de Estado na parte relativa a emolumentos.

Este requerimento foi apoiado, e approvado na mesma sesso.

Em sesso de 28 de Agosto de 1860 leu-se, cerca dos projectos que tinham sido remettidos commisso de fazenda, o parecer da maioria da commisso, composta dos Srs. Visconde de Itaborahy e Marquez de Abrantes, e um voto separado do Sr. Senador Joaquim Francisco Vianna.

A concluso do parecer da maioria foi: E' pois opinio da commisso que se adie a

discusso dos supracitados projectos at que melhore o estado das nossas finanas, ou se cre novos recursos que possam nivelar a receita com a despeza.

O voto separado, admittia, entre os diversos projectos de augmento de vencimentos, a discusso de uns, e propunha excluso da de outros.

Um dos projectos admittidos discusso pelo voto separado era o que se referia secretaria do supremo tribunal de justia, indicando-se porm algumas modificaes.

Dizia o auctor do voto separado: 1 Que devia crear-se unicamente um amanuense

em vez de dous, por lhe parecer que o servio da secretaria podia ser desempenhado por trs empregados: um secretario, um official, e um amanuense:

2 Que devia dar-se ao porteiro um conto e duzentos mil reis em vez de um conto, porque, alm de no ser excessivo tal vencimento, esse funccionario ficaria de peior condio em sua aposentadoria, passando o projecto como estava concebido, o que no lhe parecia justo, tendo elle adquirido j o direito de perceber oitocentos mil reis, si fosse aposentado:

3 Que finalmente deviam pertencer renda do Estado os emolumentos que percebessem os empregados da dita secretaria.

Em sesso de 5 de Fevereiro de 1864, estando na ordem do dia os projectos, que tinham sido remettidos commisso de fazenda, das quaes era o primeiro o do augmento dos vencimentos dos empregados da secretaria do supremo tribunal de justia, propoz-se ao Senado a questo prejudicial do adiamento conforme o parecer da maioria da commisso de fazenda, e tendo o Senado votado a favor, ficou adiada desde ento a discusso dos mesmos projectos.

Em sesso de 12 de Agosto de 1870 entrou novamente em 2 discusso o projecto, que est sobre a mesa com o parecer da commisso de legislao do 1 de Junho de 1860, e na mesma sesso foi approvado o artigo 1 com o 1, sendo rejeitado o paragrapho 2.

Foi approvado tambm o artigo 2, e o projecto passou para a 3 discusso.

Das emendas offerecidas pela commisso de fazenda no parecer de 1 de Junho de 1860, umas ficaram comprehendidas na votao do projecto, e outras prejudicadas.

V

Consideranda do parecer. Concluso do parecer. Assim que, como resumo, e concluso das

observaes que precedem, a mesa: Considerando que a emenda que apresenta

redigida para ser impressa afim de poder o projecto entrar com ella em 3 discusso est de perfeita conformidade com as votaes do Senado em 2 discusso;

Considerando que com a impresso da emenda ficar satisfeito o preceito do regimento que exige esta condio para poderem entrar em 3 discusso os projectos emendados na 2;

Considerando finalmente que o Senado tem presentes todas as informaes que podem ter relao com o projecto da Cmara dos Srs. Deputados, sobre o qual lhe cumpre deliberar: Offerece o seguinte:

10 Sesso em 1 de Setembro de 1870

PARECER 1 Que a proposio da Cmara dos Srs.

Deputados deve entrar em 3 discusso com a emenda, que o senado approvou em 2 discusso, depois que esta for impressa.

2 Que o parecer da mesa seja impresso e distribudo na frma do estylo.

Pao do Senado, em 1 de Setembro de 1870. Visconde de Abaet, Presidente. Frederico de Almeida e Albuquerque, 1 Secretario. Jos Martins da Cruz Jobim, 2 Secretario. Baro de Mamanguape, 4 Secretario.

Ficou sobre a mesa para entrar em 3 discusso com a proposio a que se refere.

Foi lido e approvado o seguinte requerimento da commisso de fazenda:

REQUERIMENTO

A proposio da cmara dos Srs. Deputados n.

86, de 4 do corrente, autorisa o governo para conceder iseno de direitos de importao aos materiaes necessrios para a construco da estrada Tram Road Paraguass, na provncia da Bahia, feita pela companhia que para esse fim se organisar.

No estando precisados os objectos a que se tem de conceder iseno, e no convindo que a proposio seja approvada com os termos vagos, materiaes necessrios que podem dar cabimento a dvidas na execuo do favor, ou importar a extenso deste alm da mente do legislador, e em prejuzo da fazenda pblica, e por outro lado no se achando ainda organisada a companhia, que tem de aproveitar-se da concesso, ao passo que consta a existncia de outra, a respeito da qual no tem a commisso informaes officiaes, prprias a habilital-a para conhecer do seu estado.

REQUER

Que se oua a tal respeito o governo por

intermdio do respectivo ministrio. Sala das commisses, 27 de Agosto de 1870.

Baro do Bom Retiro. B. de Souza Franco. O Sr. 2 secretario leu o seguinte: PARECER DA COMMISSO DE FAZENDA A proposio n. 85, da cmara dos deputados,

autorisa o governo para conceder iseno de direitos de importao aos objectos destinados ao culto divino da Santa Casa de Misericrdia da Bahia, fixando em regulamento a quantidade e qualidade dos mesmos objectos. Acompanha a proposio uma representao do provedor e mesrios daquelle pio estabelecimento mostrando que a dispensa de direitos, solicitada para alguns objectos indispensveis ao uso da Santa Casa, ou sejam relativos a ornamentos e outros misteres do culto divino, ou ao consumo do hospital, do asylo dos expostos e casa de alienados, ou a outro e qualquer fim concernente mesma Santa Casa e suas dependncias.

Posto que os termos em que est concebida a proposio limitem muito o vago do pedido, considerando a commisso que a representao vem desacompanhada de quaesquer esclarecimentos que possam auxiliar ao senado no voto que tem de dar, julga conveniente sobrestar-se no andamento desta

preteno at que venham informaes que possam servir de base a uma deciso conveniente; assim de:

PARECER

Que por intermdio do governo se mande ouvir a

presidncia da provncia da Bahia a respeito da representao da Santa Casa da Misericrdia para iseno de direitos de importao em seu favor.

Sala das conferncias, em 29 de Agosto de 1870. Baro do Bom Retiro. B. de Souza Franco.

ORDEM DO DIA

PENSES

Entrou em 2 discusso e passou para a 3 a

proposio da cmara dos Srs. deputados mencionada no parecer da mesa n. 312, sobre uma penso concedida a Francisco Alexandre Coimbra de Macedo, com ractificao do verdadeiro nome.

RECENSEAMENTO

Seguiu-se em 3 discusso e foi approvada para

ser dirigida sanco imperial a proposio da mesma cmara sobre o recenseamento da populao do Imprio.

ORAMENTO DO IMPRIO

Achando-se na sala immediata o Sr. ministro do

Imprio, foram sorteados para a deputao que o devia receber os Srs. F. Octaviano, Paranagu e Baro do Bom Retiro, e sendo introduzido no salo com as formalidades do estylo tomou assento direita do Sr. presidente.

Continuou a 2 discusso do projecto de lei do oramento no art. 2.

O SR. CANSANSO DE SINIMB: Sr. presidente, sei que o nobre Sr. ministro do Imprio est desejoso de voltar casa do parlamento a que pertence, e no serei quem ponha embaraos aos desejos do nobre ministro. V. Ex. sabe, Sr. presidente, que eu muito raras vezes occupo a atteno do senado, e sempre que o fao, e uma maneira to lacnica que no lhe tomo o tempo. Pouco tenho ainda a dizer desta vez, e ter-me-hia mesmo dispensado de fallar no oramento que se discute, aguardando para a discusso dos oramentos seguintes, as poucas observaes que tenho de fazer ao senado, se no tivesse de alguma maneira sido impressionado pelas palavras com que o nobre ministro do Imprio finalisou a resposta que julgou dever dar ao illustre representante pela provncia da Bahia, que foi presidente do ltimo conselho de ministros.

Permitta-me S. Ex. que lhe diga que desta vez parece-me que no procedeu com o seu usual cavalheirismo. S. Ex. respondeu ao illustre senador pela Bahia quando j lhe no era dado tomar a palavra na discusso deste oramento; entendo pois que no procedeu como alis costuma proceder nos debates; devia guardar o ajuste de contas que pudesse ter com o digno representante da provncia da Bahia, para occasio em que aquelle nobre senador lhe pudesse dar a devida resposta.

Eu, Sr. presidente, que desejo que as boas prticas sejam sempre seguidas no senado, porque entendo que s pelo trato delicado das discusses, que

Sesso em 1 de Setembro de 1870 11

esta casa poder alcanar o gro de respeito e considerao a que tem direito, como uma das mais altas corporaes do Estado, confesso que fiquei de alguma maneira sorprendido com as palavras a que fao alluso.

O SR. MINISTRO DO IMPRIO: No se sorprendeu V. Ex. com as que me dirigiu o nobre senador?

O SR. CANSANSO DE SINIMBU': Eu esperava isto j de V. Ex., e responderei. O nobre ministro poder dizer que as palavras que disse em resposta eram em justa represalia das que o nobre senador lhe havia dito, tratando, talvez com alguma severidade, de analysar os projectos do nobre ministro.

O SR. MINISTRO DO IMPRIO: Elle disse que nenhum ministrio se tinha abaixado tanto.

O SR. CANSANSO DE SINIMBU': Mas o nobre ministro deve considerar a disparidade das condies. Senhores, permittido que opposio se deve relevar algum calor, algum ardor; mas a maioria est sempre obrigada a no apartar-se das regras da benevolncia, e estas regras, Sr. presidente, devem ainda com mais razo ser observadas, quando aquelle que nesta casa representa a maioria, no smente se acha aqui em virtude de um ttulo de representante da nao, mas tambm como ministro da Cora.

Vejamos, porm, Sr. presidente, quaes foram as accusaes ou increpaes que em represlia o nobre ministro dirigiu ao illustre representante pela provncia da Bahia, meu honrado collega na opposio.

S. Ex. creio que foi mal informado; no bebeu em fonte imparcial a relao dos factos que citou. S. Ex. disse que o nobre senador, quando presidente do conselho havia aceitado uma resposta falla do throno, em 1867, na qual se envolvia uma accusao ao ministrio. Senhores, est na lembrana do senado como o facto se passou ento. Houve com effeito nessa sesso uma resposta falla do throno, na qual havia um perodo que parecia ambguo, um perodo de sentido duplo, e que podia ser encarado segundo a lente de cada qual que quizesse lel-o. Era uma pedra falsa engastada em um ramalhete, mas cujo segredo s o tinha o ourives que o fabricara. Mas, quando no correr da discusso se revellou que havia um pensamento de censura envolto nessas palavras, o nobre ex-presidente do conselho pz a questo nos seus devidos termos, e pediu commisso que formulasse clara e manifestamente o seu pensamento de opposio. Foi isto, Sr. presidente, o que no se fez.

O SR. ZACARIAS: Apoiado. O SR. CANSANSO DE SINIMBU': A

commisso julgou no dever apresentar emenda alguma, continuou a conservar o perodo ambguo da resposta, e o nobre ex-presidente do conselho que no enxergara na resposta uma censura, aceitou essa resposta como qualquer outro aceitaria.

Na sesso de 1868 quiz repetir-se o mesmo incidente.

O SR. ZACARIAS: Apoiado. O SR. CANSANSO DE SINIMBU': Ento o

nobre ex-presidente do conselho formulou a questo em termos mais positivos, e disse: Se quereis censurar o ministrio, sede franco, apresentae a vossa emenda com toda a clareza; mas versado, como , nos

princpios de direito constitucional, versado nas prticas do systema representativo, no logar em que elle mais puro, fallo do systema inglez, o nobre senador demonstrou os inconvenientes que poderia haver para o senado se, fazendo uma poltica militante e activa, quizesse impr questes de gabinete.

Lembro-me, Sr. presidente, que nessa occasio, e por motivo dessa discusso, o nobre Sr. Visconde de Itaborahy...

O SR. ZACARIAS: Apoiado. O SR. CANSANSO DE SINIMBU':

...representou nesta casa o papel que muitas vezes o Duque de Welington havia representado na cmara dos lords, durante as crises das reformas porque passou aquella corporao.

Com a autoridade de seu nome e de sua glria, muitas vezes aquelle nobre par fez comprehender a seus amigos que a censura da cmara dos lords no se devia deslisar dos verdadeiros princpios do systema representativo; devia guardar toda a prudncia e moderao no manejo dos negcios pblicos, no s porque assim convinha aos interesses do Estado, mas, mesmo para no arriscar sua posio; e a palavra do Duque de Welington foi sempre ouvida. Ora, apraz-me confessar que o nobre Sr. Visconde de Itaborahy conseguiu n'essa occasio o mesmo triumpho. (Apoiados.)

Como rgo da opposio, ento, o nobre senador por Goyaz, que me fica em frente, apresentou uma emenda de opposio franca. Essa emenda tinha merecido a aceitao e assignatura de muitos membros do partido conservador em maioria; mas depois das nobres palavras do Sr. Visconde de Itaborahy, muitos desses membros retiraram suas assignaturas...

O SR. SILVEIRA DA MOTTA: Apoiado. O SR. CANSANSO DE SINIMBU': ...e essa

emenda foi retirada, no teve votao. Como, pois, se pde accusar ao nobre senador pela Bahia de que se havia humilhado perante a votao de seus adversrios?

Senhores, no devemos negar justia aos nossos adversrios. Se o nobre senador pela Bahia pde ser accusado de alguma cousa, no , certamente, nem de avassalar-se aos seus adversrios, nem de deixar-se arrastar pela vontade de seus amigos. Se o nobre senador pde soffrer alguma accusao, no da parte de seus adversrios; mas dos membros do partido a quem o nobre senador est prestando to relevantes servios. Elles que podem dizer-lhe: Quando no poder, vs no vindes, verdade, occultar-vos em nossa retaguarda, mas, avanaes de mais para frente; desprendei vos de nosso accordo isolaes-vos de ns. (Apoiados. Muito bem.)

Sr. presidente, para aggravar mais a accusao que dirigiu ao illustre senador pela Bahia, o nobre ministro do Imprio procurou amesquinhar sua administrao dizendo: E o que fizestes? Eu ao menos tenho apresentado projectos...

O SR. ZACARIAS: Da sua cabea. O SR. CANSANSO DE SINIMBU': ...que l

esto pendentes da cmara dos Srs. deputados, mas vs, Srs. da opposio, e que me accusaes, o que fizestes no domnio do vosso partido? Ora, Sr. presidente, eu que desejo ser justo, entendo que esta accusao pde ter algum fundamento. Que eu accuse o meu nobre amigo de no ter realisado, no tempo do seu ministrio, o programma do partido liberal a que

12 Sesso em 1 de Setembro de 1870

pertencemos, comprehende-se; mas o nobre ministro no tem esse direito. E, senhores, esta questo j o nobre senador a tem explicado aqui muitas vezes. Que disparidade no ha entre a posio em que elle se achou e aquella em que se acha o actual ministrio!

S. Ex. entrou para o ministrio em Janeiro de 1864, e teve logo de lutar com difficuldades que eu mesmo havia legado. A primeira, Sr. presidente, foram os celebres decretos de 30 de Dezembro de 1863...

O SR. ZACARIAS: Esse cavallo de batalha dos amigos do nobre ministro.

O SR. CANSANSO DE SINIMBU: ...pelos quaes, Sr. presidente, estive ameaado de ir daqui para a casa de correco (note-se que eu teria ido sem proferir uma palavra de murmrio, se meus juizes assim o tivessem ordenado). O ministro que ento me succedeu na pasta da justia achou logo essa difficuldade e teve de lutar com ella por algum tempo, e ainda na luta provocada por esses decretos sobrevieram os acontecimentos do Rio da Prata a que elle teve de dar acurada atteno.

Depois, senhores, ainda lhe serviu de estorvo outro legado meu. Senhores, gosto de confessar os actos que pratico, porque desejo ser julgado pelo paiz com toda a franqueza. Quero fallar do acto que concedeu garantia de juros estrada de ferro de Pernambuco, ainda que no foi acto s meu, mas de todo o ministrio a que pertenci, e que era quasi um compromisso tomado por ministrios anteriores. (Apoiados.)

O SR. ZACARIAS: Foi o Sr. Manoel Felizardo. O SR. CANSANSO DE SINIMBU': Dahi, Sr.

presidente, provieram as dissidncias do partido liberal, dissidncias com que teve de lutar o nobre senador, e que naturalmente deviam impedir a marcha da sua administrao. Seguiu-se logo a sua retirada.

No segundo perodo da administrao do nobre senador, oh! o senado tem presente qual foi essa poca: os partidos estavam desmantelados, a guerra tinha chegado ao seu maior auge, toda a atteno do governo era ento pouca para a magna questo em que estava interessada a honra nacional. (Apoiados.)

Como, pois, um ministro que lutava com essas difficuldades, que lutava com seus prprios amigos na cmara dos deputados, e no tinha maioria no senado, pde merecer exprobrao por no ter levado a factos projectos taes quaes o nobre ministro do Imprio tem apresentado na actualidade?

O SR. ZACARIAS: Deus me livre de apresentar taes quaes.

O SR. F. OCTAVIANO: Est aproveitando os projectos que ns lhe deixamos.

O SR. CANSANSO DE SINIMBU': O nobre ministro para amesquinhar a situao dos seus adversrios e elevar a sua prpria, parece me que quer dar demasiado valor aos seus projectos.

O SR. ZACARIAS: Dizendo que so de sua cabea... foi bom que declarasse.

O SR. CANSANSO DE SINIMBU': Senhores, quaes so esses projectos? Os de que tenho conhecimento so o da refrma judiciria; mas este ainda um filho orpho do fallecido ministrio de 30 de Maio (apoiados); e este infeliz desprotegido est

agora sendo mergulhado em um mar de emendas sem que o salve mo protectora. (Apoiados.)

O projecto da reforma eleitoral, a maior aspirao do partido liberal no uma novidade. (Apoiados). O nobre ministro, mesmo com seu nome, sanccionou essas idas quando fazia parte do parlamento, que funccionou na sesso passada.

O SR. ZACARIAS: No delle a ida. O SR. CANSANSO DE SINIMBU': Logo, a ida

vem trazida daquella para esta situao, sem que haja nesta a menor novidade. (Apoiados).

A magna questo do elemento servil, esta todos sabem que foi nascida na situao passada. (Apoiados).

Quaes so, pois, os grandes projectos de que nos falla o nobre ministro e dos quaes quer fazer seu ttulo de gloria?

O SR. PARANAGU: O do recrutamento, talvez...

O SR. CANSANSO DE SINIMBU': O projecto relativo conscripo nasceu tambm na cmara dos deputados na situao passada. O que fica, portanto? O projecto de instruco pblica...

O SR. F. OCTAVIANO: E o das municipalidades. O SR. CANSANSO DE SINIMBU': V. Ex. cr,

Sr. ministro, nas municipalidades sem haver lei de eleies que as faa?

Sr. presidente, o projecto de reforma da instruco pblica que contm a creao de uma universidade, eu o considero smente como um documento para attestar nas eras vindouras uma cousa, e que o nobre ministro no foi sensvel a esse clamor da opinio pblica que pede a atteno do governo para esse importante ramo de servio. Nisto lhe fao plena justia. S. Ex. no intervallo da sesso, applicou atteno sria a esse ramo do servio, e eu o felicito. Mas entende o nobre ministro que faz com essa creao um grande benefcio instruco pblica?

Eu no quero discutir agora este projecto; espero em Deus que se o nobre ministro continuar a dar lhe a sua proteco, mais efficazmente do que o tem feito at hoje, elle chegar a esta casa, e ento terei occasio de discutil-o; mas systematicamente direi sempre alguma cousa. O nobre ministro com a creao de uma universidade o que faz? S teremos uma creao, um curso de theologia, porque nos outros ramos da sciencia o nobre ministro no faz seno reunil-os, e mesmo nesta reunio ha um grande inconveniente. O nobre ministro tem por fora de deslocar uma das nossas faculdades de direito; mas, senhores, depois de se ter estabelecido um systema planetrio ainda que imperfeito seja, no se pode apagar um dos planetas sem causar uma certa perturbao sem deixar uma sombra, sem produzir um vcuo no ensino nacional.

Se ao menos o nobre ministro, determinando a mudana de qualquer de nossas faculdades de direito para aqui, tivesse iniciado a ida de fazel-a substituir por outro foco de luz, por outro ramo de ensino mais conforme s necessidades da sociedade, poder-se-hia desculpar. Mas no; o nobre ministro quer apenas mudar para esta Crte uma das faculdades de direito, e cra uma faculdade de theologia: eis em que consiste o plano de sua grande reforma.

Ora, pergunto ao nobre ministro se S. Ex. est convencido, como estou, de que nessa primeira poca da vida preciso abrir as expanses da mocidade contemplao das bellas e variadas scenas da natureza,

Sesso em 1 de Setembro de 1870 13

habitual-a vida modesta do campo, inspirao de sentimentos nobres, ao afastamento, e ignorncia mesmo, se possvel, dos vcios que de ordinrio acompanham as agglomeraes das grandes populaes; se o nobre ministro julga, como eu tambm julgo, que convm pr o internato de Pedro II fra da esphera da Crte em logar mais remoto, onde os moos gozando das vantagens de melhor clima possam ao mesmo tempo estar fra do contgio dos vcios inherentes a uma capital to populosa, pergunto eu: achar S. Ex. que seja logar mais apropriado para uma faculdade de theologia a capital do Imprio? Pois os meninos carecem ser afastados do espectaculo repugnante dos crimes, e os aspirantes ao clero que convm ser educados no recolhimento que devem ser habituados s regras severas do sacerdcio, que devem passar os primeiros annos longe do theatro das grandes paixes, que devem vir para o centro da capital? Parece-me que nisto o nobre ministro no pensou maduramente.

Sr. presidente, S. Ex. encara a questo do ensino publico debaixo de um ponto de vista que no o mais racional, permitta que lhe diga: o nobre ministro parece que attende smente aos interesses da administrao, e no quer seno formar pessoas aptas para os servios da administrao, isto , senhores, augmentar o viveiro dos pretendentes aos empregos pblicos esta chaga social que tanto concorre j para aviltar o caracter nacional, e deprime os bons sentimentos, matando as aspiraes independncia individual. Eu desejra que o nobre ministro levasse suas vistas para ponto diverso, que estudasse as tendncias da sociedade, e suas necessidades, visse quaes so aquellas que podem ser satisfeitas por meio do ensino profissional.

Sr. presidente, hoje reconhecido que o desenvolvimento da indstria nestes ltimos annos, quer seja na Inglaterra, quer na Frana, data especialmente do desenvolvimento que tem tido o estudo das sciencias naturaes.

O SR. JOBIM: Apoiado. O SR. CANSANSO DE SINIMBU': Os estudos

da phisica, e sobretudo da chimica, tem aberto vasto campo para as pretenes de indivduos, independentes da aco do governo.

O SR. JOBIM: E' o que est inteiramente atrasado entre ns.

O SR. CANSANSO DE SINIMBU': Ora, eu desejara que o nobre ministro, em logar de crear uma faculdade ou viveiro de pretendentes para a administrao, levasse especialmente as suas vistas para esse ponto. Sr. presidente, a difficuldade maior que tem um pae na sociedade brasileira a collocao de seus filhos; mas os logares da administrao j tem gente de mais. E fra desses rumos para onde ha de ir a mocidade brasileira? Qual o estado profissional onde possa fazer carreira que lhe seja til e independente? Nenhuma absolutamente.

O nobre ministro, hontem, querendo fazer um elogio, alis merecido, nossa mocidade, que mostra bons desejos de aprender, revelou-nos aqui um facto que ao mesmo tempo uma accusao para o governo. O nobre ministro disse: Alguns moos da escola de medicina, desejosos de applicar-se ao estudo, mandaram comprar sua custa objectos para o laboratrio da faculdade. Senhores, isto o que

demonstra? Demonstra que no temos laboratrio, demonstra que a faculdade no tem os instrumentos necessrios para o ensino de seus alumnos.

O SR. MINISTRO DO IMPRIO: Peo fundos para isso.

O SR. CANSANSO DE SINIMBU': S. Ex. diz que pede fundos para isso; eu lh'os concederei com toda a facilidade quando chegar a opportunidade, mas acredito que no faculdade de medicina smente que precisa de objectos para o seu laboratrio; elles ainda so mais necessrios para a escola central, ramo de servio que no deve por mais tempo estar separado do ministrio do Imprio (apoiados); o meu nobre amigo senador pelo Cear, que hoje no est presente, j o demonstrou em uma das sesses passadas.

No se pde conceber como os estudos que teem por fim a engenharia civil, continuam a estar na dependncia do ministrio da guerra. Isto um contra-senso. (Apoiados).

Eu, pois, Sr. presidente, desejara que o nobre ministro do Imprio antes de pensar no estabelecimento de uma universidade trate de melhor dotar as faculdades existentes, dando maior desenvolvimento aos ramos que interessam s sciencias naturaes. Quanto esto ellas ainda longe de satisfazer as aspiraes do pblico? E isto no obstante, e no manifesto estado de imperfeio em que se acham, j se quer crear uma universidade!

O nobre ministro hontem tratando da creao dos lyceus pelas provncias fez-nos aqui uma alluso, que eu entendo que do nosso dever protestar contra ella. O nobre ministro citou-nos a autoridade de Ernesto Renan, e disse logo: Que no deve ser suspeito aos nobres senadores. Eu no sei qual applicao das palavras do nobre ministro; no creio que o partido liberal tenha jmais renegado de suas crenas religiosas nem que tenha duvidado algum dia da santidade de Christo.

Se no por motivos de doutrinas religiosas, em que outro ponto poder haver applicao?

Ser em relao ao methodo... declaro a V. Ex. que Ernesto Renan pertence mais escola conservadora do que liberal.

O SR. F. OCTAVIANO: Foi combatido por todos os liberaes.

O SR. CANSANSO DE SINIMBU': O que elle deseja concentrar os estudos para pl-os debaixo da dependncia do Estado, e ns queremos que os estudos fiquem disposio dos particulares, a arbtrio das provncias.

Ernesto Renan querendo chamar os lyceus dependncia do Estado no pde servir para o caso que figurou o nobre senador pela Bahia, porque o nobre ministro sabe perfeitamente que nossa administrao no idntica da Frana; alli os departamentos no tem a independncia que tem as nossas provncias. Dizendo-se que nossas provncias podem crear seus lyceus, no se quer dizer que o Estado no tenha certa ingerncia no ensino; ao contrrio, as provncias fazem parte do Estado, so fraces delle, logo ainda mesmo no se concedendo ao governo o direito de fiscalisar esses lyceus, e continuando elles sob a proteco das assemblas provinciaes, no se segue que estejam fra da aco do Estado.

No me alongarei mais sobre este projecto do nobre ministro. Fallarei da reforma eleitoral: no

14 Sesso em 1 de Setembro de 1870

quero analysar o projecto de S. Ex., pois que no se acha pendente de deliberao desta casa, mas quero smente fazer uma pergunta ao nobre ministro: tem S. Ex. esperana de que em certo perodo de tempo possamos obter uma reforma no systema eleitoral?

Sr. presidente, eu vejo quasi o termo dos nossos trabalhos, tenho naturalmente de voltar ao logar de minha habitao, e natural a curiosidade dos meus conterrneos em perguntar-me: O que ha de novo? Est porventura melhorada a nossa condio? Continuaremos a estar proscriptos, continuaremos despojados do direito de voto, entregando nosso destino smente curatella da administrao, ou podemos esperar no futuro alguma cousa? Eu desejava que o nobre ministro me dissesse alguma cousa com que eu pudesse tranquillisar o esprito daquelle povo.

Senhores, eu devia fazer uma queixa ao governo, e fao-a sempre.

Parecia-me, Sr. presidente, que depois das provas de civismo que deu a nossa populao indo vingar a honra nacional em terras estrangeiras, depois da prudncia e moderao, com que ella se portou, resignando-se aos rigores das medidas violentas, que tornaram-se indispensveis, umas vezes por amor da guerra, outras por amor da contenda eleitoral, parecia-me que agora que est terminada a guerra com a mais completa victoria, e o governo no goso da sua conquista, alguma cousa tambm se devia fazer em favor dessa populao. Mas o que que se pretende fazer em favor della? Emquanto aos projectos j expuz minha opinio, e a reforma eleitoral ns no a teremos seguramente porque a sesso est a encerrar-se, e nem mesmo ella est sendo discutida na cmara dos deputados; ser apenas um documento dos bons desejos do nobre ministro, e nada mais.

O nobre ministro, Sr. presidente, foi severo, permitta que lhe diga, e tambm injusto com o partido liberal quando, referindo-se s ltimas lutas eleitoraes, ou ltima eleio, porque luta no houve, disse que o partido no se apresentou por fraqueza. S. Ex. lanou-nos esta exprobrao. Senhores, penoso que nem mesmo os actos que so praticados sob a inspirao de sentimentos nobres, e generosos, possam ser devidamente apreciados pelos adversrios.

Sr. presidente, ha este paiz quem duvide que se o partido liberal, vista das provas que j tinha tido na eleio municipal, quizesse disputar a eleio de eleitores para deputados, dessa luta podiam resultar srios e muito srios embaraos? No attende o nobre ministro que nesta colliso muitos indivduos preferiram talvez a escravido interna deshonra externa, e que foi smente como sacrifcio feito a esta considerao que se submetteram resignados s torturas della? Como, pois, o governo nem ao menos reconhece que nessa absteno do partido liberal houve um sentimento generoso que o inspirou? Como que o nobre ministro condemna o partido liberal, e diz que elle procedeu assim por fraqueza? Pois bem, senhores; foi por fraqueza que o partido liberal no disputou a ltima eleio; mas pergunto ao nobre ministro: vista desta sua exprobrao, vista da m interpretao que deu a esse acto de absteno, pde esperar S. Ex. a renovao de um novo proceder semelhante? No receia o nobre ministro que nos tempos que se aproximam, em que

por fora da nossa constituio se tem de fazer uma nova eleio esse partido injuriado pela exprobrao do nobre ministro, queira disputar as urnas com os recursos que lhe so permittidos? E no receia o nobre ministro os successos que d'ahi podero resultar?

Confesso ingenuamente que se eu estivesse na posio de governo depois das palavras com que o nobre ministro condemnou o actual systema eleitoral na cmara dos deputados no teria descanado nem um dia, nem um momento emquanto no visse passar no parlamento uma refrma desse systema. Sim, Sr. presidente, porque se o nobre ministro no conseguir uma refrma, que possa offerecer garantia ao partido proscripto, arrisca-se a que no dia da luta, esse partido haja de querer apresentar-se ao nobre ministro para que S. Ex. lhe conte o nmero j que at parece pr em dvida a sua prpria existncia? (Apoiados.)

Sr. presidente tocarei de novo em um ponto do qual o nobre ministro occupou-se. Quero fallar da absteno do governo em relao magna questo que interessa a todas as classes da sociedade brasileira; a do elemento servil. Senhores, admissvel que quando os espritos se acham tomados de aprehenso por virtude de uma medida que interessa a todas as classes da sociedade, o governo brasileiro, sem vontade prpria, se mostre como o piloto inerte que deixa o barco ir d la merci des vents et des flots? Entendo que a misso do poder executivo em nosso systema mais elevada. Eu no quero dizer que o poder executivo participe sempre de todas as opinies que existem na cmara dos deputados; mas o que no posso admittir que os membros do poder executivo, ou o governo seja indifferente s opinies que se manifestem naquella cmara. O gabinete deve ter uma opinio negativa, ou affirmativa: se a opinio affirmativa, do seu dever encaminhal-a; se a opinio negativa, ento, Sr. presidente, d-se o conflicto entre a cmara dos deputados, que representa os interesses nacionaes, e a opinio do ministrio, conflicto que por amor da ordem pblica e no interesse do systema que nos rege, convm resolver sob pena de caminhar-se para a anarchia. Onde, em que paiz, jamais se viu, quando se trata de uma questo to importante, fazer poltica a parte desses poderes, para os quaes a harmonia condio essencial de vida?

Senhores, julgam fazer um servio aquelles que se arreceiam dos effeitos da emancipao servil deixando a questo sem soluo? O nobre ministro tem j attendido bem condio em que fica a classe agrcola que depende especialmente do trabalho escravo?

Eu entendo, Sr. presidente, que a peior de todas as solues, desde que a questo circula em todo o Imprio e preoccupa o esprito da nao inteira, no haver nenhuma soluo. Todos os valores que dependem desse elemento esto por assim dizer depreciados, amesquinhados. V. Ex. sabe, Sr. presidente, que o movimento de braos traz sempre uma grande vantagem para o desenvolvimento das indstrias; o instrumento de trabalho que se acha depositado em mos inertes ou sob a direco de uma cabea que o no sabe dirigir, passando pela fora das causas para as mos de outro que tenha mais actividade, melhor direco, d sem dvida em consequncia de seu novo emprego maior somma de productos e

Sesso em 1 de Setembro de 1870 15

augmenta a riqueza do paiz. Mas, Sr. presidente, poder haver um movimento desses, emquanto a lavoura no souber qual o seu destino, qual a sua sorte no futuro? Como, pois, o nobre ministro nos diz que o governo est disposto a deixar esta questo correr revelia, vontade dos particulares? E chama-se a isto governar, senhores?

Creio Sr. presidente, que tenho dito em geral, como prometti, minha opinio cerca dos projectos apresentados pelo nobre ministro. Agora perguntarei a S. Ex. se mesmo sem ter podido converter em lei suas reformas, apenas apresentadas, no seria possvel suavisar o estado da populao, ainda compromettida pelas lutas recentes? Parece-me que no seria trabalho infructifero dar o governo um dia de descano ao povo brasileiro. S assim seria verdadeiramente applaudida a victoria com que a Providncia coroou o herosmo de nossos guerreiros.

O nobre ministro da guerra poderia, por exemplo, aproveitando-se das aptides adquiridas pelos voluntrios no servio dessa longa campanha, mandar proceder a um engajamento para o exrcito, ficando no entretanto dispensado o recrutamento, esse flagello da nossa populao. Ao menos o paiz teria um dia de respiro... Nossos corpos de linha que voltam do theatro da guerra podiam fazer o servio da guarnio que ainda feito pela soffredora guarda nacional, j fatigada por cinco annos de servio continuo. Assim, Sr. presidente, suspendendo-se o recrutamento e dispensando-se o servio da guarda nacional, j o povo teria algum momento de repouso e tranquillidade. Seria esta, senhores, a misso de um governo que quizesse attender para o estado real do paiz, e no se contentasse smente com adornos que embellezam a cpula social. (Apoiados.)

Sr. presidente, o nobre ministro do Imprio podia interpor seus bons auspcios perante o seu collega o nobre ministro da justia, para que recommende a seus delegados que attendam tambm para a escolha das autoridades subalternas encarregadas da polcia, e exeram certa vigilncia sobre o modo por que se faz a administrao da justia. Estas palavras do governo no poderia deixar de influir beneficamente no systema da administrao. Mas, pergunto eu: tem o governo pensado alguma vez a este respeito? Pde mesmo o nobre ministro dar alguma esperana de que o far no futuro? Senhores, declaro que tenho quasi motivos para crer que o governo ainda quando inspirado por bons sentimentos, como alis me apraz attribuir-lhe, quisesse fazer alguma cousa neste sentido, nada poderia conseguir.

Nada podia fazer o governo, Sr. presidente, porque para realisar esse melhoramento seria de mister o concurso de seus delegados, e ns sabemos o que hoje a administrao provincial. O partido conservador se acha montado em um s sentido (este ponto no offerece a menor dvida), quer seja na cmara dos deputados, quer seja nas assemblas provinciaes, quer seja nas cmaras municipaes: logo, os perseguidos no teem um rgo por onde faam subir suas queixas, e mostrar quanto soffrem, porque mesmo relativamente imprensa, os presidentes de provncia procedem como vou dizer ao nobre ministro. Chamam para seus gabinetes, a ttulo de officiaes de gabinete, um pessoal de sua confiana, afim de lhes preparar a opinio; assallariam a imprensa de mais circulao na provncia, pagando-lhes generosamente

a mesquinha publicao dos actos officiaes; por este modo estabelecem o monoplio dessa mesma opinio; mas ainda no tudo, ainda preciso ganhar uma outra opinio aqui na Crte, e ento o official de gabinete o correspondente activo do Jornal do Commercio, em cujas pginas, sempre abertas a essas correspondncias, pde descrever os factos da provncia a seu talante e segundo as cres de seu partido. Quasi sempre por essas correspondncias que se conhecem os actos e as intenes confessveis desses administradores.

O SR. CUNHA FIGUEIREDO: E' de um e outro lado.

O SR. CANSANSO DE SINIMBU': Os do outro lado pagam, e nem todos podem pagar, e basta uma s palavra para os tirar da lia: so suspeitos; e exagerao; esto apaixonados. Mas a opinio formada pelas correspondncias dos officiaes de gabinete, e nellas que muitas vezes se frma a opinio do governo. Neste caso o que se pde esperar de melhoramento? Como que o governo, ainda mesmo querendo fazer o bem, pde fazel-o se elle ignora os males?

Senhores, eu exprimindo-me assim no quero fazer injustia a nobres e distinctos caracteres que se acham encarregados da publica administrao em algumas provncias.

Seria sobre maneira injusto se nesta descripo que fao quizesse contemplar a todos, e no tivesse o prazer de dizer que ha com effeito raras, mas honrosas excepes; mas em geral e particularmente nas provncias pequenas, s quaes pouca importncia se d, esse o facto e vou apresentar uma prova ao nobre ministro. Eu espero provar a S. Ex. que um acto seu, foi talvez contra sua inteno, praticado de um modo que no quero, que no desejo mesmo qualificar.

Sr. presidente, o senado ha de estar naturalmente fatigado de ouvir-me fallar, sobre os negcios de uma pequena localidade. E' uma fraqueza minha, senhores; mas eu amo o meu torro natal, no posso deixar de advogar seus interesses, por mesquinhos que paream aos olhos desta augusta corporao, (apoiados): e alm disto tenho tanto conhecimento dos factos que alli se praticam que posso falar delles com toda a autoridade e com toda a convico.

O nobre Sr. ministro do Imprio se lembrar sem dvida que neste mesmo logar em que nos achamos, em uma das sesses do anno passado tive de occupar-me do modo porque as eleies se tinham feito na provncia das Alagas e especialmente na cidade e freguezia de S. Miguel dos Campos. O nobre ministro sabe da insistncia com que eu, defendendo os interesses daquella localidade, demonstrei que a nica eleio verdadeira, a nica que se tinha feito, era a do partido liberal, e que a outra tinha sido uma inveno. Ento, Sr. presidente, ambas as eleies parochiaes foram annulladas. S. Ex. no deu preferncia a nenhuma dellas, sujeitou o pleito a nova prova, e novas eleies se fizeram naquella localidade, no me achando eu presente; cheguei poucos dias depois.

Senhores, o partido liberal de S. Miguel dos Campos, que tinha conscincia de sua fora, no exigiu do presidente da provncia seno um favor e foi a presena do chefe de polcia para testemunhar como as cousas se passariam naquella localidade.

16 Sesso em 1 de Setembro de 1870

Creio que nisto houve uma prova da sinceridade com que se desejava proceder. A presidncia satisfez a essa requisio.

A presidncia satisfez esta requisio, mandando no smente o chefe de polcia, como o numeroso destacamento de 50 praas, com ordem de chamar os destacamentos de outros municpios, quando fosse assim preciso. Mas havia nisto um manejo, bem o conheciam os liberaes; tinha sido reprovada a eleio de eleitores pela cmara dos Srs. deputados, e ento a mesa que devia funccionar na nova eleio tinha, com sua deciso arbitrria, de impor a lei aos que haviam de votar, recusando o mesmo direito aos seus adversrios. A presidncia, satisfazendo aos desejos dos liberaes, mandando o chefe de polcia, tinha certeza de que favorecia seus alliados, porque, desde que a deciso da mesa era arbitrria, e da qual no ha appellao alguma, claro que o empenho da autoridade devia consistirem fazer com que se tornasse effectiva essa deciso. Este foi o motivo porque to promptamente foi mandado o chefe de polcia e a fora que o acompanhou.

Mas o veneno do liberalismo tinha invadido mesmo o corpo eleitoral, apparentemente feito pelos seus adversrios. Na vspera da eleio, quando o chefe de polcia exigia do partido liberal smente, como condio, a sua resignao aos actos da mesa, verificou-se que a mesa j no pertencia ao partido conservador; sabido isto, o que fizeram os agentes policiaes do governo? No dia seguinte em logar de irem igreja designada, igreja matriz onde se achava o prprio chefe de polcia, foram para uma capella, logar separado, e alli fizeram a sua falsa eleio. Desta vez ao menos alli estiveram reunidos durante o tempo em que se demorou o chefe de polcia, o que no se dera nas eleies anteriores, porque nem essa reunio houve, e ainda menos no logar designado na acta, como aqui evidentemente provei.

Devo ser justo; vieram ainda estas eleies ao conhecimento do governo e o nobre ministro reconheceu como verdadeira a eleio do partido liberal.

Mas, Sr. presidente, o ponto sobre que desejo chamar a atteno do nobre ministro diverso do que acabo de dizer, comquanto se prenda a isto. Quando demonstrei a falsidade de uma dessas eleies, eu tive de occupar-me desta matria; exhibi aqui um documento, pelo qual se demonstrava que o delegado de polcia e o subdelegado eram os autores de uma eleio evidentemente falsa. Este documento consistia em uma justificao, para a qual tinham sido notificados os prprios denunciados. No quizeram elles comparecer perante o juiz para assistir inquirio de testemunhas; mas foram ellas inquiridas, e o juiz julgou por sentena em favor do peticionrio, declarando que a eleio feita pelo delegado e subdelegado era conhecidamente falsa, alm de outras razes, por se dizerem feitas em uma capella, onde effectivamente nunca tal reunio houve, como declararam as testemunhas e depois o sacerdote encarregado da freguezia.

Ora, provado isto, como consegui provar, o que teria feito um governo que presasse os princpios? Naturalmente teria declarado ao seu delegado na provncia, ao presidente della, que demittisse essas autoridades, porque eram incapazes de ser autoridades, pessoas que para extorquir direitos seus

concidados ousavam affirmar em pblico um facto que no tinham praticado...

O SR. F. OCTAVIANO: E que o governo reconheceu ser falso.

O SR. CANSANSO DE SINIMBU': ...que o mesmo governo reconheceu ser falso, porque no lhe deu sua approvao.

Mas longe disto, no smente essas autoridades so ainda conservadas, como ainda (e do que mais me queixo) o actual delegado de polcia acaba de ser nomeado vice-presidente da provncia!

Senhores, teremos ns hoje no mundo dous cdigos de moral, um para os actos pblicos, e outro para os que forem privados? O nobre ministro em qualquer condio em que se considere, fora da condio official, poderia dar sua confiana, poderia investir de autoridade uma pessoa que tivesse sido averbada de ter produzido uma acta falsa?

O SR. F. OCTAVIANO: No lhe apertaria a mo. O SR. CANSANSO DE SINIMBU': Fao justia

ao seu caracter, no lhe daria a mo a apertar; entretanto S. Ex., naturalmente por mal informado, nomeou vice-presidente da provncia ao delegado que assim praticou.

Ainda mais: era preciso vingana contra o partido vencedor, e esta vingana foi permittida; o governo, sem o pensar talvez, como que a preparou. Quando ainda eu me achava na provncia, dizia-se que esse mesmo indivduo, hoje galardoado com honras de vice-presidente, seria tambm nomeado commandante superior da guarda nacional daquella localidade, onde, apezar de j ser delegado de polcia, fra vencido.

Sr. presidente, ainda mesmo que esse facto, a que acabo de alludir, no tivesse sido provado, a circumstancia de haver esse cidado demonstrado por duas vezes repetidas que a sua qualidade de autoridade policial no lhe tinha valido para merecer o conceito de seus parochianos, esta circumstancia seria bastante por si s para arredal-o de qualquer cargo da administrao. Como, pois, se vae pr em suas mos um novo instrumento para vinganas?

Desejo que V. Ex. me mande trazer o relatrio do nobre ministro do Imprio. (Foi satisfeito.)

Sr. presidente, tinha lido no relatrio do nobre ministro do Imprio algumas palavras que me despertaram uma viva sympathia, porque tudo quanto mostrar sentimentos de benevolncia para com as classes desprotegidas da sociedade, no pde deixar de inspirar-me verdadeira sympathia. O nobre ministro tinha manifestado estes sentimentos nas seguintes palavras que vou ler:

Nestes manejos para deslocar direitos de uns, para ter a chapa do eleitorado (e isto o que mais me impressiona) soffrem as classes menos illustradas, mais numerosas e desfavorecidas da fortuna, que devem em toda a parte merecer a solicitude dos mais felizes na sociedade, e tem todo o direito vigilante proteco das leis e das autoridades.

Digo que me mereceram sympathia estas palavras do nobre ministro, porque desejo muito que nos homens investidos da governao do Estado a cabea nunca esteja muito longe do corao; desejo que as duas qualidades, razo e sensibilidade, se equilibrem, porque s do equilbrio dellas que poder resultar a prtica da justia e observncia dos princpios da equidade.

Sesso em 1 de Setembro de 1870 17 Ora, pensando eu assim, tinha-me animado de

consolao, quando li as palavras do nobre ministro; mas esto estas palavras de accordo com o acto j denunciado? No receia o nobre ministro que naquella infeliz localidade se verifiquem as apprehenses que manifestou em seu relatrio quando disse que (lendo) o interesse de partido determina a mxima parte dos actos nas localidades, ou com relao a elle; quem d a norma para a aco policial: quem detalha o servio da guarda nacional; quem indica os mais aptos para o servio do exrcito e armada e tudo com a mira nas futuras eleies, ou na liquidao do crdito e dbito em que cada votante ficou nas anteriores? E, pergunto ao nobre ministro: esta verdade se compadece com os actos do governo? O nobre ministro vae ver os effeitos desta tolerncia, ou antes deste incentivo para os crimes e abusos.

Repugna-me, Sr. presidente, entrar em tudo quanto discusso pessoal. E' com grande repugnncia que me vejo forado muitas vezes a entrar nellas; mas tenho um dever de representante da nao, que me obriga a este sacrifcio, e eu no sei ainda transigir com meus deveres.

Deu se o seguinte facto em um dos districtos da minha visinhana habitual. Em um dia deste anno, um desvalido da fortuna, desses a que alludiu o nobre ministro, estava tranquillo em sua rstica habitao, quando se viu sorprendido por uma escolta de polcia, tendo sua frente dous inspectores de quarteiro armados, de rewolveres. O pretexto da diligencia era ridculo; era a imputao de furto de algodo, que em caso algum podia permittir a priso. O homem, sorprendido com a presena da escolta, fez aquillo que indicava seu bom instincto; procurou evadir-se; atirou-se por uma porta e ao sahir recebeu um tiro de rewolver e foi ferido; atravessou um riacho que lhe ficava em frente; mas receando morrer desamparado no matto, preferiu entregar-se aos seus perseguidores. Com effeito, voltou ferido apresentou-se e foi conduzido preso para a cidade de S. Miguel.

Alli foi pelo delegado de polcia (vice-presidente nomeado) interrogado sobre o facto; elle o expoz com toda a fidelidade; chamou em seu apoio o testemunho da prpria escolta que o levava, e esta confessou que o facto se havia dado como o denunciava a victima. Sorprendido o delegado de polcia com o procedimento dos inspectores de quarteiro, permittiu a soltura do homem; mas a permettiu com a condio de que no dissesse cousa alguma a outra pessoa; que sahisse s occultas da cidade para no ser visto, fazendo-lhe ver que tinha perseguidores poderosos, e que dessa revelao poderia sobrevir-lhe maior mal.

O homem sahiu com effeito solto; a causa do supposto crime era ridcula, como j disse. Mas melhor aconselhado, em logar de resignar-se ao silncio, como lhe havia imposto a primeira autoridade policial do termo, julgou do seu direito apresentar-se ao juiz municipal, pedindo-lhe que mandasse fazer corpo de delicto, e dando sua queixa. O juiz municipal, que naturalmente no ser reconduzido, porque a nica vlvula que ainda tem os offendidos em casos semelhantes, recebeu a queixa. Fez-se o corpo de delicto; instaurou-se o processo, e os agentes do crime foram pronunciados em tentativa de morte. O facto era to escandaloso que, apezar de pertencer o juiz de direito daquella comarca parcialidade

do delegado, consta que consultado, (no posso affirmal-o), declarou promptamente que no daria recurso, porque a verdade estava evidentemente provada. Creio que o crime est ainda dependente do julgamento do jury; ignoro qual tenha sido o resultado desse julgamento.

Mas pergunto eu, Sr. presidente: admissvel que um delegado de polcia perante quem vae uma parte offendida expr sua queixa contra seus aggressores, sendo esses agentes dessa mesma autoridade a aconselhe a guardar silncio, ameaando-a at de maior perseguio, se revelasse o que soffreu? E' isto justia? E' isto polcia, Sr. presidente? Em que paiz vivemos?

Referirei ainda outro facto, do qual j fizeram meno at os jornaes desta Crte. Em um engenho da minha visinhana haviam procurado abrigo muitos desvalidos do serto, foragidos pela secca de que foi victima uma parte da provncia. Eram homens casados, paes de famlia; ahi viviam mansamente quando de repente foram cercados e presos cinco, sendo uns doentes, manifestamente incapazes do servio militar e outros casados e com filhos, todos reduzidos maior pobreza; no obstante allegarem todas as razes, foram conduzidos para uma priso d'ahi a quatro lguas, e (o que mais) justamente quando dentro da cidade lavrava com intensidade a peste da bexiga, que assolou aquella populao. Estes miserveis, aoutados pela fome, haviam procurado um abrigo na propriedade de um homem philantropico; mas em vez de abrigo acharam a priso e a peste! O digno proprietrio do engenho, vendo que o mal feito quelles desgraados no era seno vingana exercida contra elle mesmo, foi capital da provncia, fez a exposio do facto ao presidente, o qual immediatamente os mandou soltar, sem mesmo audincia das autoridades policiaes; tanto reconheceu que o acto era injusto.

Mas, senhores, est feito tudo? Esses homens foram com effeito soltos, voltaram; mas as autoridades policiaes continuam ainda; o que que se deve esperar da continuao deste estado?

E quer ainda o nobre ministro uma prova das vinganas que alli se exercem? Eu vou lh'a dar.

Um dos mesrios que, adherindo ao partido liberal, fez parte da mesa na occasio das ltimas eleies, era tambm membro da junta de qualificao no comeo do corrente anno. Era mister exercer uma vingana contra esse homem, e foi elle designado para o servio da guarda nacional. Allegou o impedimento que tinha como membro da junta; mas sabe V. Ex. qual foi o resultado? Foi preso e algemado, e, depois de um curso de 24 lguas, remettido para a capital. Devo ser justo; o presidente da provncia, logo que soube do facto, imediatamente restituiu-o liberdade, mandou-o voltar para seus trabalhos. Mas eu entendo que a justia no foi completa; porque no s ficaram impunes os actos que denuncio, como continuam nos cargos aquelles que os praticaram. O que se pde esperar da continuao de tal estado? Quem serio os verdadeiros e nicos responsveis dos males que se nos antolham, continuando isto assim? Posso ter esperana de ver posto um termo a esta marcha desastrosa, quando nos actos do governo parece-me enxergar um propsito de aggraval-a mais?

Infelizmente acontece em relao ao governo o mesmo que nos acontece na esphera individual: o

18 Sesso em 1 de Setembro de 1870

povo julga-nos mais pelo que parecemos, do que por aquillo que na realidade somos. Assim , Sr. presidente, que em outro acto do governo descubro ainda motivos para minhas apprehenses.

Esforamo-nos por quebrar as pas da compresso pedindo a extinco da guarda nacional; o governo as refora com novas creaes. Assim que o municpio de S. Miguel de Campos, que deve ser consagrado vingana de seus adversrios, esteve por muito tempo sem ter um batalho da guarda nacional da reserva; o commandante do batalho que alli existe um conservador que sempre foi conservado at hoje, mesmo durante as administraes passadas. Mas era preciso estender-se malha de modo que a rede pudesse attingir aos prprios cidados que no so do servio activo, e por isso dizem que se acaba de crear uma seco da reserva para essa localidade, isto , para que no smente o commandante superior e o commandante do batalho continuem a ter aco directa sobre os homens activos, mas ainda para que os da prpria reserva, os invlidos no escapem ao furor da perseguio.

Digo, Sr. presidente, que, seno tivesse ainda f na moralidade dos homens que governam; seno tivesse ainda confiana no jogo das nossas instituies, eu desejaria que nomeaes como essas de que tenho fallado se repetissem, se fizessem no smente para a minha provncia, mas para todo o Imprio, porque ento, dahi talvez pudesse resultar que todos os homens do partido liberal que ainda tem uma fraco de autoridade (fraco honorifica, porque no ha nenhum que a tenha activa ou em exerccio) viessem depr nas mos do governo esses fragmentos, e assim livres de toda responsabilidade, se lanassem nas fileiras do povo afim de compartilhar com elle seus soffrimentos e suas desgraas. Assim talvez se approximaria o dia em que se houvesse de reivindicar nossas liberdades to ignominiosamente conculcadas. (Muito bem.)

O Sr. Ministro do Imprio, pronunciou um discurso que publicaremos no Appendice.

Ningum mas pedindo a palavra, ficou encerrada a discusso, e retirou-se o Sr. ministro com as mesmas formalidades com que fra recebido.

Votou-se sobre o art. 2 e seus paragraphos. Foram approvadas as emendas e os paragraphos

que no tinham emendas.

ORAMENTO DA JUSTIA Seguiu-se a discusso do art. 3 relativo ao

ministrio da justia. O Sr. Zacarias pronunciou um discurso que

publicaremos no Appendice. O SR. BARO DE MURITIBA (Ministro da

Guerra): O senado comprehende que no devo envolver-me em muitas das questes suscitadas pelo honrado senador que acaba de sentar-se. O que me cumpre dar resposta a algumas das perguntas que S. Ex. me dirigiu e vou fazel-o com toda a brevidade possvel.

Lendo um jornal do dia, o nobre senador perguntou se eu no tinha tomado alguma medida para que se no creassem comarcas na provncia de Minas. S. Ex. fallou em uma confuso de limites dos

differentes termos, em uma nova diviso judiciria, e accrescentou logo que tinha por um direito das assemblas provinciaes fazerem a diviso judiciria como entenderem mais conveniente; que nisto no tinha de intervir o governo geral; mas tambm o nobre senador no deixou de dizer que alguma cousa devia fazer o governo, talvez por meios indirectos, por meio de recommendaes dirigidas ao presidente da provncia para que as divises judicirias fossem feitas de modo que no recahissem as divises de comarcas sobre o thesouro pblico.

Eu no tenho conhecimento do projecto a que alludiu o honrado senador; ouvi smente a leitura que o nobre senador acaba de fazer no senado; no recebi ainda do presidente da provncia informao a semelhante respeito; mas por essa simples leitura vejo que a confuso que argiu o nobre senador ao projecto da assembla provincial no existe com effeito; que apenas houve rectificao de alguns limites que no estavam bem traados e a restaurao de uma ou duas comarcas supprimidas pela assembla anterior a que est funccionando; no h portanto esse desvio que enxergou o nobre senador pela Bahia no procedimento que teve a assembla provincial de Minas.

O que se est fazendo agora tem se feito em outras occasies, e o governo em todos os tempos reconhecendo que no tinha o direito de intervir directamente naquillo que das attribuies das assemblas provinciaes, tem se limitado a recomendar a seus delegados nas provncias que empreguem sua influncia para que no se multipliquem as comarcas e venha pesar sobre o thesouro o nus dessa creao. O que mais se fez? Smente chegou-se a no approvar desde logo a creao dessas comarcas no sentido de no provel-as immediatamente de juizes de direito, no porm annullando, como no podia annullar a creao feita pela assembla provincial. O presidente da provncia de Minas tem essa recommendao a respeito da creao de comarcas, e creio que, seno achar justa a restaurao daquellas a que se refere o projecto, no deixar de applicar suas vistas a este assumpto. Tenho assim respondido primeira pergunta que me dirigiu o nobre senador pela provncia da Bahia.

A segunda pergunta versou sobre a resoluo que se devera dar consulta do conselho de estado sobre o contrato feito com o Dr. Augusto Teixeira de Freitas para organisao do cdigo civil. Perguntou o honrado senador porque no se resolveu esta consulta. Respondo-lhe com aquillo que disse o nobre ministro da repartio em que estou interinamente servindo, mas asseguro ao nobre senador que em tempo competente alguma resoluo se ha de tomar definitivamente sobre este objecto.

Uma terceira pergunta me dirigiu o nobre senador, ou antes uma accusao fez elle polcia da Crte em consequncia do desagradvel facto, que se deu naquella repartio em dias do mez anterior. O nobre senador fulminou com todas as foras o acto praticado, e ao mesmo tempo irrogando-se em poder apreciador do facto que est em tela judiciria, condemnou immediatamente a sentena dos juizes...

O SR. ZACARIAS: Quem fallou nisso? O SR. MINISTRO DA GUERRA: ...que tomaram

conhecimento desta questo.

Sesso em 1 de Setembro de 1870 19 Digo que condemnou porque o nobre senador

apresentou o facto pela maneira porque lhe pareceu dizendo que era um escndalo; que a polcia tinha procedido da maneira a mais inconveniente; entretanto se houve occasio em que a polcia procedesse com severidade e rigor foi justamente nessa...

O SR. SILVEIRA DA MOTTA: No senhor. O SR. MINISTRO DA GUERRA: ...porque, desde

que o chefe de polcia