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ANAIS DO 2º SEMINÁRIO SOBRE ENVELHECIMENTO SOCIAL DIREITOS SOCIAIS E SOCIEDADE GOIÂNIA-GO 04 a 06 de outubro de 2016

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ANAIS DO 2º SEMINÁRIO SOBRE

ENVELHECIMENTO SOCIAL

DIREITOS SOCIAIS E SOCIEDADE

GOIÂNIA-GO

04 a 06 de outubro de 2016

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APRESENTAÇÃO

Nas últimas décadas, uma importante reconfiguração demográfica tem se

constituído na sociedade brasileira, com a forte redução das taxas de natalidade e

mortalidade conjugadas com o aumento da esperança de vida. Esse novo cenário tem

levado ao aumento da população idosa no cômputo geral da sociedade, constituindo uma

nova realidade na estrutura etária, com o decréscimo da população infanto-juvenil, o

aumento da população adulta e um forte crescimento da população idosa.

Este Seminário tem por objetivo debater problemas vinculados ao envelhecimento

social presente na sociedade brasileira, a partir de uma visão mais global do processo de

envelhecimento social, servindo de subsídios para um maior entendimento desse

processo, suas consequências e as exigências que se fazem, do ponto de vista social,

político e econômico para que esta parcela da sociedade possa usufruir de um

envelhecimento saudável.

Este Seminário é uma realização institucional da Faculdade de Ciências Sociais

(FCS) e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS), através da Linha de

Pesquisa Trabalho, Emprego e Sindicatos, e do Núcleo de Estudos sobre o Trabalho

(NEST), no contexto das atividades de pesquisa envolvendo proteção social,

envelhecimento e aposentadoria.

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Comissão Organizadora

Revalino Antonio de Freitas (FCS/UFG – Coordenador)

Carlos Eduardo Henning (FCS/UFG)

Marta Rovery de Souza (IPTSP/UFG)

Ana Raquel Aires Ribeiro Fernandes (FCS/UFG)

Adriane Geralda Alves do Nascimento Cezar (PPGS-FCS/UFG)

Danilo Herbert Queiroz Martins (PPGS-FCS/UFG)

Fabiani da Costa Cavalcante (PPGS-FCS/UFG)

Fleide Wiliam Rodrigues Alves (PPGS-FCS/UFG)

Joelena de Jesus Mendes (PPGS-FCS/UFG)

Leila Silva de Moura (PPGS-FCS/UFG)

Leonardo César Pereira (PPGS-FCS/UFG)

Luciene Correa de Oliveira Santos Luz (PPGS-FCS/UFG)

Marco Aurélio Pedroso de Melo (PPGS-FCS/UFG)

Reycilane Carvalho Chadud (PPGS-FCS/UFG)

Comissão Científica

Adriane Geralda Alves do Nascimento Cezar (PPGS-FCS/UFG)

Danilo Herbert Queiroz Martins (PPGS-FCS/UFG)

Joelena de Jesus Mendes (PPGS-FCS/UFG)

Leila Silva de Moura (PPGS-FCS/UFG)

Luciene Correa de Oliveira Santos Luz (PPGS-FCS/UFG)

Marco Aurélio Pedroso de Melo (PPGS-FCS/UFG)

Revalino Antonio de Freitas (FCS/UFG)

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SUMÁRIO

1 - Leila Silva de Moura

ARTIGO -Um Olhar Sociológico sobre Espaço e Tempo na Relação entre Idosos(as) e a

Tradicional Festa Religiosa de Trindade

____________________________________________________________________ 05

2 - Beatrice Cavalcante Limoeiro

ARTIGO - Direitos, Cuidados e Independência: Políticas Públicas para Idosos na Cidade

do Rio de Janeiro

____________________________________________________________________ 20

3 - Adriane Geralda Alves do Nascimento Cézar

ARTIGO - Trabalho, Proteção Social e Envelhecimento: Uma Abordagem Social e de

Indicadores no Brasil

____________________________________________________________________ 33

4 – Sirlene Maria de Oliveira

ARTIGO - Trabalho Docente, Saúde Mental e Aposentadoria

____________________________________________________________________ 48

5 – Fernanda Rougemont

ARTIGO - A Medicina Anti-aging no Brasil: Controvérsias, Demandas e Caminhos em

Busca da Longevidade Saudável

____________________________________________________________________ 62

6 – Débora Alves Lopes Vieira e Anatale Lucyen Alves de Moreira Castilho

ARTIGO - Envelhecimento e Depressão: uma Análise dos Fatores que Contribuem para

essa Ocorrência

____________________________________________________________________ 81

7 – Danilo Herbert Queiroz Martins

ARTIGO - Desigualdades, machismo e racismo no mercado de trabalho de idosos no

Brasil

____________________________________________________________________ 97

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UM OLHAR SOCIOLÓGICO SOBRE ESPAÇO E TEMPO NA RELAÇÃO

ENTRE IDOSOS (AS) E A TRADICIONAL FESTA RELIGIOSA DE

TRINDADE

Leila Silva de Moura

Doutoranda PPGS-FCS-UFG

[email protected]

Resumo: As pessoas idosas passaram, nas últimas décadas, a serem vistas como um

grupo social diferenciado, na sociedade. Aqui, o objeto de estudo são: idosos (as) que

frequentam, anualmente, a tradicional festa religiosa de Trindade, em Goiás. O interesse

não é analisar as crenças ou ritos em si, mas refletir a relação entre idosos (as) e os

significados simbólicos dessa festa religiosa em contraste com um ambiente inóspito para

grande parte de idosos (as), que todo ano participa desse evento religioso. Esses

significados poderão explicar a estreita relação entre esse grupo social e a festa religiosa.

Festa essa que ocorre em um ambiente sem a estrutura física que comporte milhões de

pessoas que a visitam, anualmente. Émile Durkheim, em sua obra: As formas elementares

da vida religiosa, afirmou que a religião não se resume somente nas crenças e ritos, pelo

contrário, carrega em si muitos fenômenos que se relaciona com a sociedade e a cultura.

“A religião ultrapassa, portanto, a ideia de Deuses ou de espíritos e, por conseguinte, não

pode definir-se exclusivamente em função dessa última”. (Durkheim, 1989, p. 67). Um

dos objetivos deste estudo é compreender o significado desse momento religioso para

essas pessoas idosas que visitam a cidade de Trindade todos os anos. O outro objetivo é

analisar o ambiente em que esta festa é realizada: como é o espaço em que estes sujeitos

convivem, se alimentam, descansam, se higienizam durante sua passagem pela cidade de

Trindade? Existe uma estrutura de acolhimento, cuidados e aconchego aos idosos (as)?

Palavras-chave: Envelhecimento; Tempo; Espaço; Trindade.

INTRODUÇÃO

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As pessoas idosas passaram, principalmente nas últimas décadas, a serem vistas

como um grupo social que necessita de cuidados e maior atenção. No Brasil, os idosos

tem sido um foco frequente em meio à sociedade devido sua relação direta com o tema

da aposentadoria. Aqui, não é diferente, pois a temática do Envelhecimento Social se faz

presente e se relaciona com cultura, religião e desigualdades. O objeto de estudo, portanto,

são os idosos (as) que visitam, anualmente, a tradicional festa religiosa de Trindade, em

Goiás. O interesse não é analisar as crenças ou ritos em si, mas refletir a relação entre

idosos (as) e os significados simbólicos dessa festa religiosa em contraste com um

ambiente inóspito para grande parte deles, que todo ano participa desse evento religioso.

Esses significados poderão explicar a estreita relação entre esse grupo social e a festa

religiosa. Este texto é parte de um trabalho de pesquisa que teve início em 2015. Essa

pesquisa teve como objetivo compreender a importância da Festa de Trindade na vida de

idosos que todos os anos a visitam, religiosamente. Nesse contexto, foi interessante para

a pesquisa incluir, também, a realidade que envolve a relação entre esses idosos e a cidade

de Trindade, em uma perspectiva de espaço físico: condições de acomodações, higiene,

alimentação e acessibilidade. Por meio dos conceitos de Tempo e Espaço a pesquisa

contribui para a construção de um cenário que retrata a vivência e subjetividades na

relação entre um grupo social específico e um evento religioso que anualmente recebe

milhões de visitantes, na cidade de Trindade, em Goiás.

A pesquisa foi realizada nos primeiros semestres de 2015 e 2016, durante a

tradicional festa de Trindade. Ocorreram observações e entrevistas. As observações se

concentraram na temática do Espaço, ou seja, a relação de idosos com o meio ambiente.

O envelhecimento é um fenômeno natural que faz parte da vida de todos que se

mantêm vivos. Essa fase da vida, no entanto, é vivida de forma diferenciada de acordo

com a classe social, os valores, os costumes, a religião e outros elementos que podem, de

alguma forma, caracterizar o processo de envelhecimento de cada pessoa. Nesse sentido,

é importante, ao estudar esse tema, apropriar-se da realidade que envolve as pessoas que

vivem essa fase do envelhecimento. “As faixas etárias e as categorias sociais delas

oriundas são criações sócio culturais”. (Groppo, 2010, p. 20)

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Hoje, é impossível refletir o envelhecimento sem retomar ao tema da proteção

social. As pessoas idosas passaram, nas últimas décadas, a serem vistas como um grupo

social diferenciado, na sociedade. No Brasil, foi instituído, legalmente, o estatuto do

idoso1 em 1º de outubro de 2003: contribuindo ainda mais para a reflexão sobre um grupo

social que merece respeito, dignidade, cuidados e atenção.

Segundo gráfico a seguir, é evidente que a população idosa, no Brasil, tende a

aumentar nas próximas décadas. Segundo essa previsão o número de idosos deverá

aumentar consideravelmente em 2050, podendo chegar a 29,7 % da população total.

O poder público, de um modo geral, deve proporcionar a esse grupo de pessoas

maior proteção social: principalmente àquelas pessoas idosas, que por toda uma vida

1 Art. 1o É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou

superior a 60 (sessenta) anos. Art. 2o O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei.

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trabalharam e receberam injustamente um mísero salário e depois de se tornarem idosas

recebem uma mísera aposentadoria. Para Freitas, o pouco valor da aposentadoria de

grande parte dos brasileiros é tudo que possuem para a sobrevivência, por isso, muitos

optam a continuar a trabalhar para manter as despesas, cada vez maiores, com remédio,

alimentação e outros. “(...) trabalhadores que se encontram em empregos precários e de

baixa remuneração, e que constituem a maioria, é a única garantia possível (...)

trabalhadores inseridos em empregos de melhor qualidade e maiores salários, o sistema

incentiva a busca de cobertura complementar da proteção social (...)” (Freitas, 2012, p.06)

O envelhecimento como um conceito surge na atualidade, surge, também, como

um tema emergente e significativo. Isso ocorre porque, como o Brasil tem enfrentado um

constante crescimento do número de pessoas idosas, nas últimas décadas. E, é a partir do

desenvolvimento do conceito de envelhecimento no âmbito social é que a sociedade passa

a refletir a realidade dos idosos relacionando-a com a história, a economia, a política e a

cultura.

A compreensão sobre os idosos (as), na sociedade, tem ganhado um importante

lugar nas deliberações sociais e políticas, no âmbito do cotidiano. Em muitos Estados

brasileiros são reservados assentos prioritários para esse grupo em diferentes contextos

urbanos e também no que se refere à mobilidade, bem como outros benefícios culturais e

de lazer para os mesmos. No entanto, isso não ocorre de forma homogênea e nem de

forma universal. Na prática: considerando todo o país, são poucos os Estados que

priorizam esse tema. “A história da proteção social pode ser entendida sob vários

enfoques, tomando-se por base o contexto social, econômico e político de cada época e

de cada sociedade em particular”. (Nascimento, 2014, p. 02)

Segundo a concepção da Organização Mundial da Saúde sobre o Envelhecimento

- O relatório mundial de envelhecimento e saúde, (2015) - pode ser pensado como: 70

não é o novo 60 - mas poderia ser uma suposição que vai contra os equívocos negativos

associados ao envelhecimento é que as pessoas mais velhas, hoje, possuem saúde melhor

em relação aos seus pais ou avós. Isto é somado ao dizer que “70 é o novo 60”. Embora

superficialmente positiva essa suposição carrega um gosto amargo. Se hoje os adultos

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maiores de 70 anos possuem a mesma saúde que os adultos maiores de 60 anos do

passado, pode-se concluir que os adultos maiores de 70 anos de hoje estão em melhor

posição para se defenderem sozinhos e, portanto, há menos necessidade de ação política

para ajudá-los. O relatório mundial de envelhecimento e saúde embora haja uma forte

evidência de que os adultos maiores estão vivendo mais tempo, principalmente em países

de alta renda, a qualidade desses anos extras não é clara.

A OMS destaca que além disso, as tendências dentro de diferentes subgrupos de

uma população podem ser muito distintas. Uma análise feita pela OMS de pessoas

nascidas entre 1916 e 1958 que participam de diversos estudos longitudinais sugeriu que

mesmo que a prevalência de deficiência grave (que exige ajuda de outra pessoa para

realizar atividades simples, como comer e tomar banho) pode ter diminuído, não há

mudanças significativas na prevalência de deficiência menos grave. Embora 70 não

aparente ser o novo 60, não há nenhum motivo por que isso não possa se tornar uma

realidade no futuro. Porém, torná-lo uma realidade exigirá muito mais ações de saúde

pública concentradas no envelhecimento. Visão prospectiva, não retrospectiva.

Outras grandes mudanças sociais estão ocorrendo junto com o envelhecimento da

população. Combinadas, a elas podem significar que envelhecer no futuro será muito

diferente das experiências de gerações anteriores. Por exemplo, a urbanização e a

globalização foram acompanhadas pelo aumento da migração e desregulamentação dos

mercados de trabalho. Para os adultos maiores com competências desejáveis e

flexibilidade financeira, estas mudanças criam novas oportunidades.

Outros podem ver gerações mais novas migrando para áreas de crescimento,

enquanto são deixados em áreas rurais mais pobres, sem as estruturas familiares e redes

de segurança sociais às quais, tradicionalmente, poderiam ter sido capazes de recorrer em

busca de apoio. As normas de gênero também estão mudando em várias partes do mundo.

No passado, o papel fundamental das mulheres era o de cuidadoras, tanto de crianças

como parentes mais velhos. Essa participação restritiva a força de trabalho remunerada

proporcionou consequências negativas a elas, incluindo maior risco de pobreza, menos

acesso aos serviços de saúde de alta qualidade e de assistência social, maior risco de

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abuso, problemas de saúde e acesso reduzido às pensões. Hoje, as mulheres estão cada

vez mais desempenhando outras funções, que as proporciona mais segurança em idades

mais avançadas. Porém, essas mudanças também limitam a capacidade das mulheres e

famílias de fornecer cuidado para os adultos maiores que precisam.

A OMS afirma que junto com os números rapidamente crescentes de pessoas mais

velhas que podem precisar cuidados, os modelos antigos de cuidados à família

simplesmente não são sustentáveis. A mudança tecnológica também está acompanhando

o envelhecimento da população e cria oportunidades nunca antes disponíveis. Por

exemplo, a Internet pode permitir conexão contínua para a família, apesar da distância,

ou acesso a informações que podem orientar o auto cuidado de uma pessoa mais velha ou

prestar apoio aos cuidadores. Os recursos de apoio, como aparelhos de audição, são mais

funcionais e acessíveis do que no passado, e os dispositivos portáteis fornecem novas

oportunidades para o monitoramento e cuidados de saúde personalizados.

Essas mudanças sociais e tecnológicas significam que as políticas não devem ser

orientadas por modelos sociais ultrapassados de envelhecimento, mas, ao invez disso,

devem aproveitar as oportunidades que as abordagens inovadoras proporcionam.

Igualmente, no entanto, o desenvolvimento de política com base no que pode acontecer

no futuro é provavelmente limitante, uma vez que é difícil para nós imaginar mudanças

futuras e seus impactos. Portanto, a abordagem adotada por este relatório da OMS se

concentra em construir as capacidades de adultos maiores para lhes permitir navegar em

seu mundo em transformação e inventar maneiras novas, melhores e mais produtivas de

se viver. Isto é consistente com o trabalho em outras áreas políticas que tem como objetivo

dar às pessoas a oportunidade de alcançar as coisas que valorizam, em vez de se

concentrar apenas na utilidade econômica.

O gasto com populações mais velhas deve ser visto como um investimento, não

como um custo. Os gastos em sistemas de saúde, cuidados de longo prazo e ambientes

propícios mais amplos são frequentemente retratados como custos.

O que é o envelhecimento? Para a Organização Mundial da Saúde, as mudanças

que constituem e influenciam o envelhecimento são complexas. No nível biológico, o

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envelhecimento é associado ao acúmulo de uma grande variedade de danos moleculares

e celulares. Com o tempo, esse dano leva a uma perda gradual nas reservas fisiológicas,

um aumento do risco de contrair diversas doenças e um declínio geral na capacidade

intrínseca do indivíduo. Essas mudanças incluem mudanças nos papéis e posições sociais,

bem como na necessidade de lidar com perdas de relações próximas. Em resposta, os

adultos mais velhos tendem a selecionar metas e atividades em menor número, porém

mais significativas, otimizar suas capacidades existentes, por meio de práticas e novas

tecnologias, bem como compensar as perdas de algumas habilidades encontrando outras

maneiras de realizar tarefas.

Segundo a OMS a saúde na população de adultos maiores a 60 anos de idade, a

deficiência e o falecimento resultam amplamente de perdas de audição, visão e

movimentos relacionados à idade, bem como doenças não transmissíveis, incluindo

doenças cardíacas, acidente vascular cerebral, doenças respiratórias crônicas, câncer e

demência. Além disso, é simplista considerar o impacto de cada condição independente

porque o envelhecimento também é associado ao risco de sofrer mais do que uma

condição crônica ao mesmo tempo. Envelhecimento Saudável para enquadrar como a

saúde e o funcionamento podem ser considerados na idade mais avançada, define e

diferencia dois conceitos importantes. O primeiro é a capacidade intrínseca, que se refere

ao composto de todas as capacidades físicas e mentais que um indivíduo pode apoiar-se

em qualquer ponto no tempo. Entretanto, a capacidade intrínseca é apenas um dos fatores

que irão determinar o que uma pessoa mais velha pode fazer. Todos esses temas são

importantes no debate sobre Envelhecimento Social: família, saúde, direitos,

aposentadoria e outros que, nesse texto, são centralidade: sociabilidade, religiosidade e

representações.

O objeto de estudo desta pesquisa são as pessoas idosas que frequentam,

anualmente, a tradicional festa religiosa de Trindade, em Goiás. O interesse não é analisar

a religiosidade, ou seja, as crenças ou ritos em si, mas refletir a relação entre idosos (as)

e os significados simbólicos dessa festa religiosa, de Trindade. Esses significados poderão

explicar a estreita relação entre esse grupo social e a festa religiosa, sob um olhar

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sociológico e antropológico os diferentes significados poderão submergir em contextos

objetivos e subjetivos. Esta festa ocorre em um ambiente sem a estrutura física e de

serviços que comporte milhões de pessoas que visitam, anualmente, a cidade de Trindade,

revelando um cenário complexo e desigual este estudo contemporaliza a relação entre o

moderno e o tradicional. Émile Durkheim, em sua obra: As formas elementares da vida

religiosa, afirmou que a religião não se resume somente nas crenças e ritos, pelo contrário,

carrega em si muitos fenômenos que se relaciona com a sociedade e a cultura. “A religião

ultrapassa, portanto, a ideia de Deuses ou de espíritos e, por conseguinte, não pode

definir-se exclusivamente em função dessa última”. (Durkheim, 1989, p. 67)

O importante neste estudo é compreender o significado desse momento religioso

para essas pessoas idosas que visitam a cidade de Trindade todos os anos. Essas visitas

revelam uma margem de tempo significativa, em relação aos vários anos vivenciados na

festa de Trindade. Todos os pesquisados, segundo destaca os resultados da pesquisa

realizada em Trindade, visitam a cidade, aproximadamente, entre 30 a 50 anos ou mais

em uma mesma trajetória. Ininterruptamente. O que impressiona nesse estudo é essa

relação de tempo e espaço como subterfúgio a uma religiosidade sagradamente respeitada

por estes idosos que superam problemas de saúde e outros para se manterem firmes na fé

e na própria obstinação. (Análise de tempo)

O outro objetivo é destacar o ambiente em que esta festa é realizada, anualmente,

ou seja, como é o espaço em que estes (as) idosos (as) transitam, convivem, se alimentam,

descansam, se higienizam durante sua passagem pela cidade de Trindade? Existe uma

estrutura de acolhimento e aconchego aos idosos (as)? (Análise de espaço)

Observar e pensar um dado espaço são exercícios importantes para conhecer a

história, a antropologia, a cultura e o cotidiano de um lugar, socialmente, habitado.

Instigar uma pessoa a ver, de forma diferenciada, um mesmo ambiente que tem costume

de transitar e vivenciar é algo lúdico, que proporciona um novo interesse em conhecer

melhor este lugar. “No entanto, a visualidade que nos interpela ao longo do percurso tem

o sutil poder de desmontar lugares-comuns. Pois às cidades estão inerentes os processos

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culturais e as representações particulares daqueles que imprimiram formas ao seu plano”.

(Sousa, 2010, p.63)

A festa tem a duração de 14 dias, aproximadamente, e está representada pela

religião católica. Além dos rituais próprios dessa religião, durante a festa ocorrem

diversas atividades culturais, comerciais, artísticas e de lazer.

As entrevistas foram realizadas utilizando-se de questões que visem à reflexão

do (a) próprio (a) respondente sobre sua realidade e o mundo a sua volta. “Em vez de

incitá-lo a manifestar apenas sentimentos, afetos ou opiniões o respondente é convidado

a descrever o que ele conhece a partir da sua própria experiência na vida material”.

(Thiollent, 1980, p. 106)

As questões são qualitativas e serão apenas duas. Uma que envolve a temática

de Tempo e a outra que versa sobre a temática de Espaço sempre com referência à

tradicional festa religiosa da cidade de Trindade.

Questões centrais:

- Por quantos anos tem vindo à cidade de Trindade, nessa festa religiosa? E,

por que?

- Como é a cidade de Trindade? Quais as dificuldades e facilidades que o (a)

senhor (a) se depara durante sua visita à cidade?

Questões secundárias:

- Cidade de moradia:

- Quantos dias e forma de locomoção para chegar em Trindade:

- Familiar que acompanha:

- Idade:

- Motivos da visita à cidade:

- Componentes familiares:

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- Renda familiar:

- Etc...

Com esse estudo sociológico foi possível compreender o significado subjetivo e

objetivo desse momento e espaço religioso para essas pessoas que carregam em si a

história da humanidade.

As entrevistas se pautaram pelo Espaço e pelo Tempo com o intuito de apreender

por quantos anos cada uma das pessoas pesquisadas visitam o evento religioso e em quais

situações. Foram 18 entrevistas realizadas aleatoriamente, destas, seis pessoas, um

homem e cinco mulheres, permaneceram durante a festa dormindo, durante a noite, em

uma praça e calçadas, em situação de risco social, vulnerabilidade, humilhações e, em

alguns momentos, fome.

Desses seis, cinco mulheres idosas declararam visitar a cidade, anualmente, para

pedir esmolas. Um idoso afirmou que apenas visita, todos os anos a cidade para pagar

promessa, dorme na praça, mas não pede esmolas. Todos os seis possuem casa e família

nas cidades de origem. Esses seis exemplos representam a extrema desigualdade social,

em nossa sociedade e, ao mesmo tempo, demonstra a negligência da Prefeitura, Igreja e

Sociedade com os problemas sociais que envolvem diretamente, grande parte dos idosos

que visitam a festa religiosa. A sociedade capitalista, geralmente, privilegia às questões

econômicas frente às questões humanas, frente aos direitos. “Dessa forma, o poder

econômico impede o exercício dos direitos, como critérios normatizadores das relações

sociais, necessários à garantia de padrões mínimos de civilidade”. (Marin, 2006, p.117)

Os brasileiros conhecem muitos direitos adquiridos, no entanto, reconhecem que

não são efetivados. Educação e serviços de saúde de qualidade, moradia digna e salário

compatível com todas as necessidades dos cidadãos são alguns dos direitos conhecidos e,

nunca, desenvolvidos para a população que trabalha, nesse país. Na realidade todos esses

direitos nunca se efetivaram, plenamente, no Brasil, pelo contrário, o Estado, geralmente,

se omite de sua obrigação com a sociedade, que paga caro, para viver ou sobreviver neste

país.

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Uma dessas entrevistadas que dormiam em calçada, chamou muita a atenção, em

relação ao aspecto da desigualdade e negligência. No momento da entrevista, sentada em

um banquinho na calçada com uma bacia no colo e um cachimbo na boca declarou que

possuía 86 anos de idade, mora em Minas Gerais, é cega de um olho, viúva, é negra e

sofreu um acidente no dia em que chegou à Trindade. Foi atropelada por uma moto, ao

descer de um ônibus e, com isso, foi hospitalizada e engessaram seu ombro direito. A

mesma declarou que visita, anualmente, a cidade por mais de quarenta anos, sem nunca

ter faltado. Para Branco e Abramo, (2005), a desigualdade social expressada,

principalmente, no nível de renda das famílias, proporciona a continuidade da situação de

precariedade desses trabalhadores que se encontram perpetuados no ciclo de pobreza.

Esses sujeitos sociais que, anualmente, freqüentam a cidade de Trindade também

são consumidores nesse contexto. Grande parte desses visitantes destina um tempo de

observação e consumo de diferentes produtos e comidas que colorem as bancas

localizadas as margens das ruas, constantemente cheias de transeuntes e vendedores. As

visitas anuais à Trindade apesar de se focar na religiosidade outras atividades são

realizadas como foi constatado nas observações in loco.

O ambiente festivo também está mergulhado por representações subjetivas da

sociabilidade. Estar em um contexto social, religioso e cultural de identificação é

importante para esses idosos. Os indivíduos, em sociedade, estão envolvidos em um

constante processo de socialização, é nesse processo que se desenvolve a identidade social

de cada indivíduo. Segundo Dubar (2005), a socialização é um processo de identificação,

de construção de identidade, em que se assume o pertencimento a grupos, as atitudes e

percepções sobre o mundo, contribuindo para a definição de papéis sociais.

Para Bourdieu (2000), a identidade social define-se e afirma-se na diferença.

Segundo essa perspectiva, um indivíduo através do habitus desenvolve práticas sociais,

estruturadas e estruturantes, distinguindo daqueles que não participam e não tem acesso

aos meios materiais e culturais disponíveis para esse indivíduo. Jovens pertencentes a

famílias de baixa renda, que trabalham, podem vir a participar de relações sociais,

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preferências, consumos, jeito de se vestir e falar de modo diferente de outros jovens do

mesmo meio social. Para o autor essa é a lógica da distinção.

O habitus, segundo Bourdieu (1999), pode ser compreendido como um sistema

de disposições socialmente constituídas que, enquanto estruturas estruturadas e

estruturantes, constituem o princípio gerador e unificador do conjunto das práticas e das

ideologias características de um grupo de agentes. As estruturas tendem a se reproduzir

produzindo agentes dotados do sistema de disposições capaz de engendrar práticas

adaptativas às estruturas e, portanto, em condições de reproduzir estruturas. Esse sistema

de disposições é, portanto, o habitus, que tem como função a mediação entre as estruturas

e a prática. O imaginário social sobre o trabalho na juventude constitui um habitus, ou

seja, um habitus que produz e reproduz determinado pensamento social.

O habitus, para o autor, se encontra em toda estrutura do sistema das condições

impondo os princípios fundamentais de estruturação em relação às práticas e à percepção

das práticas. É inculcado o habitus sobre a trajetória do indivíduo nos campos sociais em

que este está envolvido, podem ser destacados como campo a família, o sistema escolar

e o universo profissional. Em sua análise do poder simbólico, Bourdieu (1998) afirma que

o habitus produz uma espécie de ajustamento inconsciente das posições e atitudes dos

indivíduos.

A pesquisa, nesse sentido, resgata essas atividades além das práticas puramente

religiosas: os passeios, os reencontros e as compras são parte das atividades e perspectivas

que envolvem muitos idosos e a festa de Trindade

O consumo tem se revelado como um fator importante de reconhecimento social

em nossa sociedade. Vivemos em um meio social norteado pelo consumo e o trabalho

pode significar, nesse caso, uma possibilidade de participação nessa sociedade de

consumo. É por meio da remuneração que o trabalho satisfaz o indivíduo, no sentido de

se diferenciar como consumidor.

Para Castel (1998), é a partir da posição ocupada na condição de assalariado que

se define a identidade social. Nesse sentido, o trabalhador informal, na maioria dos casos,

se vê em um conflito de identidade social, pois está fora de um quadro esquemático

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definido e delimitado, historicamente, que legitima o papel de cada trabalhador na

sociedade, sendo este aceito como cidadão e, sobretudo, como consumidor.

Grande parte dos idosos, no Brasil, ainda trabalha após a aposentadoria. É uma

realidade que fazem parte da própria festa de Trindade, alguns idosos trabalham e juntam

dinheiro para os gastos extras durante a visita à cidade e outros trabalham na própria

cidade, principalmente, como camelôs.

Os anseios consumistas tendem a individualizar o indivíduo, e este passa a viver

e se reconhecer por meio de sua condição de trabalhador e consumidor. O consumo é

mais um elemento motivador na trajetória ocupacional ou profissional do indivíduo.

Para Gorz (2003), o indivíduo socializado pelo consumo não é mais um indivíduo

socialmente integrado, mas um indivíduo levado a desejar ser ele mesmo,

individualizando-se, distinguindo-se dos outros e que, canalizado socialmente ao

consumo, aos outros só se assemelha pela recusa em assumir, por meio de uma ação

comum, a condição comum. Os consumos compensatórios surgem como motivações, são

características de uma sociedade consumista que prioriza valores hedonistas de conforto

e do prazer imediato.

(...) deseja-se obter trabalho funcional para poder pagar o

consumo de mercadorias. (...) O dinheiro ganho permite

uma forma de satisfação mais importante que a perda de

liberdade que implica o trabalho funcional (...) é

precisamente a monetarização crescente das necessidades,

dos prazeres e das satisfações (GORZ, 2003, p. 53)

Este estudo tem se revelado de grande importância para o debate sobre as

temáticas sobre Envelhecimento Social, Cultura e Sociedade. Contribui para

compreender questões culturais, econômicas e subjetivas na relação entre idosos e a

religiosidade, idosos e desigualdades, idosos e modernidade possibilitando repensar o

próprio conceito de idosos, pois estes são compreendidos, aqui, como sujeitos de ação,

história e continuidade. Sua imagem carrega uma instigante e viva história de vida e

roteiros de um futuro de igual perspectiva. Apresentam uma trajetória de vivências e

convivências que por si só cria vínculos com o passado e com o futuro.

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DIREITOS, CUIDADOS E INDEPENDÊNCIA: POLÍTICAS PÚBLICAS PARA

IDOSOS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

Beatrice Cavalcante Limoeiro

Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Sociologia da

Universidade Federal do Rio de Janeiro

[email protected]

Resumo: Este trabalho se propõe uma análise da relação entre o Estado, ciência e

sociedade, com seus diferentes agentes e serviços, e a população idosa. O objetivo da

pesquisa é compreender categorias como proteção e cuidado, e as condições de vida para

a população com idosa da cidade do Rio de Janeiro, a partir de uma investigação de

políticas, programas, serviços pensados e formulados para esta população. Se por um

lado, existem programas que visam tornar o idoso mais independente, por outro existem

programas de proteção e cuidado para esta população. Podemos pensar em políticas

públicas e programas para idosos sob a chave, do cuidado, proteção e condução das

condutas, tecnologia do trato humano? Quais são as normatividades - de como deve ou

não se comportar o idoso, por exemplo - que acabam sendo produzidas quando o Estado,

seus agentes e dispositivos de poder entram em ação? Como os indivíduos idosos

vivenciam e interpretam suas experiências ao fazer parte destas ações? Será que podemos

pensar apenas em condução de condutas ou podemos identificar “linhas de fuga”,

reinvenção e reapropriação deste controle governamental e científico? São alguns dos

questionamentos desta pesquisa.

Palavras-chaves: Velhice; políticas públicas; cuidado.

INTRODUÇÃO

O objeto de investigação desta pesquisa de doutorado consiste em uma análise da

relação entre o Estado, ciência e sociedade, com seus diferentes agentes e serviços, e a

população idosa. Esta pesquisa pretende aprofundar a compreensão sobre as formas de

ação do Estado e os seus impactos sobre a vida e a experiência de envelhecimento da

população com 60 anos ou mais na cidade do Rio de Janeiro.

Parte-se do entendimento de que o Estado ajuda a consolidar e legitimar o

problema social da velhice, (LENOIR, 1998). É o Estado a instituição de poder que,

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através de seus agentes e das suas diversas formas de atuar, irá buscar atender soluções,

promover regulamentações, direitos, políticas e tecnologias para lidar com este novo

problema.

Cada sociedade, em determinado momento, elabora seu próprio corpo de

problemas sociais legítimos, dignos de serem discutidos, públicos, oficializados e, por

vezes, garantidos pelo Estado. A velhice é um destes “problemas” legítimos atualmente

na sociedade brasileira, vide as tentativas governamentais em delimitar e atender o que

seriam demandas daqueles que vivem esta realidade socialmente construída. Remi Lenoir

(1998) explica o processo pelo qual a velhice passa de um problema individual ou do

âmbito familiar para se tornar uma questão pública, um problema social das sociedades

ocidentais, a partir do final do Século XIX. O autor argumenta que o que é constituído

como problema social varia segundo as épocas e as regiões e pode até mesmo chegar a

desaparecer como tal.

O campo que compõe esta pesquisa consiste em serviços e ações voltadas para a

população idosa, selecionados dentro de uma ampla rede de associações, políticas e

programas. Nesta pesquisa os espaços selecionados para pensar a relação entre Estado,

ciência, sociedade e velhice são: o Fórum Permanente da Política Nacional e Estadual do

Idoso no Estado do Rio de Janeiro (Fórum PNEIRJ), o Conselho Estadual de Defesa dos

Direitos da Pessoa Idosa - CEDEPI, programas da Secretaria Municipal de

Envelhecimento Ativo, Resiliência e Cuidado - como o Rio ao Ar Livre (RAL) e as Casas

de Convivência – e Subscretaria Estadual de Envelhecimento Saudável e Qualidade de

vida.

O objetivo da pesquisa é compreender como a experiência da velhice ou do

envelhecimento pode ser afetada pela rede de serviços, associações e ações que são

pensadas e voltadas para pessoas consideradas idosas – 60 anos ou mais – na cidade do

Rio de Janeiro. Para isso, o primeiro objetivo específico é desvendar esta rede,

compreender quais os agentes e elementos os compõe e como operam.

Partindo do entendimento de que o envelhecimento é um fenômeno que mobiliza

uma série de elementos: biológicos, psicológicos, sociais, culturais, políticos; e que

carrega diferentes significados, valores, representações, formas de compreensão,

gerenciamento e vivência, conforme se modificam os contextos, pretendo compreender

que forças atuam, quais os emaranhados criativos do mundo – usando o conceito de

Ingold (2012) – que atuam em cada situação investigada.

Neste sentido, algumas questões são pertinentes e mobilizam essa investigação:

Que tipo de serviços estão atualmente disponíveis e acessíveis à população idosa do Rio

de Janeiro? A que necessidades e demandas formuladas para a velhice estes serviços

atendem? Como são pensadas estas demandas e quais impactos têm sobre a atuação do

Estado neste âmbito e sobre a experiência de envelhecer da população com mais de 60

anos?

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A partir da compreensão de que a criação de um problema social, como é o caso

da velhice na sociedade brasileira, vem acompanhada da elaboração de demandas,

soluções e intervenções, geralmente criadas por um conjunto de especialistas (LENOIR,

1998; ROSE, 2007; MACKENZIE, 2012), é pertinente nesta investigação questionar:

Quais categorias e representações estão atreladas à institucionalização da velhice como

um problema social? Sob quais conceitos se baseiam as políticas públicas e os programas

voltados para idosos? Quais as consequências destes para a concepção e a prática

cotidiana de programas e serviços para idosos?

Quando consideramos algumas categorias recorrentemente utilizadas para pensar

as possíveis soluções para o problema social da velhice, é importante perguntar: De que

maneira categorias como qualidade de vida, independência, proteção e cuidado aparecem

nestas políticas e programas? Como são utilizados para formular as necessidades da

população idosa? Que concepções sobre o que é a velhice e o que ela deveria ser estão

atreladas a estas categorias?

Para Saba Mahmood (2005) há uma necessidade de entender melhor as maneiras

de exercer agência, pois existem formas variadas de expressá-la e estabelecer um sentido

à priori para isto seria partir da perspectiva ocidental. Mahmood chama atenção para a

associação imediata entre as possibilidades de agência e uma concepção pensada pela

chave do "indivíduo autônomo", de autodeterminação, livre arbítrio e resistência. Para a

autora existe uma necessidade de pensar as formas como o indivíduo constrói os seus

desejos. Ela admite em sua análise que as normas podem ser incorporadas e vividas de

diversas maneiras. Portanto, existem formas distintas de reproduzir e subverter. É preciso

compreender que significados a agência possui nos contextos específicos de que se fala.

Pensando no contexto específico desta pesquisa, se torna uma questão importante

pensar nas formas de agência que os indivíduos – classificados na categoria física, social

e política de idosos – exercem, em seus diferentes contextos diários, quando vivenciam

suas experiências de envelhecer em programas sociais na cidade do Rio de Janeiro. De

que forma incorporam e reinventam as normatividades e discursos construídos e

propagados sobre a velhice? Como são afetados por estas políticas e programas? Como

constroem seus desejos e expectativas sobre a sua própria velhice? O que acreditam ser

uma boa velhice?

Para atingir os objetivos de pesquisa aqui explicitados, realizarei além do trabalho

de campo em diversos espaços - pré-selecionados e em diferentes localidades da cidade

do Rio de Janeiro - onde políticas, direitos e programas para idosos estejam presentes.

Para compreender a perspectiva do cuidado e da atividade sobre o

envelhecimento, que estão presentes no imaginário social e nas políticas e programas

públicos, será necessário realizar trabalho de campo em diferentes pontos da cidade onde

se possa identificar a atuação do Estado e os seus impactos para esta população. Faz parte

desta pesquisa a análise sobre a Secretaria Municipal de Envelhecimento Ativo,

Resiliência e Cuidado e a Subsecretaria de Envelhecimento Saudável e Qualidade de

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Vida, assim como alguns seus projetos e programas, que, através de suas propostas,

refletem a ideia de busca por um envelhecimento ativo e considerado saudável pelos

especialistas da área. Alguns desses programas são: RAL – Rio ao Ar Livre (de

Copacabana, Campo Grande e Tijuca) e Casas de Convivência (Tijuca).

Compõe também este campo o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da

Pessoa Idosa do Rio de Janeiro (CEDEPI) e um Fórum Permanente da Política Nacional

e Estadual do Idoso no Estado do Rio de Janeiro (Fórum PNEIRJ), para compreender

quais as principais discussões estão acontecendo e quais as principais demandas e

avaliações a respeito das políticas e ações para idosos na cidade.

Em todos estes espaços utilizo a observação de campo, pesquisa de documentos

relacionados com a concepção, criação e desdobramentos das mesmas, bem como

realização de entrevistas em profundidade semi-estruturadas, tanto com os agentes

estatais envolvidos com o trabalho nestes locais, quanto com a população idosa,

diretamente relacionada e atingida por estas iniciativas do Rio de Janeiro.

Descrição e Justificativa

A ideia de estudar variadas instituições se dá pela necessidade de traçar uma rede

a respeito dos diferentes serviços e seus impactos para a população idosa. É interessante,

neste caso, compreender que tipo de associação ou relação existe entre estas instituições

e, caso haja, como ela acontece e que efeitos traz para a experiência cotidiana de

envelhecer da população idosa do Rio de Janeiro.

O Fórum Estadual é um espaço da sociedade civil para acompanhamento de

políticas públicas e direitos de idosos. Foi criado em 1996 com a proposta de ser um

espaço aberto e amplo, uma “escola de cidadania e politização”, conforme consta em sua

descrição.

Coordenado por representantes da sociedade civil, como sindicatos e

organizações, se propõe a sensibilizar a sociedade e combater formas de discriminação

ao idoso, propor leis, ementas, medidas, às três esferas do poder público, promover

encontros entre os fóruns e elege os membros não-governamentais do Conselho Estadual

de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa – CEDEPI.

Especificamente, analisar o espaço do Fórum Permanente da Política Nacional e

Estadual do Idoso no Estado do Rio de Janeiro - Fórum PNEIRJ, é uma oportunidade de

compreender como a sociedade civil, através de representações de sindicatos e

organizações, se reúne e discute quais as necessidades e demandas da população idosa.

O Conselho Estadual, assim como o Fórum Estadual, foi criado em 1996. O

Conselho Estadual tem caráter público e é “um órgão normativo, consultivo, deliberativo

e fiscalizador da Política Estadual da Pessoa Idosa, de composição paritária entre governo

e sociedade civil, no âmbito da União, Estados, Municípios e Distrito Federal”, conforme

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consta em sua descrição. É uma instituição que tem por finalidade a garantia e fiscalização

de direitos.

A história do Fórum Estadual e do Conselho Estadual se confundem, embora

sejam espaços com diferentes atribuições e funções. A relação entre os dois espaços é

perceptível a princípio pelo grupo - ou parte dele - que frequenta e participa das duas

reuniões. Em certa ocasião, em um evento promovido pela Associação Nacional de

Gerontologia, uma representante falou que aquele grupo se alterna nas funções entre

Fórum e Conselho Estadual. Ora, uma pessoa é presidente do Fórum, ora do Conselho,

assim trocando, tentando dar conta e participando destes espaços.

O Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa (CEDEPI) também

se mostra interessante nesta análise, já que é o espaço onde se encontram e se colocam

em embate os interesses da sociedade civil (representados pelo Fórum PNEIRJ) e das

instâncias governamentais, é onde se dá a disputa sobre as necessidades e avaliação das

políticas e programas vigentes.

A Secretaria Municipal de Envelhecimento Ativo, Resiliência e Cuidado –

SEMEARC (antiga SESQV) foi criada em 2009, com a missão de “Implementar e

promover políticas públicas, proporcionando qualidade de vida ao idoso da cidade do Rio

de Janeiro”. A Secretaria ganhou notoriedade desde sua fundação através das Academias

da Terceira Idade que aos poucos foram se espalhando pelas praças da cidade do Rio de

Janeiro. O surgimento das academias nas praças veio acompanhado por um processo de

revitalização das praças da cidade, que antes disso pareciam não receber muito

investimento ou atenção do poder público, principalmente nas localidades menos

privilegiadas da cidade.

O Rio ao Ar Livre – RAL é o novo programa da Secretaria Municipal de

Envelhecimento Ativo, Resiliência e Cuidado. O programa junta a aparelhagem da

Academia da Terceira Idade, as aulas de ginástica (o Qualivida) e aulas de dança (Idoso

em Movimento). Ao total, são 315 núcleos espalhados pela cidade do Rio de Janeiro, com

cerca de 40 mil alunos inscritos (de acordo com o coordenador do projeto) nas mais

diversas localidades. Cada núcleo possui um professor, profissional de educação física,

um profissional de saúde, geralmente técnico em enfermagem e um profissional de apoio,

para realizar os cadastros e marcar as presenças nos núcleos.

Em todos os núcleos é ofertada a aula de ginástica, de segunda a sexta, na maioria

dos casos de 7h às 10h da manhã. Na maioria dos núcleos existe a aparelhagem da

Academia da Terceira Idade. A aparelhagem é fornecida por empresas privadas, conta

com equipamentos como: alongadores, simuladores de caminhada, simuladores de

remada, simuladores de esqui, cadeira para exercício de pressão nas pernas, aparelho para

rotação diagonal para os braços, puxador de peitoral, dentre outros. Durante o período de

7h às 10h da manhã, de segunda à sexta, em cada núcleo o professor orienta os usuários

ou alunos sobre o uso da aparelhagem, no entanto, o uso dos aparelhos é público,

disponível durante o horário de funcionamento da praça em que esteja instalada.

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As aulas de dança não são ofertadas em todos os núcleos, apenas em alguns poucos

onde a praça funciona durante o período da noite e com alguma iluminação. As aulas

ocorrem de 17h às 20h da noite, de segunda à sexta.

Espaços como os programas das Secretarias Estadual (extinta, atual subsecretaria)

e Municipal são os espaços em que o discurso vencedor sobre como as coisas devem ser

feitas e o que é melhor para a população idosa são colocados em prática.

Estudar a velhice na cidade do Rio de Janeiro, a cidade brasileira com maior

proporção de idosos e ao mesmo tempo uma cidade de grandes contrastes sócio-

econômicos, também se coloca como um fator instigante para pensar se existe algo de

peculiar em experimentar o processo de envelhecimento nesta cidade, se existem fatores

de diferença e desigualdade na cidade que podem modificar esta experiência; e se existe

relação destas experiências com as determinações, políticas, serviços e programas do

Estado.

Inserção no Campo

Desde o início da pesquisa percebi que o Fórum Estadual e o Conselho Estadual

não são instituições de fácil acessibilidade para alguém que não faz parte da rede de

relações de pessoas envolvidas com o trabalho nestes locais.

Ambas instituições, tanto o Fórum Estadual que é composto por representantes da

sociedade civil, quando o Conselho Estadual, composto por sociedade civil e

representantes do Estado, sofreram mudanças e fechamento de sede, devido à anunciada

crise de calamidade pública do governo estadual do Rio de Janeiro.

O Conselho Estadual, que tinha sede no bairro do Méier, junto com uma Farmácia

Popular e um programa que transferia renda para compra de fraldas geriátricas (“cartão

de

cuidados”) fechou. O Conselho Estadual funcionou algumas vezes na sede da Secretaria

Estadual de Envelhecimento Saudável e Qualidade de Vida – até então existente –, até

ser transferido para uma sala na Secretaria Estadual de Trabalho e Renda (SETRAB). Em

Junho de 2016 a Secretaria Estadual é extinta através de publicação do governador em

Diário Oficial, virando uma Subsecretaria, submetida à Secretaria Estadual de Saúde.

Diante da “crise do estado” do Rio de Janeiro, foi possível perceber que não havia

espaço ou prioridade para programas sociais para idosos. Tal cenário abre a possibilidade

para questionar qual o lugar dos idosos nas políticas públicas: têm seus direitos garantidos

ou seus benefícios são vistos como favor do Estado?

O Fórum Estadual tem sua sede localizada na sala da Associação Brasileira de

Gerontologia – Rio de Janeiro, em um prédio conhecido como “PALONG” – Palácio das

ONG’s (Organizações não governamentais). Por diversas ocasiões tentei contato através

do endereço e do telefone informados no endereço eletrônico do Fórum Estadual.

Consegui contato através do e-mail do Fórum Nacional e meses depois (Junho/2016)

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obtive resposta da presidente do Fórum Estadual, que me informou sobre a mudança do

endereço das reuniões, que estava tendo lugar agora no Sindicato dos Trabalhadores do

Serviço Público Federal do Estado do Rio de Janeiro – SINTRASEF, me passou a pauta

de uma das reuniões mensais e me convidando para alguma destas ocasiões. A questão é

que o prédio da PALONG, que até então era mantido pelo estado do Rio de Janeiro,

estaria passando por um processo de desalojamento e interdição.

Ainda no mês de março, sem sucesso na tentativa de contato com o Fórum

Estadual e o Conselho Estadual, tento contato com a Secretaria Estadual de

Envelhecimento Saudável e Qualidade de Vida, até então operante. Em meu primeiro

contato conheço uma funcionária e representante influente da instituição. É uma idosa, e

82 anos, conhecida por todos como Dona Penha. Não possui cargo influente na secretaria,

mas é reconhecida por todos do local por seus 32 anos de trabalho como assistente social,

lutando pelos direitos dos idosos.

Dona Penha foi presidente do Conselho Estadual, representando a Secretaria

Estadual até Julho de 2016 e contou, na entrevista que fiz com ela posteriormente, como

participou da elaboração do Estatuto do Idoso. Dona Penha foi minha porta de entrada na

Secretaria Estadual, atual Subsecretaria e no Conselho Estadual também. Em nossa

primeira conversa, me explica as ações e programas efetuados pela então Secretaria

Estadual, como a instalação de Academias na Terceira Idade no interior do estado do Rio

de Janeiro; o Qualimóvel, um programa que consiste em um veículo que visita praças,

oferecendo serviços de saúde e cidadania, como aferição de pressão, oftalmologista,

distribuição de óculos, dentista, confecção de carteira de identidade, dentre outros; um

programa de Inclusão Digital, com metodologia específica para ensinar informática para

idosos; o curso de cuidadores de idosos, dentre outros. Dona Penha explica

que o foco da então Secretaria Estadual é atingir os municípios do interior do Rio de

Janeiro, já que estes não contariam com uma Secretaria Municipal voltada para idosos,

como o caso da cidade do Rio de Janeiro.

Nesta mesma conversa, Dona Penha explica as sérias dificuldades que a Secretaria

Estadual estaria passando para conseguir manter estes programas e a participação de seus

funcionários em eventos e conferências, como a 4ª. Conferência Nacional da Pessoa

Idosa, ocorrida em Brasília, que Dona Penha e os demais funcionários da Secretaria não

puderam ir.

No início do mês de abril tentei contato com a Secretaria Especial de

Envelhecimento Saudável e Qualidade de Vida - SESQV, que no mês de Março se

municipaliza, isto é, passa a fazer parte do quadro permanente de secretarias municipais,

virando Secretaria Municipal de Envelhecimento Ativo, Resiliência e Cuidado –

SEMEARC. Na primeira visita tive contato com o coordenador de projetos da Secretaria

Municipal, que me recebe de forma muito educada e atenciosa. Contei minha intenção de

pesquisar políticas públicas para idosos, o que incluía a Secretaria Municipal e alguns de

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seus projetos, ele me responde diversas vezes com “as portas estão abertas para você” ou

“já estamos acostumados a receber pessoas, pesquisadores de todas as áreas”.

Diferente da Secretaria Estadual, a Secretaria Municipal é mais antiga e tem seus

projetos e popularidade mais consolidados. Nas palavras do coordenador “se isso aqui [os

programas da Secretaria Municipal] acabar, os idosos brigam. Eles vêm aqui, reclamam”.

Nesta primeira visita, o coordenador fala dos projetos da Secretaria, me entregando um

folheto distribuído pela Secretaria Municipal para o público em geral. Nesta ocasião,

conheço o RAL – Rio ao Ar Livre, que por ser um projeto recente, não consta na cartilha

mostrada.

Nessa conversa, o coordenador fala da dificuldade de se aplicar uma política em

uma cidade com o Rio, com diferentes localidade e necessidades, mas garante que os

programas da Secretaria Municipal chegam à Zona Sul e chegam também aos lugares

“pobres”. Explica que as ações da Secretaria estão abertas às pesquisas, “aqui tudo é

transparente. Recebemos estagiários de diversas áreas e universidades. Estamos abertos

a todas as pesquisas acadêmicas”. Acrescenta: “Eu faço uma troca: você pesquisa aqui,

tem total liberdade para entrevistar quem você quiser e você divulga o nosso trabalho”.

Fala também sobre a dimensão política da Secretaria que não envolve apenas os

interesses da população idosa, mas a promoção de candidatos, políticos e aliados. Mas

afirma: “tudo é política, mas eu faço a política pública, para o idoso. Quero saber do meu

trabalho. E eu gosto daqui porque as coisas funcionam de verdade, não é como em outras

secretarias”.

No final do mês de abril realizo entrevistas com o coordenador do RAL e com a

coordenadora do serviço social da Secretaria Municipal.

Após essa primeira aproximação com esses espaços, inicio ao final do mês de

maio o trabalho de campo no RAL – Rio ao Ar Livre da Praça Serzedelo Correia, em

Copacabana. A partir do mês de Julho, passo a frequentar as reuniões mensais do Fórum

Permanente da Política Nacional e Estadual do Idoso no Estado do Rio de Janeiro

(PNEIRJ) e do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa (CEDEPI).

Cuidado e Atividade

As principais questões que mobilizam esta pesquisa se relacionam com o dualismo

cuidado e atividade. Isto é, até que ponto o idoso é representado como alguém que

necessita de cuidados, um sujeito frágil, dependente, repleto de necessidades e faltas?

Que idoso é esse visto como alguém a ser cuidado, protegido? Até que ponto esta ideia

afeta a formulação de políticas públicas? E a partir de que momento ou contextos se

investe na necessidade de estimular um comportamento ativo ao público idoso, incluindo

uma responsabilização pelo processo individual de envelhecimento e cuidados e

prevenção da saúde?

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A questão aqui é tentar compreender como estas representações funcionam e em

que momento aparecem na formulação e prática dos espaços públicos aqui analisados.

Nos espaços do Fórum Estadual e Conselho Estadual, observamos um grupo de

idosos que se mobilizam e lutam por seus direitos. Apresentam comportamento politizado

e ativo na luta pelos direitos dos idosos, uma forma de ser ativo que não passa

necessariamente pelas preocupações constantes com a prevenção da saúde. Os idosos

participantes demonstram críticas à ideia de que a velhice é apenas uma questão ou

problema de saúde e lutam por maior respeito, dignidade e reconhecimento perante a

sociedade. Fazem isso através das suas atuações no Fórum e Conselho, fiscalizando,

avaliando e propondo ações, políticas e programas voltados às pessoas com 60 anos ou

mais.

O principal instrumento norteador de suas atuações é o Estatuto do Idoso,

documento que alguns destes idosos ajudaram a elaborar. O Estatuto do Idoso é um

documento que visa assegurar direitos, garantias fundamentais e proteção aos idosos.

Suas disposições, sobretudo sobre assistência e medidas de proteção, partem do

pressuposto de que o idoso é alvo de todo tipo de negligência, violência, abuso e falta de

respeito da família e sociedade.

Uma ação muito comum dos membros do Fórum e do Conselho é a distribuição

do Estatuto do Idoso, em uma tentativa de divulgar o documento e informar idosos e não

idosos sobre suas disposições. Certa vez uma idosa, membro do Fórum Estadual disse:

“Eu sempre digo ao idosos: leiam o Estatuto, se apropriem dele, andem com ele na bolsa.

É importante que a gente conheça nossos direitos”. Apesar dos esforços de divulgação

sobre o Estatuto, sobre o Fórum e Conselho Estaduais, os dois espaços ainda são de difícil

acesso para pessoas que não façam parte do círculo de relações que compõem o grupo ou

até mesmo para os idosos que se pretendem proteger. Ambos espaços se organizam de

doações, têm orçamentos independentes de financiamento governamental e portanto

poucos recursos para realizar sua divulgação.

O programa Rio ao Ar Livre, núcleo Copacabana, possui um conjunto de usuários

que parecem ser menos politizados ou apresentam menor preocupação com a busca pelos

direitos dos idosos no sentido institucional. No entanto, em seus cotidianos, esses idosos

fazem valer seus direitos, exigindo melhorias nos programas e benefícios direcionados a

eles. No dia a dia do programa, as funcionárias são treinadas para lidar e educar o público

de idosos quanto a necessidade de cuidados diários com a prevenção de suas saúdes e

manutenção de suas independências físicas. Sob as recomendações de um

envelhecimento saudável e ativo, prevenido de todas as possibilidades e variáveis

associadas à passagem do tempo, estes idosos são estimulados a ser idosos independentes.

Esta independência encontra seus limites, no entanto, quando se confronta com a

autoridade e o saber das profissionais quando em situações que confundem as posições

funcionário/aluno ou que revelam a proximidade das realidades e em alguns casos de

idades entre os mesmos.

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Os idosos que fazem parte deste programa parecem se apropriar à sua própria

maneira do serviço prestado. Veem nele sua importância, acreditam que é necessário que

aquele serviço exista, que seja prestado. São ativos e independentes ao seu próprio modo,

conforme suas necessidades, demandas e características pessoais.

Existe na concepção desse programa e de outros voltados para idosos, a ideia de

que há uma necessidade de educar a população idosa para que adotem um estilo de vida

com atividades que promovam e previnam suas saúdes, tais como exercícios físicos. O

coordenador do projeto enfatiza a necessidade dos exercícios:

“Quero que ele aprenda tudo, mas que saia com condicionamento físico

maravilhoso. (...) Porque tá faltando resistência, galera. A gente tá mexendo...

o idoso quer fazer a aula de dança. Então, porque não aproveitar e dar

condicionamento físico pra ele? (...) Porque se você não trabalhar a criança, o

adolescente, a coordenação motora, a atividade, o cara vai chegar numa certa

idade e vai ser pior para ele. Entendeu? É pior até para uma queda. O que mata

mais no mundo? Queda em idoso.”

Na fala do coordenador está presente a ideia da necessidade de uma prevenção do

corpo e da saúde para chegada do envelhecimento, a noção de que é preciso se prevenir

durante todo o percurso de vida, se preparar, adotando um estilo de vida que inclua as

receitas dos especialistas da área da saúde, ou uma otimização, característica da política

vital de controle sobre a vida, corpos e saúde da população (ROSE, 2007).

Pensar sobre a propagação, divulgação do discurso da prevenção através da

adoção de hábitos e comportamentos considerados saudáveis pelos especialistas do

assunto, que aparece em programas voltados para idosos muitas vezes em tom educativo

pode ser útil para pensar sobre os nomes adotados pela Secretaria Municipal. O antigo

nome – Secretaria Especial de Envelhecimento Saudável e Qualidade de Vida, deixa

explícito o conjunto de ideias que se fazem presentes no momento em que se elaboram

programas e serviços para os idosos: a ideia de que esta fase da vida deve vir

acompanhada de adjetivos que tornem a velhice positiva e mudança de hábitos e estilo de

vida, que se pressupõem que os idosos não tenham.

O atual nome – Secretaria Municipal de Envelhecimento Ativo, Resiliência e

Cuidado – com categorias mais diversas, inclui a ideia do cuidado, proteção da população

idosa e a ideia de resiliência. Resiliência significa resistência contra obstáculos, superação

de momentos difíceis. Neste sentido, podemos interpretar que a velhice seria este

momento difícil a ser superado, em prol de uma velhice considerada ativa e saudável.

Quando questionada sobre o novo nome da Secretaria, a assistente social, responsável

pela supervisão de alguns programas, explica:

“Foi a nossa antiga secretária que com o prefeito, eles definiram esse nome.

Resiliência, porque entenderam que muitas vezes tem a questão que você

realmente tem que ser resiliente, a questão do envelhecimento ativo, que vem

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ao encontro com o que está preconizado na OMS [Organização Mundial de

Saúde], né? E cuidado porque também você prevê essa questão do cuidar”.

A assistente social da Secretaria, menciona os preceitos presentes na Organização

Mundial de Saúde, fazendo menção a II Assembleia Mundial sobre o envelhecimento,

realizada em Madrid, 2002 e o plano de ações da OMS: “Envelhecimento ativo: uma

política de saúde”, publicado no mesmo ano, na Assembleia de Madrid. O documento é

planejado e elaborado sob a chave da importância de ter um “envelhecimento ativo”, um

processo de responsabilização do indivíduo com relação aos seus autocuidados (ou a falta

destes), sobre o sucesso ou fracasso de seu envelhecimento (DEBERT, 1999).

A mesma ideia aparece também na extinta Secretaria Estadual, atual subsecretaria,

que em 2015 elabora e distribui a “Cartilha Educativa Qualidade de Vida e

Envelhecimento Saudável”, com dicas sobre atividades físicas, fisioterapia, prevenção de

quedas, nutrição, uso de medicamentos, diabetes, incontinência urinária, osteoporose,

diminuição da audição, dentre outros. Portanto, podemos observar que é com base as

recomendações da OMS, é que as Secretarias Estadual e Municipal criam suas ações,

políticas e programas.

No entanto, a preocupação com a qualidade de vida e saúde da população não

parece ser a única motivação para a existência deste tipo de programa. Está presente

também nesta rede de serviços uma preocupação com a promoção política de algumas

personalidades públicas, em que muitas vezes a instalação da aparelhagem da Academia

da Terceira Idade e a presença do RAL são frutos de acordos e troca de favores entre

políticos associados aos bairros da cidade do Rio de Janeiro; e as ações e atividades

promovidas aos RAL’s capilarizados pela cidade vêm acompanhadas de propaganda

política e pelo discurso da necessidade em eleger os candidatos1 do partido que atualmente

administra a prefeitura da cidade do Rio de Janeiro.

Considerações Finais

Como recorte de uma pesquisa de tese, ainda em andamento, este trabalho levanta

algumas questões.

Quando pensamos sobre o marcador social da velhice, é importante questionar a

respeito da sua interconexão com outras condições, identidades, diferenças. É relevante

levantar questões como: existem diferenças na experiência de envelhecer entre homens e

mulheres? Ou entre a população negra, mestiça e branca? Existe alguma influência da

classe social neste processo? Que diversas e múltiplas experiências de envelhecimento

existem na cidade do Rio de Janeiro? Como isto afeta suas vivências cotidianas, suas

percepções sobre a velhice e suas identidades? De que maneira as políticas e programas

públicos têm lidado com esta diversidade?

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Tendo como proposta de pesquisa um olhar interseccional, compreendendo que a

velhice não é uma experiência homogênea e que a cidade do Rio de Janeiro possui

diferentes realidades e contrastes, é também objetivo desta pesquisa investigar como os

serviços são ofertados nas diferentes localidades do Rio de Janeiro; se existem diferenças

entre ser idoso em Copacabana e em outros bairros da cidade do Rio de Janeiro, como,

por exemplo, Campo Grande e Tijuca.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Estatuto do Idoso. Lei n. 10.741, de

1º de outubro de 2003. Brasília, 2003.

DEBERT, Guita Grin. A reinvenção da velhice: socialização e processos de

reprivatização do envelhecimento. São Paulo: EDUSP, 1999.

INGOLD, Tim. 2012. “Trazendo as coisas de volta à vida: Emaranhados criativos num

mundo de materiais”. Horizontes Antropológicos, n. 37.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Ministério do

Planejamento, Orçamento e Gestão, governo federal. Vou te contar. A revista do censo,

n˚ 19, novembro e dezembro, 2010. 32 p.

LENOIR, Remi. “Objeto Sociológico e Problema Social”. In: CHAMPAGNE, Patrick. et

al. Iniciação à Prática Sociológica. Petrópolis: Editora Vozes, 1998. p. 59 -106.

MAHMOOD, Saba. “The subject of freedom”. In Politics of piety: the Islamic revival

and feminist subject. Princeton: Princeton University Press. 2005.

OMS. Construir uma sociedade para todas as idades. Melhorar a saúde e o bem-estar

na velhice: argumentos a favor de um envelhecimento ativo. Madri: II Assembleia

Mundial sobre o Envelhecimento, 2002.

ROSE, Nikolas. [2007] A política da própria vida: biomedicina, poder e subjetividade

no século XXI. Paulus, 2013.

Endereços eletrônicos

Bairros Cariocas. Disponível em:

http://portalgeo.rio.rj.gov.br/bairroscariocas/index_bairro.htm. Acesso em: 24/04/2014.

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Censo 2010. Disponível em: http://www.censo2010.ibge.gov.br/. Acesso em:

24/04/2014.

Envelhecimento Saudável. Disponível em: http://www.rj.gov.br/web/seesqv. Acesso em

30/08/2016.

Secretaria Municipal de Envelhecimento Ativo, Resiliência e Cuidado. Disponível em:

http://www.rio.rj.gov.br/web/semearc. Acesso em 30/08/2016.

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TRABALHO, PROTEÇÃO SOCIAL E ENVELHECIMENTO: UMA

ABORDAGEM SOCIAL E DE INDICADORES NO BRASIL.

Adriane Geralda Alves do Nascimento Cézar

Programa de pós-graduação em Sociologia - Doutorado, da Faculdade de Ciências

Sociais, da Universidade Federal de Goiás

[email protected]

Resumo: A sociedade brasileira está saindo de uma estrutura etária jovem para uma

estrutura etária envelhecida. Estudos mostram que o número de pessoas idosas cresce em

ritmo maior do que o número de pessoas que nascem, acarretando um conjunto de

situações que modificam a estrutura dos países em uma série de áreas importantes. Diante

desse contexto, o objetivo do presente artigo, consiste em realizar uma abordagem social

da proteção social no Brasil e de indicadores do envelhecimento, mostrando como esses

dados estão relacionados com a aposentadoria e o trabalho do idoso. É importante discutir

as implicações de uma sociedade que está envelhecendo e sobretudo chamar a atenção do

Estado e da própria sociedade para pensar estratégias que favoreçam essas minorias e que

também garantam a manutenção de seus direitos.

Palavra-chave: trabalho, proteção social, envelhecimento.

INTRODUÇÃO

A história da proteção social carrega atrelada a si, um enfoque social, econômico

e político bem particular de cada momento histórico e à medida que as sociedades se

desenvolvem, mais complexas se tornam as questões sociais e, por isso também, mais

recorrente se torna, à busca demandada por homens, mulheres, grupos minoritários etc,

de mecanismos de defesa e de reparações de riscos para lidar com vulnerabilidades

sociais.

O enfrentamento da questão social, bem como a constituição de um sistema de

proteção social no Brasil, foram relativamente tardios, principalmente quando comparado

as sociedades industrializadas ou até mesmo com outras sociedades da América Latina e

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em sua maior parte está conjecturado à situações de buscas sociais. O principal fator

que permite a conjectura dessa situação, está associado as peculiaridades da formação

social brasileira: uma sociedade com fortes vínculos patrimoniais e clientelistas e

diferenças sociais significativas.

O objetivo desse artigo pauta-se em trazer subsídios para a compreensão de

indicadores de uma sociedade que está envelhecendo e como isso reflete no mecanismo

de proteção social, em especial a aposentadoria, apontando a relação que se estabelece

entre trabalho x aposentadoria. O estudo chama a atenção que se faz necessário pensar

estratégias e ou um conjunto de políticas públicas e sociais que trabalhem situações de

riscos e vulnerabilidades de grupos minoritários, como é o caso dos idosos, considerando-

se a crescente perspectiva demográfica de envelhecimento mundial e mais

especificamente, da sociedade brasileira. É certo que, o Brasil caminha para uma

“sociedade do envelhecer” e pouco ainda tem sido tratado ou explorado a respeito do

tema, principalmente a partir de uma perspectiva social e não apenas biológica.

As pessoas estão oportunamente vivendo vidas mais longas, todavia nem todos se

beneficiam dessa conquista ou das possibilidades que isto implica. Todo país apresenta

uma população que envelhece e esse fato, por si só, já é reconhecidamente, um grande

desafio, nos países em que a longevidade é alta e tem crescido. Assim, compreender a

questão do idoso frente ao processo de proteção social, deve envolver em relação a este

grupo, observações e especificidades variadas, associadas à peculiaridades políticas,

socioeconômicos, legais e culturais, a fim de que se possa perceber de forma mais nítida

as consequências, mudanças e desafios que esse processo comporta e de como se

apresenta à sociedade brasileira para que, com esses entendimentos, novas estratégias ou

caminhos possam ser delineados.

Breves considerações históricas relativas à proteção social no Brasil

As origens da proteção social no Brasil está diretamente ligada a algumas

particularidades de formação de nossa sociedade: uma economia rural, fundada no

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trabalho escravo, na monocultura e na grande propriedade. De acordo com Holanda

(2014) os portugueses instauraram no Brasil, uma civilização tipicamente de raízes rurais.

A grande lavoura, a exploração das terras e dos engenhos de cana, só foi possível, pela

força do trabalho escravo. A estrutura do Brasil colonial teve sua base montada, quase

que exclusivamente fora dos meios urbanos. Nos domínios rurais, a autoridade do

proprietário de terra era quase incontestável e tudo se fazia de acordo com sua vontade.

A família colonial configurou-se como retrato do poder, da obediência e da

responsabilidade.

Foi nos moldes das propriedades rurais que toda a vida da colônia se concentrou

durante os séculos iniciais da ocupação europeia e que, tampouco se modificou até a

abolição. Os anos de 1888 foi um marco divisório entre duas épocas: a monarquia

representada pelos fazendeiros escravocratas que monopolizavam a política e

posteriormente, o regime republicano, que com uma série de transformações sociais

(organização do crédito bancário, o incremento dos negócios, o estabelecimento de meios

de transportes modernos etc.) condicionam o fim da velha herança rural e colonial

baseada no emprego do braço escravo e na exploração das terras da lavoura. A abolição

marca no Brasil uma nova composição social: o fim do predomínio agrário para responder

às exigências mais regulares do modo de vida nas cidades e em muitos de seus aspectos,

à um centro de exploração industrial. (HOLANDA, 2014)

Freitas (2012) aponta que, dentre às prerrogativas iniciais, de proteção próxima e

de amparo aos destituídos e necessitados, importante papel assumiu a Igreja Católica,

desde o período colonial até meados do século XIX como instituição de auxílio. Todavia

é ainda no início do século XIX (marcado por inexpressiva urbanização e diversificação

de atividades mercantis), que começaram a surgir as primeiras instituições de caráter

filantrópico, desvinculadas da Igreja Católica e orientadas para algum tipo de proteção,

como as sociedades de auxílio mútuo organizadas pelos trabalhadores. Já nas primeiras

décadas do século XX, período de constituição do Estado republicano, tem-se um quadro,

marcado por um contexto de lutas sociais intensas, em busca de um bem comum.

Paiva et al (2012, p.50) completa, afirmado que:

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Fazendo-se um resgate da experiência Brasileira, caracterizada por uma

industrialização tardia, percebe-se que esta, configurou-se, desde o início, em

uma sociedade que também engendrou a desvalorização daqueles que

efetivamente trabalham, sobrepondo uma clara distinção daqueles detentores

de direitos e poder em relação aqueles destituídos de direitos. O debate

político-acadêmico relativo às políticas sociais propaga explícitas censuras ao

campo social assistencial, em parte devido a esse contorno ideopolítico que

tradicionalmente distinguiu a composição dessa área, com sua metamorfose

para benemerência ou filantropia, bem como sua resistente cercadura

clientelista e patrimonialista, próprias das relações políticas oligárquicas no

Brasil e continente.

Segundo Freitas (2012) é somente a partir de 1930 que o sistema de proteção no

Brasil se institucionaliza e à medida que de um lado ele se universaliza, de outro, ele

enfrenta fatores como o baixo investimento no campo e a degradação das condições de

acesso. Esse quadro reflete ao menos duas consequências: para trabalhadores de emprego

precário e de baixa remuneração, a proteção do Estado, se constitui como única garantia,

enquanto que, para aqueles que estão inseridos em melhores empregos e com condições

salariais mais elevadas, o próprio sistema, incentiva a busca complementar, muitas vezes,

por sua fragilidade.

Corroborando com Freitas (2012), Silva (2012, p.34) aponta que: “O Brasil não

viveu a experiência de generalização do emprego nem do Estado social conforme foi

desenvolvido nos países do capitalismo avançado”. Segundo a autora o sistema de

proteção social no Brasil, começa a ganhar destaque, mediante as relações formais de

trabalho (1930) e somente a partir de 1980, adquiri uma nova lógica (menos dependente

do trabalho assalariado e com vocação universal, mesmo que não plenamente adotada),

com a instituição da seguridade social em 1988.

Segundo Boschetti (2006), a constituição de 1988, foi um marco quanto aos

fundamentos das ações públicas para alcançar o objetivo de igualdade e justiça buscado

pelas sociedades democráticas que necessitavam de mecanismos capazes de promover e

garantir os direitos de cidadania da população. O desenho da seguridade social brasileira

a partir de então, passou a expressar a responsabilidade do Estado democrático frente as

demandas sociais e a garantir a proteção social aos sujeitos de direito.

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Todavia, Teixeira (2009) considera que, nos países periféricos, como o Brasil, a

montagem do sistema público é contraditória e marcada pela reprodução das

desigualdades sociais, além das interações constantes com o sistema privado. Às

condições de emergência e a expansão da ordem capitalista na sociedade brasileira, traz

reflexos relacionados à enorme concentração de renda, marcadas pelas disparidades entre

rendimentos do capital e do trabalho, e a super exploração do trabalho. Imensas massas

excedentes sobrevivem, num mercado marginal e informal da economia e a outras

expressões próprias da dinâmica conflitiva e contraditória da relação entre classes

antagônicas na periferia do sistema capitalista.

Mesmo expandindo o sistema público, a partir da Constituição Federal de

1988, o Brasil o faz numa lógica de assistencialização, de mínimos sociais, nas

políticas de acesso à renda; de precarização de serviços, mesmo os

formalmente universais, como a saúde pública, considerando que sua

implementação se dá numa conjuntura adversa às conquistas constitucionais,

como a crise da solidariedade social administrada pelo Estado. (TEIXEIRA,

2009 p.73)

No Brasil, um dos meios de prover a proteção social dos trabalhadores é advindo

dos benefícios da Previdência social pública que tem entre seus principais públicos, os

idosos. As pessoas com idade igual ou superior a 60 anos são consideradas idosas e têm

seus direitos assegurados pelo Estatuto do Idoso, que prevê, dentre suas garantias, o

direito à Saúde, à Previdência e à Assistência Social, previstos na Constituição Federal,

de 1988, como Seguridade Social2. A Previdência Social é administrada pelo Ministério

da Previdência Social, e o órgão responsável pela execução das políticas dessa área é o

Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. Dentre os benefícios e serviços da

previdência social está a aposentadoria, que pode ser adquirida por idade, invalidez,

tempo de contribuição e especial.

2 De acordo com a cartilha do idoso denomina-se seguridade social, um conjunto de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à Saúde, à Previdência e à Assistência Social. Todavia sabe-se que o estatuto do idoso enquanto instrumento normativo de outorga de direitos, na prática, ainda tem muito o que conquistar.

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Segundo Guillemard (1986) a aposentadoria aparece intimamente associada ao

ato de envelhecer. A passagem do estado de trabalhador ao de aposentado passa a

representar um dos maiores sinais sociais da entrada do indivíduo, na última etapa da

vida. Assim, a aposentadoria, uma vez institucionalizada, representa uma forma do

Estado de estruturar as relações entre velhice e sociedade, instituída como uma forma de

seguro, que confere ao trabalhador um direito à pensão e lhe assegura, uma vez vinda a

idade, um recurso de proteção. Para a autora, a segurança social econômica na velhice

não é mais um assunto privado, e sim coletivo. Ela estabelece, uma nova forma de

solidariedade, não mais doméstica ou comunitária, mas burocrática e nacional.

Envelhecimento, Trabalho e Aposentadoria: Os dados oficiais

Dados oficiais tem demonstrado que o envelhecimento das populações é um tema

que precisa ser trabalhado com atenção. A nível mundial têm-se observado uma

substantiva elevação da população idosa em relação a população jovem, o que traz

impactos nos arranjos demográficos sociais. Segundo os dados do Fundo de População

das Nações Unidas (UNFPA), em 2050, 80% das pessoas mais velhas do mundo viverão

em países em desenvolvimento e a população com mais de 60 anos de idade será maior

do que a população com menos de 15. Considerando-se os dados relativos ao Brasil,

pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE 2009)3 demonstram

que a dinâmica demográfica brasileira vem apresentando alterações significativas. Uma

série de fatores como a diminuição das taxas de mortalidade e fecundidade e aumento da

esperança de vida, combinada com os avanços da tecnologia, especialmente na área da

saúde, tem provocado uma rápida variação na estrutura etária brasileira. A figura

1composição da população residente por sexo, segundo os grupos de idade no Brasil

1999/2009, aponta um estreitamento significativo na base da pirâmide, com a redução do

contingente das crianças e adolescentes de até 19 anos de idade e ao considerável

3 Importante destacar que para construção desse artigo, utilizou-se os indicadores, do último censo realizado

pelo IBGE, visto que, são os dados mais atuais trabalhados pelo Instituto.

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incremento da população idosa de 60 anos ou mais. No período de 1999 a 2009, o peso

relativo dos idosos, no conjunto da população, modificou de forma considerável, a

estrutura piramidal. Esta alteração na distribuição etária, chama atenção, para um novo

retrato da configuração populacional brasileira.

Figura 1. Composição da população residente por sexo, segundo os grupos de

idade, Brasil 1999/2009

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 1999/2009.

Outro fator relevante, que faz-se necessário destacar, é o aumento da esperança de

vida, que traz reflexos para qualquer sociedade. A esperança de vida é um forte indicador,

que chama atenção dos governos e da sociedade civil, para como novos planejamentos e

políticas públicas devem ser pensados, em virtude de um novo “arranjo social

demográfico” que vai se estabelecendo, visto que, as pessoas passam a ter maiores

possibilidades de estender o número de anos vividos. Percebe-se que ao longo de 10 anos,

houve um aumento considerável de 3,1 % na esperança de vida, no Brasil. Os dados da

figura 2, representa a esperança de vida no Brasil, por unidades da federação, com valores

comparativos de 1999 e 2009.

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Figura 2. Esperança de vida no Brasil, 1999/2009

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 1999/2009.

A partir de dados ainda apontados pelo IBGE, é possível observar, o perfil sócio

demográfico de constituição da população idosa no Brasil e notar suas fragilidades.

Mulheres constituíram maioria (55,8%), sendo maior parte brancos (55,4%), com poucos

anos de estudo (50,2% possuem menos de 4 anos de estudo) e 57,9% já encontram-se

aposentados.

O estudo demonstrou um dado curioso, 64,1% dos idosos foram considerados,

ainda, a pessoa de referência em condição de domicilio, com renda domiciliar per capita

de até 1 salário mínimo (43,2%), ou seja, valor extremamente baixo para manutenção de

uma estrutura familiar. Os dados podem ser acompanhados conforme figura 3.

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Figura. 3 Pessoas de 60 anos ou mais de idade, segundo algumas características- Brasil -

2009

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 1999/2009.

Nesse sentido, faz-se interessante notar, a forma de constituição do arranjo

familiar que se estabelece nos domicílios desses indivíduos, conforme pode ser observado

na figura 4, pessoas de 60 anos ou mais de idade, residentes em domicílios particulares.

Os dados demostraram que: 30,7% vivem com filhos de 25 anos ou mais, o que constata

uma relação de convivência multigeracional. Esses dados representam de forma muito

peculiar que o idoso ainda pode possuir uma representação de “chefe de família”. E como

provedores passam a ser, muitas vezes, o esteio de uma organização familiar, hora

caracterizada por uma sociedade excludente, desigual, de baixos salários, trabalhos

informais ou até mesmo ausência de trabalho advindos de seus parentes próximos, filhos,

netos etc em que, diferenças de renda, sexo, cor, gênero entre outros, ainda se faz, muito

marcante em nossa sociedade.

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Figura 4. Pessoas de 60 anos ou mais de idade, residentes em domicílios particulares

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 20094.

A figura 5 representa as taxas de atividade dos idosos por gênero e o percentual

de idosos que receberam aposentadoria ou pensão por gênero em um comparativo de

1992, 2002 e 2012. Os dados demostram que a taxa de atividade, mantêm relação direta

com o mercado de trabalho, cenários econômicos e também com a previdência social. As

taxa de mulheres e homens idosos se mantem em decréscimo desde 1992, todavia

observa-se ampla expansão das taxas de proteção previdenciária de 1992 a 2002 e de

estabilidade de 2002 a 2012.

4 Referências dos indicadores:

(1) Exclusive pensionistas, empregados domésticos ou parentes do empregado doméstico.

(2) Domicílio com pessoas de 60 anos ou mais de idade morando sem cônjuge, filhos, outros parentes e

agregados.

(3) Domicílio com pessoa responsável e cônjuge, tendo ao menos uma de 60 anos ou mais de idade, sem

filhos, outros parentes e agregados.

(4) Domicílio com pessoa responsável com ou sem cônjuge, tendo ao menos uma de 60 anos ou mais de

idade, morando com outros parentes e/ou agregados de qualquer idade e sem filhos.

(5) Domicílio com pessoa responsável com ou sem cônjuge, tendo ao menos uma de 60 anos ou mais de

idade, morando com filhos e/ou com outros parentes e/ou agregados, de qualquer idade.

(6) Domicílio com ao menos um filho com menos de 25 anos de idade.

(7) Domicílio com pessoas de 60 anos ou mais de idade somente na condição de outro parente e/ou

agregado.

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Figura 5: Brasil - Taxas de atividade entre os idosos e proporção de idosos aposentados ou pensionistas

por gênero (1992, 2002 e 2012) (Em %)

Fonte: PNADs 1992, 2002 e 2012. Elaboração: SPPS/MPS

Já a figura 6 traz as taxas específicas de atividades dos homens em um

comparativo de 1992, 2002 e 2012 em porcentagem, segundo dados das PNADs.

Enquanto em 1992, aproximadamente 73% dos homens de 15 a 19 anos estavam

exercendo atividade, em 2002 essa taxa declina para aproximadamente 59%, e em 2012,

para 50%. Esse processo pode estar relacionado ao aumento da qualificação do indivíduo

para o mercado de trabalho. Na primeira faixa etária dos idosos, de 60 a 64 anos, as taxas

de atividade foram 70%, 66% e 62%, de forma aproximada e respectiva para os anos de

1992, 2002 e 2012.

Brasil: Taxas Específicas de Atividade dos Homens (1992, 2002 e 2012) (Em %)

Fonte: PNADs 1992, 2002 e 2012. Elaboração: SPPS/MPS

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Comparativamente aos homens, as mulheres também começaram a exercer

atividade cada vez mais tarde e a as taxas específicas de atividade das idosas é cada vez

menor. De 15 a 19 anos, a proporção de idosas exercendo atividade foi de

aproximadamente 46% (em 1992), 41% (em 2002) e 37% (em 2012). A partir dos 60

anos, as taxas de atividade sofrem retração com o passar dos anos. (PNADs, 1992, 2002,

2012)

Na comparação das taxas de atividade específica entre homens e mulheres a partir

dos 60 anos, a proporção de mulheres exercendo atividade é consideravelmente inferior

à proporção de homens. Enquanto que mulheres de 60 a 64 anos, em 2012, apresentavam

taxa específica de atividade de 30%, os homens, nessa mesma faixa, apresentavam taxa

de 62%. Esse cenário pode ser explicado pelo afastamento da mulher decorrente dos

afazeres domésticos, cuidados com filhos e ou netos etc.

Brasil: Taxas Atividade Específica das Mulheres (1992, 2002 e 2012) (Em %)

Fonte: PNADs 1992, 2002 e 2012. Elaboração: SPPS/MPS

Conclusão

A construção do Estado social no Brasil, se deu a partir de um sociedade fundada

em bases patrimoniais e o histórico da proteção social foi marcado por um contexto de

intensas desigualdades sociais. Assim, no Brasil, as lutas sociais, os mecanismos de

reivindicações, mobilizações, e da problematização de necessidades sociais ao longo do

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tempo, foram e são responsáveis pela busca de meios e mecanismos de proteção que

respondam pela minimização desses conflitos, por mais fragilizados que esses possam se

apresentar. Um estado de correlação de forças, entre aqueles que buscam ou lutam por

seus direitos e aqueles que emanam o poder, constitui importante elemento para se pensar

a estrutura social e os atores que dela faz parte.

Apesar da constituição, ampliação e consolidação dos mecanismos de proteção ao

longo do tempo, como por exemplo a redução da jornada de trabalho, férias,

aposentadoria, bem como a ampliação dos direitos sociais – acesso à educação, à saúde,

entre várias outras conquistas, resultantes, em sua maior parte, dos processos de lutas

sociais, ainda é triste a situação dos que estão a margem de uma integração social, como

é o caso, por exemplo, das pessoas idosas.

O estudo demonstrou que a histórico da proteção social no Brasil está marcado

pelas características fundantes de nossa sociedade: clientelista e patriarcal. Muito do que

se têm, mesmo garantido em constituição, precisa na prática, ser respeitado, para que os

direitos do cidadão possam prevalecer. Se faz dever do Estado garantir o mínimo de

proteções aqueles que se encontram vulneráveis e a margem de uma não integração social.

Muitas vezes, não por “não querer”, mas, muito mais, por “não conseguir”, já que o

sistema capitalista em sua correlação de forças, não o possibilita.

É preciso constituir essencialmente uma visão integrada de que sociedade, Estado

e cidadão precisam caminhar juntos. Dados empíricos tem demonstrado que o

envelhecimento tem crescido a nível mundial, e no Brasil não tem sido diferente. Os

dados desse estudo em particular, por meio de fontes secundárias, mostraram que, maior

parte dos idosos, se conjecturam como grupos que vivem com uma renda relativamente

baixa (de até um salário mínimo e com poucos anos de estudo), que maior parte se

encontram aposentados, mas que, muitos ainda, recorrem ao mercado de trabalho. Para

tanto, é preciso desvendar caminhos para que governo e sociedade possam juntos

trabalhar em prol de um envelhecimento cada vez mais ativo e saudável. Trabalhar de

forma pró ativa e não apenas reativa a favor do ato de envelhecer e assim, redescobrir

caminhos possíveis. Afastar-se do trabalho para aposentar-se, representa a última etapa

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da vida e para muitos velhos, a mais esperada, mas para outros, nem tanto. Diante desse

fato, porque não pensar, por exemplo, no campo organizacional, novas possibilidades de

aproximação daqueles que não desejam afastar-se dessa relação? Possibilidades essas que

sejam dignas, participativas e verdadeiramente cidadãs? Caminhos existem, é necessário

redescobrir e tentar.

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TRABALHO DOCENTE, SAÚDE MENTAL E APOSENTADORIA

Sirlene Maria de Oliveira

Colégio Estadual Novo Horizonte e Escola Municipal Laurindo Sobreira do Amaral

[email protected]

Resumo: Esta comunicação tem por objetivo refletir as razões que levaram os professores

do ensino fundamental do município de Goiânia a adquirir algum tipo de doença mental

tendo como consequência a aposentadoria antes do tempo previsto. O modelo econômico

atual tem como característica a globalização da estrutura produtiva e as relações de

trabalho aumentando a competição entre os países e as empresas e a uma individualização

das relações de trabalho, que provocaram um amplo processo de informalização e de

precarização das relações de trabalho. Essa informalidade está no centro desse novo

paradigma produtivo. A natureza do trabalho também mudou, passando da era da

produção industrial para a sociedade de serviços e do conhecimento. Essas mudanças

econômicas, também sociais e políticas mudaram a sociedade em que vivemos e

provocaram uma reestruturação e a reforma dos sistemas educativos, atingiu o trabalho

realizado pelos professores, as relações de trabalho, o processo de ensino. Atualmente,

no Brasil, os professores estão esgotados física e emocionalmente, possuem fatores que

são subjetivos para cada profissional.

Palavras chaves: Trabalho docente; saúde mental; aposentadoria.

INTRODUÇÃO

O modelo econômico atual tem como característica a globalização da estrutura

produtiva e as relações de trabalho aumentando a competição entre os países e as

empresas e a uma individualização das relações de trabalho, que provocaram um amplo

processo de informalização e de precarização das relações de trabalho. Essa

informalidade está no centro desse novo paradigma produtivo. A natureza do trabalho

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também mudou, passando da era da produção industrial para a sociedade de serviços e do

conhecimento.

Essas mudanças econômicas, também sociais e políticas mudaram a sociedade em

que vivemos e provocaram uma reestruturação e a reforma dos sistemas educativos,

atingiu o trabalho realizado pelos professores, as relações de trabalho, o processo de

ensino e também as relações familiares e seu cotidiano.

A consequência dessas mudanças foi a produção de sofrimento e adoecimento dos

professores. Houve um aumento gradativo de exigências com relação ao trabalho, uma

intensificação de atividades impostas a eles, um número excessivo de alunos, substituição

do colega que faltou, por doença ou não, constante capacitação para trabalhar com alunos

especiais, domínio de novas tecnologias, trabalhar em muitas instituições,

comprometendo seu rendimento e o desgaste físico e mental, sobrecarga de trabalho,

desvalorização profissional, manter o equilíbrio psicoafetivo dos discentes diante dos

problemas que possam surgir (indisciplina, tráfico e uso de drogas ilícitas, violência,

agressão verbal contra os professores, e etc.

O professor é um elemento de fundamental importância para o bom

funcionamento da escola, para tanto é necessário que o mesmo esteja com sua saúde

mental em boas condições para que possa contribuir de maneira satisfatória no processo

ensino-aprendizagem. A saúde mental do professor no ensino básico representa um grave

problema nos dias atuais. As doenças mentais fazem com que o professor deixe de realizar

com eficácia seu trabalho perdendo dessa forma o sentido de sua profissão.

As políticas educacionais criadas e adotadas com relação ao trabalho docente, de

alguma forma, comprometem o trabalho do professor que é intensificado e, na maioria

das vezes, não é percebido por ele e leva a uma situação de sofrimento, inicialmente, e se

a pessoa que está passando por este sofrimento não tiver condições de superá-la irá

adoecer, pois o mesmo está submetido a uma série de exigências.

Mas como chegar a hipóteses e variáveis capazes de explicar o estado físico e

emocional do professor? Tenho a intenção de arriscar algumas delas, as quais são: as

condições de trabalho geradas de um lado, pelas políticas educacionais criadas e adotadas

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com relação ao trabalho docente que, de alguma forma, comprometem essa prática e, de

outro, a ausência de compreensão de exatamente quais são essas políticas, o que está por

trás, que forças do inconsciente coletivo impede o professor de parar para refletir e

estudar sobre isso, do porque há falas cristalizadas e postas para a sua função. Sem contar,

ainda, com inúmeras outras angustias paralelas ou não como: as relações entre professor

e alunos, a violência urbana com que a sociedade é acometida influenciando os

indivíduos, a sobrecarga de trabalho, frustrações profissionais, os compromissos

financeiros e, até mesmo, nuances da sua vida privada.

Diante desse contexto, o objetivo desse estudo é compreender as razões que

levaram o professor a desenvolver ou adquirir algum tipo de doença mental que teve como

consequência a aposentadoria antes do tempo de serviço previsto.

Gasparini (2005), em seu artigo analisou os dados apresentados no relatório

preparado pela Gerência de Saúde do Servidor e Perícia Médica (GSPM) da Prefeitura

Municipal de Belo Horizonte, Minas Gerais, relativos aos afastamentos do trabalho de

funcionários da secretaria Municipal de Educação, de abril de 2001 a maio de 2003,

conclui que os dados obtidos, embora não permitissem discriminar o número de

professores envolvidos, possibilitaram o conhecimento do número de afastamentos entre

os professores, sendo que os transtornos psíquicos ficaram em primeiro lugar entre os

diagnósticos que provocaram os afastamentos. “A frequência do diagnóstico de

transtornos psíquicos entre as causas de afastamento no trabalho é inquietante”.

Gasparini em seu estudo apresenta dados de pesquisas realizadas por

pesquisadores em diferentes lugares do mundo, Zaragoza (1999), Málaga, focalizou a

evolução da saúde dos professores de 1982 a 1989, contabilizando as licenças médicas

oficiais dos professores de ensino universitários e concluiu que, no período de sete anos,

o número de professores em licença triplicou. Sendo que os diagnósticos mais frequentes

foram: distensões do tornozelo, laringites e depressões. Shonfeld (1992), realizou um

estudo longitudinal envolvendo 255 professores recém contratadas, na cidade de Nova

York, com o objetivo de estimar os efeitos das condições de trabalho sobre sintomas

depressivos no grupo alvo. Para avaliar o grau de nocividade do ambiente escolar foram

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desenvolvidos dois instrumentos: o Episodie Stressor Scale e o Strain Scale, distinguindo

estressores eventuais dos permanentes. Os resultados mostram uma forte associação entre

sintomas depressivos e ambientais de trabalhos nocivos, bem como o surgimento precoce

dos efeitos pesquisados, que se mantém mesmo quando outros fatores de riscos são

encontrados. Nesse estudo o autor lembra também dos resultados de sua pesquisa anterior,

que associam ambientes perigosos, frustrantes ou carentes de controle a doenças

depressivas. Pitthers e Fogarty (1995) também avaliaram o estresse e a tensão

ocupacionais em professores utilizando o Occupation Stress Inventory, instrumento que

avalia estresse ocupacional, sobrecarga acumulada e estratégias adotadas.

Os resultados foram associados à sobrecarga de trabalho e aos conflitos com os

superiores e as normas. Os autores desse estudo citam Punch e Tuetteman, realizada em

1990, que avaliou 574 professores da Austrália e encontrou níveis de estresse psicológico

duas vezes maior do que a população em geral. Estudos realizados nos EUA (1976),

Austrália, Nova Zelândia (1982) e Reino Unido (1991), citados pelos mesmos autores

mostram que um terço dos professores avaliados consideram seu trabalho “estressante”

ou “muito estressante”.

Gasparini também cita um estudo quali-quantitativo, onde 163 professores do

ensino fundamental de Santa Maria (RS) investigou o estresse e os seus principais agentes

desencadeadores, frente à inclusão de alunos com dificuldades educacionais especiais.

Nesse estudo, foram identificados vários agentes estressores com os quais o professor tem

de lidar no seu cotidiano profissional. A falta de preparo dos professores para o processo

de inclusão foi a principal fonte geradora de estresse por ele apresentada.

Os docentes pesquisados citam como fatores de agravamento do problema a quase

inexistência de projetos de educação continuada que os capacite para enfrentar a “nova”

demanda educacional; o elevado número de alunos por turmas; a infraestrutura física

inadequada; a falta de trabalhos pedagógicos em equipe; o desinteresse da família em

acompanhar a trajetória escolar de seus filhos; a indisciplina cada vez maior; a

desvalorização profissional e os baixos salários, situações que fogem de seu controle e

preparo. Sentimentos de desilusão, de desencantamento com a profissão foram

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frequentemente relatados, evidenciando a vulnerabilidade dos profissionais estudados ao

estresse.

A autora desse estudo conclui que as atividades pedagógicas permeadas por

circunstâncias desfavoráveis forçam a uma reorganização e improvisação no trabalho

planejado, distorcem o conteúdo das atividades e tornam o trabalho descaracterizado em

relação às expectativas, gerando um processo de permanente insatisfação e induzindo a

sentimentos de indignidade, fracasso, impotência, culpa e desejo de desistir, entre outros

(Najours, 2002).

Segundo Gasparini os dados e as conclusões dos estudos interessados em

descrever o perfil de adoecimento dos professores são convergentes independentemente

da população e da região estudada. Observou-se que os professores têm mais risco de

sofrimento psíquico de diferenciados matizes e prevalência de transtornos psíquicos

menores é maior entre eles, quando comparados a outros grupos.

E embora os dados acerca de afastamentos por licenças médicas não indiquem a

real dimensão do problema da saúde de uma categoria de trabalhadores, os indicadores

podem ser tomados como pistas sobre situações que merecem maior aprofundamento e

análise. No caso estudado por ela, os dados da literatura são coerentes com os registros

na Gerência de Saúde do Servidor e Perícia Médica, em Belo Horizonte, apresentados

anteriormente, os quais colocam em evidência a prevalência de afastamentos dos

professores, sendo os transtornos psíquicos responsáveis pelo maior número de casos.

De acordo com Gasparini, o acúmulo de conhecimento no campo de estudo das

relações de saúde e trabalho permitem supor associações entre os problemas de saúde

identificados na categoria dos professores e as condições econômicas de trabalho também

descritas na literatura consultada. Essa pesquisadora acredita serem úteis estudos voltados

para compreender a inadequação entre as mudanças educacionais propostas e

implementadas, e a realidade que os trabalhadores enfrentam nas escolas. As contradições

existentes podem estar na origem da exposição aos fatores de risco para o adoecimento

da categoria dos trabalhadores do ensino.

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Oliveira (2004) em seu estudo buscou identificar as condições de saúde mental

dos professores do ensino fundamental do município do Rio de Janeiro, realizou uma

pesquisa qualitativa, em setembro de 2002, participaram da pesquisa 58 professores.

Utilizou como instrumento de coleta de dados um questionário com perguntas abertas

relacionadas á sua atividade profissional.

A partir dos resultados encontrados, observou-se que os professores entrevistados

convivem em ambientes de forte tensão e hostilidade, declararam perdas salariais

constantes, convivem com uma desvalorização social da profissão e sofrem fortes

cobranças. Esses aspectos tornam os profissionais um grupo de risco para problemas

psicológicos, tais como depressão, ansiedade e estresse. Ao final da aplicação dos

questionários foi percebido que existe uma certa resignação sobre a realidade da

profissão, o que leva a um discurso quase uníssono de “sempre foi assim, e não vai

mudar”. Essa posição de desânimo explicita, assim, uma ausência de pragmatismo para

mudanças estruturais importantes partindo de sua própria postura. Foi possível notar um

brilho, ainda que discreto em alguns professores, quando afirmam que, mesmo com todos

esses aspectos negativos, ainda existe muito amor de sua parte por essa profissão e eles

não deixam de acreditar que essa profissão é uma das mais bonitas que existe.

Batista (2010) em sua tese pesquisou a ocorrência da Síndrome de Burnout na

categoria dos professores da primeira fase do ensino fundamental e suas implicações

quanto ao conforto ambiental, a autopercepção e ao gênero. Essa pesquisa foi realizada

com professores da primeira fase do ensino fundamental lotados na Secretaria Municipal

da cidade de João Pessoa, na Paraíba.

Chegou-se às seguintes conclusões, as condições de conforto ambiental as quais

o professor se submete em sala de aula identificadas neste estudo são inadequadas, as

condições térmicas ao excederem o limite mínimo recomendado implicando alto índice

de insatisfação; o ruído, ao se mostrar acima do limite de conforto acústico e do limite de

tolerância estabelecidos; e a iluminância, que na maioria das salas de aula estudadas se

apresentou abaixo do limite mínimo estabelecido pela respectiva norma, apontam para

uma situação de risco e de sobrecarga física de trabalho, através dos quais o professor

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tem seu desempenho atingido e sua saúde ameaçada. Tais condições são consideradas

altamente desconfortáveis podendo justificar o aparecimento de patologias relacionadas

ao trabalho.

Com relação ao discurso dos professores, pode-se concluir que a categoria docente

investigada apresenta uma autopercepção marcada pela baixa autoestima, pela falta de

reconhecimento, pelo sofrimento, pela sobrecarga de trabalho e por uma identidade

profissional afetada no dia-a-dia mediante a execução de tarefas que fogem de sua alçada

e do desamparo imposto pelos gestores, apesar de se colocarem também como

missionários e de alimentarem a esperança como sustentáculo da profissão.

A percepção da saúde da categoria docente apresentada por eles também

demonstra o desamparo e a precariedade das condições de trabalho. A ênfase dada aos

sintomas relacionados à saúde mental principalmente ao estresse, destacando as

características evolutivas da Síndrome de Burnout, contribui para a conclusão de que o

professor não está alheio à sua condição. Mais do que sentir os sintomas físicos que

justificam o surgimento de doenças relacionadas ao trabalho, existe a consciência de que

a categoria não está sendo cuidada como deveria e o limite que há tempos foi

ultrapassado.

Quanto á Síndrome de Burnout, Batista, confirmou a sua presença na categoria

docente através da constatação de altos índices que são, no mínimo, preocupantes,

corrobora a afirmação de que mais da metade dos professores da primeira fase do ensino

fundamental estão mentalmente doentes, apresentando sintomas de esgotamento,

despersonalização e baixa realização profissional.

A investigação na Junta médica Municipal da cidade de João Pessoa, Paraíba, a

respeito do conhecimento dos médicos peritos sobre a Síndrome de Burnout leva à

conclusão de que existe um total conhecimento da legislação por parte da maioria dos

médicos peritos, além da falta de treinamento e de informações a respeito das

características profissionais que tornam a categoria docente mais vulnerável a

determinadas patologias. Essa constatação transforma a Síndrome de Burnout em um

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problema não percebido entre os professores por parte de quem efetivamente deveria

identificá-lo, apesar de ser um problema comprovadamente existente.

As consequências dessa situação envolvem aspectos relacionados à adequação de

diagnósticos, uma vez que, não havendo um diagnóstico adequado o tratamento também

não será adequado e a reincidência torna-se mais recorrente; envolve também o aspecto

econômico, já que o afastamento do professor da sala de aula e a sua substituição têm um

custo para o Estado, como também seu tratamento: o tratamento inadequado implica em

mais tempo de afastamento e em tentativas recorrentes de acerto.

Foi observada relação entre o adoecimento da categoria docente e a diferença de

gênero, incluindo fatores atrelados à faixa etária e a distribuição de carga horária de

trabalho. A realidade para a qual o resultado desses estudos aponta, coloca as professoras

em uma condição diferenciada em comparação com os professores, principalmente no

que se refere à saúde mental; as professoras estão adoecendo mais e isso pode ser o

resultado de uma carga psíquica de trabalho maior.

Soares (2007) em sua pesquisa analisou a relação entre o trabalho docente e a

saúde mental dos professores de um dos Centros de Atenção Integral à criança e ao

Adolescente (CAIC) da cidade de Teresina e como os fatores que colaboram para a

sobrecarga do trabalho docente podem contribuir para o adoecimento psíquico destes

profissionais.

Sua pesquisa foi realizada a partir das informações fornecidas por 26 professores

do Centro de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente – CAIC, sendo que estes

lecionam no ensino fundamental dessa instituição. Foi aplicado um questionário com

perguntas mistas e fechadas, também foi utilizado um levantamento descritivo, uma vez

que reúne dados sobre a frequência com que alguns docentes percebem o seu trabalho

diante de diferentes varáveis e pela necessidade de obter informações sobre a perspectiva

de saúde mental desses professores.

A partir dos dados apresentados, foi constatado que é necessária uma análise mais

profunda, já que o índice de adoecimento foi grande, gerado ou por uma sobrecarga de

atividades ou até mesmo pela cobrança do próprio professor em atender a esse contexto

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de mudanças e novas exigências. Foi possível perceber que existe um sofrimento

psíquico, e esse sofrimento está ligado à dificuldade para operar as regras do ofício, como

a do “controle da turma” (que diz respeito à organização das condições de ensino em sala

de aula), ao número excessivo de alunos, às relações hierárquicas e, sobretudo, as atitudes

diante dos contextos sociais em mudança.

Valle (2011) em sua pesquisa investigou a presença de sintomas de estresse e a

qualidade do sono em professores da rede pública de Poços de Caldas, em Minas Gerais,

buscando uma correlação com o padrão ocupacional. Pesquisou uma população de 165

professores, através do ISS-LIPP, do PSQI-BR e do QFEP, para avaliar o impacto do

estresse na saúde do professor e na qualidade do sono.

Os dados encontrados revelaram que 59% dos professores apresentaram estresse,

a maioria na fase de resistência (39%) e com prevalência do estresse psicológico, 46,7%

dos professores dormem mal, verificou-se que a carga horária influencia conjuntamente,

evidenciando uma associação entre os sintomas físicos e psicológicos de estresse e de

sono.

As mulheres, parcela predominante da população estudada (88,5%), apresentaram

mais estresse físico que os homens (p=0,015). Esse estudo revelou a importância da

investigação do estresse e do sono na prevenção de transtornos na saúde mental do

professor, consequências sociais no trabalho e na qualidade de vida.

Valle enfatiza que a presença de estresse e a ineficiência do sono interferem na

saúde mental do professor e repercutem no plano ocupacional. Com todas as mudanças

nos dias atuais, principalmente no perfil do trabalhador, a organização exerce uma função

no desenvolvimento cognitivo como forma de valorização pelo serviço prestado.

Considera-se que, no trabalho, sentir-se valorizado e reconhecido é importante por

significar ser aceito pelo seu trabalho. O contrário reflete um sentimento de inutilidade,

de ser descartável para a organização.

Segundo Valle, no ambiente de trabalho, os agentes estressores são muitos. O

ambiente, por causa de suas normas, limita os indivíduos quanto às manifestações de suas

angustias e frustrações e não facilita a expressão dos sentimentos, que poderia auxiliar no

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enfrentamento dos problemas. O desgaste emocional a que as pessoas estão submetidas

nas relações com o trabalho e na vida diária é significativo na determinação de transtornos

relacionados ao estresse, como é o caso das depressões, ansiedade e doenças

psicossomáticas.

A maior conscientização dos indivíduos sobre os processos de doenças, o

reconhecimento e a identificação dos sinais e sintomas de estresse, de distúrbios do sono,

acompanhados de reações psicológicas, possibilita o diagnóstico precoce, com o objetivo

de administrar os agentes estressores, uma vez que as pessoas que experimentam o

estresse sofrem comum custo pessoal grande em termos de saúde física e de seu bem-

estar emocional.

A presença de sintomas de estresse na população de professores da rede pública

de Poços de Caldas, no sul do estado de Minas Gerais, confirma a hipótese de Valle de

que o estresse, quando afeta o professor, repercute na qualidade do sono.

A percepção dos problemas experimentados em saúde mental pelos professores,

provocados pelo estresse e suas consequências, a escola tem como implantar ações para

trabalhar com esses profissionais, reduzindo assim o maior sofrimento psíquico ou

mesmo as doenças e acidentes.

Gomes (2006) analisou os principais causadores do afastamento da regência dos

professores de 5ª à 8ª séries da rede municipal de Ipatinga, Minas Gerais. Foi realizado

um levantamento das licenças médicas ocorridas entre julho de 2004 a julho de 2005, o

que totalizou 594 afastamentos. Concluiu que o cotidiano do professor e as condições de

trabalho a ele oferecidas têm sido citados como grandes causadores de afastamento dos

mesmos da sala de aula.

Os afastamentos por problemas psicológicos tem sido os maiores causadores de

solicitações de licenças médicas pelos professores. O ritmo intenso de trabalho, suas

longas jornadas de trabalho, a tensão do ambiente escolar, o acúmulo de atividades do

professor bem como a indisciplina dos alunos e sua dificuldade de aprendizagem, tem

sido apontados como uma das fontes geradoras de doenças para os docentes.

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A exposição constante ao pó de giz, o contato diário com várias crianças em sala

de aula muitas vezes com ventilação nem sempre apropriada, as mudanças climáticas, e

a poluição das cidades, dentre outros fatores tem sido apontados como os principais

causadores dos afastamentos por problemas respiratórios.

Os problemas osteomusculares outro grande causador de afastamento do trabalho

pode ter causas relacionadas aos assentos nada ergonômicos, o uso constante do quadro

negro, os livros didáticos e materiais pesados que os mesmos carregam diariamente,

dentre outros fatores.

A assistência à saúde dos professores quando o doente é obrigado a afastar-se de

suas atividades por doenças adquiridas em ambiente de trabalhadores não deveria estar

relacionada a apenas exames admissionais, mudanças de cargos ou mesmo rescisórios ou

quando é obrigado a afastar-se de suas atividades por doenças adquiridas em seu ambiente

de trabalho ou não ou mesmo por falta de um trabalho preventivo com os mesmos.

São necessárias o desenvolvimento de ações educativas visando sempre a

promoção da saúde e prevenção de doenças, iniciando no processo de formação dos

professores e durante todo o processo de trabalho nas reais condições em que é realizado.

Para isso, os servidores de saúde por meio de políticas vigentes, devem

redimensionar e reestruturar a atenção à saúde dom professor trabalhador, visando

identificar mais precocemente os possíveis sinais de adoecimento dos professores, sendo

necessário também traçar linhas que consolidem uma política de valorização do

trabalhador em educação, afim de que se possa minimizar estes afastamentos do trabalho.

Jaen (2009) em seu estudo buscou investigar as (im) possíveis relações da

Educação e a Saúde Mental, tendo como objetivo específico a pretensão de saber da

provável relação do método de ensino do professor universitário e o modelo de gestão da

instituição em que trabalha. Esta empreitada se deu em função da experiência no ensino

da Psicopatologia Geral, uma das disciplinas que compõem o currículo dos cursos de

Psicologia, vivência essa que nos fez observar os efeitos do ensino explorarem a ambições

pedagógicas e tocarem o campo da subjetividade, fato que impulsionou a pesquisa de

campo para a averiguação da hipótese de que haveria uma relação indissociável entre

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Educação e Saúde Mental, bem como, o contorno de um estilo de trabalho. Deste modo,

foram entrevistados professores universitários – responsáveis pela disciplina indicada –

em todas as universidades públicas do estado de São Paulo que ofereciam o curso de

Psicologia, bem como, um mesmo número de professores num mesmo número de

universidades particulares, visando averiguar principalmente se os efeitos que

identificaram e para os quais tinham um nome específico também davam com esses

professores e se poderiam ser entendidos como frutos de articulação entre Educação e

Saúde Mental.

Jaen, constatou por meio do trabalho de campo, no que diz respeito aos objetivos

do ensino, a maciça prevalência de uma educação voltada para o mercado de trabalho,

fato que fez clara a interferência do modelo de gestão no que concerne ao método de

trabalho do professor. Contudo, o fato do modelo de gestão capitalista influenciar o

método de trabalho dos professores escutados, ao contrário do que poderiam supor, não

impossibilitou a articulação da Educação à saúde Mental, visto os professores terem,

apesar disso, conservado um estilo de trabalho cujo foco é o aluno enquanto sujeito que

é, denotando resistência em mercantilizar a relação professor-aluno. Desse modo, foi

verificado ser o professor possível aquele que busca a Educação em direção ao sujeito e

faz de seu método o anti-método porque seu trabalho é artesanal, considera cada aluno

como sujeito único, cada sala de aula que assume como passível de empreender uma

dinâmica particular. Nesses termos, Educação e Saúde Mental caminham de mãos dadas

porque não há ensino possível que não considere o sujeito.

Considerações finais

As condições oferecidas para o exercício da profissão implicam quase que

necessariamente uma diminuição da qualidade de vida e comprometimento da saúde

mental dos professores.

Os dados e as conclusões dos estudos acerca do adoecimento dos professores

coincidem independentemente da população e da região estudada. Observou-se que a

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partir dos resultados apresentados, que os professores entrevistados convivem em

ambientes de forte tensão e hostilidade, declararam perdas salariais constantes, vivem

uma desvalorização social da profissão e sofrem fortes cobranças. Estes aspectos tornam

os profissionais da educação um grupo de risco para problemas psicológicos, tais como

depressão, ansiedade e estresse.

Os resultados encontrados e apresentados demonstram a necessidade de

continuidade, aprofundamento e realização de outros estudos.

Referências Bibliográficas

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Fundamental: um problema de saúde pública não percebido. 2010. Tese (Doutorado em

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A Medicina Anti-aging no Brasil: controvérsias, demandas e caminhos em busca

da longevidade saudável.

Fernanda Rougemont

Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia – PPGSA /

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ

[email protected]

Resumo: A emergência de um movimento em torno do conceito “anti-aging” na década

de 1990 refletia mudanças na percepção do processo de envelhecimento. Avanços na

medicina e a ampliação da expectativa de vida foram um contexto favorável ao

questionamento de representações tradicionais da velhice e à busca por novas formas de

viver o envelhecimento. No Brasil, a Medicina Anti-aging é promovida por instituições

constituídas com o objetivo de explorar os princípios anti-aging e propor inovações,

apresentando críticas a concepções e práticas hegemônicas da medicina. Com base na

pesquisa realizada com profissionais adeptos da Medicina Anti-aging no Brasil e com

representantes do Conselho Federal de Medicina, contrários às práticas anti-aging, este

trabalho tem o objetivo de apresentar a abordagem médica anti-aging, destacando as

controvérsias em torno da definição do papel da medicina no âmbito do envelhecimento.

Ao propor uma medicina de prevenção de doenças e aprimoramento das condições do

corpo, a Medicina Anti-aging contesta padrões de normalidade associados ao processo

natural de envelhecimento, incitando um debate sobre as possibilidades de intervenção

neste processo.

Palavras chave: Anti-aging; envelhecimento; velhice.

INTRODUÇÃO

“Revolução é o colapso da ordem social em favor de um novo sistema... A

revolução da longevidade nos força a abandonar as noções existentes da

velhice e da aposentadoria. Essa construção social é simplesmente

insustentável diante do incremento de 30 anos de vida.”

- Alexandre Kalache, presidente do ILC-Brasil

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“A Medicina Antienvelhecimento é um termo odiado pelos cientistas mais

respeitados porque ninguém volta o relógio atrás. Mas não é exatamente isso

o que se pretende quando fala do “anti-aging” porque o “aging” é o

envelhecer mal. O aging não é não deixar o relógio passar. O aging é

combater aquilo que te faz ficar velho, no sentido de doença para quem tem

uma idade mais avançada.”

- Médico endocrinologista praticante da Medicina Anti-aging

O envelhecimento como fenômeno é abordado principalmente a partir de duas

dimensões, que embora associadas, constituem domínios distintos: de um lado, temos um

processo orgânico universal, definido por regras naturais; do outro, as representações, que

expressam a elaboração simbólica do curso da vida em diferentes sociedades e contextos

históricos. A partir desta divisão, a análise das representações da velhice implica a

consideração de fatores psicológicos, culturais, políticos e econômicos que moldam a

experiência de envelhecer tendo em vista a relação entre o processo biológico de

envelhecimento e a mudança nas condições de vida dos indivíduos.

Desde a modernidade, a potencialidade de longevidade tem sido analisada com

ceticismo a respeito das possibilidades de alterações no percurso fisiológico do

envelhecimento, na medida em que são destacadas limitações naturais que caracterizam

o ciclo de vida humano. Como destaca Katz (1995), a perspectiva iluminista, racionalista,

destacou a noção de duração de vida (lifespan) como um marcador simbólico das leis da

natureza, restringindo a possibilidade de longevidade extrema. É nesse contexto que a

velhice, como fase da vida, é delimitada como um estágio final marcado por sinais

sistemáticos da decadência física.

Com a institucionalização cronológica do ciclo de vida que caracteriza a

modernidade (Debert, 2007), a velhice passou a ser delimitada por classificações etárias,

estabelecidas de modo a coincidir com determinado estágio do percurso biológico do

corpo. Essa delimitação determina e restringe o lugar daqueles considerados “velhos” ao

estabelecer direitos e deveres específicos, ao passo em que promove relativa

homogeneização da experiência de envelhecer. Neste cenário o envelhecimento é

percebido como uma trajetória decrescente no que se refere à participação dos indivíduos

na vida em sociedade.

Em uma perspectiva ecológica, Ingold (2000) sugere uma abordagem da pessoa

organismo, na qual o corpo é pensado como resultado da atividade do viver, na medida

em que essa atividade influencia a forma como o corpo se constitui. Ingold contrapõe

uma visão da natureza humana que preceda e seja independente dos diferentes modos

com que os humanos vivem suas vidas. Essa abordagem é pertinente para a realização de

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uma aproximação entre a dimensão física do envelhecimento e as transformações nas

representações sobre a velhice. Para pensar a mudanças na percepção e na vivência do

envelhecimento é necessário considerar, sobretudo, o corpo que envelhece nas condições

em que envelhece. Da mesma forma que a as condições concretas de vida do indivíduo

influenciam as representações, as representações do envelhecimento delimitam práticas e

estabelecem possibilidades para esta vivência.

Como destacam Minayo e Coimbra Jr (2002), a visão negativa da velhice está

associada à ideologia produtivista das sociedades modernas capitalistas industrializadas.

O olhar sobre a pessoa que envelhece é dirigido à perda de capacidades físicas e,

consequentemente, à redução da capacidade de trabalhar e produzir. A ideia de velho é

associada à vulnerabilidade, tanto física quanto social. É essa vulnerabilidade que

delimita o envelhecimento como um “problema” para a sociedade, principalmente do

ponto de vista da saúde. Se, por um lado, a longevidade é associada às melhorias nas

condições de saúde da população, por outro, a relação entre envelhecimento e

adoecimento expõe ambiguidades e dilemas da abordagem biomédica da velhice. Ao

mesmo tempo em que a fragilização do corpo é associada a um processo natural,

previsível e inevitável, o prolongamento contínuo da extensão da vida humana propicia o

questionamento de concepções consolidadas sobre o processo de envelhecimento.

A década de 1990 se destaca neste contexto como um período marcado pelo

surgimento de um movimento de contestação da perspectiva tradicional do

envelhecimento e da velhice, definida a partir das limitações, das perdas e do isolamento

dos indivíduos, buscando a promoção de uma perspectiva positiva da velhice com maior

participação na sociedade e mais oportunidades. Com este intuito, a OMS definiu o

conceito de envelhecimento ativo, estabelecendo como meta a promoção do bem-estar

físico, mental e social ao longo do processo de envelhecimento, de modo a garantir a

autonomia e independência dos indivíduos. (World Health Organization, 2005). O

envelhecimento ativo inclui a noção do envelhecimento saudável, mas transmite uma

mensagem mais abrangente.

Neste mesmo cenário emergiu um movimento em torno do conceito “anti-aging”,

termo que sugere, a princípio, um enfrentamento do processo de envelhecimento. Como

define Kampf e Botelho (2009, p. 188, tradução minha), anti-aging é a “ideia de que os

conceitos médicos ou quase-médicos podem intervir no processo de envelhecimento para

retardar, parar ou mesmo reverter o processo de se tornar velho”.

Embora o rótulo anti-aging nomeie diferentes práticas, concepções e vertentes, a

introdução deste conceito, através da organização de grupos específicos, no contexto

médicocientífico tem suscitado controvérsias em torno da abordagem biomédica do

envelhecimento, gerando conflitos no plano institucional. No Brasil, a atuação dos

médicos adeptos da Medicina Anti-aging e a promoção desta perspectiva têm sido

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criticadas e combatidas pelas instituições médicas oficiais, especialmente pelo Conselho

Federal de Medicina (CFM). Tal conflito delimita a Medicina Anti-aging como uma

prática dissidente e ilegítima, que, todavia, tem de destacado e atraído adeptos.

A partir da pesquisa realizada com médicos praticantes da Medicina Anti-aging e

com representantes do Conselho Federal de Medicina, este trabalho tem o objetivo de

apresentar a abordagem médica anti-aging no Brasil, destacando as controvérsias em

torno da definição do papel da medicina no âmbito do envelhecimento. Considerando

entrevistas semiestruturadas e documentos jurídicos, institucionais e de mídia, apresenta-

se uma análise dos fatores que favorecem a emergência das práticas anti-aging. A partir

da identificação das estratégias de organização e divulgação da Medicina Anti-aging, será

discutido os efeitos da atuação desses profissionais na relação entre a vivência do

envelhecimento e o cuidado médico.

CRÍTICAS E CONTROVÉRSIAS: O CONTEXTO DO DESELVOLVIMENTO

DA MEDICINA ANTI-AGING NO BRASIL

Bruno Latour (2011) sugere que as discordâncias evidenciam as

associações de elementos a partir dos quais se estabelece uma alegação ou enunciado.

Nesta perspectiva, as controvérsias explicitam e tornam possíveis definições precisas de

conceitos e concepções. A partir dos princípios teórico-metodológicos da Teoria Ator-

rede (2012), a pesquisa tem como ponto de partida o conflito entre o Conselho Federal de

Medicina, autarquia que representa a classe médica e regula o exercício da medicina no

Brasil, e Academia Brasileira de Medicina Antienvelhecimento (ABMAE). Uma vez que

a ABMAE se destacou como principal instituição de representação coletiva dos

profissionais adeptos de práticas anti-aging no âmbito das disputas judiciais, esta

organização é o ponto de referência para traçar a rede através da qual a Medicina Anti-

aging se estabelece no país.

Fundada em 1999, a ABMAE se consolidou como um centro de estudos do

envelhecimento que tem por objetivo buscar inovações para tratar esse processo. Com

influência direta da American Academy of Anti-aging Medicine (A4M), criada nos

Estados Unidos em 1993, a ABMAE atuou na divulgação, entre profissionais da saúde,

de uma perspectiva médica baseada no conceito anti-aging que se desenvolvia no

contexto médico americano. Em cerca de duas décadas, a instituição organizou

congressos, seminários e cursos através dos quais apresenta os princípios da Medicina

Anti-aging, bem como incentiva a discussão de diferentes aspectos do funcionamento do

corpo que poderiam ter impacto sobre o declínio físico associado ao envelhecimento.

Latour (2012) defende que não existem grupos estáveis que possam ser

delimitados, apenas a formação de grupos através de um processo constante de laços

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instáveis, incertos, mutáveis e compostos por diferentes elementos. Nesta perspectiva, a

estabilização de um grupo é um aspecto provisório. Para que seja possível delinear esses

grupos em formação é necessário seguir os traços deixados pelas controvérsias. Neste

sentido, a oposição do Conselho Federal de Medicina (CFM), o qual detém a função de

organizar e disciplinar a atividade médica no país (Brasil, 1957), é fundamental para

identificar a existência de uma esfera distinta de práticas médicas, sobretudo no que se

refere ao envelhecimento, bem como para a definição do que é a Medicina Anti-aging.

A publicação da Resolução 1.999/2012 pode ser considerada um marco da

trajetória da Medicina Anti-aging no Brasil, na medida em que formalizou a reprovação

de métodos, diagnósticos e tratamentos anti-aging, estabelecendo, institucionalmente, um

veto a essas práticas. Focando no compromisso que os médicos têm com os princípios

éticos da profissão, especialmente em relação aos limites que devem respeitar, o

documento estabelece uma relação direta entre as proibições estabelecidas e o

comprometimento com a base científica da medicina. São destacados aspectos da ética

médica que tornam as práticas da Medicina Anti-aging inviáveis, como é o caso do veto

à divulgação de informações de forma promocional, sensacionalista ou inverídica e da

proibição da prática de terapias de forma experimental.

A resolução tornou pública a contestação do embasamento científico da Medicina

Anti-aging e criou a possibilidade de efetivar medidas para barrar a expansão destas

práticas no país, como, por exemplo, a denúncia de profissionais que realizem os

procedimentos vetados. Esta conduta do Conselho promoveu a organização explicita de

posicionamentos contrários e favoráveis dentro da comunidade médica, delimitando os

médicos praticantes da Medicina Anti-aging como parte dissidente, na medida em que

defendem uma medicina considerada alheia à medicina oficial e científica.

Embora a resolução tenha sintetizado e definido práticas específicas a serem

identificas como Medicina Anti-aging e, portanto, ilegítimas, este evento favoreceu o

estabelecimento de uma instância de discussão a respeito da validade de propostas de

intervenção no envelhecimento e da tendência de surgimento de empreendimentos com

este objetivo. Em um fórum realizado em agosto 20161, membros do CFM e médicos

especialistas em geriatria destacaram que a expectativa de vida atual e as projeções do

envelhecimento da população, uma tendência observada em diferentes países, cria um

contexto propício à proliferação de organizações que pretendem oferecer uma solução

para o envelhecimento. Estes empreendimentos, diante da urgência de apresentar

soluções, negligenciariam os critérios científicos necessários para a construção de

práticas favoráveis a saúde e seguras para as pessoas. O aumento no número de pessoas

velhas seria também o aumento de um mercado específico, no qual a ideia do “anti”

reflete a exploração dos medos em relação ao processo de envelhecimento: é “anti-medo”,

Anti-o que nos assusta”, nas palavras de uma das palestrantes do fórum.

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O conflito criado na comunidade médica com a consolidação e expansão da

chamada Medicina Anti-aging explicita a emergência de discursos e práticas divergentes

que se organizam em torno da meta de um envelhecimento saudável e ativo. É a própria

ideia de envelhecimento saudável que é colocada em disputa, assim como as estratégias

possíveis e necessárias para atingir este objetivo.

A Medicina Anti-aging ao ser delimitada como uma prática a ser evitada e

combatida, se destaca como uma abordagem alternativa de medicina para o

envelhecimento. Para compreender qual o diferencial desta abordagem é pertinente

considerar um processo anterior à publicação da Resolução 1.999/2012. O Parecer-

consulta n° 23/12 foi elaborado pelo CFM como registro de uma análise multifatorial da

proposta da Medicina Anti-aging. O documento foi produzido após a iniciativa do diretor

do Grupo Longevidade Saudável, instituição fundada em 2002 e dedicada à Medicina

Anti-aging no Brasil, que tinha a intenção de regularizar as práticas no país. As

consequências desta iniciativa, contudo, foram contrárias aos objetivos da requisição.

O parecer serviu de base para justificar as proibições estabelecidas na resolução.

Ao analisarem as referências bibliográficas indicadas pelo diretor do Grupo Longevidade

Saudável, os membros da Câmara Técnica de Geriatria, responsáveis pelo processo,

destacaram que poucos estudos contemplavam o uso de hormônios, vitaminas e minerais

em grupos de idosos, mais propensos a apresentar efeitos colaterais decorrentes do uso

de medicamentos e tratamentos médicos. O texto ressalta a ausência de pesquisas que

estabeleçam uma relação direta entre o uso de hormônios específicos e a chamada

“modulação do envelhecimento saudável”. A análise sugere, ainda, a ausência de estudos

clínicos satisfatórios e aponta a inexistência de referências mais recentes, apresentando

uma queda, nas referências indicadas, de pesquisas realizadas na última década.

Após a retirada de repetições, a Câmara Técnica de Geriatria do CFM

examinou um total de 3.992 referências, publicadas no período de 1935 a 2006,

das quais apenas 49 abordavam o tema do envelhecimento (1,22%) e não eram

específicos sobre a modulação do envelhecimento. Ressalte-se que no período

de 2000 a 2006 foram encontradas 1.130 referências, e nenhuma após 2007.

(Conselho Federal de Medicina, 2012a, p.5)

É pertinente destacar que a avaliação feita pelo Conselho considerou os diferentes

fatores abordados na proposta da Medicina Anti-aging individualmente, de modo a

analisar o impacto de cada um deles na modulação do envelhecimento saudável.

Hormônios como “melatonina”, “testosterona”, “cortisol” foram avaliados no âmbito da

relação entre seu uso e o retardamento/reversão do envelhecimento. Ao final de cada

análise particular, o documento destaca que as referências indicadas não apresentam

relação entre o uso do hormônio e a “modulação do envelhecimento saudável”. A partir

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desta análise, o parecer-consulta apresenta apontamentos do Conselho a respeito do

envelhecimento e dos desvios que são observados na conduta defendida pelos praticantes

da Medicina Anti-aging.

O processo biológico de envelhecimento do organismo humano é

acompanhado de natural decréscimo na produção endógena de alguns

hormônios sem que este fato seja considerado como a causa do

envelhecimento. A maior longevidade ou expectativa de vida do homem atual

não se deve ao tratamento com “modulação de hormônios bioidênticos”, mas

sim a toda uma melhora nas condições de vida, incluindo a alimentação,

moradia e sanitárias, as intervenções médicas de controle de várias doenças

como hipertensão, diabetes, doenças psiquiátricas, prevenção de doenças

infectocontagiosas etc. (Conselho Federal de Medicina, 2012a, p.16)

O uso de hormônios com a finalidade de “rejuvenescer” o organismo é visto como

uma prática não apenas desnecessária e ineficiente, já que a introdução de certos

hormônios faria com que a produção endógena fosse reduzida, mas também perigosa,

uma vez que em grandes quantidades poderia provocar alterações que levam ao

desenvolvimento de doenças como câncer e diabetes. Embora terapias hormonais estejam

sendo investigadas para avaliar possíveis benefícios para a saúde, o parecer ressalta que

não há nenhum estudo conclusivo até o momento que justifique o estabelecimento destas

terapias na rotina de cuidado médico. Como ressalva, o texto indica a existência do

Projeto Diretrizes, organizado pelo Conselho Federal de Medicina em parceria com a

Associação Médica Brasileira (AMB), que estabelece condições nas quais o uso de

hormônio é indicado. Não obstante, ressalta-se que esse uso é feito com critérios

embasados por pesquisas científicas e somente nos casos em que a terapia

tem comprovado benefício, considerando a escala criada com base no nível de evidências

científicas que vai de A a D, sendo D a indicação de ausência de consenso e estudos

fisiológicos.

Para destacar a ausência de evidências científicas na proposta terapêutica da

Medicina Anti-aging, principalmente no uso de hormônios, são elencados no parecer-

consulta análises, pareceres, declarações e comunicados oficiais de outras instituições,

nacionais e internacionais, que reforçam a desconfiança em relação à eficácia e segurança

destas práticas associadas à possibilidade de prevenir o envelhecimento. Dentre as

instituições citadas estão o National Institute on Aging (NIA), a Associação Médica

Americana, Food and Drugs Administration (FDA), Sociedade Brasileira de Geriatria e

Gerontologia (SBGG), além de representantes de sociedades médicas e pesquisadores,

como Thomas Pearls, geriatra que tem atuado como um “caçador” de práticas

pseudocientíficas e charlatanismo, sobretudo no âmbito de propostas anti-aging. A

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avaliação feita pelo Conselho, com base em uma análise particular é associada e reforçada

por um contexto mais amplo e anterior de estudos e analises das proposições da Medicina

Anti-aging.

1. Diante da extensa literatura já publicada sobre o assunto e como ainda não

existem evidências científicas de que o processo do envelhecimento seja

causado pela redução da produção hormonal, está contraindicada a prescrição

de terapia de reposição de hormônios como terapêutica antienvelhecimento

com os objetivos de prevenir, retardar, modular e/ou reverter o processo de

envelhecimento; prevenir a perda funcional da velhice; e prevenir doenças

crônicas e promover o envelhecimento e/ou longevidade saudável (nível de

evidência A). (Conselho Federal de Medicina, 2012a, p.44)

Com base nas análises e considerações apresentadas no parecer, a resolução, como

síntese do processo de avaliação, determina a proibição de qualquer terapia com o

objetivo de prevenir, reverter ou modular o envelhecimento. Este documento também

aborda o uso de vitaminas e sais minerais neste mesmo contexto, além de interditar o uso

de exames específicos, como o de saliva, para diagnóstico dos pacientes, uma vez que as

metodologias utilizadas não são respaldadas por consenso na comunidade médico-

científica a respeito da confiabilidade dos parâmetros utilizados. Deste modo, exames

específicos utilizados para definir problemas específicos, como o conjunto de “pausas”

hormonais, são considerados práticas alheias à medicina científica e oficial,

deslegitimando, consequentemente, a terapêutica baseada em definição própria de

condições a serem tratadas. Afirma-se na resolução que:

O envelhecimento é uma fase do ciclo normal da vida, não devendo ser

considerado doença que necessita intervenção medicamentosa. O

envelhecimento associado a doenças, especialmente em pacientes frágeis e

muito idosos, envolve riscos específicos relacionados ao uso de medicamentos,

determinando a necessidade de um maior cuidado, mesmo em condições

patológicas, tendo em vista suas vulnerabilidades, perspectivas e diferentes

prioridades. (Conselho Federal de Medicina, 2012b, p.5)

Courtney Mykytyn (2007), ao analisar a Medicina Anti-aging no contexto

americano, utiliza os conceitos de “processo” e “evento”, no âmbito biológico, para

destacar a ambiguidade do envelhecimento em relação aos parâmetros biomédicos de

normalidade e doença. A autora destaca que o envelhecimento tem sido considerado um

processo natural, no qual há uma série de acontecimentos fisiológicos cronologicamente

orientados que conduzem a mudanças nos órgãos, sistemas e moléculas que tornarão o

corpo propenso aos eventos de doenças. Se, por um lado, a noção de processo é indefinida

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e menos rígida, por outro, as doenças decorrentes do processo, como eventos, tem um

início e uma causa bem definidos.

Mykytyn sugere que a biomedicina se estabeleceu centrada nesses eventos,

atuando sobre doenças definidas através da demarcação de suas etiologias particulares.

Desse modo, a biomedicina opera a partir da noção de “normalidade”, onde o desvio da

norma é visto como indicativo de um problema existente que precisa ser tratado. As

doenças associadas à velhice tratadas como eventos, todavia, estão previstas como parte

do processo de envelhecimento na medida em que as transformações no corpo ao longo

do tempo propiciam seu desenvolvimento. Esta classificação torna a definição de

condições específicas a serem medicalizadas um ponto crítico da abordagem biomédica

do envelhecimento.

Na avaliação do Conselho, observa-se que a análise das propostas de tratamento

antiaging é feita a partir de sua adequação aos parâmetros, conceitos e métodos já aceitos,

estabelecidos e considerados legítimos por terem passado pelo rigor científico. Além

disso, a avaliação tem como direcionamento a verificação de eficácia das propostas em

relação ao objetivo de “prevenir o envelhecimento”, considerando esta a meta que

justifica e impulsiona a Medicina Anti-aging. Todavia, as controvérsias não se limitam

nem se iniciam na dimensão da eficácia dos tratamentos e técnicas anti-aging. Antes

disso, a Medicina Anti-aging parte da construção de um padrão distinto, que passa por

uma concepção divergente de como a medicina pode intervir no processo de

envelhecimento. A narrativa própria criada pelos profissionais da Medicina Anti-aging

promove uma concepção do envelhecimento que explora as ambiguidades da divisão

entre o envelhecimento como processo natural e inevitável e o envelhecimento como

processo que conduz à fragilização e propicia o surgimento de doenças.

A respeito da necessidade de alertar e proteger os pacientes dos riscos de se

submeter aos tratamentos da Medicina Anti-aging, um artigo publicado na revista The

Gerontologist ressalta que estas práticas tem se disseminado progressivamente. Os

autores destacam que as mensagens de alerta promovidas na saúde pública tem surtido

pouco efeito sobre a expansão das práticas anti-aging (Mehlman et al, 2004). Análises

recentes mostram que a tendência de crescimento do mercado anti-aging se mantém, com

a expectativa de movimentar mais de 200 bilhões em 2021 (Zion Market Research, 2016).

No contexto brasileiro, há um explicito aumento da preocupação com a

proliferação de cursos de formação de profissionais da saúde na perspectiva anti-aging e

com a expansão na oferta deste tipo de tratamento. Neste contexto, é pertinente conhecer

o modo como a Medicina Anti-aging efetivamente se organiza, quem são seus praticantes,

por que estes profissionais se interessam por essas práticas e de que forma constroem e

promovem uma medicina que pretende ser “anti-aging”.

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71

UMA NOVA MEDICINA DO ENVEVELHECIMENTO? A NARRATIVA DA

MEDICINA ANTI-AGING.

O termo anti-aging, assim como antienvelhecimento, tem sido utilizado para

designar e distinguir um grupo específico de profissionais da saúde, sobretudo médicos,

que atuam a partir da perspectiva de que é possível alterar a forma como envelhecemos.

Todavia, uma vez que se trata de uma vertente ilegítima e rejeitada pelas instituições

médicas oficiais, todos os profissionais adeptos foram, antes, médicos formados por

meios tradicionais. É pertinente considerar, portanto, a trajetória desses profissionais e a

introdução deles a este campo em formação.

Como sugere Becker (2007), não é possível estudar um grupo isoladamente, pois

sua distinção depende da rede de relações que estabelece com outros grupos, na qual se

originou. A partir da abordagem do dissenso entre o CFM e as instituições que promovem

a Medicina Anti-Aging, porta-vozes no sentido que defende Latour (2012), foi possível

identificar uma reação ambígua por parte dos médicos adeptos da abordagem anti-aging.

Embora neguem uma real oposição entre as práticas da Medicina Anti-aging e a medicina

convencional, aquela representada pelo CFM, e atribuam o conflito a uma interpretação

equivocada dos objetivos da Medicina Anti-aging, os médicos justificam sua adesão

através de críticas às práticas convencionais. Estes médicos associam a Medicina Anti-

aging a um esforço em conseguir superar limitações que observavam em sua formação e,

principalmente, nos padrões da medicina a que haviam sido acostumados. Parte dos

pesquisados, ainda, foi introduzida à perspectiva anti-aging como pacientes antes de se

tornarem profissionais destas práticas. Como característica comum, todos os médicos são

adeptos das terapias anti-aging, aplicando em si mesmos os recursos que caracterizam a

Medicina Anti-aging.

Eu estava envelhecendo, estava cheia de dor, com depressão, problemas

cardíacos. Então eu comecei a orar e pedir, mas é isso mesmo. [...] Eu moro

em uma casa que tem muita escada e eu parava, menina. Olha, eu tenho uns 22

degraus ali mais ou menos, 22, 24 degraus. Eu parava umas três vezes. Sabe?

E eu sou cardiologista. E eu falava assim “Gente, se isso é a velhice, eu tenho

que construir um quarto para mim aqui embaixo. Porque se agora eu já estou

assim, como é que eu vou estar ano quem vem? Bem pior. Eu já tenho que

construir um quartinho aqui embaixo. Porque daqui a pouco eu não vou

conseguir subir mais para o meu quarto lá em cima.”. E eu comecei a pedir

para Deus “Meu Deus, me cura, me mostra o que eu tenho que fazer. Como é

que vai ficar minha vida?”. E sabe que Deus me mostrou esse curso?

E graças a Deus a primeira tratada por mim fui eu. (Médica cardiologista,

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especialista em práticas ortomoleculares e medicina estética. Rio de Janeiro, 4

de agosto de 2015.)

Se, por um lado, estes médicos são acusados de charlatanismo e de se

aproveitarem do medo que as pessoas têm do adoecimento e das limitações físicas da

velhice para obter vantagens financeiras, por outro, eles afirmam que a medicina oficial

está estagnada em uma estrutura de interesses que transpõe o objetivo central da prática

médica de preservar a saúde e o bem-estar dos pacientes. Os médicos da Medicina Anti-

aging investem em denúncias sobre práticas difundidas entre a população que, apesar de

seus efeitos nocivos à saúde, são tolerados ou negligenciados pelas autoridades, incluindo

as instituições médicas. Mais além, defendem que a própria noção de saúde e de

normalidade tem sido deturpada pela acomodação a interesses de setores que influenciam,

direta ou indiretamente, no sistema de saúde e atendimento médico, como é o caso da

indústria farmacêutica, das empresas de planos de saúde e da indústria alimentícia. O uso

produtos industrializados na alimentação cotidiana da população e de substâncias

químicas na produção e conservação de alimentos, a utilização de agrotóxicos, a

modificação genética de grãos e a prescrição de medicamentos cujo uso

prolongado provoca efeitos colaterais e dependência são vistos como fatores de agressão

constante às condições de saúde das pessoas.

[...] quando você passa um antidepressivo, anti-hipertensivo, esses remédios

que usam sempre, o próprio representante quer me dar um presente. Eu nunca

ganhei porque eu não trabalho com remédios alopáticos quase, então meu

carimbo não está lá. E nunca vi algum amigo meu que me comentou isso, mas

a gente ouve muito esse comentário. É claro que o CRM não tem nada com

isso, né, ele não pode impedir ninguém de ganhar um presente do outro,

etcétera e tal. Mas a indústria farmacêutica move os médicos e os médicos é

que dominam o CRM. Então talvez seja por isso que tenha esse conflito tão

grande, a gente tem um conflito de interesse. (Médico clínico geral,

especialista em medicina estética e prática ortomolecular. Rio de Janeiro, 4 de

agosto 2015)

Mas você pode saber que todo pão que você come é transgênico, porque não

existe farinha de trigo sem ser transgênica. Toda soja que você comer também

é transgênica. Então quando você pegar aquele pão de 12 cereais que você acha

assim “Ah, maravilha! Aqui tem tudo quanto é cereal, não sei o quê, vou ficar

ótima, vou ficar saudável!”. Não, eu acho que é pior ainda. Porque ali tem

milho transgênico, tem farinha de trigo transgênica e tem a soja transgênica.

Além das inulinas, todas as coisas que colocam e que estragam o pão. Que cai

no seu intestino, que abrem as paredes do intestino, então entra tudo quanto é

sujeira que estiver no seu intestino para o sangue. (Médica cardiologista,

especialista em práticas ortomoleculares e medicina estética. Rio de Janeiro, 4

de agosto de 2015)

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Na apresentação dos princípios da Medicina Anti-aging, os membros fundadores

da ABMAE Horibe e Horibe (2010) destacam que a modernidade é caracterizada por um

estilo de vida marcado por rotinas estressantes e sedentárias e uma alimentação composta

principalmente pelas opções fornecidas pela indústria alimentícia. Esses fatores são

considerados um obstáculo ao desenvolvimento e funcionamento saudável do organismo.

Nesta perspectiva, uma vida mais longa é acompanhada por condições instáveis de saúde,

na medida em que o corpo está inserido em um contexto de privações de recursos

necessários e exposto a situações desfavoráveis a seu funcionamento normal.

Os médicos definem a Medicina Anti-aging como “uma medicina do estilo de

vida”, destacando como diferencial o foco na prevenção. Os profissionais defendem que

as doenças são antecedidas por alterações nas funções do corpo, as quais ocorrem por

diferentes fatores. Seria possível, então, definir uma abordagem médica que atue sobre os

fatores que favorecem as disfunções e o surgimento de doenças. Neste âmbito, destacam-

se as alterações no funcionamento normal do metabolismo que desencadeariam as

chamadas “doenças metabólicas”, as quais são diretamente associadas ao processo de

envelhecimento, uma vez que sua incidência ocorre principalmente nas faixas etárias mais

velhas.

[...] quando eu recebi um prospecto de um simpósio em New Jersey, eu me

entusiasmei: o que é isso? A dúvida que veio para mim foi “o que é isso?”. Fui

lá. O simpósio durou quatro dias. Saí de lá, assim, empolgado, com uma nova

visão da medicina. Qual era a nova visão? Uma visão de antecipação, referente

ao histórico das doenças que eles chamam de "doenças metabólicas", que nós

conhecemos como "doenças crônicas". Antecipar o quê? O seu diagnóstico no

processo de envelhecimento nosso. Como é que pode instalar diabetes, câncer,

todas essas doenças que eles chamam de metabólicas, mas são doenças

crônicas, não é? Então, a definição do anti-aging quando eles lançaram, o

A4M, foi assim: que se fizerem um diagnóstico precoce e um tratamento

precoce você poderia estar gerenciando melhor o envelhecimento.[...]. Até

então ninguém, nas escolas... falava da medicina preventiva mas das doenças

infecciosas. Mas doenças crônicas... falava muito pouco sobre nutrição, muito

pouco sobre exercício. Todas essas coisas eram consideradas não tão

importantes como hoje a gente sabe que é. (Médico cirurgião-plástico e

professor universitário aposentado. São Paulo, 21 de julho de 2015)

O metabolismo destaca-se como dimensão fundamental da definição de

possibilidades de intervenção no processo de envelhecimento. A concepção do

metabolismo se confunde com a concepção da natureza humana, na medida em que

representa as condições que tornam a sobrevivência do organismo possível. Uma vez que

o processo de envelhecimento é associado às alterações e falhas que ocorrem na cadeia

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de processos metabólicos ao longo da vida, a possibilidade de controlar a decadência

física é associada à manutenção contínua das funções metabólicas.

Nesta perspectiva, envelhecimento é concebido como expressão do estado relativo

do acúmulo de alterações em funções metabólicas que, embora sejam cronologicamente

orientadas, têm ritmo e intensidade estabelecidos de acordo com as condições de cada

organismo. Tais condições seriam definidas por fatores genéticos e ambientais e pelo

estilo de vida. Não haveria, portanto, uma sincronia entre o envelhecimento físico e o

envelhecimento cronológico. Um indivíduo mais novo, cronologicamente, pode

apresentar um nível de envelhecimento biológico mais avançado do que um indivíduo

mais velho, na medida em que apresente mais danos no organismo. É neste afastamento

entre o envelhecimento biológico e o envelhecimento cronológico que a Medicina Anti-

aging projeta as possibilidades de intervenção no processo de envelhecimento. A velhice

passa a ser concebida menos como uma fase necessária do ciclo de vida e mais como um

estágio relativo e avançado de danos no corpo.

Eu acho que o antienvelhecimento é quando a gente permite ao paciente voltar

a ser capacitado em fazer atividades que não conseguia fazer antes. Atividade

física, cognitiva, sexual, e isso...é claro que ele está rejuvenescendo. Mas,

como eu disse antes, rejuvenescendo biologicamente. [...] Se você vier aqui no

consultório, se você realizar algum exame que é para checar a sua idade

biológica, você vai ver que você está envelhecida. Você vai estar com uma

idade de trinta e poucos, quarenta anos, biologicamente falando. Então o que

eu quero falar, resumindo para você, é que o doente, ele está velho. Imagina

um doente crônico. Imagina um depressivo. (Médico clínico geral, especialista

em medicina estética e prática ortomolecular. Rio de Janeiro, 4 de agosto 2015)

A noção de “combate” ao envelhecimento, o “anti-aging”, é vinculada à

potencialidade médica de recuperar as funções do metabolismo, fazendo com que o

paciente volte a ter capacidades perdidas ou desenvolva capacidades que estavam

limitadas. Nesta perspectiva, as noções de “saudável” e de “normal” são associadas à

expectativa em relação às funções desempenhas por cada parte do corpo, o que dependeria

do equilíbrio dos diferentes processos que compõem o metabolismo.

Embora o combate às práticas anti-aging destaquem o fato das terapias serem

constituídas com o objetivo de prevenir, retardar ou reverter o envelhecimento, a narrativa

criada pelos profissionais adeptos e pelas instituições envolvidas estabelece um processo

mais longo no qual o retardamento da velhice se situa como resultado final de uma série

de “aprimoramentos”.

Diante da instabilidade no âmbito institucional, os profissionais envolvidos se

organizam através da constituição de um circuito próprio, no qual há parcerias e o

intercâmbio de ideias e recursos. A atuação dos médicos da Medicina Anti-aging parte

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principalmente da organização de eventos próprios, no qual a temática do envelhecimento

é associada a temas que compõem uma perspectiva específica de saúde. Congressos,

simpósios, cursos e palestras reúnem os médicos praticantes e interessados na abordagem

anti-aging e exploram áreas correlatas, cujo escopo beneficia e/ou compõe as terapias

propostas pela Medicina Anti-aging, como é o caso da medicina esportiva, medicina

estética, medicina regenerativa e medicina ortomolecular. A discussão do envelhecimento

é atrelada a temas específicos, como estresse, obesidade, depressão. Este circuito tem em

comum o direcionamento do debate para o potencial do corpo e a construção de

estratégias que viabilizem o melhoramento do desempenho físico.

Os adeptos da Medicina Anti-aging exploram pontos que percebem como

controversos na relação dos pacientes com o modelo médico vigente. Estes profissionais

sugerem que a Medicina Anti-aging é um cenário favorável à busca por inovações e por

uma abordagem mais complexa das condições do paciente. Para tanto, o processo de

profissionalização nesta área, ainda não reconhecida, pressupõe uma reeducação na qual

os médicos precisam rever concepções e práticas que aprenderam na formação radicional.

Contudo, uma perspectiva distinta de medicina, de saúde e de doença depende igualmente

da reeducação do paciente, uma vez que insere práticas e saberes que não são explorados

na medicina a que estavam habituados.

Os médicos interagem diretamente com o público geral, pacientes e potenciais

pacientes por meio de redes sociais, apresentando, de forma contínua e repetitiva, a

perspectiva anti-aging através de tópicos temáticos. Acumulando milhares de seguidores,

os médicos buscam desconstruir concepções que consideram falsas ou obsoletas,

apresentar denúncias sobre fatores prejudiciais à saúde e propagandas enganosas, bem

como expor, detalhadamente, os processos metabólicos que levam às doenças.

Ao promover a concepção de que é possível atuar na prevenção de doenças a partir

do controle de fatores que as desencadeiam, há um contínuo esforço em demarcar

aspectos específicos a serem tratados, os quais os pacientes precisam conhecer e se

familiarizar para serem capazes de identificar como algo que precisa de tratamento. Neste

contexto em que se estabelece um conjunto de fatores de risco, é criado também um

discurso que apresenta as alternativas necessárias para evitar as doenças e disfunções que

comprometem, gradativamente, o funcionamento normal do organismo.

A ideia de retardar o envelhecimento é fragmentada em um discurso que projeta

a constante disciplina nas rotinas pessoais, de modo a atingir um nível ótimo de

desempenho físico e mental. É possível destacar três pilares principais da abordagem anti-

aging: nutrição, condicionamento físico e fisiologia hormonal. Embora o terceiro pilar

seja o que mais suscita controvérsias, os três estão interligados e são mutuamente

dependentes.

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Neste âmbito, a influência da Medicina Ortomolecular, ou práticas

ortomoleculares, expressa através do discurso criado em torno da necessidade de um

constante equilíbrio dos elementos que compõem o metabolismo e são necessários à

sobrevivência do organismo.

Porque a ortomolecular, por definição, seria você utilizar no seu tratamento

médico as substâncias do próprio corpo. As vitaminas, os minerais, etc. Então,

quando surgiu a ideia do anti-aging, foi logo uma aproximação muito grande

porque os aspectos são muito semelhantes. Quando você investe em uma ideia

da pessoa permanecer jovem durante mais tempo....isso que eu achei, a melhor

coisa pro “antienvelhecimento” seria permanecer jovem por mais tempo ou

manter um aspecto de juventude durante mais tempo. É um casamento muito

bom. Então a gente vai pregar isso aí, a permanência da saúde durante mais

tempo. (Médico cardiologista, especialista e professor de práticas

ortomoleculares. Rio de Janeiro, 10 de agosto de 2015).

A Medicina Ortomolecular tem como contexto de origem o trabalho de Linus

Pauling, a quem são atribuídas as primeiras definições desta prática. Linus Pauling

cunhou o termo “ortomolecular”, através do qual buscou expressar a ideia de que é

necessário “ter as moléculas certas nas quantidades certas” (Pauling, 1978, p. 3-4,

tradução minha), inserindo o organismo humano em uma perspectiva de estrutura de

moléculas.

O trabalho de Pauling busca evidenciar que, ao longo de uma longa cadeia de

processos bioquímicos constitutivos do metabolismo, que se entrelaçam, é necessária a

quantidade e o tipo correto de moléculas para a produção bem sucedida de substâncias

imprescindíveis às funções orgânicas do corpo. Portanto, a insuficiência ou excesso na

concentração de moléculas, bem como a presença de moléculas estranhas a determinada

reação bioquímica, comprometeriam o desempenho do organismo em diferentes níveis.

Nesta perspectiva, Pauling ressalta que as moléculas com as quais entramos em contato

constantemente através do ambiente e da alimentação influenciam o desempenho do

organismo ao alterarem os processos bioquímicos.

Ao proporem uma medicina personalizada, focada “no individuo como um todo”,

a abordagem anti-aging aplica um princípio de “otimização” dos corpos a partir de suas

próprias características. A associação entre as intervenções e a manutenção de um estado

“natural” contrapõe diretamente a noção de perigo, uma vez que a manipulação de

hormônios, vitaminas e sais minerais teria como objetivo recuperar os níveis normais e

ideais de recursos necessários ao corpo.

Do mesmo modo, a “individualização” da abordagem da Medicina Anti-aging

sugere o protagonismo do próprio paciente na condução do processo de manutenção e

aprimoramento das condições de saúde. Nikolas Rose (2013, p.46) apresenta o conceito

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de etopolítica, o qual utiliza para designar as “tentativas de modelar a conduta dos seres

humanos mediante influência em seus sentimentos, crenças e valores – em resumo,

agindo sobre a ética”. Para Rose, a etopolítica consiste em “autotécnicas” pelas quais os

indivíduos devem julgar e intervir em si mesmos para se tornarem melhores. Observa-se

que o discurso promovido pelos profissionais da Medicina Anti-aging visa a suscitar no

público o questionamento a respeito do papel que desempenham na condução do próprio

envelhecimento.

A narrativa criada pela Medicina Anti-aging retira o foco da velhice e concentra-

se no processo contínuo de envelhecimento ao longo da vida. Uma vez que há uma

associação direta entre o envelhecimento e a perda de funcionalidades, a atuação da

Medicina Anti-aging não está em um combate imediato da “velhice’, mas no combate ao

envelhecimento medido em termos de desempenho do corpo. As intervenções realizadas

pelos médicos, como a modulação hormonal e a suplementação de vitaminas, são

associadas diretamente à manutenção das condições de saúde de corpo. Desse modo, a

Medicina Anti-aging é apresentada por seus praticantes como a possibilidade de viver o

envelhecimento cronológico dissociado da gradativa perda de funções físicas e mentais.

Essa possibilidade, contudo, integra a atuação dos médicos à necessária atuação

dos pacientes na condução de um processo ativo de manutenção do corpo. O declínio

físico deixa de ser visto como dimensão inalterável de um processo natural: o

envelhecimento é abordado como um processo dinâmico, que não pode ser separado dos

demais processos de vida e, portanto, o modo como os indivíduos vivem será também o

modo como irão envelhecer.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A consolidação do envelhecimento ativo como meta em resposta à ampliação da

expectativa de vida estimula uma revisão da perspectiva da velhice. Se, por um lado, as

representações tradicionais limitavam a experiência desta fase da vida à convivência com

as limitações que surgiam, por outro, a busca de um envelhecimento ativo amplia as

expectativas em relação as variadas possibilidades de viver o processo de envelhecimento

e a velhice. A noção de envelhecimento ativo expressa um esforço no sentido de repensar

a trajetória de vida e a passagem do tempo, modificando a concepção de envelhecer

unicamente como um processo de declínio não apenas físico, mas daquilo que se é. Busca-

se modificar o olhar sobre velhice como fase derradeira, definida principalmente pelas

perdas das capacidades físicas. Na medida em que se almeja uma vida cada vez mais

longa, torna-se necessário pensar as possibilidades de aproveitar a vida como um todo,

em todas as suas fases.

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É neste sentido que o envelhecimento ativo, como politica, favorece uma

perspectiva da vida social que seja organizada de modo a incluir os indivíduos ao longo

de todo o curso da vida. Envelhecer ativamente é poder continuar a participar das

diferentes dimensões da vida em sociedade: ser um elemento constitutivo da economia,

da política, da cultura. Não obstante, esta perspectiva cria expectativas que contrastam

com a experiência das transformações no corpo e com a possibilidade de vivenciar

doenças associadas à velhice.

Entre a construção da heterogeneidade da experiência de uma vida longa que não

se limita à condição física e a vivência das transformações fisiológicas como declínio das

capacidades de estar no mundo, cria-se uma zona ambígua: ser mais ou menos ativo

depende, também, de ser mais ou menos fisicamente capaz. É neste ponto que se

estabelece um contexto favorável ao surgimento de perspectivas divergentes e

contraditórias sobre os meios necessários para atingir o objetivo de um envelhecimento

saudável e ativo.

A Medicina Anti-aging, através de um discurso de críticas ao modelo médico

vigente, cria um ambiente de curiosidade e interesse sobre alternativas possíveis. Todavia,

a Medicina Anti-aging não se apresenta como uma medicina do envelhecimento no

sentido de ser uma medicina especializada em tratar a velhice, como alternativa direta à

geriatria. Antes disso, ela se estabelece como uma tentativa de modificar a forma como a

medicina aborda o envelhecimento. Portanto, a Medicina Anti-aging pretender ser menos

uma medicina do envelhecimento do que uma medicina para o envelhecimento.

Através da noção de funcionalidade, a Medicina Anti-aging fragmenta a

abordagem do envelhecimento em condições específicas, através de um processo

constante de manutenção e aprimoramento do corpo. Deste modo, a narrativa de cuidado

médico criada pela Medicina Anti-aging estabelece um contexto de identificação de

condições vivenciadas pelas pessoas ao longo da vida.

A Medicina Anti-aging é apresentada ao público como uma medicina do estilo de

vida e através do discurso do “cuidado de si” associa o objetivo do envelhecimento ativo

à noção de ser ativo em relação ao processo de envelhecimento. Nesta abordagem,

envelhecer de forma saudável é uma meta em longo prazo e o parâmetro de sucesso de

um processo de gestão da saúde e otimização da funcionalidade do corpo. É deste modo

que a perspectiva anti-aging constrói a possibilidade, que se torna necessidade, de

preparar o corpo para o envelhecimento cronológico.

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ENVELHECIMENTO E DEPRESSÃO: UMA ANÁLISE DOS FATORES QUE

CONTRIBUEM PARA ESSA OCORRÊNCIA

Débora Alves Lopes Vieira

PPGS/UFG

[email protected]

Anatale Lucyen Alves de Moreira Castilho

PUC/GO

[email protected]

Resumo: O presente artigo tem como finalidade compreender historicamente e a

partir da história que se faz, as diversas configurações do processo depressivo na

velhice, diante de uma sociedade capitalista e excludente, bem como distingui-la dos

sentimentos de tristeza e a demência. Nesse sentido, a partir de uma revisão teórica e

estatística, buscamos uma reflexão das motivações e conseqüências da depressão. Para

tanto, discorreremos além de uma contextualização histórica, os diversos determinantes

que influenciam no processo, tais como a visão social da velhice em nossa sociedade, o

afastamento do mundo do trabalho, sentimento de inutilidade, problemas de saúde,

relações familiares, dentre outros fatores sociais, físicos e emocionais que favorecem o

aparecimento da depressão nessa etapa da vida. Entendemos que uma discussão sobre o

envelhecimento social no Brasil onde mais de 23 milhões de sua população se constitui

de idosos, tendo como foco a depressão, um grave problema de saúde, é preciso uma

reflexão que permeia não só questões biológicas e psicossociais, mas partir do

entendimento de que vivemos em uma sociedade que corrobora para esse tipo de

problemática.

Palavras-chaves: Envelhecimento, depressão, saúde, fatores biopsicosociais, sociedade

capitalista.

INTRODUÇÃO

A população idosa vem crescendo de forma considerável nos últimos anos,

concomitantemente com o modo de produção capitalista que tem se difundido e

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desenvolvido cada vez mais acelerado e desigual. Em uma sociedade capitalista a perca

da força produtiva é muito grave, dependência do outro em um momento em que a

individualidade se sobrepõe as relações interpessoais é mais difícil ainda. Problemas

como esses corroboram para o processo depressivo nesse período da vida.

Somente no Brasil podemos estimar, de acordo com dados do IBGE, que mais de

23 milhões da sua população é composta por idosos. O sistema de saúde do País anda em

péssimas condições, remédios gratuitos, atendimento especializado, acessibilidade, entre

outras necessidades que a velhice requer estão quase se tornando uma utopia.

Um dos pontos mais importantes dessa problemática é o sentido que o capitalismo

da para a vida das pessoas desde sua existência, a utilidade, o trabalho. A partir do

momento em que a velhice chega e o afastamento do mundo do trabalho se torna

inevitável, seja por condições de saúde, aposentadoria ou na maioria dos casos o mercado

excludente devido à redução da força física de trabalho, cresce o sentimento de inutilidade

e esse se torna fonte de muitas outras problemáticas dessa etapa da vida, entre elas a

depressão.

Nesse sentido o objetivo desse trabalho é justamente compreender o processo

depressivo na velhice, as causas e conseqüências, levando em consideração o modo de

produção em que nossa sociedade está inserida. Um dos pontos de análise é a distinção

da depressão com o sentimento de tristeza e a demência.

Dito isso, propõe-se uma divisão que dará conta da discussão proposta, a partir de

uma revisão teórica e estatística. Para adentramos na especificidade dessa discussão, é

fundamental compreendermos inicialmente o tipo de sociedade em que estamos inseridos,

e qual é a visão social da chegada da velhice nesse tipo de sociedade.

Em seguida faz se necessário uma breve exposição sobre o que seria o processo

depressivo, diferenciando-o do sentimento de tristeza e demência, especificando esse

processo na velhice. Por fim, pretende-se compreender os diversos determinantes que

influenciam no processo depressivo nessa etapa da vida, tais como o afastamento do

mundo do trabalho, sentimento de inutilidade, problemas de saúde, relações familiares,

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dentre outros fatores sociais, físicos e emocionais que favorecem o aparecimento da

depressão, especificamente no Brasil.

VISÃO SOCIAL DA VELHICE NO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA

Para compreendermos como o envelhecimento é visto socialmente numa

sociedade desigual e excludente como é o caso do Brasil, é necessário apreender um

pouco mais o que caracteriza esse modelo de sociedade, sua formação. A realidade

brasileira está pautada em um modo de produção capitalista, regulada por capital, lucro,

produção de mais e mais carências. De modo que a cada tempo que se passa esse sistema

se reinventa e traz sempre uma nova roupagem sem perder sua essência. (MARX, 2013)

De acordo com Marx (2007) o homem para se constituir enquanto ser

social precisa do trabalho, pois se humanizou na medida em que de forma consciente

dominou e modificou a natureza, a partir do trabalho, criando assim meios de produzir

sua existência por meio das relações sociais, desenvolvendo consequentemente a divisão

do trabalho. No entanto, de acordo com o autor, essa divisão é sempre feita ou distribuída

de forma desigual, onde um fica mais privilegiado que o outro nessa relação, um exemplo

bem claro se dá na própria divisão do trabalho na família naquele contexto, “[...] a mulher

e os filhos são escravos do homem” (MARX, 2007, p.36). Essa divisão acontecia dentro

do coletivo que pertenciam acentuando as diferencias e hierarquias, características essas

de uma sociedade de classes.

Seguindo esse pensamento de Marx (2007) e avançando já para sua análise no

modo de produção capitalista, essa divisão do trabalho se dá pela produção, pela

fragmentação de tarefas, de acordo com a agilidade. Nesse sentido o homem não se

reconhece mais na totalidade do objeto produzido, dando início ao processo de

desumanização, de alienação e estranhamento.

Diante do exposto podemos perceber que na medida em que o esse homem não se

insere por quaisquer motivos dentro dessas relações de trabalho, se torna inútil, um peso

para o desenvolvimento. Uma sociedade que está pautada no sistema capitalista traz

consigo marcas de grandes assimetrias, desigualdades, discriminação e exclusão.

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No entanto, a sociedade brasileira, regida pelo modo de produção capitalista, ainda

possui uma especificidade em sua formação que gera em si ainda mais disparidades. O

Brasil possui em suas raízes históricas uma herança com marcas de desigualdades sociais,

escravidão de órfãos desde as caravelas, de índios e negros, uma construção de uma

sociedade corrupta e violenta, sempre regulada pelas relações sociais de classe desiguais

e cheias de preconceitos.

Atualmente nos deparamos com graves problemas sociais, tais como a miséria de

parte considerável da população, o agravamento da violência, naturalizando cada vez

mais a barbárie em nossa sociedade, sistemas sociais deficitários (saúde, educação,

previdência). Concomitantemente com isso, de acordo com Silva (2010), uma pequena

parcela dessa população concentra a riqueza do País, seja pela corrupção ou pela

dominação dos meios de produção. Problemas esses que não surgiram agora, mas se trata

como dito antes, de uma construção histórica.

Identifica-se um consenso, tanto no campo acadêmico como entre

políticos de todas as matizes ideológicas e partidárias, que a pobreza no

Brasil decorre, em grande parte, de um quadro de extrema desigualdade,

marcado por profunda concentração de renda. (SILVA, 2010, p. 1)

Uma sociedade formada com base no colonialismo, no patriarcalismo, no modelo

escravista, na concentração de terra na mão de latifundiários, não poderia ser

caracterizada de outra forma, se não fosse pelas relações de poder e por consideráveis e

intensas disparidades e assimetrias. Atualmente, depois de mais de cinco séculos do início

dessa formação social, econômica e cultural não houve uma ruptura com as referidas

bases. Agora em um contexto de “igualdade” perante diversas legislações, conserva-se a

essência das práticas de exclusão e manutenção do poder.

Diante deste contexto, muito grupos são estigmatizados, discriminados e deixados

a margens desse processo de desenvolvimento. Destacamos aqui nesse trabalho os idosos,

sendo um grupo que assim como muitos são retirados do processo produtivo, perdendo

seu valor dentro da sociedade em que vivem.

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Numa sociedade que é caracterizada pelo poder, a qual busca

desenfreadamente o lucro, o idoso muitas vezes aparece como uma

trava no desenvolvimento, desconsiderando toda a contribuição social

que estes deram e ainda dão à produção de bens, serviços e

conhecimentos. (SCORTEGAGNA e OLIVEIRA 2012, p.2)

De acordo com Oliveira et al (2011), em outros modos de produção anteriores ao

capitalista, o idoso era considerado um grande mestre, tendo sua experiência de vida

reconhecida e valorizada. No entanto, na contemporaneidade, dentro da lógica capitalista,

em que tudo é regido pelo trabalho, pela produção, pelo lucro, sua experiência se torna

um atraso para o desenvolvimento da sociedade. Oliveira et al (2011) ainda ressalta:

Sendo assim o idoso não é mais parte integrante da lógica trabalho e

produção, pois ele não está mais ativo na geração de mais-valia ao

capitalista. Já que esse alcançou uma idade considerada improdutiva,

não pertencendo ao grupo de trabalhadores ativos nem ao chamado

exército de reserva. (OLIVEIRA et al, 2011, p. 7)

IMAGEM 1 – REPRESENTAÇÃO DO HOMEM COMO MESTRE DE OFÍCIO,

DETENTOR DA EXPERIÊNCIA E SABEDORIA

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Fonte: O ferreiro, Jefferson David Chalfant

IMAGEM 2 – REPRESENTAÇÃO DA SOLIDÃO E A INUTILIDADE DO

ENVELHECIMENTO DA CONTEMPORANEIDADE

Fonte: Velho triste, Van Gogh

Nesse sentido em que o homem se mantém na sociedade em que vive, por meio

da sua relação com o trabalho, o envelhecimento se torna uma forma de exclusão cruel.

Os idosos dentro de uma visão social dessa sociedade tornam-se desvalidos, inúteis, por

vezes um empecilho para o desenvolvimento da sociedade, haja vista que se tornarão

dependentes de pessoas em idade produtiva.

De acordo com Oliveira et al (2011) vivemos em um modelo de sociedade em que

culturalmente é preciso descartar o que é considerado velho, obsoleto. Marx (2010) ao

ressaltar as carências do homem, destaca essa relação de rejeitar o que se tem em busca

de algo mais atrativo, mais útil, mais moderno. Assim é nossa sociedade, onde as coisas

se tornam ultrapassadas e é necessário descartá-las, Oliveira et al (2011) relacionam essa

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situação com o envelhecimento, ao dizer que existe um processo de coisificação do idoso,

de descarte, de reciclagem na tentativa de reinseri-lo de alguma forma.

Podemos observar que essa lógica de exclusão e preconceito em relação ao

envelhecimento se naturalizou no seio de nossa sociedade ao longo dos anos, justamente

por estarmos sobrevivendo dentro de um modo de produção em que a degradação, a

desvalorização do homem em sua relação com o trabalho é inevitável. Tratamos como

naturais práticas de corrupção, de violência, de subordinação e discriminatórias, a grande

maioria da população pode até não concordar, mas se omite de tentar revertê-las.

DEPRESSÃO, TRISTEZA E DEMÊNCIA

O envelhecimento configura como uma perca da identidade para o homem, se

levado em conta sua posição no mercado de trabalho. Para Oliveira et al (2011), o

envelhecer configura-se como um novo posicionamento social nas relações sociais

estabelecidas. A família nesse sentido se torna o grupo mais próximo que esse idoso vai

se relacionar, e é nesse meio que ele terá maior relevância, podendo por vezes ser

respeitado e cuidado diante de sua trajetória de colaboração durante toda vida ou no pior

das hipóteses, o idoso pode ser tratado como um peso, um desvalido naquele contexto.

Oliveira et al (2011) aponta que esse envelhecimento social, além de biológico,

também é psicológico, sendo que o idoso começa a ter diversos comportamentos que o

ajudam ou prejudicam a enfrentar essa nova fase da vida. Para os autores, além das

mudanças no corpo, nas relações sociais, familiares, das dificuldades financeiras, bem

como as várias doenças que vão atingindo biologicamente esse sujeito, alguns

comportamentos vão surgindo, tais como o sentimento de inutilidade, de solidão, de

menosprezo, angústia, medo do futuro, perca de seu valor e de sua identidade.

Por vezes esses comportamentos em determinada situações se bem tratados se

tornam apenas um sentimento de tristeza, que dentro das relações sociais e familiares são

resolvidos e eliminados. No entanto, a partir do momento em que as relações

estabelecidas somente tencionam a fim degradar mais o sujeito, esses comportamentos

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levam a um processo depressivo, uma grave doença que tem sido causa do grande

aumento de suicídios nessa fase da vida.

O processo depressivo de acordo com Ramos (2014) se caracteriza por vários

determinantes, podendo ter uma causalidade social, mas que torna um problema de saúde,

uma doença:

Esta não é única doença, mas um conjunto de várias que incluem: a

perturbação depressiva major, distimia, distúrbio da desregulação

perturbadora do humor, perturbação disfórica pré-menstrual,

perturbação depressiva induzida por substâncias/fármacos, perturbação

depressiva devido a outra condição médica, outras perturbações

depressivas especificadas e inespecificadas. Sendo que o aspecto

comum a estas doenças é a presença de humor deprimido, irritado ou

ausência de emoções, acompanhada por alterações somáticas e

cognitivas que afectam significativamente a capacidade funcional do

individuo. O que as distingue é a duração, data de surgimento ou a

etiologia presumida. (RAMOS, 2014, p.4)

Para Stella et al (2002) [...] a depressão consiste em enfermidade mental frequente

no idoso, associada a elevado grau de sofrimento psíquico. Para os autores as

expectativas de doenças mentais, dentre elas a depressão, quadros de demência entre

outros transtornos, passou de 43% para 67% entre os idosos. Uma das maiores

preocupações que os autores retratam com esse aumento é a forma de tratamento, haja

vista que no tipo de sociedade em que vivemos muitas das vezes os idosos escondem ou

tentam esconder os sintomas, com medo de como isso vai ser encarado nas relações

sociais. Essa relutância, essa omissão dos sintomas físicos e principalmente mentais

dificultam o diagnóstico.

Em pacientes idosos, além dos sintomas comuns, a depressão costuma

ser acompanhada por queixas somáticas, hipocondria, baixa auto-

estima, sentimentos de inutilidade, humor disfórico, tendência

autodepreciativa, alteração do sono e do apetite, ideação paranóide e

pensamento recorrente de suicídio. (STELLA et al, 2002, p. 92)

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De acordo com estudiosos da área (RAMOS, 2014; SCHLINDWEIN-ZANINI,

2010), ao contrário da depressão, a demência não está ligada diretamente a fatores sociais

ou psicológicos, possui causas biológicas, neuropsicológicas. Schlindwein-Zanini (2010)

aponta uma definição de demência,

A demência é uma síndrome que se caracteriza pelo declínio da

memória associado a déficit de, pelo menos, uma outra função cognitiva

(linguagem, gnosias, praxias ou funções executivas) com intensidade

suficiente para interferir no desempenho social ou profissional do

indivíduo. (SCHLINDWEIN-ZANINI, 2010, p. 221)

Estatisticamente, de acordo com Schlindwein-Zanini (2010), estima que 1,6% dos

idosos no Brasil, de 65 a 69 anos convivem com demência, aumentando

consideravelmente para 38,9% nos idosos com mais de 84 anos. A autora ressalta que

tanto a depressão e a demência são comuns nessa fase da vida, mas que, no entanto, o

processo depressivo se manifesta de forma mais intensa.

A depressão é uma doença de alta incidência no idoso, devido à própria

percepção de sua crescente incapacidade física, do enfraquecimento de

seus poderes cognitivos (especialmente o da memória) e das perdas

concretas, como amigos, parentes, condição econômica e possibilidades

de trabalho. . (SCHLINDWEIN-ZANINI, 2010, p. 221)

Diante do exposto, podemos observar que há uma nítida diferença entre o processo

depressivo e a demência, bem como do sentimento de tristeza por si só. Mesmo com a

dificuldade de distinção e do diagnostico, é preciso dentro das relações sociais e pessoais,

corroborar para que o envelhecimento seja somente mais uma fase, que assim como as

outras tem suas especificidades e valores. A fim de incentivar aos idosos expressar sua

voz, seus anseios de forma ativa e com dignidade.

PROCESSO DEPRESSIVO NA VELHICE NO BRASIL

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Como dito anteriormente, o Brasil vem de uma formação ao longo dos anos

colonial, patriarcal e escravocrata, mantendo historicamente marcas de desigualdades,

preconceitos e graves problemas sociais. Diante dessas especificidades e da lógica

capitalista de produção, a sociedade brasileira assim como muitas outras, cresce cada vez

mais individualista e excludente.

O envelhecimento social não é mais visto de forma valorativa, de acordo com

Scortegagna e Oliveira (2012) esse modelo de sociedade desconsidera todo passado de

contribuições e experiências dadas pelo idoso em sua fase produtiva. Apesar de mecanismos

legais voltados para garantia de seus direitos, [...] rejeitar a velhice desvela-se como um

preconceito que há vários anos impera na sociedade brasileira. (SCORTEGAGNA E OLIVEIRA,

2012, p.3)

São vários os determinantes que permeiam a problemática do envelhecimento, e que

fortalecem o entendimento, segundo Teixeira (2009), de que apesar de tanto desenvolvimento das

leis, das lutas por igualdade, ainda não rompemos com a lógica excludente e de subordinação do

sistema capitalista, bem como da nossa formação social desigual, violenta e assimétrica. De

acordo com a autora, novas formas de exploração são criadas, o trabalho se torna mais individual

e precarizado, as medidas de proteção social cada vez mais condizente com o descaso pelas

mazelas do País.

Estudos apontam, a partir de estatísticas do campo, que a maioria dos idosos que não

estão mais inseridos no mercado de trabalho, situam-se no meio familiar, instituição mais antiga

da história do homem, e que muitas das vezes, no contexto moderno, perdem seu sentido de

companheirismo e proteção, embasada no crescente individualismo que a sociedade lhe impõe.

[...] trabalhadores idosos, que, mesmo aposentados (87,0% entre os

idosos do sexo masculino e 78,0% entre idosas mulheres são cobertos

pela aposentadoria e assistência social), ainda estão com suas famílias,

sejam as famílias nucleares com filhos, sejam as famílias extensas [...]

em estado de indigência (9,3% e 12,6%, respectivamente), encontram-

se graus de desigualdades extremas. (TEIXEIRA, 2009, p. 69)

Scortegagna e Oliveira (2012) ressaltam que a relação da velhice e as relações

familiares estão cada vez mais conflituosas. De acordo com as autoras, os descendentes

da pessoa idosa desconsideram toda trajetória como pai ou mãe dessa família, como

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provedores, responsáveis pela formação de cada um. A velhice no âmbito familiar traduz

em perca da função social, de identidade e autonomia, por muita das vezes.

O idoso, no transcorrer de sua trajetória de vida, vivenciou na juventude

e na maturidade papéis sociais, que aos poucos foram sendo apagados

ou desconsiderados em sua existência. Este sujeito teve sua

representatividade no mercado de trabalho e também na sua família,

enquanto pai, mãe ou chefe da mesma. Porém, com o passar dos anos,

estes papéis vão se perdendo. (SCORTEGAGNA E OLIVEIRA, 2012,

p.4)

Justamente por essa perca da função social, é principalmente pela falta de

autonomia, dada as condições biológicas que o corpo ao longo dos anos vai criando, tais

como o aparecimento de diversas doenças, é que o alguns problemas mentais, como a

depressão, se manifestam de maneira intensa nessa fase da vida.

Fatores tais como a perca da força produtiva, bem como de sua colocação no

mercado de trabalho, a sobrevivência financeira pautada em cima de uma aposentadoria

muito baixa frente suas necessidades reais, a dependência e consequentemente por vezes

o desprezo da família e de outros responsáveis, se traduzem em seqüelas por vezes

irreversíveis para o idoso. O sentimento de inutilidade, de estar sendo um incômodo, bem

como a angústia por perceber perdas cognitivas, perda de memória, enfraquecimento do

corpo, mudanças estéticas profundas, se transforma em determinantes fundamentais no

processo depressivo na velhice, bem como em diversas outras doenças mentais que na

maioria das vezes cerceiam a vida desses sujeitos de direitos.

De acordo com dados do IBGE, apontados pela Secretaria de Direitos Humanos

da República, até o ano de 2011 os idosos representavam 12,1% da população geral, num

total de 23,5 milhões. Estimando ainda um crescimento acelerado dessa população.

GRÁFICO 1: QUANTITATIVO DA POPULAÇÃO IDOSA NO BRASIL

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Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilio – IBGE/2011

Obs.: Gráfico dos “Dados sobre envelhecimento no Brasil”, da Secretaria de Direitos Humanos, da Presidência da República.

Diante do todo esse crescimento da população idosa, outro dado se torna

fundamental para essa discussão, o aumento da taxa de suicídio na velhice. De acordo

com pesquisa realizada no período de 2010 a 2012, pelo Centro Latino-Americano de

Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (Claves/ENSP)5, com foco nas últimas

décadas (1980 a 2009), comprova que há um crescimento das taxas de suicídio entre as

pessoas com mais de 60 anos, sendo que a maioria delas cometidas pelo sexo masculino.

Desse aumento cerca de 90% se concentra no Sul do País, principalmente no meio

familiar.

Diante desse contexto observa que uma das maiores causas da mortalidade de

idosos por suicídio advém de um processo depressivo. Compreender, portanto, os

determinantes influenciam esse processo nessa etapa da vida, tais como o afastamento do

mundo do trabalho, sentimento de inutilidade, problemas de saúde, relações familiares,

dentre outros fatores sociais, físicos e emocionais é de extrema relevância.

5 Essa pesquisa foi desenvolvida pelo Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge

Careli (Claves/ENSP), no Rio de Janeiro, com colaboração de pesquisadores de outros estados brasileiros,

no período de 2010 a 2012. O estudo se intitula: É possível prevenir a antecipação do fim? Suicídio de

idosos no Brasil e possibilidades de atuação do setor saúde, coordenado pela Professora Dra. Maria

Cecília de Souza Minayo.

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Em meio essa discussão dos problemas enfrentados na velhice, caracterizados pela

formação social, econômica e cultural de nossa sociedade, faz necessário analisarmos

alguns mecanismos legais que garantem direitos a população idosa de nosso País.

A constituição Federal de 1988, já apontava alguns direitos para o Idoso, como se

pode observar no art. 230, que dispõe sobre a obrigatoriedade da família e do Estado de

amparar e proteger as pessoas idosas, garantindo dignidade, respeito e participação social.

Um dos marcos fundamentais em termos de políticas para o envelhecimento é a Lei

n.10.741 de 2003, que institui o Estatuto do Idoso, nela o idoso é amparado legalmente

tendo todos os direitos a uma vida digna garantidos.

Art. 2º O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à

pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei,

assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades

e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu

aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de

liberdade e dignidade. (BRASIL, Lei 10.741/2003)

No art. 4º do referido estatuto, aponta que [...] nenhum idoso será objeto de qualquer tipo

de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos,

por ação ou omissão, será punido na forma da lei. Dessa forma, todas as formas de tratamento ao

idoso das quais discutimos anteriormente estão indo contra a legislação e configuram como crime,

passíveis de punição. Então porque os idosos são submetidos a tantas circunstâncias que ferem

seus direitos, transgridem sua dignidade e os excluem de uma sociedade que ajudaram a

construir?!

Percebemos diante disso que a sociedade brasileira está cercada de leis, de proteção e

garantias para a grande maioria dos grupos estigmatizados, no entanto, a teoria não se dá na

prática. As leis não são respeitadas de fato, não há fiscalização intensiva e muito menos punição

de seu descumprimento. Essa punição só se dá se é ferido algum direito que atinge algum membro

ou grupos que detém o poder, que participam ativamente da concentração de renda. Novamente

nos deparamos com as desigualdades de classes que permeiam a formação dessa sociedade e se

amplia a cada dia mais em vez de romper com tal lógica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Com bases nas discussões levantadas ao longo da escrita desse artigo, podemos

perceber que antes mesmo da criação de mais políticas de proteção ao idoso, de mais

garantias ao envelhecimento, que são extremamente necessárias, é necessário romper com

a lógica destrutiva, desigual e excludente desse sistema econômico. Muito há que se fazer,

levando em consideração que um sistema como o capitalismo não é superado facilmente,

e que somente se modifica, se reinventa para adequar as novas necessidades impostas pela

modernidade.

No entanto, em um País que tem uma estimativa de ter a maioria da população

idosa até 2030, não só é preciso, como é imprescindível aprender a conviver com a

diferença, a respeitar as legislações vigentes, bem como lutar para que elas se efetivem.

Parece uma utopia discutir essa necessidade, tão urgente e fundamental, frente a um

crescente individualismo que cerca nossa sociedade e nossas relações. Utopia ou não é a

possibilidade que temos de não cercearmos nosso próprio futuro, tendo em vista que o

jovem de hoje será o idoso de amanhã.

Observa-se que com o passar de tantos séculos, o envelhecimento transpôs de um

período valorativo, de ganho de experiência para uma fase na vida desvalida, de

inutilidade, de dependência, regidos por um sistema de submissão e exclusão. Diante

desse contexto, esse artigo apresenta apontamentos ainda iniciais, diante da escassez de

literatura da área, necessitando de estudos posteriores, para melhor compreensão e

discussão do tema.

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Brasília, 2003.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988.

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Desigualdades, machismo e racismo no mercado de trabalho de idosos

no Brasil.

Danilo Herbert Queiroz Martins

Doutorando em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás – PPGS/UFG

[email protected]

Resumo: Com o aumento da expectativa de vida do brasileiro e diminuição da taxa de

fecundidade, entre outros fatores, observa-se o envelhecimento da população, com

implicações diretas no mercado de trabalho, especialmente com o aumento do número de

trabalhadores idosos. Além disso, diversos estudos apontam as consequências da divisão

sexual do trabalho, assim como a persistência de desigualdades salariais, machismo e

racismo no âmbito do mercado de trabalho. Assim, esta pesquisa tem como objetivo a

análise da articulação das relações sociais de gênero, classe e raça e suas implicações no

mercado de trabalho de pessoas idosas economicamente ativas. Para tanto, serão

utilizados dados dos censos de 2000 e 2010, realizados pelo Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística, articulando-os com pesquisas bibliográficas acerca do tema,

especialmente no que tange as pesquisas estruturalistas estadunidenses relativas às

interseccionalidades, e as investigações marxistas brasileiras e materialistas francesas da

consubstancialidade, visando a investigação do contexto analisado que envolvem as

pessoas ocupadas com mais de 60 anos no Brasil. Os dados analisados, confirmam os

apontamentos existentes na literatura, principalmente em relação a presença de diferenças

salariais ligadas ao gênero e raça.

Palavras Chaves: Trabalho; Envelhecimento; Divisão Social do Trabalho;

Interseccionalidade; Consubstancialidade.

Introdução

A participação das pessoas no mercado de trabalho não se configura de forma

equânime, tampouco é desprovida das desigualdades observadas na sociedade de uma

forma geral. Desse modo, verifica-se a existência de discriminação, especialmente racial,

machismo e a divisão sexual do trabalho.

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Neste contexto, algumas questões surgem ao analisar o mercado de trabalho de

idosos no Brasil: nesse segmento, as desigualdades permanecem? É possível constatar a

existência de desigualdades baseadas em interseccionalidades de gênero e raça? Nos

últimos anos, tem havido alteração da realidade laboral?

A busca pelas respostas a estas questões constitui caminhos árduos, tortuosos e

cheios de conexões e sobreposições, de modo que este artigo tem como objetivo a análise

da articulação das relações sociais de gênero, classe e raça e suas implicações no mercado

de trabalho de pessoas idosas economicamente ativas.

Nesse sentido, como aponta Grusky (2001), a distribuição de bens e recursos

ocorre de maneiras distintas em diferentes localidades, o que frequentemente gera

hierarquias sociais ligadas à distribuição de poder, riqueza e prestígio.

Considerando o objetivo proposto, busca-se - de forma sintética - a análise das

relações sociais de gênero, classe e raça, que implicam diretamente no mercado de

trabalho de pessoas idosas. Para tanto, serão utilizados dados dos censos de 2000 e 2010,

realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, articulando-os com

pesquisas bibliográficas acerca do tema, especialmente no que tange as pesquisas

estruturalistas estadunidenses relativas às interseccionalidades, e as investigações

marxistas brasileiras e materialistas francesas da consubstancialidade, visando a

investigação do contexto analisado que envolvem as pessoas ocupadas com mais de 60

anos no Brasil.

Partindo de uma visão marxista sobre a realidade concreta, este trabalho é

justificado pela busca de alternativas ao modelo societário atual, pois ao compreender o

mundo, ainda que pequena seja nossa capacidade de explicá-lo, é possível o início de sua

mudança. Busca-se a compreensão do mundo, ainda que se traduza apenas em alguns

passos nessa direção e que essa tarefa seja hercúlia, para que razão e emoção se juntem

na perspectiva de superação da lógica desumanizadora do sistema dominante. Então, se

possa ter “a legitimidade e a possibilidade concreta de obter transformações sociais

substantivas através de reformas” (MARX apud COUTINHO, 2008, p. 67).

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Nesse sentido, se destaca também que a questão do envelhecimento ainda não

constitui fonte de muitas pesquisas sociológicas no Brasil, ainda mais quando se trata de

envelhecimento e trabalho.

Apesar desse cenário, de acordo com o IBGE no ano de 2000, a população

brasileira era de 169.872.856 e em 2010 de 190.755.799, ou seja, houve um aumento de

pouco mais de 12% da população, sendo que o total de pessoas com 60 anos de idade ou

mais era de 14.538.987 e passou a 20.588.890, respectivamente, correspondendo a um

aumento superior a 41%, e ainda que os idosos correspondiam a 8,6% da população

brasileira em 2000 e passou a 10,8% em 2010.

Considerando esse cenário, torna-se imprescindível o entendimento da

participação dessa população no mercado de trabalho.

Divisão sexual do trabalho

O trabalho ocupa posição de destaque nos estudos marxistas, pois parte-se do

pressuposto que através do trabalho do ser humano, originou-se a cultura humana, com a

transmissão a outros membros do grupo e a seus descendentes, através da linguagem e da

memória, do desenvolvimento de instrumentos de trabalho, de comportamentos, dos

modos de vida, das relações de produção, dos valores, e outros (MARX, 2013).

Dessa forma a essência humana não é, então, nata ou dádiva divina, ou algo que

precede a existência do homem, e sim produzida pelos próprios homens, fruto do trabalho.

A essência do homem é um feito humano. É um trabalho que se desenvolve, se aprofunda

e se complexifica ao longo do tempo: é um processo histórico (SAVIANI, 2007). Percebe-

se assim, que as relações sociais constituem o cerne da construção da realidade concreta

das sociedades humanas.

Marx e Engels afirmam que os animais através de suas atividades, igualmente

trabalham a favor de suas necessidades e alteram o mundo ao redor, porém em graus

distintos dos seres humanos, os quais engendram uma “ação intencional e planejada, cujo

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fim é alcançar objetivos projetados de antemão” (ENGELS, 2004, p. 26). Assim, o

trabalho se constituiu primeiramente como agente socializador de homens e mulheres,

perdendo ao longo dos processos históricos esse caráter essencial de positividade:

A noção moderna de trabalho surgiu então sob o impacto de um

verdadeiro golpe de força política e social: a separação entre uma

sequência de operações que podem ser objetificadas e a capacidade

humana de realizá-las. O trabalho, de um lado; a força de trabalho, de

outro. E, entre os dois, o tempo, referência central de avaliação da

produtividade dessa combinação entre trabalho e trabalhador.

(HIRATA e ZARIFIAN, 2009, p. 253)

Como apontam os autores, especialmente após o taylorismo6, com o

fracionamento do trabalho, há a destituição gradativa da positividade do trabalho, e ainda

a atuação de forças políticas e sociais sobre o mesmo. Desse modo, o tempo de trabalho,

que gera a mais valia e possibilita a acumulação de capital, passa a ser explorado cada

vez mais, com a busca de novos métodos produtivos e novos contingentes humanos, onde

se encaixa o proveito abusivo do trabalho feminino – menos valorado que o masculino,

como será discutido posteriormente.

Neste contexto que pode ser observada a questão de gênero no âmbito do trabalho,

e para tanto, baseia-se no pressuposto geral de oposição do sexo, que é biológico, ao

gênero, que é social (MATHIEU, 2009, p. 222). Dessa forma, como complementa

Bruschini, o trabalho feminino pode ser observado em todas as instâncias:

[...] Na verdade, se o trabalho for definido como toda atividade

necessária para o bem-estar dos indivíduos, da família e de toda a

sociedade, o trabalho feminino estará em toda parte: no preparo da

comida, na limpeza das casas e das roupas, na organização e gerência

do lar, na formação das futuras gerações e em inúmeros outros afazeres

que só passam a ser visíveis com o amadurecimento, a partir dos anos

70, de pesquisas que se dispuseram a descobrir o trabalho feminino.

(BRUSCHINI, 1994, p. 64)

Então, pode ser inferido que a mulher participa ativamente das atividades laborais

e do mercado de trabalho, mas como apontam as pesquisas, principalmente aquelas

realizadas a partir dos anos 1970, essa participação feminina não é socialmente

6 Taylorismo concebido como o controle para que cada etapa da divisão técnica do trabalho se execute no

tempo socialmente necessário; método de racionalização de tempos e movimentos (CIPOLLA, 2003).

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reconhecida como a masculina, assim como também não é remunerada da mesma forma,

consistindo em uma maior exploração da força laboral feminina.

Destaca-se ainda que no capitalismo - particularmente sob a ótica do

neoliberalismo – há a noção de que o desenvolvimento econômico – desenvolvimento do

capital – propiciará as condições para a justa divisão dos recursos do estado. À vista disto,

Saffioti (1976, p. 16) expressa que o “invólucro ideológico das sociedades capitalistas

induz, pois, à crença de que o número de mulheres economicamente ativas se eleva à

medida que o desenvolvimento econômico e social vai sendo alcançado”.

Assim, retomamos à afirmação de Kergoat (2009) de que as condições em que

vivem homens e mulheres são, sobretudo, construções sociais, e não produtos de um

destino biológico. Nessa direção, Piscitelli (2009) confirma que em termos políticos, as

mulheres ocupam lugares sociais subordinados em relação aos homens.

Como se pode observar, a história aponta que a mulher sempre “ajudou7” ao

homem no trabalho, mas sua libertação para o trabalho só começou a ocorrer efetivamente

com a evolução do sistema econômico. Dessa forma, entre a Antiguidade e a Idade

Moderna, raras mulheres conseguiram destaque no trabalho, já que a maioria era escrava

do marido ou do patrão, com empregos inferiores na agricultura e no âmbito doméstico.

Consequentemente, o desenvolvimento industrial ampliou o mercado de trabalho para a

mulher, mas, em compensação, aumentou sua exploração (GAUDÊNCIO, 2005).

Gaudêncio, ao relatar a inserção da mulher no mercado de trabalho, afirma que

com a Revolução Industrial, a indústria têxtil absorveu grande número de mulheres e

crianças, tendo no liberalismo econômico e no individualismo jurídico a base ética e

jurídica para contratar livremente essa mão de obra, que configurava como mais barata,

dócil e submissa: “as mulheres trabalhavam cerca de 17 horas por dia, das 3 horas da

manhã até à noite, no verão; no inverno, das 5 às 23 horas. Muitas morriam tuberculosas”

(GAUDÊNCIO, 2005, p.199).

7 A expressão “ajudou” está inserida no contexto de subordinação social e econômica do trabalho feminino

ao masculino.

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A pesquisadora aponta ainda que a legislação atual assegura a igualdade plena

entre homens e mulheres, como o disposto na Constituição Federal de 1988, que acabou

- no âmbito jurídico - com toda forma de discriminação contra a mulher ao prescrever em

seu art. 5°, I, que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos

desta Constituição”. Mas, como os recentes estudos indicam, a divisão sexual do trabalho

ainda está ativamente presente na sociedade.

Assim, Saffioti (1988) toma os conceitos do antagonismo entre as classes sociais

e do antagonismo entre as categorias de sexo, formulados por Marx e Engels,

fundamentalmente para análise do modo de produção capitalista. A autora afirma a

necessidade de se ultrapassar os antagonismos no nível estrutural, na tentativa de aprender

a natureza das relações entre os atores sociais, portadores das contradições apontadas,

mesmo porque estes antagonismos não correm paralelamente, mas se interpenetram.

Desse modo apresenta considerações que podem auxiliar a compreensão do cruzamento

dos antagonismos e de suas manifestações específicas a nível das relações sociais, de

maneira que:

1. Patriarcado e capitalismo são duas faces de um mesmo modo de

produzir e reproduzir a vida;

2. Sendo o patriarcado, embora historicamente anterior ao advento do

capitalismo, uma vez que esteve presente e atuante em todas as épocas

progressistas da formação social econômica burguesa, consubstancial

ao MPC8, a formação social capitalista agudiza sobremaneira as

contradições atuantes em qualquer sociedade centrada na propriedade

privada dos meios de produção;

3. As imbricações das relações entre os sexos com as relações entre as

classes sociais têm consequências dramáticas para a classe

trabalhadora. Podendo qualquer desatenção quanto a divisão sexual do

trabalho conduzir as lutas a fragorosas derrotas, em virtude de drásticas

políticas distintas de homens e mulheres e até mesmo de objetivos

conflitantes;

4. A divisão sexual do trabalho está na base da subordinação da mulher

ao homem, relação de dominação esta que coloca o fenômeno da

reprodução como subordinado da produção;

5. As Ciências Sociais têm ignorado sistematicamente, exceção feita

de cientistas sociais feministas, a heterogeneidade sexual das classes

sociais, o que revela seu caráter marcadamente androcêntrico;

8 Mercado de Produção Capitalista.

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6. As relações sociais de produção não se restringem ao domínio

“público”, invadindo a área “privada” das relações sociais de

reprodução, da mesma forma como as relações sociais de reprodução

extrapolam a esfera “privada”, penetrando vigorosamente no âmbito da

produção “pública”; (SAFFIOTI, 1988, 1988, p. 148).

Como apontado, a pesquisadora afirma que em face dos antagonismos entre as

classes sociais e as categorias de sexo - gênero - serem cruzados e não paralelos, homens

e mulheres estão sempre em uma relação antagônica, na medida em que os homens são

os opressores e as mulheres as oprimidas, e, concomitantemente, constroem alianças

sobre uma base desigual - antagonismo entre os sexos - quando se trata de lutar contra

os interesses de outra classe social.

No mesmo sentido Kergoat (2009) expõe que a relação social constitui, em

princípio, uma tensão que atravessa o campo social, não constituindo alguma coisa

passível de reificação, mas uma tensão que produz certos fenômenos sociais e com grupos

de interesses antagônicos - grupo social homens e grupo social mulheres.

É apontado ainda que a divisão sexual do trabalho opera nas duas esferas: da

produção e da reprodução. E, nos termos destacados por Kergoat (2009, p. 67), essa

divisão sexual do trabalho “é a forma de divisão do trabalho social decorrente das relações

sociais de sexo; essa forma é historicamente adaptada a cada sociedade”. Em vista disso,

os homens majoritariamente estão inseridos na esfera produtiva, e as mulheres na esfera

reprodutiva. Portanto, as funções ocupadas pelos homens, são aquelas de forte valor

social agregado:

Essa forma de divisão social do trabalho tem dois princípios

organizadores: o da separação (existem trabalhos de homens e outros

de mulheres) e o da hierarquização (um trabalho de homem “vale” mais

do que um de mulher). Eles são válidos para todas as sociedades

conhecidas, no tempo e no espaço, o que permite, segundo alguns

(Héritier-Augé, 1984), mas não segundo outros (Peyre e Wiels, 1997),

afirmar que existem dessa forma desde o início da humanidade.

(KERGOAT, 2009, p. 67-68)

Ainda em sua análise sobre a lógica do mercado de produção capitalista, como

citado anteriormente, Saffioti (1988) afirma que a mesma é contraditória, mesmo que isso

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possa parecer paradoxal, já que no caráter contraditório desta lógica residem

possibilidades de se explicar a divisão sexual do trabalho:

[...] a desigual incorporação das mulheres na força de trabalho, as

discriminações salariais e de outras naturezas que contra elas se

praticam na esfera da produção, a dupla jornada de trabalho, o trabalho

considerado não-trabalho, enfim, a inferioridade social dos seres

femininos. (SAFFIOTI, 1988, p. 148)

Nestes termos, o sistema produtivo capitalista necessita da força de trabalho

feminina, e através de sua exploração, as mulheres produzam mais valor que os homens

em determinadas funções econômicas na mesma unidade de tempo, já que o preço de sua

força de trabalho é bastante inferior ao da força de trabalho masculina, mas mesmo nessa

situação de exploração, não chega a gerar o emprego maciço de mulheres (SAFFIOTI,

1988).

Portanto, “a teorização em termos de divisão sexual do trabalho afirma que as

práticas sexuadas são construções sociais, elas mesmas resultado de relações sociais”

(KERGOAT, 2009, p.68). Essas relações vão conceber categorias indissociáveis: trabalho

profissional e trabalho doméstico, produção e reprodução, assalariamento e família,

classe social e sexo social (HIRATA, 2009, p. 254). Como complementa Saffioti, parte-

se da premissa:

[...] de que produção e reprodução constituem faces de um mesmo

sistema produtivo, uma vez que todo modo de produção não pode

prescindir da produção de meios de subsistência, nem da reprodução de

seres humanos. A especificidade do sistema produção-reprodução

permite não apenas distinguir um modo de produção de outro, como

também compreender e explicar as diferentes manifestações, ao longo

da história, de um mesmo modo de produção. (SAFFIOTI, 1988, p.

143)

Isto posto, a autora complementa que o modo de produção capitalista está

assentado na extração da mais valia relativa, de modo que a reprodução ampliada do

sistema estabelece a necessidade constante da elevação da produtividade do trabalho,

como pode ser observado no desenvolvimento do taylorismo. Disso, dois efeitos do

incremento da produtividade do trabalho podem ser verificados nas formações sociais

capitalistas: o grande incremento do excedente econômico e, a marginalização de

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enormes contingentes humanos, sobretudo mulheres e os grupos técnicos socialmente

discriminados, do mundo de trabalho (SAFFIOTI, 1976).

Neste sentido, de acordo com os dois últimos sensos realizados no Brasil, pode-

se verificar um maior contingente de mulheres em atividades ligadas ao setor de serviços,

que abrangem aquelas relacionadas ao cuidado, segundo a visão de necessidade de

atenção, criatividade, ou seja, o estereótipo das habilidades ditas femininas, enquanto os

trabalhadores nos setores industrial e agrícola são em sua grande maioria constituídos por

homens, reforçando também os estereótipos de masculinidade, ou seja, aqueles ligados

ao poder, dominação, força, assim como consta na divisão sexual do trabalho.

Tabela 1: População ocupada por setores de atividades

2000 2010

Setor de Atividade Mulheres Homens Mulheres Homens

Agricultura 2.434.528 8.853.695 3.340.465 8.325.603

Indústria 2.941.779 10.729.298 3.995.171 13.503.614

Serviços 18.503.894 19.557.066 26.449.462 23.958.355

Fonte: Elaboração do autor a partir dos dados dos Sensos 2000 e 2010 – IBGE.

Como disposto na Tabela 1, houve um aumento da participação feminina no setor

industrial em 2010, mas corresponde a apenas 23% do total de trabalhadores nesse setor

naquele ano, enquanto no setor de serviços ocupam 53% dos postos de trabalho, sendo

que na agricultura também há predominância do trabalho masculino.

Considerando o rendimento no trabalho, verifica-se também a subvalorizarão da

mão de obra feminina, ao passo que, de acordo com os dados do IBGE, em 2000 o

rendimento médio no trabalho para as mulheres era de R$ 1.111.34 e do homem de R$

1.432,78, aumentando ainda mais a diferença no ano de 2010, em que as mulheres

ganhavam em média R$ 1.076,60 e os homens R$ 1.463,39.

Assim, apesar do trabalho ser realizado tanto por homens quanto mulheres -

inclusive por crianças - a produção masculina é mais valorizada, tanto socialmente quanto

mais remunerada, mas sem o trabalho feminino o processo de produção não seria possível

na lógica capitalista vigente.

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Apesar de não apresentar esses dados específicos para a população brasileira com

60 anos de idade ou mais, ao estar inserida nestes números, acredita-se que nesse

segmento também se observa a influência da divisão sexual do trabalho.

Gênero, raça e classe

Conforme apontado, através da divisão sexual do trabalho, o trabalho feminino é

menos valorizado e valorado - social e economicamente -, o que se verifica na distribuição

desigual das ocupações e rendimentos no mercado de trabalho, porém como indicam

várias pesquisadoras feministas, há outras gramáticas ou relações sociais que vão

influenciar fortemente essa distribuição.

Inicialmente, recorrendo à Marx, têm-se que a materialidade não se resume ao

aspecto econômico - como se pode depreender em seus apontamentos nas Teses sobre

Feuerbach – de modo que se entende o gênero enquanto construção social – e não natural

-, e assim, como em outras práticas, há criação de identidades, legitimidades e outras

expressões materializadas em um grupo social determinado que oprime e subordina

outros grupos, nos moldes já apresentados nesse trabalho.

De acordo com Kergoat (2010), essa relação não é somente “material”, mas

também produzida por e produtora de ideias, normas, valores e concepções de mundo,

que acarreta dinamicidade nas relações sociais. Relações essas que devem ser

historicizadas, já que apresentam uma estrutura que permite sua permanência, mas

também passam por transformações que correspondem a determinados períodos

históricos. Dessa forma, há necessidade de desnaturalizar as construções que se baseiam

na diferenciação das desigualdades, sem deixar de considerar a dimensão concreta das

relações sociais.

Saffioti é taxativa ao relatar que:

[...] conclui-se que a elaboração social do fator sexo não pode ser

tomada simplesmente enquanto variável ideológica sem eficácia na

produção, mas, ao contrário, como fenômeno cujas raízes se incrustam

no núcleo econômico do modo de produção capitalista e, neste sentido,

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como parte constitutiva deste, e como contrapartida ideológica da base

econômica da sociedade, justificadora das mudanças e diferenciações

que permitem a renovação constante das condições de reprodução do

modo de produção capitalista em conjunto. Ora, a ideologia do

patriarcalismo, presente em todas as fases de gestação da formações

social e econômica capitalista e permeando todos os seus níveis, atinge,

no modo de produção capitalista, sua expressão mais requintada,

incorporando, crescentemente, conhecimentos científicos e/ou

pseudocientíficos. (SAFFIOTI, 1976, p. 8)

Nota-se a utilização de supostas condições biológicas para justificar as diferenças

de gênero, amplamente reproduzidas na sociedade, na intenção de naturalização de uma

suposta superioridade masculina, em que o homem possui mais força física e habilidades

ligadas ao poder, liderança e dinamismo, enquanto a mulher possui mais amabilidade, é

mais cuidadosa e protetora.

Para melhor compreensão, a autora utiliza a metáfora de um galinheiro,

comparando sua estrutura hierárquica à sociedade humana. Explanando que um

galinheiro é organizado hierarquicamente, havendo uma "ordem das bicadas", onde

sempre haverá o maior poder para o galo (SAFFIOTI, 1997).

Ao se referir à sociedade atual, Saffioti (1997) aponta que os seres humanos

também organizam a sociedade hierarquicamente, de modo que se pode dizer que também

há uma "ordem das bicadas" socialmente construída – não natural. Sendo mais complexa

que a sociedade do galinheiro, nas sociedades humanas não há um único eixo de

hierarquização, sendo construídas várias gramáticas - conjunto de regras - para reger o

comportamento de homens e mulheres, de brancos e negros, de ricos e pobres, de

crianças, adultos e velhos, das pessoas consideradas normais e daquelas rotuladas como

loucas etc. As três gramáticas principais apresentadas pela pesquisadora são:

1. Gênero - regula as relações entre homens e mulheres, as relações entre homens e

as relações entre mulheres, especificando as condutas socialmente aceitáveis

quanto ao sexo - essa gramática foi apresentada anteriormente na discussão da

divisão sexual do trabalho;

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2. Raça/etnia - define as relações entre as raças ou etnias, determinando que uns

obedeçam a outros. Como por exemplo o fato de brancos e negros pertencem a raças

diferentes, também são socialmente hierarquizadas;

3. Classe social - cujas leis exigem comportamentos distintos dos pobres e dos ricos.

Estes, para se manterem no poder, precisam dominar/explorar os pobres. O

processo de dominação/exploração faz parte integrante da divisão da sociedade em

classes.

Assim, como apontado, gênero, raça e classe vão influenciar diretamente a

ocupação do mercado de trabalho, sendo que Saffioti (1997) chama a atenção para a

existência de outras gramáticas – que as chamam de secundárias - como a idade, que cria

uma subordinação de crianças aos adultos, porém essas gramáticas secundárias não serão

abordadas neste trabalho.

Portando, o gênero, as relações étnico-raciais e as estruturas de classes rompem o

paradigma de que a realização de destinos pessoais depende exclusivamente do

empenho/esforço pessoal, assim como o mito que com “um bolo maior9” pode-se dividi-

lo entre todos, atendendo às suas necessidades – ideologia presente na sociedade

capitalista contemporânea e neoliberal.

Ademais, Kergoat (2010) ressalta a necessidade de não isolar e segmentar as

relações sociais – as gramáticas a que Saffioti se refere - e, para tanto lança mão dos

conceitos de consubstancialidade e coextensividade, no intuito de compreender, de forma

não natural, as práticas sociais frente à divisão do trabalho em sua tripla dimensão: de

classe, sexual e racial.

Por conseguinte, essa articulação das relações sociais proposta pela autora

pretendeu “compreender de maneira não mecânica as práticas sociais de homens e

9 A expressão “fazer o bolo crescer para depois dividi-lo” ficou famosa ao ser citada por Delfim Netto,

economista formado pela USP em 1951, foi ministro da Fazenda dos governos militares de Costa e Silva

(1967-1969) e Médici (1969-1973), e ministro da Agricultura do governo Figueiredo (1979-1984), gestão

durante a qual também foi secretário do Planejamento, controlando o Conselho Monetário Nacional e o

Banco Central. Disponível em: http://memoriasdaditadura.org.br/biografias-da-ditadura/delfim-netto/.

Acesso em 20/07/2016.

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mulheres diante da divisão social do trabalho em sua tripla dimensão: de classe, de gênero

e de origem (Norte/Sul)” (KERGOAT, 2010, p. 93).

Kergoat (2010) afirma que a consubstancialidade não acarreta que tudo está

vinculado a tudo, mas apenas uma forma de leitura da realidade social, constituindo “o

entrecruzamento dinâmico e complexo do conjunto de relações sociais, cada uma

imprimindo sua marca nas outras, ajustando-se às outras e construindo-se de maneira

recíproca” (KERGOAT, 2010, p.100). Dessa forma, as relações sociais – gênero, classe

e raça – estão imbricadas umas com as outras, formando uma totalidade no campo social.

Ela alerta ainda:

Mas o fato de as relações sociais formarem um sistema não exclui a

existência de contradições entre elas: não há uma relação circular; a

metáfora da espiral serve para dar conta do fato de que a realidade não

se fecha em si mesma. Portanto, não se trata de fazer um tour de todas

as relações sociais envolvidas, uma a uma, mas de enxergar os

entrecruzamentos e as interpenetrações que formam um “nó” no seio de

uma individualidade ou um grupo. (KERGOAT, 2010, p.100)

No que tange à coextensividade, Kergoat (2010) focaliza para o dinamismo das

relações sociais, já que a consubstancialidade procura dar conta do fato de que as relações

sociais se produzem mutuamente.

De maneira diferente das materialistas francesas, ao analisar formas diferentes

de subordinação, especialmente ligadas ao sexismo, racismo e patriarcalismo, as pós-

estruturalistas estadunidenses lançam mão das interseccionalidades em seus estudos,

como os estudos desenvolvidos por Crenshaw.

Hirata (2014) afirma que com a categoria da interseccionalidade, Crenshaw

destaca sobretudo as intersecções da raça e do gênero, com abordagem parcial de classe

ou sexualidade. Segundo a autora, Crenshaw propõe a subdivisão em duas categorias: a

interseccionalidade estrutural, que se refere à posição das mulheres de cor na intersecção

da raça e do gênero e as consequências sobre a experiência da violência conjugal e do

estupro, e as formas de resposta a tais violências; e a interseccionalidade política, que

constituem as políticas feministas e as políticas antirracistas que têm como consequência

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a marginalização da questão da violência em relação às mulheres de cor (HIRATA, 2014).

Dessa maneira, tem-se que:

A interseccionalidade remete a uma teoria transdisciplinar que visa

apreender a complexidade das identidades e das desigualdades sociais

por intermédio de um enfoque integrado. Ela refuta o enclausuramento

e a hierarquização dos grandes eixos da diferenciação social que são as

categorias de sexo/gênero, classe, raça, etnicidade, idade, deficiência e

orientação sexual. O enfoque interseccional vai além do simples

reconhecimento da multiplicidade dos sistemas de opressão que opera

a partir dessas categorias e postula sua interação na produção e na

reprodução das desigualdades sociais (BILGE, apud HIRATA, 2014, p.

63).

Ao explanar sobre interseccionalidades, Piscitelli (2008) lembra da metáfora

utilizada para sua explicação, de que as relações sociais são como diversas avenidas,

sendo que em cada uma das quais circula um eixo de opressão – sexismo, racismo,

patriarcalismo, etc. -, e que em certos lugares, há o cruzamento das vias, e a mulher que

se encontra no entrecruzamento tem que enfrentar simultaneamente os fluxos que

confluem, oprimindo-a.

Porém, Piscitelli (2008) chama atenção de que as leituras críticas sobre

interseccionalidade consideram essa visão de Crenshaw expressiva de uma linha

sistêmica, que destaca o impacto do sistema ou a estrutura sobre a formação de

identidades. Dessa forma questionam o fato de que gênero, raça e classe são pensados

como sistemas de dominação, opressão e marginalização que determinam identidades,

exclusivamente vinculadas aos efeitos da subordinação social e o desempoderamento.

Também problematizam que nessa abordagem o poder é tratado como uma propriedade

que uns têm e outros não, e não como uma relação, sem levar em consideração de que as

relações de poder se alteram constantemente, marcadas por conflitos e pontos de

resistência (PISCITELLI, 2008).

Kergoat também tece críticas à abordagem das interseccionalidades, ao afirmar

que:

[...] pensar em termos de cartografia nos leva a naturalizar as categorias

analíticas [...]. Dito de outra forma, a multiplicidade de categorias

mascara as relações sociais. [...] As posições não são fixas; por estarem

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inseridas em relações dinâmicas, estão em perpétua evolução e

renegociação. (KERGOAT, apud HIRATA, 2014, p. 65)

Portanto, como aponta Hirata (2014), o principal da crítica de Kergoat ao

conceito de interseccionalidade é que tal categoria não parte das relações sociais

fundamentais (sexo, classe, raça) em toda sua complexidade e dinâmica. A pesquisadora

também apresenta a crítica de que a abordagem interseccional coloca em jogo, em geral,

sobretudo gênero-raça, deixando a dimensão classe social em um plano menos visível

(HIRATA, 2014).

Neste sentido, pode-se verificar principalmente as diferentes formas de visão da

realidade, que implicam em diferentes questões teórico-metodológicas: de um lado o

materialismo histórico que leva ao conceito da consubstancialidade, e de outro o pós-

estruturalismo com as interseccionalidades.

Assim, de acordo com os estudos apresentados, e partilhando da visão do

materialismo histórico, e assimilando os estudos marxistas no Brasil – Saffioti - e

materialistas na França - Kergoat -, tem-se que os homens brancos e ricos receberão as

maiores fatias do bolo e as mulheres negras e pobres ficaram com as menores – caso ainda

sobre algo a elas.

Os dados dos sensos de 2000 e 2010 também apresentam informações na mesma

linha, como se pode observar na Tabela 2:

Tabela 2: População economicamente ativa com 60 anos de idade ou mais

2000 2010

Mulheres Homens Mulheres Homens

Pretos/Pardos 347.141 1.009.086 783.606 1.536.929

Brancos 484.445 1.381.957 1.061.542 1.935.342

Fonte: Elaboração do autor a partir dos dados dos Sensos 2000 e 2010 – IBGE.

A partir dos dados dos sensos de 2000 e 2010, verifica-se que há quase o dobro

de homens pertencentes a população economicamente ativa, com 60 anos de idade ou

mais, em 2010 em relação às mulheres, sendo que em 2000 a situação era ainda mais

discrepante. Ressalta-se ainda, que a população idosa que se declarou preta ou parda foi

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inferior a que se declarou branca, em ambos os gêneros, mas não segue a mesma

discrepância que o apresentado entre a população economicamente ativa na mesma faixa

etária, e ainda que a número de mulheres é superior ao número de homens com 60 anos

ou mais de idade, como pode ser inferido no Gráfico 1.

Gráfico 1: População idosa, por gênero e raça/cor.

Fonte: Elaboração do autor, a partir dos dados dos Sensos 2000 e 2010 – IBGE

Dessa forma, verifica-se que na população idosa economicamente ativa também

há as influências das questões de gênero e raça, e assim, nos moldes apontados nos

estudos teóricos, seja considerando a consubstancialidade de Kergoat ou os “nós” das

gramáticas apresentadas por Saffioti, verifica-se a diferente e injusta distribuição dos

recursos e acesso às oportunidades, refletindo em maior exploração e dominação pelos

homens, brancos e ricos sobre os demais indivíduos da sociedade, e a utilização dos

processos produtivos para a reprodução e continuidade desse modelo.

Ressalta-se que os dados são referentes à população economicamente ativa, que de

acordo com o IBGE, é considerada como economicamente ativa na semana de referência

a pessoa ocupada ou desocupada nessa semana., sendo a pessoa desocupada na semana

de referência a pessoa sem trabalho na semana de referência, mas que estava disponível

0

5.000.000

10.000.000

Homens, Branca, 60 anos ou mais, 2010

Mulheres, Branca, 60 anos ou mais, 2010

Homens, Preta ou Parda, 60 anos ou mais, 2010

Mulheres, Preta ou Parda, 60 anos ou mais, 2010

Homens, Branca, 60 anos ou mais, 2000

Mulheres, Branca, 60 anos ou mais, 2000

Homens, Preta ou Parda, 60 anos ou mais, 2000

Mulheres, Preta ou Parda, 60 anos ou mais, 2000

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para assumir um trabalho nessa semana e que tomou alguma providência efetiva para

conseguir trabalho no período de referência de 30 dias, sem ter tido qualquer trabalho ou

após ter saído do último trabalho que teve nesse período, e pessoa ocupada na semana de

referência, aquela que pessoa que exerceu algum trabalho durante pelo menos uma hora

completa na semana de referência, ou que tinha trabalho remunerado do qual estava

temporariamente afastada nessa semana.

Dessa forma, trabalhos não remunerados não são considerados nos dados

apresentados pelos IBGE, o que pode acentuar ainda mais a divisão sexual do trabalho,

visto que historicamente os trabalhos domésticos no âmbito da própria residência são

executados prioritariamente pelas mulheres.

Gráfico 2: Razão entre o rendimento médio das mulheres idosas ocupadas em

relação ao rendimento dos homens idosos ocupados (%)

Fonte: Estatísticas de Gênero – IBGE.

Conforme apresentado no Gráfico 2, em 2010 houve uma diminuição entre a

diferença do rendimento de mulheres e homens idosos, diferentemente do que se observou

na população geral conforme já apresentado no rendimento médio do trabalho, sendo que

essa diferença no caso dos brancos é superior ao observado no caso dos pardos e negros.

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Assim, os dados dos sensos, mesmo correspondendo às declarações dos brasileiros

quando do levantamento realizado pelo IBGE, demonstra que o mercado de trabalho para

pessoas idosas não destoa do observado no geral.

Considerações Finais

Neste artigo, buscou-se a análise da articulação das relações sociais de gênero,

classe e raça e suas implicações no mercado de trabalho de pessoas idosas

economicamente ativas, com a avaliação de dados dos sensos de 2000 e 2010 realizados

e publicados pelo IBGE.

Estando o patriarcalismo presente de diversas formas ao longo da história da

sociedade humana, verifica-se que além da divisão social do trabalho10, há a divisão

sexual do trabalho, em que os homens ocupam as funções produtivas, que são as de maior

remuneração e valorização social, e as mulheres são renegadas às funções reprodutivas,

que são as subordinadas e mais desvalorizadas.

Afora essa dominação do homem sobre a mulher, observa-se a existência de outras

hierarquias construídas socialmente pela humanidade, destacando-se as relações de

classe, de modo que se constata a divisão da sociedade em classes e estando inserida em

uma realidade capitalista, essas classes estão vinculadas ao poder econômico - acúmulo

de capital -, gerando uma hierarquia em que os mais ricos constituem a classe dominante

e os mais pobres os dominados; assim como as relações de raça - ou etnia – nas quais há

uma dominação pelos brancos e subjugação dos negros, sendo que o mesmo ocorre com

os indígenas e outras etnias que não sejam de origem do branco europeu.

Por isso, infere-se que quando se considera a população economicamente ativa de

idosos no Brasil, a sistemática de interseccionalidades e consubstancialidade se mantém,

onde a mulher, especialmente se for negra e pobre, participa menos ativamente do

10 Divisão social do trabalho nos moldes apresentados por Marx, tratado como diferentes formas que os

seres humanos, ao viverem em sociedades históricas, produzem e reproduzem a vida, tendo o trabalho papel

central neste aspecto (MARX, 2007).

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mercado de trabalho, enquanto os homens brancos e ricos constituem aqueles com os

cargos mais valorizados social e economicamente, assim como os principais donos dos

meios de produção, e buscam sempre um maior acúmulo dos recursos disponíveis,

mantendo assim a dominação sobre aquelas.

Visto esse cenário, a discussão e a consciência da realidade social, constitui passo

importante para sua mudança e construção de uma sociedade com mais equidade. A luta

por essa nova sociedade deve ser traduzida em políticas públicas, mobilizações sociais e

significa responsabilidade de todos.

É necessário o aprofundamento na análise dos dados, assim como a utilização de

outras fontes de dados para que se possa traçar um quadro do mercado de trabalho dos

idosos com mais consistência, mas as informações dos sensos já indicam que o cenário

não foge à realidade observada em relação aos trabalhadores com menos de 60 anos de

idade.

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