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ANAIS DO I SIMPÓSIO NACIONAL SOBRE: ESTADO, DESCENTRALIZAÇÃO E GESTÃO PÚBLICA

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ANAIS DO I SIMPÓSIO NACIONAL SOBRE: ESTADO,

DESCENTRALIZAÇÃO E GESTÃO PÚBLICA

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SANDRO LUIZ BAZZANELLA

WALTER MARCOS KNAESEL BIRKNER

Organizadores

ANAIS DO I SIMPÓSIO NACIONAL SOBRE: ESTADO, DESCENTRALIZAÇÃO E

GESTÃO PÚBLICA

CANOINHAS

2014

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Universidade do Contestado – Campus de Canoinhas Reitora da Universidade do Contestado: Solange Sprandel da Silva Pró-reitor de Administração: Prof. Carlos Eduardo de Carvalho Pró-reitoria de Pesquisa, Extensão e Assuntos Comunitários: Profª Itaíra Susko Pró-reitor de Ensino: Prof. Rafael Chapieski Pró-reitoria do Campus de Canoinhas: Luiz Alberto Brandes Comissão Científica Dr. Alexandre Assis Tomporoski (UnC Dr. Argos Gumbowski (UnC) Dr. Armindo Longhi (FAFIUV) Drª Elisete Barp (UnC) Dr. Everaldo da Silva (Unifebe) Dr. Jairo Marchezan (Unc) Dr. José Ernesto de Fáveri (UNIDAVI) Dr. Luiz Paulo Gomes Mascarenhas (UnC) Dr. Marcos Antônio Mattedi. (FURB) Drª Maria Luiza Milani (UnC) Dr. Reinaldo Knorek (UnC) Dr. Sandro Luiz Bazzanella (UnC) Dr. Valdir Roque Dallabrida (UnC) Dr. Walter Marcos Knaesel Birkner (UnC) Dr. Wellington Amorin (UFMA) Ms Eduardo Gomes de Melo (UnC) Ms. Leandro Rocha (UFSC) Esp. Josiane Liebl Miranda (UnC)

Simpósio Nacional sobre: Estado, Descentralização e Gestão Pública (1 :

2013 : Canoinhas, SC) Anais do I Simpósio Nacional sobre: estado, descentralização e gestão

pública : [recurso eletrônico] / Sandro Luiz Bazzanella, Walter Marcos Knaesel Birkner, organizadores. – Canoinhas, SC : UnC, 2014.

ISBN: 978-85-63671-07-3 1. Estado. 2. Descentralização na administração. 3. Desenvolvimento

regional. I. Bazzanella, Sandro Luiz (Org.). II. Birkner, Walter Marcos Knaesel (Org.). III. Universidade do Contestado.

320.1 S612a

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SUMÁRIO

EDITORIAL ................................................................................................................. 4

CAMINHOS PARA UMA EDUCAÇÃO AUTÔNOMA .................................................. 7

CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE: um relato de experiência voltado para a

igualdade participativa na discussão de políticas públicas ...................................... 10

DO PATRIMONIALISMO LUSITANO AO CENTRALISMO SOCIALISTA E

IGUALITARISTA JUDAICO-CRISTÃO: MATRIZES DO ESTADO BRASILEIRO ... 34

ESCOLA E FAMÍLIA NA PARTICIPAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL . 57

VARIÁVEIS DA DESCENTRALIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA EM SANTA

CATARINA-BR ........................................................................................................ 73

O DIREITO À ACESSIBILIDADE: UM DIREITO POSTULADO NA CARTA MAGNA

BRASILEIRA ........................................................................................................... 91

FATORES INTERNOS E EXTERNOS NA EVASÃO ESCOLAR NO ENSINO

MÉDIO NOTURNO DO BRASIL ........................................................................... 100

A DISTRIBUIÇÃO DAS RECEITAS PÚBLICAS E O CENTRALISMO DO

GOVERNO FEDERAL E ESTADUAL CATARINENSE ......................................... 114

O PLANEJAMENTO URBANO DE MUNICÍPIOS COM BASE NO PLANO

DIRETOR .............................................................................................................. 132

A PRÁTICA DA AGROECOLOGIA NO ASSENTAMENTO MIMO, MUNICÍPIO DE

IRIENÓPOLIS (SC) ............................................................................................... 145

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EDITORIAL

O I Simpósio Nacional sobre “Estado, Descentralização e Gestão pública”,

realizado entre os dias 19, 20 e 21 de junho de 2013, propôs-se a refletir teórica,

conceitual e pragmaticamente as experiências de descentralização político-

administrativa em curso em vários estados brasileiros. Nesta mesma direção, o

evento pretendeu disseminar socialmente reflexões e práticas sobre o objeto

anunciado, além de proporcionar a troca de experiências e interpretações sobre tais

processos. Como resultados projetados buscou-se o aprofundamento da reflexão, a

ampliação da produção acadêmica ea instituição de um espaço de estudos entre

pesquisadores da temática, com vistas à constituição de uma rede interinstitucional

de pesquisa, além de oportunizar uma aproximação entre academia e gestores

públicos. O I Simpósio foi realizado por meio deconferências, palestras, mesas

redondas, com a participação de especialistas e pesquisadores no tema proposto,

além de autoridades e técnicos do setor público. O evento viabilizado pela

Universidade do Contestado foi conduzido pelo Programa de Pós-Graduação

Mestrado em Desenvolvimento Regional e do Curso de Ciências Sociais, com

ênfase em desenvolvimento regional.

No Brasil, em diversos de seus estados, existem experiências de

descentralização político-administrativa em curso. De modo geral, seu significado

está relacionado à necessidade do Estado encontrar respostas republicanas, por

meio da abertura de canais de comunicação com a sociedade civil, ou ao menos de

aproximação com ela. Essas experiências deixam transparecer, entre outros, um

conjunto de aspectos que foram refletidos, debatidos ao longo de todo o I Simpósio.

Nesta direção, apresentaram-se questões inerentes às experiências de

descentralização em curso, ressaltando-se os seguintes aspectos: a) Suas

características gerais diferenciadas; c) Distinções entre seus procedimentos; c) A

possibilidade de identificar os fundamentos teóricos que fundamentam tais propostas

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de descentralização; d) O significado inovador da descentralização, permitindo a

sinalização de uma tendência do Estado contemporâneo.

Sobre este e outros aspectos, o I Simpósio Nacional sobre Estado,

Descentralização e Gestão Públicacontribuiu para estimular a discussão dos

mesmos, com destaque para suas características constitutivas. A primeira é seu

caráter prioritariamente político. Tais experiências são inspiradas pela expectativa

geral de que a descentralização torne o processo decisório mais eficiente e justo do

ponto de vista da vontade soberana. Nessa perspectiva, as experiências de

descentralização não apenas instauram novos espaços, como permitem a

emergência de novas lideranças. A segunda característica dos processos de

descentralização é seu caráter administrativo. Trata-se de melhorar os

procedimentos por meio de uma maior racionalidade sobre a operacionalização

burocrática, pela otimização de recursos, melhor prestação de serviços, convergindo

para o aperfeiçoamento do caráter republicano do Estado.

Nessa direção, é urgente refletir tais características e procurar compreender

suas especificidades. A terceira característica da descentralização é de ordem

conceitual. O objeto em questão sugere esforços analíticos e interpretativos,

orientação por pressupostos presentes em autores da filosofia política moderna. Ou

seja, que os movimentos descentralizadores possam ser lidos, refletidos e

analisados sob a ótica contratualista, a partir de autores como Thomas Hobbes,

John Locke e Jean-Jacques Rousseau, mas também com Alexis de Tocqueville e,

federalistas como Hamilton, Madison e Jeferson.

Neste sentido, o I Simpósio Nacional sobre Estado, Descentralização e

Gestão Pública apresentou-se como ambiente reforçador dessa busca teórica,

requerendo investigação teórica e prática concomitante. Sob os argumentos acima

arrolados, este evento justificou-se socialmente como tempo e espaço de reflexão,

discussão, análise entre lideranças políticas, comunitárias, estudiosos e teóricos da

temática para compreensão da multiplicidade de perspectivas e possibilidades

advindas das experiências de descentralização e da reforma administrativa.

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Sob tais pressupostos é que se apresentam os artigos que compõem os anais

do I Simpósio Nacional sobre Estado, Descentralização e Gestão Pública. Trabalhos

que abordam diversos aspectos que compõem a racionalidade de Estado brasileira

em suas múltiplas dimensões, em seus limites e possibilidades na

contemporaneidade. Ademais, tais trabalhos demonstram de forma inequívoca que o

Estado não é uma entidade transcendente e monolítica, ou mesmo uma obra de

arte, mas o resultado das demandas sociais circunscritas em determinado contexto,

social, político, econômico e cultural em âmbito, local, regional, nacional e global.

Desejamos a você leitor, além de boa leitura, oportunas e estratégicas reflexões

necessárias ao avanço da razão de Estado brasileira em suas urgências de gestão e

de maior autonomia para o desencadeamento de ações de desenvolvimento

regional.

Dr. Sandro Luiz Bazzanella Filósofo

Dr. Walter Marcos Knaesel Birkner

Sociólogo

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CAMINHOS PARA UMA EDUCAÇÃO AUTÔNOMA

Maria Benedita de Paula Silva Polomanei1

RESUMO: Estudo bibliográfico sobre o tema autonomia e educação, justifica-se pela necessidade de se construir caminhos para uma educação autônoma na atualidade. Objetiva discutir o conceito de autonomia e definir caminhos para uma educação autônoma, visando uma sociedade sem ambiguidades e que, ao mesmo tempo, não tire a liberdade humana. Fundamenta-se em Kant (1785), Rousseau (1712 – 1778), Bauman (2013), Agamben (2010), Freire (2000) entre outros. Os tópicos teóricos envolvem o conceito de autonomia, situação da educação atualmente e caminhos possíveis para a construção de educação autônoma que subsidie uma sociedade com possibilidades de vir a ser, respeitando o tempo que resta.

Palavras-chave: Autonomia. Educação. Sociedade.

ABSTRACT: Bibliographic study on the subject autonomy and education, justified by the need to build paths for an autonomous education today. Discusses the concept of autonomy and define paths for an autonomous education, towards a society without ambiguities and at the same time, do not take human freedom. It is based on Kant (1785), Rousseau (1712-1778), Bauman (2013), Agamben (2010), Freire (2000) among others. The theoretical topics involve the concept of autonomy, state of education today, and possible ways to build autonomous education to subsidize a company with possibilities of being, respecting the time left.

Keywords: Autonomy. Education. Society.

CAMINHOS PARA UMA EDUCAÇÃO AUTÔNOMA

A reflexão se inicia defendendo autonomia como uso público e privado da

razão e diante de tal afirmação, já defendida por Kant em sua obra “Fundamentação

da Metafísica dos Costumes” (1785) questiona-se: - A educação é capaz de formar

autonomias? Acredita-se que sim, porém não na atual educação brasileira. Como 1Pedagoga. Mestra em Educação. Membro do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas, CNPq. Apresentado no I Simpósio Nacional sobre Estado, Descentralização e Gestão Pública de 19 a 21 de junho de 2013, Canoinhas – SC, E-mail: [email protected]

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será possível defender e construir autonomias com a apresentação de índices

alarmantes no quesito qualidade em educação, denunciados constantemente pela

mídia, com base em pesquisas? Nesse sentido, liberdade para escolher e agir

(situação basilar para conquistar a autonomia) como foi defendida por Rousseau

(1712 a 1778) se torna quimera, pois, que discernimento o sujeito que não lê, não

interpreta,pode apresentar? O contrato social preconizado por Rousseau está sendo

até hoje discutido, sem grandes avanços.

O panorama que se apresenta na realidade educacional brasileira, pode-se

afirmar que é fruto da falta de um projeto que subsidie uma educação de qualidade,

capaz de desenvolver o uso público e privado da razão, em prol de uma cidadania

consciente. Além disso, que possa na busca do bem viver e não do viver bem,

segundo Agamben (2010) construir um contrato social calcado na liberdade de

escolhas. Apresenta-se um Plano Nacional de Educação com prazo de validade

vencido. Sua reformulação foi aprovada apenas pelo CAE (Comissão de Assuntos

Econômicos) e segue para outras instâncias, objetivando a aprovação final. Vêm

acontecendo movimentações, pelo que parecem um tanto tímidas, para subsidiar a

segunda CONAE (Conferência Nacional de Educação) a ser realizada em 2014. O

que se afirma é que as mesmas deverão fortalecer a reorganizaçãodo Plano

Nacional de Educação. Quanta responsabilidade! Será que há autonomia para

tanto?

Outro aspecto que pode ser denunciado é a crise do conhecimento. Falta

poder de interpretação, a leitura de mundo defendida por Paulo Freire em sua

Pedagogia para a Autonomia (1996) cujo texto destaca a ética e a estética

caminhando de mãos dadas para a formação do sujeito autônomo. A inércia se

completa com a visível falta do poder de argumentação. Esses pontos elencados

precisam ser trabalhados desde o ensino infantil, avançando para o ensino superior.

Dependendo de como essa trajetória se constrói, defende-seser possível

desenvolver autonomias. Porém, faz-se necessário que profissionais que trabalham

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na educação, principalmente professores e gestores, exercitem sua própria

autonomia.

Há que se buscar definir um projeto educacional para a nação, o qual seja

consistente, discutido democraticamente, pois lembrando Saint-Exupéry (1943) você

se torna responsável pelo que cativas e na democracia se exercitam

responsabilidades. Faz-se necessário fomentar lideranças compartilhadas e

avaliações que não louvem a meritocracia.

Completando, o conhecimento, quer seja transmitido, construído ou mediado,

para usar termos que despertam polêmicas, representa ponto fundamental a ser

trabalhado. Com o conhecimento é possível desenvolver diálogos, projetos

interdisciplinares que, acredita-se,subsidiarão reflexões na vida pública e privada,

esculpindo sujeitos autônomos capazes de discernir, escolher e agir.

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CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE: um relato de experiência voltado para a

igualdade participativa na discussão de políticas públicas

Jean Pierre Chassot2 Sérgio Luis Allebrandt3

Juliano Perottoni4 Cíntia Cristina PruniKunz5

RESUMO: O funcionamento dos conselhos varia em conformidade com as ações que se estabelecem entre os participantes do processo, e suas deliberações são resultados de negociações que contemplem as diferenças de interesses de cada segmento e que garantam a transparência de relação entre os distintos grupos que o constituem. Nesse sentido, este trabalho tem como objetivo relatar a experiência dos atores envolvidos nos processos de discussão do Conselho Municipal de Saúde do município de São Valério do Sul-RS quanto à implantação de políticas públicas municipais, considerando a categoria da igualdade participativa proposta pelo Programa de Estudos em Gestão Social (PEGS), vinculado à Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (EBAPE/FGV). A partir dessa análise observa-se a sistemática de participação e tomada de decisão, tendo como base os critérios de análise: forma de escolha dos representantes, discurso dos representantes e avaliação participativa. Dentre as contribuições que o estudo revelou estiveram os desafios que o município deve enfrentar para elaboração e implementação das políticas públicas, e os avanços, uma vez que setores historicamente excluídos, como o caso dos indígenas e agricultores familiares, estão incluídos e consideravelmente participantes do processo.

Palavras-Chave: Gestão em Saúde. Políticas Públicas. Cidadania Deliberativa.

INTRODUÇÃO

Ao longo dos últimos anos, os conselhos gestores legalmente instituídos no

Brasil, foram gradativamente formados nos municípios e vêm alcançando as mais

variadas experiências em busca de ações e instrumentos que favoreçam o

desempenho de suas atribuições legais. No processo de institucionalização, estes

2UNIJUÍ. Mestrando em Desenvolvimento. E-mail: [email protected]

3UNIJUÍ. Prof. Dr. do Departamento.de Estudos da Administração. E-mail: [email protected]

4UFSM. Prof. Dr. da CESNORS. E-mail: [email protected]

5UFSM. Especialista em Gestão Educacional. E-mail: [email protected]

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representam espaços participativos, nos quais emerge uma nova cultura política,

configurando-se como uma prática em que se faz presente o diálogo, a contestação

e a negociação a favor da democracia e da cidadania.

O funcionamento dos mesmos varia em conformidade com as ações que se

estabelecem entre os participantes do processo, e suas deliberações são, em geral,

resultado de negociações que contemplem as diferenças de interesses de cada

segmento e que garantam a transparência de relação entre os distintos grupos que o

constituem. Essas relações, que têm como pano de fundo questões como: a

representatividade dos seus membros, a visibilidade de suas propostas, a

transparência de sua atuação, a permeabilidade e a comunicação com a sociedade,

sendo estas é que vão definir em cada conselho a qualidade de sua ação.

Para avaliar estes espaços, o Programa de Estudos em Gestão Social

(PEGS), vinculado à Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da

Fundação Getúlio Vargas (EBAPE/FGV)tem como objetivos: desenvolver atividades

de ensino, pesquisa e extensão a fim de institucionalizar o campo de estudos em

gestão social nas relações sociedade-Estado, trabalho-capital e sociedade-mercado;

elaborar material conceitual e instrumental que auxilie diferentes organizações e

sujeitos sociais na gestão de políticas, planos, programas e projetos de natureza

social e de desenvolvimento territorial; capacitar gerentes e técnicos de

organizações do setor público, do mercado e da sociedade, no conhecimento do

referencial teórico-prático em gestão e controle social; transferir, socialmente,

tecnologias gerenciais para organizações do terceiro setor e movimentos

sociais.Desenvolveu critérios sob os conceitos habermasianos na ótica de cidadania

deliberativa, que de acordo com Tenório (2007, p. 54), significa que a “legitimidade

das decisões políticas devem ter origem em processos de discussão, orientados

pelos princípios da inclusão, do pluralismo, da igualdade participativa, da autonomia

e do bem comum”.

A partir destes princípios, classificados como categorias a serem observadas

em avaliação de processos de participação e decisão, o pesquisador relata a

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experiência vivenciada de acordo a categoria da Igualdade Participativa, que é

segundo Tenório (2007, p.55) “a isonomia efetiva de atuação nos processo de

tomada de decisão nas políticas públicas”, assim como seus critérios de análise:

forma de escolha dos representantes, que é o método utilizado para a escolha dos

representantes; discurso dos representantes, que é a valorização de processos

participativos nos discursos dos representantes; e avaliação participativa, que se

caracteriza como a intervenção dos participantes no acompanhamento e na

avaliação das políticas públicas.

Este trabalho tem como tema a participação social na gestão das políticas

públicas durante discussões no Conselho Municipal de Saúde no município de São

Valério do Sul/RS, pois o enfoque do controle da sociedade sobre as políticas

públicas evoluiu e ganhou destaque depois da Constituição Federal de 1988

(BRASIL, 1988), resultado de longa história de lutas e conquistas visando à

participação popular. Frente a esta situação, diante do processo de democratização

instalado no país por meio da valorização de iniciativas associativas e da

participação da sociedade civil na elaboração de políticas públicas é que se

pergunta: é igualitária a participação nos processo de tomada de decisão no

Conselho Municipal de Saúde do município de São Valério do Sul?

Assim, será analisado o processo de gestão social e o modo como as práticas

de participação acontecem neste conselho especificamente, averiguando os

avanços que este modelo de desenvolvimento e de governança territorial produziu

em termos de cidadania neste ambiente diante das relações de poder que se

estabelecem a partir da observação da sistemática de participação e tomada de

decisão. Como base, foram usados os critérios de análise: forma de escolha dos

representantes, discurso dos representantes e avaliação participativa.

O trabalho tem relevância pelo sentido que a participação social tem-se

mostrado como aliada da gestão pública, principalmente se analisada pelo viés da

gestão social. Além disso, a realização do trabalho visa contribuir para o

desenvolvimento do município em questão, vislumbrado o enriquecimento das

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informações que serão obtidas e, consequentemente, incentivar futuras pesquisas

servindo de referência e ainda oportunizar o crescimento e o desenvolvimento do

saber.

OBJETIVOS

Relatar a experiência vivenciada pelo acadêmico nos processos de discussão

do Conselho Municipal de Saúde do município de São Valério do Sul-RS quanto à

gestão das políticas públicas municipais considerando a categoria da igualdade

participativa.

METODOLOGIA

Este estudo adota como premissa ontológica uma abordagem humanista em

que a realidade é fruto do processo cognitivo dos indivíduos e construída pelo

pesquisador em interação com aspectos históricos e sociais do objeto pesquisado

(HUGUES, 1980). Decorrentes desta premissa, de acordo com Vergara (2007) os

aspectos epistemológicos buscam uma concepção antipositivista no processo de

construção do conhecimento, ou seja, busca-se dialeticamente explicar a realidade

que se encontra “em constante fluxo e transformação”. E, ainda como destaca Gil

(1999) que o método dialético “fornece as bases para uma interpretação dinâmica e

totalizante da realidade, já que estabelece que os fatos sociais não podem ser

entendidos quando considerados isoladamente, abstraídos de suas influências

políticas, econômicas, culturais, etc...”.

Trata-se de um estudo descritivo em que foi realizado um relato de

experiência das atividades do conselho municipal de Saúde de São Valério do Sul,

dirigido para o conhecimento da realidade processual no sentido de gerar

conhecimento sobre a realidade local fundamentada na abordagem qualitativa.

Entende-se que exista uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito,

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possibilitando, assim, trilhar novos caminhos que possibilitem fazer descobertas,

encontrar novos significados a respeito do tema estudado, discutir e avaliar

alternativas ou confirmar o que já é conhecido, reconhecendo o conhecimento como

algo não acabado. Isto é, como uma construção que se faz e se refaz continuamente

no sentido da existência de uma interdependência entre o sujeito e o objeto, uma

relação inseparável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito, pois o

conhecimento não se reduz a um checklist de dados isolados. O sujeito-observador

é parte integrante do processo de conhecimento e interpreta os fenômenos

atribuindo-lhes um significado.

Nesse sentido, este relato de experiência traz para o concreto essa relação

que o sujeito-pesquisador/observador desenvolveu com as constatações e

observações realizadas junto aos processos de discussão do Conselho Municipal de

Saúde do município de São Valério do Sul-RS quanto à gestão das políticas públicas

municipais, descrevendo se existe ou não igualdade participativa no processo de

participação de acordo com a matriz proposta pelo PEGS. O quadro 1, abaixo, foi

elaborado para ilustrar a categoria de análise e seus critérios.

Quadro 1 – Matriz de categorias e critérios de análise de espaços públicos

Categoria Critérios

Igualdade Participativa:isonomia efetiva de atuação nos processos de tomada de decisão nas políticas públicas.

Forma de escolha dos representantes: métodos utilizados para a escolha de representantes.

Discurso dos representantes: valorização de processos participativos nos discursos exercidos por representantes

Avaliação participativa: intervenção dos participantes no acompanhamento e na avaliação das políticas públicas.

Fonte: Elaboração com base em Tenório (2012).

Quanto aos procedimentos técnicos, para o desenvolvimento da análise, foi

utilizada como metodologia uma pesquisa observacional assistemática de

levantamento dos espaços existentes e usados pela população para participar na

gestão das politicas públicas. As interações com os membros (conversas) tiveram

amostras não-probabilísticas e escolhidas intencionalmente.

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Após a escolha da metodologia para realizar o estudo procurou-se verificar

como se dá a forma de escolha dos representantes, os discursos dos mesmos e a

avaliação participativa dentro do cenário escolhido por meio de observação e

interação com os atores envolvidos no conselho de saúde local com a intenção de

reunir informações suficientes para elucidar o problema existente. Os

acompanhamentos dos trabalhos realizados pelo conselho ocorreram durante o ano

de 2012, e foram acompanhadas reuniões ordinárias, assim como realizados

diálogos constantes com os conselheiros, assim como análise da legislação vigente

(Leis, Portarias, Regimento Interno, atas).

Além da realização desta prática, também foi realizada análise documental,

ou seja, foram analisadas leis, decretos, portarias, resoluções, isto é, análise

documental da legislação que rege o conselho de saúde de São Valério do Sul, pois

se julgou necessário para favorecimento da observação do processo e a evolução

das práticas, confrontando, assim, com os discursos dos entrevistados e

observações realizadas. Esses dados coletados e informações observadas foram

analisados por meio da análise de conteúdo, que segundo Allebrandt (2002, p. 33)

apud Jovchelovich, 2000, p.219 diz que esta “refere-se a qualquer técnica para fazer

inferência através da identificação sistemática e objetiva de características de

mensagens”. Em outras palavras, trata-se de analisar o que é dito em uma dada

unidade de comunicação. A autora ainda estabelece a seguinte distinção:

A análise textual implica examinar detalhadamente os conteúdos léxicos e as estruturas sintáticas, e usualmente toma a palavra como o elemento básico a ser analisado. A análise temática refere-se ao reconhecimento de certos temas, ou idéias, no texto e o seu enquadre em determinadas categorias.

Assim, como técnica de análise de conteúdo foi realizada a análise temática,

que segundo Minayo (1993) consiste em desmembramento do texto em unidades,

ou seja, foram separadas em categorias e organizadas em conformidade com os

fatores que determinam suas características.

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GESTÃO SOCIAL: ASPECTOS CONCEITUAIS

O debate acadêmico sobre o tema gestão social se dá num contexto de

drama e urgência. O agravamento de problemas sociais e as desigualdades no

mundo revelam que o atual sistema econômico produz cada vez mais bilionários, ao

mesmo tempo em que se revela incapaz de viabilizar uma vida digna e sustentável

para todos. As discussões geradas sobre o tema têm ganhado notoriedade ao longo

dos últimos anos pela importância que as questões sociais representam para os

governos dos Estados na implementação das políticas públicas.

Sachs, Lopes e Dowbor (2010) remetem a uma convergência de tensões,

como o crescimento populacional acelerado, liquidação de aquíferos, contaminação

de reservas planetárias de água doce, aumento da produção de automóveis,

expansão de cadeias produtivas geradoras de aquecimento climático, e também a

necessidade de soluções sistêmicas que viabilizem mudanças concretas no nível da

consciência desses desafios.

Carrion e Calou (2008) acreditam que frente a este contexto se estabeleçam

mudanças concretas nos processos de tomada de decisão, priorizando a redução da

desigualdade e o reequilíbrio ambiental. Enfatizam, ainda, a necessidade de

organizar com mais força a presença da sociedade civil neste processo.

Autores como Allebrandt (2010); Tenório (2008); França Filho (2008); Fischer

(2002) defendem o estabelecimento de um modelo de gestão mais participativo

através da articulação social e maior fluidez de informações entre atores e agentes

locais, públicos e privados por meio do compartilhamento de poder.

Allebrandt (2010) conduz este argumento com base em duas óticas principais:

a mercadocêntrica, que se defende pela supremacia do mercado como o grande

condutor da sociedade, deixando o Estado apenas como responsável pelo

cumprimento das leis e pela segurança, e a estadocêntrica, que considera o

mercado incapaz de conduzir as relações de poder existentes na sociedade,

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passando essa total responsabilidade para o Estado. Entretanto, no intento de

construir um modelo efetivamente cidadão, o autor apresenta um novo modelo

tripartite de sociedade, denominado tripé social. Este defende a construção de novas

relações de poder, com equilíbrio mínimo entre Mercado, Estado e sociedade civil,

através de um processo permanente de concertação entre estes segmentos, pela

constituição de espaços públicos que privilegie a cidadania.

Allebrandt (2010) ainda fala que a articulação deste triângulo concretiza-se

pelas relações de poder, pois “o Estado exerce o poder político, o mercado exerce o

poder econômico e a sociedade civil exerce o poder social”. É neste sentido, que o

conceito de gestão social tem sido evocado, acentuando a importância das questões

sociais tanto nas relações de trabalho nas organizações, como no na implementação

de políticas públicas.

Tenório (2008) defende que esta mudança de posição muda o enfoque de

quem deve ser o protagonista no processo dessas relações: a cidadania, colocando

o cidadão como “[...] sujeito privilegiado de vocalização daquilo que interessa à

Sociedade nas demandas do Estado e daquilo que interessa ao trabalhador na

interação com o capital”. Deste modo, a cidadania se expressa pelo “pleno exercício

de direitos exigíveis em benefício da pessoa humana e da coletividade”.

Schomer e França Filho (2008) argumentam que gestão social evoca uma

nova configuração no padrão de relações entre Estado e sociedade como forma de

enfrentamento das problemáticas contemporâneas, configurando-se como uma

inovação no campo administrativo, já que se trata de um ideal de gestão que não se

orienta para uma finalidade econômica, contrariando a tradição de técnicas

gerenciais em administração.

Para melhor compreensão deste novo ideal de gestão, Schomer e França

Filho (2008) sugerem dois níveis de análise ou de percepção da gestão social: o

primeiro é o nível societário, aquele que identifica como uma problemática da

sociedade, e outro no nível organizacional, aquele que a associa a uma modalidade

específica de gestão, sugerindo uma forma de gestão organizacional que subordina

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as lógicas instrumentais a outras lógicas mais sociais, políticas, culturais ou

ecológicas.

No que se refere ao termo gestão social como uma problemática da

sociedade (nível societário), Schomer e França Filho (2008) entendem como um

modo de gestão das demandas da sociedade pela própria sociedade, em que existe

uma dinâmica de auto-organização social que pode ocorrer a partir de espaços de

interação social, tanto no âmbito do Estado e da sociedade civil, como no âmbito do

próprio mercado, em condições específicas.

Ao referir-se à gestão social, Tenório (2007) a define como um processo

gerencial dialógico no qual a autoridade decisória é compartilhada entre os

participantes da ação, de modo que o adjetivo social de gestão é compreendido

como o espaço de relações sociais no qual todos têm direito à fala. O autor refere-

se, ainda, à cidadania deliberativa, entendida como uma ação de viés político

conduzida pela esfera pública e caracterizada pela ação comunicativa, na qual os

sujeitos ao apresentarem seus argumentos com bases racionais devem alcançar um

acordo comunicativamente, com base nos melhores argumentos.

Cabe destacar que o termo gestão social é estabelecido pelos fundamentos

epistemológicos definidos pela Escola de Frankfurt. Tenório (2008) enfatiza os

contrapontos entre teoria tradicional e teoria crítica observando que eles se

desenvolvem em três aspectos: a) a teoria tradicional é inadequada para analisar ou

entender a vida social; b) a teoria tradicional analisa somente o que vê, aceita a

ordem social presente, obstruindo qualquer possibilidade de mudança, o que conduz

ao quietismo político; c) a teoria tradicional está intimamente relacionada e é fator de

sustentação e dominação tecnológica na sociedade tecnocrática que vivemos.

Tenório (2008, p.15) “discutiu a racionalidade instrumental como razão

inibidora da emancipação do homem”. Das teorias originarias Frankfurteanas,

seguiremos a análise do alemão Jürgen Habermas que procura por meio de seu

conceito de racionalidade comunicativa estabelecer elementos conceituais

democratizadores das relações sociais na sociedade contemporânea.

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Este teórico alemão propõe um paradigma teórico-social que implemente a

razão a partir do consenso alcançado por uma ação social do tipo comunicativa, ao

contrário de uma ação social do tipo estratégica. O objetivo de Habermas, segundo

Tenório (2008, p. 20), é de “desenvolver uma teoria que, diferente da teoria

tradicional, positivista, denunciada por Horkheimer, permita uma práxis social

voltada para um conhecimento reflexivo e uma práxis política que questione as

estruturas sócio-político-econômicas existentes.”

Para Tenório (2005), a Gestão Social diferencia-se da Gestão Estratégica à

medida que tenta substituir a gestão tecnoburocrática, monológica, por um

gerenciamento mais participativo, dialógico, no qual o processo decisório é exercido

por meio de diferentes sujeitos sociais, e esta ação dialógica desenvolve-se segundo

os pressupostos do agir comunicativo.

Nesse sentido, Tenório (2008, p. 26) conclui que no “contexto da gestão

social orientada pela racionalidade comunicativa, os atores, ao fazerem suas

propostas, não podem impor suas pretensões de validade sem que haja um acordo

alcançado comunicativamente no qual todos os participantes exponham suas

argumentações”. O autor ainda dispõe que estes argumentos devem ser expostos

através da razão, do conhecimento, colocados discursivamente. Ou seja, quem fala

expõe suas ideias de maneira racional e quem ouve reage tomando posições

motivadas também pela razão.

Durante o processo da gestão social, admite-se que a verdade só exista se

todos os participantes da ação social admitem sua validade. Isto é, essa verdade é a

promessa do consenso racional ou a verdade não é uma relação entre o indivíduo e

sua percepção do mundo, mas sim um acordo alcançado por meio da discussão

crítica, da apreciação intersubjetiva. Ainda segundo Tenório (2008, p. 27), “sob uma

ação comunicativa, dialógica, um indivíduo procura motivar racionalmente um

outro(s) para que este concorde com sua proposição – nesse tipo de ação a

linguagem atua como uma fonte de integração social”.

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O terceiro setor nos últimos anos tem sido apontado como uma alternativa de

gestão social, ou seja, tem sido referenciado como uma proposta para resolução de

muitos dos problemas sociais que assolam a sociedade contemporânea. Os

governos com seus discursos de Estado-mínimo e as empresas que oscilam em

suas estratégias de ação social, cabe então ao terceiro setor a responsabilidade

para atender as deficiências sociais. Este setor diferencia-se dos demais à medida

que desenvolve atividades públicas através de associações, entidades de classe,

fundações privadas, instituições filantrópicas, movimentos sociais organizados,

organizações não governamentais e outras associações assistenciais da sociedade

civil.

Tenório (2008, p.34) conclui dizendo que:

Ter o indivíduo como sujeito privilegiado de vocalização daquilo que interessa à Sociedade nas demandas ao Estado e daquilo que interessa ao trabalhador na interação com o capital, significa mudar a natureza dessas relações, quer dizer, passar de condições monológicas, tecnoburocratas e autoritárias para situações dialógicas, democráticas e intersubjetivas, do exercício da cidadania.

Nesse sentido, ainda Tenório (2008, p. 36) diz que a epistemologia de

desenvolvimento da gestão social não pode ser pautada por mecanismos de

mercado que orientam a gestão estratégica informada pelas teorias tradicionais, pois

esta teoria tem como enfoque a fundamentação da gestão estratégica-monológica,

como as empresas estão para o mercado. Já a base da epistemologia da gestão

social deve ser a intersubjetividade-dialogicidade, como a política, o bem comum,

contemplando o envolvimento da cidadania no espaço público e do trabalhador no

espaço privado. Assim, gestão social é o processo intersubjetivo que preside a ação

da cidadania tanto na esfera privada quanto na esfera pública.

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CIDADANIA DELIBERATIVA

Para este trabalho, trabalha-se a gestão social num espaço público,

considerando a cidadania deliberativa nestes ambientes. Sob este aspecto, pode-se

discutir e observar diversas formas de caracterizar o significado do termo cidadania,

desde suas origens até sua aplicação prática. Mas para uma definição mais

contemporânea discute-se o conceito de cidadania segundo Jürgen Habermas

(2004) apud Tenório, (2007, p. 53) partindo da perspectiva liberal e republicana.

Segundo o desejo do autor de aproximar os dois conceitos “sem dar prioridade nem

aos direitos humanos, que se vinculam à perspectiva liberal, nem à soberania

popular que está relacionada ao enfoque republicano”. Dessa forma, partindo destes

dois contextos, liberalismo e republicanismo, Habermas propôs um enfoque

deliberativo, com fundamentação no diálogo.

De acordo com a perspectiva liberal:

O processo democrático tem como objetivo orientar o governo no interesse da sociedade, onde o governo aqui se faz representar pela administração pública, e a sociedade como uma rede de interações entre particulares, estruturada à semelhança do mercado onde a política tem como função de unir e motivar os interesses privados contra um aparato governamental especializado no uso administrativo do poder político para fins coletivos (TENÓRIO, 2003 p. 57).

Já na perspectiva republicana:

A política implica em mais que atuar como função mediadora, a política é concebida como forma reflexiva da vida ética substantiva como o meio pelo qual os membros de comunidade mais ou menos integradas se tornem conscientes de sua mútua dependência, e os interesses individuais são substituídos pela solidariedade e a orientação em direção ao bem comum aparecem como uma terceira fonte de integração social (TENÓRIO, 2003, p. 57).

Cidadania Deliberativa, de acordo com Tenório (2007, p. 54), significa “que a

legitimidade das decisões políticas deve ter origem em processos de discussão,

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orientados pelos princípios da inclusão, do pluralismo, da igualdade participativa, da

autonomia e do bem comum”.

A Cidadania Deliberativa encontra-se no meio termo entre as duas

perspectivas, ou seja, segundo Habermas (1997), apud Tenório (2007, p. 58), “o

liberalismo prioriza os compromissos e a liberdade para negociar” e “o

republicanismo dá prioridade ao que é melhor para o próprio grupo ou comunidade”.

Nesse sentido, procurando o que tem de melhor em cada perspectiva, o conceito

deliberativo tem como prioridade o consenso.

sob cidadania deliberativa tanto formas de deliberação dialógicas quanto instrumentais são institucionalizadas e válidas na formação da opinião e da vontade política, transferindo-se as condições de virtude do cidadão para a institucionalização de formas de comunicação em que possam ser feitos debates éticos, morais, pragmáticos e de negociação. Ela tem como base, portanto, as condições de comunicação, onde assim permite-se pressupor que decisões racionais podem ser tomadas no processo político (TENÓRIO, 2007, p. 59)

Por meio do diálogo, Habermas (1997) apud Tenório (2007), procura integrar

as duas perspectivas com o fim de submeter a um processo deliberativo para as

tomadas de decisões. Processo este que estimule uma cultura política de liberdade,

de socialização política esclarecedora, de iniciativas formadoras da opinião pública

originadas na sociedade civil.

Essa Cidadania Deliberativa constitui-se então em:

Uma nova forma de articulação que questiona a prerrogativa unilateral de ação política do poder administrativo do Estado. A perspectiva é que esta nova forma de participação contribua através do espaço público oferecido, para quebra de barreiras de classe, libertação da estratificação e exploração social e para que se desenvolva plenamente o potencial de um pluralismo cultural atuante conforme sua própria lógica, potencial que é tão rico em conflitos e gerador de significado e sentido (HABERMAS, 1997 apud TENÓRIO, 2007, p. 62).

Para Tenório (2007), existem cinco pontos cruciais para uma deliberação

utópica, ou seja, deve ser livre, no sentido de que os participantes estão obrigados

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apenas pelos resultados de sua deliberação; deve ser também justificada, no sentido

de que as partes devem declarar seus motivos, apresentar, apoiar ou criticar

propostas; deve ser formalmente igual, no sentido de que os procedimentos não

podem distinguir os participantes do processo; deve ser substancialmente igual, no

sentido de que a distribuição existente de poder e recursos entre os participantes

não determinem duas chances de ajudar para a deliberação; e por fim, a deliberação

utópica tem como objetivo chegar a um consenso racionalmente motivado.

Do ponto de vista da teoria crítica, o conceito de gestão social rompe com as

separações e busca construir laços comuns com outros saberes, como o

entendimento de desenvolvimento territorial. O objetivo é, sobretudo, atender por

meio da coisa pública o bem comum e as necessidades da sociedade.

CONSELHOS GESTORES

O espaço adequado para que o procedimento deliberativo aconteça com

legitimidade é, segundo Habermas, em uma esfera pública, como se entende os

conselhos gestores, em que a sociedade civil, o Estado e o mercado interagem entre

si formando uma tríplice corrente: a sociedade civil por meio das organizações

nãoestatais e dos movimentos sociais organizados;o Estado, pelos seus poderes

Executivo, Legislativo e Judiciário;e o mercado, pelos agentes econômicos e

produtivos. Nunca esquecendo que estes dois últimos também devem possuir

atitudes cidadãs e atuar como cidadãos, isto é, a coisa pública deve ser assunto de

todos, da sociedade como um todo.

De acordo com Teixeira (2000) apud Allebrandt (2002, p. 82):

Os conselhos são órgãos públicos legalmente instituídos regrados por regulamento aprovado pelo seu plenário, em várias situações são criados obrigatoriamente por legislação específica, sendo que a não existência destes podem comprometer o órgão da federação em questão no que tange às transferências de recursos por parte de outros entes de governo. Para a sua composição não existe normatização definida, mas exige-se a paridade dos representantes entre o governo e a sociedade civil.

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Este autor ainda refere-se aos conselhos como instâncias de uma “nova

institucionalidade” no país, pois desenvolve um espaço público para deliberação

entre o Estado e a sociedade civil.

Allebrandt (2002) traz a ideia de que esta “febre conselhista” criada no Brasil

quando da elaboração da constituinte de 1988 deve ser vista como “elementos de

inovação na gestão pública”. Essa nova ferramenta aparece em função do

“descrédito do poder legislativo e do poder executivo, mas também devemos creditar

essa inovação à qualificação que os conselhos exercem sobre a gestão pública no

processo de formulação, implementação e avaliação das políticas públicas”. A partir

de então, começa a surgir um novo modelo de democracia, que é claro, não substitui

a democracia delegativa ou representativa, na qual os cidadãos delegam aos

agentes políticos a função hegemônica de gestão. Porém, cria-se outra forma de

participar dos processos de decisão, caracterizada pela deliberação das questões

cruciais que envolvem a sociedade, pois se constituem como instâncias

descentralizadoras do poder decisório.

Como já mencionado, a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988)

estimulou a implantação de diversos conselhos setoriais nos estados e municípios.

Gohn (2001, p. 7), define estes conselhos como “canais de participação que

articulam representantes da população e membros do poder público em práticas que

dizem respeito à gestão de bens públicos”. A autora ainda descreve que os

conselhos são canais de participação que propiciam um novo padrão de relações

entre o Estado e a sociedade, ao viabilizarem a participação dos diferentes

segmentos sociais na formulação das políticas públicas. Assim, possibilita à

população o acesso aos espaços onde se tomam decisões políticas e criam-se

condições para o sistema de vigilância sobre as gestões públicas, implicando em

maior acompanhamento na prestação de contas do executivo. Desta forma, com a

sociedade participando de boa parte das políticas públicas, os conselhos chegam a

ser vistos como um “poder paralelo” além dos já existentes poderes legislativo,

executivo e judiciário.

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Teixeira (2000) traz o questionamento sobre a eficácia dos conselhos. Mas

segundo o autor, antes de falarmos em eficácia, entendida como a capacidade de

deliberar, controlar e fazer cumprir suas decisões é muito mais importante falar em

efetividade em três aspectos: primeiro, em relação à paridade, que não pode ser

apenas numérica, legal e normativa, mas uma paridade de condições de acesso a

informações, de capacitação técnico-política dos conselheiros e de disponibilidade

de tempo e recursos físicos, humanos e tecnológicos.

Em segundo lugar, quanto ao aspecto da representatividade é preciso

garantir, do lado da sociedade civil, que as escolhas dos conselheiros sejam

democráticas e que os mesmos também sejam submetidos a procedimentos de

controle e responsabilização. Embora não sejam eleitos como representantes da

maioria da população, a legitimidade dos membros dos conselhos decorre da sua

estreita vinculação à sociedade através das entidades representadas e do processo

de interlocução que estas desenvolvem ou podem desenvolver com a população.

Vinculação que precisa ser atentamente preservada. Ainda quanto à representação,

do lado da representação governamental é necessário exigir a designação de

representantes legítimos do governo, com capacidade e autoridade para decidir.

Finalmente, ao buscar a efetividade, os conselhos precisam recorrer ao apoio

e mobilização da sociedade civil para que, de fato, suas deliberações tenham mais

força. Assim, é necessário enfatizar a publicização do conselho, a divulgação das

suas ações e a discussão pública da sua pauta. Por outro lado, é preciso esclarecer

que os conselhos são principalmente um lugar de interlocução e de discussão de

propostas entre a sociedade civil e o governo. É um espaço institucional, e não um

espaço dos movimentos sociais, que surgem e se qualificam independentes do

governo. O desempenho do conselho, portanto, não depende apenas dos

representantes da sociedade civil, mas de um intenso processo de negociação.

Enfim, a institucionalização dos conselhos e sua disseminação pelos

municípios brasileiros os tornaram importantes instrumentos à disposição da

sociedade para o exercício do controle social sobre as políticas públicas.

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RESULTADOS EXPERIENCIADOS DO CONSELHO DE SAÚDE DO MUNICÍPIO

DE SÃO VALÉRIO DO SUL QUANTO À IGUALDADE PARTICIPATIVA

Para analisar a gestão das políticas públicas com o intuito de verificar se as

tomadas de decisão ocorrem de forma participativa, pautadas na fundamentação

teórica de cidadania deliberativa, é preciso estudar de que forma ocorrem as

tomadas de decisões, neste caso, por meio da categoria Igualdade Participativa.

Assim, relatamos a experiência quando do acompanhamento no ano de 2012 das

atividades e normatizações do Conselho Municipal de Saúde do município de São

Valério do Sul-RS.

Nesse sentido, o Conselho Municipal de Saúde, foi reestruturado através da

Lei Municipal n. 566 de 06 de setembro de 2005 e também pela Lei Municipal n. 981

de 12 de dezembro de 2012. A segunda lei altera os artigos 6° e 7° da primeira que

trata da composição e representatividade do mesmo. Em vigor, atualmente o

colegiado tem em sua composição 12 membros titulares e em igual número de

suplentes, sendo distribuídas as vagas da seguinte forma: 50% (6 representantes)

para entidades e movimentos representativos de usuários, 25% (3 representantes)

para trabalhadores da área de saúde, e os outros 25% (3 representantes) para o

governo e prestadores de serviço privados conveniados, ou sem fins lucrativos.

Os usuários são representados por dois representantes do distrito de

Coroados e arredores, dois da Área Indígena do Inhacorá e arredores, dois da sede

do município e arredores. Os trabalhadores em saúde são representados por dois

representantes dos Agentes Comunitários de Saúde e um da Pastoral da Criança. O

governo é representado por um representante da Secretaria Municipal de

Assistência Social, um da Secretaria Municipal de Educação, Cultura, Turismo e

Desporto, um da Secretaria Municipal de Saúde. Assim como integrará a

composição do conselho como membro nato, o Secretário Municipal de Saúde.

O referido conselho legalizado pela lei acima é um órgão de instância

colegiada, de caráter deliberativo, consultivo e permanente que tem por finalidade

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orientar a Administração Municipal no estabelecimento da Política Municipal de

Saúde em conformidade com as disposições estabelecidas pela Lei Federal 8080 de

19 de setembro de 1990 e principalmente pela Lei Federal 8142 de 28 de dezembro

de 1990.Tem como finalidade atuar na formulação, controle e execução da política

municipal de saúde, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, nas

estratégias e na promoção do processo de Controle Social em toda a sua amplitude,

no âmbito dos setores público e privado.

O conselho de saúde do município tem como objetivo principal atuar na

melhoria de condições de saúde da população, nos aspectos de promoção,

prevenção, proteção e recuperação da saúde. E para tal, o mesmo atua no

planejamento e fiscalização da alocação dos recursos públicos no setor de saúde a

nível municipal; na organização dos serviços públicos locais de saúde para

responder a demanda assistencial local, com eficiência e efetividade, garantindo

assim a universalização da assistência à saúde; na fiscalização e avaliação dos

órgãos prestadores de serviços, para que estes proporcionem uma atuação íntegra

à saúde e um desempenho com resolutividade satisfatória; na integração com

demais entidades e organizações afins, com esforços no intuito de evitar a diluição

de recursos e trabalho na área da saúde.

Cabe ao próprio conselho elaborar ou modificar e aprovar seu Regimento

Interno, estabelecendo sua normatização no que tange à sua formação e ao seu

funcionamento. Salienta-se que os membros do Conselho Municipal de Saúde de

São Valério do Sul exercem suas atividades sem remuneração, constituindo-se

então em relevante serviço prestado à comunidade. Nesse sentido, quando o

conselheiro é designado para participar de encontros, cursos, palestras, seminários

e outros eventos fora do município, apresentando despesas comprovatórias por

meio de documentos fiscais, o Executivo Municipal custeia essas despesas, como

deslocamento, estadia e alimentação dos conselheiros não governamentais.

O Conselho Municipal de Saúde reuniu-se-, ordinariamente, 12 (doze) vezes

por ano, e, extraordinariamente, por convocação de seu Presidente ou em

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decorrência de requerimento da maioria absoluta dos seus membros. As reuniões

ordinárias são realizadas na segunda quarta-feira de cada mês e iniciadas com a

presença mínima da metade mais um dos seus membros em primeira convocação, e

em segunda convocação com qualquer número de participantes. Quando exigida

votação, cada membro tem direito a um voto. O Conselho possui um conselheiro

Presidente, um Vice-presidente, um Secretário e Segundo - Secretário, eleitos pelos

pares, com mandato de dois anos sendo permitida a reeleição.

Considerando os critérios de análise Igualdade Participativa para verificação

dos processos de discussão, foram analisados os métodos para a escolha dos

representantes para o Conselho Municipal de Saúde, os discursos dos

representantes, pelos quais se dá a valorização dos processos participativos, e

ainda buscou enaltecer a intervenção dos participantes no acompanhamento e na

avaliação das políticas públicas.

Para tanto, percebeu-se que a escolha dos representantes tem origem na

indicação formal de pessoas pelas entidades e órgãos que legalmente fazem parte

do conselho. Assim, verifica-se que a presença dos conselheiros tem como

característica importante a inserção da comunidade local nos assuntos públicos, fato

que potencializa a deliberação e fortalece os laços de confiança para todos que

participam desse espaço de discussão de ideias e propostas.

Na valorização dos processos participativos, pode-se perceber que os canais

de participação são vistos como ferramentas que podem propiciar bons resultados,

como a configuração de novas políticas, mas que essa questão ainda é muito

superficial pela importância que este processo de participação tem, pois ainda

existem algumas deficiências institucionais. Constatou-se, durante as observações,

que nos discursos dos conselheiros, existe uma presença de pontos fracos para o

crescimento/fortalecimento de ações mais deliberativas. Por outro lado, verificou-se

a percepção dos representantes do poder público quanto à importância deste

espaço que pauta sua ação de maneira aberta e inclusiva. Ainda, apesar de toda

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interação existente com a comunidade, os discursos alertam para uma dificuldade

de mobilização social e uma baixa participação da população nas reuniões.

Um ponto destacados em vários momentos por alguns representantes dos

usuários, foi de que falta uma ação mais efetiva da secretaria de saúde no apoio às

propostas da sociedade. Também se observoucerta concentração de poder por

parte dos representantes do poder público em função destes ter mais acesso à

informação e capacitação. Consequentemente, por este aspecto, existe uma baixa

interação e integração por parte dos conselheiros da sociedade civil acarretando

assim baixa participação, principalmente na concepção e elaboração dos

programas/projetos/ações de saúde.

As atividades do conselho de intervenção dos participantes no

acompanhamento e na avaliação das políticas públicas foram notadas através da

leitura das atas e observação de que os projetos são acompanhados quando é

realizada prestação de contas dos mesmos ao conselho, e que não existe um

Núcleo Técnico instituído no conselho para acompanhar desde a execução,

avaliando precocemente algumas eventualidades que poderiam ser corrigidas e, se

necessário, revitalizar o que está sendo executado. E ainda, salienta-se que não

existem espaços que operam nessa ótica, de forma a criar mecanismos para crítica

ao processo, como realização de oficinas e mesas redondas, nas quais são

discutidas as políticas, tendo como ordem a discussão dos projetos, revisão e

rediscussão dos planos se necessário.

CONCLUSÕES

O estudo procurou enfatizar os processos de discussão das políticas públicas

de saúde que são implementadas no município de São Valério do Sul-RS. O objetivo

basilar foi de relatar a experiência dos atores envolvidos nos processos de

discussões dentro do Conselho Municipal de Saúde, tendo como critério de análise a

categoria Igualdade Participativa proposta pelo Programa de Estudos em Gestão

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Social (PEGS), vinculado à Escola Brasileira de Administração Pública e de

Empresas da Fundação Getúlio Vargas (EBAPE/FGV), e de como estas práticas de

gestão social se revelam em termos de cidadania considerando a ótica deliberativa,

com vistas a ampliar e qualificar estes espaços de participação numa visão de

gestão organizacional em favor do desenvolvimento e de uma melhor qualidade de

vida.

Quanto à questão principal analisada, sobre a Igualdade Participativa, foi

possível identificar a preocupação em respeitar a paridade dos representantes, entre

a sociedade civil e governo, que estão geograficamente distribuídos, e utilizando

como critério de seleção a regionalização, participação e organização institucional.

Uma limitação pode ser considerada pois, mesmo existindo espaços de discussão,

muitas manifestações não são atendidas, o que gera frustração e desmotivação por

parte dos integrantes do conselho.

Em suma, a compreensão da gestão social por meio do critério de análise

estabelecido para o presente trabalho, frente aos indicativos que foram propostos,

revela os desafios que a municipalidade deve enfrentar para elaboração e

implementação das políticas públicas de saúde com o propósito de melhorar a

qualidade de vida das pessoas. Consecutivamente, alcançar êxito no

desenvolvimento local, isto é, o merecimento de uma atenção às discrepâncias

locais para legitimação das tomadas de decisão frente às necessidades.

E ainda, as diferenças dos discursos apontam para a necessidade de um

entendimento, de um consenso para contemplar uma ação comunicativa voltada

para o paradigma teórico-social proposto por Habermas. Destaca-se também que há

avanços nos processos de participação, uma vez que a população ainda não está

convicta dos espaços existentes e do poder que detêm, mas que de modo geral

setores historicamente excluídos de todo o processo de planejamento tradicional,

como é o caso dos indígenas, hoje estarem incluídos e consideravelmente ativos.

Então, a Igualdade Participativa no Conselho Municipal de Saúde do

município de São Valério do Sul-RS tenta se apoiar no nivelamento das

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oportunidades de atuação efetiva nos processos de tomada de decisão, em que

qualquer cidadão ou organização, dotado de informação, tem acesso livre aos

canais de deliberação, influenciando, assim, as decisões tomadas via processo

deliberativo. Mesmo que em muitos momentos haja a incapacidade de despertar na

população o interesse e a necessária mobilização no intuito de concretização da

plena participação, dificulta o exercício. Isso porque não se verificou uma efetiva

pluralidade de opiniões no sentido da participação dos indivíduos em condições

iguais de participação, regida por um mesmo direito, possibilitando assim uma

isonomia efetiva de atuação nos processos decisórios, pois a Igualdade Participativa

é a capacidade equitativa dos diferentes participantes de interferir no processo

deliberativo.

REFERÊNCIAS

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DO PATRIMONIALISMO LUSITANO AO CENTRALISMO SOCIALISTA E

IGUALITARISTA JUDAICO-CRISTÃO: MATRIZES DO ESTADO BRASILEIRO6

Sandro Luiz Bazzanella7

RESUMO: O objetivo do presente artigo é colocar em discussão, a partir de um olhar filosófico e sociológico, matrizes que compõem o Estado brasileiro em seu percurso histórico até a atualidade. A guisa de esclarecimento, não desconhecemos o extenso debate que vincula as matrizes do Estado brasileiro à tradição do liberalismo político, ou mesmo do marxismo em suas diversas variáveis, bem como de outras tendências, sejam elas republicanas, democráticas, federalistas e municipalistas. Porém, nosso intuito é perscrutar ao modo foucaultiano, a partir de perspectivas metodológicas arqueológicas e genealógicas, variáveis consideradas secundárias, ou mesmo em certa medida, ausentes nas leituras, análises e interpretações oficiais sobre as matrizes constitutivas da Razão de Estado brasileira. Mas, também de compreender aspectos deste legado histórico-conceitual na forma atual que o Estado brasileiro assume e, nesta direção o reconhecimento de certas inconsistências, paradoxos, idiossincrasias que podem nos permitir o esclarecimento de tais questões, bem como possíveis tomadas de posicionamentos diante dos desafios que se apresentam à afirmação de nossa dinâmica de desenvolvimento.

Palavras chaves: Estado. Patrimonialismo. Centralismo. Igualitarismo.

ABSTRACT: The purpose of this article is to put into discussion, from a philosophical and sociological look, arrays that comprise the Brazilian state in their evolution to the present. By way of clarification, not unaware of the extensive debate that links the headquarters of the Brazilian tradition of political liberalism, or Marxism in its many variables, as well as other trends, whether republican, democratic, federalist and municipalists. However, our intention is to scrutinize the way Foucault, from methodological perspectives archaeological and genealogical variables considered secondary, or even to some extent, absent in the readings, analysis and official interpretations on the constitutive matrices of Reason Brazilian State. But also to

6Trabalho aprovado e apresentado no I SIMPÓSIO NACIONAL SOBRE ESTADO, DESCENTRALIZAÇÃO E GESTÃO PÚBLICA, realizado na Universidade do Contestado em 19,20,21 de Junho de 2013.

7Graduado em Filosofia pela FFCLDB/RS 1989; Mestre em Educação e Cultura pela UDESC/SC em 2003; Doutor em Ciências Humanas pela UFSC/2010. Coordenador do Curso de Ciências Sociais da Universidade do Contestado. Professor do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da UnC. Líder do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas, CNPq. E-mail: [email protected]

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understand aspects of this historical legacy and conceptual in its current form assumes that the Brazilian State and in this way the recognition of certain inconsistencies, paradoxes, idiosyncrasies that may allow us to clarify these issues, as well as possible taken before the placement challenges facing the affirmation of our dynamic development.

Keywords: State. Patrimonialism. Centralism. Egalitarianism.

INTRODUÇÃO

O pressuposto que subjaz ao posicionamento do objeto desta pesquisaimplica

no fato de que, em que pese a conquista de nossa independência como Estado em

1822 e, portanto, a possibilidade de constituir de forma autônoma nossa razão de

Estado, que em termos cronológicos, tem algo em torno de 191 anos de trajetória

constitutiva, carecemos de uma concepção de Estado, senão de uma razão de

Estado consistente, a altura da grandiosidade continental, mas, sobretudo humana,

política, cultural e econômica que compõem este país. Estas inconsistências de

nossa Razão de Estado se apresentam cotidianamente no centralismo

intervencionista, de ordem tributária, e econômica de Estado, nas distorções do

pacto federativo, no desequilíbrio, bem como na sobreposição de atribuições dos

três poderes de Estado: executivo, legislativo e judiciário, entre outras questões, que

explicitam as fraturas, senão as fragilidades da razão de Estado brasileiro.

Investigar as diversas matrizes que se entrecruzam na constituição do Estado

brasileiro em sua peculiaridade e singularidade, talvez possa nos permitir avançar na

compreensão das idiossincrasias, dos limites, bem como das potencialidades desta

razão de Estado.

Compreender neste contexto significa comprometer-se com a construção de

uma Razão de Estado, que seja dentro do possível brasileira, que responda aos

desafios, aos anseios do tempo presente em que nos encontramos como povo

circunscrito. Perquirir esta Razão de Estado pressupõe ter presente que ela é

manifestação de uma sociedade que toma a si mesmo como objeto em seus limites

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e potencialidades e, por outro lado, que por maiores que sejam nossos esforços, o

Estado brasileiro nunca será uma obra de arte, mas em seus paradoxos e

contradições é preciso que minimamente funcione, responda a alguns dos anseios

do povo brasileiro num contexto de mundo globalizado, mundializado.

Nesta direção, como ponto de partida, e reforçando os argumentos anteriores

podemos anunciar que o Estado brasileiro é derivado da transposição e imbricação

de diversas matrizes, que conformaram e conformam suas estruturas político-

administrativas, bem como suas instituições, marcadas pelo patrimonialismo

clientelista, centralizador de herança lusitana e, de fundo igualitarista judaico-cristão

e socialista. Reconhecer, ou afiançar as bases do Estado brasileiro sobre estas

perspectivas, significa considerar, os limites e as potencialidades de nossa razão de

Estado, de seu centralismo burocrático, de sua morosidade na resolução de

problemas estruturais necessários ao desenvolvimento humano e social de sua

população, de sua desconfiança em relação à iniciativa privada, bem como dos

indivíduos que compõem seu tecido social, de sua (in)governabilidade viabilizada no

balcão de negócios que se estabelece entre o poder executivo e legislativo,

contemplando interesses político-partidários os mais díspares ideologicamente

imagináveis, entre outras questões que implicam também no poder judiciário.

Mas, se por um lado, o reconhecimento das diversas matrizes constitutivas do

Estado brasileiro pode nos permitir a compreensão da estruturação e da

operacionalização de sua razão de Estado, é preciso ousar perscrutar seus

fundamentos, com o intuito de questionar as bases do contrato social, que

justificaram e justificam este ente artificial, detentor do poder soberano sobre o

território e a população.

Pretender saber quem somos no presente implica em ter presente nossas

origens, em que circunstâncias fomos lançados na existência. No que concerne às

origens do Estado brasileiro é possível afiançar que ele não se apresenta resultante

do contrato social. O Estado não é resultante de um consenso entre indivíduos que

abrem mãos de suas liberdades, de seus interesses particulares e privados na

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constituição de um ente artificial, que garanta os interesses da coletividade, do bem

comum. Aqui nestas terras, o Estado era patrimônio do Rei. Abdicando da Coroa, o

Rei foi substituído em seu pressuposto patrimonialista por oligarquias coronelistas,

populistas, mais autoritárias, ou menos autoritárias e mais democráticas até os dias

atuais.

Talvez, se possa dizer que um dos motivos que caracterizam a sociedade

brasileira em reconhecer as esferas de atribuições públicas e privadas, tem sua

origem na forma patrimonialista como se constituiu o Estado brasileiro. Este Estado

tinha e por muito tempo teve dono e, neste caso, ou se é amigo do dono, empregado

dele, ou então, procura alcançar alguma vantagem pessoal nas relações de

influência que pode estabelecer com o Rei, dono, ou proprietário deste Estado.

Continuamos a reproduzir socialmente e institucionalmente esta indistinção entre

interesses públicos e privados, tão caro a conformação de uma razão de Estado

eficiente e eficaz. Na perspectiva de Raimundo Faoro em sua obra “Os Donos do

Poder”:

O patrimonialismo, organização política básica, fecha-se sobre si próprio com o estamento, de caráter marcadamente burocrático. Burocracia não no sentido moderno, como aparelhamento racional, mas da apropriação do cargo - o cargo carregado de poder próprio, articulado com o príncipe, sem a anulação da esfera própria de competência (FAORO, 2000, p. 95).

PERSPECTIVAS HEGELIANAS DE ESTADO

Nesta mesma direção, tomando como pressuposto a concepção hegeliana de

Estado como racionalidade, ou materialização do espírito objetivo, derivado da

racionalidade/vontade do espírito subjetivo que elege o Estado como o espaço por

excelência da esfera dos assuntos públicos, da política e, portanto, da eticidade é

preciso reconhecer que o Estado brasileiro em suas origens patrimonialistas e

clientelistas, não se vincula a esta tradição. Assim, encontramos na obra:

“Princípios da Filosofia do Direito” (1997) de Hegel, no parágrafo 258, a seguinte

definição:

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O Estado, como realidade em ato da vontade substancial, realidade que esta adquire na consciência particular de si universalizada, é o racional em si e para si: esta unidade substancial é um fim próprio absoluto, imóvel, nele a liberdade obtém o seu valor supremo, e assim este último fim possui um direito soberano perante os indivíduos que em serem membros do Estado têm o seu mais elevado dever (HEGEL, 1997, p. 217).

Nossa “Razão de Estado” não encontra respaldo nas reflexões hegelianas,

pois isto implicaria a capacidade de um povo (espírito subjetivo) reconhecer-se a si

próprio, tomar-se como objeto, compreender-se em suas idiossincrasias, em seus

limites e possibilidades, projetando-seem suas instituições sociais e estatais (espírito

objetivo), o que não se apresentou em nossa trajetória histórica, e talvez possamos

afirmar que ainda não se apresenta de forma consistente entre nós brasileiros na

atualidade. Tal condição se expressa na dificuldade de nos vermos representados

pela classe política que ocupa as esferas do executivo, ou do legislativo. Talvez,

ainda nesta direção, possamos afirmar que reside no imaginário das representações

sociais do povo brasileiro, a ideia de que a “prefeitura” é propriedade do prefeito, de

que o Estado é propriedade do governante de plantão. De que de tais autoridades

políticas, o que se pode esperar é alcançar algum privilégio, alguma benesse

pessoal, afinal, não representam os anseios da comunidade, ou da nação, mas

apenas garantem os interesses pessoais ou de grupos de influência. Esta

perspectiva se estende ao poder judiciário, concebendo-ocomo um fim em si

mesmo, como um poder acima da lei, ou da necessidade e exigência de prestar

contas à sociedade brasileira de suas ações e atribuições. A partir destas questões

e de outras não posicionadas ou refletidas até aqui, é preciso colocar em

questionamento as bases de nossa democracia representativa.

A representatividade democrática na condução da Razão de Estado se

justifica na medida em que se constitui na compreensão e, consequentemente, na

ação dos indivíduos, tendo como fim último a afirmação e manutenção do espaço

público como lócus privilegiado da existência comunitária. Assim, uma comunidade

politicamente comprometida com o equilíbrio das demandas privadas e públicas

necessita reconhecer em seus representantes a preservação e ampliação dos

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interesses públicos, conferindo legitimidade à representatividade democrática. É isso

que Alexis de Tocqueville nos permite compreender em suas reflexões em sua obra

capital: “A Democracia na América” (1995), expressa na seguinte passagem: “Na

América, não apenas existem instituições comunais, mas também um espírito

comunal que as sustenta e vivifica” (TOQUEVILLE, 1995, p. 78).

A TRADIÇÃO ARISTOTÉLICA E NOSSA RAZÃO DE ESTADO

Na continuidade destas reflexões sobre a constituição da Razão de Estado

brasileira, tomemos a tradição aristotélica, presente nas clássicas obras: “A política”

e, "Ética a Nicômaco”, em que o Estado é resultante da politicidade inerente à

necessidade humana de sociabilidade, conformando-se em instâncias

organizacionais desde a família, a aldeias de famílias, alcançando por fim a forma da

cidade-comunidade (polis), como conformação de um espaço público que garanta o

bem-viver, a busca da felicidade no espaço público. Diz-nos o filósofo estagirita:

“Como sabemos, todo Estado é uma sociedade, a esperança de um bem, seu

princípio, assim como toda associação, pois todas as ações dos homens têm por fim

aquilo que consideram um bem” (ARISTÓTELES, 2006, p.1).

Para Aristóteles o homem é um animal político. É característica da natureza

humana a sociabilidade como condição necessária a seu distanciamento do reino da

natureza e de seus imperativos biológicos e cíclicos. “Assim, o homem é um animal

cívico, mais social do que as abelhas e os outros animais que vivem juntos.”

(ARISTELES, 2006, p. 5). O ser humano deseja compreender, senão apreender a

partir de um princípio de unidade a multiplicidade de entes que se apresentam com

ele à existência e, o faz por meio de sua capacidade de observação, mas,

sobretudo, por meio da fala, da linguagem, da palavra. “Esse comércio da palavra é

o laço de toda sociedade doméstica e civil” (ARISTÓTELES, 2006, p. 5). Ou dito de

outro modo, os seres humanos negociam, comercializam a palavra como forma de

constituição do espaço público onde se reconhecem como humanos em seus

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anseios e necessidades, entre elas a necessidade de afirmação do bem comum,

condição necessária ao alcance da felicidade. “O mesmo ocorre com os membros

da Cidade: nenhum pode bastar-se a si mesmo. Aquele que não precisa dos outros

homens, ou não pode resolver-se a ficar com eles, ou é um deus, ou um bruto.

Assim, a inclinação natural leva os homens a este gênero de sociedade”

(ARISTÉLES, 2006, p. 5). Sob tais perspectivas, pode-se afirmar que para

Aristóteles a política é constitutiva da dimensão ontológica do animal homem. É a

partir da ação política que os seres humanos constituem a Cidade-comunidade

como tempo e espaço que abriga a vida qualificada, a vida que se justifica na

medida em que seu fim último, seu horizonte de sentido e finalidade é o bem-viver, o

alcance da felicidade.

4. Retomando, digamos que posto que toda ação de conhecer e toda intenção deliberada estão dirigidas à consecução de algum bem, examinemos o que cumpre declararmos como sendo a meta da política, ou seja, qual o mais elevado entre todos os bens cuja obtenção poder ser realizada pela ação. Verbalmente, é-nos possível quase afirmar que a maioria esmagadora da espécie humana está de acordo no que tange a isso, pois tanto a multidão quando as pessoas refinadas a ele se referem como a felicidade e identificam o viver bem ou o dar-se bem como ser feliz (ARISTÓTELES, 2002, p. 42).

A partir dos pressupostos políticos anunciados por Aristóteles, é possível

afirmar que também não nos reconhecemos plenamente nesta tradição, enquanto

conformação de nossa Razão de Estado. A composição societária brasileira se

constituiu a partir da junção de um conjunto de povos e deetnias diversas, que foram

alocadas para estas terras com o objetivo deliberado de uma conformação

populacional, que justificava a salvaguarda de fronteiras, bem como de um

contingente populacional necessário à empresa de colonização e de seus interesses

extrativistas e produtivos. Associado a esta diversidade de povos e cosmovisões

mais ou menos idílicas e, sob outra perspectiva analítica, o historiador Sérgio

Buarque de Holanda em sua obra: “Visão do Paraíso: Os Motivos Edênicos no

Descobrimento e Colonização do Brasil” (2000) chama atenção para outro aspecto

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da conformação societária do Brasil colônia e, que em menor ou maior medida

talvez possamos encontrar presente no imaginário do povo brasileiro de diversas

formas e em diversos momentos até os dias atuais, em expressões tais como: “O

Brasil é o país do futuro”; “Nesta terra em se plantando tudo dá”; “Deus é brasileiro”;

“O gigante acordou”. Nesta direção, encontramos na letra do hino nacional

metáforas que expressam a exuberância e a grandiosidade destas terras

paradisíacas. Apenas a título de ilustração observemos algumas estrofes do hino:

[...] Parte I - 5ª estrofe Gigante pela própria natureza, És belo és forte, impávido colosso, E o teu futuro espelha esta grandeza. [...] Parte II – 6ª estrofe Deitado eternamente em berço esplêndido, Ao som do mar e à luz do céu profundo, Fulguras, ó Brasil, florão da América, Iluminado ao sol do Novo Mundo! Parte II 7ª estrofe Do que a terra, mais garrida, Teus risonhos, lindos campos têm mais flores; "Nossos bosques têm mais vida", "Nossa vida" no teu seio "mais amores".

As expressões acima citadas, bem como as passagens do hino nacional

selecionadas, evidenciam traços da constituição societária brasileira, marcada pelo

ideário de que deve haver um futuro grandioso a este país inscrito na origem do

mundo, no próprio ato da criação. A terra é farta, o jardim é generoso e abundante, o

solo é fértil e repleto de riquezas, o brasileiro é um povo alegre, cordial, generoso,

uma espécie de plena manifestação da bondade humana. Basta aguardar que em

algum momento esta terra abençoada se revelará em toda sua pujança. Alcançar

este estado paradisíaco, de plena felicidade, de ausência de miséria e injustiças

sociais, não se apresenta como obra humana e política como pressuposto

ontológico, o qual exige que os homens, através do comércio da palavra, constituam

as bases de seu modo de vida, articulem instituições que possam garantir a

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liberdade de condições e a igualdade como ponto de partida entre os membros

desta sociedade.

Nesta visão paradisíaca, tudo está inscrito no mistério da criação e a salvação

da dor e do sofrimento, testamentada pelo criador em favor do povo eleito. Na

citação abaixo, Holanda chama atenção para aquilo que Alexis de Tocqueville em

sua obra citada anteriormente aponta, e que se apresenta como um dos diferenciais

entre a proposta de colonização lusitana que aportaram nestas terras, e a proposta

de colonização norte-americana, com seu pressuposto de constituição de uma

comunidade nacional.

[...] a demanda do Paraíso entre descobridores ou conquistadores latinos, e acentuando o papel, nesse sentido, dos sacerdotes católicos que acompanhavam aqueles homens, nota [...] como vinham eles animados pela crença em um Éden que generosamente se oferecia, e estava ‘só a espera de ser ganho’ [...], tanto que já Colombo anunciara ao seu soberano que o tinha achado quase com certeza. Em contraste com eles, os peregrinos puritanos, e depois os pioneiros do Oeste, vão buscar nas novas terras um abrigo para a Igreja verdadeira e perseguida, e uma “selva e deserto” na acepção dada a estas palavras pelas santas escrituras, que através de uma subjugação espiritual e moral, mais ainda do que pela conquista física, se há de converter no Éden ou Jardim do Senhor (HOLANDA, 2000, p. XIII).

Ainda sob tais aspectos constitutivos da conformação societária brasileira, e

consequente, conformação de sua Razão de Estado, pode-se conjecturar que se por

um lado esta diversidade étnica que constitui o “povo brasileiro” pode ser decantada

em prosa e verso como condição singular entre os demais povos, por outro lado

implica no reconhecimento da multiplicidade de cosmovisões e de experiências

políticas diversificadas que nestas terras foram lançadas, ou vieram parar. Ou seja,

é preciso reconhecer, mesmo que seja a contragosto de diversas matizes científicas,

vinculadas, sobretudo, as ciências humanas, que não conformamos um ethos

civilizatório, uma cultura que constituía uma “cosmovisão” unificada, ou partícipe de

alguns pressupostos comuns no que concerne a finalidade última do espaço público,

mesmo que se contra argumente, afirmando que temos uma língua comum, um

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território e símbolos que nos conformam na ideia de um povo. A revelia destes

argumentos, talvez caracterizamo-nos muito mais pelos sincretismos religiosos e

culturais, que de certa forma nos permitiram viver e conviver em meio a toda esta

diversidade e, não esqueçamos que no bojo destas variáveis reside ainda o

sofisticado “mito da democracia racial”. Respeitamos todas as etnias, desde que

cada uma saiba qual o seu lugar.

Trata-se, conforme já apontou um sociólogo brasileiro, Oracy Nogueira, de um tipo de preconceito racial que considera básicas as “origens” das pessoas, e não somente a “marca” do tipo racial, como ocorre no caso brasileiro. Desse modo, o nosso preconceito seria muito mais contextualizado e sofisticado do que o norte-americano, que é direto e formal. A consequência disso, sabemosbem, é a dificuldade de combater o nosso preconceito, que em certo sentido tem, pelo fato de ser variável, enorme e vantajosa invisibilidade. Na realidade, acabamos por desenvolver o preconceito de ter preconceito, conforme disse Florestan Fernandes numa frase lapidar (DA MATTA, 1996, p. 24/25).

O ESTADO BRASILEIRO E SUA GÊNESE NO ESTADO PORTUGUÊS

Diante dos argumentos acima arrolados é possível afirmar que a conformação

societária brasileira e, consequentemente da constituição de suas representações

políticas e institucionais, vincula-se diretamente a gênese do Estado português.

Gênese esta demarcada por acordos entre a aristocracia feudal em fins do século

XII e primórdios do século XIII, que em determinado momento confere a um senhor

feudal prerrogativas patrimonialistas. Assim, se o Estado português não se enquadra

na perspectiva hegeliana e aristotélica, acima argumentadas é preciso ter presente

que também não se justifica pela via jusnaturalista do contrato social constituída nos

albores da modernidade. Tanto em Hobbes, como em Locke e Rousseau,

pensadores contratualistas, salvaguardadas suas diferenças conceituais, analíticas e

interpretativas, o Estado é o resultado de um acordo entre homens em estado de

natureza. Assim, em Hobbes o contrato social e a constituição deste ente artificial o

Estado, justifica-se como o detentor do direito a violência legitimada na manutenção

da segurança e preservação da vida dos indivíduos. Em Locke, o contrato social que

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legitima a existência do Estado, justifica-se pela manutenção da propriedade, do

meio de produção que através da iniciativa e do trabalho dos indivíduos, lhes

permite garantir os meios de vida. Em Rousseau, o contrato social que funda o

Estado, implicava na garantia de segurança e bem estar da vida em sociedade. Para

Rousseau, isso somente seria viabilizado pelo contrato. O contrato social justificaria

a existência do Estado a partir de limites impostos pela soberania da sociedade, pela

soberania política da vontade coletiva. Portanto, a partir destas prerrogativas

contratualistas, o filósofo italiano Norberto Bobbio argumenta:

Por isso, na perspectiva que o modelo jusnaturalista institui, a partir da pluralidade originária de sujeitos individuais livres, o problema da criação de uma sociedade, ou seja, da conexão dos indivíduos, é imediatamente um problema político, resolvendo-se com a instituição da vontade soberana, única a poder superar o arbítrio (BOBBIO, 1996, p. 146).

Sob tais pressupostos, pode-se de certa forma afirmar, cientes dos riscos

implicados nesta argumentação, que o Estado português se constitui em grande

medida a revelia dos pressupostos teóricos e analíticos presentes na tradição do

pensamento político ocidental de Aristóteles à Hegel. O que não significa

desconsiderar o fato de que o Estado português é perpassado por jogos de

interesses, influências, relações de poder e disputas no controle do poder estatal.

Mas, o que efetivamente queremos argumentar, ou chamar atenção é o fato de que

o Estado português não se apresenta em sua constituição como emanação da

vontade de um povo e, isto segundo Faoro se apresenta na relação que se

estabeleceu entre o Rei e seus súditos.

Entre o rei e os súditos não há intermediários: um comanda e todos obedecem. A recalcitrância contra a palavra suprema se chamará traição, rebeldia à vontade que toma as deliberações superiores. O chefe da heterogênea hoste combatente não admite aliados e sócios: acima dele, só a Santa Sé, o papa e não o clero; abaixo dele, só há delegados sob suas ordens, súditos e subordinados (FAORO, 2000, p. 07).

★ Ibid., p. 81.

★ FD 1&7.

★ Grundrisse,p. 101.

★ Ibid.,p. 111.

★ FD 187.

★ FD 184:

★ Grundrisse,p. 111.

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Esta condição constitutiva do Estado português implica no fato de que as

instituições que compõem a Razão de Estado português não derivam da vontade

soberana de um povo, de uma racionalidade contratual que justifica e legitima este

ente artificial o Estado. Ou dito de outro modo, não há uma sociedade portuguesa

que expresse, ou que se reconheça em sua vontade de autonomia, de soberania. As

instituições estatais representam o Estado em si mesmo, os interesses do Rei na

condução e administração de seu patrimônio, que inclui tudo aquilo que se encontra

demarcado em seu território, inclusive os súditos. “As instituições não gozam de

campo próprio de atuação, visto que estão subordinadas ao poder do príncipe,

capaz de decidir da vida e da morte, reminiscência próxima do rei-general,

competente para julgar todos os soldados” (FAORO, 2000, p. 17).

Assim, se ainda insistirmos em falar de uma Razão de Estado português, esta

desde sua gênese apresenta em sua caracterização patrimonialista e por extensão

clientelista. Ou seja, para usufruir das benesses deste Estado é preciso apresentar-

se como cliente a demandar favores privados da ordem pública. Talvez nos seja

possível afirmar que deriva deste legado lusitano a dificuldade presente até os dias

de hoje entre os cidadãos brasileiros de distinguir as especificidades da esfera

pública, das demandas privadas. Público e privado se confundem em suas

especificidades, ou de ter presente que na sociedade brasileira os interesses

públicos respondem a exigências e apropriações de ordem privada. Portanto, a

perspectiva patrimonial que justificou a existência do Estado português implica no

fato de que o Estado pertence ao Rei e, o acesso às suas fontes de recursos

significa justificar demandas privadas financiadas pelo ente público.

Estes pressupostos da razão de Estado lusitana ainda se apresentam na

extensão da máquina pública. Máquina viabilizada por um extenso estamento

burocrático-administrativo, que ao responder administrativamente aos interesses

patrimonialistas do rei e de seus clientes não concebem a si próprios como

representantes dos interesses da sociedade em sua totalidade, não se submetendo

a parâmetros avaliativos sociais de eficiência e eficácia de seus de sua ação

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administrativa. Sua ação na condução da razão de Estado responde aos interesses

particularizados do rei e, evidentemente, dos grupos privilegiados que lhe conferem

apoio político na manutenção do poder.

O Estado se incha de servidores, que engrossam o estamento, ramificado na África, Ásia e América, mas sobretudo concentrado no reino, com a multidão de ‘pensionistas’ e dependentes, fidalgos e funcionários, todos sôfregos de ordenados, tenças e favores - o rei paga tudo, abusos e roubos, infortúnios comerciais e contratos fraudados. No país, os cargos são para os homens e não os homens para os cargos (FAORO, 2000, p. 65).

Tal perspectiva governamental transformou a razão de Estado numa máquina

administrativa intervencionista que dirige e controla não apenas a dinâmica política

da sociedade portuguesa, mas, sobretudo, sua capacidade de empreendedorismo,

de inovação e criatividade no campo econômico. “O estamento, cada vez mais de

caráter burocrático, filho legítimo do Estado patrimonial, ampara a atividade que lhe

fornece os ingressos, com os quais alimenta sua nobreza e seu ócio de ostentação

[...]” (FAORO, 2000, p. 66). Quase a totalidade dos empreendimentos econômicos é

financiada pelo Estado, a partir de cálculos que implicavam na preservação e

aumento das riquezas e poses do Rei e de seus clientes preferenciais.

Na perspectiva de Faoro é este caráter patrimonialista, clientelista, associado

ao atrelamento e, controle da dinâmica política da sociedade portuguesa, bem como,

o seu excessivo intervencionismo no plano da economia, que pode explicar a apatia,

senão o definhamento do Estado português em fins do século XIX. Apesar de ter se

beneficiado extensivamente de seu poderio colonizador e explorador em terras

além-mar, na Ásia, na costa Africana e, sobretudo, na colônia brasileira ao longo dos

séculos anteriores, o Estado português definha lentamente, esvaindo suas forças até

sua falência como Estado.

Estado e comércio - geram o sistema mercantilista, próprio à expansão do aparelhamento estatal, condutor da economia e beneficiário da atividade comercial, preocupada, não raro, na ilusão monetária. Ele permitiu, justificando-a racionalmente, a política de transporte do tráfico africano, asiático e americano, que supôs, sem a fixação de fontes produtoras

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nacionais, que o Estado seria rico se fluísse, no país, muito dinheiro, em boas e sonantes moedas. A atividade mercantil, desvinculada da agricultura e da indústria, não permitiu a acumulação de capitais no país: a prata e o ouro, depois de perturbar e subverter o reino, fugiam para as manufaturas e as cidades européias, em louca disparada. (FAORO, 2000, p. 70).

Sob a égide dos pressupostos acima arrolados é importante ressaltar que foi

inerente ao Estado português seu atraso científico. Um Estado patrimonialista,

clientelista, administrado por uma extensa máquina burocrática e jurídica,

cerceadora e controladora da dinâmica societária e política, intervencionista na

dinâmica econômica, mostrou-se incapaz, senão desinteressada no estímulo e

financiamento dos avanços científicos e tecnológicos em curso ao longo dos séculos

XVIII e XIX. O paradoxo de tal situação reside no fato de que o nascente Estado

português por volta do século XIV e XV patrocinou o avanço tecnológico que

culminou nas grandes navegações e nas descobertas de novos continentes, mas,

posteriormente abriu mão de continuar investindo em avanços científicos e

tecnológicos, caminhando lentamente para o seu definhamento e dependência

científica, cultural e econômica em relação a outros países como Inglaterra, França,

Holanda e Alemanha.

Portugal, cheio de conquistas e glórias, será, no campo do pensamento, o ‘reino cadaveroso’, o ‘reino da estupidez’: dedicado à navegação, em nada contribuiu para a ciência náutica; voltado para as minas, não se conhece nenhuma contribuição na lavra e na usinagem dos metais. Toda a vida intelectual, depois da fosforescência quinhentista, ‘ficou reduzida a comen-tários’ (FAORO, 2000, p. 71).

Mais uma vez a herança lusitana de nossa razão de Estado se apresenta em

toda sua contundência. Estamos na atualidade diante de um Estado brasileiro

centralizado, com pretensões de conduzir a dinâmica da vida nacional. Em seu

centralismo burocrático-administrativo e jurídico, desconsidera os entes federados,

especificidades regionais, a dinâmica social, político e econômica local. Consome

vultuosos recursos em programas sociais, em políticas públicas pensadas

idealmente na centralidade do poder, mas que se mostram inócuas ou limitadas,

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quando aplicadas nos rincões desde país. O Brasil idealizado na centralidade da

racionalidade político-administrativa de Estado não encontra respaldo no “Brasil real”

em sua diversidade étnico-cultural. Ademais, como herdeiros legítimos da visão de

mundo portuguesa, até a atualidade não nos convencemos, enquanto, sociedade e

Razão de Estado dela derivada, da importância estratégica de fazermos maciços

investimentos em educação, em ciência e tecnologia. Nossos índices educacionais e

científicos são a prova inconteste da ausência de compromissos com estas duas

áreas desde sempre estratégica na afirmação da autonomia e soberania de povos e

nações.

Perscrutar as heranças lusitanas de nossa razão de Estado nos permite ter

presente de que desde seus primórdios o Estado que aqui aportou não se

apresentou como o resultado da forma como um povo concebeu a si mesmo,

procurou enfrentar suas demandas societárias, conferir sentido e finalidade a esfera

da existência em suas dimensões públicas e privadas. O Estado lusitano e, por

extensão a razão de Estado brasileira guardiã destes pressupostos desenvolveu

uma soberania popular às avessas, numa relação de mando e obediência

inicialmente corroboradas pelas oligarquias estamentais beneficiárias privadas das

benesses públicas aquinhoadas pelo Estado. No desdobramento dos fatos e

acontecimentos históricos, viram-se oligarquias agrárias, coronéis e toda sorte de

lideranças políticas constituídas por poder de mando e privilégios. Mesmo tendo em

conta de que nas últimas décadas talvez tenhamos superado alguns

destesdesdobramentos históricos, convivemos ainda com uma Razão de Estado

centralizada, que em muitos aspectos parece alheia aos anseios de

representatividade de sua população, bem como administra um país imaginário de

dimensões continentais, desconsiderando suas especificidades e prerrogativas

regionais e locais.

Nesta dança, orquestrada pelo estamento, não entra o povo: quem seleciona, remove e consolida as chefias é a comunidade de domínio, num ensaio maquiavélico de captação do assentimento popular. A soberania popular funciona às avessas, numa obscura e impenetrável maquinação de

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bastidores, sem o efetivo concurso da maioria, reduzida a espectador que cala ou aplaude (FAORO, 2000, p. 104).

A RAZÃO DE ESTADO BRASILEIRA EM SUAS VARIÁVEIS JUDAICO-CRISTÃS

E SOCIALISTAS-COMUNISTAS

Associado a estes pressupostos patrimonialistas, clientelistas constitutivos de

nossa Razão Estado, encontramos variáveis judaico-cristãs. No fundamento da

cosmovisão judaico-cristã reside o pacto, o testamento firmado entre Deus e o povo

hebreu. Um só pastor e um só rebanho. O poder concentra-se no pastor, aquele que

conhece suas ovelhas. O pastor é aquele que detém o conhecimento da verdade e,

portanto, as condições de conduzi-las às melhores pastagens, de lhes conferir

segurança e salvação diante dos riscos, das contingências presentes no mundo.

Basta ter fé, acreditar, confiar no pastor para que se alcance a salvação. No rebanho

todas as ovelhas são iguais. Ovelhas de outra coloração são suspeitas, não são

dignas de confiança, ou consideração. Podem até ser considerada manifestação de

anomalias e, como tal representar riscos à totalidade do rebanho.

Sob tal perspectiva, talvez se possa levar em consideração de que aqui reside

uma das variáveis da visão messiânica de mundo, que perpassa parte do imaginário

social e político brasileiro. Afinal, junto com as naus portuguesas vieram e

desembarcaram nestas terras, desde a primeira viagem de descoberta e tomada de

posse, os legítimos guardiões da fé que deveria ser universalizada, o catolicismo

romano. Tal perspectiva de fé, advinda das entranhas do judaísmo, o cristianismo

católico traz consigo o governo da lei divina. Aos governantes terrenos se lhes

impõe as leis impostas aos reis de Israel, o povo eleito pelo Deus único e

transcendente. “O regimen real não abole o regimen divino; ao contrário,

permanece-lhe submisso. “Se não obedeceis a Javé, se vos revoltais contra suas

ordens, então a mão de Javé pesará sobre vós e vosso rei. Temor de Deus constitui

o princípio da legitimidade régia” (SENNELLART, 2006, p. 113).

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Nesta perspectiva judaico-cristã o rei encarna a figura de representante divino

no governo dos homens. Compete a ele o zelo à virtude como exemplo de conduta

de vida aos súditos, para que possam no transcorrer de suas vidas na cidade dos

homens alcançar a graça divina na cidade de Deus. Assim, o governante encarna a

figura do messias, aquele que traz e anuncia a boa nova através de palavras e

exemplos de vida, e que deve ser respeitado e obedecido, porque detém a

sabedoria necessária ao alcance da salvação. Sua sabedoria de origem messiânica

tem a capacidade de “salvar a pátria” e garantir a felicidade geral da nação, basta ter

fé, acreditar e esperar para que um dia a profecia se cumpra.

Esperamos, afinal, a esperança é um dos principais atributos cristãos,

daqueles que professam que a felicidade reside na vida além túmulo, que o

Estado/pastor resolva os problemas, as idiossincrasias e as contradições políticas,

econômicas e sociais. Sob tais pressupostos a Razão de Estado se apresenta como

uma entidade sacralizada, para além do alcance e compreensão dos seres

humanos. De forma alguma ele pode resultar da vontade e da racionalidade política

de indivíduos, que alcançam pela vida da racionalidade um consenso em torno das

formas de administração e garantias de suas vidas na cotidianidade.

Esta concepção transcendente da razão de Estado se alastra em toda sua

extensão nos poderes constitutivos do Estado. Assim, concebemos o judiciário como

guardião dos preceitos morais e de justiça, que justificam e ordenam as relações

sociais em que nos circunscrevemos. Esperamos que o poder judiciário nos dê a

tábua dos dez mandamentos. Cremos que a lei é um fim em si mesmo. Basta

legislar para que nossas contradições sociais se resolvam. Ainda nesta direção,

como bons fiéis, sempreá procura da ordem e da harmonia social, remetemos a

resolução de nossas querelas sociais ao Supremo Tribunal Federal, este ente

transcendente detentor das tábuas da lei. Esperamos, ansiamos pelas

inquestionáveis premissas de ordem e justiça advindas das diversas instâncias do

poder judiciário, mesmo que isto represente a diminuição de nossa capacidade de

alcançar e estabelecer consensos socialmente debatidos.

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Esta perspectiva judaico-cristã de nossa Razão de Estado nos remete ainda a

uma perspectiva igualitarista. Estamos sempre às voltas com infindáveis debates de

ordem legislativa, com discursos de correções de injustiças históricas no intuito de

equalizar, senão de alcançar, perspectivas igualitaristas na conformação do tecido

social. Se o pastor desconfia das ovelhas de outra coloração em meio ao rebanho,

isto significa que em nosso imaginário judaico-cristão, nossa razão de Estado

desconfia das intenções dos indivíduos. Todas as perspectivas casam muito bem

com o centralismo Estatal planificador socialista que em passado recente detinha o

conhecimento para efetivação da utopia de uma sociedade humana igualitária, justa

e fraterna. Mas, o muro caiu.

Desta forma, sob tais pressupostos, pode-se ainda argumentar que as

prerrogativas judaico-cristãs no que concerne a conformação de nossa Razão de

Estado, encontraram amparo e, se mesclaram com as ideias de fundo marxista e

socialista, que se estabeleceram entre nós nos primórdios do século XX, cuja origem

se encontra na interpretação que Marx e Engels realizam no século XIX, em torno

daluta de classes, motivada pelas contradições na relação entre capital e trabalho,

constitutivo do modo de produção capitalista. O que aproxima de forma tão intensa

estas duas cosmovisões é sua condição utópica de constituição de um mundo

diferente, melhor, de paz e harmonia entre os homens. Para o cristianismo, esta

pátria futura, de paz, alegria e, segurança se constituiria na vida além túmulo, junto

ao criador. Se o mundo terreno se apresenta como um vale de lágrimas a

recompensa está no porvir, na felicidade que se pode alcançar na vida além túmulo.

Todo o sofrimento é válido e necessário como meio de alcançar a graça de entrar na

cidade de Deus.

Certas variáveis interpretativas das ideias de Marx e Engels, que aportaram

em terras tupiniquins, sobretudo, em seu caráter panfletário e, com pretensões de

ordem revolucionária na constituição de uma nova sociedade, dirimida dos males

causados pela luta de classes, pela exploração do capital sobre o trabalho, na

distribuição igualitária dos meios de produção, na justa distribuição da riqueza,

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pressupõem que o homem é um ser bom por natureza. Sob esta perspectiva, o ser

humano está propenso à solidariedade, ao bem, á partilha, porém, contradições

sociais, políticas e econômicas em que está inserido brutalizam sua condição

humana.

Sob tais perspectivas marxistas, repitam-se recebida entre nós em grande

medida de forma panfletária, as sociedades humanas encontram-se numa dicotomia

que implica na luta entre o bem e o mal. O mal é o modo de produção capitalista,

que em sua ânsia pelo acúmulo de mais valia, de lucro, de capital, submete à

miserabilidade homens, mulheres e crianças, cujo único modo de sobrevivência é a

venda da força de trabalho. No contraponto a esta perspectiva, o bem é

representando numa sociedade comunista, onde os meios e os bens de produção

são distribuídos de forma igualitária entre os homens, para que todos possam ter

acesso aos bens necessários à manutenção e condução de uma vida digna.

Ora, esta transição das bases de uma sociedade capitalista (cidade dos

homens), para uma sociedade comunista (cidade de Deus) quem poderá fazê-la é o

Estado socialista centralizado. Por deter a verdade das contradições da dinâmica

societária capitalista na produção de profundas desigualdades econômicas e

injustiças sociais, a Razão de Estado Socialista tem o “dever” de conduzir as classes

burguesas e trabalhadoras ao reconhecimento do caráter contraditório inerente a

toda e qualquer forma de propriedade privada. Nesta direção, o Estado socialista na

condução da marcha utópica à sociedade comunista, intérprete por excelência de

todas as contradições vinculadas aos diversos modos de produção experimentados

pela tradição de povos e culturas, pois detentor do método do materialismo histórico

e dialético tem a obrigação de conduzir os destinos do povo e da nação.

Ou seja, na gênese da matriz judaico-cristã, tanto quanto da matriz socialista-

comunista que se arraiga em nossa Razão de Estado, o que constatamos

inicialmente é uma profunda desconfiança antropológica na capacidade dos

indivíduos no uso racional de sua liberdade em alcançarem consensos, que

preservem a ordem pública, o interesse geral da comunidade, o alcance do bem

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viver, a busca felicidade. Outra prerrogativa de ordem comum a estas duas

cosmovisões utópicas é o fato de assumirem na centralidade de suas propostas a

condução do homem á pátria futura, a felicidade na vida além-túmulo, ou a plena

realização de sua dignidade através da distribuição igualitária dos modos de

produção, bem como dos bens produzidos pela coletividade. Na matriz judaico-cristã

a salvação da cristandade se dá na medida do exercício de uma fé inabalável no

Pastor e seus imperativos salvacionistas. Na matriz de ordem socialista-comunista a

salvação se dá pela via da coletividade obediente aos ditames do dirigente, do

partido único. Em ambos os casos a Razão de Estado se apresenta em toda sua

potencialidade messiânica a conduzir os seres humanos à pátria futura, ao reino de

paz e felicidade seja no plano extraterrestre, seja no plano da materialidade terrena

em que se constituem as sociedades humanas. Talvez, possamos afirmar que em

nosso imaginário social e político encontram-se significativos traços e resquícios

destes ideários idílicos e paradisíacos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

À luz dos argumentos até aqui arrolados neste debate, talvez possamos

considerar que nossa concepção de Estado carece de fundamento societário

consistente historicamente constituído. No bojo do processo histórico que nos trouxe

até a contemporaneidade, fomos respondendo às demandas societárias, locais,

regionais, nacionais e internacionais em curso, tendo como parâmetro para

constituição de nossa Razão de Estado a herança lusitana de outrora. Diante da

necessidade de responder aos desafios cotidianos de conferir viabilidade ao

progresso econômico e ao desenvolvimento humano nacional, regional fomos

reproduzindo com intensidades diversas, em períodos temporais distintos,

perspectivas patrimonialistas, clientelistas, burocráticas de Estado.

Estas variáveis lusitanas, que insistem em permanecer arraigadas em nossa

cultura política, na constituição de nossas instituições e, na forma como respondem

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aos anseios e demandas de ordem nacional, podem explicar em certa medida

nossos limites de desenvolvimento humano, econômico, cultural e político. Nosso

modelo de Estado, marcado pela centralização, pelas estruturas burocráticas,

apresenta-se moroso na tomada de decisões estratégicas diante da necessidade de

defesa e potencialização dos interesses nacionais, fazendo com que os períodos de

crescimento sejam de baixa intensidade e de curta duração. Ademais, é preciso que

se diga que tais períodos de crescimento invariavelmente são feitos com a

exportação extensiva de commodities, minério de ferro, suco de laranja e outros

produtos de baixo valor agregado. Ficamos com aquela sensação de que o país do

futuro finalmente está se fazendo no presente, mas passados alguns segundos,

parece que tudo não passa de miragem, de sombras que se dissipam a primeira

mudança climática. O gigante é preguiçoso e volta a dormir, até que em algum

momento, num sobressalto qualquer volte a acordar por alguns instantes, enchendo

de esperanças as perspectivas messiânicas de seu povo.

No entrecruzamento das heranças lusitanas em nossa concepção de Estado

é preciso ter presente as premissas da matriz judaico-cristã e socialista-comunista,

que em tempos diferentes aportaram nestas terras, mas que se fundiram em uma

certa concepção de Razão de Estado que fortalece seu centralismo político e

administrativo em detrimento da liberdade e autonomia de indivíduos e comunidades

tomarem decisões pautadas em sua capacidade empreendedorismo, de inovação e,

sobretudo, na busca de consensos em âmbito local, regional. Matrizes estas que

salvaguardadas suas diferenças constitutivas e conceituais operam sob a afirmação

da igualdade entre todos os seres humanos, que exigem a inclusão de todos na

ordem societária, mesmo sabendo que a inclusão vem acompanhada de

significativas doses de exclusão. Matrizes que pela intensidade com que defendem

suas verdades coletivistas em detrimento das liberdades individuais se apresentam

ora como messiânicas, ora como salvadoras da pátria pela via da revolução e/ou de

variável similar, porém menos intensa em tempos de economia financeira global.

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Efetivamente, no bojo destas reflexões é preciso reconhecer que urge aos

brasileiros tomarem-se como objetos de si mesmos, de se compreenderem em sua

diversificada matriz étnica e em suas diversas cosmovisões, que se entrecruzam na

conformação deste agregado de milhões de seres humanos. Tarefa de

autoconhecimento indispensável se efetivamente almejamos assumir a

responsabilidade de constituirmos uma Razão de Estado à altura dos desafios do

tempo presente, das exigências de autonomia e soberania popular. O debate em

torno das reformas estruturais do Estado brasileiro, entre elas: a reforma política,

tributária, bem como discussões em torno do pacto federativo, do excessivo poder

assumido pelo poder judiciário diante dos limites do poder legislativo, o debate em

torno do balcão de negócios promovido pelo poder executivo no afã de garantir a

“governabilidade”, evidenciam a urgência e a necessidade da sociedade brasileira

colocar em jogo, depurar sua Razão de Estado como condição de justificar suas

prerrogativas civilizatórias e, assim, ser reconhecido pelos demais povos e países.

Do contrário seremos apenas um amontoado de produtores e consumidores, cuja

importância é meramente de ordem estratégica nas articulações da economia

mundial.

REFERÊNCIAS

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HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Nova Cultural, 2004. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo: Brasiliense; Publifolha, 2000. LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Tradução de E. Jacy Monteiro. São Paulo: Editor Victor Civita, 1973. MATTA, Roberto da. O que faz o Brasil, Brasil. Rio de Janeiro: Rocco, 1996. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. Tradução de Lourdes Santos Machado. São Paulo: Editor Victor Civita, 1973. SENELLART, Michel. As artes de governar: Do regimen medieval ao conceito de governo. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Ed. 34, 2006. TOCQUEVILLE, Aléxis de. A democracia na América. Tradução Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1995. (Livro 1).

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ESCOLA E FAMÍLIA NA PARTICIPAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL8

Rodnei Oliveira de Lima Camara9 Dr. Walter Marcos Knaesel Birkner10

RESUMO: O presente artigo, fundamentado no tema supracitado, é resultado de pesquisa elaborada e efetivada junto a FAPESC (Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina), portanto, objetiva a divulgação dos resultados obtidos pela referida pesquisa, bem como fomentar o debate sobre a importância da escola e família enquanto instituições sociais participantes no processo de desenvolvimento regional. A importância do referido tema se justifica na medida em que é perceptível o papel relevante desenvolvido pela escola e família na fomentação de capitais considerados importantes para o desenvolvimento regional. Nesse sentido, o presente artigo tem a finalidade de divulgar as características centrais da pesquisa realizada, levando-se em consideração o referencial teórico, a metodologia utilizada e os resultados obtidos bem como a viabilidade no prosseguimento de outras pesquisas e discussões sobre o presente tema.

Palavras Chaves: Educação. Família. Desenvolvimento.

ABSTRACT: This article, based on the above topic, is the result of research carried out and carried along FAPESC (Foundation for Research and Innovation in the State of Santa Catarina), therefore, aims to disseminate the results obtained by this research, as well as foster debate on the importance of school and family as social institutions participating in the regional development process. The importance of this subject is justified to the extent that is noticeable role developed by the school and

8Artigo referente à publicação dos resultados obtidos por meio de pesquisa financiada pela FAPESC Premio Mérito Universitário Chamada Pública 002/2008, apoiada pela UnC – Universidade do Contestado e pela Secretaria Municipal de Educação da cidade de Canoinhas SC. A referida pesquisa foi realizada na Escola de Educação Básica Maria Lovatel Pires, na cidade de Canoinhas SC.

9Acadêmico do curso de Ciências Sociais com ênfase em Desenvolvimento Regional (no período de desenvolvimento da pesquisa, atualmente é mestrando do Programa de Desenvolvimento Regional pela UnC e aluno bolsista pelo FUMDES – 2013), autor do presente artigo e organizador da pesquisa: Escola e Família como Instituições partícipes no Desenvolvimento Regional, tendo como orientador o Professor Dr. Walter Marcos KnaeselBirkner. O acadêmico é residente à Rua Três de Maio, 1.305, Centro – Canoinhas SC, CEP 89460-000, fone: 47 3622-3538, e-mail: [email protected].

10Dr. Em Ciências Sociais pela UNICAMP, professor no Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional, UnC – Canoinhas – SC.

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family in fostering capital considered important for regional development. In this sense the present article aims to disseminate the central features of the survey, taking into account the theoretical framework, the methodology used and the results obtained as well as the continued viability of other research and discussion on this topic.

Keywords: Education. Family. Development.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho está fundamentado nas informações advindas do

tratamento dos dados colhidos a partir de pesquisa realizada em 2009, tendo como

órgão financiador a FAPESC (Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do

Estado de Santa Catarina). O interesse na realização da referida pesquisa se deu

ainda no período da graduação do pesquisador quando esteve em contato com as

disciplinas “Sociologia da Educação” e “Sociologia do Desenvolvimento”11. A partir

de uma revisão bibliográfica, envolvendo diversos temas relacionados às instituições

família e escola, além de referências teóricas acerca das teorias do desenvolvimento

regional, em especial as teorias que se fundamentam no Capital Social e

Endógeno12, foi possível estabelecer um conjunto de questionamentos. Entre eles, a

verificação da possível relação entre as instituições referidas (família e escola) como

atores cooperadores na fomentação, básica, de capitais endógenos, em específico

os capitais cultural, cognitivo e cívico, indispensáveis para o desenvolvimento e

como esse processo se daria no espaço escolar com a participação de toda a

comunidade envolvida. Tal preocupação teria como objetivo, por meio de

instrumentos de pesquisa, verificar o grau de participação das famílias no processo

educacional de seus filhos, e que dispositivos e estratégias a unidade escolar

(representada pelo corpo docente e administração) se vale para dinamizar esta

participação. Outro objetivo centralizou as investigações, na relação entre essas 11

Disciplinas pertencentes à grade curricular de 2007 do curso de Ciências Sociais com ênfase em Desenvolvimento Regional – UnC (Universidade do Contestado – campus Canoinhas SC).

12Principalmente autores como Robert Putnan e Sergio Boisier.

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estratégias utilizadas pela escola, a participação das famílias no processo

educacional dos filhos e os índices educacionais oficiais, sobretudo o IDEB. A

unidade escolar, objeto da pesquisa realizada, foi a EB Maria Lovatel Pires

localizada no município de Canoinhas SC, no bairro denominado “Alto da Tijuca”,

sendo que, a mesma, pertence à rede municipal de ensino. Além dos objetivos já

citados, foi possível investigar em que medida a efetividade dos trabalhos da

Unidade Escolar foi influenciada por uma administração descentralizada, bem como,

verificar a possibilidade da existência de possíveis modelos a serem seguidos pelas

unidades escolares. Por fim, objetivou-se apresentar dados sociológicos, acerca das

possíveis contribuições, de instituições como a escola pública e a família, no

processo de desenvolvimento regional.

ESCOLA E FAMÍLIA: UMA BREVE ABORDAGEM

A educação, sem dúvida alguma, tem participado da história humana desde

as mais primitivas às mais complexas formas de sociedade, seja por meio da

educação informal ou formal institucionalizada. As diversas vertentes do

conhecimento humano reconhecem-na não só como um objeto de estudo, mas,

também, como uma instituição das mais importantes no processo de composição da

sociedade e na formação do ser humano. Autores das Ciências Sociais,

principalmente da antropologia e sociologia, reconhecem as instituições sociais,

dando destaque à educação e à família, como sendo fundamentais no processo de

“humanização” dos indivíduos, cumprindo assim, não só uma função pedagógica,

mas, também, política.

A educação e a família, sem dúvida alguma, são as mais antigas, senão as

primeiras, instituições com as quais os seres humanos têm contato, portanto,

sempre se colocaram como partícipes na construção da visão de mundo dos

indivíduos que constituíram as sociedades ao longo dos tempos.

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Toda a educação varia sempre em função de uma ‘concepção de vida’, refletindo, em cada época, a filosofia predominante que é determinada, a seu turno, pela estrutura da sociedade. É evidente que as diferentes camadas e grupos (classes) de uma dada sociedade terão respectivamente opiniões diferentes sobre a ‘concepção de mundo’, que convém fazer adaptar ao educando e sobre o que é necessário como qualidade socialmente útil (GHIRALDELLI, 2001, p. 58).

Há que se considerar que a referida visão de mundo, necessária aos

indivíduos, como condição de se localizarem no tempo e no espaço e, por

conseguinte, potencializarem esses mesmos indivíduos como atores partícipes do

processo de desenvolvimento regional, deve, necessariamente, contemplar as

principais esferas da vida humana, a saber: a ética, estética e política. Neste

particular, o papel da escola enquanto depositária dos saberes é, no mínimo,

fundamental na participação do desenvolvimento regional, a partir da fomentação de

capitais (valores) indispensáveis nesse processo.

A escola, na medida em que concorre para a atualização das potencialidades e fixação da motivação, é, então, o mecanismo que redistribui os indivíduos. [...]. Funcionando assim, a educação escolar não terá como objetivo a eliminação das diferenças entre os homens, mas a construção de uma sociedade onde todas as posições da estrutura ocupacional, mesmos as mais elevadas, estão, disponíveis para os indivíduos de quaisquer origens, desde que adequadamente dotados e suficientemente motivados para competir por elas (CUNHA, 1980, p.21).

É perceptível a atualidade dos debates referentes ao tema abordado, na

medida em que se encontra amparo em diversos discursos de nosso tempo, quer no

âmbito acadêmico, quer em instituições nacionais e internacionais, ou nas esferas

governamentais. Um desses discursos possibilitou a origem de documentos oficiais

e relevantes, como propostas de nível mundial, para a educação do futuro, como se

vê em Edgar Morin13: “Afinal, de que serviriam todos os saberes parciais senão para

formar uma configuração que responda as nossas expectativas, nossos desejos,

13

Sociólogo Frances de origem judaico-espanhola. Pesquisador emérito do CNRS, formado em Direito, História e Geografia, adentrou na Filosofia, Sociologia e Epistemologia. Entre suas obras, “Os sete saberes necessários à educação do futuro”, ocupa lugar de destaque nas discussões sobre educação na contemporaneidade.

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nossas interrogações cognitivas?” (MORIN, 2003). Os principais meios de

comunicação de nosso país têm prestado uma considerável relevância aos temas

voltados à educação, como se vê, por exemplo, em trecho de artigo do professor

Gaudêncio Torquato14 publicado no Jornal O Estado de São Paulo e que revela um

dado preocupante:

[...] o ensino básico atravessa a maior crise de sua história. Milhares de alunos concluem a quarta série sem saber ler nem escrever, muito menos fazer contas. [...] 33 milhões de brasileiros são capazes de ler, mas não conseguem entender o significado das palavras. São analfabetos funcionais (O Estado de São Paulo, 2008, p. A2).

A preocupação com a educação tem sido notada constantemente no

legislativo federal, como se vê em trecho do discurso proferido no Senado Federal,

por Cristóvão Buarque15 onde o mesmo ressalta:

Todas as crianças precisam ter a mesma chance. Elas não podem ser discriminadas só porque nasceram em uma cidade muito pequena ou porque os pais são pobres e vivem em uma área de periferia. Elas devem ter a chance de estudar em escolas que são iguais às melhores escolas do país. Todas as escolas devem ter o mesmo padrão. [...] seguindo um plano nacional de educação de qualidade e a escola gerenciada pela prefeitura e pela comunidade, aberta à participação dos pais, das mães e de toda a comunidade (SENADO FEDERAL, 10 ago. 2007).

Não obstante a apologia feita em relação à escola, até o momento, no tocante

a sua participação nas grandes transformações sociais – principalmente

transformações na visão de mundo e no processo de humanização –, há que se

considerar a relevância da participação da família nesse processo, contribuindo na

formação de indivíduos que poderão, seguramente, influenciar a sociedade e

comunidade local, em que estão inseridos, na busca de maior qualidade de vida

que, sem dúvida alguma, se coloca como uma, ou talvez a maior, razão para a

busca de um desenvolvimento regional.

14

Gaudêncio Torquato é jornalista e professor da USP além de consultor político. 15

Economista, educador e professor Universitário, atualmente é senador da república.

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62

DESENVOLVIMENTO

Quando se discute e se disserta sobre o desenvolvimento é preciso ter a

percepção da existência de uma gama de teorias e conceitos que envolvem o

mesmo. É de concordância da grande maioria dos estudiosos, principalmente

daqueles que transitam nas ciências sociais, que o desenvolvimento como um objeto

de investigação científica tem sua origem na ciência econômica, efetivamente, entre

os clássicos que focalizavam tal discussão sobre o prisma do crescimento

econômico relegando para segundo plano, a dimensão humana da referida

discussão.

O desenvolvimento, enquanto um conceito é explorado pelas ciências sociais,

teve sua origem no pensamento econômico e, passa a ter maior destaque, como

sendo um tema específico, a partir da metade do século XX. A relação entre teorias

econômicas e desenvolvimento se confunde com a própria história das doutrinas

econômicas:

Para os economistas, historicamente, a preocupação com o desenvolvimento, na sua dimensão econômica, ou desenvolvimento econômico como costumam referir-se, começa com os pensadores fisiocratas (DALLABRIDA, 2010, p. 22)

Não obstante, os fisiocratas16, dentre eles François Quesnay (1694 – 1774),

terem sido os primeiros a discutirem o desenvolvimento em uma dimensão

econômica, é a partir dos chamados economistas clássicos, entre eles: Adam Smith,

Malthus, David Ricardo, Stuart Mill e Marx, que o desenvolvimento passa a ser

analisado, levando-se em consideração a qualidade de vida, portanto, insere-se na

discussão a dimensão humana nas teorias do desenvolvimento.

No final do século XIX surgem novos teóricos da economia, relacionando

desenvolvimento com crescimento econômico. Para Marshall (1842-1924) o

crescimento econômico era o resultado de capacidade humana e tecnologia, por

16

Fisiocratas: assim conhecidos por fundamentarem suas teorias em leis naturais.

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outro lado, Schumpeter (1883-1950) o crescimento econômico estava ligado à

tecnologia, instituições eficientes e empreendedorismo. Outro teórico que se

destacou nas discussões sobre o crescimento econômico foi Keynes (1883-1946)

que defendia a intervenção do Estado na economia e a estabilidade das instituições.

Como um conceito explorado pela Sociologia, o desenvolvimento, tem sua

origem em uma releitura do evolucionismo de Darwin17, ou seja, o desenvolvimento

como um “novo evolucionismo” 18. No centro de tal conceito, repousa a ideia de que

as sociedades poderiam ser entendidas ou caracterizadas por suas diferenças, que

não eram de natureza, mas de etapas de desenvolvimento,

A conceituação de desenvolvimento como sendo um processo continuum,

submetido a etapas, permitiu o surgimento de classificações próprias para as

diversas nações, que a partir do período do capitalismo industrial, passam a serem

conhecidas por desenvolvidas, semidesenvolvidas e subdesenvolvidas. Um dos

grandes representantes dessa corrente teórica desenvolvimentista, sem dúvida

alguma foi Rostow (1974)19, o mesmo sugeriu que as sociedades passam por cinco

etapas distintas no processo de desenvolvimento, a saber: Sociedade tradicional

(primeira), sociedade emprocesso de transição (segunda), Sociedade em início de

desenvolvimento (terceira), sociedade em maturação (quarta) e sociedade em

produção em massa (quinta).

A interpretação desenvolvimentista sofre críticas, na medida em que a

mesma, necessariamente, deve desprezar as características históricas de cada

sociedade, o que é de fundamental importância para a sua compreensão como no

caso da Índia no século XVII.

17

Charles Darwin (Shrewsbury, 12 de Fevereiro de 1809 — Downe, Kent, 19 de Abril de 1882) foi um naturalista britânico que alcançou fama ao convencer a comunidade científica da ocorrência da evolução e propor uma teoria para explicar como ela se dá por meio da seleção natural.

18Termo utilizado pelas Ciências Sociais, principalmente no início do séc. XX, para designar uma teoria específica na Sociologia do Desenvolvimento.

19William Wilber Rostow, ex-professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts e porta-voz da Casa Branca para assuntos exteriores em 1967, é autor de uma das mais importantes obras fundamentada nas teorias Desenvolvimentista.

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Aos poucos, o dualismo começou a nortear o conceito de desenvolvimento e

de subdesenvolvimento, permitindo classificar e identificar regiões. Esse

pensamento defendido por Elias Gannagé (1969) identificava e caracterizava as

regiões “desenvolvidas” das regiões “atrasadas”, entendendo que em um mesmo

país ou região, haveria a possibilidade de existirem as duas situações.

A partir de tais conceitos, as teorias desenvolvimentistas pensadas e

fundamentadas sobre uma visão capitalista industrial, produziram termos que

passaram a identificar as regiões e nações ditas “atrasadas”, como por exemplo, os

termos: Periferia e Marginalidade. A referida teoria sofre críticas, principalmente

quando se entende que as regiões e nações, conhecidas como “atrasadas”, não

estão em tais condições porque estão passando por uma fase ou etapa, mas estão

sujeitas a situações de exclusão dos planos de desenvolvimento local e regional, o

que força tais regiões e nações, a encontrarem nas formas tradicionais, não

capitalistas, uma forma de sobrevivência.

Diante dos conceitos de desenvolvimento aqui colocados, é possível

recorrermos às possíveis contribuições das Ciências Sociais, sobretudo a

contribuição antropológica, que coloca em discussão a cultura como elemento

indispensável para um pretenso desenvolvimento.

Torna-se clara a necessidade de se colocar em discussão as dimensões do

desenvolvimento, e nesse particular alguns pesquisadores, entre eles Sergio Boisier

(1999)20 que muito contribuíram. Para Sérgio Boisier, o desenvolvimento regional

está fundamentado em capitais que devem ser construídos ou potencializados, entre

eles figuram os capitais cognitivo, cultural e cívico. O capital cognitivo não se

configura apenas nas capacitações de conhecimento científico e técnico, disponíveis

em uma sociedade, mas no conhecimento do próprio território, ou seja, uma

inteiração consciente por parte da comunidade e dos atores locais sobre a realidade

de sua região. No que se refere ao capital cultural apresenta como sendo o acervo

20

Sergio Boisier – Sociólogo chileno, membro da CEPAL, autor do livro: El desarrollo territorial a partir de la construcción de capital sinergético.

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de tradições, mitos e crenças, linguagens, relações sociais, modos de produção e

produtos imateriais (literatura, pintura, dança, música etc.) e materiais, específicos

de uma determinada localidade ou região. No capital cívico, interpreta como sendo

um conjunto de situações que promovem um ambiente voltado a práticas de:

políticas democráticas de confiança nas instituições públicas, de preocupação

pessoal pela res pública (coisa pública), ou como se diria, pelos negócios e assuntos

públicos, uma rede de compromissos públicos. Boisier defende a hipótese de que o

desenvolvimentosustentável é fundamentado em “capitais” que devem ser

fomentados, criando assim o conceito de capital sinergético. Para o pesquisador, um

desenvolvimento sustentável só é possível mediante a fomentação de Capitais

Sinergéticos e de fatores como: recursos humanos e materiais; atores individuais,

coletivos e cooperativos identificados com os movimentos sociais regionais;

instituições; processos decisórios e cultura. A presente teoria também é sustentada

por Robert Putnam (2000)21, reconhecendo no Capital Social a “mola propulsora” do

desenvolvimento regional, conforme resultado de sua pesquisa realizada na Itália:

Muitos autores têm se referido ao conceito de capital social, atribuindo a esse fenômeno uma importância, algumas vezes, decisiva como fator propulsor do desenvolvimento. [...] No entendimento de Robert Putnam, o termo está relacionado a ‘características da organização social como confiança, normas e sistemas que contribuam para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas’ (BIRKNER, 2006, p. 15).

A defesa de tais ideias sugere outro conceito fundamental: o conceito de

cultura. É possível dizer que todo o processo de desenvolvimento está centrado na

dimensão cultural, ou seja, na mudança cultural coletiva, o que aponta para a ideia

de que todo esse processo passa, necessariamente por mudanças culturais,

mudanças de comportamento. Portanto, definir e entender o conceito de cultura é de

grande importância para compreendermos quais os instrumentos que podem ser

21

Robert Putnam – Cientista político que em 1996, lançou o livro - Comunidade e Democracia: a experiência na Itália Moderna, como resultado de sua pesquisa á respeito do Capital Social como condição de desenvolvimento regional.

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66

pensados e utilizados para potencializar essa cultura dinamizando o próprio

processo de desenvolvimento.

A ideia de Desenvolvimento, na perspectiva do capital social, está

intimamente ligada a mudanças de comportamento dos atores de uma determinada

região ou nação. O comportamento dos indivíduos dessa região é resultado de sua

visão de mundo condicionada pela cultura local, que segundo Laraia (2001)22 é um

sistema cognitivo, simbólico, lógico, próprio e dinâmico. De acordo com Laraia, o

modelo determinista biológico e geográfico não possuilógica como sendo

determinante do comportamento humano aprendido independente da herança

genética. Nesse sentido, cada povo deve ser compreendido pelo seu próprio

paradigma cultural que define sua própria visão de mundo. A “cosmovisão” de uma

dada região ou nação é fundamental para o processo de desenvolvimento, onde

reside então a preocupação com uma mudança de comportamento dos atores

regionais para depois potencializar o processo de desenvolvimento, tais mudanças

se dão principalmente por meio da educação:

Resumindo, o comportamento dos indivíduos depende de um aprendizado, de um processo que chamamos de endoculturação. Um menino e uma menina agem diferentemente não em função de seus hormônios, mas em decorrência de uma educação diferenciada (LARAIA, 2001 p.11).

Assim, é possível dizer que o desenvolvimento regional se dá no âmbito de

um processo cultural, de mudanças de comportamento que permitem a fomentação

do capital social em uma dada região ou nação, onde se poderá verificar a presença

de confiança, cooperação e participação política da sociedade civil organizada.

22

ROQUE LARAIA - é professor emérito da UnB. Iniciou sua carreira, como antropólogo, no Museu Nacional da UFRJ. Em 1969 transferiu-se para a UnB, onde dirigiu o Instituto de Ciências Humanas, sendo promovido a professor titular em 1982. Doutor pela USP, Membro de associações científicas do país e do exterior, presidiu a Associação Brasileira de Antropologia (1990-92) e foi eleito presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS) em 2000.

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Kropotkin (2006)23, anarquista do século XIX defende a ideia de que, quando o

homem cria a cultura, esta é a condição de tirá-lo de uma situação de “condição

natural” ausentando-o de ser afetado pela “seleção natural”, sugerindo que o

indivíduo é capaz de exercer, por sua autonomia, mudanças consideráveis no meio

em que vive, dinamizando-o, e, por consequência o próprio desenvolvimento

regional. A realidade é mudada quando o homem é mudado, o homem é mudado

quando seu comportamento é mudado, finalmente, seu comportamento é mudado

quando sua cultura é mudada.

MATERIAL E MÉTODO

No objetivo de responder ao problema estabelecido pelo projeto em análise,

utilizou-se uma metodologia fundamentada na coleta de dados em que, os mesmos,

possibilitaram identificar na relação entre as instituições escola e família como atores

locais no processo de desenvolvimento regional, a partir da fomentação dos capitais

cognitivos, culturais e cívicos nos alunos do ensino básico. Objetivando verificar

estas possibilidades, a pesquisa se valeu de dois instrumentos de pesquisa, a saber:

uma pesquisa bibliográfica e informativa por meio do estudo do Projeto Político

Pedagógico e do último índice do IDEB24, e por meio de entrevistas fundamentadas

em três questionários, um deles voltado para a direção da escola, outro para os

professores e outro para os pais de alunos. Após coletados os dados, os mesmos

foram tabulados e representados por gráficos e tabelas permitindo mensurá-los bem

como analisá-los de forma dissertativa.

23

KROPOTKIN – Anarquista do séc. XIX, e crítico do Darwinismo Social. Após alistar-se nas forças armadas, muda-se para a Sibéria onde é despertado pelo seguinte questionamento: “Como alguém poderia sobreviver, em região tão inóspita?”. Realiza uma releitura de Darwin, que atribuía à “competição” a condição de sobrevivência, estabelecendo a “mútua cooperação” como condição de sobrevivência. Transfere, posteriormente, a idéia para as Ciências Sociais. Tais conceitos foram registrados em seu livro: Apoio Mútuo.

24Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) foi criado pelo INEP/MEC e busca representar a qualidade da educação a partir da observação de dois aspectos: o fluxo (progressão ao longo dos anos) e o desenvolvimento dos alunos (aprendizado).

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68

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados e a discussão, em torno do objeto de pesquisa, se deram pelo

tratamento dos dados colhidos por meio dos instrumentos de pesquisa aplicados 25,

sendo que, os instrumentos de pesquisa aplicados aos pais dos alunos

contemplaram uma amostra de cinquenta famílias de uma população total de

noventa26.

Em primeiro lugar foi realizado uma análise dos últimos resultados do IDEB

em que se localizava a situação da Escola de Educação Básica Maria Lovatel Pires:

Gráfico 1 – Evolução IDEB: Maria Lovatel Pires (EMEB)

Fonte: IDEB 2011 – INEP (portalideb.com.br)

25

As referidas entrevistas foram direcionadas a três grupos, a saber: pais de alunos, professores e coordenadores da unidade escolar. A aplicação da entrevista fundamentou-se em questionário (um para cada grupo) composto de 10 (dez) questões.

26O total de famílias na unidade escolar, segundo a coordenação, é de aproximadamente 90 famílias, sendo que, na impossibilidade de alguns pais poderem conceder a entrevista, e outros não quiseram opinar, justificou-se a presente amostra como condição de oferecer dados à pesquisa.

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Tabela 1 – Evolução IDEB: Maria Lovatel Pires (EMEB)

2005 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 2021

Crescimento 9% ↑ 24%↑

Ideb 4.7 5.1 6.3

Meta 4.8 5.2 5.4 5.7 5.9 6.2 6.4

Fonte: IDEB 2011 – INEP (portalideb.com.br)

As informações supracitadas nas ilustrações revelam que a escola cumpriu a

meta no ritmo esperado para 2011, na mediada em que, a mesma, superou a meta

estabelecida em consideráveis porcentagens, inclusive com claras tendências de

crescimento para os próximos indicadores.

Ao serem analisados os dados referentes aos questionários aplicados aos

grupos pertencentes à unidade escolar, foi perceptível o envolvimento das famílias,

professores e coordenação no processo educacional dos alunos o que sugere ter

sido este um elemento influenciador no alcance das referidas metas estabelecidas

pelo IDEB. Os dados revelaram um interesse considerável por parte dos pais no

processo educacional dos alunos, na medida em que a maioria das famílias

entrevistadas deixou claro sua efetiva participação na escola bem como nos projetos

nela desenvolvidos. No que se refere aos professores, foi possível verificar a

efetividade dos mesmos no processo de fomentação dos capitais cívicos, cognitivos

e culturais na unidade escolar pesquisada. Outro fato importante a se considerar é o

grau de formação dos docentes. Constatou-se que a maioria possui cursos de pós-

graduação (stricto e latu senso) revelando assim a preocupação da Secretaria de

Educação Municipal com a qualidade das práticas pedagógicas. Por parte da

coordenação da escola27 foi perceptível a preocupação e interesse em se

potencializar os instrumentos políticos pedagógicos, bem como os órgãos

administrativos da unidade escolar (Assembleias Gerais, APP, Reunião de Pais e

Mestres e Reuniões Pedagógicas) no sentido de fomentar a ideia e concretização

dos capitais indispensáveis para o desenvolvimento dos alunos e instituição na

busca de suas metas.

27

A coordenação da escola é formada por três membros: Diretora de Ensino, Secretária da Escola e Orientadora Educacional (dados de 2009)

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A pesquisa permitiu a constatação da existência de uma gama de projetos

desenvolvidos, em parceria com professores, pais, alunos e outras instituições

envolvendo a unidade escolar como mostra ilustração abaixo:

Tabela 2 – Projetos desenvolvidos pela EEB Maria Lovatel Pires

Projetos Número de alunos participantes

Clube da poesia 34

Violino 16

Projetos Número de alunos participantes

Tênis de quadra 12

Reforço escolar 30

Futebol de campo 35

Coral 30

Tênis de mesa 02

Amigos da leitura 15

Futsal 02

CIPA 12

Banheiro pedagógico Toda a comunidade escolar

Nutrição escolar Toda a comunidade escolar

Fonte: Secretaria da EEB Maria Lovatel Pires (2009)

A tabela acima revela outro dado importante no sentido de se perceber o

quanto uma escola pode ser aberta como um espaço, privilegiado e sugestivo, para

a construção e execução de projetos que objetivem contribuir na formação do

educando, do ponto de vista intelectual, social e físico. Há que se considerar, na

tabela em apreço, a grande participação do corpo discente nos referidos projetos28.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É possível afirmar que os resultados da pesquisa, permitiram uma leitura

satisfatória do que se pretendeu no início dos trabalhos, visto que, através dos

dados coletados, tornou-se perceptível a considerável participação das famílias no

processo pedagógico de que são alvo os alunos da EEB Maria Lovatel Pires. Os

dados pesquisados também permitiriam identificar o fomento de capitais, tidos como

28

A Escola Básica Maria Lovatel Pires possui, aproximadamente, 229 alunos matriculados sendo que, destes, 188 participam dos projetos da escola (dados de 2009).

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fundamentais, para o desenvolvimento, na medida em que os relatórios revelaram a

importância dada às esferas cívicas, cognitivas e culturais, no dia adia do ambiente

escolar. Como resultado disso, é provável a explicação seja não só a grande

quantidade de projetos sociais, culturais e cognitivos existentes na escola, mas,

também, o reflexo nos bons índices do IDEB.

REFERENCIAS

BIRKNER, Walter Marcos Knaesel. Capital social em Santa Catarina: o caso dos fóruns de desenvolvimento regional. Blumenau: Edifurb, 2006. BOISIER, Sergio. Política económica, organizaçión social y desarrolo regional. ILPES, 1982, Santiago de Chile. ______. El desarrollo territorial a partir de la construcción de capital sinergetico. In: Revista Redes, Santa Cruz do Sul, v. 4 n. 1, p. 61-78, jan./abr. 1999. BUARQUE, Cristovam. Federalizar a educação. Disponível em: <http://www.cristovam.org.br/portal2/index.php>. Acesso em: 15 jun. 2013. CUNHA, Luiz Antonio. Educação e desenvolvimento social no Brasil. 7.ed. Rio de Janeiro. F. Alves, 1980. DALLABRIDA, Valdir Roque. Desenvolvimento Regional: por que algumas regiões se desenvolvem e outras não? 1. ed. – Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2010. GHIRALDELLI JUNIOR, Paulo. História da educação. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001. LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. MORIN, Edgar. A cabeça benfeita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 8.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. ______. Os sete saberes necessários para à educação do futuro. 5.ed. São Paulo: Cortez; Brasília DF: UNESCO, 2002.

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PIOTRY, Kropotkin. O apoio mútuo. Disponível em:<http://www.scribd.com/ doc/19944850/O-Apoio-Mutuo-Piotr-Kropotkin-html>. Acesso em: 04 dez. 2010. ROSTOW, William Wilber. Etapas do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1974. TORQUATO, Gaudêncio. Escola pública na teia do atraso. O Estado de São Paulo, p. A2, abr. 2008.

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VARIÁVEIS DA DESCENTRALIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA EM SANTA

CATARINA-BR29

Walter Marcos KnaeselBirkner30 Marley VaniceDeschamps31

RESUMO: Este artigo trata de duas variáveis estatísticas relacionadas à descentralização político-administrativa do governo do estado de Santa Catarina. O propósito é testar a capacidade de cumprir dois objetivos específicos propostos por essa política governamental. O primeiro deles é o de favorecer as regiões menos dinâmicas demográfica e economicamente. O segundo é o combate ao processo de “litoralização”, neologismo dado ao processo de evasão demográfica de oeste para o leste do estado, notadamente na década de 1990, mas também na seguinte. A conclusão do artigo aponta para uma materialização parcial desses dois objetivos.

Palavras-chave: Descentralização. Litoralização. SDR.

ABSTRACT: This article deals with two statistical variables related to political and administrative decentralization of the government of Santa Catarina. The purpose is to test the ability to meet two specific objectives proposed by this government policy. The first is to encourage the less dynamic regions demographically and economically. The second is to fight the process of "littoralisation" neologism given the demographic process of evasion from west to east in the state, notably in the 1990s, but also in the following. The conclusion of the article points to a partial realization of these two goals.

Keywords: Decentralization. Littoralisation. SDR.

29

Artigo que analisa resultados parciais obtidos de Pesquisa financiada pela FAPESC – Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de Santa Catarina, intitulada Experiências de Descentralização e Reforma da Gestão Pública no Brasil: um estudo comparativo entre os estados de SC, CE, MG, BA, PE e ES.

30Sociólogo, professor da Universidade do Contestado - UnC, pesquisador da FAPESC, do CNPq e do IPEA, e consultor do IPAC/IBAM-SC e do Instituto Véritas de Educação.

31Geógrafa do IPARDES-PR, professora da Universidade do Contestado – UnC e pesquisadora do IPEA.

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RESUMEN: En este artículo se trata de dos variables estadísticas relacionadas con la descentralización política y administrativa del gobierno de Santa Catarina. El propósito es poner a prueba la capacidad de cumplir con dos objetivos específicos propuestos por esta política del gobierno. El primero es animar a las regiones menos dinámicas demográfica y económica. La segunda es la lucha contra el proceso de "litoralización" neologismo dado el proceso demográfico de la evasión de oeste a este en el estado, sobre todo en la década de 1990, sino también en el siguiente. La conclusión de este artículo apunta a una realización parcial de estos dos objetivos.

Palabras clave: La descentralización. La litoralización. SDR.

INTRODUÇÃO

A fim de situar o leitor iniciante, cabe rápida apresentação da

Descentralização político-administrativa em Santa Catarina. Ela surge em 2003, com

a criação de 29 Secretarias de Desenvolvimento Regional - SDR, por iniciativa do

governo que assumia naquele ano. Com o passar dos anos, atingem o número de

atuais 36 SDR, representando uma política governamental, criada com o propósito

geral de descentralizar o processo administrativo e político decisório do estado

catarinense.

O presente artigo parte de uma sequência de análises publicada a partir do

esforço de autores, cujo objeto tem sido o referido processo de descentralização32.

Em artigo anterior, Birkner e Tomio (2011) apresentavam uma avaliação geral do

processo, além do apontamento de três aspectos gerais, sendo: 1) pontos fortes, 2)

pontos fracos e 3) apresentação de dados estatísticos sobre investimentos

governamentais nas SDR no período de 2003 a 2008. A apresentação dos dois

primeiros aspectos foi o resultado de regularidades identificadas entre as respostas

de centenas de entrevistados e inquiridos, envolvidos com a descentralização

32

Nessa direção, considere-se o extraordinário esforço do geógrafo V. R. DALLABRIDA (2011), reunindo mais de vinte artigos sobre o tema, em que a comparação entre os casos catarinense e gaúcho é feita de maneira esclarecedora, especialmente entre as páginas 370 e 396. Ver também BIRKNER (2008), sobre estudo comparativo entre Minas Gerais, Santa Catarina e Ceará.

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75

catarinense (IPAC, 2009)33. O terceiro aspecto se referiu a uma relação entre

investimentos governamentais e densidade demográfica.

No mencionado artigo, a avaliação geral do processo foi considerada positiva

pela maioria dos 432 inquiridos, notadamente pelo caráter inovador e pela

expectativa geral que a descentralização gerou em responder a demandas há muito

expressas pelas comunidades regionais. Em relação aos pontos fortes e fracos, a

descentralização teriamultiplicado o ambiente do diálogo regional, aproximado a

estrutura do governo estadual às regiões, além de ter aumentado a atenção aos

municípios menores. Por outro lado, os principais problemas seriam a falta de maior

autonomia orçamentária e financeira, além da falta de qualificação e capacitação

dos operadores e participantes da descentralização nas SDR e seus conselhos

congêneres. Por último, em relação aos investimentos nas SDR, o artigo demonstra

relação significativa entre aportes financeiros e densidade populacional – ou

eleitoral, se quisermos.

Não obstante, o artigo que apresentamos agora sugere a apreciação de duas

variáveis adicionais. A primeira delas estabelece relação de razoável coerência

entre, de um lado, os investimentos governamentais regionais e, de outro,

evasão/baixo crescimento demográfico. Normalmente esse fator demográfico

encontra-se associado à menor renda per capita e ou IDH_M baixo. Nessa direção,

aparece uma coerência parcial em relação a um dos objetivos da descentralização,

qual seja o de favorecer as regiões com evasão/baixo crescimento e

economicamente menos dinâmicas.

A segunda variável é coadjuvante da primeira. Sugere relação entre maior

investimento per capita e evasão/baixo crescimento. Para tanto, consideramos a

vigência da descentralização no período de 2003 a 2008, e comparamos os

movimentos demográficos das décadas última do século XX e primeira do século

33

A esse respeito, ver IPAC (2009), relatório de pesquisa feita com 432 integrantes das SDR e de seus respectivos Conselhos de Desenvolvimento Regional.

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76

XXI. A importância disso está relacionada ao objetivo de combate à “litoralização”,

isto é, à evasão demográfica de oeste para leste, expresso pela política das SDR.

Antes de seguir, é nosso dever fazer uma advertência geral acerca da nossa

pretensão analítica e interpretativa. Ela tem limites, sendo necessário admiti-los, não

por modéstia, mas para escapar da ingenuidade intelectual que sempre nos

ameaça. Nessa direção, lembremos que o tratamento das duas variáveis que

analisamos aqui contém, por sua vez, outras variáveis, algumas das quais são

momentaneamente desconhecidas ou mesmo incomensuráveis. Isso torna a

interpretação imperfeita, não obstante ela mereça consideração ao menos parcial,

na medida em que apresenta dados empíricos e respeito à lógica.

REGIONALIZAÇÃO DOS INVESTIMENTOS E COERÊNCIA COM OS OBJETIVOS

DA DESCENTRALIZAÇÃO

Consideremos, portanto, o primeiro objetivo da descentralização catarinense,

qual seja, o de favorecer os municípios e regiões com negativo ou baixo

desempenho demográfico, condição normalmente combinada com baixos índices de

desenvolvimento, salvo exceções. No relatório produzido em 2009 (IPAC, 2009), um

dos pontos fortes da descentralização teria sido o favorecimento aos municípios

menores, a maioria dos quais caracterizados pela evasão e ou baixo crescimento.

Não obstante, duas considerações são importantes no sentido de justificar a

importância de testar este primeiro objetivo da descentralização catarinense.

Primeiramente, considere-se a “institucionalidade pactuada na Constituição Federal

de 1988, (em que) todos os municípios brasileiros tornaram-se entes federativos

dotados de autonomia política, financeira, administrativa e normativa,

independentemente da população ou qualquer outra característica da

municipalidade” (BIRKNER; TOMIO, 2011, p. 16). Em segundo lugar, trata-se de

lembrar que, “apesar dessa generalizada autonomia, pequenos municípios, devido à

incapacidade de recolher recursos fiscais suficientes e organizar uma governança

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capacitada, são muitas vezes incapazes de exercer plenamente essa autonomia”

(BIRKNER; TOMIO, 2011, p. 16). Em outras palavras, suas condições de auto-

sustentabilidade e desenvolvimento são em geral insuficientes. No estado de Santa

Catarina, lembremos, 232 dos seus 293 municípios têm menos de 20 mil habitantes,

o que representa 79% deles (IBGE, 2010).

ANÁLISE

Pois bem, é na perspectiva do atendimento a municípios com evasão ou

baixo crescimento demográfico, além de baixos índices de desenvolvimento, que

apresentamos os dois quadros seguintes, a fim de testar a consecução do objetivo

governamental de favorecê-los. O número de 12 para compor o ranking é uma

escolha arbitrária, não obstante coincidindo com um terço do número total de

Secretarias. Nesse sentido, deve o critério ser entendido como o resultado de uma

divisão em três grupos de situação demográfica, considerando (1) um grupo extremo

na condição de evasão ou baixo crescimento, além de (2) um grupo intermediário, e

(3) o terceiro grupo, em situação inversa ao primeiro.

Tabela 1 – A ordem da relação das SDR é apresentada a partir do critério de investimento per capita das doze que mais receberam

SDR INVESTIMENTO TOTAL

PIB PER CAPITA ANO 2003

POSIÇÃO PIB 2003

INVESTIMENTO PER CAPITA [Arredondado]

01-Caçador 508,2 10.447,93 14 4.863,00

02-Maravilha 321,0 10.137,62 16 4.230,00

03-Campos Novos 171,8 10.730,13 13 3.124,00

04-Brusque 578,7 11.295,86 10 2.914,00

05-São Lourenço 161,4 11.986,83 08 2.728,00

06-Seara 132,7 2.718,00

07-Quilombo 59,4 2.647,00

08-Chapecó 565,9 14.118,52 06 2.623,00

09-Curitibanos 172,0 9.309,53 18 2.606,00

10-Ituporanga 169,2 8.589,37 23 2.540,50

11-Itajaí 1.080,0 7.887,36 27 2.515,50

12-Canoinhas 287,5 8.792,03 21 2.274,50

Fonte: Diretoria de Estatística e Cartografia/SPG

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Tabela 2 – Ranking das doze SDR com os piores desempenhos demográficos e relação com investimento público per capita

SDR Posição em rel. à evasão e baixo

crescimento

Posição investimento per

capita Região do estado

São Lourenço do O 1 5 Oeste

Quilombo 2 7 Oeste

Palmitos 3 20 Oeste

São Miguel do O 4 14 Oeste

Dionísio Cerqueira 5 36 Oeste

Ituporanga 6 10 Centro leste

Maravilha 7 3 Oeste

Itapiranga 8 31 Oeste

Concórdia 9 22 Oeste

Canoinhas 10 12 Norte

Campos Novos 15/3 2 Oeste

Seara 16/3 6 Oeste

COEFICIENTE 13,5

Análise da Tabela 1

Considerando o ranking das doze SDR com maior investimento público per

capita, pode-se observar que sete delas aparecem na tabela 2. São elas as SDR de

Campos Novos, Maravilha, São Lourenço D’oeste, Seara, Quilombo, Ituporanga e

Canoinhas. Nessa direção, é possível identificar a relação entre evasão/baixo

crescimento com investimento governamental per capita maior. Em termos

percentuais, se poderia supor que foi de 60% a proporção do cumprimento dos

objetivos da descentralização. Poderia ser uma mera coincidência, resultante de

inúmeras variáveis, mas o fato é que sete entre as doze mais necessitadas

receberam recursos per capita maiores.

Não obstante, e na esteira da curiosidade, tentamos auferir algum nexo das

condições das outras cinco SDR. Lembremo-nos: são elas, Caçador, Brusque,

Chapecó, Curitibanos e Itajaí, cujas microrregiões não figuram no grupo demográfico

mais problemático. Portanto, essas cinco “privilegiadas” merecem observação mais

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atenta. Nosso propósito, lembremos, é o de testar a capacidade de materialização

dos objetivos da descentralização.

Assim, vejamos caso a caso, iniciando com a SDR de Caçador, observando

que, com exceção do município homônimo-sede, que eleva o índice demográfico da

região, os outros municípios componentes dessa microrregião apresentam

crescimento populacional baixo ou negativo, normalmente combinado com baixo

IDH_M (IBGE, 2010). Inclusive, esta SDR compreende dois dos municípios com os

piores IDH_M do estado, sendo eles Calmon e Matos Costa (Ib.) Não obstante, na

década seguinte, a microrregião mostrou variação do crescimento populacional

negativa. Por extensão, cabe lembrar que esta SDR está inserida na região histórica

do Contestado. Se esse conjunto de considerações for aceitável, a preferência no

investimento per capita parece justificável. Teríamos então 66% na proporção do

cumprimento dos objetivos, ou seja, dois terços dos casos.

A segunda SDR é Brusque. Esta região não apresenta, de longe, os

problemas do grupo identificado na tabela 2 – ao contrário, estaria no outro extremo.

Mas sua SDR aparece entre as que mais receberam recursos. Não há uma

explicação aparente. Nesse caso, é necessário reconhecer os limites da análise,

tornando a interpretação geral imperfeita. Dentro desses limites, só seria possível

especular, recorrendo a suposições como a força política, a densidade demográfica

e eleitoral, a injeção de recursos em uma grande obra pública aguardada há tempos

e que tenha tido grande impacto quantitativo no montante de investimentos, nesse

período de seis anos. Ou ainda, que o montante de investimentos tivesse sido

composto por recursos emergenciais em resposta a alguma catástrofe, como foi o

caso das microrregiões de Brusque, Blumenau e Itajaí, justamente no último ano do

período analisado. São suposições sujeitas à comprovação, mas cujas informações

não estão, por hora, disponíveis. Neste caso, aparentemente não se reforça a

regularidade que buscamos.

No caso de Curitibanos, uma verificação mais apurada também é necessária.

Sua SDR é a nona colocada em investimento per capita. E, embora não apareça

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entre as doze com maior evasão ou baixo crescimento na década de 90, o município

homônimo, tomado isoladamente, apresentou decréscimo populacional de 14,62%

nessa mesma década (SANTA CATARINA, 2008). Além disso, os municípios que a

compõe têm baixos índices de desenvolvimento, assim como a microrregião de

Caçador, que é limítrofe. Não obstante, trata-se de uma microrregião do oeste, de

perfil extrativista e madeireiro, portanto, estagnada economicamente e pertencente à

região histórica do Contestado, o que é também o caso de Caçador. Por extensão,

vale dizer que, no seu conjunto, a região do Contestado é reconhecida como a

menos dinâmica do estado e merecedora de atenção especial. Nesse caso, a

preferência no investimento per capita seria novamente justificável e estaríamos

diante de uma proporcionalidade de 75% de justificação aos maiores investimentos

per capita, em consonânciacom os objetivos da descentralização.

O caso da SDR de Chapecó também suscita questionamento. Independente

de a região ter um PIB per Capita alto e crescimento populacional nas duas últimas

décadas é preciso considerar que Chapecó é o maior centro urbano de toda região

oeste catarinense. Isoladamente é um dos municípios que mais cresce no Estado.

Por conta disso, seu capital político pode ter peso proporcional na distribuição dos

recursos estaduais. Além disso, pode haver quesitos estratégicos relacionados ao

desenvolvimento e em benefício do ente federativo como um todo, respaldando

decisões estratégicas fora dos objetivos da descentralização sem, contudo,

comprometê-los. Aliás, essa é também uma variável a ser levada em conta e de

difícil mensuração, tratando-se, se quisermos, de “razões de Estado”.

Não obstante, as mesmas razões de Estado estão sempre e claramente

presentes quando um investimento privado é anunciado e algum benefício

governamental é solicitado como contrapartida. A doação de um terreno, a

construção de um acesso, uma pavimentação ou isenção fiscal são variáveis que

fogem à lógica restrita de uma política de descentralização, quando a decisão final

da localização de um investimento privado cabe diretamente aos investidores,

preferindo ou preterindo uma região ou cidade. O fato é que isso impactará a

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proporcionalidade da distribuição dos investimentos governamentais, causando

desigualdades que, contudo, não são sinônimos de prejuízo ou desequilíbrio de

forças políticas.

De toda maneira, muitos dos municípios de abrangência da SDR de Chapecó,

todos pequenos, apresentam decréscimo populacional, fato ofuscado pelo vigoroso

crescimento da cidade sede (IBGE, 2010). Novamente, dentro dos limites analíticos,

somos levados a reconhecer que a insuficiência leva a uma interpretação imperfeita,

e a definição sobre a justificação para o maior investimento per capita torna-se,

nestas condições, subjetiva. Na dúvida metódica, excluamos a SDR de Chapecó do

grupo mais problemático, embora reconhecendo os limites tênues que pudessem

justificar a sua inclusão no mesmo grupo, principalmente pelas condições de seus

municípios vizinhos. Se não o fizéssemos, estaríamos com uma proporcionalidade

de 85%.

Restaria o caso da SDR de Itajaí. Sua região também não faz parte do grupo

“problemático” de evasão ou baixo crescimento. Ao contrário, é provavelmente a

região com o maior crescimento demográfico do estado catarinense nos últimos

anos. Some-se a isso que, tomada isoladamente, Itajaí reflete o crescimento

econômico mais vigoroso do estado, principalmente pela sua privilegiada condição

geográfica e portuária. Mais uma vez, estamos diante da interpretação imperfeita,

diante de desconhecidas “razões de Estado”.

De toda maneira, e com toda a vulnerabilidade que lhe for imputável, nossa

análise permite sugerir uma proporcionalidade de pelo menos 75% nocumprimento

do objetivo de favorecer as SDR das regiões demograficamente e ou

economicamente menos dinâmicas. Assim, das doze SDR pertencentes a esse

grupo de regiões, nove delas teriam a sua preferência justificada, em consonância

com os objetivos da descentralização. Se esse resultado for apenas uma

coincidência, fruto da combinação anárquica de fatores aleatórios, terá sido ao

menos uma boa coincidência. Se, por outro lado, o resultado tiver sido

intencionalmente obtido, os operadores da descentralização terão demonstrado

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razoável eficiência, enquanto o governo, na condição do agente estatal ante

múltiplos interesses da sociedade, terá demonstrado seu papel estratégico e sua

necessária, embora relativa, soberania de propósitos.

Análise da Tabela 2

Em relação à segunda tabela, o quadro analítico permite visualizar a mesma

proporcionalidade inicial encontrada na tabela 1. Assim, das doze SDR com os

maiores índices de evasão ou baixo crescimento demográfico, sete delas aparecem

no grupo de melhor investimento per capita. Resta tentar entender por que as outras

cinco SDR não estão nesse grupo. Tratemos logo dos três primeiros casos. Sãoas

SDR de Dionísio Cerqueira, São Miguel do Oeste e Palmitos. O caso mais extremo e

paradoxal é o da SDR de Dionísio Cerqueira, quinta microrregião com maior índice

de evasão e última em investimento governamental per capita. Não há razão

aparente para essa condição, como também nos escapa alguma hipótese mais

crível. Não é muito diferente o caso da SDR de Palmitos. A região aparece com o

terceiro maior índice de evasão demográfica na década de noventa e é a vigésima

em recebimento de investimento per capita. Também não há explicação ou hipótese

aparente. Por extensão, aparece o caso menos extremo de São Miguel do Oeste,

que apresenta problemas de evasão e tem o 14º índice de investimento

governamental per capita. Não há, portanto, razões aparentes para esta incoerência

em relação aos propósitos da descentralização. Poderíamos apenas lançar

hipóteses frágeis como conflitos e disputas políticas que produzissem

distanciamento entre essas SDR e o governo estadual. Seria, de toda maneira, uma

infeliz coincidência, visto que as três microrregiões formam uma extensão territorial

em que a primeira é vizinha da segunda e esta da terceira, chegando até a fronteira

com a Argentina, onde Dionísio Cerqueira tem um posto alfandegário, fato que

também não parece analiticamente relevante. Do ponto de vista estatístico,

estaríamos inicialmente diante da mesma proporcionalidade no atendimento às

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microrregiões menos dinâmicas, ou seja, 60% das regiões demograficamente menos

dinâmicas tiveram maior investimento per capita.

Restariam ainda dois casos a serem interpretados. São os casos de

Concórdia e Itapiranga, que figuram entre as microrregiões de baixo crescimento

demográfico na década de noventa e não estão entre as primeiras doze em

investimento per capita. Aqui aparece novamente o encontro entre baixo

crescimento demográfico com alto PIB per capita e alto IDH_M. Como não temos

informações sobre a média do IDH_M regional, consideremos os municípios sede.

No caso de Concórdia, seu IDH é alto (0,840) e seu PIB per capita é simplesmente o

primeiro do estado. O caso de Itapiranga vai na mesma direção. Seu IDH é alto

(0,832) e, embora não conste o PIB per capita, é preciso dizer que a sua

microrregião compõe o menor índice de analfabetismo no Brasil (INEP, 2010). A

falta de mais dados não deve nos impedir de reconhecer que não se trata, nem

longinquamente, de uma microrregião pobre, seja pela quase inexistência de

analfabetismo, pelo baixo índice de desemprego (IBGE, 2010), seja por outras

razões que ficam evidentes em visita in loco. Nos dois casos, de todo modo, houve

retomada do crescimento demográfico na década seguinte, como em quase todas

as regiões catarinenses. Nessa direção, se a tabela 2 fosse reorganizada para

mostrar o ranking de PIB per capita e IDH_M, seguramente Concórdia ficaria em

primeiro lugar e provavelmente Itapiranga ficaria em segundo. Até mesmo numa lista

geral, as duas estariam muito bem colocadas. Portanto, essa composição PIB per

capita e IDH altos poderia muito bem justificar a ausência dessas duas SDR entre as

doze primeiras da tabela 1, que se refere a investimento per capita.

Enfim, analisadas as tabelas 1 e 2, podemos afirmar que na maioria dos

casos percebe-se uma combinação de evasão ou baixo crescimento, somados a

índices de desenvolvimento baixo, com maior proporcionalidade de investimento

governamental per capita. Assim, os objetivos específicos de priorizar municípios

que combinam problemas demográficos com baixos índices de desenvolvimento, e

combater a “litoralização”, estariam razoavelmente contemplados. Desse modo,

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nossa análise da tabela 1sugere uma proporcionalidade de 75% no atendimento do

primeiro objetivo. Para chegar a esse percentual, lembremos, inserimos

arbitrariamente as SDR de Caçador e Curitibanos, limítrofes entre si, na condição

das mais necessitadas. É um critério naturalmente questionável, contudo coerente.

Primeiramente, porque essas microrregiões, sendo do oeste do estado,

apresentaram perda no crescimento e na variação populacional na segunda década

analisada. Em segundo, fazem parte da problemática região histórica do

Contestado. Para melhor ideia, pelos baixos índices de desenvolvimento, o

Contestado é a única região catarinense contemplada no Programa Territórios da

Cidadania, do governo federal.

O fato é que, no geral, a maioria das regiões mais necessitadas segundo o

critério de evasão/baixo crescimento/PIB per capita/IDH_M baixos foi priorizada em

termos de investimento per capita. Não se pode dizer que regiões ricas ou fortes

politicamente como Florianópolis, Joinvile, Jaraguá do Sul, Videira, Joaçaba, Timbó,

Criciúma e Tubarão tenham sido privilegiadas, porque os números não mostram

isso. Se for mero resultado do acaso, não terá qualquer valor interpretativo para o

processo de descentralização. Mas se isso for o resultado de decisão governamental

no sentido do cumprimento dos desígnios do processo, então terá boa utilidade na

análise dessa política governamental.

Análise das tabelas 3 e 4, complementar à tabela 1:

Testemos agora o segundo objetivo, cuja análise nos sugere a segunda

variável interpretativa. Lembremos que o segundo objetivo aqui considerado é o de

combate ao fenômeno da “litoralização”. Comparamos aqui as tabelas 3 e 4.

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Tabela 3 – Representativa da Variação Populacional das SDR’s Litorâneas

SDR Litorâneas Censo

1991 Total

Censo 2000 Total

Variação 2000/1991(%)

Contagem 2007

Estimativa 2008

Variação 2008/2000

(%)

SDR-Araranguá 138.569 160.349 15,7 168.498 174.574 8,9

SDR-Criciúma 298.470 344.778 15,5 371.972 381.154 10,6

SDR-Tubarão 133.024 152.208 14,4 160.527 165.882 9,0

SDR-Braço do Norte 43.478 55.680 28,1 61.032 63.483 14,0

SDR-Laguna 106.683 115.760 8,5 121.314 125.478 8,4

SDR-Grande Florianópolis 546185 724.272 32,6 830.011 848.305 17,1

SDR-Brusque 125.650 153.149 21,9 189.080 198.602 29,7

SDR-Blumenau 266.410 330.349 24,0 370.661 377.213 14,2

SDR-Itajaí 270.203 394.137 45,9 478.277 501.958 27,4

SDR-Jaraguá do Sul 122.772 167.503 36,4 199.216 208.754 24,6

SDR-Joinville 418751 530.503 26,7 599.148 609.694 14,9

Fonte: Secretaria de estatística e cartografia as SPG/SC

Tabela 4 – Representativa da Variação Populacional das SDR’s – Interior

SDR's - Interior do Estado Censo

1991 Total

Censo 2000 Total

Variação 2000/1991

(%)

Contagem 2007

Estimativa 2008

Variação 2008/2000

(%)

SDR-São Lourenço d'Oeste 56.522 45.084 -20,2 45.052 46.442 3,0

SDR-Quilombo 26.596 22.744 -14,5 21.875 22.444 -1,3

SDR-Palmitos 71.062 63.479 -10,7 65.372 67.586 6,5

SDR-São Miguel d'Oeste 71.704 65.170 -9,1 65.083 67.074 2,9

SDR-Dionísio Cerqueira 54.625 50.576 -7,4 50.346 51.854 2,5

SDR-Ituporanga 64.251 61.483 -4,3 62.931 65.020 5,8

SDR-Maravilha 68796 69.484 1,0 73.228 75.881 9,2

SDR-Itapiranga 34.619 35.029 1,2 36.436 37.707 7,6

SDR-Concórdia 86.597 89.939 3,9 92.559 95.686 6,4

SDR-Canoinhas 117.983 122.794 4,1 126.403 130.656 6,4

SDR-São Joaquim 47.681 50.075 5,0 51.903 53.697 7,2

SDR-Ibirama 60.741 64.014 5,4 69.351 72.057 12,6

SDR-Lages 223.082 237.201 6,3 239.443 247.041 4,1

SDR-Xanxerê 123.218 133.483 8,3 137.583 142.254 6,6

SDR-Seara 44.011 47.953 9,0 47.410 48.820 1,8

SDR-Campos Novos 49513 54.071 9,2 53.597 55.070 1,8

SDR-Rio do Sul 76.313 84.491 10,7 92.463 96.163 13,8

SDR-Joaçaba 105031 116.411 10,8 113.489 116.771 0,3

SDR-Mafra 186.976 208.976 11,8 222.111 230.351 10,2

SDR-Curitibanos 54845 61.559 12,2 63.809 66.012 7,2

SDR-Videira 83.623 95.973 14,8 100.936 104.572 9,0

SDR-Taió 44.850 53.738 19,8 55.605 57.514 7,0

SDR-Timbó 89.521 107.958 20,6 121.366 126.523 17,2

SDR-Caçador 79.196 96.205 21,5 100.914 104.523 8,6

SDR-Chapecó 150443 189.782 26,1 207.486 215.772 13,7

Fonte: Secretaria de estatística e cartografia as SPG/SC

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Análise

A comparação entre as tabelas acima mostra, respectivamente, as

movimentações demográficas das regiões litorâneas e do interior nas décadas de

noventa e seguinte. A percepção mais imediata nessa comparação nos revela

primeiramente que houve um significativo movimento de “litoralização” na década de

noventa. É notável o enfraquecimento demográfico do interior, notadamente das

regiões mais a oeste do estado, enquanto as regiões litorâneas cresceram

significativamente. Na sequência, é possível perceber que esse processo foi

significativamente reduzido na década seguinte. Repare-se que na tabela 3, das

onze SDR litorâneas, somente uma demonstrou crescimento na variação

populacional da década de noventa para a seguinte. Já na tabela 4, relativa às SDR

do interior do estado, o que se percebe é que das 25 microrregiões, mais da metade

registrou crescimento na variação populacional em relação à década anterior. Nessa

perspectiva, é possível observar que a “litoralização” desenfreada da década de

noventa se conteve na década seguinte, ou foi contida.

A segunda variável, portanto, sugere uma relação hipotética entre a vigência

da política de descentralização e o estancamento do processo de “litoralização”. Os

agentes governamentais perceberam essa relação e, a partir do ano de 2009, o

governo tratou de demonstrá-la como resultado das ações coordenadas do processo

de descentralização. Isto é, associou o estancamento da “litoralização” diretamente

à política de descentralização do governo. Através das reuniões dos Conselhos de

Desenvolvimento Regional – CDR, vinculados a cada SDR, o governo tratou de

demonstrar a sociedade os investimentos anualmente realizados e vinculá-los ao

crescimento econômico regionalmente mais equilibrado. Às regiões com evasão ou

baixo crescimento na década de noventa, tratou de vincular os investimentos como

fator causal do processo de estancamento da “litoralização”.

Todavia, conquanto o governo tenha sido enfático e categórico em apresentar

essa relação como prova de eficiência do processo de descentralização, trata-se de

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uma hipótese muito difícil de ser comprovada, dado o grau de complexidade que

uma demonstração mais ampla e rigorosa requereria. Mais crível é que

provavelmente a política de descentralização tem apenas uma parcela de

responsabilidade sobre isso e talvez menor do que um conjunto de outras variáveis.

A principal variável, igualmente de dificílima mensuração, pode simplesmente ter

sido o crescimento econômico brasileiro no período, associado a políticas públicas

que aumentaram durante esse mesmo período, inclusive com a significativa política

de transferência de rendas da União. Estudos econômicos sobre os impactos

regionais dessa variável também não parecem à disposição. Nesse sentido, é de

difícil comprovação mais criteriosa essa relação sugerida de maneira publicitária

pelo governo, para atestar sua eficiência.

Seja como for, independente das dificuldades de mensurar o impacto que a

descentralização teve no combate à “litoralização”, é possível perceber que, por

coincidência ou intenção, os investimentos per capita favoreceram as regiões nas

quais o efeito da evasão ou baixo crescimento esteve presente. Nesse sentido, vale

uma observação adicional sobre a tabela 1. Das doze SDR com maior investimento

governamental per capita, oito estão no oeste catarinense; uma está no planalto

norte catarinense e faz divisa com o oeste, fazendo parte inclusive da região

histórica do Contestado; e a décima fica localizada no centro do mapa catarinense.

Essas dez microrregiões têm dois aspectos correspondentes entre si, além de oito

serem da região oeste, onde o efeito da “litoralização” foi mais drástico. O primeiro é

que todas têm base econômica significativamente apoiada na agricultura ou no

extrativismo, em menor proporção. O segundo aspecto que une as dez é que todas

apresentam problemas de variação demográfica ora negativos ora de baixo

crescimento na década de noventa, quando não decresceram. A exceção é a SDR

de Chapecó, pelo vigor da cidade sede, mas em detrimento de cidades do entorno.

Portanto, reafirma-se a regularidade no sentido de priorizar investimentos em

microrregiões que sofreram com o processo de “litoralização”. Se considerarmos

simplesmente que oito SDR são do Oeste, uma é de região limítrofe e faz parte do

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Contestado (caso da SDR de Canoinhas) e que a SDR de Ituporanga teve

significativa evasão na década de noventa, poderíamos admitir que houve uma

proporcionalidade de investimentos relacionados diretamente ao combate à

“litoralização” da ordem de 85%.

CONCLUSÃO

A quantidade de variáveis explicativas para uma distribuição do investimento

público torna difícil a sua verificação. Seria desejável utilizar um IDH regional, como

melhor critério de análise, o que também vale para a relação PIB per capita, dados

não diretamente disponíveis. Há de se considerar ainda que certos investimentos

públicos podem tornar desproporcional o investimento per capita realizado num

período curto como o que se tem à disposição para a nossa análise. Para melhor

compreensão, é necessário admitir que entre os critérios de distribuição dos

recursos públicos se inserem variáveis como o jogo de forças políticas, fatores

emergenciais, a densidade eleitoral de cada região, uma representação parlamentar

que pode unir ou dividir certas microrregiões em desacordo com a divisão

geopolítica das SDR, entre outros fatores.

Não obstante, ao verificar as tabelas contidas neste artigo, podemos inferir

uma relação parcial e potencial entre investimento público per capita e evasão

demográfica ou baixo crescimento populacional, frequentemente somados a IDH_M

e renda per capita menor. A constatação deste problema real na década de noventa

no estado de Santa Catarina fez surgir o neologismo “litoralização”. O que, não

obstante, constatamos foi o recuo do problema na década subsequente, tendo sido

exatamente essa correlação que o governo estadual associou ao processo de

descentralização, sugerindo uma relação direta e intencional a fim de justificar sua

política.

Críticos ao processo de descentralização em Santa Catarina não tem faltado.

E a maior parte das críticas não é desprovida de sentido. O que varia é a disposição

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dos analistas em compreender o sentido histórico e inovador desse processo,

faltando por vezes a compreensão sobre o tempo de amadurecimento de um

processo que esbarra em resistências conservadoras. Alguns são os que

desacreditam o processo pela “falta de participação social”, o que é polêmico e

discutível, na medida em que a ampla participação social não garante eficiência. Na

mesma direção, há os que denunciam o caráter demagógico-eleitoreiro, além do

aspecto meramente fisiológico da descentralização catarinense. Essas críticas, entre

outras que existem, merecem atenção e logo serão motivo de novas análises. Na

mesma importância estão as críticas quanto à incapacidade de a descentralização

atacar as desigualdades regionais. Nesse aspecto em particular, sobre o qual nos

deteremos em futuro breve, cremos que a análise aqui feita sugere um contraponto.

E o faz na medida em que pudemos verificar, e demonstrar estatisticamente, alguma

coerência entre o objetivo geral de atacar os desequilíbrios inter-regionais através de

investimentos públicos per capita mais altos em regiões menos dinâmicas. O desafio

é tornar a análise mais complexa, munidos de dados, para verificar se estamos

tratando de uma relação evidente, ou o acaso gerou apenas uma correlação

formidável.

REFERÊNCIAS

BIRKNER, Walter M. K.; TOMIO, Fabrício R. de L. Três aspectos da política de descentralização em Santa Catarina. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional. Taubaté, SP, v. 7, n. 3, p.3-26, set./dez. 2011. ______; ______ ; BAZZANELLA, Sandro Luiz. A descentralização em Santa Catarina. Revista de Administração Municipal. a. 57, n. 275, out./dez. 2010. BIRKNER, Walter M. K. Desenvolvimento regional e descentralização político-administrativa: um estudo comparativo de Minas Gerais, Ceará e Santa Catarina. Revista de Sociologia Política, Curitiba, v. 16, n. 30, 2008. DALLABRIDA. Valdir Roque (Org.) Governança territorial e desenvolvimento: descentralização político administrativa.... Rio: Garamond, 2011.

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90

______. Gestão territorial e desenvolvimento: descentralização, estruturas subnacionais de gestão do desenvolvimento, capacidades estatais e escalar espaciais da ação política. In: ______. Governança territorial e desenvolvimento: descentralização político administrativa.... Rio: Garamond, 2011. FILLIPPIM, E.; HACK, K. M.; ROSSETTO, A. M. Participação cívica no processo de descentralização do desenvolvimento regional: a atuação dos CDR em SC. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo demográfico, 2010. Brasília, IBGE, 2010. INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISA EDUCACIONAL ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). Censo escolar. Brasília: INEP, 2010. INSTITUTO DE PESQUISA, ASSESSORIA E CONSULTORIA DE BLUMENAU (IPAC). Avaliação do desempenho institucional das SDR. Canoinhas, Universidade do Contestado, 2009. ROVER, Oscar J.; MUSSOI, Eros Marion. A reinvenção da relação estado–sociedade através da gestão pública descentralizada: uma análise da descentralização política em Santa Catarina, Brasil. In: DALLABRIDA. Valdir Roque (Org.) Governança territorial e desenvolvimento: descentralização político administrativa.... Rio: Garamond, 2011. SANTA CATARINA. Governo do Estado. Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de SC. Diretoria de Estatística e Cartografia/SPG, Florianópolis, 2008. SIEBERT, Claudia. Desenvolvimento regional em Santa Catarina: reflexões, tendências e perspectivas. Blumenau, Furb, 2001.

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O DIREITO À ACESSIBILIDADE: UM DIREITO POSTULADO NA CARTA MAGNA

BRASILEIRA

Terezinha de Fátima Juraczky Scziminski34 Sandro Luiz Bazzanella35

RESUMO: Este artigo propõe refletir a questão do excesso de regulação do Estado e a não efetivação dessa regulação em relação aos direitos humanos, mais especificamente, sobre a acessibilidade das pessoas que possuem algum tipo de limitação. Neste debate é preciso reconhecer que acessibilidade não significa apenas permitir que pessoas com deficiências ou mobilidade reduzida participem de atividades que incluem o uso de produtos, serviços e informação, mas a inclusão e extensão do uso destes por todas as minorias presentes em uma determinada população visando sua adaptação e locomoção eliminando as barreiras que impedem a realização de sua cidadania e dando a condição de acesso a qualidade de vida.

Palavras-Chave: Acessibilidade. Direitos Humanos. Inaplicabilidade.

ABSTRACT: This article proposes to reflect the issue of excessive state regulation and not that effective regulation in relation to human rights, more specifically, on the accessibility of people who have some sort of limitation. In this debate it is necessary to recognize that accessibility means not only allow people with disabilities or reduced mobility to participate in activities that include the use of products, services and information, but the inclusion and extent of their use by all minorities in a given population aimed at adapting and locomotion eliminating the barriers that impede the realization of their citizenship and giving access condition the quality of life.

Keywords: Accessibility. Human Rights. Not applicable.

34

Pedagoga, Bacharel em Direito e Acadêmica do curso de Ciência da Religião – Universidade do Contestado – UnC, Canoinhas E-mail: [email protected] fone: 47 99352923

35Filósofo. Coordenador do Curso de Ciências Sociais e docente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado. Email: [email protected]

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92

INTRODUÇÃO

Desde a Antiguidade clássica, filósofos e juristas têm se dedicado a uma

reflexão profunda sobre Direitos Humanos. Aristóteles na Grécia Antrina por volta de

375 a.C enfatizava que os princípios de equidade são permanentes e imutáveis, em

relação a espécie humana.

Portanto, desde os primórdios já se observava manifestações de

desqualificação da vida que se manifesta num ciclo perverso, desdobrando-se em

relações sociais, jurídicas e políticas marcadas pela fragilidade quando trata dos

sujeitos de direitos, em âmbito individual e coletivo. Portanto, há um longo tempo

que se registra a sutil consciência de nossa civilização de que os princípios que

regem a humanidade transcendem fronteiras e limitações tanto espaciais como

temporais, de modo que puderam também ser interpretadas pelos juristas e filósofos

dos séculos XVII e XVIII como a expressão de direitos naturais universais, condição

à própria natureza humana.

Os direitos naturais e universais, são protegidos no artigo 3º da Constituição

Federativa do Brasil de 1988, quando elege como objetivos fundamentais a

erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e

regionais, e a supressão de todas as formas de desigualdade. Neste contexto,

intrinsecamente estão incluídos os direitos das minorias, como as pessoas com

necessidades especiais, sejam elas deficientes, idosos, gestantes ou crianças.

O reconhecimento de direitos humanos, bem como a positivação dos direitos

fundamentais foi possível através do desenvolvimento de uma consciência histórica.

Ou seja, os direitos não surgiram todos de uma vez, mas foram sendo descobertos,

declarados e afirmados em determinados contexto sociais, políticos, culturais e

econômicos favoráveis a tal avanço. E issoconforme as próprias transformações da

dinâmica civilizatória no transcurso do tempo histórico.

O jurista Antônio Carlos Wolkmer (2003, p. 25) argumenta que o modelo

clássico jurídico, liberal e individualista que se apresenta em nossos dias tem sido

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93

pouco eficaz para recepcionar e instrumentalizar as demandas sociais, portadoras

de “novos” direitos referentes a dimensões individuais e coletivas.

Os chamados novos direitos objetivam assegurar a todos garantias antes não

reconhecidas, dentro da indispensável convivência social, necessárias à

sobrevivência da sociedade organizada. Como os direitos referentes à dimensão

individual que são os direitos fundamentais da pessoa humana, aqueles direitos que

reconhecem autonomia aos particulares, garantindo a iniciativa e independência aos

indivíduos diante dos demais membros da sociedade. E na dimensão dos direitos

coletivos podemos citar o Direito do Consumidor que diz respeito à coletividade

atinge um campo específico e com princípios próprios decorreu de promulgação de

mandamento constitucional.

Como bem argumenta o autor acima, o modelo que aí se encontra tem sido

pouco eficaz, se instrumentaliza através de legislação, mas não se efetiva na

prática. Ou seja, não se respeita o cumprimento da lei pela grande maioria da

população, nem mesmo pelo poder público, que no cuidado com a cidade, ou na

execução de obras públicas desconsidera não raras vezes os grupos minoritários

com deficiências, idosos e demais pessoas, com algum tipo de limitação, seja

permanente ou temporário e que necessitam de acessibilidade. Com o passar dos

tempos foi se construindo, positivando, judicializando uma infinidade de leis e

legislações, cuja pretensão é proteger esses grupos vulneráveis que enfrentam

limitações de acessibilidade e por conseqüência todo tipo de desigualdades.

Se observarmos com atenção, constaremos que é regulado especificamente

nas legislações o acesso igualitário a serviços de saúde, emprego, educação, e/ou

participação política. Devido à sua condição de deficiência, existem legislações

específicas, regulatórias dos direitos, protegendo os cidadãos que estão sujeitos a

violações da sua dignidade e que de certa forma não se apresenta cotidianamente

na realidade.

Diante deste quadro, o atual movimento de inclusão das minorias, no que

concerne à acessibilidade, implica em uma visão ampla, isto é, cultural, política,

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econômica e social, a qual procura demonstrar de forma inequívoca, que sem a

inclusão das minorias e de grupos vulneráveis não há que se falar em continuidade

de uma ordem constitucional justa, muito menos em dignidade da pessoa humana,

fundamento da Constituição da República Federativa do Brasil.

LEGISLAÇÃO: ACESSIBILIDADE

Sob tais pressupostos e perspectivas, para garantir os direitos de

acessibilidade foram criadas leis, decretos, portarias e, ainda, as Convenções

Nacionais e Internacionais. Toda esta legislação tem por objetivo garantir a

igualdade e a justiça, regulando as atividades da vida cotidiana no sentido de facilitar

e permitir que portadores das diversas deficiências sintam-se incluídos neste modelo

de sociedade em que estamos circunscritos na contemporaneidade.

Após a entrada em vigor da Convenção sobre Direitos das Pessoas com

Deficiência das Nações Unidas (CDPD) (2009), a deficiência é cada vez mais

considerada uma questão de direitos humanos, e o reconhecimento cada vez mais

evidente de que pessoas com deficiência experimentam piores resultados

socioeconômicos e pobreza do que as pessoas não deficientes36.

A afirmação de direitos aos portadores de algum tipo de deficiência física é

um processo em contínuo movimento, pois à medida que a humanidade avança,

outros direitos devem ser garantidos e outras tantas violações desses direitos

precisam ser coibidas. Nesse contexto, ressalta Bobbio (1992, p. 05)

Do ponto de vista teórico, sempre defendi - e continuo a defender fortalecido por novos argumentos - que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos emcertas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.

36

Relatório Mundial sobre as deficiências.

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Ao longo do tempo, como argumenta Bobbio, a sociedade começou a

perceber a necessidade de proteção de alguns direitos inerentes aos seres

humanos, compreendendo que sem a proteção destes direitos, jamais haveria uma

sociedade, justa, que pudesse perdurar ao longo dos anos. A partir daí procurou-se

judicializar os direitos à acessibilidade, garantindo no “papel” em lei, a mais ampla e

irrestrita imposição de direitos.

Nesse raciocínio, pode-se citar o Decreto 5296/2004 que regulamenta as Leis

10.048, de 8 de novembro de 2000, e dá prioridade ao atendimento às pessoas

especificadas na Lei nº 10.098 , de 19 de dezembro de 2000, quegarante

aacessibilidade,descrevendo e relacionando as condição para utilização, com

segurança e autonomia, total ou assistida, dos espaços, mobiliários e equipamentos

urbanos, das edificações, dos serviços de transporte e dos dispositivos, sistemas e

meios de comunicação e informação, por pessoa portadora de deficiência ou com

mobilidade reduzida.

O que se vê na atualidade, são rampas construídas precariamente nos locais

públicos atendendo a obrigatoriedade física que uma legislação propõe, sem o

devido reconhecimento da sociedade, ou a sensibilidade de um olhar solidário para

as pessoas com necessidades especiais. Mas, também se veem ações propositivas

nesta direção, a construções de novos prédios com a acessibilidade, os meios de

transporte públicos, especialistas na área educacional, saúde, cultura, esporte, lazer,

entre outros.

O que a sociedade deveria já ter reconhecido, é que os bens culturais

construídos historicamente pela humanidade ao longo de séculos e milênios devem

estar a disposição sem exceção da possibilidade das pessoasusufruírem de tais

bens, e pelo uso da razão fazer valer o direito e a justiça, sem ter que o Estado

regular essas situações mais ínfimas da cotidianidade, em que se move a vida de

milhões de seres humanos.

Conforme comenta o advogado e membro do Movimento Nacional de Direitos

Humanos e, também conselheiro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do

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Adolescente (Conanda), Ariel de Castro Alves, a inclusão ainda é um grande desafio

no Brasil, que enfrenta a falta de programas, de tratamento especializado e políticas

públicas para o setor. Existem instituições que visam pura e simplesmente o

acolhimento das crianças com deficiência, mas existem poucas instituições e

serviços que trabalhem para a inclusão e desenvolvimento da autonomia dessas

crianças.

DISCUSSÃO FILOSÓFICA

Nessa perspectiva, o filosofo italiano, Giorgio Agamben (2009), argumenta

que de certa forma a máquina judiciária conduz toda esfera da vida humana, em leis

ou regras, isto é, regula todos os detalhes das relações, sejam elas pessoais ou de

ordem societária, e com isso, produz diariamente leis, num processo vertiginoso de

criação leis, muitas vezes sem a devida efetividade, multiplicando os mecanismos de

controle e vigilância sobre os indivíduos, retirando-lhes a capacidade de alcançarem

consenso pelo uso da capacidade ético-comunicativa.

Isso não significa se contrapor às leis, mas conforme Agamben, reconhecer

os limites do Estado Democrático de Direito. Tal percepção implica em reconhecer

que o excesso de leis também permite de certa forma um estado de exceção. Ou

seja, de existência do ordenamento jurídico, mas de seu descumprimento por parte

dos cidadãos e do próprio Estado.

Para o professor e filósofo Dr. Sandro Luiz Bazzanella (2011) o enfrentamento

da dessacralização da lei, do direito, da justiça que constituem as estruturas

políticas, administrativas e jurídicas que controlam, normatizam nossas vidas na

cotidianidade é contraditória a ordem. Os seres humanos ao exigirem as garantias

de segurança, abrem mão de suas liberdades, tornando-se objeto dos mais variados

dispositivos societários e, sobretudo, da ambiguidade constitutiva da lei e da justiça.

Sustenta ainda o filósofo Giorgio Agamben, não é uma reforma no judiciário,

nem a reforma do modelo de Estado que vai resolver este paradoxo do estado de

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exceção, isso tudo já foi tentado no Ocidente e resultou nos Campos de

Concentração. Sob tal perspectiva o que nos foi possível reconhecer é que quanto

maior a quantidade de regulação, determinando as relações humanas, mais são

criadas contradições e paradoxos. Ainda nesta direção, argumenta o filósofo italiano

que é necessário o “reconhecimento de um direito que vem”.

É possível perceber a contradição nas formalidades das leis, descrita ou

refletida pelo filósofo. Tal contradição se deve pela quantidade de leis que regulam a

vida dos cidadãos, e no caso coloca em jogo neste estudo, o direito das pessoas

consideradas com necessidades especiais é quase impossível aos cidadãos

fazerem valer seus direitos, seja por falta de conhecimento, seja pela quantidade, ou

até mesmo pela falta de liberdade de resolver os próprios problemas. Podemos citar

a legislação que determinou que os governos municipais, estaduais e federal

assumissem o compromisso de finalizar em 2009 os projetos de adaptações dos

espaços públicos para atender a demanda requerente, conforme a legislação

vigente, mas o que se observa na prática é um desrespeito com esse grupo de

pessoas que necessitam de acessibilidade.

CONSIDERAÇÕES

A questão fundamental quando se trata da igualdade é a emancipação da

cidadania, o reconhecimento é peça fundamental para que a igualdade garantida

pela Constituição não seja apenas formal, mas real e efetiva. Ou seja, por mais que

haja um ordenamento jurídico que garanta os direitos dos indivíduos e dos cidadãos,

esse ordenamento não confere a garantia de sua efetivação.

A garantia da efetivação do direito, passa pela compreensão da sociedade,

pelo uso da razão, pelo saber, pela educação e não simplesmente pelo

reconhecimento de que existe uma lei. Quer dizer, uma lei não é um fim em si

mesma, mas emanação de demandas sociais circunscritas em determinado contexto

e, como tal é o meio para alcance e afirmação da cidadania, dos direitos civis e

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políticos que podem permitir ao cidadão a participação no seio de sua comunidade

política.

Uma proposta sugestiva seria o diálogo entre os pares, na comunidade, na

sociedade, em que se reconheça o humano e suas necessidades, principalmente

quando se trata das minorias, como é o caso da acessibilidade onde todos possam

usufruir com dignidade, de todos os bens, sejam eles de ordem educacional,

cultural, social, política e/ou econômica, fundada no reconhecimento, pautada nas

exigências de uma sociedade que clama por tal proteção, sem a necessidade da

intervenção do Estado.

O professor e filósofo Dr. Sandro Luiz Bazzanella37 destaca que o ser

humano, na medida em que se percebe como um ser em si mesmo, integrante de

um cosmos, de uma ordem que ultrapassa em suas limitadas condições, posiciona-

se na perspectiva de conferir um sentido à existência, uma finalidade que, se não o

acomoda definitivamente em suas dúvidas mais atrozes e dilacerantes, pelo menos

justifica parte de seus esforços em manter-se vivo, interagir com outros seres

humanos na busca do bem viver.

Nessa perspectiva, a dimensão política passa a justificar-se no cuidado com a

vida do indivíduo, no reconhecimento do cuidado com a espécie humana. Sendo

assim, os direitos humanos deveriam consensualmente estar acima dos direitos do

Estado. Seria de certa forma uma maneira de não regular tudo pelo Estado a partir

de sua máquina jurídica. Ou seja, como no dizer de Agamben, não precisamos de

alguém que dite, não é necessário um líder, isso já foi feito pelo Ocidente e o

resultado é esse que estamos vendo, uma estrutura jurídica operando no vazio da

exceção. Por isso Agamben sugere que um direito que vem – vem da dimensão da

capacidade dos seres humanos de dialogar entre si, de resolverem na cotidianidade

de suas vidas os problemas, as diferenças, sem a necessidade de regulamentar

todas as esferas da vida humana.

37

Congresso Internacional Interdisciplinar em Ciências Sociais e Humanidades. Dr Sandro Luiz Bazzanella. Niteroi RJ: Aninter –SH/ PPGSD, 03 a 06 de setembro de 2012, ISSN 2316- 266X.

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REFERÊNCIAS

AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I. Belo Horizonte: UFMG, 2012. BAZZANELLA, Sandro Luiz; ASSMANN Selvino Jose. A vida como potência a partir de Nitzsche e Agamben. São Paulo: LiberArs, 2013. BOBBIO, Norberto. Teoria política e direitos humanos. Revista de Filosofia, v. 19, n. 25, p. 361-372, jul./dez. 2007. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: jul. 2013. WOLKMER, Carlos Antonio; LEITE, José Rubens Morato. Os “Novos” direitos no Brasil. UFSC, 2009.

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FATORES INTERNOS E EXTERNOS NA EVASÃO ESCOLAR NO ENSINO MÉDIO

NOTURNO DO BRASIL

Sônia Maria Federovicz38 Yasushi Yamasaki39

Josiane Liebl Miranda40 Argos Gumbowsky41

Luis Paulo Gomes Mascarenhas42

RESUMO: O presente estudo investigou os fatores internos e externos da evasão escolar do ensino médio noturno no Brasil. Para isso, realizou-se revisão bibliográfica de publicações nacionais nas bases de dados SciELO e Google Acadêmico. Ao analisar os artigos, das mais diferentes regiões brasileiras, foram evidenciados os mesmos fatores internos e externos, bem como, que a evasão escolar é decorrente dos fatores econômicos, políticos, culturais e sociais e geram na sociedade atual amplas desigualdades e exclusões.

Palavras chave: Evasão escolar. Ensino médio. Ensino noturno.

38

Mestranda em Desenvolvimento Regional, da Universidade do Contestado. Bolsista FUMDES, Graduada em Geografia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória, Especialista em Fundamentos da Educação e Metodologia nas Séries Iniciais e Administração e Supervisão Escolar pela Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória, Estatutária da Prefeitura Municipal de União da Vitória. E-mail: [email protected]. Telefone (42) 3523 1152.

39Mestrando em Desenvolvimento Regional, da Universidade do Contestado. Licenciado em Artes Visuais Universidade do Contestado UnC. Licenciado em Música pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Especialista em Arte Educação pela Faculdades Integradas Jacarepaguá. E-mail: [email protected].

40Mestranda em Desenvolvimento Regional, da Universidade do Contestado. Graduada em Biblioteconomia pela Universidade Federal de Santa Catarina, Especialista em Planejamento Estratégico e Gestão de Pessoas pela Universidade do Contestado (UnC/Mafra) e em Gestão de Bibliotecas Escolares na Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: [email protected]

41Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil (2003), Professor titular da Universidade do Contestado. E-mail: [email protected]

42Doutor em Saúde da Criança e do Adolescente pela Universidade Federal do Paraná, Professor titular da Universidade do Contestado Campus Canoinhas. E-mail: [email protected]

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ABSTRACT: The present study investigated the internal and external factors of truancy school night in Brazil. For this, we carried out a literature review of publications in national databases SciELO and Google Scholar. When review in articles, from different Brazilian regions, were shown the same internal and external factors as well, that the dropout is due to the economic, political, cultural and socialgeneratelargeinequalitiesin our societyand exclusions.

Key words: School evasion. Secondary school. Night school

INTRODUÇÃO

As políticas públicas educacionais brasileiras vêmhá algum tempo

apresentado o discurso de que houve a democratização do ensino público, ofertando

vagas para todos. No entanto, a problematização da evasão escolar é grande e

afeta todas as modalidades de ensino, principalmente nas regiões de maior

concentração de pobreza e desigualdade social, como no Norte e Nordeste.

Os dados disponíveis no censo escolar do Instituto Nacional de Estudos e

Pesquisas Anísio Teixeira (INEP/MEC), trazem informações generalizadas sobre os

números da evasão escolar no ensino médio, portanto não esclarece, qual é a taxa

efetiva da evasão escolar no ensino médio noturno. Os artigos pesquisados

confirmam através de trabalhos publicados, o expressivo número de alunos

evadidos do ensino médio noturno.

Desconsidera-se muitas vezes o contexto social e as oportunidades

desiguais, este estudo teve como objetivo mapear as situações que levam à evasão

escolar, que segundo Sousa et al. (2009, p 27):

[...] os estudos que analisam a evasão escolar apontam duas diferentes abordagens, a primeira das quais explica a situação com base nos fatores externos à escola, enquanto, a segunda se pauta nos fatores internos da instituição escolar [...].

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102

O estudo focando os fatores externos e internos torna mais fácil identificar as

principais consequências que levam o aluno do ensino médio noturno a evasão

escolar. Os autores pesquisadosabordam em seus estudos como argumento inicial

que, embora os cursos diurnos e noturnos tenham características pedagógicas

diferentes, eles possuem a proposta curricular organizada e efetivada como se

fossem idênticos. Isto induz a uma profunda reflexão: O ensino médio noturno deve

ser oferecido de forma similar ou idêntica ao ensino diurno? Ou devem-se levar em

consideração as particularidades de sua clientela e seus interesses?

Compreende-se que mapear os fatores internos e externos que levam o aluno

do ensino médio à evasão escolar, é extremamente importante para que seja

possível conhecer o objeto de estudo dentro sua realidade. É imprescindível

adentrar a essa realidade, aprender a vê-la, reconhecê-la como fator historicamente

determinado, e assim, tentar então compreender e dar sentido à realidade social

pesquisada.

Alguns estudos identificam um perfil diferenciado dos alunos do ensino médio

noturno, conforme podemos perceber no estudo realizado por Gonçalves etal. (2003,

p.7):

Observamos que 74% dos alunos afirmaram que estão em busca do que possibilitará oportunidades individuais, coletivas e profissionais. O aluno mudou, se antes ele queria apenas um diploma, hoje, ele quer o conhecimento que lhes dê acesso à universidade ou à carreira militar. Dos 250 alunos-respondentes, 185 já perceberam a importância, pessoal profissional, de se ter acesso ao conhecimento científico necessário para a organização e desenvolvimento autônomo. Acreditam os alunos que, se continuarem estudando, poderão alcançar um futuro melhor.

Pesquisas partem do pressuposto sobre o papel da escola como transmissora

de conhecimentos, Gonçalves et al. (2003, p.4) destaca os estudos de Bourdieu e

Passaron sobre a teoria da violência simbólica – a arbitrariedade da ação

pedagógica ao impor conteúdos previamente selecionados. Em contraposição ao

engessamento produzido pelo currículo imposto, Pacheco citado por Gonçalves et

al. (2003): reforça o argumento da construção da autonomia curricular dentro da

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103

própria escola, oportunizando-se situações curriculares pouco estruturadas que

possam permitir aos alunos refletirem sobre suas experiências de vida, através de

projetos flexíveis, fundamentados nos princípios de uma educação democrática

MÉTODOS

A pesquisa ação se deu através de artigos publicados em revistas eletrônicas

educacionais e censos educacionais, que evidenciaram a questão problematizada:

quais são os fatores externos e internos na evasão escolar no ensino médio no

Brasil.

Os artigos analisados nos apresentaram uma amostragem não universal, pois

foram baseados em análises de estudos locais de pesquisa qualitativa.

De acordo com o censo escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Anísio Teixeira (INEP/MEC), em 2010 o Brasil apresentou aproximadamente um

total de 8.357.675 matrículas no ensino médio, destes 10,3% (860.841) alunos

abandonaram os bancos escolares, e 12,5% (1.044.710) reprovaram.

A metodologia utilizada foi uma revisão bibliográfica de publicações nacionais

nas bases de dados SciELO e Google Acadêmico.

Foram aplicados como fatores de exclusão: Ensino Fundamental e

Graduação, e como fatores de inclusão: Evasão escolar; Ensino médio e Ensino

noturno. A partir dos fatores de exclusão e inclusão foram selecionados 12 artigos.

RESULTADOS

Os artigos analisados discutem o fato do ensino médio noturno não

apresentar uma identidade própria. De acordo com Rocha (2010), os cursos são

igualados aos diurnos quanto ao currículo. Torna-se essencial levar em

consideração que as características peculiares dos alunos, que geralmente são

trabalhadores de classes populares e quase não recebem incentivos dos familiares

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104

em dar continuidade aos estudos; os professores, geralmente estão no terceiro turno

de trabalho diário e apresentam uma grande desmotivação; além dos conteúdos não

serem interessantes aos alunos e terem pouca relação entre a teoria e o mundo do

trabalho e das práticas sociais, esses são alguns dos fatores que reforçam a evasão

escolar no ensino médio noturno.

O quadro a seguir, indica as questões fundamentais deste estudo de revisão

bibliográfica, e que segundo Silva (2010, p.3):

Hoje não se sabe a quem culpar especificamente pela evasão escolar, uma vez que nesse contexto surgem inúmeros atores envolvidos direta e indiretamente. A evasão escolar assola não somente a região nordeste do Brasil, mas todo o território nacional.

Quadro 1 – Síntese dos dados

Autor/Ano Amostra Instrumento Local Conclusão

NERI, 2008. Universal. População entre 15 e 17 anos.

Apêndices estatísticos. 2004a 2008

São Paulo; Rio de Janeiro; Belo Horizonte; Porto Alegre; Recife e Salvador.

Falta de oferta educacional de inclusão; Necessidade de trabalho;

MORAES, 2006 436 Estudo de Caso. Pinhão – Pr. Políticas Públicas; Fatores sociais.

CHIEPPE, 2012

265 Depoimentos e Discussões.

Colatina – ES. Falta de identidade; Políticas Públicas; Fatores sociais.

SOUSA etal, 2011

23 Entrevistas. Maracanaú CE. Currículo; Infraestrutura; Valorização profissional.

KLEIN, 2006 Universal. Censos Escolares.

Regiões brasileiras.

Políticas Públicas Educacionais.

NEUBAUER, 2011

1.324 Entrevistas; Questionários Observações

Acre; Ceará; Paraná e São Paulo.

Políticas Públicas; Organização da Escola e Ensino e Práticas Pedagógicas.

SILVA, 2011 40 Questionários Observações e Análises de documentos.

Bananeiras – PB. Falta de interesse; Falta de estímulos e estrutura física.

BRAGA, 2008 36 Entrevistas. Campo Largo PR. Necessidade de Trabalho; Problemas familiares e sociais e políticas educacionais.

POMPEU; SOUSA, 2011

1015 Análise de documentos e entrevistas.

São José - SC Horário de trabalho; Desmotivação pessoal e problemas familiares.

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105

2008 a 2010.

ROCHA, 2010 61 Questionários Análise de dados.

Porto Alegre RS

Fatores sociais e familiares e políticas educacionais.

GONÇALVES; PASSOS; PASSOS, 2005

275 Encontros, conversas informais, levantamentos de informações e questionários.

Baixada Fluminense - RJ

Políticas Educacionais; despreparo dos docentes; currículo; indisciplina, falta de interesse e frequência irregular dos alunos.

SANTOS; LUZ; FROTA, 2011.

140 Entrevistas e questionários.

Araranguá - CS Necessidade de trabalho; escassez de investimentos públicos e de recursos tecnológicos; turmas com elevado número de alunos; baixa qualificação dos professores; ausência de debates e aulas interativas.

Os artigos analisados, nas mais diferentes regiões brasileiras, evidenciam os

mesmos fatores internos e externos, bem como o fato deque a evasão escolar é

decorrente dos fatores econômicos, políticos, culturais e sociais e geram na

sociedade atual ampla desigualdades e exclusões.

ABORDAGEM AOS FATORES EXTERNOS

Os fatores externos apontados como principais consequências da evasão

escolar segundo Neri (2008, p. 57), “a combinação da demanda agregada ao

trabalho, filhos de mães sem instrução ou de pais que perdem o emprego”. A

oportunidade de emprego associada com a necessidade da busca do sustento

próprio e da família torna-se uma combinação perigosa, para o precoce abandono

escolar nos períodos diurnos, justificando a busca desses alunos pela matrícula no

ensino médio noturno. Outro fator são as sucessivas reprovações durante o ensino

fundamental, o que ocasiona o fator distorção idade série, o aluno se matricula no

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ensino médio noturno, na tentativa de conclusão do ensino básico, pois acredita que

a escola, ainda seja a oportunidade de igualdade e formas de não-exclusão.

Assim, com uma exaustiva carga diária de trabalho de oito horas ou mais de

jornada, as distâncias do local de trabalho até a escola ou dificuldade de acesso e

de transporte aparecem como o principal fator externo, os alunos chegam até a

escola atrasados, desmotivados, com fome e cansados. Dentro dessas condições

não se torna difícil a compreensão do porquêde muitos desistirem de seus estudos.

Os alunos frequentadores do ensino médio noturno são em sua grande

maioria profissionais que desempenham atividades ao setor terciário: balconistas,

atendentes, manicures, padeiros, pedreiros, mecânicos, empregadas domésticas,

babás, motoristas, funcionários do setor publico e ou privado de limpeza geral,

funcionários de supermercados entre outros.

A questão familiar é apontada como a falta de apoio ou incentivo da família;

gravidez precoce, filhos pequenos, casamento e desentendimentos por ciúmes dos

companheiros e a falta de dinheiro para prover as necessidades básicas do lar,

acabam que por desmotivar os alunos a frequentar a escola.

Vale ressaltar que os estudos evidenciaram que alguns familiares valorizam e

incentivam de alguma forma a volta aos estudos dos seus filhos, esposas e esposos,

pois acreditam no estudo como uma forma de conseguir uma melhor condição de

vida, crescimento pessoal e a conquista de um emprego melhor.

Mas é nas famílias com maior dificuldade econômica que não há motivação

para dar continuidade aos estudos, pois a essas famílias a necessidade pela

sobrevivência obriga o trabalho e não o direito aos estudos.

Representadas por esta classe social, que não é a minoria da sociedade

brasileira, podemos observar um fenômeno essencialmente histórico e social, que

imprime um novo eixo de reflexão acerca das políticas públicas, a de um Estado que

ainda não se fez Nação.

A problemática da violência aparece em proporção menor, mas não menos

importante, por ser uma situação difícil de resolver, na maioria das vezes acontece

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fora da escola, como a venda de drogas e bebidas alcoólicas, o que provoca medo

nos alunos de frequentar a escola no período noturno. A droga é um fator social, que

precisa de atenção, e não depende apenas do esforço da escola, mas sim de ações

dos órgãos públicos para resolver o problema. Sabemos de algumas ações de

políticas públicas como a criação da patrulha escolar em alguns estados, mas

acabam que por serem ações isoladas, bem como a proibição da venda de bebidas

alcoólicas em áreas próximas as escolas, mas há a falta de fiscalização.

As questões acima apresentadas levam à reflexão de que é preciso

urgentemente rever o contexto histórico, social e cultural, dos alunos frequentadores

do ensino médio noturno, e de que forma as ações das políticas públicas estão

cumprindo seu papel frente a esta realidade.

ABORDAGENS AOS FATORES INTERNOS

Ao expressar a ideia de que a escola é responsável pelo sucesso ou fracasso

dos alunos, principalmente aos pertencentes às classes mais pobres e com maior

grau de exclusão, procura-se explicar teoricamente o caráter reprodutor da

instituição educacional compreendida como Aparelho Ideológico de Estado:

[...] a evasão escolar está ligada diretamente à questão do fracasso escolar, constatando-se que: Este constitui um dos mais graves problemas sociais do Brasil. Nisso se explica que a evasão estaria como uma consequência, sendo o produto de um produto histórico amplo, que engendra o funcionamento da sociedade brasileira (PATTO, 1997 apud MORAES, 2006, p. 9).

Os fatores internos identificados foram: a falta de flexibilidade do currículo,

processo de avaliação, dificuldade em disciplinas e conteúdos específicos,

despreparo e desmotivação dos professores, ausência de ações democráticas de

gestão, falta de investimentos financeiros, e tecnológicos, acessibilidade aos alunos

portadores de alguma deficiência.

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O currículo do ensino médio noturno não apresenta projetos específicos que

venham de encontro com as expectativas dos alunos, são conteúdos pouco

significativos e sem aplicabilidade para os alunos trabalhadores, não considera a

realidade vivenciada no seu cotidiano, e a prática pedagógica está dissociada das

expectativas buscadas pelos alunos. Há falta de um redirecionamento do currículo,

de forma mais atrativa, enxuta e com objetivos mais destinados a formação

profissional dos alunos, com vistas à diversificação, valorizando a

interdisciplinaridade, oportunizando as atividades culturais, artísticas e sociais, além

de promover pesquisas voltadas aos interesses dos alunos. Segundo Gonçalves et

al. (2003, p. 10),

As propostas curriculares deveriam considerar a realidade, os interesses pessoais e profissionais, os sonhos e ideais dos alunos, não querendo com isso oferecer um curso de menor qualidade, mas sim um ensino mais adequado à realidade, às necessidades e aos interesses da clientela do ensino médio noturno.

Os processos avaliativos que não levam em consideração os esforços

individuais e a bagagem cultural dos alunos, as notas baixas atribuídas pelos

professores, durante o processo de avaliação, repercutem diretamente na motivação

e desestímulo aos alunos. A falta de autonomia e as medidas de controle

institucional acabam por limitar as instituições na construção de sua identidade

social, o que impede a criação de mecanismos próprios de avaliação adequada a

sua clientela educacional.

Professores pouco preparados ou com pouco domínioem algumas disciplinas,

a insegurança ao transmitir os conteúdos aos alunos, a falta de criatividade e seu

desinteresse em tornar as aulas mais atrativas e interessantes e com atividades

interativas, a relação professor aluno, estes fatores associados às dificuldades dos

alunos na compreensão desses conteúdos, criam mecanismos facilitadores para

notas baixas e faltas excessivas em determinadas disciplinas, tornando-se campo

fértil para a evasão escolar.

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Seria de se estranhar se não fossem levantadas as questões pertinentes às

condições de trabalho do professor, a políticas públicas educacionais. Não

apresentam um programa específico à formação do professor do ensino médio

noturno, a ausência da capacitação para a melhoria do ensino/aprendizagem, a

redução do conteúdo a ser trabalhado, a terceira jornada e excessivo trabalho dos

professores. De acordo com Rocha (2010), os cursos noturnos necessitam de

professores mais dispostos e preparados que possam ajudar o aluno do ensino

médio noturno na construção de conhecimentos úteis ao seu cotidiano.

Muitas instituições de ensino iniciam seu ano letivo, com salas de aula com

elevado número de alunos, já prevendo a evasão escolar. Isso acaba de

sobrecarregar os professores no início do ano letivo, e também contribui para a

indisciplina por parte dos alunos, desmotivando e desgastando o professor.

Muitos professores precisam percorrer longas distâncias entre uma escola e

outra, desânimo, desmotivação, falta de reconhecimento da sociedade e do poder

público, escassez de tempo para preparar suas aulas e para seu estudo, e

principalmente os baixos salários, são variáveis que contribuem de forma muito

significativa ao quadro da evasão escolar.

Estamos inseridos em uma sociedade democrática, porém ainda é perceptível

a falta de ações que consolidem as práticas de gestão democrática dentro das

instituições escolares. Os alunos frequentadores do ensino médio noturno, em sua

maioria, apresentam maturidade pessoal para intervir, discutir, apontar, analisar e

desenvolver ações que com intuito de crescimento e de melhoria a escola, mas

muitas vezes não é oportunizada essa participação. É preciso que os gestores

revisem suas ações dentro dessa proposta, as políticas públicas educacionais

precisam instrumentalizar esses gestores, para que se possam consolidar a

democrática dentro do contexto escolar.

Há falta de investimento nas estruturas físicas e materiais que vão desde

ampliações e reformas, investimento tecnológicos, culturais, contratação de mais

profissionais para atuarem dentro da escola, que visem atender não somente as

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necessidades dos alunos trabalhadores do ensino médio, que permitam não

somente o ingresso, mas também a permanência desses alunos e de alunos

portadores de necessidades especiais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo da análise do cenário da educação nacional, foi possível identificar

mais uma variante da problemática educacional brasileira, que se faz presente nos

dias atuais. A qual se pode afirmar pesa sobre o ensino médio noturno, uma das

causas da expansão sem qualidade do ensino superior.

Os problemas basilares sobre os fatores externos e internos da evasão

escolar no ensino médio foram identificados e apresentados, eles existem em todos

os estados brasileiros, se apresentam de forma similar, mas com características

especificas, mas são unânimes ao sinalizar que os problemas não são resolvidos,

porém ajeitados, transferidos ou ainda mascarados.

A dialógica da pesquisa indica que muita coisa precisa mudar na educação

brasileira, principalmente no que se diz respeito às políticas públicas. Ao procurar a

culpa nos professores, nos alunos ou ainda na gestão escolar, é tirar de foco a

questão, os conflitos e contradições acerca dos possíveis culpados, deixa de lado o

principal objetivo da educação, que é oferecer um ensino de qualidade e significativo

para a vida de todos os envolvidos no processo educacional. Ou seja, uma

educação que tenha vistas a elevar-se à condição de um melhor núcleo pedagógico

e cultural, de transformação social.

Trabalhar com conflitos que existem e se fazem presentes dentro do cotidiano

das escolas, não é tarefa fácil e nem tranquila. Mas ao realizar os enfrentamentos

que se manifestam, através dos apontamentos das fragilidades e pontos mais

vulneráveis pelos envolvidos no sistema, de forma consciente de suas obrigações e

baseados no respeito ao próximo e ao coletivo, é decisivo, pois indica a existência

de um trabalho a ser feito, educação não é sinônimo de consenso.

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Centrar a discussão na questão para que se evidenciem as causas, sejam

elas do meio familiar, do sistema social, educacional ou cultural, e ir além, apontar

caminhos e soluções para que as políticas públicas educacionais consigam alcançar

o objetivo da garantia do acesso, inclusão e da permanência dos alunos do ensino

médio noturno. Isso dentro de uma proposta de ensino com qualidade e com as

especificidades de conteúdos, ao atendimento desses alunos, com condições

necessárias para que professores possam desempenhar seu trabalho com

qualidade e competência de forma valorizada e respeitada por toda a sociedade.

Aevasão no ensino médio no Brasilainda está longe de ser resolvida. Os

fatores externos (trabalho, desigualdade social, a relação familiar) e internos (ações

pedagógicas e de gestão escolar), estão presentes no cotidiano desses alunos, eisto

acaba por estimular a desistência dos estudos ou levá-los a reprovação.

Os índices apontaram um grande porcentual de matrículas no ensino médio

noturno, o que reafirma que a maioria desses alunos por necessidade de sustento

pessoal ou familiar, ou devido à distorção idade/série, consequências de

reprovações ou evasões em anos anteriores, buscam este turno para concluírem

seus estudos.

Para análise do fenômeno evasão escolar é preciso compreender os motivos

em sua totalidade, portanto, o contexto social, as relações familiares e culturais, as

políticas públicas e todos os demais fatores devem ser considerados, pois todos

trazem implicações ao tema estudado.

Ao afirmar que a escola tem o papel fundamental de garantir um ensino de

qualidade a todos os seus alunos e possibilitar o acesso ao saber sistematizado, e

com isso a garantia de uma possível transformação social, adotou-se uma visão

crítica. É preciso considerar a análise dos motivos da evasão escolar no ensino

médio noturno, onde todas as abordagens apontadas devam ser consideradas, não

cabendo culpar o aluno, a família ou o professor’; é preciso considerar os

condicionantes sociais, econômicos, culturais, políticos e pedagógicos implícitos à

questão.

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112

Portanto, quando se busca identificar e apontar as fragilidades do sistema

educacional brasileiro, procura-se também criar estratégias de ações educacionais

que visem o fortalecimento do desenvolvimento de uma região com vistas à melhoria

da qualidade de vida e equidade social mínima da população.

REFERENCIAS

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114

A DISTRIBUIÇÃO DAS RECEITAS PÚBLICAS E O CENTRALISMO DO

GOVERNO FEDERAL E ESTADUAL CATARINENSE

Giovane José Maiorki43 Patricia Jacobs44

Sandro Luiz Bazzanella45

RESUMO: O modelo de estado brasileiro, se é que podemos assim chamar de modelo brasileiro, tem grande influência da colonização Portuguesa. Este modelo centralizado, no qual os recursos são em sua grande maioria centralizados pelo governo federal e posteriormente repassados aos estados, pode ser entendido como uma herança do Estado Português, onde os recursos da colônia eram enviados para a coroa portuguesa. Fruto deste modelo a Constituição Confederativa do Brasil, reconhece certas autonomias dos estados. Porém, esta autonomia não é total, principalmente em relação aos recursos financeiros advindos da arrecadação dos impostos estaduais sobre bens, serviços, ou patrimônio realizados, ou existentes nos estados, o que já se apresentava na época do Brasil colônia com as capitanias hereditárias e, depois quando estas reverteram ao estado português com a cobrança de impostos em favor da coroa. O artigo se fundamenta no argumento de uma nova forma de redistribuição das receitas públicas, de forma mais específica o ICMS no estado de Santa Catarina.

Palavras Chave: Centralismo. Receitas Públicas. Estado.

ABSTRACT: The model of the Brazilian state, if we mays call Brazilian model has great influence of Portuguese colonization. This centralized model in which resources are mostly centralized federal government and subsequently transferred to the states, can be understood as a legacy of the Portuguese State, where the resources of the colony were sent to the Portuguese crown. Result of this model to Confederate Constitution of Brazil, recognizes certain autonomy of states. However, this autonomyis not absolute, especially in relation to financial resources arising from the collection of state taxes on goods, services, or assets held, or in the states, which already had at the time of colonial Brazil with the hereditary captaincies and then

43

Mestrando em Desenvolvimento Regional e graduado em Ciências Contábeis pela Universidade do Contestado.

44Mestranda em Desenvolvimento Regional e graduada em Ciências Contábeis pela Universidade do Contestado.

45Dr. em Ciências Humanas – UFSC. Professor do Mestrado em Desenvolvimento Regional em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado. Coordenador do Curso de Ciências Sociais. Líder do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas – Cnpq.

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115

when they reverted to the Portuguese state with the collection of taxes on behalf of the crown. The article is based on the argument of a new form of redistribution of government revenues, more specifically the ICMS in the state of Santa Catarina.

Key words: Centralism; Public Revenues; State.

INTRODUÇÃO

Precisamos recorrer à história para que possamos entender elementos

constitutivos do Estado brasileiro presente em nossos dias. O processo de

colonização do Brasil se deu por povos europeus, com a predominância de Portugal,

sendo estes, mais interessados em retirar do solo brasileiro as suas riquezas e

escravizar, por meio do escambo, o povo aqui existente. Neste modelo de

colonização extrativistados recursos naturais, a coroa portuguesa não estava

preocupada em desenvolver a sua colônia, centrando todas as decisões na coroa

portuguesa.

No início da colonização brasileira, a coroa portuguesa dividiu o território

brasileiro a partir da linha imaginária do tratado de Tordesilhas, em capitanias

hereditárias, sendo que se compunha de dois institutos, o público e o patrimonial.

Mas a partir da nomeação do Fidalgo Tomé de Souza, passou por um processo de

reversão das capitanias, retornando à coroa do poder patrimonial sobre tais

territórios, que foi recuperado pela compra e, em alguns casos, pela renúncia dos

proprietários. Este processo demorou, e a última capitania a ser revertida aos

domínios patrimonialistas da Coroa portuguesa se consolidou no final no século

XVIII.

O modelo de estado absolutista centralizador da coroa portuguesa, busca na

reversão das capitanias, o retorno do controle dos negócios e exploração das minas

pelo monarca, sendo que os recursos eram transferidos para Portugal.

Estemovimento da remessa de riquezas para a coroa portuguesa pode ser

considerado o início de um modelo governamental centralizado na esfera máxima do

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116

poder, presente até os dias de hoje, articulado em torno da arrecadação de grande

parte dos tributos pelo governo federal e, posteriormente a sua distribuição aos

estados e municípios.

A ORGANIZAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

A organização político administrativa da República Federativa do Brasil,

segundo o artigo 18 da nossa Constituição, compreende a União, os Estados, o

Distrito Federal e os Municípios, que segundo o mesmo artigo, são autônomos,

desde que respeitadas as atribuições e limites da constituição. Um primeiro enfoque

sobre o centralismo pode ser observado no artigo 25, a expressão Estados

Federados e no parágrafo primeiro deste, onde estabelece as competências de cada

estado em organizar-se, desde que não lhes seja vedada pela constituição. Neste

modelo de divisão política territorial, Estado é a conformação de uma região de

abrangência territorial, a qual é subdivida em unidades menores que formam então

os municípios. O advento de ser “Estado federado” e, considerando os limites

fixados pela constituição Federal, demonstra que ao estado não lhe é permitido

outra forma de gestão, senão aquele estabelecido pelo Governo Federal, seja em

termos de suas atividades, ou de como irá dispor os recursos arrecadados com os

impostos, seja este de competência Municipal, Estadual, ou Federal.

Partindo deste argumento de estado centralizado nas decisões quanto à

estrutura e quanto à arrecadação e distribuição das receitas públicas, evidencia o

modelo de estado em que estamos inseridos e as dificuldades em promover

reformas que possam favorecer ao desenvolvimento de certas regiões que devido às

dimensões continentais de nosso território tem necessidades diferentes e realidades

socioeconômicas discrepantes.

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117

A REPARTIÇÃO DAS RECEITAS TRIBUTÁRIAS

A repartição das receitas tributárias entre a União, os estados e os municípios

está previsto nos artigos 157, 158 e 159 da nossa Constituição de 1988, que

segundo Pêgas (2011, p. 6):

[...] trouxe profundas e importantes modificações para o sistema tributário nacional, principalmente por parte dos municípios. Houve na época uma exagerada comemoração, principalmente por parte dos municípios, com a chamada carta de alforria definida na Carta Magna, que iria desafogar os minguados orçamentos municipais, com o redirecionamento de relevante parcela dos tributos arrecadados pela união e pelos estados para as administrações municipais, via transferência constitucional.

A arrecadação e responsabilidade dos principais tributos estão distribuídas

segundo Pegâs (2011), da seguinte forma:

a) União: Imposto de Renda (IR), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre Importação (II), Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), Imposto Territorial Rural (ITR), Imposto sobre Exportação (IE), Programa de Integração Social (PIS), Programa de formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP), Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL), e o ainda não regulamentado Imposto sobre grandes Fortunas (IGF);

b) Estados: Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), Imposto de Transmissão de bens e Direitos (ITD) e, Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA);

c) Municípios: Imposto sobre Serviços (ISS), Imposto sobre a Transição de bens Intervivos (ITBI) e o Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU).

No quadro a seguir estão demonstrados, com base na Constituição Federal e

demais normas, a distribuição dos recursos advindos das receitas tributárias em

relação aos principais tributos arrecadados pela União, Estados e Municípios. Dos

valores que o estado recebe da União, em relação ao IPI e IR, este deve repassar

25% (vinte e cinco por cento) deste valor, aos municípios.

Outro ponto que merece especial atenção diz respeito ao ICMS que o estado

arrecada, ele distribui aos municípios 25% (vinte e cinco por cento). Sendo que esta

distribuição é realizada de forma que 75% (setenta e cinco por cento) ficam no

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município onde foi gerada a operação e 25% (vinte e cinco por cento) são

distribuídos conforme lei estadual específica.

Quadro 1- Distribuição das receitas tributárias dos principais tributos

Tributos União Estados Municípios Fpe46

Fpex47

ITR 50% 50%

IR 52% 21,5% 23,5% 3%

IPI 42% 21,5% 23,5% 3% 10%

CIDE 71% 29%

II 100%

IOF 100%

IOF- Ouro (ativo Financeiro) 50% 50%

IE 100%

PIS 100%

COFINS 100%

CSLL 100%

IPVA 50% 50%

ICMS 75% 25%

ITD 100%

ISS 100%

ITBI 100%

IPTU 100%

Fonte: Pegas (2011, adaptado).

Vemos então no quadro acima, que existe uma maior concentração das

receitas dos impostos na União em relação aos estados e posteriormente do estado

em relação aos municípios, evidenciando o modelo centralizado na arrecadação dos

tributos pela união sobre os estados e municípios.

O ESTADO DE SANTA CATARINA E A DISTRIBUIÇÃO DAS RECEITAS DOS

IMPOSTOS

O Estado de Santa Catarina, objeto deste estudo, sobre a concentração das

receitas dos impostos pela União em detrimento aos estados e dos Estados em

relação aos municípios, possui uma área territorial de 95.703,54 km², com uma

população segundo o senso de 2010 de 6.248.436 habitantes, distribuídos em seus

46

FPE- é destinado aos estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste 47

FPEx – (Fundo de Participação de Exportação)

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119

293 municípios. O estado de Santa Catarina faz divisa ao norte com o Estado do

Paraná, ao Sul com o Rio Grande do Sul e ao Oeste com a Argentina.

Figura 1 – Mapa do Estado de Santa Catarina

Fonte: Portal Brasil

O Produto Interno Bruto de Santa Catarina, segundo dados do IBGE, no ano

de 2009 foi de R$ 129.806 bilhões, representando 4% (quatro por cento) do BIP

brasileiro e estando em 8º lugar na classificação dos estados brasileiros. De acordo

com o Portal Brasil, o PIB catarinense está assim distribuído: 13,6% atividades

agropecuária, 52,5% atividade industrial e 33,9% oriundos dos serviços.

Dentre os municípios catarinenses, segundo dados do IBGE de 2009, os 10

principais municípios representam 48% (quarenta e oito por cento) do BIP do estado,

e em ordem de valores são: Joinvile, Itajaí, Florianópolis, Blumenau, Jaraguá do Sul,

Chapecó, São José, São Francisco do Sul, Criciúma e Brusque.

Ao analisarmos a distribuição dos recursos repassados pelo Estado de Santa

Catarina aos municípios, considerando neste repasse o acumulado de janeiro a

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120

agosto de 2012 dos valores da participação quanto ao ICMS, IPI e IPVA, verificamos

uma concentração de 48% (quarenta e oito por cento) entre os 20 maiores

municípios. Esta consulta esta disponível a todos os catarinenses através do portal

da transparência do estado de Santa Catarina.

A DISTRIBUIÇÃO DOS IMPOSTOS CONFORME AS ASSOCIAÇÕES DE

MUNICÍPIOS

O Estado de Santa Catarina está dividido politicamente em municípios e no

aspecto de gestão e governo, nas Secretarias de Desenvolvimento Regional e ainda

em associação de municípios. Neste estudo tomou-se por base a divisão do estado

em relação a suas associações de municípios, para que seja possível identificar a

distribuição dos recursos de acordo com um recorte territorial e sendo assim

possível verificar as semelhanças de suas realidades sociais e econômicas.

A distribuição de recursos do ICMS, IPI e IPVA por associação dos

municípios catarinenses, com base no acumulado de janeiro a agosto de 2012,

apresenta os resultados apresentados na tabela abaixo, apresentando o valor

repassado e a sua classificação quanto ao recebimento do recurso de forma

decrescente.

Quadro 2 – Repasses as associação dos municípios de ICMS, IPI e IPVA período de janeiro a agosto de 2012

ASSOCIAÇÃO DE MUNICÍPIO TOTAL REPASSADO (R$) CLASSIFICAÇÃO

AMUNESC 279.348.775,37 1º

GRANFPOLIS 273.181.094,54 2º

AMMVI 269.814.851,76 3º

AMFRI 210.126.126,37 4º

AMVALI 137.319.520,13 5º

AMREC 120.489.289,25 6º

AMOSC 117.872.882,78 7º

AMAVI 115.971.377,20 8º

AMUREL 106.635.032,99 9º

AMAUC 97.788.421,02 10º

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AMURES 94.185.903,86 11º

AMARP 91.740.802,22 12º

AMMOC 75.709.311,47 13º

AMAI 72.109.755,58 14º

AMEOSC 71.057.478,54 15º

AMPLANORTE 69.043.359,56 16º

AMESC 57.162.235,47 17º

AMERIOS 47.078.075,35 18º

AMPLASC 32.051.081,74 19º

AMNOROESTE 21.825.034,70 20º

TOTAL 2.360.510.409,90

Fonte: Portal da Transparência (2012, adaptado)

Trazendo estes dados para uma realidade mais próxima, ou seja, o planalto

norte catarinense, e dentre os municípios que compõe a região da Amplanorte,

temos a seguinte distribuição dos recursos recebidos do estado.

Quadro 3- Repasses aos municípios da Amplanorte do ICMS, IPI e IPVA de janeiro a agosto de 2012.

Município Total Repasse Classificação

MAFRA 16.673.757,50 28º

CANOINHAS 14.249.850,46 32º

TRÊS BARRAS 7.897.182,10 58º

PAPANDUVA 6.721.369,45 72º

ITAIÓPOLIS 6.448.612,27 77º

PORTO UNIÃO 5.769.216,06 85º

IRINEÓPOLIS 3.650.949,81 137º

MAJOR VIEIRA 2.978.022,22 156º

MONTE CASTELO 2.424.367,35 189º

BELA VISTA DO TOLDO 2.230.032,34 207º

Fonte: Portal da Transparência (2012, adaptado)

A DISTRIBUIÇÃO DOS IMPOSTOS E OS INDICADORES DE POBREZA DOS

MUNICÍPIOS CATARINENSES

Quando comparamos os valores distribuídos aos municípios, com o

percentual de pobreza dos municípios no ano de 2000, verificamos que é

inversamente proporcional, ou seja, os municípios mais pobres são os que recebem

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menores recursos. Desta forma a situação tende a se manter, pois estes estão

dependendo apenas de fatores endógenos destas regiões para seu

desenvolvimento.

Conforme podemos ver no quadro abaixo com os50 municípios catarinenses

com maior índice de pobreza conforme dados do portal da transparência temos o

seguinte quadro:

Tabela 1 – Comparativo dos Repasses aos municípios do ICMS, IPI e IPVA até de janeiro a agosto de 2012 e percentual de pobreza.

(Continua)

MUNICÍPIOS % de

pobres ASSOCIAÇÃO

Total dos Repasses

% PIB

Classif. Repasse

Classif. Pobreza

Entre Rios 65,76 AMAI 1.516.170,91 0% 277 1

Calmon 57,5 AMARP 1.861.236,04 0% 240 2

Cerro Negro 54,83 AMURES 1.374.746,77 0% 292 3

Timbó Grande 53,45 AMARP 2.344.517,59 0% 200 4

Ipuaçu 53,35 AMAI 4.777.423,93 0% 100 5

Bela Vista do Toldo 53,12 AMPLANORTE 2.230.032,34 0% 207 6

Bandeirante 50,13 AMEOSC 1.515.335,88 0% 278 7

Santa Terezinha 49,26 AMAVI 2.634.227,97 0% 175 8

Lebon Régis 49,22 AMARP 2.514.091,17 0% 182 9

São José do Cerrito 47,96 AMURES 1.897.839,31 0% 237 10

Abelardo Luz 47,67 AMAI 7.293.879,30 0% 62 11

Brunópolis 47,53 AMPLASC 1.838.874,25 0% 242 12

Passos Maia 47,26 AMAI 2.311.090,13 0% 201 13

Rio Rufino 46,67 AMURES 1.326.572,68 0% 293 14

Anita Garibaldi 45,44 AMURES 3.214.153,54 0% 150 15

Dionísio Cerqueira 44,52 AMEOSC 3.570.484,08 0% 142 16

Major Vieira 44,52 AMPLANORTE 2.978.022,22 0% 156 17

Campo Erê 44,51 AMNOROESTE 3.562.943,08 0% 143 18

Saltinho 43,85 AMERIOS 1.657.794,68 0% 263 19

Bom Jardim da Serra 43,4 AMURES 1.770.236,02 0% 250 20

Campo Belo do Sul 43,29 AMURES 2.611.468,11 0% 176 21

Tigrinhos 43,23 AMERIOS 1.547.167,31 0% 273 22

Matos Costa 43,15 AMARP 1.377.723,98 0% 291 23

Guatambu 42,95 AMOSC 3.772.275,99 0% 132 24

Ponte Alta 42,66 AMURES 1.977.947,58 0% 227 25

Monte Castelo 42,16 AMPLANORTE 2.424.367,35 0% 189 26

Jupiá 41,95 AMNOROESTE 1.498.285,77 0% 283 27

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123

(Conclusão...)

São Miguel da Boa Vista 41,92 AMERIOS 1.473.038,83 0% 284 28

Palma Sola 41,74 AMEOSC 3.056.495,02 0% 154 29

Bocaina do Sul 41,45 AMURES 1.825.975,83 0% 247 30

Capão Alto 41,39 AMURES 1.901.226,67 0% 236 31

Frei Rogério 41,19 AMARP 1.608.935,97 0% 269 32

São Bernardino 41,19 AMNOROESTE 1.530.188,90 0% 275 33

Galvão 40,54 AMNOROESTE 1.901.474,69 0% 235 34

Abdon Batista 40,38 AMPLASC 1.501.873,93 0% 281 35

Arvoredo 40,13 AMAUC 2.848.467,92 0% 161 36

Romelândia 40,06 AMERIOS 1.967.578,42 0% 229 37

Sul Brasil 39,81 AMOSC 1.663.852,81 0% 262 38

Celso Ramos 39,57 AMPLASC 1.441.617,22 0% 287 39

Bom Jesus 39,55 AMAI 1.984.925,70 0% 226 40

Papanduva 39,33 AMPLANORTE 6.721.369,45 0% 72 41

Ponte Serrada 39,32 AMAI 3.788.119,05 0% 131 42

Monte Carlo 38,61 AMPLASC 2.536.437,50 0% 180 43

Ponte Alta do Norte 38,59 AMARP 2.168.054,73 0% 211 44

Santa Terezinha do Progresso 38,53

AMERIOS 1.448.316,88 0% 285 45

Três Barras 38,41 AMPLANORTE 7.897.182,10 0% 58 46

Flor do Sertão 37,95 AMERIOS 1.696.977,81 0% 259 47

Santiago do Sul 37,59 AMOSC 1.444.756,15 0% 286 48

Anchieta 37,24 AMEOSC 2.284.834,18 0% 203 49

Belmonte 36,06 AMEOSC 1.706.685,45 0% 257 50

Fonte: Portal da Transparência (2012, adaptado)

A REDISTRIBUIÇÃO DO ICMS E O DESENVOLVIMENTO REGIONAL

Estes números nos permitem compreender que é difícil melhorar estes

indicadores humanos e sociais sem que aja uma maior intervenção do Estado

nestas regiões. Estes municípios dependem de um governo com influência

keynesiana, o qual em sua argumentação defendeu a intervençãodo Estado na

economia de forma a regular o mercado e potencializar ações de desenvolvimento.

Segundo Dallabrida (2011, p. 41):

A grande crise do capitalismo de 1930 trouxe certa descrença nos princípios da livre concorrência o que traz à tona algumas concepções teóricas que

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passam a defender a necessidade de intervenção exógena no mercado, com o propósito de manter o crescimento e a oferta de emprego. Foi o que propôs para a superação da crise da época. O princípio que sustentava sua defesa era de que o ciclo econômico não é autorregulador com pensavam os economistas clássicos e neoclássicos, uma vez que é determinado pelo que ele chamou de ‘espírito animal’ dos empresários. É por esse motivo, e pela ineficiência do sistema capitalista em empregar todos que querem trabalhar, que Keynes defendeu a intervenção do Estado na Economia.

Desta forma, caso o valor a ser distribuído aos municípios tomasse por base

inversa do Índice de Desenvolvimento Humano dos municípios (IDHM), estaríamos

fazendo uma distribuição mais equitativa, a qual possibilitaria uma melhor

distribuição das riquezas geradas em nosso estado, mesmo que aos olhos dos

municípios de maior arrecadação pareça injusto. Devemos considerar que a alíquota

nas vendas realizadas para os estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste prevê

uma alíquota de 7% e de 12% para os demais estados, o que significa

reconhecertratamento diferenciado aos estados considerados mais pobres e nas

operações dentro do nosso estado uma alíquota de 17%.

Segundo Pêgas (2011, p. 191):

O Senado Federal possui competência exclusiva para determinar alíquotas interestaduais de ICMS. Esta competência é exercida através de Resolução expedida pelo próprio Senado. [...] b) Quando o destinatário for contribuinte do imposto, as seguintes alíquotas serão utilizadas:7% (sete por cento) – Utilizada nas operações e/ou prestações promovidas por estabelecimentos localizados nas Regiões Sul e Sudeste, com destino a estabelecimentos localizados nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, inclusive no Estado do Espírito Santo, que para este fim, faz parte da Região Nordeste. 12% (doze por cento) – Utilizada para os demais casos [...].

Ainda sobre o ICMS, do valor arrecadado, 20% é retido pelo estado a ser

distribuído aos municípios como recursos para o Fundo de Desenvolvimento da

Educação Básica (FUNDEB), este repasse é proporcional ao número de alunos

matriculados em cada município, sendo que, estes valores são acrescidos aos

municípios como os recursos que o Estado recebe da União.

Desta forma, uma situação de distribuição de recursos proporcional ao

número de alunos, que independe do valor do tributo gerado em cada município, e

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125

sim do número de crianças na escola. Assim, poderia ser retida uma parte do ICMS

e distribui-lo aos municípios, considerando o IDHM o, que favoreceria a uma

distribuição de renda aos municípios com menor número de comércio e indústria.

Ressalta-se aqui o argumento de que com mais recursos no município em

programas de transferência de renda às comunidades carentes, favoreceria o

aumento do consumo e a uma maior arrecadação de impostos sobre o consumo.

Temos em nosso estado uma situação em que o desenvolvimento de uma

região mais pobre somente poderá ocorrer se houver investimentos públicos para

poder criar as condições para a região gerar riquezas e desenvolver-se em um

determinado espaço de tempo. Este modelo de transferência de renda é algo que o

Brasil experimentou nos últimos anos, programas estes que conseguiram fazer o

desenvolvimento de regiões muito pobres, como é o caso do sertão nordestino, que

passou a ter condições de fazer circular dinheiro no comércio local com a compra de

gêneros de primeira necessidade. Temos então um círculo virtuoso, capaz de gerar

mais empregos e renda onde existe pouca circulação de dinheiro.

A REDISTRIBUIÇÃO DO ICMS‘O ICMS SOCIAL’

Neste artigo colocamos em jogo uma forma de distribuição dos recursos do

ICMS do estado de Santa Catarina que denominados de ‘ICMS SOCIAL’. Segundo

dados do relatório de gestão do estado de Santa Catarina disponibilizado no Portal

da Transparência do Estado pela Secretaria da Fazenda, apresenta uma

arrecadação de R$ 8,191 Bilhões no período de janeiro a agosto do corrente. Deste

valor 25% (vinte e cinco por cento) são repassados aos municípios, sendo que

destes 75% (setenta e cinco por cento) são repassados aos municípios onde a

arrecadação foi gerada e 25% (vinte e cinco por cento) a critério do governo

estadual através de lei específica. Com base nestes dados a distribuição seria a

seguinte:

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126

Tabela 2 – Distribuição do ICMS de janeiro a agosto de 2012

Valor do Estado 75%

Valor Município 18,75%

Valor Município conforme critério estadual 6,25%

Total

R$ 6.143 bilhões R$ 1.536 bilhões R$ 512 milhões R$ 8.191 bilhões Fonte: Relatório de gestão do Estado de Santa Catarina (2012, adaptado)

Caso fosse adotada uma retenção e distribuição de 5% da receita de ICMS do

estado de Santa Catarina que é distribuída aos municípios, teríamos um valor de R$

76.790 milhões a ser distribuído aos municípios com menor IDHM, com base nos

dados do PNUD, Atlas do Desenvolvimento Humano. Poderíamos ter em nosso

estado o que poderia ser chamado de “ICMS Social”, capaz de levar

desenvolvimento às mais longínquas regiões de nosso estado, pois em muitas

regiões temos apenas agricultura de subsistência e o extrativismo vegetal.

Para este cálculo de indicador de repasse do “ICMS Social”, foi utilizada como

metodologia a somatória total dos percentuais de pobreza e dividido o percentual de

cada município por este total, como exemplo: o município de “Entre Rios”, tem um

percentual de pobreza de 65,76 dividido pela somatória dos 293 municípios que é

igual a 6.984,20, chegamos a um índice de 0,00942, que deverá ser multiplicado

pelo valor retido do ICMS de R$ 76.790 milhões, resultando assim o “ICMS Social” a

ser repassado a este município.

Desta forma, com base no relatório de gestão de agosto de 2012, disponível

no portal da transparência do Estado, o qual evidencia as transferências aos

municípios conforme o artigo 133 em seu parágrafo 5º da constituição do Estado,

apresenta um total repassado de ICMS R$ 1.946 bilhões, sendo descontado deste

valor os 5% que representa o ICMS, gerado pelos municípios conforme demonstra a

tabela 3, teríamos a seguinte distribuição aos 25 municípios com menor IDHM:

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127

Tabela 3 – Distribuição do “ICMS Social” de janeiro até agosto de 2012

MUNICÍPIOS

ICMS Até o mês

(R$) % de

Pobres

Total Até o mês

IPVA/IPI/ ICMS (R$) Índice

Retenção

5% ICMS (R$)

ICMS Social (R$)

Total (R$)

ENTRE RIOS 1.444.712 65,76 1.516.171 0,009416 56.983 723.025 2.182.213

Calmon 1.776.371 57,50 1.861.236 0,008233 70.065 632.207 2.423.379

Cerro Negro 1.305.127 54,83 1.374.747 0,007851 51.478 602.851 1.926.120

Timbó Grande 2.161.908 53,45 2.344.518 0,007653 85.271 587.678 2.846.924

Ipuaçu 4.547.322 53,35 4.777.424 0,007639 179.358 586.578 5.184.644

Bela Vista do Toldo 2.029.526 53,12 2.230.032 0,007606 80.050 584.049 2.734.032

Bandeirante 1.439.211 50,13 1.515.336 0,007178 56.766 551.175 2.009.744

Santa Terezinha 2.374.916 49,26 2.634.228 0,007053 93.673 541.609 3.082.164

Lebon Régis 2.192.993 49,22 2.514.091 0,007047 86.497 541.169 2.968.763

São José do Cerrito 1.699.492 47,96 1.897.839 0,006867 67.032 527.316 2.358.123

Abelardo Luz 6.508.538 47,67 7.293.879 0,006825 256.713 524.127 7.561.293

Brunópolis 1.742.014 47,53 1.838.874 0,006805 68.710 522.588 2.292.753

Passos Maia 2.182.247 47,26 2.311.090 0,006767 86.073 519.619 2.744.636

Rio Rufino 1.253.399 46,67 1.326.573 0,006682 49.437 513.132 1.790.268

Anita Garibaldi 2.931.831 45,44 3.214.154 0,006506 115.639 499.609 3.598.123

Dionísio Cerqueira 2.964.977 44,52 3.570.484 0,006374 116.946 489.493 3.943.031

Major Vieira 2.692.015 44,52 2.978.022 0,006374 106.180 489.493 3.361.335

Campo Erê 3.105.431 44,51 3.562.943 0,006373 122.486 489.383 3.929.840

Saltinho 1.554.678 43,85 1.657.795 0,006278 61.320 482.127 2.078.601

Bom Jardim da Serra 1.629.358 43,4 1.770.236 0,006214 64.266 477.179 2.183.149

Campo Belo do Sul 2.411.494 43,29 2.611.468 0,006198 95.116 475.969 2.992.322

Tigrinhos 1.479.403 43,23 1.547.167 0,00619 58.351 475.310 1.964.126

Matos Costa 1.313.517 43,15 1.377.724 0,006178 51.808 474.430 1.800.346

Guatambu 3.561.034 42,95 3.772.276 0,00615 140.456 472.231 4.104.051

Ponte Alta 1.819.386 42,66 1.977.948 0,006108 71.761 469.043 2.375.229

Fonte: PNUD e SEF (2012, adaptado)

Desta forma, evidencia-se que a distribuição dos recursos é realizada de

acordo com critérios estabelecidos pela constituição Federal e do Estado, tendo em

relação à distribuição dos recursos advindo da arrecadação dos impostos, gerar

cada vez mais desigualdades entre as regiões do estado. Ao adotar como

moderador da distribuição o percentual de pobreza estamos trabalhando sobre dois

aspectos que assim podem ser apresentados.

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Primeiro, regiões mais pobres possuem um menor número de indústrias e um

comércio com menor arrecadação de ICMS, e que por sua vez possuem um menor

número de veículos automotores, assim, com poucas possibilidades de ampliar a

sua arrecadação de impostos, o que seria reparado com o repasse do “ICMS social”.

Segundo, regiões mais ricas com melhor IDHM tendem a crescer mais e a ser

mais representativas no cenário político estadual, tendo em vista que com menor

índice de pobreza seus problemas sociais aliados à fome, menores carentes,

desemprego, podem ser melhor geridos pelo governo municipal, uma vez que este

pode dispor de uma rede de atendimento com um número maior de profissionais, o

que não acontece nos demais municípios.

O modelo de estado centralizado que constatamos historicamente em relação

ao governo federal e estadual, não contribui para o desenvolvimento dos municípios,

o que evidencia um governo centralizado e com a distribuição de recursos baseado

em normas que não estão contribuindo para o desenvolvimento regional. Faoro

(1997, p. 165), descreve a organização do estado português que destrói todas as

formas de autoridade local, retirando aqueles que resistem ao domínio, impondo a

obediência passiva ou o silêncio como uma organização política e administrativa

centralizada e autoritária:

[...] O Estado não é sentido como o protetor dos interesses da população, o defensor das atividades dos particulares. Ele será, unicamente, monstro sem alma, o titular da violência, o impiedoso cobrador de impostos, o recrutador de homens para empresas com as quais ninguém se sentirá solidário. Ninguém com ele colaborará, - salvo os buscadores de benefícios escusos e de cargos públicos, infamados como adesistas a uma potência estrangeira.

Existe por parte do estado, sobretudo de Santa Catarina, a intenção da

descentralização através das SDR, que buscam desenvolver as suas regiões,

carreando para cada uma os recursos disponíveis no tesouro do estado. Esta

descentralização pode e deve avançar deste que num primeiro momento venhamos

a ter uma maior atuação do estado na geração de emprego e renda, capaz de

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desenvolver economicamente as regiões. Dallabrida (2011, p. 40) reafirma a ideia de

estado centralizado:

[...] O sistema político elitista e a persistência do autoritarismo, tanto nos regimes democráticos e muito mais nos governos ditatoriais, foram os responsáveis pela preservação de um Estado centralista e autoritário, muitas vezes sob a forma de manutenção de uma política local nas mãos de poderosos caudilhos regionais.

O desenvolvimento de uma região não pode ser visto apenas sobre o aspecto

econômico, pois outros fatores são importantes, como a cultura, a educação, entre

outros. Mas, a falta de recursos e perspectivas econômicas melhores, poderá gerar

a busca das pessoas que residem nestas regiões, por melhores empregos e

qualidade de vida, assim retirando destes municípios os poucos recursos humanos,

ou melhor, definindo, recursos intangíveis, que poderão criar novas alternativas de

desenvolvimento para a região.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A distribuição de receitas públicas sejam estas decorrentes da arrecadação

dos impostos ou de outras receitas pode ser entendido como o principal vetor do

desenvolvimento regional, ou capaz de gerar cada vez mais subdesenvolvimento.

No estudo apresentado verificamos que a distribuição do ICMS, no modelo atual, faz

com que regiões menos industrializadas recebam cada vez menos recursos e por

outro lado região com maior desenvolvimento industrial tende a receber mais

recursos.

A busca pelo desenvolvimento de uma região está ligada a vários fatores,

dentre estes podemos citar o estoque de recursos humanos, culturais, naturais, mas

não podemos deixar de lado a capacidade desta região em produzir e gerar riquezas

econômicas, que servirão como alavanca propulsora do desenvolvimento.

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130

E neste contexto de dar impulso no desenvolvimento temos a figura do

Estado, que fará investimento em infra-estrura e por que não dizer em financiar

pesquisas com o objetivo de identificar os recursos desta região, de forma que

possa ser transformado em ativos e assim serem capazes de ser a mola propulsora

do desenvolvimento.

Mas por outro lado, se mantida esta forma distribuição que vai transferir cada

vez mais recursos às regiões mais desenvolvidas, não haverá possibilidade de

existir desenvolvimento de forma equilibrada. Temos então que rediscutir e repensar

o modelo administrativo brasileiro, mas não apenas com o argumento da

descentralização, como é o caso de Santa Catarina, onde houve uma

descentralização administrativa, porém sem que houvesse nos mesmos moldes,

uma descentralização dos recursos e de poder.

Constatamos um modelo centralizado de distribuição de recursos, que busca

atender aos interesses do Estado, e não podemos dizer que seja este o interesse do

povo. Este fato não é novo, pois parafraseando Raymundo Faoro, no Estado

brasileiro primeiro veio o Estado e depois veio o povo, assim não temos um Estado

que não nasceu da vontade de seu povo, e sim, um Estado que se legitimou

juridicamente conformando um povo, que entre outras variáveis se caracteriza pela

sobreposição de povos e culturas importados de além mar. para Faoro (1997, p.

165),

Essa organização administrativa e política, que assim se constitui, não é, então, como a da sociedade americana, uma criação consciente dos indivíduos. Não emana da própria sociedade. Dela não surge como uma transformação do seu tempo e no espaço. É uma espécie de carapaça disforme, vinda de fora, importada. Vasta complexa, pesada, não está, pela enormidade da sua massa, em correspondência com a rarefação e o tamanho da população, que subordina.

Nesta perspectiva, para nos apresentarmos como uma matriz civilizatória de

fato, frente a outros povos e países há muito que fazer, sobretudo, compreender a

forma como se constituíram nossas instituições para justificar o modelo de Estado

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brasileiro, patrimonialista, clientelista, burocraticamente centralizado atuante em

nossos dias.

REFERÊNCIAS

ANGHER, Anne Joyce (Org.). Código Comercial, Código Tributário, Constituição Federal -5. ed. São Paulo: Rideel, 2005.

DALLABRIDA, Valdir Roque (Org.). Governança territorial e desenvolvimento: descentralização político-administrativa, estruturas subnacionais de gestão do desenvolvimento e capacidades estatais. Rio de Janeiro: Garamond, 2011.

______. Desenvolvimento regional: por que algumas regiões se desenvolvem e outras não? 1. ed. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2010. FAORO, Raymundo. Os donos do poder: Formação do Patronato Político Brasileiro. 12 ed. São Paulo: Globo, 1997. IBGE. Sistema IBGE de Recuperação Automática (SIDRA). Disponível em: <http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/protabl.asp?c=21&z=p&o=35&i=P>. Acesso em: 14 out. 2012. PÊGAS, Paulo Henrique. Manual de Contabilidade Tributária: análise dos impactos tributários das leis nº 11.638/07, 11.941/09 e dos pronunciamentos emitidos pelo CPC – 7. ed.- Rio de Janeiro: Maria Augusta Delgado, 2011. PORTAL BRASIL, Disponível em: <http://www.portalbrasil.net/estados_sc.htm>. Acesso em: 14 out. 2012. SANTA CATARINA. Secretaria de Estado da Fazenda (SEF). Disponível em: <http://sef.sc.gov.br/relatorios/diat/estat%C3%ADsticas-e-indicadores-munic%C3%ADpios>. Acesso em: 30 set. 2012. ______. ______. Disponível em:<http://sef.sc.gov.br/relatorios>. Acesso em: 30 set. 2012.

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132

O PLANEJAMENTO URBANO DE MUNICÍPIOS COM BASE NO PLANO

DIRETOR48

Rógis Juarez Bernardy49

INTRODUÇÃO

Há poucas décadas que os municípios brasileiros adquiriram autonomia

administrativa, o que canalizou aos mesmos uma série de atribuições legais no

campo social, na educação, na saúde, no desenvolvimento econômico, na

infraestrutura, no meio ambiente e no planejamento e na organização do próprio

território.

Os aspectos sócios espaciais dos munícipes são fortemente influenciados

pela capacidade que os atores locais possuem em criar pactos entre os diferentes

segmentos representativos, como o poder executivo municipal, as entidades

representativas da sociedade civil, as organizações não governamentais e os

próprios cidadãos de forma coletiva ou individualizada.

Um instrumento legal relevante para o processo de planejamento territorial é

representado pelas oportunidades geradas pela Lei nº. 10.257/01, denominada

Estatuto da Cidade (2001). Esta Lei regulamentou os artigos 182 e 183 da

Constituição Federal (1988) e possibilita, através do plano diretor, a aplicações de

instrumentos que contribuem para a efetiva qualificação do desenvolvimento,

inclusive de pequenos municípios (como aqueles com até 20 mil habitantes).

Neste contexto, este paper teve como objetivo realizar uma análise teórica da

viabilidade da aplicação dos instrumentos do Estatuto da Cidade relacionada à

48

Este paper se baseia em discussões teóricas originalmente publicadas em artigo na Revista Desenvolvimento em Questão - ano 11 - n. 22 - jan./abr. 2013 p. 4 – 34, da UNIJUÍ. 49

Doutor em Cadastro Técnico Multifinalitário e Gestão Territorial (UFSC) e Professor da Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC. Mestrado Profissional em Administração. Chapecó (SC). [email protected]. Palestra proferida no I Simpósio Nacional sobre Estado, Descentralização e Gestão Pública, promovido pelo Mestrado em Desenvolvimento Regional – da Universidade do Contestado – UNC em 2013

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indução do desenvolvimento urbano, considerando a realidade de pequenos

municípios. Embora estes municípios não sejam contemplados no Estatuto da

Cidade, possuem possibilidades de regulamentação e aplicação de instrumentos

que podem auxiliar significativamente no desenvolvimento de seus territórios.

A aplicação dos instrumentos do Estatuto da Cidade se constitui elemento

catalizador do desenvolvimento no âmbito urbano de pequenos municípios, pois,

está vinculado à otimização dos investimentos públicos, como na economia urbana,

no ordenamento do solo, nas parcerias entre poder executivo, investidores,

empreendedores e sociedade, além de abertura para a canalização de recursos

externos, com base na organização interna do território.

CONTEXTUALIZAÇÃO TÊMPORO-ESPACIAL DO FENÕMENO URBANO

Um marco na ascendência dos municípios, em nível de Brasil, foi a

Constituição Federal (1946), que nos Art. 28, determinou novas funções aos

municípios brasileiros, como as eleições de Prefeitos e Vereadores; a administração

própria e autônoma; a instituição de sistemas própriosde cobrança de impostos; a

instituição de sistemas de planejamentoe de gestão próprios; a instituição de

Legislações específicas, entre outras.

Quanto à gestão dos municípios, a partir da segunda metade do século XX,

com o crescimento das cidades, determinada pelo crescimento vegetativo e pela

mobilidade populacional rural e intra-urbana, surgiram novas demandas no Brasil, no

campo de infraestrutura, de localização de novas áreas para a urbanização, de

serviços públicos de atendimento básico à população, de moradia e outros. No

âmbito legal, embora já existissem formações urbanas desde o princípio do

processo colonizatório, no primeiro quartel do século XX (1938):

[...] as cidades foram todas transformadas em sedes municipais, independente de suas características estruturais e funcionais, através do Decreto Lei 311, de 1938. Este transformava a sede de freguesia, a vila em

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cidade, portanto, existe uma recente evolução legal deste fenômeno no Brasil (VEIGA, 2008, p. 71).

Neste sentido, a cidade passou a ser o espaço de abrigo para a instituição do

núcleo municipal, sendo que entre os critérios definidos para a autonomia dos

municípios estava existência de um “núcleo urbano” como espaço adequado para a

instalação de “administração própria”, entre outros critérios, assegurando à condição

de autonomia aos municípios, conforme contemplado no Artigo 28, da Constituição

dos Estados Unidos do Brasil (BRASIL, 1946).

Para Lefebvre (2002) a evolução urbana “[...] é ao mesmo tempo espacial e

temporal: espacial porque o processo de estende no espaço que ele modifica e

temporal, uma vez que se desenvolve no tempo”, sendo que esta caracterização

conformou uma rede urbana brasileira centrada em poucas cidades de grande e

médio porte e muitas cidades de pequeno porte (IBGE, 2010).

Este processo fez com que as cidades tivessem determinadas

especificidades, no caso do estado de Santa Catarina foram construídas sob o

prisma de uma gênese de ocupação no litoral; a não integração econômica

(ausência quase que completa de atividades industriais); a formação urbana

rarefeita e tardia (segunda metade do século XX), configurada na relação com as

atividades não urbanas (o excedente de produção do espaço rural teve forte

conotação na formação de novas cidades), principalmente na região serrana e oeste

do Estado.

No contexto da formação têmporo-espacial urbana catarinense que inclusive

se caracteriza como incompleta pela ausência de cidades de grande porte, (a maior

cidade é Joinville, com 515.288 habitantes – IBGE, 2011), para o padrão brasileiro

se evidencia uma urbanização periférica ao contexto da rede urbana nacional.

Em Santa Catarina a criação de novos municípios, por desmembramento,

implicou na delimitação de novas áreas urbanas, sendo que as formas de

planejamento destes municípios não antecedem o uso do solo urbano, tampouco

rurais. Santa Catarina possui 79,18% dos seus municípios com até 20 mil habitantes

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(IBGE, 2010). Nestes locais “o tecido urbano prolifera, expande e corrói os resíduos

da vida agrária [...] não apenas em relação ao domínio edificado, cristalizado e

visível, mas, no conjunto das manifestações do predomínio da cidade sobre o

espaço rural” (LEFEBVRE, 2002, p. 17).

No Brasil, as cidades se multiplicam sem aóptica do planejamento e foram

influenciadas pela acentuada industrialização concentrada, mobilidade de pessoas

do espaço rural, grande crescimento vegetativo, diversificação das atividades

econômicas, ampliação dos serviços públicos e sistema educacional que se voltou

às cidades, entre outros

Neste caso, existe a necessidade de considerar um planejamento com base

na realidade territorial do município que considere as suas especificidades próprias.

Reconhece-se que o planejamento brasileiro é recente, parcial, incompleto e urbano,

em termos de ordenamento territorial, pois, praticamente não se manifesta no

espaço rural, onde o uso do solo se processa de forma muito mais empírica,

baseado na experiência de quem modela e transforma o uso do solo, por atividades

econômicas.

Quando se aborda a diferenciação do fenômeno urbano em uma região,

deve-se considerar que as demandas dos pequenos municípios não são idênticas às

demandas dos municípios de porte médio (acima de cem mil habitantes – IBGE,

2000), inclusive as mesmas não devem servir de referência para a implantação de

infraestrutura em cidades pequenas. Entre os desafios de planejar uma pequena

cidade está a necessidade de desvincular das implementações de cidades de porte

médio, pois, na atualidade “as cidades estão cada dia mais padronizadas e

uniformizadas” (JEUDY, 2005, p. 12).

Neste sentido, observa-se que os diferentes grupos sociais tendem a se

concentrar cada vez mais em diferentes locais (sítios) de uma cidade – locais de

exclusividade. O padrão mais conhecido de segregação é o centro e a periferia,

reproduzido inclusive em pequenos municípios, em função do confinamento

fundiário, do valordo uso do solo urbano (VILLAÇA, 2001). Como exemplo, cita-se

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as zonas especiais de interesse social (ZEIS) via financiamento oficial, para

excluídos da moradia urbana, que são confinados em espaço periférico,

representando, também um mecanismo de exclusão e estratificação espacial e

social urbana que gera e intensifica a hierarquia interna urbana.

INSTRUMENTOS LEGAIS DO PLANEJAMENTO URBANO E MUNICIPAL

Inicialmente, no âmbito do estado nacional, as cidades tinham funções mais

“homogêneas”, principalmente vinculadas à moradia, em seus processos iniciais de

formação. Entretanto, conforme aumentou o contingente populacional, existem

tendências de maior diversificação de atividades econômicas que extrapolam o setor

comercial e se dinamiza, também, na indústria e serviços (neste caso, poderiam ser

acrescentadas as atividades informais).

Esta característica (diversificação das atividades econômicas) aliada a uma

expressiva mobilidade populacional do rural e o próprio crescimento vegetativo,

gerou expectativas de maior contemplação das políticas de desenvolvimento urbano,

previstas na Constituição Federal (1988), que ficaram centradas apenas no Capítulo

II, nos Artigos 182 e 183 (BRASIL, 1988).

Esta política de desenvolvimento urbana ressalta que será [...] executada pelo

poder público municipal, [...] tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das

funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes (BRASIL, 1988)

e ressalta que o plano diretor será o instrumento básico da política de

desenvolvimento e de expansão urbana. No caso, para os pequenos municípios,

parcela significativa dos mesmos (neste caso se utiliza o recorte demográfico de 20

mil habitantes) possui forte processo de redução populacional, conforme pode ser

atestado pelos dados censitários (IBGE, 2000 e 2010).

A Constituição Federal (1988) incluiu o conceito da “função social da

propriedade” e remeteu aos municípios, mediante lei específica, para as áreas

identificadas no plano diretor, “exigir, [...] do proprietário do solo urbano não

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edificado, subutilizado ou não utilizado que promova seu adequado aproveitamento”.

Portanto, a aplicação deste mecanismo legal, depende da instituição de um

planejamento, que seja aplicável no âmbito municipal.

No ano de 2001, após uma insatisfação com a pouca inserção das políticas

de desenvolvimento urbano, contempladas na Constituição Federal (1988) e o forte

apelo dos movimentos sociais, principalmente vinculados à reivindicação da moradia

urbana, o Congresso Nacional aprovou a lei denominada de Estatuto da Cidade

(LEI, 10.257, 2001; OLIVEIRA e CARVALHO, 2001; ROSSBACH, 2010 e

MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2006). Esta Lei instrumentaliza os municípios para

garantir o pleno desenvolvimento das “funções sociais da cidade e da propriedade

urbana” e representa um expressivo avanço em termos legais, embora ainda não

seja integralmente aplicada, na atualidade. Os instrumentos do Estatuto da Cidade

que se aplicam aos municípios, através do plano diretor, são de três modalidades:

indução do desenvolvimento; regularização fundiária e de democratização da gestão

urbana (ESTATUTO DA CIDADE, 2001).

O Estatuto da Cidade se instrumentaliza nos municípios através do plano

diretor municipal, sendo que se constitui como o principal mecanismo de

planejamento, embora não seja obrigatório para todos os municípios (uma

característica é que deve possuir mais de 20 mil habitantes). O Estatuto da Cidade

aborda as seguintes características do plano diretor: deve englobar todo o território

municipal (não apenas urbano); deverá garantir a participação social em seu

processo de elaboração, através de reuniões comunitárias e audiências públicas;

deverá ser revisto a cada dez anos, portanto, não é uma política de governo

(ESTATUTO DA CIDADE, 2001; OLIVEIRA; CARVALHO, 2001; ROSSBACH, 2010).

Neste sentido, para Souza (2005) o objetivo essencial do planejamento é

permitir que a propriedade garanta a sua função social e de forma sistemática

refletiria no cumprimento da função social da cidade, com a efetiva incorporação dos

instrumentos do Estatuto da Cidade.

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Nos pequenos municípios, entre os mecanismos legais mais difundidos está a

Lei Orgânica Municipal, que comumente versa de forma muito simplificada e

superficial sobre o planejamento urbano e municipal. Em uma segunda escala seria

fundamental que os pequenos municípios tivessem um plano diretor, uma vez que

permitiria a existência de uma série de leis complementares e vinculadas, como o

código de posturas, de edificações, do sistema viário, do meio ambiente e outros.

Desta forma, o gestor público teria uma série de mecanismos legais para a tomada

de decisão, no que diz respeito ao planejamento municipal, entretanto, esta

sistemática não é difundida em pequenos municípios brasileiros (SILVA, 2008).

O desenvolvimento de um plano diretor no município não deve apenas

considerar as contemplações legais do Estatuto da Cidade, que limita para os

municípios acima de 20 mil habitantes, contudo, em função da necessidade de

contribuir para a equalização dos investimentos públicos e para a melhoria da

qualidade de vida da população. Desta forma, o enquadramento legal desta

modalidade de planejamento, poderia ser vinculado à Constituição Federal (1988)

(Artigos 182 e 183) e as respectivas Constituições estaduais.

O PLANO DIRETOR COM INSTRUMENTO DO DESENVOLVIMENTO MUNICIPAL

A abordagem do planejamento municipal não é tarefa simples, seja para uma

única área do conhecimento, seja para grupos sociais restritos que possuem uma

condição privilegiada quanto ao “mantenimento” de uma visão técnica-política sobre

o território municipal: exige a efetiva participação da sociedade. Por um lado, esta

participação fica parcialmente limitada pelo não rompimento de problemas

estruturais vinculados à incompreensão integral da dinâmica de um município. Por

outro, existe uma importante contribuição da sociedade pelo fato de conhecer

empiricamente os detalhes de sua realidade local, fator que pode contribuir para os

processos de planejamento.

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A preocupação com o ordenamento das atividades econômicas, como o

princípio para o mantenimento das populações em seus locais de origens e a

dinâmica urbana, ou seja, como a cidade se organiza, permitindo que a população

tenha uma progressiva qualidade de vida, é uma das pautas mais importantes nos

processos de cristalização dos planos diretores, na atualidade.

O plano diretor tem um papel fundamental no exercício da cidadania, uma vez

que representa uma excelente oportunidade para o cidadão participar e fiscalizar,

conjuntamente com as instituições e o Poder executivo municipal (instituição de

conselho gestor), propiciando uma maior qualidade de vida, para os munícipes do

espaço rural e urbano. Em conformidade com Cullingwort (1997) devem-se

considerar elementos básicos em um processo de planejamento urbano e municipal:

a) reflexão orientada para o futuro; b) escolha entre alternativas otimizadas de

desenvolvimento; c) considerações de limites, restrições e potencialidades; d)

possibilidades de diferentes cursos de ações, os quais dependem de condições e

circunstâncias variáveis; e) preocupação com a resolução de conflitos de interesses.

O plano diretor é essencial para o uso adequado do solo no município, em

especial a previsão de crescimento urbano vertical ou horizontal, o desenvolvimento

econômico, as redes de infraestrutura e de serviços públicos, as limitações

urbanísticas para as edificações, a preservação ambiental, a habitação de interesse

social, a regularização fundiária e a gestão democrática e participativa. O plano

diretor é uma lei complementar da maior importância, pois estabelece as diretrizes e

as orientações a serem cumpridas para o desenvolvimento planejado do município,

portanto, se constitui como uma política municipal e não de governo (BERNARDY;

ZUANAZZI; MONTEIRO, 2008; SILVA, 2008).

Na atualidade, o planejamento de um município através do plano diretor, se

caracteriza por três esferas: a técnica, a legal e a política. A técnica está relacionada

às informações locais que servem de base para a prospecção territorial; a jurídica

diz respeito à análise de todas as condicionantes e características legais, em

diferentes esferas; a política diz respeito à mobilização comunitária, a participação

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dos gestores públicos, das entidades representativas (como exemplo no núcleo

gestor) e da sociedade, tanto no processo de elaboração quanto de fiscalização na

aplicação do plano diretor. As dimensões técnica e política constituem os pilares do

planejamento e da gestão do desenvolvimento.

Uma condição essencial para o planejamento da cidade considerando seu

conteúdo político está vinculada à descentralização das decisões relativas à

transformação do espaço urbano, que permite ampliar o espaço de decisão local, a

participação do indivíduo na construção de seu cotidiano (PEREIRA, 2008).

A percepção sobre a necessidade de implantação de um plano diretor é do

gestor executivo municipal (prefeito), conjuntamente com a sociedade organizada

(entidades representativas) e cidadãos individuais. Esta percepção se dá quando as

leis municipais (quando existem) que oferecem suporte para o planejamento não

respondem mais pelas demandas atuais dos municípios, seja na implantação de

infraestrutura, de empreendimentos econômicos, expansão e verticalização urbana,

implantação de equipamentos comunitários e outros (BERNARDY; ZUANAZZI;

MONTEIRO, 2008).

Um fator essencial para a efetividade de um plano diretor diz respeito ao seu

processo de elaboração, uma vez que necessita ser embasado na realidade local,

sem a transferência de modelos padronizados de outros locais. Deve ser focado em

temáticas que irão aportar para o desenvolvimento de projetos e investimentos que

se convertam em melhoria na qualidade de vida da população (não atenda apenas

interesses de grupos hegemônicos).

As variáveis estratégicas contidas em um plano diretor devem ser utilizadas

integralmente para a captação de recursos externos (público ou privado), para os

investimentos em diferentes áreas nos municípios, portanto, o plano diretor se torna

a ferramenta principal, catalisadora de investimentos nos municípios. Desta forma,

tem uma função primordial na equalização dos investimentos públicos, pois, na

atualidade, as cidades possuem custos fixos elevados, principalmente pela baixa

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141

densidade demográfica e pela retenção fundiária urbana (formação de áreas vazias

e subutilizadas) (BERNARDY; ZUANAZZI; MONTEIRO, 2008).

Entre as características desejáveis de um plano diretor, que se constitui como

um instrumento de indução do desenvolvimento urbano e municipal e deve estar

atrelada à flexibilidade (indução do desenvolvimento); a miscigenação de usos do

solo, evitando à monofuncionalidade; a infraestrutura, como definidora dos usos

urbanos; a preservação ambiental; a otimização da mobilidade e da acessibilidade; a

habitação de interesse social; os usos adequados dos vazios e a continuidade

urbana. Todas estas características estão em conformidade com a aplicação dos

instrumentos do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01), conjuntamente com a gestão

democrática e participativa.

Após todo o processo de elaboração de um plano diretor, existe a

necessidade dos trâmites legais, para a aprovação na Câmara de Vereadores. Após

a sanção do Executivo municipal, deve-se instituir um Conselho municipal do plano

diretor, com entidades representativas, que possui a função de auxiliar na tomada de

decisão por ocasião de sua aplicação em período de até dez anos, com as

respectivas revisões periódicas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entre as demais características do tema desta pesquisa, salienta-se a difusão

de conhecimentos acerca da necessidade das ações dos gestores públicos

municipais estarem centradas em informações técnicas e legais que possibilita que

as cidades tenham características adequadas, em função dos investimentos

necessários, que permita uma qualidade de vida aos munícipes.

Salienta-se que o instrumento estratégico para a aplicação dos mecanismos

do Estatuto da Cidade nos municípios é o plano diretor, sendo que para cumprir esta

função, tem de ser desenvolvido com base na realidade territorial local,

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142

especialmente com a identificação das áreas aptas a sofrerem as interferências dos

instrumentos do Estatuto da Cidade, em função de suas potencialidades específicas.

De imediato, a aplicação dos instrumentos do Estatuto da Cidade,

proporciona vantagens competitivas aos pequenos municípios: diminuição dos

custos de implantação e manutenção de infraestrutura urbana, parceria entre público

e privado, cumprimento das funções social da propriedade, abertura para

financiamentos externos e consequente melhoria na qualidade de vida dos

munícipes.

Especificamente para os pequenos municípios (até 20 mil habitantes), pode

gerar um circuito de desenvolvimento equalizado, com base em unidades

administrativas difundidas sobre nos territórios, representando um ciclo contrário de

investimentos que se estruturam com maior vantagem, na atualidade, em municípios

de maior porte.

Desta forma, a atuação do poder executivo municipal, com base no plano

diretor, se vincula ao desenvolvimento local, pela atuação de investimentos não

apenas canalizados em funções básicas, entretanto, em estratégias de

desenvolvimento que contribua para a fixação da população em seus locais de

origem, com maior qualidade de vida.

A aplicação dos instrumentos do Estatuto da Cidade, contemplados no plano

diretor constituído com base na realidade municipal, modifica a tomada de decisões

pautadas eminentemente em critérios pessoais e personalistas que dificultam o

desenvolvimento de municípios de forma mais equitativa.

REFERÊNCIAS

BERNARDY, R. J.; ZUANAZZI, J.; MONTEIRO R. R. Território, planejamento e gestão: um estudo do Oeste Catarinense a partir da região da AMOSC. Chapecó (SC): Palotti, 2008.

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A PRÁTICA DA AGROECOLOGIA NO ASSENTAMENTO MIMO, MUNICÍPIO DE

IRIENÓPOLIS (SC)

Eduardo Lando Bernardo50 Jairo Marchesan51

RESUMO: O presente artigo é resultado de uma visita técnica da VIII Turma do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado – UnC, Campus de Canoinhas (SC), da Disciplina de “Desenvolvimento Rural” ao Assentamento Mimo52, localizado no município de Irienópolis (SC). O Assentamento é resultado de uma ocupação por integrantes do MST no ano de 2004. Atualmente, há 11 famílias estabelecidas em uma área de 71,5 hectares, distribuídas igualitariamente em 6,5 hectares por família assentada. A maioria das famílias rurais trabalha na forma cooperativada. A referida visita possibilitou conhecer e analisar as práticas agroecológicas desenvolvidas no assentamento. Percebeu-se que a agroecologia é uma relação social com o ambiente, caracterizada principalmente por utilizar pequenas áreas de terra, mão de obra familiar e possuir respeito e interação harmoniosa com os bens naturais. Assim, concluiu-se que as questões ambientais e a prática da agroecologia no assentamento poderão mobilizar e incentivar outras iniciativas socioambientais e contribuir para a produção de alimentos saudáveis e ao desenvolvimento regional.

Palavras chave: Agroecologia, Assentamento, Sustentabilidade.

INTRODUÇÃO

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é denominado

como um movimento social camponês autônomo, cujo objetivo coletivo é a luta pelo

direito e dignidade no uso da terra, bem como a busca da reforma agrária e das

necessárias transformações sociais do País. O movimento iniciou-se na década de

50

Biólogo, Bolsista do Programa de Bolsas do Fundo de Apoio à Manutenção e ao Desenvolvimento da Educação Superior – FUMDES e Discente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional. Universidade do Contestado – UnC, Canoinhas – SC. E-mail: [email protected]. Fone: +55 (49) 99257313

51Dr. em Geografia e Docente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional. Universidade do Contestado – UnC, Canoinhas – SC. E-mail: [email protected]. Fone: +55 (49) 99943678

52Em homenagem ao educador Manoel Alves Ribeiro, conhecido por Mimo, um idealizador da educação no campo e para o campo, bem como um precursor das escolas itinerantes nos assentamentos.

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80 no município de Cascavel (PR), onde centenas de trabalhadores rurais, tais como

posseiros, atingidos por barragens, migrantes, pequenos agricultores, entre outros,

uniram-se para defender as pequenas e médias unidades de produção agrícola

(MST, 2013).

Devido a esses ideais e às dificuldades de sobrevivência no espaço rural

brasileiro geraram-se crescentes conflitos, contrários ao “modelo” de agricultura

proposto e imposto no país, caracterizado, principalmente, pelas grandes

propriedades, controle da produção agrícola por conglomerados agroindustriais,

mecanização agrícola e uso intensivo de agroquímicos. Com isso, o movimento

iniciou a construção de uma estrutura organizativa e propositiva com representação

em todas as esferas da sociedade, especialmente do campo, propondo relações

mais harmoniosas com o meio ambiente e de cooperação humana. E mais: tornou-

se o maior e o mais importante movimento popular do país, destacando-se pela

disciplina, dedicação e comprometimento com as questões agrárias, bem como com

a aproximação dos princípios e concepções da agricultura sustentável.

Através da agroecologia53, o MST reorientou o enfoque adotado nos

assentamentos rurais. Iniciou um processo de transição, até atingir mudanças

significativas na relação de trabalho e produção nas propriedades rurais. Além dessa

perspectiva, a agroecologia adentrou a esfera política como forma de contestação

ao modelo agroexportador representado pelas multinacionais (de insumos químicos

e de pesquisa em biotecnologia e transgênicos) e pelo agronegócio (BORGES,

2010).

Em parceria com entidades ambientais e educacionais, o MST busca

aumentar os conhecimentos sobre a realidade ambiental e, sobretudo, desenvolver

programas conjuntos de sensibilização para a necessidade de práticas ecológicas

que atendam à legislação ambiental brasileira, de preservação dos recursos naturais

53

É a ciência ou a disciplina que apresenta uma série de princípios, conceitos e metodologias para estudar, analisar, dirigir, desenhar e avaliar agroecossistemas, com propósito de permitir a implantação e o desenvolvimento de estilos de agricultura com maiores níveis de sustentabilidade (ALTIERI, 1995).

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e produção de tecnologias agropecuárias e sejam menos agressivas ao meio

ambiente (OLIVEIRA, 2008).

CARACTERIZAÇÃO DO ASSENTAMENTO

Os agricultores assentados relataram as dificuldades encontradas na primeira

etapa do assentamento devido à falta de infraestrutura básica, como moradia,

energia elétrica, água, comunicação, transporte, entre outros problemas. Além disso,

a situação ecológica da área, que esteve submetida por mais de 40 anos à

predominância de reflorestamento arbóreo exótico (pínus), comprometeu

severamente as práticas agrícolas desenvolvidas nos primeiros anos do

assentamento.

Porém, com o passar do tempo e principalmente pela articulação social dos

assentados e com a colaboração e assistência técnica prestada por várias entidades

(Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, Empresa de

Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina - EPAGRI, Empresa

Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA, Universidade Federal de Santa

Catarina - UFSC, Instituto Federal de Santa Catarina – IFSC, Universidade do

Contestado - UnC, Cooperativa de Produção Agropecuária Dolcimar Luis Brunetto -

COOPERDOTCHI e Prefeitura Municipal de Irineópolis (SC), entre outras),

desenvolveu-se um rearranjo das atividades agrícolas na área, dinamizando a

economia, a qual se baseou na diversificação das atividades e na produção e

comercialização dos produtos agroecológicos.

A proposta tornou-se realidade no assentamento e mostra-se como

alternativa cooperativista em busca de um novo “modelo de desenvolvimento".

Nesse sentido, a coordenadora e agricultora54 do assentamento Mimo relatou com

orgulho as práticas adotadas no assentamento e a importância do meio ambiente e

das práticas agroecológicas.

54

Entrevista concedida por uma das líderes do Assentamento Mimo no dia 22 de março de 2013.

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[...] A maior riqueza que temos aqui, dentro do assentamento, é o respeito com o meio ambiente, é um ensinamento que temos aqui, e principalmente receber sempre pessoas, como professores e alunos nos dão força para utilização da agroecologia [...].

Além do mais, segundo a entrevistada, a orientação é de que os assentados

exercitem os conhecimentos antropológicos tradicionais da agricultura, porém,

gradativamente incorporem e adaptem os novos processos tecnológicos

agroecológicos.

COOPERATIVISMO, FORMAS DE PRODUÇÃO E PRODUTOS

Para o Movimento (MST), a cooperação é uma virtude e também uma

ferramenta muito importante nas relações entre os assentados. Tal concepção

teórica e prática permite socializar o uso dos recursos disponíveis e aumentar a

produtividade, possibilitando a inserção no mercado com competitividade ampliada

(BORGES, 2010).

O manejo adequado do solo, preservação das florestas, fontes de água,

produção de compostos e fertilizantes ecológicos e a produção e difusão de

sementes crioulas são as bases e exemplos de ações e de produções aplicadas no

assentamento. Ou seja, tais concepções teóricas e práticas pautam a perspectiva

agroecológica.

[...] A agroecologia surge como um enfoque novo ao desenvolvimento agrícola mais sensível às complexidades das agriculturas locais, ao ampliar os objetivos e critérios agrícolas para abarcar propriedades de sustentabilidade, segurança alimentar, estabilidade biológica, conservação dos recursos e equidade junto ao objetivo de uma maior produção (ALTIERI, 1995).

No caso específico do assentamento Mimo, a forma de produção é

agroecológica. A mesma segue os modelos da consorciação e rotação de culturas,

que tem por objetivo um maior rendimento agrícola e cuidado com os recursos

naturais. A consorciação é o manejo adequado de vegetais compatíveis e capazes

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de preservar a biodiversidade local, ajudando a limitar os surtos de pragas. Além

disso, contribui para a diversidade e dispersão de predadores naturais,

desenvolvendo o controle biológico natural.

As culturas agrícolas consorciadas são desenvolvidas no assentamento

partindo do princípio de uma cultura principal e de outras associadas e favoráveis a

esta. Um exemplo é a produção de alface (Figura 01 - A), consorciada com as

produções de couve, couve-flor, beterraba, repolho, entre outras. A rotação e o

manejo destes vegetais são precedentemente favoráveis às produções de alho,

batata, cebolinha e cebola. Além dessas produções, são cultivados milho, feijão,

abóbora, tomate, pepino, alecrim, hortelã, ervilha, salsa, manjericão, espinafre,

rabanete, pimenta, laranja, pêssego, banana, melancia, entre outros produtos

hortifrutigranjeiros.

Na produção animal, destacam-se a criação de suínos através do sistema

confinado em cama sobreposta (Figura 01 - C). Isto é, são criados em leitos de

palha e/ou maravalha, onde os dejetos produzidos sofrem um processo de

decomposição “in situ”, reduzindo assim os investimentos em edificações,

minimizando significativamente os impactos ambientais diretos, além de promover o

conforto e bem-estar animal. Consequentemente, ocorre a geração dos compostos

orgânicos produzidos através da compostagem do ciclo produtivo.

Conforme a Figura 1 – B, a criação de aves (galinha) é realizada em ambiente

semiaberto e protegido, oferecendo proteção contra os predadores. Esse sistema,

disposto sob um sombreamento vegetal, ameniza os impactos das variações de

temperatura, contribuindo para o conforto ambiental dos animais e diminuindo os

níveis de estresse.

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Figura 01 - A: Cultura de vegetais em consorciação. B: Criação de aves em regime semiaberto. C: Criação de suínos em sistema de cama sobreposta. D: Leito de compostagem para produção de compostos orgânicos (biofertilizantes).

Segundo Veras (2005), as práticas agroecológicas resultam culturalmente da

racionalidade produtiva camponesa, pois se constroem sobre o conhecimento

agrícola tradicional, combinando aspectos culturais com elementos da ciência

agrícola moderna. As técnicas são apropriáveis e ecologicamente corretas,

permitindo a incorporação de novos elementos às práticas tradicionais de manejo

dos recursos naturais da unidade de produção e a elevação da produtividade

agrícola.

As práticas agroecológicas desenvolvidas no assentamento foram

impulsionadas através do Planapo (Plano Nacional de Agroecologia e Produção

Orgânica) através do Decreto nº. 7.794/2012, que representa o marco zero de uma

A B

C D

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151

importante política para o setor. Representou um grande avanço e incentivo ao

desenvolvimento da atividade agroecológica, bem como em relação ao crédito rural.

O caráter científico e tecnológico da agroecologia demonstra a possibilidade

de percorrer um caminho diferente da produção agrícola convencional, capaz de

incorporar dimensões econômicas, políticas, sociais, ambientais e culturais,

alavancando um novo processo de condução da agricultura para novos patamares

de bases ecológicas sustentáveis (VERAS, 2005).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O assentamento visitado integra e mantém laços com o movimento social

nacional (MST). As atividades agregam conservação ambiental, principalmente

através da produção agroecológica, busca da dignidade humana e apoio às lutas

agrárias dos trabalhadores rurais.

Percebeu-se que a agroecologia, como matriz de produção, estimula

estratégias de organização local, construindo certa identidade coletiva e

conquistando a simpatia de novos consumidores. Tal modelo agrícola promove

ações de rotação de culturas, abandono no uso de agroquímicos, preconização do

bem-estar animal, produção de biofertilizantes e absorção de técnicas e/ou práticas

modernas sustentáveis na agricultura.

Os produtos agrícolas (hortifrutigranjeiros) produzidos no referido

assentamento são consumidos primeiramente pelos assentados e os excedentes

são comercializados para os Programas de Alimentação Escolar regional. Outra

parcela é comercializada na sociedade regional através das feiras livres.

Dessa forma, conclui-se que as questões ambientais e a prática da

agroecologia no assentamento são capazes de mobilizar e incentivar outras formas

de ações socioambientais. Por fim, recomenda-se assistir aos documentários Sonho

de Rose (1987) e Terra de Rose (2001), da diretora e produtora brasileira Tetê

Morais, que apresentam a luta pela terra e a emergência do MST no país.

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REFERÊNCIAS

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