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O Teatro, como qualquer outro empreendimento, é envolvido com um jargão criado para excluir os não-iniciados. Isto é fato. Talvez até pudéssemos comparar o analfabeto teatral ao blefador de Teatro. Aquele indivíduo que finge entender da caixa cênica, de dramaturgia, de montagem e não entende é nada.
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A expressão bife é uma gíria que significa um trecho mais ou menos longo de texto a ser
enunciado por um único ator.
P.C.
O ANALFABETO TEATRAL
O analfabeto teatral não é um analfabeto político
Pedagogos, pesquisadores, estudiosos do processo educacional sempre falam
na figura do analfabeto funcional. Em linhas gerais, trata-se daquela figura que sabe
ler e escrever, mas não sabe interpretar. E interpretar um texto é uma recriação total
pelo ator, a partir dos materiais à sua disposição. Eis que fiquei analisando se haveria
a figura também do analfabeto teatral, diferente até mesmo do analfabeto político, e
como eu poderia caracterizá-lo.
O Teatro, como qualquer outro empreendimento, é envolvido com um jargão
criado para excluir os não-iniciados. Isto é fato. Talvez até pudéssemos comparar o
analfabeto teatral ao blefador de Teatro. Aquele indivíduo que finge entender da caixa
cênica, de dramaturgia, de montagem e não entende é nada. Acredita que coxia é
lugar de cochicho, que o pano de boca é para limpar a boca depois de um belo bife ou
ainda que muleta é, de fato, uma muleta para apoiar o ator que está com uma perna
quebrada ou doente.
Antes que você, caro leitor, também diga que não sabe o significado de “coxia”,
“pano de boca”, “bife” e “muleta”, vale salientar que coxia é a parte da caixa cênica
que fica nas laterais e no fundo do palco, destinado ao movimento dos atores nas
entradas e saídas de cena, bem como os demais técnicos do espetáculo. A coxia é
também um termo conhecido como “bastidores” na expressão “atrás dos bastidores”.
Portanto, o nome desta coluna remete aos assuntos que estão por trás dos bastidores.
Aquilo que vocês não irão ver em cena sendo comentado.
A expressão bife é uma gíria que significa um trecho mais ou menos longo de
texto a ser enunciado por um único ator. Usa-se também no sentido de uma boa
oportunidade para o ator ou a atriz, por isso a expressão “ter um bom bife”, cujo
significado é “ter uma boa chance”. Já o pano de boca é referência apenas a cortina
frontal, aquela que se abre quando a peça começa. E, muleta é uma palavra cuja
função está ligada ao ator que usa um objeto em cena, como um copo de bebida, para
se obter confiança ou “entrar no personagem.”
O analfabeto teatral cai de pára-quedas no jogo cênico. Não entende nada de
termos arquitetônicos como bambolinas, antecena, ciclorama, urdimento, alçapão,
cortina de aço, tapadeiras, ribalta. É o indivíduo que confunde o jargão teatral e acha
que teatro é montar clássicos e encher o bolso de dinheiro. Imagina que os aplausos
em cena aberta, atrasar a deixa, o caco, dar branco são apenas indicações fúteis ou
elementos meramente ilustrativos.
O analfabeto teatral ou simplesmente “blefador”, desconhece truques da
profissão e expressões usadas entre os atores como “corajosa” - descrição conferida
(em tom respeitoso) a uma atuação que se achou indescritivelmente embaraçosa. Ele
sente-se feliz ao ouvir que sua interpretação foi de “grande valor” e que seu
espetáculo foi “bem feito”. A primeira expressão é um dito de um ator cuja atuação,
embora da mais deplorável qualidade, é bastante digna de nota, daí “grande valor.” Já,
a frase “bem feito” ou “bem feita” refere-se a um trabalho superestruturado, cuja única
falha é ser terrivelmente chato.
Se, compreender o básico já é um problema para o analfabeto teatral, o que
dizer das resenhas críticas? Como decifrar palavras como “acessível”, “efeito
alienatório”, “poético”, “vanguarda” e “produção brechtiana?” Bem, este assunto pode
ficar para uma outra oportunidade. Até a próxima.