Analisando Telenovelas

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    Analisando Telenovelas

    Maria Carmem Jacob de Souzaorganizadora

    Esther Hamburger Pina Coco

    Silvia Helena Simões BorelliRodrigo Barreto

    e-papers

    CNPq

    Salvador - BA 2004

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    Analisando telenovelas

    organizadoraMaria Carmem Jacob de Souza

    Pina CocoSilvia Helena Simões Borelli

    Rodrigo Barreto

    e-papers

    CNPq

    Salvador - BA 2004

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    E-papers Serviços Editoriais Ltda. 2004 Todos os direitos reservados à E-Pappers Serviços Editoriais. É proibida a repro-dução ou transmissão desta obra, ou parte dela, por qualquer meio, sem a préviaautorização dos editores.

    Impresso no Brasil.

    Projeto gráco, diagramação e capa Alexsandro Oliveira

    Arte nalEduardo Freire

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    E-papers Serviços EditoriaisRua Mariz e Barros, 72 - sala 202Praça da BandeiraCEP: 20.270-006Rio de Janeiro, RJ - Brasil Tel.: (21) 2273-0138

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    Agradecemos aos professores e alunos do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneasda UFBa, em especial, àqueles que participam dos grupos

    de Pesquisa da Linha de Análise de Produtos e Linguagens dCultura Mediática, coordenados por Giovandro Ferreira, ItâniaGomes, Jeder Janotti, José Benjamin Picado, Wilson Gomes.

    A nossa especial deferência ao CNPq que através do Edital

    Universal tornou possível o SeminárioMetodologias de Análisede Telenovelas , realizado em 2003 (PosCom/UFBa), e a publica-ção deste Livro. O reconhecimento das valiosas colaborações doparticipantes do Seminário, principalmente de Benjamin Picad Amaranta César, Francisco Seram, Iara Sydenstricker, EstheHamburger, Pina Coco, Rodrigo Barreto e Sílvia Borelli.

    O carinho especial aos integrantes do Grupo de Pesquisa A-

    Tevê e aos inestimáveis bolsistas PIBIC que viveram esta aventur Juliana Brito (CNPq), Elen Vila Nova (FAPESB) e AlexsandrOliveira (CNPq).

    Agradecimentos

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    Sumário

    Apresentação 9

    Analisando a autoria das telenovelas 11

    Comicidade e fantástico:diálogos com o melodrama 53

    A heroína e suas metamorfoses 77

    Onde tudo começa: Terra Nostra e O Clone 87

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    Apresentação

    ALinha de Pesquisa Análise de Produtos e Linguagens daCultura Mediática, criada em 2001 no Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneasda Universidade Federal da Bahia, reinventou uma inexão napesquisas realizadas no Grupo de pesquisa A-tevê, coordenadopor Maria Carmem Jacob de Souza. Assim, desde esta épocao Grupo enfrenta os desaos da criação de métodos de análisetextuais de telenovelas.

    O SeminárioMetodologias de Análise de telenovelas ,realizado em 2003 (PosCom/UFBa) pelo Grupo de Pesquisa A

    tevê, com o apoio do CNPq, visava promover uma interlocuçãocom especialistas em telenovelas e em outras áreas de estudos pacolaborar nos debates advindos das questões mais candentes doProjeto de Pesquisa em andamento sobre a “Análise da autorianas telenovelas Renascer, O Rei do Gado e Esperança” (CNPq)e nas indagações que compõem as investigações que se dedicamas análises internas de telenovelas e outros produtos ccionai

    audiovisuais televisivos e fílmicos. O livro Analisando telenoveapresenta aos leitores resultados das reexões desenvolvidas nesSeminário.

    Maria Carmem Jacob de Souza , Professora do Programade Pós-graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneaapresenta no artigo “Analisando Autoria nas Telenovelas” asproposições gerais do método de análise das marcas de autorique considera tanto os modos de organização do processo deelaboração das telenovelas quanto os modos de funcionamentodas suas estratégias discursivas.

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    Silvia Borelli , professora do Programa de Pós-graduaçãoem Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de SãoPaulo, examina em “Comicidade e fantástico: diálogos com omelodrama”, a narrativa estabelecida nas fronteiras de diferentesterritórios de ccionalidade – melodrama, comicidade e fantástico – observados na telenovela A Indomada . Retoma a importância daanálise das estratégias de comunicabilidade dos gêneros ccionaispara a compreensão dos modos de reconhecimento e leitura dastelenovelas por parte dos telespectadores.

    Pina Coco , professora do Programa de Pós-graduação em Le-tras da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, expõeem “Heroína e suas metamorfoses” uma das situações narrativasestruturantes das telenovelas, a presença constante, mesmo queem novas modulações, das heroínas de lágrimas e sofrimento.

    Rodrigo Barreto , mestre do Programa de Pós-graduação emComunicação e Cultura Contemporâneas (UFBa), participantedo Laboratório de Análise fílmica deste Programa desde 2000,foi convidado a examinar a poética do primeiro capítulo das te-lenovelasO Clone e Terra Nostra . Uma incursão exploratória nasinvestigações sobre as marcas de autoria dos realizadores nas

    telenovelas produzidas pela TV Globo, em particular, do escritorresponsável e da direção geral.

    Espera-se que os leitores deste livro sintam-se estimuladosa colaborar na produção de conhecimento sobre a linguagem datelenovela, produto mediático de expressiva ressonância na socie-dade brasileira que vem encantando telespectadores de diferentesrecantos do mundo.

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    Analisando a autoriadas telenovelas

    Maria Carmem Jacob de Souza

    Otelespectador assíduo e experiente de telenovelas noBrasil identica diferenças entre uma telenovela e outraOs índices mais usados são aqueles que dizem respeito

    ao ambiente das histórias: no campo ou na cidade; ao momentoda narrativa: histórias no passado ou na atualidade; ao modo dencenar o amor: água com açúcar ou amores eróticos e desa- vergonhados; ao modo de tratar as questões sociais e políticascampanhas sociais ou discursos políticos; ao modo de caracterização de personagens: a espera do retorno de certos vilões ouheroínas; ao modo de suscitar emoções: expectativas do riso fácida indignação ou da tristeza. Indices outros podem ser lembradoe mencionados num país, como o Brasil, onde mais de quarentaanos de telenovelas consagraram escritores, diretores e atores qu

    com regularidade compareceram na telinha. Tem-se assim consumidores capazes de enumerar um con-junto de marcas que identicam determinadas telenovelas comdeterminados escritores. Para lembrarmos dos mais recentese expressivos, a “senhora das oito” da Tv Globo, Janete Clair

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    que escreveuSelva de Pedra , Irmãos Coragem e tantas outras queinuenciaram outros escritores. Telenovelas associadas ao modode narrar de diretores como Daniel Filho e atores como FranciscoCuoco e Regina Duarte. Um outro senhor das oito a ser lembradoé Gilberto Braga com seus sucessos marcantes nas telenovelas eminisséries, acompanhado com freqüência desde os anos noventapelo diretor Dennis Carvalho e pelas atrizes Malu Mader e Claudia Abreu. Uma lista extensa poderia ser aqui apresentada1, contudo,o intuito destas lembranças é oferecer elementos para caracteri-zar o fenômeno da autoria das telenovelas que compreende nasociedade brasileira telespectadores assíduos, principalmente osda TV Globo, maior produtora deste gênero no Brasil, capazesde diferenciar umas das outras e de apontar que estas diferençasdizem respeito aos autores das telenovelas, quer dizer, aos traçosparticulares daqueles que as escreveram.

    No campo cientíco os especialistas também examinam tal

    fenômeno, armando que as telenovelas brasileiras da TV Globomanifestam marcas de autoria, estratégias estilísticas particulares,não obstante ser um produto coletivo, comercial, fabril, marcadopela repetição, esquematização e padronização2. Estudos queindicam que além do reconhecimento autoral do escritor tem-sedesde os anos noventa a evidente presença da direção geral queindica uma autoria compartilhada (Souza, 2002). Os exemplos

    mais evidentes desde os anos noventa na TV Globo, por exem-plo, são as experiências de trabalhos das parcerias continuadas deManoel Carlos com Ricardo Waddington; Benedito Rui Barbosa

    1 Consultar o Dicionário da TV Globo de programas de dramaturgia e entretenimento(2003), assim como o livro de Mauro Alencar (2002).2 Consultar Souza (2004); Balogh (1996 e 2002); Tesche (2000); Borelli (1996, 1997 e2002); Ortiz et al. (1989); Mattelart (1989); Calza (1996); Campedelli (1985); Nogueira

    (2002); Pallottini (1998); Hamburger (1998); Kehl (1979 e 1986), entre outros.3 Manoel Carlos com Waddington:Por Amor (1998);Laços de Família (2000) e Mulheres Apaixonadas (2003). Benedito Rui Barbosa com Luiz Fernando Carvalho:Renascer (1993);O Rei do Gado (1996) e Esperança (2002). Barbosa com Monjardim:Pantanal (1990, TVManchete) eTerra Nostra (1999). Braga com Dennis Carvalho:O Dono do Mundo (1992);Pátria Minha (1995) eCelebridade (2004).

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    com Jayme Monjardim e Luiz Fernando Carvalho; Gilberto Bragcom Dennis Carvalho3 e muitos outros.

    Estes estudos lançam mão de uma noção de autoria quepressupõe a existência da possibilidade do ato criativo, inovadoassociado à expressão das marcas e estilos próprios, num contextde produção fortemente fabril, serial e comercial. Nestes casobuscam demonstrar a impertinência da premissa que arma sea autoria possível apenas quando o realizador ou os realizadoretêm o controle quase absoluto sobre o processo de produção edistribuição das obras, condição necessária para o surgimento dnovo, do próprio e particular, da ousadia, do inusitado.

    Newcomb (1993) ao mapear as principais pesquisas rea-lizadas sobre a criação do drama televisivo europeu e norteamericano apontou como todas elas estavam preocupadas em vericar a participação dos realizadores nas tomadas de decisãno processo de elaboração deste tipo de programa televisivo

    Muitos investigadores se mostravam descrentes quanto à capacidade efetiva de criação e de tomar decisões nos contextos dprodução analisados. Preocupação que concerne também aosrealizadores, pois, sem dúvida, quanto maior o poder sobre oprocesso, maior o poder para escolher os recursos e as estraté-gias empregadas.

    O que estas reexões rearmam é a pertinência do foco de

    atenção das investigações sobre as relações entre as situações dtrabalho dos realizadores e o processo de uma criação autoralsobre as condições de um processo de trabalho que permitaefetuar escolhas associadas a expressão de estilos e ao reconhecimento autoral. Considerações que apontam para a necessidadde ampliar o conhecimento sobre as condições do processode criação e de reconhecimento da autoria na teledramaturgia

    Conhecimento que ajude a compor categorias de análise maiprecisas para enfrentar os limites interpretativos postos pelosestudos nesta área que insistem na antinomia inovação-repetiçãodesconsiderando as experiências autorais no âmbito da produçãocomercial massiva.

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    linguagens dos meios de comunicação de massa, mesmo quandnão tratam da questão da autoria4. Por um lado, evidenciam oslimites dos resultados das pesquisas que ao tratarem das dimensões externas tecem armações sobre os modos de organizaçãoe funcionamento interno dos produtos, sem de fato as teremexaminado. Por outro lado, evidenciam os limites das proposiçõeque fazem o movimento inverso, tecem armações sobre as dimensões externas tendo contemplado de modo rigoroso apenasas dimensões internas dos produtos.

    Estas ponderações geram desaos metodológicos impor-tantes, em especial quando o problema da questão da autoria natelenovelas foi construído supondo a imbricação destas dimensõeEste artigo decorre destas preocupações e apresenta os resultadoparciais de uma investigação sobre a autoria5, conduzida pela ques-tão central: Como examinar a questão da autoria nas telenovelabrasileiras levando em consideração tanto os modos de organiza

    ção do processo de elaboração das telenovelas quanto os modode funcionamento das suas estratégias discursivas? As primeiras partes deste artigo desenvolvem as proposições

    estratégias do método de análise do processo de elaboração das telnovelas que gerou o sistema de localização, identicação e seleçdos autores e das telenovelas que podem ser objeto de estudo damarcas de autoria. Nas partes seguintes, apresenta-se as linhas gera

    das etapas do método voltadas para a análise textual, mostrando 4 Ver especialmente as argumentações de Gomes (1996 e 2003); Featherstone (1995Bourdieu (1996); Foucault (1992); Martín-Barbero (1987); Jensen & Jankowski (1995 A pesquisa em curso vem sendo apoiada pelo CNPq desde 2001. Atualmente desenvo vemos o Projeto : “Campo da telenovela e autoria: análise das telenovelasRenascer(1993),O Rei do Gado (1996), Esperança (2002)”. As telenovelas foram escritas por Benedito RuyBarbosa e dirigidas por Luiz Fernando Carvalho. A pesquisa é coordenada por Mar

    Carmem Jacob de Souza, pesquisadora do CNPq, responsável pelo grupo de pesquis A-Tevê. Professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Universidade Federal da Bahia. Participante da linha de pesquisa d Análise de Produtos e linguagens da cultura mediática deste Programa. Este momentda pesquisa contou com a participação da bolsista de iniciação cientíca (Fapesb) El Vila Nova e Alexsandro Oliveira (CNPq).

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    importância da articulação destes métodos para a construção docorpus tópicos de análise das marcas de autoria nas telenovelas.

    Importante esclarecer ainda que este artigo apresenta resulta-dos mais expressivos concernentes ao uso do método de análisedas condições de produção das telenovelas gerador da com-preensão das funções das instâncias de produção e dos autores.Os exercícios de aplicabilidade do método de análise das marcasde autoria nas telenovelas encontram-se em um estágio embri-onário. Não obstante, este artigo apresenta um dos resultadospreliminares do uso do método de análise interna: a formulaçãodas hipóteses de trabalho sobre as denições dos fragmentos oucorpus tópico de análise das marcas de autoria nas telenovelas. Porm, os autores e telenovelas objeto de atenção foram: BeneditoRuy Barbosa comRenascer(1993),O Rei do Gado (1996) e Esperança (2002), todas elas com direção geral de Luiz Fernando Carvalho(TV Globo, 21 horas) e com Terra Nostra 6 ( 1999, direção geral

    de Jayme Monjardim, TV Globo, 21 horas) e Manoel Carlos com Mulheres Apaixonadas (direção geral de Ricardo Waddington, TVGlobo, 2003, 21 horas). As indagações e proposições aqui apre-sentadas decorrem, pois, destas circunstâncias.

    Buscando o autor

    As experiências de análise textual de obras audiovisuais, prin-cipalmente cinematográcas, tendem a contemplar a gura dodiretor como um critério importante para denir a classe de lmesa ser estudada e o propósito da análise. Nestes casos é comum aexigência metodológica de examinar todos os lmes já produzidosno período selecionado e de situá-los em uma história das formas

    fílmicas, relacionado-os as correntes, tendências e ‘escolas’ estéticas(Vanoye & Goliot-Lété, 1994, p. 23). Essa escolha pela direção

    6 Os resultados de um exercício de análise textual empregando o método proposto nesteartigo foi formulada por Rodrigo Barreto e encontra-se neste livro.

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    como evidência da autoria da obra cinematográca pressupõeuma dada construção social do autor, quer dizer, pressupõe ummomento da história da produção cinematográca que permitiueclodir obras que incentivavam o surgimento da noção de autorNo caso especíco do cinema americano e europeu, ocorreu nessprocesso a tendência de associar o autor à gura do diretor7.

    A proposta mais usual de análise dos lmes que introduz agura do autor considera, assim, a necessidade de contextualizaas obras na história das formas fílmicas, procurando identicar explicar as relações entre o ‘fundo cultural’ que serviu de ‘inspração para os cineastas’ e os movimentos efetuados pelo cineasttendo em vista esse contexto (p.37).

    Supondo a pertinência desta experiência de análise fílmicaestamos diante da seguinte indagação: como adequar esta abordagem para examinar a autoria nas telenovelas? Pesquisadorerealizadores e telespectadores armam que a telenovela brasilei

    comporta a gura do autor. Sendo assim, cabe conhecer tanto quados realizadores envolvido é reconhecido como autor, quanto ahistória das formas narrativas e audiovisuais deste produto tele visivo. Isto para melhor identicar e interpretar as “inspiraçõesdos autores existentes observáveis nas telenovelas. Estes aspectoimplicam no uso de um conhecimento acumulado sobre o assuntoque no caso especíco da telenovela é incipiente. Supõe, ainda, um

    outra tradição analítica inexistente nesta área de estudo, aquela qucompara obras de um mesmo autor e obras de autores diferentesde épocas diferentes.

    Outros problemas associados a estes se referem ao volumee ao tipo de material a ser analisado. As telenovelas reconhecidcomo autorais produzidas pela TV Globo, por exemplo, têm emmédia hoje mais de 150 capítulos exibidos de segunda a sábad

    durante mais de seis meses, tanto no horário das 18h, das 19h7 Trabalho de Bernardet (1994) deixa clara a polêmica quanto aos critérios de deniçãdo autor no cinema, uma obra coletivamente produzida. O roteirista, o produtor e atémesmo a ausência da idéia de autor são evocadas.

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    quanto no das 21 horas. Uma única telenovela pode signicar,portanto, mais de 150 horas de material a ser examinado. Alémdisso, este material é produzido em caráter fabril, sendo reconhe-cidamente um material para apreciação rápida (com ótimos, bonse péssimos momentos), não sendo todo ele, em tese, passível domesmo cuidado analítico para identicação das marcas autorais.

    Decorrem destas condições de pesquisa curiosas implicações. A primeira refere-se a diculdade de obter e organizar o material aser examinado, já que o acervo de imagens não é disponibilizadofacilmente para o pesquisador, que precisa construí-lo, levandoassim meses para o registro, quando assim o consegue. A segun-da toca na seleção do material a ser analisado quando a questãodiz respeito as marcas de autoria: quais capítulos, momentos datelenovela seriam mais apropriados?

    Logo, infere-se que é preciso construir tópicos especícos deobservação e análise que permitam tornar viável a possibilidade

    do exame cuidadoso do material audiovisual das telenovelas quepossa reconhecer e examinar as marcas autorais. Admitir essaslacunas não signica a impossibilidade da proposta de análise,mas a rearmação da necessidade de se instituir uma linha depesquisa nesta área8.

    Enm, sabendo destes limites, esclarecemos que a reexão aser aqui desenvolvida está apoiada, mais fortemente, no estudo de

    realizadores e telenovelas da TV Globo, produzidas e exibidas nohorário que sucede o Jornal Nacionaldurante os anos noventa.

    8 Infelizmente, o acervo de imagens do NPTN/USP foi seriamente danicado, mas aospoucos a instituição o vai recompondo. A Rede Globo aprimorou seu intercâmbio comas universidades e tem colaborado com o acesso a imagens e aos realizadores. O acessoas imagens e aos dados das outras emissoras de televisão produtoras de telenovelas no

    Brasil é ainda precário. Vale ressaltar que os apaixonados por telenovelas organizadospelo país já têm um acervo de imagens que precisa ser recuperado pelas universidades,ampliando assim os acervos de imagens para estudos mais relevantes sobre a históriadas formas narrativas e audiovisuais das telenovelas. Outros pesquisadores tambémestão desenvolvendo pesquisas nesta área e acredita-se que nos próximos anos ter-se-áum acúmulo de conhecimento mais signicativo a este respeito.

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    O estudo do autor aqui empreendido parte da premissa deque existe uma construção social do autor especíca do campode produção das telenovelas. Pressuposto formulado a partir dosconceitos elaborados por Bourdieu: o espaço das obras, as tomadas de posição dos realizadores e o campo de produção destasobras. A partir destes conceitos formulamos a hipótese de quequanto mais se conhece o campo de disputas e denições própriodas práticas de produção e apreciação das telenovelas, maiorecondições o pesquisador terá para estabelecer as hipóteses interpretativas sobre as relações entre as escolhas narrativas e textuaoperadas pelos realizadores e as defesas de um determinado tipde marca autoral nas telenovelas duma determinada emissoranuma determinada época.

    Tal perspectiva centra a atenção nos realizadores ou produ-tores culturais, transformando-os em um dos vetores-chave daanálise. Isto signica que examinar as trajetórias dos realizador

    na história de produção da telenovela permitirá localizar o efetivpapel que eles têm cumprido nas interfaces entre as demandas demissora e a satisfação necessária dos telespectadores; entre o rconhecimento do realizador-autor e as escolhas estéticas, narrative técnico-operativas que tenham congurado uma marca estilísticpeculiar reconhecível: “este é um enquadramento freqüente natelenovelas dirigidas pelo Luiz Fernando Carvalho”, “esta é um

    personagem-heroína própria do universo ccional do escritorManoel Carlos”, “este é um diálogo característico das telenovelescritas por Carlos Lombardi”.

    Examinar as marcas de autoria nas telenovelas signica, nperspectiva analítica aqui enunciada, um esforço de compreensãdo processo de construção social dos autores das telenovelasEsta etapa objetiva tanto selecionar os autores e as telenovela

    a serem examinadas, quanto localizá-las na história das formanarrativas e de expressão das telenovelas, no seu espaço depossíveis. Estratégia que redunda na construção mais rigorosdo corpus de análise.

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    Localizando o autor

    A “ciência das obras” formulada por Bourdieu (1996) propõeum método para identicar um campo particular de relações quepermite observar tanto as práticas de produção, distribuição econsumo de uma obra, quanto as instituições, grupos e agentesque atuam neste sistema. Identicá-los signica posicioná-losno jogo das disputas particular deste campo, conhecendo o quepensam, dizem e fazem. Ao pensar o fenômeno da autoria se deve

    observar o jogo particular de disputas que dizem respeito ao reco-nhecimento e a consagração dos agentes. A existência dos autoresé visto, portanto, como fruto de um sistema de reconhecimentoe consagração passível de ser cartografado.

    Nessa medida, as premissas metodológicas formuladas porBourdieu levaram a um interessante método de observação e aná-lise que contribuiu para a compreensão seja dos envolvidos nas

    lutas em prol do reconhecimento e da consagração dos autoresde telenovelas, seja das práticas desenvolvidas para tal m. Permi-tiu entender, por exemplo, o signicado das lutas concorrênciasentre as emissoras de televisão na constituição do sistema de valorização e denição do escritor de telenovela enquanto autor,pois se tornou uma marca de distinção das emissoras ter no roldos escritores contratados os mais consagrados autores do gênero

    (Souza, 2002 e 2004). A identicação dos autores e de suas trajetórias de consagra-ção, estagnação ou declínio, implica nesta abordagem o cuidado derelacionar as escolhas dos realizadores quanto aos modos de enun-ciar e representar nas telenovelas com a posição que ocupavam nocampo no momento de produção da telenovela investigada. Istoporque, neste caso, as escolhas ou tomadas de posição signicam

    pontos de vista assumidos sobre o que deva ser uma telenovela,sobre o que se espera da função, responsabilidade e autonomiada gura do autor neste tipo de programa de televisão. Mapean-do este conjunto de pontos de vista o analista torna-se capaz de

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    compreender o que eles representam no jogo de disputas, nas lutade reconhecimento travadas com outros agentes, localizando omovimentos e tendências do campo.

    Para ampliar a compreensão dos pontos de vista, das escolhasoperadas pelos realizadores uma outra dimensão precisa ser observada: as experiências acumuladas sobre o fazer telenovelas qservem de referência para as tomadas de posição ou decisões dorealizadores-autores quanto ao modo de construir seus personagens, as estratégias narrativas etc. Bourdieu chama a atenção quas experiências acumuladas sobre este fazer incluem as categoriperceptivas conscientes e inconscientes destas experiências.

    Logo, os escritores de telenovelas, por exemplo, têm umapercepção quanto ao que precisa ser pensado e ser executado parser considerado um autor. O que se observa, todavia, é que nemtodos parecem ter a mesma capacidade de percepção e uso dest“espaço de possíveis”, desta “herança acumulada pelo trabalh

    coletivo”, do “espaço de possibilidades de escolhas, representaçõe atos que podem se realizar, (...), adversários a combater, tomadas de posição estabelecidas a ‘superar’ (...) conjunto de sujeiçõprováveis que são a condição e a contrapartida de um conjuntocircunscrito de usos possíveis” (Bourdieu, 1996, p.266). Herançportanto, que envolve as práticas, as percepções das experiênciae as telenovelas produzidas. Parafraseando Bourdieu (1996, p.22

    dir-se-ia que a ação das telenovelas sobre as telenovelas “se exertão somente por intermédio dos autores cujas estratégias devemtambém sua orientação aos interesses associados à sua posição nestrutura do campo.”

    Por isso, supõe-se que quanto maior a capacidade para identicar e fazer uso desta herança os agentes tiverem, maiores achances de reconhecimento e consagração, maiores as chances d

    serem considerados autores.Depreende-se desta armação um vetor a mais de observaçãodas representações e práticas dos realizadores - autores: de qumaneira a compreensão e conhecimento que têm sobre as formas

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    Sabe-se também que nas lutas pela autonomia dos campos daprodução cultural essa noção de autoria vai apresentar nuances depender da época, do tipo de obras, das classicações de autoriem jogo, etc.

    Reportar esta noção de autoria a cultura mediática contem-porânea remete a concepções de autoria e projetos de criaçãodiretamente associados a um sistema fabril que envolve um conjunto amplo de prossionais e um conjunto assaz diferenciadode tipos de obras. Nas artes plásticas a redundância e a repetiçãcomo forma de criticar a dimensão da inovação associada a autor vai ganhar força no meio dos adeptos da condição pós-moderna(Featherstone, 1995). No campo das obras massivas, a autoria vemse transformando numa importante dimensão para diferenciarde algum modo os níveis de autonomia que os realizadores terãdiante daqueles que detém maior poder nas escolhas das atividades coletivas de produção e daqueles que nanciam o produto

    (Canclini, 1989 e Souza, 2002).Nos modos destes realizadores construírem uma auto-de-nição de suas práticas, que não mais dependem apenas do reconhecimento dos pares e de outros especialistas, passou a vigoraas exigências de aceitabilidade e consumo advindas de um públicaracterizado pela extensão e por diferentes modos de apreciação Além disso, o debate sobre a autoria passou a estar associado à

    disputas no âmbito dos direitos autorais.O exame do signicado da autoria no campo de produçãoespecíco da telenovela exigiu, portanto, uma investigação sobos prossionais, instituições, grupos que participam do processo partir de um cuidado metodológico básico, aquele que evita umdenição prévia de autoria. Nesse sentido, buscou-se identicae compreender tanto as diversas formas de se conceber a autoria

    naquele universo de práticas concernentes a telenovela, quanto oenvolvidos neste universo: o largo espectro dos realizadores, as emsoras de TV, o público consumidor, os anunciantes e um conjuntode agentes, grupos e instituições afetados hoje pelas telenovelas.

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    O que se privilegiou na análise foi, principalmente, a concep-ção de autoria formulada pelos prossionais realizadores, pelosrepresentantes das emissoras e pelos principais críticos de televisão(Souza, 2002). Um procedimento usado foi a identicação destesagentes e instituições a partir das suas características mais rapi-damente observáveis. Este inventário foi elaborado a partir dosdiscursos existentes sobre as práticas dos envolvidos, formuladospor eles ou por outros, veiculados pelos mais diferentes meios decomunicação impressos e audiovisuais (de jornais e revistas da Tvimpressos e on-line, a depoimentos em programas de televisão eoutros meios). A todo o momento, cuidou-se para estabelecer asrelações entre o material identicado e a história de produção dastelenovelas no Brasil, ou seja, relacionar as maneiras deste progra-ma de televisão ser concebido, elaborado, distribuído, consumidoe apreciado com um determinado momento da história particulardeste programa. Este procedimento permitiu ao analista, por um

    lado, vislumbrar a história particular dos criadores de telenovelas,marcada pelos seushabitus e pelas posições sucessivas no campo(trajetória) e, por outro lado, conhecer as dinâmicas próprias deelaborar, distribuir e consumir telenovelas consideradas autorais.Melhor dizendo, foi possível relacionar determinadas deniçõessobre telenovela, com as posições dos realizadores e das emissorasque a produziram e com os dispositivos geradores de reconheci-

    mento e consagração autoral.Esta perspectiva analítica permitiu aferir em qual contextogeral e em qual situação particular os realizadores podem serdenominados de autores, mesmo quando avaliam o que fazemcomo “rascunhos” (termo muito usado por Gilberto Braga). Umprocedimento necessário para estabelecer as bases gerais para aseleção das telenovelas que serão submetidas a análise textual das

    marcas autorais, seja porque identica as telenovelas e seus auto-res, seja porque constrói as hipóteses de localização das marcastextuais audiovisuais reconhecidas pelos autores, pelas emissorase até mesmo por um conjunto de apreciadores como autorais.

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    Convém lembrar que as posições consagradas correspondemcapitais simbólicos adquiridos numa relação com um conjunto dinstâncias de reconhecimento e consagração próprios do campoestudado ou advindo de campos conexos. No caso das telenovelabrasileiras, desde as primeiras três décadas de experiências de sprodução, observa-se que importantes realizadores defensoresdos temas nacionais e de estratégias narrativas próprias particpavam ativamente do campo literário, teatral e cinematográcoimportando, de certo modo, capitais simbólicos destes campospara o campo da telenovela. (Ortizet al ., 1989, klagsbrunn, 1991e Souza, 2004).

    Escritores e diretores autores de telenovelas

    No nal dos anos setenta, por exemplo, a equipe de pros-sionais responsável pela teledramaturgia na TV Globo já estav

    regida por um sistema de autoridade que denia as funções doespecialistas e a distribuição de poder, de modo a garantir a realzação das obras ao longo de sua exibição, num prazo determinadocom um determinado nível de qualidade e com uma determinadestimativa de rentabilidade.

    Um olhar retrospectivo sobre este tipo de organização con-cernente às telenovelas exibidas no horário que sucede o Jornal

    Nacional , mostrou, por exemplo, que desde o início dos anos oitentahavia um tipo de decisão sobre a recorrência de certos escritoree diretores. Decisão apoiada num conjunto de variáveis denidaa partir de um leque de dados que conjugavam desde os índicede audiência conquistados, as hipóteses sobre as expectativas dtelespectador quanto aos temas, as estratégias narrativas, o elencaté as avaliações quanto às estratégias da concorrência e às pref

    rências dos anunciantes.Basta lembrar a ordem dos escritores de telenovelas exibidadepois do Jornal Nacional de 1989 a 2004. Neste período foramexibidas 25 telenovelas. Destas, sete foram escritas por Aguinald

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    Silva e quatro por Benedito Ruy Barbosa. Gilberto Braga, GlóriaPerez, Sílvio de Abreu e Manoel Carlos escreveram cada um delestrês telenovelas. Cassiano Gabus Mendes escreveu mais uma eDias Gomes uma outra. Tem-se, então, em 14 anos, vinte e cincotelenovelas e seis escritores recorrentes (ver Quadro I).

    Interessante notar que os escritores parecem cuidadosamentedistribuídos. Um primeiro caso: em março de 1993 estreavaRenas- cer,escrita por Benedito Ruy Barbosa e Luiz Fernando Carvalho.Os dois surgiram neste horário pela primeira vez e se consagraramnesta posição. Retornam três anos depois comO Rei do Gado. Em1999, Benedito Ruy Barbosa volta ao ar comTerra Nostra , mas desta vez dirigida por Jayme Monjardim. Em 2002, Esperança , tambémde Benedito Ruy Barbosa e Luiz Fernando Carvalho foi ao ar.

    Outro caso: Aguinaldo Silva tem sido o escritor mais assíduono horário. Antes deRenascer estrear ele escreveuPedra sobre Pedra ,que foi sucedida porCorpo e Alma , de Glória Perez. Depois de

    Renascer , ele escreveu, em seguida,Fera Ferida , com Dennis Carva-lho, na direção geral. Gilberto Braga foi o escritor seguinte, coma telenovelaPátria Minha (1994), também dirigida por DennisCarvalho. Depois de 1994, temos Sílvio de Abreu e novamenteGlória Perez. Dias Gomes, num curto período, vem em seguida,antes de Benedito Ruy Barbosa. Aguinaldo Silva, mais uma vez,escreveu uma telenovela depois de Barbosa. Desta vez, foi Manoel

    Carlos que veio em seguida, marcando sua recorrência trienal:em 2000,Laços de Família e, em 2003, Mulheres Apaixonadas . Nestemeio tempo, os escritores que escreveram foi Sílvio de Abreu, Aguinaldo Silva, Barbosa e Glória Perez. Depois de 1994, Bragase ausentou do horário, retomando-o em 2004, depois de umatelenovela de Manoel Carlos, comCelebridades . A cuidadosa enge-nharia de produção, novamente, pode ser observada: Aguinaldo

    Silva escreverá a telenovela seguinte a ser substituída por umaoutra de Glória Perez. Estes dados mostram que Aguinaldo Silvae os demais escritores, como Braga e Glória Perez, foram por maisde duas décadas os mais freqüentes escritores das telenovelas do

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    horário mais importante da Tv Globo, e que por mais de uma vezas telenovelas foram exibidas uma após a outra9.

    Sabe-se assim que a Tv Globo congrega um conjunto expressivo de especialistas da produção simbólica (escritores, diretoreatores, cenógrafos, produtores de arte, gurinistas e tantos outrosque a elaboram dentro de um sistema fabril, racionalizado e hieraquizado de trabalho. Em linhas gerais, de acordo com Daniel Filho produtor ou o representante da emissora participa na deniçãodo escritor, este seleciona sua equipe de colaboradores e amboavaliam a indicação do diretor geral, aquele que é considerado ponte” entre o produtor e o escritor. O diretor geral dene osoutros diretores e o restante de prossionais que comporão todaa equipe. Decisões que supõem um processo que envolve essatrês guras: produtor, escritor e diretor geral.

    Qual desses especialistas pode ser considerado o autor daobra? Como essa autoria é denida pelos agentes que participam

    do processo de produção, distribuição e consumo da telenovelaDe saída, existem aqueles que argumentam ser difícil a determnação dessa autoria, já que, além de ser coletivamente produzidela é de longa duração e ‘aberta’ (elaborada ao longo da sua exbição), sendo por isso difícil manter o mesmo nível de controlda obra e dedicação dos prossionais envolvidos durante maide 150 capítulos. Características do processo de produção qu

    torna a obra muito sensível às mais diversas interferências qupodem mudar os rumos e a qualidade da narrativa audiovisualOutros consideram que o caráter comercial do produto associadoao controle relativo dos escritores e diretores sobre a obra nãoadmite sequer contemplar a gura do autor. Certos escritores ediretores, assim como certos críticos, armam ser o escritor oautor, apesar do caráter coletivo que caracteriza a feitura da obra9 Outras regras do sistema de produção e exibição das telenovelas, presentes desde oanos setenta, nos três horários tradicionais de telenovelas desta emissora, no quesitescritores, diretores, elenco, gurinistas, cenógrafos, produtores de arte podem seobservadas, demonstrando um rigoroso senso de organização do processo (ver Souza2004; Alencar, 2002 e Dicionário da TV Globo, 2003).

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    da crescente ampliação do poder do diretor geral diante da versãonal da telenovela.

    Daniel Filho comunga da vertente que considera o escritor oautor, o “rei” na TV, principalmente no caso da telenovela brasi-leira, onde a redação do roteiro acompanha concomitantemente agravação e a exibição. É dele que parte tudo, diz Daniel Filho. Aodiretor geral e sua equipe compete o papel de contar a história ede conduzir todo o processo de elaboração/ gravação à exibição.Como responsável pela forma nal da obra, espera-se dele um“diálogo franco com o autor e o produtor sobre o entendimentoda obra (...) como pretende encenar, contar a história”, de modo aconformar uma cumplicidade entre especialistas colaboradores quetêm “funções e limites bem denidos”. O produtor após passar abatuta para o diretor-geral, acompanha o trabalho com o objetivode ser um contraponto importante na percepção de conjunto deum mega espetáculo como a telenovela. No caso da TV Globo,

    existe a expectativa que seus diretores gerais assumam a função deprodutores, objetivo que explica em parte a criação dos Núcleos deProdução. De qualquer modo, o acompanhamento da função dodiretor geral é necessário, sendo exercida por aquele que coordenaa Central Globo de Produção (Daniel Filho, 2001).

    Esta defesa de autoria de Daniel Filho representa, no esta-do atual da história do campo da telenovela, um consenso: os

    prossionais que detêm a maior capacidade de decisão e a maiorresponsabilidade diante do produto nal são o diretor geral e oescritor, sendo que, em geral, ambos contam com mais de umcolaborador. Nesta situação a tendência é considerar o escritorresponsável como o grande denidor das escolhas que conformamuma telenovela. Tanto que elas são divulgadas como a história doescritor responsável, rearmando como ele tende a ser considerado

    o autor da telenovela. Além disso, como a telenovela é um produto comercialque deve atender aos interesses do público, o escritor necessitaatendê-lo. Ao fazê-lo, resguarda os interesses da empresa e dos

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    anunciantes, garantindo a tendência de permanecer no processo quem sabe conseguir negociar com mais liberdade a incorporaçãde determinados temas, ritmo das gravações e até mesmo, experiências na composição dos recursos narrativos, cênicos, visuae sonoros. Mas o processo não acaba aí, o que a crítica tem a dizer, o que os pares têm a dizer também fazem parte desta buscacomplexa de novas denições da telenovela e novas maneiras dse conceber o autor.

    O escopo deste artigo não permite explicitar tais posições. Oque interessa aqui rearmar é a importância de conhecê-las pardenir um dos pontos centrais do método de análise das marcasde autoria aqui proposto. Dizendo de outro modo, denir o signi-cado da existência da gura do autor para os agentes envolvidono campo, autoria que pregura uma determinada concepção detelenovela, formulada num sistema comparativo com outras teleno velas já realizadas, que permite demarcar a partir destas deniçõ

    obras e realizadores que poderão ser objeto de análise textual. A primazia dada ao escritor não permite inferir que se devedesconsiderar o papel daquele que transforma um roteiro em textaudiovisual. Atualmente, é evidente o peso na criação da parcerque o autor constrói com a direção geral e as implicações delno modo de contar a história. Escritores e diretores desanadospodem comprometer gravemente os resultados econômicos, até

    mesmo artístico e estético. As telenovelas de sucesso conrmamo êxito dessas parcerias que tendem a se repetir mais de uma vemostrando fortes evidências de uma autoria compartilhada associada ao reconhecimento de determinadas estratégias estilística

    A análise da história do campo da telenovela no Brasil mostroque a partir de meados dos anos setenta os principais escritorepassaram a ter o primeiro grande contato com as ingerências da

    regras de mercado e das pressões do governo autoritário. A resposta desses prossionais a essa nova característica se deu peltentativa de subversão dessas regras e pressões. Aprenderam alongo do período a fortalecer os sistemas internos de consagraçã

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    de suas práticas, a ampliar o poder de negociação dos ‘espaços decriação’ e das condições de trabalho com as empresas. A inversãona formação dos prossionais e nos equipamentos introduziunovos elementos no debate e nas formas de se conceber as tele-novelas, como foi o caso da experiência com “as externas” e suarepercussão na concepção de uma linguagem audiovisual maismadura, que naquele momento foi chamada de ‘cinematográca’,e de enredos mais voltados para a realidade brasileira. Cresceu opapel do diretor geral, que nos anos oitenta tem se destacado noprocesso de elaboração de telenovelas, sendo capazes de deniruma linguagem audiovisual própria e particular do gênero. Asso-ciado ao crescimento do papel da direção é observável a tendênciados escritores a escolherem cada vez mais uma parceria constantecom aquele que vai se responsabilizar pelo produto nal: Sílvio de Abreu e Jorge Fernando; Manoel Carlos e Ricardo Waddington;Benedito Rui Barbosa e Luiz Fernando Carvalho; Gilberto Braga

    e Denis Carvalho etc. A consolidação de uma linha de trabalho voltada para aespecicidade da expressão audiovisual da telenovela tem sidoconsiderada, principalmente pelos diretores e produtores, umimportante desao. Quando se observa a história do horário quesucede o Jornal Nacional da TV Globo, pode-se dizer que, desdeos anos 70, Daniel Filho e Walter Avancini foram diretores que

    buscaram garantir, apesar das condições adversas, a construçãode uma linha de trabalho que defendia o maior controle do pro-cesso que favorecia a qualidade estética da telenovela e o maiorreconhecimento autoral dos diretores-gerais. Daniel Filho, porexemplo, mantinha uma regularidade de trabalho com Janete Clair(Xexéo,1996), e foi, enquanto diretor do núcleo de telenovelas da Tv Globo, um dos responsáveis pela formação de uma equipe de

    produção e de diretores (vale destacar a presença dos diretoresRoberto Talma e Paulo Ubiratan) que deixaram marcas autoraisnas telenovelas do horário ‘das oito’ dos anos 80, conformandouma forte referência para qualquer produção do gênero.

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    Não se pode negar o trabalho estafante e pouco avesso àscondições ideais da produção artística, nem mesmo as condiçõefabris, industriais a que estes realizadores se submetem. Ortiz Ramos (1989, p.156) demonstraram que “a criatividade mobilizapara a criação da telenovela esbarra necessariamente na forma jpadronizada do produto, que limita as inovações, e nos imperativoeconômicos e industriais que o caracterizam”.

    Entretanto, dentro deste contexto adverso, observa-se con-cepções criativas e autorais de telenovelas e de práticas dos reazadores. O caso de Daniel lho e o depoimento de Florisbal, atuasuperintendente comercial da TV Globo (Souza, 2004), ilustrambem o papel criativo e inovador dos realizadores, deixando clarque a própria empresa também viabiliza a existência dos canais dreconhecimento das marcas e estilos autorais, já que esse fenômenalimenta a exigência das empresas e do público de manterem acesa tensão necessária entre as novidades e as fórmulas repetitivas10

    geradoras do sucesso.Uma característica demandada pelos representantes dessa tendência tem sido a importância do diretor para desenvolver formade expressão próprias para a teledramaturgia e para a telenovelque sejam fruto da articulação com outras linguagens audiovisuacomo o cinema. Articulações que devem preservar e desenvolvea particularidade da televisão e dos recursos tecnológicos próprio

    deste meio. Esta preocupação com a linguagem especíca da telenovela traduz um dos temas centrais presentes nas disputas emtorno de critérios de consagração e reconhecimento.

    O debate sobre a linguagem da televisão já se fazia sentir nonal dos anos cinqüenta. Nesta época já estava instalada uma interessante diferença entre os escritores e diretores (pois à épocamuitos deles acumulavam essas funções) quanto ao valor da pre

    ocupação estética na televisão. Os realizadores que trabalhavamnas emissoras no Rio concordavam com Péricles Leal que dizi

    10 Atente-se para a leitura do artigo de Pina Coco, neste livro, que examina as frequentrecorrências de certos modos de construção das heroínas.

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    haver um modo diverso de pensar a linguagem entre o “Rio e SãoPaulo”. Os paulistas sonhavam em fazer uma TV auto-suciente,com sua própria linguagem. No Rio era diferente, a TV era encara-da mais como veículo que difundia teatro, música, e tantas outrasatividades artísticas. Herval Rossano, por exemplo, concordava edizia ser excessiva a preocupação dos paulistas pois, entre outrascoisas, tornava a televisão menos dinâmica: “podia-se levar atétrês horas para dizer ‘eu te amo’” (Klagsbrunn e Rezende,1991,p.44). Vale insistir que os espaços da experimentação existiram emambos locais: aTV de Vanguarda em São Paulo e aCâmera Um, noRio11, por exemplo.

    Essa diferença sugere a permanente tensão entre os gruposque defendem uma televisão mais voltada para resultados comer-ciais, sem grandes preocupações poéticas e estéticas, e aqueles quebuscam uma possibilidade de aliar as demandas econômicas como desenvolvimento da linguagem televisiva de qualidade.

    Tal tensão esteve presente desde as primeiras experiênciasde elaboração da telenovela, tendo sido a TV Globo um espaçoprivilegiado para o seu desenvolvimento. Benedito Ruy Barbosaé um exemplo interessante. Ele tem sido um importante defen-sor dessas inovações, responsáveis pela linguagem própria datelenovela, sendo o escritor que trouxe, nos anos noventa, im-portantes marcos renovadores do gênero:Pantanal 12 e Renascer 13 .

    Luiz Fernando Carvalho, um dos mais expressivos representantes11 Jacy Campos introduziu mudanças importantes em termos de linguagem quando criouoCamera Um , usando uma única câmera em movimento no teleteatro.Câmera Umdeixoua marca da busca de uma linguagem própria para a televisão, inovando no tratamentocênico, brincando com o telespectador ao lidar com a câmera e os seus limites, umacâmera que, muitas vezes, narrava sem cortes (Klagsbrunn e Rezende,1991, p. 43)12 Pantanal foi exibida em 1990 pela TV Manchete, alcançando, pela primeira vez depois

    de muitos anos, índices de audiência superiores a telenovela da TV Globo exibida nesteperíodo, no mesmo horário.13 Renascer é conhecida como a “novela que deixa nova marca na televisão brasileira”. Umdos responsáveis foi o diretor Luiz Fernando Carvalho. Os primeiros quatro capítulosde Renascer foram considerados um dos melhores da TV Brasileira ( Jornal do Brasil ,13nov. 1993. Revista da TV).

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    contemporâneos dessa tendência autoral da direção de telenovelafez deRenascer um sucesso exemplar. Experiência que mostrouum novo patamar na história da telenovela e da teledramaturgiao cinema não seria mais a fonte dos critérios de avaliação e reconhecimento, eles já seriam encontrados na história da produçãoaudiovisual da televisão14.

    Por m, tanto Barbosa quanto Carvalho têm sido contumazesdefensores da maior autonomia no processo de feitura da teleno vela, representando uma postura autoral bem acentuada: Barbosnão admite dividir a escrita e Carvalho quer deixar sua caligraprópria em qualquer produto que elabora. O exemplo deste casode autoria compartilhada pode ser observada emRenascer (1993),Rei do Gado (1996) e Esperança (2003). As duas primeiras de muitosucesso e a última delas com problemas de aceitação pelo públicque associados a problemas pessoais do escritor, exigiu a mudançdele nos capítulos nais da telenovela. Esta mudança permitiu

    notar o estilo do escritor que o substituiu (Walcyr Carrasco) e manutenção da segura direção geral da equipe de Carvalho, qunestas circunstâncias de risco garantiram níveis respeitáveis nqualidade e no índice de audiência.

    Esta parceria - diretor-geral com o escritor responsável - desen volve estratégias próprias de trabalho, mais ou menos integradapara lançar mão de recursos técnicos e humanos oferecidos pel

    emissora de televisão. Observa-se, ainda, a tendência dos diretorgerais e dos escritores responsáveis de escolherem equipes de aporegulares. Estas equipes atuam ao longo do processo de realizaçãdas telenovelas segundo os modos particulares de condução operados por estes diretores gerais e escritores responsáveis chamado

    14 O jornalista Hugo Sukman pergunta a Luiz Fernando Carvalho: “por que se diz qu

    quando a TV tem qualidade é cinematográca e, quando é ruim é TV mesmo?” Elresponde: “há uma tendência geral em diminuir a televisão e sou completamente contisso. As pessoas costumam fazer a comparação: é cinema, é bom, mesmo que não sejé televisão, é ruim, mesmo que seja bom. A narrativa cinematográca é totalmentdiferente da televisão, não lida com tantos diálogos, tantos planos fechados” ( Jornal doBrasil , 12 maio 1995. Caderno B).

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    de autores. Estas dinâmicas particulares de trabalho precisam serconhecidas para se caracterizar as funções destes prossionais nasescolhas das estratégias empregadas ao longo dos mais de cemcapítulos das telenovelas. Como o diretor geral e seus seletos di-retores distribuíram responsabilidades e tarefas? Como o escritordistribuiu as tarefas na equipe, que tipo de controle instituiu naequipe? Quais os critérios que estes prossionais usam para avaliara telenovela, os momentos que foram considerados primorosos,as marcas de “tom pessoal” mais evidente, etc?

    Ampliar o conhecimento sobre estas dimensões auxilia odesenvolvimento da fase seguinte do método de análise da au-toria nas telenovelas, qual seja: o processo de transmutar dadossobre a produção, o processo de criação e o sistema de avaliaçãodas telenovelas em dados para elaborar os critérios de seleção docorpus tópico de análise textual que servirá de base para examinaras marcas autorais.

    Em suma, já se congurou uma hipótese de que as marcas deautoria são observáveis nas telenovelas da Tv Globo, num certohorário, de uma certa época. Além disso, os autores que deverão serobjeto de análise são os escritores, sem desconsiderar as parceriascom os diretores. Neste ponto, sabe-se também que nas situaçõesonde existe uma parceria produtiva e estreita com os diretoresgerais, tratar-se-á a autoria como compartilhada.

    Buscando as marcas do autor

    A etapa da investigação mais voltada para o contexto de pro-dução das marcas de autoria nas telenovelas atinge o seu objetivocentral quando identica os realizadores-autores na história do

    campo da telenovela, conhecendo as denições em jogo sobreas telenovelas e sobre o processo de criação autoral, a ponto deformular hipóteses de trabalho sobre as tendências das escolhasde gêneros destes realizadores. Esta etapa gera a compreensão

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    da trajetória destes realizadores sem descurar das relações com universo de telenovelas que têm feito parte da história do campe das escolhas que zeram. Esta etapa fornece, assim, as hipóteseiniciais de trabalho para conformar a amostra representativa – atelenovelas e os trechos das telenovelas – que será objeto de análidas estratégias internas de organização dos efeitos das telenovelaestratégias que traduzem marcas autorais, um “tom pessoal”.

    Para a seleção dos trechos das telenovelas, construiu-se umadiversidade decorpus de análise de caráter tópico (Bauer & Aarts,2002), especíco. Processo necessário quando se está manipulandum texto audiovisual caracterizado pela sua extensão (de 150 a 20capítulos, de segunda a sábado, de 45 minutos). Tamanho que diculta tanto a observação sistemática de todos os capítulos de umtelenovela, quanto a comparação destes capítulos com de outratelenovelas já realizadas pelos escritores e diretores selecionadou por outros realizadores. Ocorpus tópico é necessário, ainda,

    para examinar textos audiovisuais onde o realizador consideradautor trabalha coletivamente. Alguns escritores autores permitemseus colaboradores carem responsáveis pela criação de certopersonagens e pela condução de suas histórias durante a trama Alguns diretores gerais também distribuem responsabilidadeque podem signicar ter um diretor da equipe responsável pelcriação e condução de mais de um capítulo da telenovela. Neste

    casos, é imprescindível poder localizar estas situações, a m dpoder avaliar se é possível identicar recorrências e dissonâncique atestem marcas de autoria da direção geral e dos diretores dequipe nestas telenovelas, por exemplo. Em suma, a construçãode amostras tópicas para a análise textual oferece maior segurançao investigador de que está formulando interpretações que considerem a complexidade das instâncias de produção e das instância

    da obra - telenovela. A proposta de análise das marcas de autoria das telenovelaescritas por Benedito Ruy Barbosa e dirigidas por Luiz FernandCarvalho, por exemplo, traduziu a hipótese de uma correspon-

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    dência das posições que estes realizadores tinham no campocom a disposição inovadora que buscaram desenvolver em seustrabalhos, a qual estava associada a um tipo de reconhecimento econsagração que buscavam imprimir marcas de autoria no gênero(Souza, 2002).

    Todavia, sabe-se que posicioná-los num campo especíco depráticas não é suciente para identicar, examinar e interpretaras marcas de autoria na instância da obra. Sabe-se, ainda, que nãosão sucientes para construção do conjunto de corpus tópico dastelenovelas a ser examinado. Para tanto foi preciso formular ummétodo apropriado para análisar os modos de funcionamento eorganização textual das telenovelas.

    O método de análise textual da telenovela em exercício nogrupo de pesquisa A-tevê15 nasceu das experiências desenvolvi-das pelo Laboratório de Análise fílmica. A perspectiva de análiseadotada, formulada por Gomes a partir de uma releitura daPo-

    éticade Aristóteles, explora com acuidade as estratégias textuaisdesenvolvidas pelos realizadores autores do lme: estratégiasde agenciamento e organização dos elementos de composiçãoque prevêem e solicitam determinados efeitos dos apreciadores(Gomes, 1996, p.113). Formulação apropriada para um métodode análise das estratégias textuais das telenovelas, programa detelevisão que busca garantir a maior margem de coincidência

    entre o efeito esperado e a resposta adequada a ele por parte dosapreciadores-telespectadores. O autor-realizador (individual oucoletivo) é pensado como estrategista especializado na construçãode instruções de leitura que devem provocar determinado efeitos,sob pena de perder não apenas o reconhecimento, mas tambéma condição para imprimir as marcas de autoria.

    15

    Rearma-se a fase preliminar desta experiência associada as lacunas da pesquisadoraque tem sua formação ancorada nas ciências sociais. A clareza dos limites impostos pelaorigem da formação fomentou uma reordenação no campo de estudos da pesquisadoradesde 2000 para aprimorar a capacidade analítica de textos e discursos audiovisuaismediáticos. Resultados deste percurso transdiciplinar guiará, certamente, o processode investigação em curso e os futuros trabalhos nesta área.

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    Seguindo os rastros das premissas anteriores, o método deanálise textual das telenovelas deve ser conduzido por uma “teorsobre o funcionamento” deste programa de televisão examinada partir de dois pressupostos básicos. O primeiro exige que se delmite o objeto, telenovela, a partir da “representação da ação qulhe é particular”, dos gêneros discursivos de representação, poiseles corresponderia um conjunto de efeitos próprios e esperadosIsto quer dizer que esboçar uma teoria sobre o funcionamentoda telenovela exige um conhecimento sobre a sua destinaçãonalidade, o efeito esperado sobre aqueles que a apreciarão. Osegundo pressuposto diz respeito a natureza desta apreciaçãopois a telenovela só existe quando apreciada.

    Uma implicação metodológica deve ser ressaltada: o investigador deve se concentrar na “instância da obra”, no texto, nosrecursos e meios estrategicamente postos na obra16, pois são comestas estratégias que o apreciador se relaciona, os dispositivos qu

    permitem o apreciador experimentar ou não os efeitos agenciadoque foram colocados a sua disposição.Privilegiar o lugar da apreciação, instância da obra destinad

    a produção de efeitos, centraliza a atenção do investigador nestagenciamento de efeitos operados pelo texto. Agenciamento qufaz uso de meios, recursos, materiais ordenados, estruturados de tmaneira a produzirem os efeitos que se espera atingir no apreciado

    Os meios indicados são os narrativos, cênicos, visuais e sonoroOs efeitos mencionados são os estéticos (sensoriais), emocionaisos comunicacionais (de sentido). Como a cada obra corresponderium conjunto de modos possíveis de se organizar, distribuir, fazeuso, compor estes materiais no processo de geração de efeitos, ainvestigador cabe decifrar estes modos possíveis, assim como oprogramas artísticos especícos da obra examinada, o conjunto d

    escolhas que ela representa (Gomes, 2003 e Eco, 1991).16 O termo obra é aqui usado como trabalho artístico em geral, não importanto sereconhecida como erudita, popular ou massiva. Em alguns momentos do texto, podertambém referir-se a produção total de um realizador.

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    Derivam destes pressupostos alguns procedimentos. O desta-que dado aos processos que permitem a identicação dos efeitosé compreensível, pois são eles pontos de partida para a efetivaobservação das estratégias e dos dispositivos que foram capazesde gerá-los.

    Estes pressupostos indicam, portanto, a necessidade do in- vestigador estabelecer as leis gerais de programação dos efeitosnas telenovelas que estiver examinando. Para tanto, precisaráidenticar os códigos internos de funcionamento da composiçãodestas telenovelas a partir dos gêneros de efeitos em que elas, emlinhas gerais, têm se especializado.

    Até o momento, gêneros ccionais17dizem respeito às estra-tégias de comunicabilidade textuais desenvolvidas nas telenovelas,estratégias que demarcam regras de condução das orientações deescritura e de apreciação dos telespectadores. Regras e estratégiashistoricamente construídas no imaginário de produtores e teles-

    pectadores, que tendem a sofrer recriações e redenições (Borelli,2002 e Souza, 2004). Estabelecidas estas premissas gerais, algumashipóteses de trabalho concernentes a construção do conjuntode corpus tópico a ser examinado surgiram. Este artigo indicaráalgumas delas, sem a pretensão de esgotá-las.

    A primeira delas diz respeito aos critérios para selecionarquais momentos do texto narrativo devem ser objeto de atenção

    do investigador. Para tanto, os materiais reunidos foram: registrosaudiovisuais dos capítulos, sinopse da telenovela, boletim de pro-gramação, resumos das revistas da TV impressa e dos resumos dis-poníveis em sítios na Internet, depoimentos de telespectadores.

    As telenovelas contam em geral com uma sinopse, que podechegar a ter trinta páginas, e quase duzentos capítulos, cada umdeles também com este número de páginas. O roteiro e a sinopse17 Mais uma vez é irrefutável a necessidade de aproximação e apropriação de outras áreasdo conhecimento para ampliar a compreensão dos gêneros ccionais, as suas formas deexpressão na literatura, em especial nos romances folhetins, no cinema, no teatro e nateledramaturgia, para poder compreender melhor a relação entre as estratégias textuaisimpostas pelos gêneros ccionais e os efeitos previstos.

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    Analisando a autoria das telenovelas 39

    não podem servir de base para a análise porque muitas vezes nãcorrespondem ao desenvolvimento nal da história exibida na televisão. Além disso, o acesso do pesquisador a este material escrie a todos os capítulos exibidos é muito difícil, cabendo ao pesqusador imaginar outros caminhos para conhecer o texto narrativoa história contada nas suas nuances e modos de elaboração.

    Nestas circunstâncias algumas etapas foram estabelecidasi) elaboração de um resumo da história baseado nos boletins deprogramação, nas sinopses, quando houver, nos resumos dos capítulos exibidos; ii) elaboração de um resumo descritivo e ampliaddo desenrolar da história, buscando respeitar a composição e oritmo da narrativa; iii) criação de um quadro geral que permitobservar o ritmo da narrativa ao longo das semanas e dos mesescongurando as curvas dramáticas segundo as tramas centrais secundárias. Os dois últimos itens lançam mão das mesmas fonteprecisando recorrer a memória e ou depoimentos de telespecta

    dores que assistiram a telenovela. Neste momento também sãoreunidas as matérias da imprensa mais signicativas que oferecedados sobre a audiência e sobre as repercussões da telenovela n vida social e na vida de telespectadores.

    O panorama geral da história oferece ao pesquisador um quadro de hipóteses de trabalho para rastrear os capítulos gravadobuscando uma correspondência entre o momento da história e

    os capítulos registrados. Isto porque dicilmente consegue-se teregistrado em VHS ou DVD todos os capítulos exibidos. De possdeste material, o investigador pode passar a fase seguinte, a análitextual do material audiovisual. O investigador já formulou umprimeira versão do conjunto geral do texto narrativo, do mododo escritor narrar a história, os temas tratados, a fase de implantação da trama central em relação a fase do desfecho, as intriga

    principais e secundárias, a caracterização dos personagens, suaações e motivos, e tantas outros. Tem-se conhecimento inclusivdas situações consideradas problemas, dos melhores momentopara os realizadores, críticos de televisão e para o público. Est

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    primeiro panorama desenha, por m, um conjunto de hipótesesde trabalho sobre os modos do escritor responsável e dos direto-res contarem histórias neste entrelaçar de estratégias que fazemparte da fórmula de sucesso com as estratégias que são produzidasbuscando expressar as marcas pessoais.

    Formula-se, ainda, uma outra signicativa hipótese de traba-lho, aquela que traça um mapa, mesmo que inicial e provisório,sobre as estratégias de gênero utilizadas na telenovela. Caberetomar as intuições provenientes dos resultados de pesquisa deBorelli (2002) sobre os sistemas de identicação e observaçãoda composição dos gêneros ccionais nas telenovelas. Borellidemonstrou que é possível identicar as articulações dos gênerosccionais melodramático, cômico, erótico e fantástico na teleno- velaIndomada (Aguinaldo Silva, direção geral Marcos Paulo, TVGlobo, 1997, 20 horas). Borelli associou os núcleos dramáticos, plots e até mesmo a caracterização de personagens e situações a

    cada um destes gêneros. Procedimento que conseguiu ao mapearos fragmentos e situações onde determinadas estratégias de gêneroforam acionadas em toda a obra, pois a redundância, a repetição,a presença de uma estrutura regular ao longo da telenovela sãopróprias do seu modo de funcionamento. O caminho criado porBorelli18ajudou, enm, a buscar critérios de identicação dos gê-neros ccionais nas telenovelas, pois permitiu construir a seguinte

    pergunta: Quais os gêneros ccionais claramente identicados natelenovela, eles estão associados aos núcleos dramáticos, ou traçamde modo mais abrangente as marcas de composição da maior partedestes núcleos? Exemplicando: vamos poder localizar em todasas telenovelas da Tv Globo uma associação das estratégias de co-micidade com determinados núcleos dramáticos, ou em algumastelenovelas as estratégias de comicidade não passam apenas de

    traços de determinados personagens secundários presentes emnúcleos fortemente marcados pelas estratégias melodramáticas?

    18 Recomenda-se a leitura do artigo de Borelli neste livro por apresentar esta perspectivade análise.

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    Em suma, é preciso estabelecer uma compreensão maisgeral dos modos de se contar as histórias em cada uma dastelenovelas examinadas buscando identicar quais os núcleodramáticos em ação, como estão articulados e quais as estratégias de gênero empregadas em cada uma delas. Procedimentque indicará com maior precisão os trechos que oferecemmais elementos para o exame dos efeitos, dos materiais e daestratégias utilizadas. Procedimento que tornará viável a comparação de obras dos mesmos realizadores e de realizadoresdiferentes. Procedimento que permitirá, inclusive, localizar ntelenovela, variações no modo de construção destas estratégiaIsto porque os trechos serão caracterizados a partir de umtratamento cuidadoso da relação deles com o conjunto geralda obra. Procedimento sem dúvida essencial para examinar amarcas autorais dos realizadores.

    Um procedimento que precisou estar associado a todo este

    processo foi o de identicação e localização das unidades quconformam uma telenovela, pois a extensão deste tipo de obraestá associada a serialidade desenvolvida nos capítulos diários, articulação entre eles, entre os blocos internos a cada capítulodistribuídos por semanas, meses e pelas fases de implantaçãodesenvolvimento e conclusão da história central e das secundárias. Cada um dos capítulos exibidos, registrados ou não, tem um

    resumo (de jornal ou revista impressa ou online) caracterizadcom as indicações gerais de quais personagens, quais momentoda história, quais os destaques dados, quais os elos de ligação slientados. A partir deste material mais um conjunto de hipótesede localização das unidades da história que se deseja analisarassinalado.

    No exercício realizado com os capítulos da primeira sema-

    na de Mulheres Apaixonadas, Renascer e Terra Nostra localizamosas trajetórias das personagens, o lugar dos protagonistas e dopersonagens das tramas secundárias, o ritmo da exposição doconitos, o tempo do seu desenrolar, os enlaces entre os conitos

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    e personagens durante a primeira semana, comparando com odesenrolar das tramas e os seus desfechos em cada telenovela19.Os resultados deste estudo preliminar construíram as hipótesesque iniciaram o tratamento da observação do material audiovisualregistrado.

    Por m, estes processos de denição do corpus tópico apri-moram um procedimento anterior que formulava como critériode seleção dos fragmentos para examinar as marcas de autoria osmomentos onde o escritor e o diretor geral supostamente tives-sem maior domínio sobre a feitura da obra: quer dizer, os vintecapítulos iniciais e os vinte nais. Os exercícios de construção docorpus tópico de análise demonstraram que o método de análisetextual a ser empregado deve estar associado com os processos derenamento da localização do corpus tópico e da compreensão darelação destas unidades com o conjunto da obra. Este processooferece ao investigador as condições para denir um conjunto de

    momentos da história e capítulos que expressa melhor a dimensãoautoral, amplia a visibilidade das “mãos” dos escritores e diretores,assim como, se houver, da autoria compartilhada.

    19

    Recomenda-se, mais uma vez, a leitura do artigo de Rodrigo Barreto neste livropois permite observar as diferenças no modo de narrar presentes nos dois primeiroscapítulos de uma telenovela da mesma emissora, exibidas no mesmo horário, na mesmadécada e com a mesma direção geral de Jayme Monjardim. O artigo apresenta algumashipóteses de trabalho sobre as estratégias narrativas particulares dos escritores: GlóriaPeres e Benedito Ruy Barbosa.

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    Analisando a autoria das telenovelas 45

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    46 Analisando Telenovelas

    Título Período Cap. Roteiro Direção

    Tieta14 Ago/89

    a31 Mar/90

    196

    Aguinaldo Silva comRicardo Linhares e

    Ana Maria Moretzsohn

    Adaptação do Roman-ce “Tieta do Agreste”

    de Jorge Amado.

    Paulo Ubiratan(direção geral),

    Reynaldo Boury eLuiz Fernando Car-

    valho.

    Rainha dasucata

    2 Abr/90 a27 Out/90 177

    Sílvio de Abreu com Alcides Nogueira e

    José Antônio de Souza

    Jorge Fernando (dire-ção geral),

    Jodelet LarcherRoberto Talma

    (direção executiva)

    Meu bemmeu mal

    29 Out/90a17 Mai/91

    173

    Cassiano GabusMendes

    Colaboração deDejair Cardoso,

    Maria Adelaide AmaralLuiz Carlos Fusco (apartir do capítulo 20).

    Paulo Ubiratan(direção geral),

    Ricardo WaddingtoneReynaldo Boury.Paulo Ubiratan

    (direção executiva)

    O dono domundo

    20 Mai/91

    a13 Jan/92

    197

    Gilberto BragaColaboração de

    Ricardo Linhares,Leonor Basséres.

    Apoio de Sílvio de Abreu

    Dennis Carvalho(direção geral),

    Mauro Mendonça

    Filho,Ricardo Waddington.

    Ruy Matos(direção executiva)

    Pedra so-

    bre pedra

    6 Jan/92 a

    31 Jul/92178

    Aguinaldo Silva com Ana Maria Moretz-

    sohn eRicardo Linhares.Colaboração deMárcia Prates

    e Flávio de Campos.

    Paulo Ubiratan(direção geral),Gonzaga Blota,Luiz Fernando

    Carvalho eRuy Matos

    (direção de produção)

    Quadro I Telenovelas, Rede Globo, 20h* (1989-2003)

    * O termo “Horário das 20h” é utilizado aqui para as telenovelas exibidas, de segundaa sábado, pela TV Globo, apesar de sua imprecisão.

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    Título Período Cap. Roteiro Direção

    De corpo ealma

    3 Ago/92 a5 Mar/93 185 Glória Perez

    Roberto Talma(direção geral),Fábio Sabag eIvan Zettel.

    Ítalo Granato(direção de produção)

    Renascer 8 Mar/93 a13 Nov/93 213

    Benedito Ruy Barbosa

    colaboração deEdmara Barbosa eEdilene Barbosa.

    Luiz Fernando Car- valho (direção geral),

    Mauro MendonçaFilho e

    Emílio Di Biase.Roberto Talma (dire-

    ção artística)Ruy Matos (direção

    de produção)

    Fera ferida

    15 Nov/93

    a15 Jul/94 221

    Aguinaldo Silva comRicardo Linhares e

    Ana Maria Moretzsohn

    Colaboração deFlávio de Campos e

    Marcia Prates.

    Enredo inspirado nouniverso ccional deLima Barreto, mais

    especicamente nosromances “Clara dos Anjos”, “Recordações

    do Escrivão IsaíasCaminha”, “Triste Fimde Policarpo Quares-

    ma”, “Vida e Morte deM.J. Gonzaga de Sá”

    e um personagem doscontos ‘”Nova Califór-nia” e “O homem que

    sabia Javanês”.

    Dênis Carvalho (dire-ção geral)

    Marcos Paulo,Carlos Magalhães,

    Paulo Ubiratan(direção artística)

    Ruy Matos(direção de produção)

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    48 Analisando Telenovelas

    Título Período Cap. Roteiro Direção

    Pátriaminha

    18 Jul/94a

    10 Mar/95203

    Gilberto BragaColaboração de Alcides Nogueira,Sérgio Marques ,

    Ângela Carneiro eLeonor Basséres.

    Dennis Carvalho(direção geral),

    Alexandre Avancini , Ary Coslov, Roberto

    Naar.Paulo Ubiratan

    (direção artística)Eduardo Figueira

    (direção de produção)

    A próximavítima

    13 Mar/95a

    3 Nov/95203

    Sílvio de AbreuColaboração de

    Alcides Nogueira eMaria Adelaide

    Amaral.

    Jorge Fernando (dire-ção geral),

    Marcelo Travesso eRogério GomesPaulo Ubiratan

    (direção artística)Ítalo Granato

    (direção de produção)

    Explodecoração

    6 Nov/95a

    3 Mai/96185 Glória Perez

    Dennis Carvalho(direção geral)

    Ary Coslov, Carlos Araújo

    Ruy Matos(direção de produção)

    Núcleo PauloUbiratan

    O m domundo

    6 Mai/96a

    14 Jun/9635

    Dias GomesColaboração deFerreira Gullar

    Paulo Ubiratan(direção peral)Gonzaga Blota

    Ruy Matos(direção de produção)

    Núcleo PauloUbiratan

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    Analisando a autoria das telenovelas 49

    Título Período Cap. Roteiro Direção

    O rei dogado

    17 Jun/96a

    14 Fev/97209

    Benedito Ruy Barbosacolaboração de

    Edmara Barbosa eEdilene Barbosa.

    Luiz Fernando Car- valho (direção geral),

    Carlos Araújo,Emílio Di Biase e

    José Luís VillamarinRuy Matos

    (direção de produção)Núcleo Luiz Fernan-

    do Carvalho

    A indo-mada

    17 Fev/97a

    10 Out/97203

    Aguinaldo Silva comRicardo Linhares,Colaboração deNelson Nadotti,Marcia Prates e

    Maria Elisa Berredo.

    Paulo Ubiratan(direção geral),

    Luiz Henrique Rios,Marcos Paulo eRoberto Naar.Ítalo Granato

    (direção de produção)Núcleo Paulo Ubi-

    ratan

    Por amor13 Out/97

    a22 Mai/98

    191

    Manoel CarlosColaboração de

    Vinícius Vianna,Letícia Dornelles,Maria Carolina.

    Paulo Ubiratan (dire-ção geral)

    Ricardo Waddington Alexandre Avancini ,

    Edson Spinello.Ruy Matos

    (direção de produção)Núcleo Paulo

    Ubiratan.

    Torre debabel

    25 Mai/98a

    15 Jan/99203

    Sílvio de AbreuColaboração deBosco Brasil e

    Alcides Nogueira

    Denise Saraceni(direção geral)Carlos Araújo,

    Paulo Silvestrini, José Luiz VillamarinNúcleo Carlos Manga

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    50 Analisando Telenovelas

    Título Período Cap. Roteiro Direção

    Suaveveneno

    18 Jan/99a

    17 Set/99209

    Aguinaldo Silva comFernando Rebello,

    Filipe Miguez, Ângela Carneiro,

    Maria Helena Nasci-mento,

    Colaboração deMarília Garcia.

    Inspirada na peça“Rei Lear” de William

    Shakespeare.

    Daniel Filho e

    Ricardo Waddington(direção geral), Alexandre Avancini ,Marcos Schechtman,

    Moacyr Góes.Ruy Matos

    (direção de produção)Núcleo Ricardo Waddington

    Terranostra

    20 Set/99a

    2 Jun/00221

    Benedito Ruy Barbosacolaboração de

    Edilene Barbosa eEdmara Barbosa.

    Jayme Monjardim(direção geral),

    Carlos Magalhãese Marcelo Travesso.

    Ruy Matos(direção de produção)Núcleo Jayme Mon-

    jardin

    Laços defamília

    5 Jun/00a

    2 Fev/01209

    Manoel Carloscolaboração de Fausto Galvão,

    Vinícius Vianna,Flávia Lins e Silva,

    Maria Carolina.

    Ricardo Waddington(direção geral),

    Marcos Schechtman,Moacyr Góes,

    Rogério GomesLeandro Néri

    César Rodrigues

    Ruy Matos(direção de produção)Núcleo Ricardo Waddington

    Porto dosmilagres

    5 Fev/01

    a28 Set/01 203

    Aguinaldo Silva comRicardo Linhares.

    Adaptação livre das

    obras “Mar Morto”e “A descoberta da América pelos turcos”

    do escritor Jorge Amado.

    Marcos Paulo(direção geral)Roberto Naar

    Fabrício Mamberti

    Luciano SabinoCésar Lino(direção de produção)Núcleo Marcos Paulo

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    Analisando a autoria das telenovelas 51

    Título Período Cap. Roteiro Direção

    O clone1 Out/01

    a14 Jun/02

    221 Glória Perez

    Jayme Monjardim(direção geral)

    Marcos Schechtman.Mário Marcio Ban-

    darra Teresa LampreiaMarcelo TravessoGuilherme Bokel

    (direção de produção)Núcleo Jayme Mon-

    jardim

    Esperança17 Jun/02

    a 14 Fev/03

    209

    Benedito Ruy Barbosacolaboração de

    Edmara Barbosa eEdilene Barbosa

    A partir do capítulo147, Walcyr Carrasco

    assumiu a autoria,substituindo Benedito

    Ruy Barbosa

    Luiz FernandoCarvalho

    (direção geral)Carlos Araújo

    Emílio Di Biase eMarcelo Travesso.

    César Lino

    (direção de produção)Núcleo Luiz Fernan-

    do Carvalho

    Mulheresapaixo-

    nadas

    17 Fev/03a

    Out/03

    203

    Manoel CarlosColaboração deMaria Carolina,Fausto Galvão, Vinícius Viana

    Ricardo Waddington(direção geral)

    Rogério Gomes, José Luiz Villamarim,

    Ary Coslov

    Flavio Nascimento(direção de produção)Núcleo Ricardo Waddington

    Fontes Arquivos do acervo do Grupo de Pesquisa A-tevê (PosCom-UFBa). Dados coletados em sites da emissora Tv Globo; jornaiimpressos e on-line O Globo; Jornal do Brasil; Folha de São Paule Dicionário da TV Globo (2003).

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    52 Analisando Telenovelas

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    Comicidade e fantástico: diálogos com o melodrama 53

    Se para J. Y. Tadié (1982), I. Calvino (1993) e A. VincenBuffault (1994) a aventura, o erotismo e as lágrimas do melodrama conguram a essencialidade da cção, para Mikhail Bakh(1987) a comicidade, o riso compõem a essência da ccionalidadpopular. Em sua já clássica reexão sobre a obra de Rabelais, Bakht

    resgata a história do riso e trabalha com elementos da carnavalizção do cotidiano nos contextos da cultura e da literatura populado XVI; sua análise permite considerar que esses elementos sencontram ainda presentes em inúmeras manifestações popularede massa na atualidade. A paródia, a sátira e o realismo grotescdespontam, em Rabelais, em meio a cenários vinculados ao banque- em que abundância e excesso se manifestam pelos atos de come

    muito e beber em demasia - e expressos em marcantes imagen

    Comicidade e fantástico:diálogos com o melodrama 1

    Silvia Helena Simões Borelli

    1 Uma versão preliminar deste texto está parcialmente publicada em: LOPES, M. I. VBORELLI, S. H. S. e RESENDE, V.Vivendo com a telenovela. Mediações, recepção, telenalidade . São Paulo: Summus, 2002.

    Traços da Comicidade

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    54 Analisando Telenovelas

    reveladoras dobaixo corporal . Com este inventário Bakhtin qualica acomicidade enquanto gênero popular, enquanto forma de expressãooposta àquela da cultura medieval ocial, eclesiástica e feudal. Sãoesses mesmos elementos que permitem a Bakhtin esclarecer que acomicidade não é homogênea; pelo contrário, explicita-se em suaplena diversicação: o bufo, o burlesco e o grotesco apresentam-secomo categorias diferenciadas dentro de um padrão mais amplo eexpressam momentos variados do processo cultural diversicado. Além disso, a perspectiva bakhtiniana de análise da cultura abreuma brecha metodológica de incorporação e transposição dostrad