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5/23/2018 AnaliseBatismoInfantilNozima-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/analise-batismo-infantil-nozima 1/82 HELDER NOZIMA PEREIRA UMA ANÁLISE HISTÓRICO-TEOLÓGICA DO BATISMO INFANTIL BRASÍLIA 2006

Analise Batismo Infantil Nozima

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  • HELDER NOZIMA PEREIRA

    UMA ANLISE HISTRICO-TEOLGICA DO BATISMO INFANTIL

    BRASLIA 2006

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    HELDER NOZIMA PEREIRA

    UMA ANLISE HISTRICO-TEOLGICA DO BATISMO INFANTIL Monografia apresentada ao Curso de Bacharelado em Teologia do Seminrio Presbiteriano de Braslia, como requisito parcial obteno do grau de bacharel. Orientador: Rev. Geraldo Henrique Lemos Barbosa.

    BRASLIA 2006

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    TERMO DE APROVAO

    O BATISMO INFANTIL: PRTICA BBLICA OU RESQUCIO DO CATOLICISMO ROMANO?

    Por

    HELDER NOZIMA PEREIRA Monografia apresentada ao Curso de Bacharelado em Teologia do Seminrio Presbiteriano de Braslia, como requisito parcial obteno do grau de bacharel, sob avaliao da seguinte banca examinadora: ___________________________________________________________ Rev. Osvaldo de Oliveira Reis ____________________________________________________________ Rev. Luciano Carneiro Ximenes ____________________________________________________________ Rev. Geraldo Henrique Lemos Barbosa Orientador: Prof. Rev. Geraldo Henrique Lemos Barbosa.

    Braslia, 02 de outubro de 2006

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    Dedico esta monografia:

    Ao Deus nico, o qual me escolheu antes dos tempos eternos, enviou o Seu Filho para morrer em meu favor, selou-me com o Seu Esprito e me separou para o ministrio. A

    Ele toda a honra e toda a glria!

    Aos irmos da lista Cristos Reformados, em especial o Pb. Anamim Lopes Silva, e ao Rev. Marcos Alexandre dos Reis Guimares Faria, que me conduziram ao

    presbiterianismo.

    minha famlia, pelo apoio, cuidado e incentivo para que eu chegasse at aqui. Obrigado pelas suas oraes! Amo vocs!

    Luciane Oliveira Bertulino.

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    AGRADECIMENTOS

    Quero comear agradecendo ao Senhor. Ele a razo deste trabalho, e sem a Sua

    permisso, no poderia conclu-Lo. Que esta monografia sirva para o engrandecimento

    de Seu Santo nome.

    Agradeo tambm ao Rev. Geraldo Henrique Lemos Barbosa, pelo amor e

    pacincia com que orientou as minhas leituras.

    No poderia deixar de me lembrar da reviso feita pela minha namorada,

    Luciane Bertulino, que, pacientemente, leu este trabalho. Deixo a ela a minha gratido.

    Agradeo tambm aos meus colegas de Seminrio pelo apoio e incentivo. Foi

    muito bom poder caminhar com vocs nestes anos.

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    SUMRIO

    RESUMO............................................................................................................ vii

    INTRODUO.................................................................................................. 01

    1) A DOUTRINA DO BATISMO NA HISTRIA......................................... 03

    1.1) Antecedentes........................................................................................... 03

    1.2) No Novo Testamento.............................................................................. 04

    1.3) No Perodo Patrstico.............................................................................. 05

    1.4) Na Idade Mdia....................................................................................... 08

    1.5) Na Reforma Protestante.......................................................................... 09

    1.6) No Perodo Puritano................................................................................ 13

    1.7) Na poca Atual....................................................................................... 14

    2) O PONTO DE VISTA CATLICO ROMANO.......................................... 16

    2.1) Definio de Sacramento............................................................................. 16

    2.2) Evoluo do Conceito de Sacramento......................................................... 18

    2.3) Definio de Batismo.................................................................................. 21

    2.4) Viso Bblico-Teolgica do Batismo.......................................................... 22

    3) O PONTO DE VISTA BATISTA.................................................................. 26

    3.1) Batismo: Sacramento ou Ordenana?.......................................................... 26

    3.2) Definio de Batismo.................................................................................. 27

    3.3) Viso Bblico-Teolgica do Batismo.......................................................... 28

    3.4) Argumentos Contra O Pedobatismo............................................................ 34

    4) O PONTO DE VISTA REFORMADO.......................................................... 45

    4.1) Definio de Sacramento............................................................................. 45

    4.2) Definio de Batismo.................................................................................. 48

    4.3) Viso Bblico-Teolgica do Batismo.......................................................... 50

    4.4) Respostas s Objees Batistas.................................................................. 64

    CONCLUSO.................................................................................................... 68

    BIBLIOGRAFIA................................................................................................ 72

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    RESUMO

    Esta monografia uma anlise histrico-teolgica da doutrina do batismo infantil, com a finalidade de descobrir qual a forma de entendimento mais bblica acerca deste assunto. A introduo trata da problematizao, relevncia, metodologia e objetivos deste trabalho. A seguir, feita uma anlise histrica do desenvolvimento da doutrina e prtica do batismo de crianas. A posio catlica estudada, com o uso de documentos oficiais, como O Catecismo Para a Igreja Catlica: Compndio e o pensamento de telogos como Rgis Duffy. O mesmo feito com a posio batista, usando a Declarao Doutrinria da Conveno Batista Brasileira, a Confisso de F de Londres de 1689 e o trabalho de vrios telogos representativos, como Millard Erickson e Wayne Grudem. A posio reformada analisada, partindo do Cap. XVIII, Art. IV da Confisso de F de Westminster e as obras de Joo Calvino, Charles Hodge e outros. Por fim, na concluso h uma anlise sobre qual a posio mais bblica.

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    INTRODUO

    Esta monografia uma anlise histrica e teolgica da prtica do batismo

    infantil (pedobatismo) nas igrejas crists, a partir de um estudo de trs concepes sobre

    o assunto: a catlica, a reformada e a batista, com o objetivo de apontar qual destas

    concepes a mais prxima do ensino da Bblia. A seguinte definio de termos foi

    adotada: por catlico, deve-se entender as posies assumidas pela Igreja Catlica

    Apostlica Romana (ICAR). J por reformado deve-se entender as igrejas

    protestantes que praticam o pedobatismo, o que neste trabalho inclui no apenas aquelas

    ligadas ao pensamento de Joo Calvino (reformadas, presbiterianas, anglicanas e

    outras), mas tambm aquelas que seguem os ensinos de Martinho Lutero (luteranas). O

    termo batista usado para todas as igrejas e telogos protestantes que condenam a

    prtica do pedobatismo.

    A motivao desta pesquisa o desejo do autor de apontar qual a viso mais

    bblica sobre este tema, tendo em vista a diversidade de vises presentes nas igrejas

    crists.

    Esta diversidade leva a uma srie de desdobramentos prticos. praxe, por

    exemplo, das igrejas afiliadas Conveno Batista Brasileira (CBB), negar a Ceia do

    Senhor aos presbiterianos batizados na infncia enquanto os ltimos no forem

    rebatizados, de acordo com as crenas da CBB. Se uma pessoa batizada na infncia

    pedir transferncia para uma igreja da CBB, ela ter que definir se aceita ou no o

    rebatismo. A aceitao ou rejeio do pedobatismo tambm traz implicaes sobre qual

    o conceito correto de Igreja, e qual o lugar das crianas no Corpo de Cristo. At mesmo

    a forma como os diferentes pactos entre Deus e o Seu povo so vistos, ou qual o

    verdadeiro papel dos sacramentos so questes influenciadas por este tema.

    Portanto, o objetivo geral deste trabalho analisar as vises catlica, batista e

    reformada sobre o batismo, luz da Escritura, da histria eclesistica e da teologia

    sistemtica.

    Inicialmente, ser mostrado como o conceito e a prtica do batismo se

    desenvolveram ao longo da Histria, desde a poca do Novo Testamento at os dias

    atuais, verificado como cada posio usa os textos da Escritura que tratam do batismo, e

    qual a argumentao teolgica construda em cima deste alicerce. Tambm ser

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    analisado como a formulao doutrinria e a prtica destas diferentes vises foram

    estruturadas ao longo da Histria da Igreja.

    A seguir, ser mostrado como os catlicos argumentam teologicamente o seu

    ponto de vista sobre o pedobatismo, considerando as Escrituras, os documentos de f da

    ICAR e os escritos de autores representativos desta viso. O mesmo ser feito nos

    captulos subseqentes em relao s vises batista e reformada.

    A metodologia utilizada ser a reviso bibliogrfica de credos, confisses de f e

    livros de autores representativos das trs posies. Inicialmente, ser descrito o

    desenvolvimento histrico do conceito e da prtica do batismo. A seguir, cada posio

    receber um captulo parte, onde sero analisados seus credos ou confisses de f,

    juntamente com exemplos de autores que seguem os padres confessionais. No final, o

    autor apontar qual destas posies a mais bblica e argumentar em favor de uma

    delas.

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    1) A DOUTRINA DO BATISMO NA HISTRIA

    Ao longo da Histria, a elaborao teolgica e a prtica litrgica do batismo

    sofreram modificaes. Uma investigao histrica sobre estas mudanas ajudar a

    entender quais as indagaes que levaram consolidao das posies catlica,

    reformada e batista.

    1.1) ANTECEDENTES

    Na poca do Novo Testamento, o batismo era um ritual usado por vrios grupos.

    Ele era praticado por religies orientais de mistrio como um rito de iniciao, muitas

    vezes em sangue1. Cerimnias similares eram realizadas por egpcios, persas e hindus,

    mas eram mais comuns nas religies greco-romanas, por meio de banhos de mar ou

    asperses2. Os judeus tambm estavam familiarizados com esta cerimnia, usada na

    converso de proslitos. Os judeus sectrios de Qumran usavam os batismos em seus

    rituais de purificao3. Entretanto, isso ainda objeto de discusso entre os eruditos.

    Watson, por exemplo, questiona se o batismo de proslitos era praticado antes

    dos dias de Jesus:

    A investigao neste obscuro assunto tem continuado, desde a poca de Fairbain e Lindsay, e agora a maioria dos eruditos, batistas e pedobatistas, concorda que existe suficiente evidncia para comprovar que o batismo de proslitos do judasmo era conhecido e praticado durante as ltimas dcadas do primeiro sculo D.C. Se era ou no uma prtica conhecida antes da destruio de Jerusalm, em 70 D.C., isto ainda assunto de debates. No momento, podemos dizer que no existe prova segura de que os judeus batizavam proslitos, antes da vinda de Cristo.4

    Watson tambm lembra que os filhos de proslitos que tivessem nascido aps o

    batismo de seus pais, no recebiam o batismo, pois j eram nascidos em santidade5. Se o

    batismo cristo uma cpia do batismo judeu, seria de se esperar que as crianas

    nascidas aps o batismo de seus pais cristos no recebessem este sacramento. Esta

    hiptese, a saber, que os filhos nascidos aps a converso de seus pais no eram

    batizados, foi defendida por Oscar Cullmann: No caso que se refere a 1 Co 7.14 no se

    trata de uma evoluo que vai do batismo de adultos ao de crianas, mas que a primitiva 1 DOCKERY, David S. (ed.), Manual Bblico Vida Nova, p.719. 2 BERKHOF, Louis. Teologia Sistemtica, p.575. 3 Dockery, p.719. 4 WATSON, Bebs devem ser batizados?, p.15. 5 Idem, p.16.

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    comunidade crist, como a comunidade Israelita, renunciava o batismo dos filhos

    nascidos de pais cristos, mas que depois passou ao batismo das crianas, sempre

    segundo a mesma noo coletiva de santidade6.

    Contudo, altamente provvel que o batismo ou banho de purificao dos

    proslitos (pagos convertidos ao judasmo) fosse algo comum na Palestina do sculo I.

    Joachim Jeremias o prova citando uma disputa entre as escolas rabnicas de Shamai e

    Hilel acerca da converso de trs pagos:

    para a Jerusalm das ltimas dcadas antes de nossa era que nos conduz o relato da converso ao judasmo de trs pagos rejeitados por Shamai, mas acolhidos por Hilel. Alm desse, um caso particular, objeto de uma discusso entre shamatas e hilelitas, pertence ao ano 30 de nossa era. Os shamatas declaravam lcito o banho do proslito no dia de sua circunciso; os hilelitas, por seu lado, exigiam um intervalo de sete dias entre a circunciso e o banho, pois, atribuam ao pago a impureza do cadver (...) Uma nica coisa certa: so pagos que se converteram ao judasmo, e o fato se deu antes de 30, pois, conforme mostra o Novo Testamento, o critrio shamata no servia mais de regra no tempo de Jesus7.

    Donald Bridge e David Phypers concordam:

    Nos dois sculos que antecederam e se seguiram ao nascimento de Jesus, o batismo de proslitos foi amplamente praticado. Para os gentios, nascidos pagos, que eram atrados para a f no nico Deus vivo, o batismo marcava a entrada na aliana dos judeus. Esse banho cerimonial era acrescentado circunciso, a fim de cobrir a impureza cerimonial sofrida aps a converso8.

    A comprovao deste fato de grande importncia porque os filhos dos

    proslitos tambm eram batizados:

    De acordo com as autoridades judaicas citadas por Wall em History of Infant Baptism (Histria do Batismo Infantil), esse batismo tinha que ser ministrado na presena de duas ou trs testemunhas. As crianas cujos pais recebiam esse batismo, desde que nascidas antes da administrao do rito, tambm eram batizadas, solicitao do pai, contanto que no fossem de idade (os meninos, treze anos e as meninas doze), mas se fossem de idade, somente solicitao delas prprias. As crianas nascidas aps o batismo do pai ou dos pais, eram tidas por limpas e, da, no necessitavam do batismo9.

    1.2) NO NOVO TESTAMENTO

    6 Barth e Cullmann, p.94. 7 JEREMIAS, Joachim. Jerusalm nos tempos de Jesus, p.425. 8 BRIDGE, Donald e PHYPERS, David. guas que dividem: uma reflexo sobre a doutrina do batismo, p.19-20. 9 Berkhof, Teologia Sistemtica, p.575.

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    Assim sendo, quando Joo Batista iniciou o seu ministrio, a novidade que ele

    trazia no era o ritual do batismo, mas sim o duplo significado dado por ele. Joo

    batizava para arrependimento, exortando os judeus a deixarem seus pecados e se

    voltarem para a Lei, uma nfase similar s lavagens de purificao tpicas do

    judasmo10. Por outro lado, Joo batizava para anunciar a vinda do Messias. Enquanto

    ele batizava com gua, o Messias viria para batizar com o Esprito Santo e com fogo

    (Mt 3:11; Mc 1:8; Jo 1:33)11.

    O ministrio pblico de Jesus comeou exatamente com o seu batismo. Ali, ele

    recebeu o Esprito Santo e foi proclamado como Messias por Joo Batista. O Evangelho

    de Joo diz que Jesus, ou melhor, seus discpulos, batizavam, mas no h mais nenhum

    relato nos Evangelhos que mostre Jesus batizando pessoas. O batismo s reaparece no

    final da presena de Jesus na terra, quando Ele, j ressurreto, d a Grande Comisso,

    com a ordem de batizar os seus discpulos (Mt 28:18-20)12.

    Os apstolos foram fiis ordem, e o livro de Atos repleto de relatos de

    batismos. Assim como Joo, os apstolos enfatizavam o arrependimento (At 2:38). O

    Esprito Santo prometido agora se fazia presente. Em Atos 2:38, Pedro disse aos judeus

    para serem batizados, e, ento, receberiam o dom do Esprito Santo. Na converso de

    Saulo, Ananias disse que ele veio orar para que Saulo fosse curado e cheio do Esprito

    Santo (At 9:17). A seguir, ele batizou-o (At 9:18). Depois que Cornlio e os seus

    receberam o Esprito Santo, Pedro ordenou que eles fossem batizados (At 10:45-48) e

    os homens de feso tambm receberam o Esprito quando Paulo orou por eles, aps o

    batismo deles (At 19:5-6). O mesmo Paulo diz que todos ns fomos batizados em um

    nico Esprito (1 Co 12:13) e fala do lavar regenerador e renovador do Esprito

    Santo (Tt 3:5,7). Embora outros textos mostrem o batismo e o recebimento do Esprito

    Santo como sendo dois eventos distintas, como enfatizam os pentecostais e

    carismticos, o ensino do Novo Testamento enxerga um forte relacionamento entre

    ambos13.

    O batismo tambm relacionado salvao, regenerao, ao perdo dos

    pecados (Tt 3:4-5). Paulo afirma que no batismo os cristos so unidos a Cristo em sua

    morte e ressurreio (Rm 6:1-4; Cl 2:12ss). Desta forma, o Novo Testamento une a f

    ao batismo, embora haja casos de batismos de famlias, onde h considervel disputa 10 Dockery, p.719. 11 Idem. 12 Ibidem. 13 Bridge e Phypers, p.23-4.

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    sobre a possibilidade de crianas pequenas terem ou no sido batizadas nestes

    momentos14:

    Os lares mencionados no que diz respeito ao batismo em Atos so os de Ldia (16:15) e do carcereiro filipense (16:33).Os textos parecem pressupor que as famlias (no sentido amplo, inclusive os servos e parentes) inteiras se entregaram f. Este fato parece evidente no que diz respeito ao ltimo caso, pois Atos 16:31-34 conta como a casa inteira foi evangelizada e entrou na alegria do principal convertido. Se for correta esta interpretao e o debate acerca do batismo das crianas ainda continua entre os estudiosos do Novo Testamento e os historiadores da Igreja ento a idade dos membros das famlias ficar sem importncia; o fato de que entraram na comunho dos crentes de suma importncia para a teologia de Atos como um todo15.

    1.3) NO PERODO PATRSTICO

    No perodo patrstico, o batismo foi colocado como o mais importante dos

    sacramentos, por ser o rito de iniciao da Igreja. Comeou a ganhar corpo a idia da

    regenerao batismal, ou seja, que o batismo d o perdo dos pecados e promove o novo

    nascimento16. deste perodo a primeira referncia explcita ao pedobatismo, feita por

    Tertuliano (nascido por volta de 155 d.C., falecido em 222 d.C.), em sua obra De

    baptismo, onde ele condena a prtica de batizar as crianas17. Entretanto, o ponto de

    vista de Tertuliano se deve sua viso sobre o batismo perdoar pecados. Se o batismo

    perdoa pecados, quanto mais tarde ele for praticado, melhor:

    O caso de Tertuliano especialmente interessante. Ele disse que o batismo era uma prtica da igreja primitiva. Mais tarde, quando ele comeou a ter umas idias teolgicas estranhas, ele argumentou contra o batismo infantil. Ele achava que os cristos deveriam esperar at logo antes da morte para serem batizados. Agora, se o batismo infantil fosse uma inveno recente, Tertuliano ficaria muito satisfeito em apontar que no era uma prtica apostlica! Um ponto de vista deve ser dito a respeito de Tertuliano antes de mudar de assunto: ele era contra o batismo infantil no por uma questo doutrinria, mas pela praticidade (esperar at logo antes da morte era melhor, ele acreditava, pois os pecados ps-batismo seriam bem mais perigosos do que os cometidos antes do batismo e tinham que ser evitados)18.

    Landes aponta um testemunho ainda mais antigo. Irineu (130-200 d.C.), um dos

    bispos da Igreja no sculo II, discpulo de Policarpo, bispo de Esmirna que viu o

    apstolo Joo ainda vivo, escreveu em Cinco Livros Contra as Heresias: Ele (Cristo)

    14 Idem, p.24-7. 15 MARTIN, Ralph P. Adorao na Igreja Primitiva, p.118-9. 16 BERKHOF, Louis. A Histria das Doutrinas Crists, p.222. 17 Bridge e Phypers, p.66. 18 SARTELLE, John e outros. O Batismo Infantil: O Que Os Pais Deveriam Saber Acerca Deste Sacramento, p.70.

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    veio para salvar todas as pessoas por si mesmo: todas, digo eu, que por Ele renascem

    para Deus (renascuntur in Deum); infantes, crianas, jovens e pessoas idosas19.

    Segundo Landes, a expresso renascem para Deus era usada pelos pais da Igreja para

    se referirem ao batismo20. Assim como Tertuliano, para Irineu, o batismo purifica tanto

    a alma quanto o corpo, outorgando o Esprito como garantia da ressurreio21

    Por outro lado, Justino, o Mrtir (100-165 d.C.) disse que o batismo deveria ser

    administrado a todos os que fossem convencidos e cressem nas doutrinas da Igreja, o

    que excluiria as crianas22. Hiplito (falecido em 235 d.C.) escreveu a Tradio

    apostlica, onde ele descreve um ritual bastante elaborado de batismo, com uno de

    leo para exorcismo, orao pelo afastamento de espritos, questionrios sobre o Credo

    Apostlico, outra uno com leo para ao de graas e imposio de mos por parte

    dos bispos, com oraes23. Havia um longo processo de catecumenato, que durava por

    volta de trs anos, o que presumia uma certa idade para que os candidatos se

    submetessem a todo o processo, o que, em um primeiro momento, afasta a idia do

    pedobatismo. Entretanto, Hiplito cita a iniciao de crianas24. Tanto Justino quanto

    Hiplito defendiam que o batismo conferia a remisso dos pecados25.

    J na poca de Orgenes (185-253 d.C.), o batismo de crianas era considerado

    uma prtica normal, vinda do tempo dos apstolos. Se o batismo purificava pecados,

    surgiu a pergunta sobre qual era o pecado do qual deviam ser perdoadas as crianas.

    Cipriano (nascido por volta de 200 a 210 d.C. e falecido em 258 d.C.) respondeu que

    elas deveriam ser perdoadas do pecado de Ado, o que acabou se transformando na

    doutrina do pecado original, formulada por Agostinho (354- 430 d.C.)26. Para ele, todos

    os descendentes de Ado herdaram sua alma pecaminosa, a qual transferida dos pais

    para os filhos, e a prtica do pedobatismo era uma prova da existncia deste pecado

    original. Ao invs de uma doutrina provocar uma prtica, ocorreu o contrrio: uma

    prtica foi o ponto de partida para uma doutrina, a qual aceita por catlicos e

    protestantes27.

    19 IRINEU in LANDES, Philippe. Estudos bblicos sobre o batismo de crianas, p.83. 20 Landes, p.83. Para defender este ponto de vista, ele se vale das explicaes do Dr. Fairchild, que era batista. 21 KELLY, J.N.D. Doutrinas centrais da f crist: origem e desenvolvimento, p.146. 22 Bridge e Phypers, p.68. 23 Idem. 24 FIORENZA, Francis e GALVIN, John P. (orgs.) Teologia Sistemtica: Perspectivas Catlico-Romanas, Volume II, p.290-1. 25 Bridge e Phypers, p.71. 26 Idem, p.72-3. 27 Idem, p.73.

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    No sculo V, Agostinho pensava que a prtica, j rotineira em seus dias, do

    batismo infantil, era uma prova de que elas nasciam com o pecado original, o qual

    antecedia os demais pecados. medida em que a Igreja e a convico de que o batismo

    purificava as crianas do pecado original se expandiam, vrios costumes batismais

    foram alterados. O batismo deixou de acontecer somente nas festas da Pscoa e do

    Pentecostes, e, em conseqncia disso e do aumento no nmero de batizados, o bispo

    nem sempre estava presente. Comeou-se a batizar as crianas o mais cedo possvel,

    nem sempre se esperava pelo bispo, particularmente no caso de crianas moribundas

    (batismo clnico). Entretanto, aps a carta de Inocncio I a Decncio, em 416, o bispo

    manteve a prerrogativa de dar a uno final da iniciao, a qual passou a ser feita na

    cerimnia da crisma ou confirmao. A nfase do batismo passou a ser o perdo dos

    pecados, o que eclipsou outros significados, como a incluso no corpo de Cristo ou o

    papel do Esprito Santo na converso do batizado28.

    Agostinho usou vrios termos militares para se referir aos sacramentos, tais

    como nota, signum ou signaculum, de onde ele tirou vrias analogias: a finalidade do

    sacramento no recompensar a boa conduta, nas assegurar fidelidade a Deus; ele

    aponta para o dom que no se pode perder e uma marca externa e irremovvel; e, no

    futuro, apontar para a glria ou vergonha final do fiel. Assim, toda ao sacramental

    ao singular e exclusiva de Cristo, h distino entre o ritual e seus efeitos e h um

    equilbrio teolgico entre o poder do nome trinitrio e a dignidade do indivduo no

    sacramento. Estas concluses so extradas de uma prxis litrgica e mostram o

    contexto eclesial em que viveu Agostinho29. Na Idade Mdia, os ensinos agostinianos

    sobre o carter ocuparam a ateno dos telogos. A tendncia foi a de interiorizar o

    carter, fazendo com que sua qualidade externa original se perdesse30.

    1.4) NA IDADE MDIA

    Agostinho entendia que a f e o arrependimento eram essenciais para o batismo

    de adultos, mas, no caso das crianas, parece que ele supunha que o sacramento

    eficaz ex opere operato31. Ele tambm defendeu a idia de que o batismo confere um

    carter indelvel s crianas que o recebem, que passam a ser de Cristo e da Igreja por 28 Fiorenza e Galvin, p.290-2. 29 Idem, p.292-4. 30 Idem, p.294-5. 31 Berkhof, A Histria das Doutrinas Crists, p.222.

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    direito32. Estas idias foram desenvolvidas na Idade Mdia, no perodo escolstico.

    Nesta poca, os sacramentos foram considerados eficazes ex opere operato e o batismo

    foi colocado como o sacramento da regenerao e da iniciao Igreja33. Os

    escolsticos tambm continuaram com a doutrina agostiniana do carter indelvel e

    confirmaram que o batismo livra do pecado original e outros cometidos at a sua

    ministrao, da poluo do pecado (embora no possa limpar o homem da

    concupiscncia do pecado) e das punies eternas e castigos temporais decorrentes de

    prticas pecaminosas. O batismo renovaria espiritualmente a pessoa e, por meio dele, o

    fiel incorporado Igreja34.

    Contudo, dois grupos cristos da Idade Mdia se opuseram a esta viso. Os

    valdenses rejeitavam o sacerdotalismo e sacramentalismo catlicos, a tal ponto que

    rebatizavam os catlicos adultos que se convertiam ao movimento. Todavia, eles

    batizavam os seus filhos em suas aldeias35. J os paulicianos, que habitavam a Europa

    Oriental, recusavam-se a batizar os seus filhos. Para eles, primeiro deveria vir o

    arrependimento, em segundo lugar, o batismo, e, por fim, a comunho36.

    1.5) NA REFORMA PROTESTANTE

    No sculo XVI, os reformadores reacenderam os debates sobre o batismo de

    crianas. No cerne da questo, estava a pergunta de como o pedobatismo podia ser

    justificado, se a participao nos sacramentos pressupunha f. O pensamento

    agostiniano do pecado original era uma resposta satisfatria? O surgimento dos

    anabatistas tornou estas questes ainda mais graves.

    A Reforma Protestante marcou um rompimento ainda maior com o ponto de

    vista desenvolvido pelos pais e escolsticos. Martinho Lutero (1483-1546) reduziu o

    nmero de sacramentos de sete para apenas dois: o batismo e a Ceia. Atacou a idia de

    que os sacramentos eram eficazes por si mesmos, ou seja, ex opere operato. Os

    sacramentos precisavam ser recebidos, cridos e apropriados de modo pessoal, e no

    eram indispensveis salvao (como, de certa forma, defendia o Conclio de Trento,

    32 Idem. 33 Berkhof, A Histria das Doutrinas Crists, p.223. 34 Idem. 35 Bridge e Phypers, p.85. 36 Idem, p.86-7.

  • xvii

    confirmando um pensamento que se desenvolveu no perodo medieval), mas o seu

    carter objetivo ainda era profundamente valorizado:

    O batismo e a santa comunho so garantias da promessa de Deus e, nesse sentido, completamente independentes da disposio do receptor. As jias de ouro no perdem nada de sua pureza quando usadas por uma prostituta! Da mesma maneira, a eficcia dos sacramentos no depende da santidade do ministro que os preside. A santidade dos sacramentos, como a da igreja, reside em Cristo, no naquele que administra de forma que, mesmo que Judas, Caifs, Pilatos, o papa ou o prprio diabo batizassem verdadeiramente, ainda assim eles receberiam o batismo verdadeiro e santo37.

    No seu Catecismo Menor, Lutero vai alm. Em resposta pergunta Que d

    ou aproveita o batismo?, ele diz: Opera a remisso dos pecados, livra da morte e do

    diabo, e d a salvao eterna a quantos crem na graa, conforme dizem as palavras e

    promessas de Deus. Como pode a gua operar tal maravilha? Certamente no a gua

    que o faz, mas a Palavra de Deus unida gua comunica a graa ao que tem f38.

    Lutero tambm defendeu a manuteno da prtica do pedobatismo. Segundo ele,

    o batismo de crianas no foi proibido nem ordenado pelas Escrituras, e Deus no

    deixaria Sua Igreja na ignorncia em um assunto de tal importncia39. O batismo

    anlogo circunciso, um selo das promessas pactuais de Deus. Quanto questo da

    f, Lutero cria que A f, por assim dizer, imputada criana no batismo, mesmo que

    ela no esteja consciente de tal fato40. A criana recebe o batismo sola gratia (somente

    pela graa), uma vez que no pode crer por si mesma, o que faz do batismo infantil uma

    excelente analogia da salvao que Deus d a Sua Igreja41.

    Outro reformador, o suo lrico Zunglio (1484-1531) promoveu um

    distanciamento ainda maior da viso catlico-romana. Para ele, sacramentos so apenas

    sinais exteriores, que no podem comunicar graa alguma, deixados por Deus como

    uma concesso fragilidade do homem. No so, de modo algum, meios de graa. O

    batismo , assim, um voto pblico ou testemunho de f42. Atualmente, pode-se dizer que

    a concepo adotada pelas igrejas batistas sobre os sacramentos muito prxima da

    adotada por Zunglio. Entretanto, ele foi um dos mais frreos combatentes dos

    anabatistas. Assim como Lutero, ele defendia o pedobatismo tendo como base a idia de

    37 GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores, p.93-4. A citao de Lutero usada por George foi extrada de Luther Works 41, p.218. 38 LUTERO, Martinho in KLEIN, Carlos Jeremias. Os Sacramentos na Tradio Reformada, p.71-2. 39 George, p.95 40 Idem. 41 Ibidem. 42 Klein, p.44-6.

  • xviii

    que o batismo a circunciso dos cristos. Ele tambm condenou severamente a prtica

    do rebatismo, instituda pelos anabatistas43

    A teologia batismal de Joo Calvino (1509-1564) foi uma espcie de meio-termo

    entre os pontos de vista luterano e zuingliano. Ele reconhecia que os sacramentos eram

    um sinal externo, um selo, uma forma de testemunhar aos outros a f crist. Mas

    tambm os via como meios de graa, embora no da maneira luterana. Em outras

    palavras, no so meros smbolos, pois Deus, efetivamente, confere graas queles que

    os recebem com f. Para Calvino, o batismo o equivalente neotestamentrio da

    circunciso, o que justificaria o pedobatismo. Mas ele vai alm, e retomando o

    pensamento agostiniano, enxerga no batismo um testemunho da remisso dos pecados.

    Como as crianas nascem em pecado, elas tambm tm necessidade da remisso, e, uma

    vez que elas realmente necessitam dela, por que negar-lhes o sinal? Se a realidade no

    lhes pode ser negada, muito menos o seu sinal44.

    Todavia, as posies defendidas pelos principais reformadores no contentaram

    a uma parte da populao alem, que julgou insuficiente a reforma feita por Lutero. Para

    este grupo, os anabatistas, ou aqueles que rebatizam, a Igreja da Reforma ainda no

    era a Igreja do Novo Testamento, e, no cerne da questo, estava o pedobatismo:

    Os anabatistas do sculo XVI apresentam-nos problemas desconcertantes. Essa palavra significa aquele que rebatiza. Seu uso assinala duas caractersticas comuns a um grande nmero de movimentos radicais distintos. Todos condenavam a Reforma como algo incompleto e aptico. Todas rejeitavam o pedobatismo e batizavam, ou rebatizavam, somente aqueles que tivessem uma experincia decisiva de compromisso com a f. Essas duas caractersticas tambm se aplicam aos pentecostais, aos batistas, s igrejas em clulas, aos cristadelfos, aos mrmons e aos testemunhas-de-jeov, no sculo XX45.

    Os anabatistas foram violentamente perseguidos em sua poca, e muitos

    chegaram a morrer por sua causa:

    Primeiro Zunglio e depois Lutero pediram ajuda ao poder civil contra os anabatistas. Usando as armas do aprisionamento e do banimento, descobriram que a primeira s atraa simpatia para a causa e que a segunda s provocava uma expanso ainda maior do sectarismo. A deciso inevitvel foi tornar a heresia passvel de pena capital. Decapitar, afogar ou queimar passaram a ser punies comuns para aqueles que pregavam a f radical46.

    43 Idem, p.47. 44 Idem, p.87-91. 45 Bridge e Phypers, p.91. 46 Idem, p.99.

  • xix

    Isso levou a um recrudescimento da questo em ambos os lados. Os anabatistas

    passaram a considerar os reformadores como o anticristo. Os protestantes no permitiam

    que os anabatistas entrassem em seus templos. Para os ltimos, o pedobatismo era visto

    como o sustentculo do poder papal, o smbolo de um cristianismo falso, um empecilho

    para a verdadeira Reforma47.

    A tenso cresceu em intensidade, at que explodiu a Revolta de Mnster. Em

    1533, os habitantes desta cidade alem, prxima fronteira com a Holanda, se

    declararam luteranos, e expulsaram o bispo da cidade. Um grande nmero de

    anabatistas afluiu para a cidade, que se tornou o refgio de todo tipo de herege ou

    pessoa perseguida por suas idias religiosas. Tropas luteranas e catlicas foram

    chamadas para sitiar a cidade, a pedido do bispo deposto. Neste cenrio, o padeiro

    holands Jan Matthew e o alfaiate Jan de Leiden assumiram a liderana dos revoltosos.

    Eles diziam ter vises e diziam que Mnster era a Nova Jerusalm, que, em breve, seria

    resgatada pelo retorno de Cristo. Tambm coletivizaram as propriedades, permitiram a

    poligamia e impuseram leis severas. Aps dois anos de cerco, a cidade caiu48. A

    rebelio trouxe um preo muito alto para o anabatismo: Aos olhos de pessoas

    respeitveis, Mnster comprovou que todos os anabatistas eram revolucionrios

    assassinos, fanticos insanos e libertinos morais49.

    Aps este incidente, comea a ganhar vulto a figura de Meno Simons. Ele era

    um tpico padre catlico, que vivia relaxadamente a sua vida crist. Aps conhecer as

    opinies de Lutero, Simons leu, pela primeira vez em sua vida, a Bblia inteira, mas ele

    no desejava abandonar o conforto de sua vida para se arriscar no luteranismo. Tudo

    isso mudou quando Simons assistiu a execuo do anabatista Sicke Synder e ficou

    impressionado com a conduta e as idias por ele defendidas. Contudo, Simons receava

    unir-se a um movimento que lhe parecia to estranho e radical. Apesar disso, ele

    rompeu com o catolicismo e foi rebatizado em 1536, unindo-se ao anabatismo50. Por

    meio dele, o movimento ganhou moderao e estabilidade:

    Meno percebeu que quatro coisas seriam necessrias para que seus seguidores sobrevivessem ao escndalo de Mnster. Teria de haver o completo abandono do fanatismo e dos sonhos profticos. Teria de haver um absoluto repdio ao uso da fora,

    47 Idem, p.99-100. 48Idem, p.108-9. 49 Idem, p.109. 50 Idem, p.105-9.

  • xx

    ainda que em defesa prpria. Seria necessria uma organizao visvel com um ministro capacitado e qualificado. Precisaria haver disciplina nas congregaes51.

    O trabalho de Meno Simons garantiu a sobrevivncia do movimento anabatista,

    dando origem aos menonitas. As idias de Simons tambm influenciaram muito a

    formao das igrejas batistas52.

    Assim, aps o sculo XVI, os trs pontos de vista estavam formados. Os

    catlicos amadureceram os conceitos desenvolvidos nos perodos patrstico e

    escolstico, e reafirmaram estas crenas no Conclio de Trento (1545-1563). As igrejas

    ligadas aos reformadores mantiveram o pedobatismo, baseados, principalmente, na

    analogia entre a circunciso e o batismo. Passadas as tenses iniciais, os anabatistas, sob

    a liderana de Simons, tambm garantiram a sua sobrevivncia pelos sculos

    subseqentes.

    1.6) NO PERODO PURITANO

    A discusso permaneceu ativa nos sculos seguintes, mas com as linhas de

    debate j bem definidas. Entretanto, a intensidade dos debates comeou a arrefecer. Por

    exemplo, no sculo XVII, John Owen (pedobatista) defendeu que as igrejas aceitassem

    na celebrao da ceia os membros de outras comunidades, mesmo que tivessem uma

    viso batismal diferente da sua53. Na mesma poca, John Bunyan (batista) recebia em

    sua igreja cristos batizados na infncia, sem exigir deles o rebatismo54. A discusso

    ainda causava divises, mas j se ouviam vozes procurando o consenso.

    No sculo XVIII, com a expanso do protestantismo para as colnias britnicas e

    os reavivamentos de George Whitefield e John Wesley defendiam a necessidade de

    converso. Ambos relataram experincias onde, j na idade adulta, se sentiram

    perdoados por Deus ou aquecidos, eventos esses que marcaram o curso posterior de

    suas vidas. Tais experincias acabaram gerando questionamentos idia defendida por

    vrios anglicanos, de que as crianas nasciam de novo no batismo. Ambos mantiveram

    o pedobatismo, mas sua teologia acabou colaborando para que batistas e pedobatistas

    convivessem lado a lado55.

    51 Idem, p.110. 52 Idem, p.111. 53 Idem, p.122. 54 Idem, p.124. 55 Idem, p.130-7.

  • xxi

    Findo este perodo, verificou-se que, apesar das discordncias, batistas e

    pedobatistas j no se tratavam mais como hereges: O fim da era puritana ps um

    limite na controvrsia sobre o batismo. No quer dizer, claro, que a controvrsia

    tivesse sido solucionada, mas os pontos estavam claros, e as linhas divisrias ficariam,

    dali para a frente, cada vez mais fixas56.

    1.7) NA POCA ATUAL

    A questo permaneceu aberta no sculo XX. Jeremias fez vrios estudos

    histricos, onde entendeu que o pedobatismo era uma prtica difundida na Igreja

    primitiva, mas foi contestado por Aland, que usou, praticamente, as mesmas fontes.

    Barth voltou a reacender a discusso, condenando o batismo de crianas, adotando uma

    viso eclesiolgica que via no batismo uma comunidade que livremente ouvia e acolhia

    o dom de Cristo. Esta posio foi fortemente combatida por Oscar Cullmann e Heinrich

    Schlier, ambos se valendo de Romanos 6:1-11. Cullmann defendeu que os efeitos do

    batismo independem da deciso da f, o que justifica o batismo de crianas, ao passo

    que Schlier viu no batismo um instrumento de salvao ex opere operato57.

    O Conclio Vaticano II levou reafirmao de uma perspectiva clssica sobre a

    iniciao: o batismo de crianas a prxis costumeira, mas a norma teolgica o fiel

    solicitar a recepo do sacramento; o batismo, a confirmao e a eucaristia esto unidos

    como sacramentos da iniciao; a comunidade eclesial possui importncia neste

    processo; e a converso um processo gradual58.

    Sonhando em reunir o cristianismo debaixo de uma s Igreja, surgiu o Conselho

    Mundial de Igrejas (CMI), em 1946. Em 1982, a Comisso de F e Ordem do CMI

    produziu o documento Batismo, eucaristia e ministrio, em uma tentativa de comear

    a levar catlicos, reformados, batistas e outros grupos a dialogarem para chegar a uma

    frmula batismal nica59. Em seu captulo IV, artigo V, h um apelo para que as

    diferentes igrejas aceitem o batismo uma das outras, o que implica no abandono do

    rebatismo:

    56 Idem, p.130. 57 Fiorenza e Galvin, p.297-8. 58 Idem, p.299-301. 59 Bridge e Phypers, p.150-2.

  • xxii

    As Igrejas so cada vez mais capazes de reconhecer o batismo umas das outras como o nico batismo de Cristo, na medida em que o candidato confessa Jesus Cristo como Senhor, ou, no caso de um batismo de criana, quando essa confisso feita pela Igreja (os pais, os responsveis, padrinhos, madrinhas e a comunidade) e afirmada mais tarde na f pessoal e no compromisso. O reconhecimento mtuo do batismo evidentemente um sinal importante e um meio de exprimir a unidade batismal dada em Cristo. Em toda a parte onde isso possvel, as Igrejas deveriam exprimir de maneira explicita o reconhecimento mtuo de seus batismos60.

    Apesar deste apelo, o rebatismo continua sendo praticado por muitas igrejas

    batistas, como as da Conveno Batista Brasileira (CBB) e at mesmo por algumas

    pedobatistas, caso da Igreja Presbiteriana do Brasil no tocante a catlicos, apesar de

    Calvino ser contrrio a esta prtica, como ser demonstrado no captulo quatro. Quando

    o presbiterianismo chegou ao Brasil, em 1859, os missionrios, que vieram dos Estados

    Unidos, haviam crescido em uma atmosfera profundamente anticatlica:

    Entre 1800 e 1860 desencadeou-se verdadeira cruzada anticatlica nos Estados Unidos. A literatura produzida foi abundante e virulenta. Esse anti-catolicismo militante foi superado pelo debate abolicionista e pelos horrores da Guerra Civil. Mas a perspectiva de nossos pregadores j estava estabelecida. Da o carter severamente polmico, anti-tridentino (pois que o catolicismo norte-americano era tridentino), de nossa literatura protestante de ento61.

    Assim sendo, ser protestante no Brasil do sculo XIX significava, antes de tudo,

    romper com a Igreja Catlica. A forma mais clara de se mostrar isso era por meio do

    rebatismo. Foi o que aconteceu com o primeiro presbiteriano convertido brasileiro,

    Serafim Pinto Ribeiro. Ele foi rebatizado a pedido, pois dizia ter sido batizado na f

    idlatra e queria receber o batismo da f em Cristo62. Tais fatos podiam, inclusive,

    servir como oportunidades de evangelismo, como ocorreu no rebatismo do primeiro

    padre convertido no Brasil, Jos Manoel da Conceio63. Este princpio est de tal

    forma enraizado na Igreja Presbiteriana do Brasil, que est presente no Art.12 do

    Cap.VI dos Princpios de Liturgia":

    Todo aquele que tiver de ser admitido a fazer a sua profisso de f ser previamente examinado em sua f em Cristo, em seus conhecimentos da Palavra de Deus e em sua experincia religiosa e, sendo satisfatrio este exame, far a pblica profisso de sua f, sempre que possvel em presena da Congregao, sendo em seguida batizado, quando no tenha antes recebido o batismo evanglico64.

    60 Conselho Mundial de Igrejas. Batismo, eucaristia e ministrio, p.28-9. 61 RIBEIRO, Boanerges. A Igreja Presbiteriana do Brasil: da autonomia ao cisma, p.8. 62 FERREIRA, Jlio Andrade. A Histria da Igreja Presbiteriana do Brasil, Vol.I, p.29. 63 Idem, p.49. 64 Igreja Presbiteriana do Brasil. Manual Presbiteriano, p.114. Grifo meu.

  • xxiii

    Tal fato mostra o quanto catlicos, reformados e batistas ainda esto distantes de

    seguirem a proposta defendida pelo Conselho Mundial de Igrejas no documento

    Batismo, Eucaristia e Ministrio.

  • xxiv

    2) O PONTO DE VISTA CATLICO-ROMANO

    A Igreja Catlica Apostlica Romana (ICAR) pratica o batismo de crianas e

    bebs, pelo menos desde o sculo V, quando a prtica era considerada ortodoxa e

    apostlica. A viso catlica est alicerada, principalmente, na tradio e no

    pensamento teolgico de Agostinho, de acordo com a interpretao dada pelos

    escolsticos.

    2.1) DEFINIO DE SACRAMENTO

    De acordo com o Catecismo da Igreja Catlica: Compndio65, os sacramentos

    so sinais sensveis e eficazes da graa, institudos por Cristo e confiados Igreja,

    mediante os quais nos concedida a vida divina66. A Igreja Catlica Apostlica

    Romana (ICAR) reconhece sete sacramentos: o batismo, a confirmao, a eucaristia, a

    penitncia, a uno dos enfermos, a ordem e o matrimnio67.

    O fundamento dos sacramentos so os mistrios da vida de Cristo68. De acordo

    com Leo Magno, o que era visvel no nosso Salvador passou para os seus

    sacramentos69. Os sacramentos foram confiados por Jesus Cristo Igreja, e so, ao

    mesmo tempo, ao da Igreja e de Cristo. So tambm meios pelos quais a Igreja

    edificada70.

    O batismo, junto com a confirmao e a ordem, possui o que se chama de

    carter sacramental. O carter uma espcie de selo espiritual, promessa e garantia

    de proteo divina e indelvel, por esta razo, tais sacramentos s podem ser recebidos

    uma nica vez. Por meio deste selo, o cristo configurado a Cristo, participa de

    diversos modos no seu sacerdcio, e faz parte da Igreja segundo estados e funes

    diversas, sendo pois consagrado ao culto divino e ao servio da Igreja71.

    No que diz respeito f, os sacramentos supem a sua existncia, mas tambm

    servem para aliment-la, fortific-la e exprimi-la. A celebrao dos sacramentos, em si,

    65 Extrado de http://www.vatican.va/archive/compendium_ccc/documents/archive_2005_compendium-ccc_po.html. Acesso em 23 de setembro de 2006. 66 Catecismo da Igreja Catlica, resposta pergunta 224. 67 Idem. 68 Idem, resposta pergunta 225. 69 MAGNO, Leo in Catecismo da Igreja Catlica, resposta pergunta 225. 70 Idem, resposta pergunta 226. 71 Idem, resposta pergunta 227.

  • xxv

    j uma confisso da f apostlica, de acordo com o adgio lex orandi, lex credendi, ou

    seja, a Igreja cr no que reza72. A eficcia deles ex opere operato, isto , pelo prprio

    facto de a aco sacramental ser realizada73. Por esta razo, a santidade pessoal do

    ministro no interfere na graa comunicada, pois Cristo quem age e comunica a Sua

    graa nos sacramentos. Entretanto, os frutos do ato so dependentes das disposies

    presentes no fiel74.

    A ICAR reconhece que os sacramentos so necessrios para a salvao75, pois

    conferem as graas sacramentais, o perdo de pecados, a adopo de filhos de Deus, a

    conformao a Cristo Senhor e a pertena Igreja76, alm da ao de cura e

    transformao efetuada pelo Esprito Santo naqueles que os recebem77. Por graa

    sacramental, deve-se entender uma graa do Esprito, dada por Cristo e prpria de cada

    sacramento, a qual ajuda o fiel em seu caminho de santidade e a Igreja a crescer na

    caridade e no testemunho78. Eles tambm do Igreja uma garantia, um penhor da vida

    eterna79. Assim, verifica-se que os sacramentos possuem uma espcie de carter

    complementar na obra da salvao, tendo em vista que trazem o perdo dos pecados.

    Na viso do sacerdote franciscano Rgis Duffy, os sacramentos devem ser

    tratados dentro da vida litrgica da Igreja. A liturgia seria o termo que se refere

    totalidade de aes de palavras de louvor e agradecimento que a igreja oferece a

    Deus80. Os sacramentos seriam palavras-aes altamente focalizadas nesse contexto

    litrgico mais amplo81. Eles seriam retratos de como a Igreja compreendeu,

    desenvolveu e aprofundou as formulaes doutrinrias por trs de cada ato

    sacramental82.

    Deste modo, uma definio de sacramento deveria contemplar alguns aspectos:

    Algumas dimenses dessa conscientizao seriam: (1) o carter gratuito e capacitador da oferta de salvao de Deus conforme proclamada pela Palavra do evangelho; (2) o contexto eclesial no qual o sacramento celebrado; (3) restaurao e fortalecimento sacramental conforme dirigido, quer para a misso efetiva da igreja, quer para a

    72 Idem, resposta pergunta 228. 73 Idem, resposta pergunta 229. 74 Idem. 75 Grifo meu. O termo usado na resposta pergunta 230: Porque motivo os sacramentos so necessrios para a salvao?. 76 Catecismo da Igreja Catlica, resposta pergunta 230. 77 Idem. 78 Idem, resposta pergunta 231. 79 Idem, resposta pergunta 232. 80 Fiorenza e Galvin, p.246. 81 Idem. 82 Idem, p.247.

  • xxvi

    necessidade de redeno do indivduo; (4) a dimenso trinitria de todo sacramento; (5) o mistrio pascal; (6) a ao do Esprito Santo como decisiva; e (7) o impulso escatolgico de todo sacramento.83

    Desta forma, pode-se dar a seguinte definio sobre sacramento:

    O sacramento, portanto, evento pleno da presena no qual Deus gratuitamente capacita-nos para acolhermos a mensagem da salvao, para adentrarmos mais profundamente no mistrio pascal, e para recebermos agradecidamente aquele poder restaurador e transformador que nos rene como a comunidade do Filho de Deus para anunciarmos o reino de Deus no poder do Esprito.84

    As experincias sacramentais, individuais ou comunitrias, no podem ser

    separadas da presena autocomunicadora de Deus, e isso se d de forma que elas esto

    enraizadas na experincia do mistrio de Deus85. Neles, adaptando uma citao de

    Atansio, Deus se torna portador da carne para que os homens possam ser portadores do

    Esprito86. Cristo , na verdade, o sacramento bsico, e o Esprito, o doador de todo

    sacramento87.

    Isto se reflete quando se consideram duas cristologias complementares: uma

    descendente, a cristologia-Logos, onde Jesus desce para cumprir o seu papel redentor, e

    a outra ascendente, a cristologia-Esprito, que mostra a santificao da humanidade de

    Jesus feita pelo Esprito Santo, quando ela elevada at a unio com a Palavra que a

    assume88. As comunidades que compreendem estas cristologias compreendem melhor o

    papel da epiclese, ou seja, da invocao do Esprito Santo, sobre os sacramentos. As

    epicleses presentes nas oraes eucarsticas trazem o princpio de que se deve pedir que

    o Esprito desa sobre a comunidade e traga os seus dons, para que a comunidade se

    torne, efetivamente, o corpo de Cristo89. De acordo com o Conclio Vaticano II, Jesus

    o Sacrosanctum Concilium, ou seja, o sublime sacramento de toda a Igreja90. Assim

    como Cristo, a Igreja tambm pode ser vista como um sacramento, pois a sua misso a

    misso de Cristo91.

    2.2) EVOLUO DO CONCEITO DE SACRAMENTO

    83 Idem, p.248. 84 Idem. 85 Fiorenza e Galvin, p.249. 86 Idem. 87 Idem, p.250. 88 Idem, p.250-1. 89 Idem, p.251-2. 90 Idem, p.251. 91 Idem, p.252.

  • xxvii

    A forma como a Igreja compreende os sacramentos foi sendo modificada ao

    longo dos sculos. Inicialmente, eles eram vistos como o mistrio de Deus (mysterion),

    expresso na totalidade da obra redentora de Cristo, que o mistrio pascal. O sangue e a

    gua que jorram do lado de Cristo foram vistos por Joo Crisstomo, Agostinho e at

    por Calvino92 como smbolos da eucaristia e do batismo93. A partir da, seguem-se

    quatro estgios de compreenso: a sntese agostiniana, a sntese medieval, o desafio da

    Reforma e a recuperao contempornea94.

    No sculo III, Tertuliano escreveu Sobre o batismo e l ele traduziu mysterion

    como sacramentum. A partir dele, comeou uma teologia sacramental africana, que se

    tornou a base da Igreja Ocidental, com quatro caractersticas relevantes: forte

    preocupao eclesiolgica, expectativa de testemunho resoluto diante da perseguio,

    honestidade espiritual na participao sacramental e ortodoxia reflexiva como resposta

    heresia95. Esta teologia comeou a ser formulada por Tertuliano, mas foi desenvolvida

    por Cipriano, e, depois, por Agostinho. Ele teve que enfrentar vrias dificuldades em

    seu tempo, em particular as heresias do donatismo e do pelagianismo, o que o levou a

    dar respostas sobre a questo dos sacramentos. Influenciado pelo platonismo, Agostinho

    ressaltou que as realidades fsicas so como um portal para as espirituais e que h

    alguma ligao entre o sinal (sacramento) e o que significado (realidade espiritual)96.

    Os donatistas criam que a santidade do ministro poderia anular o sacramento, ou seja,

    um sacramento celebrado por um ministro mpio no seria vlido. Para Agostinho, o

    sacramento material est ligado a uma realidade espiritual. O batismo purifica o corao

    porque a palavra dita, e crida. A Igreja deve se tornar aquilo que ela recebe, logo, ela

    uma comunidade sacramental97. H tambm uma distino entre uso e fruto do

    sacramento, e alguns sacramentos possuem uma natureza duradoura, e no podem ser

    repetidos98.

    O perodo medieval marcado pelos debates sobre a opinio de Berengrio

    acerca da eucaristia no sculo XI. Ele recuperou a distino agostiniana entre a

    realidade visvel (sacramentum) e o fruto invisvel que ela simboliza (res sacramenti) e

    92 CALVINO, Joo. As Institutas da Religio Crist, Volume III, p.156. 93 Fiorenza e Galvin, p.252-3. 94 Idem, p.256. 95 Idem, p.258. 96 Ibidem. 97 Fiorenza e Galvin, p.259. 98 Idem, p.260.

  • xxviii

    as aplicou ao po e o vinho (realidade) e a presena de Cristo (fruto). Tal opinio era

    insustentvel por causa da doutrina da transubstanciao, o que levou os telogos da

    poca a usarem a categoria aristotlica de substncia para defender que a presena de

    Cristo na eucaristia era real, e no simblica99. Berengrio teve que fazer uma profisso

    de f, onde dizia que o po e o vinho eram verdadeiramente o corpo e o sangue de

    Cristo, e que eles so manipulados sensivelmente e quebrados pelas mos dos

    sacerdotes e esmagados pelos dentes dos fiis, no apenas sacramentalmente, mas na

    realidade100. Agostinho descreveu os sacramentos como sinais, Toms de Aquino foi

    alm e o descreveu como uma causa instrumental efetuando dinamicamente aquilo que

    simboliza e explicou sua caracterizao em termos aristotlicos das coisas sensveis

    como matria e as palavras como forma101.

    Os abusos da prxis sacramental medieval levaram a denncias feitas pelos

    reformadores no sculo XVI. Lutero usava definies sacramentais mais afinadas com a

    posio agostiniana. Ele reconhecia trs elementos: o sinal, o significado e a f

    responsiva. O sacramento sacramento, no por causa de sua realizao, mas por causa

    da f de que Deus efetua o que nele simbolizado102. Lutero entendia que, para ser um

    sacramento, a Palavra deveria relacionar o sinal com a promessa de Deus, razo pela

    qual ele reduziu os sacramentos de sete para dois, o batismo e a eucaristia103. Calvino

    defendia que o sacramento confirma a Palavra de Deus, e o Esprito Santo ilumina os

    fiis, para a Palavra ou para o sacramento. Em outras palavras, a Palavra de Deus nos

    ensina, os sacramentos confirmam essa Palavra e o Esprito Santo nos capacita a acolher

    essa Palavra ordenada104. Calvino tambm combateu a viso escolstica de que os

    sacramentos conferiam justificao mesmo com a ausncia de f, contanto que no

    houvesse algum obstculo a isso105. A resposta a estes questionamentos dada pelo

    Conclio de Trento foi: tratar do abuso dos sacramentos feitos por particulares; entender

    que a justificao possibilita a f, e que a f serve como porta para a participao nos

    sacramentos; reafirmar o carter singular dos sacramentos cristos; reafirmar a sua

    natureza objetiva e eficaz (ex opere operato); sua expresso sptupla; sua importncia

    99 Idem, p.261. 100 Enchiridion Symbolorum in Fiorenza e Galvin, p.263. 101 Fiorenza e Galvin, p.262. 102 Idem, p.265. 103 Ibidem. 104 Fiorenza e Galvin, p.265. 105 Idem.

  • xxix

    na salvao; a necessidade de um mnimo de inteno eclesial pelo celebrante; e a

    existncia de um carter no batismo, na confirmao e na ordem106.

    No sculo XX houve uma ligao maior entre sacramentos e liturgia, e a Igreja

    passou a ser vista como comunidade sacramental. Na obra de Edward Schillebeeckx, os

    sacramentos passaram a ser vistos como encontros, como dilogos entre Deus e seus

    fiis. Eles seriam a face de Deus voltada para o povo, que neles se encontra com

    Cristo107. J Karl Rahner enxergou os sacramentos dentro de sua noo sobre smbolos.

    Os seres humanos precisam dos smbolos para perceberem a essncia de um ser, e sua

    existncia modelada por eles. Jesus seria o smbolo perfeito e perene da ao e amor

    redentivos de Deus, e a Igreja a continuao de sua presena simblica no mundo. Os

    sacramentos tornariam concreta e real a realidade simblica da Igreja, de modo que a

    Igreja tambm sacramento, pois a Palavra no dirigida somente ao indivduo, mas a

    toda a comunidade108. Por esta razo, o Conclio Vaticano II tambm entende a Igreja

    como sacramento109.

    A teologia do batismo, assim, est ligada teologia da Igreja. Os catecmenos

    so iniciados e includos na comunidade dos fiis110.

    2.3) DEFINIO DE BATISMO

    O batismo, juntamente com a confirmao e a eucaristia, compe os chamados

    sacramentos de iniciao. Ao batismo, cabe o papel da regenerao: os fiis,

    renascidos pelo Baptismo, so fortalecidos pela Confirmao e alimentados pela

    Eucaristia111. De acordo com O Novo Catecismo: A F Para Adultos, editado pelos

    bispos da Holanda, este nascimento o Esprito Santo indo habitar no cristo, dando-lhe

    vida e transformando-o em filho do Pai112.

    O termo batizar significa imergir em gua. O batizado imerso na morte de

    Cristo e ressurge com Ele como nova criatura (2 Co 5:17)113 e tambm chamado

    de banho da regenerao e da renovao do Esprito Santo114 (Tt 3:5) e iluminao,

    106 Idem, p.266. 107 Idem, p.270. 108 Idem, p.271. 109 Ibidem. 110 Fiorenza e Galvin, p.282. 111 Catecismo da Igreja Catlica, resposta pergunta 251. 112 O Novo Catecismo: A F Para Adultos, p.286. 113 Catecismo da Igreja Catlica, resposta pergunta 252. 114 Idem.

  • xxx

    pois quem o recebe se torna filho da luz (Ef 5:8)115. A gua tambm simboliza a

    abluo, a purificao. De acordo com O Novo Catecismo:

    A gua derramada significa, alm de nascimento, tambm abluo. O batismo purifica a pessoa dos pecados cometidos em sua vida. Arranca a raiz do pecado, o pecado original, vencido pelo contato com Jesus. Mesmo que os pecados do homem sejam vermelhos somo o escarlate, Cristo torna-o agora mais branco do que a neve. Doravante so amigos. O homem recomea pgina inteiramente branca.116

    A gua tambm carrega consigo um sentido de dilvio, pois batizar-se

    morrer. O batismo morrer com Cristo e ser sepultado juntamente com Ele, o que

    envolve duas noes: o perdo dos pecados e uma mudana de vida. Isso pode ser

    verificado no batismo do prprio Jesus. Cristo consagrado para morrer, para servir, a

    ponto de ele chamar a sua morte de batismo (Mc 10:38; Lc 12:50). De modo

    semelhante, para o cristo, seu batismo um chamado para a servialidade, a pequenez,

    a humildade e a obedincia at a morte117.

    2.4) VISO BBLICO-TEOLGICA DO BATISMO

    O batismo j era prefigurado no Antigo Testamento, em vrias situaes. Em

    No, a gua smbolo de vida e morte, e a arca representa a salvao por meio da gua.

    Outras prefiguraes esto presentes na passagem do Mar Vermelho, simbolizando o

    fim da escravido, e na travessia do Jordo, onde Israel introduzido na terra

    prometida, a qual imagem da vida eterna118. Estas prefiguraes se cumprem em

    Cristo, que foi batizado por Joo Batista, verteu gua e sangue quando foi traspassado

    na cruz (smbolos do batismo e da eucaristia) e que, aps a ressurreio, ordenou aos

    apstolos que batizassem (Mt 28:19-20)119.

    A Igreja vem administrando o batismo desde o dia de Pentecostes120, por meio

    de imerso ou asperso, invocando a Trindade121. De acordo com o Catecismo da Igreja

    Catlica, capaz para receber o Baptismo toda a pessoa ainda no baptizada122. As

    crianas esto includas, pois tendo nascido com o pecado original, elas tm 115 Ibidem. 116 O Novo Catecismo: A F Para Adultos, p.286-7. 117 Idem, p.287-8. 118 Idem, resposta pergunta 253. 119 Idem, resposta pergunta 254. 120 Idem, resposta pergunta 255. 121 Idem, resposta pergunta 256. 122 Idem, resposta pergunta 257.

  • xxxi

    necessidade de ser libertadas do poder do Maligno e de ser transferidas para o reino da

    liberdade dos filhos de Deus123. Logo, sem o batismo, as crianas esto debaixo do

    poder de Satans, e a razo principal pelas quais elas devem ser batizadas para que

    sejam libertas do pecado original. De acordo com o Catecismo da Igreja Catlica:

    O Baptismo perdoa o pecado original, todos os pecados pessoais e as penas devidas ao pecado; faz participar na vida divina trinitria mediante a graa santificante, a graa da justificao que incorpora em Cristo e na Igreja; faz participar no sacerdcio de Cristo e constitui o fundamento da comunho entre todos os cristos; confere as virtudes teologais e os dons do Esprito Santo. O baptizado pertence para sempre a Cristo: com efeito, assinalado com o selo indelvel de Cristo (carcter)124.

    A negao deste ensino implica em antema, de acordo com a Seo V, artigo

    791 do Conclio de Trento:

    Se algum negar que se devam batizar as crianas recm-nascidas, ainda mesmo quando nascidas de pais batizados; ou disse que devem ser batizadas, sim, para a remisso dos pecados, mas que nada trazem do pecado original de Ado que seja necessrio expiar-se no lavacro da regenerao para conseguir a vida eterna, donde resulta que neles a forma do batismo no deve ser entendida como em remisso dos pecados seja excomungado, porque no de outro modo que se deve entender o que o Apstolo: Por um s homem entrou o pecado no mundo e pelo pecado a morte e assim a morte passou a todos os homens naquele em que todos pecaram (Rom 5, 12), seno do modo que a Igreja Catlica, espalhada por todo o mundo, sempre o entendeu; porquanto, em razo desta regra de f, segundo a tradio dos Apstolos, ainda as criancinhas que no puderam cometer nenhum pecado, tambm so verdadeiramente batizadas para a remisso dos pecados, a fim de ser nelas purificado pela regenerao o que contraram pela gerao, pois, se algum no renascer da gua e do Esprito Santo, no pode entrar no reino de Deus (Jo 3, 5)125.

    O batismo necessrio salvao daqueles que ouviram o Evangelho e possuem

    condies de pedir por ele126. Para estas pessoas, a f no sacrifcio de Jesus no

    suficiente, o batismo colocado como uma necessidade para que a salvao se efetue.

    Sobre isto diz o artigo 861 da Sesso VII do Conclio de Trento: Se algum disser que

    o Batismo facultativo, isto , no necessrio para a salvao seja excomungado127.

    Entretanto, como, para a ICAR, Jesus Cristo morreu por todos os homens, podem ser

    salvos sem o batismo os que morrem por causa da f (batismo de sangue), os

    123 Idem, resposta pergunta 258. 124 Idem, resposta pergunta 263. 125 Extrado de http://www.montfort.org.br/index.php?secao=documentos&subsecao=concilios&artigo=trento&lang=bra#sessao24. Acesso em 23 de setembro de 2006. 126 Catecismo da Igreja Catlica, resposta pergunta 261. 127 Extrado de http://www.montfort.org.br/index.php?secao=documentos&subsecao=concilios&artigo=trento&lang=bra#sessao24. Acesso em 23 de setembro de 2006.

  • xxxii

    catecmenos e aqueles que, impulsionados pela graa, sem conhecer Cristo e a Igreja,

    procuram sinceramente a Deus e se esforam por cumprir a sua vontade128, chamado

    de batismo de desejo. As crianas que morrem sem o batismo so confiadas

    misericrdia de Deus129, o que mostra o papel do batismo para a salvao na teologia

    catlico-romana.

    Na viso de Duffy, Paulo liga a compreenso do batismo a uma compreenso da

    morte de Jesus e suas implicaes redentivas sobre a humanidade. De acordo com o

    Novo Testamento, o batismo serve para o perdo dos pecados e o recebimento do dom

    do Esprito Santo (At 2:38). Na carta aos Romanos, aps tratar do problema do pecado

    do homem e da soluo trazida pela justificao por meio da morte de Cristo, Paulo

    relaciona o batismo com o Salvador crucificado, de tal modo que o evento batismo e o

    evento Cristo seriam idnticos130. Como a entrega de Cristo foi radical, a mudana no

    estilo de vida dos fiis tambm deve ser radical (Rm 6:12-14). Os cristos so batizados

    em Cristo Jesus (Rm 6:3), e no corpo de Cristo (1 Co 12:12-14, 27). Por isso, esto

    vinculados ao Senhor Jesus e a Igreja, pois todos so um em Cristo (Gl 3:28), em uma

    unio que transcende divises sociais, ticas ou de gnero. Para Duffy, O batismo a

    entrada no mistrio pascal da morte e ressurreio com Cristo. A compreenso do

    batismo depende da compreenso desse mistrio131

    Quando Paulo trata do batismo como sendo um lavar que santifica, ele recupera

    uma relao vetotestamentria entre a santificao e o Esprito Santo. O batismo deve

    transformar a vida de quem o recebe. O Esprito Santo tambm aquele que torna

    possvel a converso que precede e acompanha o sacramento. O Pentecostes foi para os

    apstolos o que o Jordo foi para Jesus, o momento em que foram ungidos pelo Esprito

    para o servio. Os relatos presentes em Lucas-Atos mostram, no a ineficcia do

    batismo em gua, mas a necessidade da ao do Esprito Santo para que a converso

    seja autntica e duradoura. O batismo tambm o momento em que o fiel iniciado e

    ungido para servir no Reino de Deus132

    Para receber o batismo, portanto, a profisso de f deve ser exigida. No caso dos

    adultos, o prprio candidato deve faz-la. Em se tratando de crianas, a f vem por parte

    128 Catecismo da Igreja Catlica, resposta pergunta 262. 129 Idem. 130 Fiorenza e Galvin, p.286. 131 Idem, p.284-6. 132 Idem, p.287-90.

  • xxxiii

    dos pais ou da Igreja133. reconhecida uma solidariedade comunitria. Sobre isso, diz

    O Novo Catecismo:

    A pergunta, pois, que surge, esta: a criana no tem ainda conscincia e, conseqentemente, no capaz de converso, de entrega de f; como pode, no entanto, receber o sinal de converso e de f? Recebe-o da maneira com que vive, atualmente, tda a sua vida: em dependncia dos adultos. Cristo deu-nos sua salvao de modo social, comunitrio. No a pessoas isoladas, mas a um povo. Assim como cada rebanho tem seus carneirinhos, assim tambm cada povo que cresce possui seus filhos, pequenos sres cuja vida ainda carregada pelos outros. Pelo que, os bebs no so batizados porque j crem, mas, porque queremos, naturalmente, transmitir-lhes a nossa f. Trazemos os filhos dentro de nossa f, dentro da f da Igreja.134

    medida em que a criana cresce, espera-se dela que se converta, isto , que

    faa uma entrega de f consciente. Essa converso sinalizada quando ela for renovar

    os seus votos batismais no sacramento da confirmao. Por esta razo, entende-se que o

    batismo deve ser acompanhado de uma educao crist135. Assim sendo, os padrinhos e

    a comunidade eclesial tambm possuem parte na responsabilidade no preparo do

    catecmeno e/ou no desenvolvimento da f e da graa batismal136.

    Ordinariamente, o batismo deve ser celebrado pelo bispo e pelo presbtero, mas

    o dicono tambm includo. Em caso de necessidade, qualquer pessoa pode fazer o

    batismo, desde que entenda fazer o que faz a Igreja e derrame gua sobre a cabea do

    candidato, dizendo a frmula trinitria baptismal: Eu te baptizo em Nome do Pai e do

    Filho e do Esprito Santo137.

    O Conclio Vaticano II, em sua Constituio Lumen Gentium v no batismo um

    trao de unidade entre cristos catlicos e no-catlicos (LG 15)138. O batismo ainda

    visto como sendo necessrio salvao: Os Bispos, como sucessores dos Apstolos,

    recebem do Senhor, a quem foi dado todo o poder no cu e na terra, a misso de ensinar

    todos os povos e de pregar o Evangelho a toda a criatura, para que todos os homens se

    salvem pela f, pelo Baptismo e pelo cumprimento dos mandamentos (cfr. Mt 28,18;

    Mc. 16, 15-16; Act. 26, 17 ss.). (LG 24)139.

    133 Catecismo da Igreja Catlica, resposta pergunta 259. 134 O Novo Catecismo: A F Para Adultos, p.291-2. 135 Idem, p.292. 136 Catecismo da Igreja Catlica, resposta pergunta 259. 137 Idem, resposta pergunta 260. 138 Extrado de http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19641121_lumen-gentium_po.html 139 Idem.

  • xxxiv

    3) O PONTO DE VISTA BATISTA

    Atualmente, os batistas, os menonitas e a grande maioria das igrejas pentecostais

    e neopentecostais no batizam crianas, pelo menos at que elas manifestem o desejo de

    serem batizadas e faam pblica profisso de f perante a Igreja. Mesmo entre os

    adeptos da teologia calvinista ou puritana, possvel achar vrios telogos que, ao

    longo da Histria, defenderam esta viso, tais como John Bunyan e Charles Spurgeon.

    Esta questo, entretanto, foi mais sensvel para os batistas, que deram a ela tal

    importncia, que fizeram de sua doutrina sobre o batismo a marca que os diferencia dos

    demais evanglicos.

    3.1) BATISMO: SACRAMENTO OU ORDENANA?

    H uma relutncia, por parte dos batistas, em usar o termo sacramento para se

    referirem ao batismo e ceia do Senhor. Ao invs disso, eles preferem se referir a estas

    cerimnias como sendo ordenanas: O batismo e a ceia do Senhor so as duas

    ordenanas da igreja estabelecidas pelo prprio Jesus Cristo, sendo ambas de natureza

    simblica140. O mesmo termo usado no documento Princpios Batistas, adotado

    pela Conveno Batista Brasileira (CBB), a mais antiga denominao batista atuando no

    Brasil: O batismo e a ceia do Senhor so as duas ordenanas da igreja141. Millard

    Erickson, em sua Introduo Teologia Sistemtica, tambm chama o batismo e a

    ceia de ordenanas142. Tal entendimento bem antigo, e j estava presente na Confisso

    de F Batista de 1689, feita em Londres: O Batismo e a Ceia do Senhor so ordenanas

    que foram institudas de maneira explcita e soberana, pelo prprio Senhor Jesus - o

    nico Legislador143.

    Grudem tambm segue esta linha de raciocnio. Para ele, o batismo uma

    ordenana (pelo fato de ter sido ordenado por Cristo)144 ou, mais precisamente, um

    140 Declarao Doutrinria da Conveno Batista Brasileira, art.IX, nmero 1. Extrado de http://www.batistas.org.br/miolo.php?canal=143&sub=629&c=&d=1. Acesso em 24 de setembro de 2006. 141 Princpios Batistas, Sesso IV, Art.3. Extrado de http://www.batistas.org.br/miolo.php?canal=141&sub=632&c=&d=1. Acesso em 24 de setembro de 2006. 142 ERICKSON, Millard J. Introduo Teologia Sistemtica, p.459. 143 Confisso de F Batista de Londres de 1689, Cap. 28, Art.1. Extrado de http://www.monergismo.com/textos/credos/1689.htm. Acesso em 24 de setembro de 2006. 144 GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemtica, p.801.

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    meio de graa. Para Grudem, meios de graa seriam quaisquer atividades na

    comunho da igreja que Deus usa para distribuir mais graa aos cristos145. Os meios

    de graa apenas concedem bnos aos cristos, sem acrescentar nenhuma aptido ou

    benefcio quanto ao recebimento da graa divina. A graa s seria dispensada se houver

    f por parte das pessoas que administram ou recebem estes meios146. Esta definio no

    se restringe apenas ao batismo e ceia do Senhor, mas, de modo no exaustivo, tambm

    se aplica ao ensino da Palavra, orao uns pelos outros, adorao, disciplina na

    Igreja, oferta, aos dons espirituais, comunho (entre os irmos, e no em um sentido

    eucarstico), evangelizao e at mesmo ao ministrio individual147.

    3.2) DEFINIO DE BATISMO

    Segundo a Declarao Doutrinria da CBB, o batismo simboliza a morte e

    sepultamento do velho homem e a ressurreio para uma nova vida em identificao

    com a morte, sepultamento e a ressurreio do Senhor Jesus Cristo e tambm

    prenncio da ressurreio dos remidos148. tambm um sinal de sua comunho com

    Cristo, na sua morte e ressurreio; de sua unio com Ele; da remisso dos pecados; da

    consagrao da pessoa a Deus, atravs de Jesus Cristo, para viver e andar em novidade

    de Vida.149. Erickson explica melhor:

    um rito de iniciao somos batizados no150 nome de Cristo. O ato do batismo foi ordenado por Cristo (Mt 28.19,20). Uma vez que foi ordenado por ele, mais adequado entend-lo como uma ordenana, no como um sacramento. Ele no produz nenhuma mudana espiritual na pessoa que o recebe. Continuamos praticando o batismo simplesmente porque Cristo ordenou e porque serve como uma forma de proclamao de nossa salvao151.

    Nesta definio, ressalta a idia de que o batismo um rito de iniciao,

    simblico, que no confere nenhuma mudana espiritual na pessoa que o recebe. visto

    145 Idem. 146 Idem, p,802. 147 Ibidem. 148 Declarao Doutrinria da Conveno Batista Brasileira, art.IX, nmero 2. Extrado de http://www.batistas.org.br/miolo.php?canal=143&sub=629&c=&d=1. Acesso em 24 de setembro de 2006. 149 Confisso de F Batista de Londres de 1689, Cap.29, Art.1. Extrado de http://www.monergismo.com/textos/credos/1689.htm. Acesso em 24 de setembro de 2006. 150 Todos os grifos desta citao so do autor. 151 Erickson, p.463.

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    como uma oportunidade para testemunho da salvao, e no como uma forma de

    abenoar o fiel.

    Em seu artigo O Ensino Bblico da Igreja Acerca do Batismo, Barth d a

    seguinte definio:

    O batismo cristo , em sua essncia, a imagem da renovao do homem devido sua participao, pelo poder do Esprito Santo, na morte e ressurreio de Jesus Cristo; e , portanto, tambm a imagem daquilo que em si executado pelo testamento da graa, e pela comunho da sua Igreja que em Jesus so cumpridos e realizados152.

    Para Barth, a palavra grega baptizein tem o significado de imergir

    completamente um objeto na gua, retirando-o a seguir153. Esta simbologia ilustra um

    perigo eminente de vida, seguido por uma reabilitao ou preservao, de tal forma que

    impossvel compreender o significado do batismo se no estiver claro que o batismo

    representa um perigo de morte e preservao de vida154. O batismo , em suma, uma

    reproduo da participao do batizando na morte e ressurreio de Jesus Cristo.

    O salvo aquela pessoa que morre, sepultada e ressuscita juntamente com

    Cristo. Este processo real na vida do salvo, a unio dele com Cristo real. No

    momento da salvao, o Esprito Santo une o crente a Cristo, de modo que ele nunca

    mais pode existir sem Jesus Cristo, porque Jesus Cristo nunca mais pode existir sem ele;

    isto , que ele j no est fora, mas em Jesus Cristo e com Ele permanece no incio de

    um novo cu e de uma nova terra155. Esta unio acontece no batismo do Esprito

    Santo156.

    3.3) VISO BBLICO-TEOLGICA DO BATISMO

    Para os batistas, o novo nascimento essencial para a compreenso do batismo.

    Erickson fundamenta este posicionamento com dois argumentos. O primeiro que, no

    Novo Testamento, as nicas pessoas batizadas identificadas pelo nome eram adultas.

    Quanto aos batismos de famlias, eles no excluem a possibilidade de que as supostas

    crianas presentes pudessem ter exercido a sua f157. Donald Bridge assim o expressa:

    152 BARTH, Karl e CULLMANN, Oscar. Batismo em diferentes vises, p.13. 153 Idem. 154 Idem, p.14. 155 Idem, p.15. 156 Ibidem. 157 Erickson, p.463.

  • xxxvii

    Os relatos neotestamentrios de batismos de famlias e lares no tm valor algum para comprovar o pedobatismo. Ou no havia bebs nas famlias mencionadas, ou eles foram deixados de lado pelo fato de ser bebs. Se foram batizados bebs na casa de Cornlio, a histria exige que acreditemos que eles falaram em lnguas e exaltaram a Deus! (v.At 10.46-48) Se alguma criana foi batizada na famlia do carcereiro filipense, devia ter idade suficiente para crer, pois foi isso que Paulo e Silas disseram a eles! (v.At 16.33) Se havia bebs nos lares batizados em Corinto (1 Co 1.16), eles deviam ser realmente precoces, pois vemos mais tarde que a casa de Estfanas [...] tm se dedicado ao servio dos santos (1 Co 16.15). Ora, se os bebs foram includos no batismo, devem ter partilhado o servio subseqente!158

    O segundo argumento usado por Erickson que a Escritura exige a f pessoal e

    consciente em Cristo como pr-requisito para o batismo. A Grande Comisso coloca o

    batismo aps o fazer discpulos (Mt 28:19). Joo Batista fazia um batismo de

    arrependimento e pedia confisso de pecados (Mt 3:2,6). Pedro exigiu arrependimento

    antes do batismo (At 2:37-41). O batismo subseqente f em Atos 8:12; 18:8 e 19:1-

    7159. Os Princpios Batistas dizem que a observncia do batismo envolve f, exame

    de conscincia, discernimento, confisso, gratido, comunho e culto160. Para a

    Confisso de F Batista de 1689: Somente podem ser submetidas a esta ordenana as

    pessoas que de fato professam arrependimento para com Deus, f e obedincia ao

    Senhor Jesus161. Donald Bridge ainda mais enftico: A f, para o batista, est acima

    de tudo. Um batismo sem f consciente no o batismo do Novo Testamento, sendo,

    portanto, invlido162. Na verdade, crer de modo diferente pode ser um grande perigo

    para a f crist:

    Ora, o batista cr que a nica forma de impedir que o prprio batismo se transforme numa armadilha e num meio falso de salvao insistir que a relao entre batismo e f clara, reconhecvel, fundamental e inequvoca. Ele teme que no seja esse o caso quando se trata de um beb. No basta que a f seja identificada nos pais, nos padrinhos, na igreja,ou na esperana de que o beb algum dia creia. Isso faria com que existisse um intervalo de tempo ou uma dependncia entre o batismo em si e a f pessoal do candidato. Dessa forma, acabamos por prestar ateno na coisa errada. As bnos associadas, nas Escrituras, tanto f quanto ao batismo, acabam sendo associadas, no pedobatismo, mais ao batismo do que f. Embora se fale muito na f que surge posteriormente, todo o processo comea de forma equivocada. Muitas pessoas batizadas na infncia crescem sem se dar conta da necessidade de ter f pessoal. A nica defesa evitar o batismo at que a f se expresse163.

    158 Bridge e Phypers, p.50. 159 Erickson, p.463. 160 Princpios Batistas, Sesso IV, Art.3. Extrado de http://www.batistas.org.br/miolo.php?canal=141&sub=632&c=&d=1. Acesso em 24 de setembro de 2006. 161 Confisso de F Batista de Londres de 1689, Cap.29, Art.2. Extrado de http://www.monergismo.com/textos/credos/1689.htm. Acesso em 24 de setembro de 2006. 162 Bridge e Phypers, p.54. 163 Idem, p.61.

  • xxxviii

    Para Russell Shedd, a f e o batismo so inseparveis:

    Para Paulo, o sacramento o que poderamos chamar de f-batismo. Isso evidencia-se em Glatas 3.26, 27: Pois todos vs sois filhos de Deus mediante a f em Cristo Jesus; porque todos quantos fostes batizados em Cristo, de Cristo vos revestistes. De igual modo em Romanos 10.8, 9: Porm, que se diz? A palavra est perto de ti, na tua boca e no teu corao; isto , a palavra da f que pregamos. Se com a tua boca confessares a Jesus como Senhor, e em teu corao creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, sers salvo. Pela confisso de f no batismo, o nefito incorporado no novo Israel; ele torna-se parte do novo homem, ou seja, ele salvo164.

    luz de Romanos 6:5, o batismo uma omoiwma (semelhana) da morte de

    Cristo, um smbolo, um selo, um sinal, uma figura ou uma representao165. Segundo

    Barth:

    O batismo santo e santificador, embora ainda tenhamos de ver o por qu, e em que medida. Mas ele no Deus, nem Jesus Cristo, nem o Testamento, nem a Graa, nem a f, nem a Igreja. O batismo d testemunho de tudo isso, como tambm do acontecimento no qual Deus, em Jesus Cristo, faz com que um homem seja Seu filho, Seu Testamento, despertando f pela Sua graa e chamando o homem para a vida na igreja O batismo testifica ao homem que esse acontecimento no um produto da sua imaginao, mas que uma realidade objetiva, a qual nenhum poder terreno pode alterar166.

    Assim, o batismo em si no a histria sagrada (Heilsgeschichte), mas a mais

    viva e expressiva representao dessa histria167.

    O batismo, assim como a ceia do Senhor, a pregao, a orao e outras aes

    eclesisticas uma parte da proclamao da Igreja e, portanto, uma atividade humana:

    O batismo, como j dissemos, de qualquer maneira, como todos os outros atos da

    Igreja, claramente um ato humano168. Contudo, assim como os outros elementos da

    proclamao da Igreja, o batismo tambm uma palavra e ato livre de Jesus Cristo,

    ainda que de maneira indireta e mediadora169. Assim, Barth afirma:

    O batismo de Joo pela gua d testemunho do batismo com o Esprito e com fogo do prprio Jesus Cristo. Por esta razo, o grande dispensador do batismo pela gua no Joo nem a Igreja, mas o prprio Senhor Jesus Cristo, embora mediadora e indiretamente seja realizado atravs do servio de Joo e do servio da Igreja. Quem poderia, seno o prprio Jesus Cristo, testemunhar com eficcia acerca de Jesus Cristo?170

    164 SHEDD, Russell. A Solidariedade da Raa, p.173. 165 Barth e Cullmann, p.16. 166 Idem, p.16-7. 167 Idem, p.18. 168 Ibidem. 169 Barth e Cullmann, p.20. 170 Idem.

  • xxxix

    Jesus submeteu-se ao batismo para identificar-se com os pecadores, para unir-se

    a eles, de forma que os salvos, juntamente com Cristo, podem sair da gua com a

    confiana de que possuem a aprovao do Pai e a comunho do Esprito Santo, razo

    pela qual o batismo deve ser feito em nome do Pai, do Filho e do Esprito Santo, e no

    somente em nome de Jesus171. Todavia, h que se considerar que o batismo uma

    representao da morte e ressurreio de Jesus, e no contm a salvao em si mesmo.

    O poder do batismo este: o de testemunhar e simbolizar o sacrifcio expiatrio de

    Cristo pela humanidade. O poder est na palavra e ao de Cristo no batismo, e no no

    ato em si172. Esta palavra e ao presentes no batismo devem ser livres e no podem ser

    manipuladas pelos homens, pois somente Cristo pode oferecer estas coisas aos salvos173.

    Barth critica Zunglio por limitar a potncia do batismo a uma f que se limita e,

    ao mesmo tempo, se fortifica pelo uso do smbolo. Entretanto, o elogia por ver no

    batismo um smbolo da f da Igreja e da f dos seus membros em particular, e que a

    sua execuo um ato que recorda, e, portanto, um ato de confisso, e

    consequentemente, algo que confirma esta f174.

    Ele tambm critica a concepo catlico-romana de que a eficcia do batismo

    ex opere operato, ou seja, que a eficcia do batismo est no ato em si. Uma das

    afirmaes mais fortes de Barth precisamente a de que a eficcia do batismo est no

    poder de Deus, e no no poder do ritual em si175.

    De modo semelhante, Lutero estaria errado por valorizar excessivamente as

    guas batismais, chegando a cham-las de gua de Deus, que chega a eliminar o

    pecado, a morte e a misria, ajudando o homem a atingir o cu e a vida eterna176.

    Barth tambm critica aqueles que consideram o batismo essencial salvao.

    Jesus Cristo no limitado pelo batismo em suas aes, portanto, no se pode condenar

    um homem apenas porque ele no recebeu o sinal do que Cristo fez em favor dele177.

    O verdadeiro significado do batismo a glorificao de Deus no

    desenvolvimento da Igreja de Jesus Cristo atravs da promessa dada ao homem, com a

    divina certeza da graa que lhe dirigida, e atravs da promessa de obedincia

    171 Idem, p.20-1. 172 Idem, p.21. 173 Idem, p.21-2. 174 Idem, p.22. 175 Idem, p.23. 176 Idem, p.24. 177 Idem, p.25-6.

  • xl

    pronunciada sobre o homem, com autoridade divina, em referncia ao grato servio que

    lhe oferecido178. O batismo no salva o homem mais do que a f o salva, ele no a

    causa da salvao, mas sim o cognitio salutis179. Desta forma, se algum confundir

    causa e cognitio, imediata e inevitavelmente ignora e confunde a peculiaridade do

    propsito do batismo e tambm o da f180. Em outras palavras, a causa da salvao a

    palavra e o trabalho de Cristo pela humanidade, o batismo um reconhecimento desta

    oferta de salvao, mas, em si mesmo, no salva:

    A palavra e trabalho de Cristo, nicos meios de redeno, estendem-se no somente f, mas tambm ad fidei nostrae sensum; pois a prpria f implica deciso e experincia. No batismo, assim como na Ceia do Senhor, na pregao ou em qualquer outra parte da proclamao da Igreja, a palavra e trabalho de Jesus Cristo so uma oferta de salvao que reconhecida uma revelao do testamento da graa, do renascimento, do perdo de pecados, que satisfaz uma confisso ao homem crente, da realidade divino-humana que o cerca e suporta um convite para o homem crente, chamando-o a responder a esta realidade no seu prprio ser e a se tornar obediente ao Esprito Santo, de acordo com o dom que seu181.

    O texto de 1 Pedro 3:21 mostraria isso, uma vez que o batismo o apelo de uma

    boa conscincia para com Deus. Assim o batismo um evento onde Cristo fala de si

    mesmo e de sua ao em favor do batizando, mas tambm onde o batizando convidado

    por Cristo para ser, em Cristo, aquilo que Cristo j 182.

    O batismo no salva, mas um selo desta salvao, e neste sentido que

    devemos entender as passagens do Novo Testamento que falam que o batismo perdoa

    pecados:

    No batismo, Jesus Cristo sela a carta que escreveu na Sua pessoa com o Seu trabalho e que ns, pela nossa f Nele, j recebemos. Selar obsignare o trabalho especial do batismo. Se for compreendido assim, podemos e devemos dizer a seu respeito, nas palavras da Escritura: salva, santifica, purifica e d o perdo dos pecados e a graa do Esprito Santo, e efetua o novo nascimento, a admisso do homem no Testamento da Graa e da Igreja. Isto tudo verdade, no sentido em que, no batismo, uma palavra autntica nos proferida de maneira decisiva acerca de tudo isto183.

    Barth explica isso com a analogia da naturalizao. O batismo seria como o

    recebimento de um certificado de naturalizao. O estrangeiro naturalizado suo, por

    exemplo, pode perfeitamente viver e sentir como um bom suo antes de ser 178 Idem, p.27. 179 Idem, p.28. 180 Idem. 181 Idem, p.29. 182 Idem, p.30. 183 Idem.

  • xli

    reconhecido como tal. Entretanto, a naturalizao importante porque o

    reconhecimento de sua cidadania. De igual modo, o batismo no faz do salvo um

    cristo, mas o meio pelo qual ele reconhecido publicamente como tal184.

    Desta forma, h dois aspectos a se considerar no significado do batismo. O

    primeiro o de que ele ministrado para a glria de Deus e a edificao da Igreja de

    Jesus Cristo, pois no batismo se faz a lembrana da morte e da ressurreio de Cristo, da

    graa que oferecida ao batizando e dos benefcios decorrentes desta graa, como o

    perdo dos pecados, o renascimento espiritual e o dom do Espr