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IV CICLO DE PALESTRAS EM CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS Oportunidades e desafios nas ciências sociais aplicadas: relações interorganizacionais, trabalho e renda. Análise da configuração sociocultural e produtiva no espaço rural do município de Terra Nova do Norte-MT Deonice Maria Castanha Lovato - [email protected] Resumo Este estudo tem como objeto de análise as configurações socioeconômicas do município de Terra Nova do Norte, estado de Mato Grosso, buscando estabelecer a relação com a formação das comunidades rurais a partir do processo de colonização. Estabeleceram-se como objetivos a análise do processo histórico de ocupação na região; a recriação sociocultural nas comunidades rurais em suas relações entre a sociedade, o meio ambiente e o modo produtivo e as perspectivas para o desenvolvimento local da população no campo. O procedimento metodológico teve as seguintes etapas: primeiro, foi realizada uma revisão bibliográfica de autores, artigos, documentos oficiais, teses e dissertações que abordam o tema sobre a migração da Amazônia mato-grossense. Em seguida, realizou-se a pesquisa empírica com base na entrevista semiestruturada com os agricultores familiares para entender como ocorreu o processo de ocupação na região e à luz da teoria compreender a formação das comunidades rurais e sua atividade produtiva. Também foram entrevistados os dirigentes das cooperativas do município para compreender as perspectivas de desenvolvimento local. A pesquisa, na medida em que permitiu entender o processo de ocupação da região, possibilitou-nos ilustrar que as comunidades rurais se constituem atualmente em unidades geográficas nas quais se sobressaem as relações de identidade comum sociocultural; quanto à base material, esta se concretiza na permanência no meio rural voltado para a agricultura familiar em uma relação de dependência com as cooperativas, embora sinalizem para a busca de iniciativas que geram trabalho e renda. Palavras-chave: Migração. Comunidades Rurais. Desenvolvimento Local. 1. Introdução Com base no estudo da migração para a Amazônia, este trabalho tem como objeto de análise as configurações socioeconômicas no espaço rural do município de Terra Nova do Norte, estado de Mato Grosso buscando estabelecer a relação com a formação das comunidades rurais a partir do processo de colonização, com o objetivo geral de verificar as perspectivas para o desenvolvimento local da população no campo. Estabeleceram-se como objetivos a análise do processo histórico de ocupação na região; a recriação sociocultural nas comunidades rurais em suas relações entre a sociedade, o meio ambiente e o modo produtivo e as perspectivas para o desenvolvimento local da população no campo. A partir da pesquisa bibliográfica, foram levantados dados com base em entrevista semiestruturada realizada junto às populações das comunidades rurais, analisando sua ocupação no processo inicial da colonização e a organização sociocultural até os dias de hoje. Também foram entrevistados proprietários rurais para compreender as perspectivas de desenvolvimento local. A partir da descrição da ocupação dos migrantes no meio rural e a recriação sociocultural da população, a questão da permanência no meio rural proporciona estudos

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Análise da configuração sociocultural e produtiva no espaço rural do município de Terra Nova do Norte-MT

Deonice Maria Castanha Lovato - [email protected]

Resumo

Este estudo tem como objeto de análise as configurações socioeconômicas do município de

Terra Nova do Norte, estado de Mato Grosso, buscando estabelecer a relação com a

formação das comunidades rurais a partir do processo de colonização. Estabeleceram-se

como objetivos a análise do processo histórico de ocupação na região; a recriação

sociocultural nas comunidades rurais em suas relações entre a sociedade, o meio ambiente e

o modo produtivo e as perspectivas para o desenvolvimento local da população no campo. O

procedimento metodológico teve as seguintes etapas: primeiro, foi realizada uma revisão

bibliográfica de autores, artigos, documentos oficiais, teses e dissertações que abordam o

tema sobre a migração da Amazônia mato-grossense. Em seguida, realizou-se a pesquisa

empírica com base na entrevista semiestruturada com os agricultores familiares para

entender como ocorreu o processo de ocupação na região e à luz da teoria compreender a

formação das comunidades rurais e sua atividade produtiva. Também foram entrevistados os

dirigentes das cooperativas do município para compreender as perspectivas de

desenvolvimento local. A pesquisa, na medida em que permitiu entender o processo de

ocupação da região, possibilitou-nos ilustrar que as comunidades rurais se constituem

atualmente em unidades geográficas nas quais se sobressaem as relações de identidade

comum sociocultural; quanto à base material, esta se concretiza na permanência no meio

rural voltado para a agricultura familiar em uma relação de dependência com as

cooperativas, embora sinalizem para a busca de iniciativas que geram trabalho e renda.

Palavras-chave: Migração. Comunidades Rurais. Desenvolvimento Local.

1. Introdução

Com base no estudo da migração para a Amazônia, este trabalho tem como objeto de análise as configurações socioeconômicas no espaço rural do município de Terra Nova do Norte, estado de Mato Grosso buscando estabelecer a relação com a formação das comunidades rurais a partir do processo de colonização, com o objetivo geral de verificar as perspectivas para o desenvolvimento local da população no campo.

Estabeleceram-se como objetivos a análise do processo histórico de ocupação na região; a recriação sociocultural nas comunidades rurais em suas relações entre a sociedade, o meio ambiente e o modo produtivo e as perspectivas para o desenvolvimento local da população no campo.

A partir da pesquisa bibliográfica, foram levantados dados com base em entrevista semiestruturada realizada junto às populações das comunidades rurais, analisando sua ocupação no processo inicial da colonização e a organização sociocultural até os dias de hoje. Também foram entrevistados proprietários rurais para compreender as perspectivas de desenvolvimento local.

A partir da descrição da ocupação dos migrantes no meio rural e a recriação sociocultural da população, a questão da permanência no meio rural proporciona estudos

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sobre as alternativas e as perspectivas das comunidades rurais quanto ao desenvolvimento local e ao ajustamento dos produtores familiares na atual fase do capitalismo.

Este estudo é parte de uma pesquisa em andamento sobre a dinâmica da agricultura familiar no Território Portal da Amazônia, em que, no recorte do campo empírico, verificou-se a formação de uma identidade sociocultural das populações rurais e a relação de dependência dos agricultores familiares para com a principal cooperativa, da qual esperam alternativas para a promoção do desenvolvimento local.

2. Origem do município de Terra Nova do Norte

O município de Terra Nova do Norte surgiu a partir de um projeto de colonização entre o Instituto de Colonização e Reforma Agrária - INCRA e a Cooperativa Agropecuária Mista de Canarana Ltda. – COOPERCANA denominado Programa Terranova, em 1978. O que motivou o projeto de colonização foi a expulsão dos trabalhadores que cultivavam as terras nas reservas dos índios kaingang com lavouras de soja, trigo e milho, na condição de arrendatários no do estado do Rio Grande do Sul, notadamente a região do Alto Uruguai.

Diante da situação de emergência, o então ministro do interior, Maurício Rangel Reis, no mês de maio de 1978, convidou Norberto Schwantes, que já havia empreendido dois projetos de colonização exitosos em Mato Grosso e na condição de presidente da Cooperativa Agropecuária Mista de Canarana Ltda - COOPERCANA, para realizar o projeto de assentamento dos colonos no norte de Mato Grosso.

Assim, pode-se observar que foi uma forma de resolver o problema por parte do governo federal para assentar os trabalhadores rurais empobrecidos em outro lugar distante, de acordo com a análise:

Na tentativa de reduzir os custos do poder público e baseando-se nas experiências das colonizadoras particulares, avaliadas pelo governo federal como positivas, sobretudo em Mato Grosso, o governo buscou uma nova forma de colonização. O Incra criou então uma nova metodologia onde as tarefas e os custos da colonização seriam divididos entre a iniciativa privada e a iniciativa oficial, ou seja, o poder público federal. Surgiram, assim, os projetos de Assentamento Conjunto (CASTRO [et al], 1994, p. 46, grifo dos autores).

Esse empreendimento conjunto representou a primeira experiência de colonização oficial no estado de Mato Grosso, sob a coordenação do INCRA e diretamente pelo Conselho de Segurança Nacional, pois se temia que o acontecimento alcançasse a dimensão de uma convulsão social agrária no sul do país.

Assim, o projeto de colonização estava inserido no âmbito da questão agrária do Brasil na década de 1970, em que a expansão do capitalismo no campo foi marcada por uma modernização conservadora sem alterar a estrutura fundiária e, ao mesmo tempo, apresentava uma possível solução os camponeses expropriados de suas terras ou em vias de expropriação.

2.1 Objetivos e diretrizes do Programa Terranova

Verificou-se que os objetivos gerais para a implantação do Projeto estavam ligados aos problemas da questão agrária no sul do país, o excedente populacional em condições de miséria e a Amazônia vista como um grande vazio ser ocupada para minimizar a questão da exclusão dos sem-terras e dos pequenos proprietários expropriados pelo modelo econômico adotado, ou seja, pautado na prioridade da grande propriedade com produtos para exportação.

Com relação às fontes de recursos financeiros, estava previsto o financiamento fundiário no Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e

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do Nordeste - PROTERRA, junto ao Banco do Brasil com recursos alocados pelo Banco Central. Dessa forma, a concessão de terras foi feita inicialmente do Incra para a Cooperativa que, assim, conseguiu financiamento fundiário.

Estava incluído para os investimentos na infraestrutura social do Projeto pela Cooperativa o financiamento para planos específicos pelo Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia - POLAMAZÔNIA e o Programa Nacional de Armazenagem - PRONAZEM.

De acordo com as diretrizes estabelecidas no Programa Terranova (1978, p. 68), a Cooperativa assumiria os gastos de infraestrutura física e se responsabilizaria por dez alqueires desmatados de cada lote e a construção da moradia do colono, tudo isso incluído no valor do lote adquirido. Por sua vez, a Cooperativa deveria prestar ao colono associado toda a assistência técnica com a produção agrícola e a sua comercialização, bem como a assistência social e recreativa à comunidade rural.

Com referência à formação de agrovilas, essa opção é explicitada:

Para não dispersar as famílias pela mata e eventualmente termos problemas com surtos de malária, e para ter condições de oferecer escolas às crianças achei que deveríamos localizar os colonos em agrovilas. De 100 a 150 famílias em cada agrovila, calculei. Uma grande agrovila a cada 10 quilômetros, assim o lote mais distante ficaria a cinco quilômetros da agrovila, com acesso pela J-1 ou pela BR. Contrataríamos tratores, abriríamos as agrovilas, perpendiculares às estradas, cada agricultor receberia 2 hectares de terra na agrovila para que pudesse fazer sua horta caseira e manter ali uma vaca de leite. Construiríamos pequenas casas de madeira de 40 metros quadrados. [...] E a partir de então, teríamos condições de construir uma agrovila a cada 15 dias, ou seja, receber 100 famílias a cada 15 dias (SCHWANTES, 1989, p. 152-153).

Quanto à infraestrutura social, foram previstos em cada agrovila áreas necessárias à instalação de um posto de serviços da COOPERCANA, de uma escola, um ambulatório médico e dentário e um centro social e recreativo e de outros equipamentos comunitários, como oficinas, depósitos e templos religiosos.

O atendimento à educação e à saúde no início da implantação do Projeto ficou a cargo da Cooperativa e depois os órgãos públicos se responsabilizariam pelos setores.

2.2 O processo de formação das agrovilas

No início do mês de julho de 1978, foram transferidas as primeiras famílias para o Projeto Terranova. De acordo com o relato de alguns colonos entrevistados vindos naquela primeira etapa, conforme destacou o colono A sobre o impacto das pessoas na nova região: “muitos choravam, alguns riam surpresos e outros queriam voltar no mesmo ônibus”. O colono B relatou que algumas mulheres disseram: “isso aqui é o fim do mundo!”.

A equipe da Cooperativa procurou fazer daquele momento um ato solene para despertar no migrante a importância de sua presença na nova terra, conforme é mencionado:

Na frente da agrovila, três mastros com as bandeiras do Brasil, do Estado de Mato Grosso e do Rio Grande do Sul esperavam festivamente os pioneiros. No fim de tarde de 5 de julho, eles foram recebidos com o Hino Nacional que ecoava pelo auto-falante. Fiz um brevíssimo discurso de boas-vindas. Imediatamente, ali mesmo, na frente da agrovila sorteamos os lotes e todos foram a pé procurar sua casa. Depois passaram os ônibus descarregando as malas. Dentro da casa coberta de lona estava tudo que fora prometido. Faltava apenas a moto-serra que chegaria dali alguns dias. Todos tinham recebido mantimentos para 30 dias (SCHWANTES, 1989, p. 178).

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As primeiras derrubadas para formar as agrovilas estão retratadas na foto a seguir:

FOTO 1 - Formação de uma agrovila no Projeto Terranova em 1978 (Fonte: arquivo particular)

Os parceleiros foram assentados nas agrovilas que correspondiam aos Setores A, B, C, D, E e F e formaram as seguintes agrovilas: Agrovila Esteio (1ª), Agrovila Planalto (2ª), Agrovila Nonoai (3ª), Agrovila Guarita (4ª), Agrovila Xanxerê (5ª) e a Agrovila Miraguaí (6ª).

Cada família recebeu um lote rural de 100 ha, um lote para-rural na agrovila e mais 100 ha de reserva florestal, que compunha umas das áreas das quatro reservas de condomínio, destinadas à reserva legal de 50% correspondente na época. Devido à vinda de outros migrantes vindos do sul e do sudeste no início dos anos de 1980, grandes áreas das reservas foram ocupadas. O lote para-rural variava de 1,6 ha a 1,8 ha distribuídos ao longo das ruas projetadas do setor administrativo de cada agrovila, tendo ao centro as áreas destinadas à instalação dos equipamentos econômicos e de serviços comunitários

Para dar continuidade ao assentamento das famílias remanescentes das reservas indígenas de agricultores sem-terra no Rio Grande do Sul foi executada a segunda parte do programa denominado Projeto Terranova II. Porém, foi realizada em caráter de emergência porque o governador gaúcho à época apressou a COOPERCANA para transferir as famílias, pois não queria mais ter que arcar com os gastos destas no estado do Rio Grande do Sul.

Assim, a transferência de 210 famílias ocorreu de dezembro de 1979 a fevereiro de 1980, em regime precário devido à época das chuvas fortes no norte de Mato Grosso. Com o Projeto Terranova II vieram aproximadamente 434 famílias, para os setores G, H e I, respectivamente denominadas de Agrovila Charrua (7ª), Agrovila Minuano (8ª) e Agrovila Norberto Schwantes (9ª). As famílias para a 2ª etapa do Projeto eram provenientes dos municípios gaúchos de Nonoai, Planalto e Tenente Portela. O assentamento dos colonos no Projeto Terranova II foi concluído em dezembro de 1980.

O tamanho do lotes diminuiu porque o diretor do INCRA julgou muito grande os lotes da primeira etapa do Projeto, cada colono recebeu da mesma forma que no Terranova I três

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áreas descontínuas, o lote rural que foi de 50 ha, um lote para-rural e 50 ha de reserva florestal. Assim, foram assentados colonos em nove agrovilas, num total de 1.071 famílias assentadas nos Projetos Terranova I e II.

Pode-se verificar no Quadro 1, a composição das agrovilas em setores, a quantidade de lotes e a dimensão dos lotes, das áreas comunitárias e das reservas técnicas.

Setor Agrovila Quantidade

de famílias

Área/ ha Áreas

Comunitárias/ ha

Reservas Técnicas (para unidades industriais, para

parques florestais etc)

A 1ª 85 155,6720 9,5471 322,5340

B 2ª 92 166,8800 9,2000 360,2000

C 3ª 90 166,1600 8,8000 387,5258

D 4ª 115 210,0400 9,2000 301,6090

E 5ª 117 209,8800 13,2000 432,3000

F 6ª 138 250,3200 13,2000 412,2000

G 7ª 136 245,4400 16,6400 486,4400

H 8ª 133 240,2800 16,1200 491,9600

I 9ª 96 173,7600 8,4000 151,0400

Quadro 1– Projeto Terranova: contabilidade fundiária das agrovilas (Fonte: Elaboração própria com base no texto do Projeto Terranova I, 1978, p. 79).

Em fins de 1982, o INCRA assentou mais um núcleo, ocupando o Setor H, chamado de 10ª Agrovila, eram 160 famílias de posseiros que ocupavam desordenadamente uma área destinada a receber 180 agricultores desalojadas de uma reserva indígena do município de Barra do Garças.

Dentre as construções desse núcleo de apoio havia: escritório de administração; armazém de subsistência; alojamento e cantina; galpão e oficinas; residências funcionais; depósito e almoxarifado e ambulatório médico e dentário. Localizava-se na Agrovila Esteio, hoje denominada Nonoai do Norte e apelidada de “Sede Velha”, por constituir as primeiras instalações da Cooperativa. Devido a incidência de muitas doenças, principalmente a malária, a COOPERCANA construiu um hospital provisório.

De acordo com as diretrizes do Projeto Terranova (1978, p. 29), o crédito para a compra dos lotes era de até 100% do valor do lote, para pagamento no prazo de 14 anos, com carência de quatro anos, a taxa de juros de 12% ao ano, sem correção monetária. A garantia era a hipoteca do lote e o instrumento era a escritura de compra e venda com contrato de abertura de crédito. Os colonos fizeram o financiamento para a aquisição do lote agrícola, com as benfeitorias, as ferramentas e implementos agrícolas para ajuda de custo nas lavouras anuais, mediante o sistema de crédito fundiário pelo Banco do Brasil, através do PROTERRA.

Além do contrato, o parceleiro deveria: assinar uma declaração que estava ciente das exigências legais e regulamentos estabelecidos pelo INCRA; residir com a família no lote; explorar a parcela rural com mão de obra familiar; não arrendar, não transferir e negociar o lote, além de cumprir os regulamentos editados pelo INCRA e pela COOPERCANA.

Sobre o Programa Terranova, a COOPERCANA afirmava que era um empreendimento no sistema cooperativo sobre o qual não se visava lucros nem participação de caráter empresarial, pois conforme se constata no texto do Projeto Terranova I (1978, p.

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183), “a execução deste empreendimento tem uma motivação sócio-política que prepondera sobre os enfoques econômicos”.

Dessa forma, o modelo de colonização realizado contribuiu para a formação de muitas comunidades no meio rural configurada em torno da agricultura familiar. De acordo com o Censo Demográfico do IBGE de 2007, a população de Terra Nova do Norte é de 14.584 mil habitantes, das quais 60% da população são residentes da zona rural. Essa representação é confirmada com a grande quantidade de comunidades rurais, perfazendo um total de 48 no município, conforme o mapa:

Mapa 1- Localização das comunidades rurais (Fonte: elaboração própria com base no mapa do município).

3. A recriação sociocultural nas comunidades rurais

O processo de ocupação do espaço rural em Terra Nova do Norte a partir das agrovilas resultou no surgimento de vários bairros rurais. Esses lugares foram se materializando através da construção social das realidades locais. Na medida em que os espaços foram ocupados, os grupos se apropriaram dos recursos disponíveis, adaptando-se ao local.

O migrante transformou-se em colono que, através da luta cotidiana, carrega a bagagem cultural herdada no processo de formação da comunidade e da organização produtiva baseada no modelo familiar. Assim, recriaram uma identidade territorial com diferentes grupos sociais, consolidando movimentos de base popular em um espaço regional que valoriza os símbolos identitários (tradição, cultura, valores, língua, religião). Pois,

Em relação aos migrantes vindos do meio rural do Sul do país e assentados no norte de Mato Grosso pode-se fazer a seguinte análise ou observações: a migração para estas famílias constitui algo dramático em função das perdas numerosas que implica: pessoas, lugares, culturas, costumes, trabalho etc., aos quais estão ligados lembranças e afetos que nestes momentos são intensificados e têm que ser abandonados forçosamente. Tal multiplicidade e simultaneidade de perdas repercutem na realidade interna do indivíduo ou da família de forma mais ou menos intensa, chegando a colocar em risco a própria identidade e a possibilidade de reconstruir a vida no novo habitat (SCHAEFER, 1958, p. 159).

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Como forma de manter os colonos no projeto de colonização, a Cooperativa organizou em torno das agrovilas a assistência social e recreativa nos moldes das regiões de onde vieram. Ela editava o Boletim Informativo Coopercana (1978), manual de informações relacionado às atividades da Cooperativa que era enviado aos associados e todas as pessoas que faziam parte da comunidade, com o seguinte lema: “Cooperativa – realização de todos no esforço de cada um”.

Em 1979, a COOPERCANA criou um Grupo de Ação de Liderança – GAI, formado por uma equipe para ampliar um programa de desenvolvimento comunitário com eleição de líderes em cada agrovila e, com isso, formava ma rede de lideranças locais, como a direção da Igreja, do grupo de jovens, da organização do culto aos domingos entre outras.

Nesse sentido, a forma de organização sociocultural, desde o início da ocupação nas comunidades rurais, é destacada por Souza e Hespanhol (2010, p, 177) como sendo “adaptação ao meio que definiram os pilares da construção dos povoados e núcleos. Partindo de alguns valores tais como: crenças, usos e costumes, cotidiano, lazer e descendência”.

Assim,

Para os que resistem e vencem aos poucos vai ocorrendo um ajustamento ali, outro acolá, as adversidades são superadas com coragem, e a família começa a criar novas raízes. Nas regiões aqui analisadas, a religião tem uma função muito importante de integração, de auxílio no enraizamento das famílias. Em todos os lugares existem pequenos salões, igrejinhas construídas pelo próprio povo, onde os recém-chegados são acolhidos, onde amigos são reencontrados. [...] A religião tem assim uma função muito importante de integração para as famílias. Deus passa a ocupar um lugar todo especial quando não se pode recorrer muito aos homens, devido ás distâncias, adversidades em geral. As festas religiosas ocupam um lugar muito importante na vida das famílias que moram espalhadas nas matas. Não existe lazer e ele deve ser recriado (SCHAEFER, 1958, p. 160).

De acordo com Schaefer (1985, p. 247), a escola e a Igreja “costumavam ser as primeiras construções com finalidades comunitárias entre os colonos, cada comunidade com seu padroeiro, dirigentes, coordenadores etc.”.

A religião passou a ser utilizada como um ponto de segurança dos migrantes, pois, segundo Schaefer (1985, p. 202), a Igreja é um dos meios para recorrer, em um lugar sem recursos. Como o autor destaca, “um mundo ainda meio misterioso, ainda não dominado, aproxima o homem mais de Deus”.

Com relação à escola, esta se configurou com vários significados além do educacional. Tornou-se também responsável pela formação de uma identidade recriada e reconstruída a cada dia a partir do espírito de patriotismo demonstrado em homenagens cívicas pelos alunos e professores. No início, em algumas agrovilas, as escolas foram improvisadas debaixo das árvores.

Quanto ao lazer, este se mesclava com o jogo de bocha, o tiro de laço, o jogo de futebol, joga de malha de mesa, os bailes e as matinês dançante.

No entanto, o contexto sociocultural na agrovila girava em torno do centro comunitário. Por meio de rezas, das festas e dos jogos desenvolveu-se uma organização de líderes locais. Verifica-se em fotografias da época a constituição dessa identidade cultural, como se pode observar:

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FOTO 2 – Festa com os colonos em trajes típicos (Fonte: arquivo particular).

Quanto à dinâmica das relações socioculturais, estas hoje são ainda mantidas nas agrovilas e comunidades rurais. Porém, as festas ainda giram em torno do salão de baile e da igreja. É comum as festas de domingo com a programação de missa pela manhã, seguido de jogo de futebol ou tiro de laço, almoço e a tarde matinê dançante. Não só os moradores locais participam como também as comunidades próximas e da cidade prestigiam o evento.

Portanto, as festas típicas nas comunidades, que atualmente ocorrem em Terra Nova do Norte expressam as características semelhantes desde o início da formação das agrovilas, como, por exemplo, o convite no folheto a seguir:

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FOLHETO 1 – Convite de festa em comunidade rural de Terra Nova do Norte (Fonte: arquivo da autora).

Todo ano, no início do mês de julho, acontece a “Festa dos Pioneiros” realizada pela Paróquia Nossa Senhora Aparecida, em homenagem aos migrantes pioneiros do município. O Centro de Tradições Gaúchas – CTG de Terra Nova do Norte, denominado “Querência Nova”, promove bailes típicos, curso de danças sulista, competições esportivas como o jogo de bocha, o tradicional churrasco gaúcho e a missa crioula. É uma maneira de manter alguns costumes gauchescos fora do Rio Grande do Sul. Os migrantes provenientes de outros estados do Brasil que residem em Terra Nova do Norte participam também das festividades.

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FOTO 3 – Festa do CTG “Querência Nova” de Terra Nova do Norte em 2008 (Fonte: arquivo da autora).

No mês de setembro é realizada a Mateada, para comemorar as lembranças da Semana Farroupilha no Rio Grande do Sul com vários tipos de apresentações culturais. Desta maneira, a cultura gaúcha, nas suas mais diversas manifestações (chimarrão, churrasco, música etc.) é incorporada por todos aqueles que se identificam como gaúchos.

Portanto, a abordagem da identidade sociocultural do espaço historicamente construído resultou na formação de um espaço rural ainda modelado pelos princípios de sua ocupação e processo produtivo.

Assim,

Os bairros rurais surgem como resultado da efetiva produção do espaço local, o trabalho nele exercido e a transformação cotidiana do meio natural e continuidade de vida. O trabalho com a lavoura, a busca de melhores condições de sobrevivência, a manutenção da propriedade através da herança e compra de mais terras, também se constituem em elementos motivadores para o deslocamento (SOUZA e HESPANHOL, (2010, p, 177).

4. A configuração das atividades econômicas

Tendo em vista a trajetória histórica de Terra Nova do Norte, sua economia sempre esteve pautada na agropecuária e passou por três fases distintas: a primeira data do início da colonização, a partir de 1979, quando a agricultura de subsistência foi expressiva com as lavouras formadas após a derrubada da mata e os cultivos realizados de forma manual. O fornecimento de produtos para alimentação e mercadorias para a família do colono era realizado pela COOPERCANA, que controlava em uma caderneta de papel timbrado da Cooperativa a entrega dos produtos de abastecimento.

Nessa primeira fase, o planejamento agrícola aos colonos foi proposto pela Cooperativa, através de seu departamento técnico, que também auxiliava o manejo e o

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controle do fornecimento dos insumos agrícolas, bem como o acesso e orientação do crédito rural. De acordo com Santos (1993, p. 145), “a empresa pública de extensão rural, a EMATER, que abriu um escritório em Terranova desde o começo do Programa”. Mas segundo os colonos, não foi de muita ajuda.

FOTO 4 - Sede da cooperativa COOPERCANA no Projeto Terranova em 1979 (Fonte: arquivo particular).

Para o modelo pioneiro de exploração do lote, foram selecionados para o plantio de culturas temporárias o arroz, o milho e o feijão, porém o colono poderia fazer outra opção de cultura temporária. Dessa maneira, essas culturas foram a sustentação do colono nos cinco primeiros anos de abertura e desmatamento. Devido ao caráter emergencial do Projeto Terranova, os estudos de capacidade de uso do potencial agrícola não foram detalhados.

Os principais produtos plantados no início foram o arroz e o milho. No entanto, conforme pontua o colono C: “nós entregava a produção na cooperativa, que ficava depositado e acabava estragando”. Isso aconteceu de fato, devido a dificuldade de escoamento, uma vez que a rodovia até Cuiabá não era pavimentada e na época das chuvas gastavam-se muitos dias de viagem. O colono D destacou outro problema em relação à produção, “o preço da lavoura colhida era muito baixo, e nem dava para pagar os gastos”.

Na primeira fase do Projeto, os colonos vendiam o arroz e o milho para a COOPERCANA e, conforme relatou em entrevista o colono E: “a cooperativa paga um preço muito baixo para nossa produção”.

Em contrapartida, inúmeros entrevistados disseram que muitos colonos não tinham vocação agrícola e adquiriram o lote pela facilidade concedida. Contou-nos um funcionário de assistência técnica da Cooperativa que foi dado a um colono plantar cinco quilos de feijão e ele o usou como refeição para sua família.

A exploração madeireira foi comercializada no momento da abertura dos lotes, onde a Cooperativa instalou uma serraria no núcleo de apoio para viabilizar o aproveitamento da madeira.

A segunda fase foi o período em que os colonos assentados no Projeto Terranova, movidos pela dificuldade financeira, buscaram alternativas de sobrevivência no garimpo,

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passando a se dedicarem a extração do ouro, a partir de 1983, nas proximidades do vale do rio Peixoto de Azevedo. Para Santos (1993, p. 142), “com a atividade garimpeira o colono não deixou de ser agricultor e o dinheiro conseguido na extração do ouro ajudou a pagar as dívidas com o banco”. Os colonos garimpeiros enfrentaram todas as dificuldades, como as precárias condições de moradia e o grande surto de malária que provocou muitas mortes.

Foi um período que elevou o número de habitantes no município de Terra Nova do Norte, chegando a ter quase 30 mil habitantes. Também dinamizou o comércio local com inúmeras farmácias, hospitais, mercados, oficinas, casas de venda de material para garimpo entre outros.

No entanto, essa euforia foi efêmera, pois, em 1990, veio o Plano Collor e o preço do ouro despencou e o município de Terra Nova do Norte sentiu maciçamente o refluxo populacional. O lucro da circulação da época do garimpo beneficiou poucos, notadamente os comerciantes locais. Atualmente, vê-se resquícios de algumas construções abandonadas da época do garimpo no núcleo urbano de Terra Nova do Norte.

A terceira fase consistiu na retomada da atividade agropecuária quando a Cooperativa Agropecuária Mista Terranova Ltda - COOPERNOVA iniciou suas atividades com a pecuária leiteira a partir de 1991. Com relação à COOPERNOVA, seu surgimento está ligado ao desmembramento da COOPERCANA, em 1987. De acordo com as entrevistas realizadas com os proprietários rurais atuais e dirigentes da COOPERNOVA, o desmembramento ocorreu tendo em vista que os associados da COOPERCANA das Unidades Terranova, Nova Guarita e Norberto Schwantes dificilmente participavam das decisões tomadas pela matriz em Barra do Garças, distante 1.300 Km de Terra Nova do Norte.

No início, a COOPERNOVA era composta por 201 associados originários do Projeto de Colonização Terranova I e II, conforme dados do Catálogo COOPERNOVA (2007) e, nicialmente, atuava no recebimento, secagem e armazenamento de produtos agrícolas, principalmente o arroz e o milho, comercializados com o governo federal através do Ministério da Agricultura.

Atualmente, a COOPERNOVA tem sua área de atuação nos municípios de Terra Nova do Norte, Nova Guarita, Colíder, Nova Santa Helena, Peixoto de Azevedo, Matupá e Guarantã do Norte, sendo em sua maioria, cerca de 98%, agricultores familiares, cujas propriedades fazem parte de diversos assentamentos do INCRA na região, totalizando em dezembro de 2008 o número de 2.321 associados, segundo dados do histórico no site COOPERNOVA AGROINDUSTRIAL (2010).

A bacia leiteira integra o Consórcio Intermunicipal Portal da Amazônia, cuja cadeia produtiva consiste na industrialização de laticínios com a fabricação do queijo mussarela, queijo prato, queijo provolone, queijo coalho, doce de leite, requeijão cremoso, manteiga e creme de leite industrial.

Segundo o Catálogo COOPERNOVA (2008), Em 2002, a Cooperativa iniciou o projeto de fruticultura com o cultivo de frutas tropicais e típicas da região amazônica como forma de diversificar e proporcionar opções de geração de renda. São cultivadas, em ordem de importância, maracujá, caju, manga, acerola, cupuaçu, abacaxi, tamarindo, goiaba, graviola, açaí, taperebá ou cajá, processadas na forma de polpas, além da produção da castanha de caju.

Baptista (2009, p. 48)

O sistema da cooperativa, que vale para outros produtos como polpa de fruta e castanha de caju, é o seguinte: ela define um preço mínimo a ser pago ao produtor

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(que só pode vender para a própria Coopernova), processa a matéria-prima, cuida da comercialização e, depois de descontados os custos, o cooperado recebe mais de acordo com os preços obtidos no mercado.

O parque agroindustrial da COOPERNOVA é constituído de indústria de laticínios, fábrica de ração e suplementos minerais, indústria de beneficiamento de frutas com o objetivo de beneficiar e industrializar a produção da região.

Os produtos são comercializados no estado de Mato Grosso, nos estados da região sudeste, sul e em alguns estados da região nordeste, sendo os principais mercados os estados do Rio de Janeiro e São Paulo.

FOTO 5 – Produtos derivados do leite da COOPERNOVA (Fonte: www.coopernova-mt.com.br).

Também a COOPERNOVA possui viveiro de mudas, cujo funcionamento se dá em parceria com a Prefeitura Municipal de Terra Nova do Norte e a Comissão Executiva do Plano Cacaueiro – CEPLAC, do Ministério da Agricultura. Produzem mudas frutíferas e para reflorestamento um viveiro, as mudas são utilizadas nos projetos de fruticultura com variedades e clones fornecidas pela EMBRAPA.

Com base nas entrevistas com dirigentes da Cooperativa, a COOPERNOVA desenvolve, paralelo as suas atividades, os seguintes programas: de inseminação artificial, de correção de solo, de mecanização agrícola, de recuperação de pastagens, de perfuração de poços artesianos, apoio à saúde e a bolsas de estudo.

Os associados têm à disposição duas unidades para recebimento, secagem e armazenamento, principalmente de arroz e milho, e contam com um Departamento Técnico composto por técnicos agrícolas, médico veterinário, engenheiro agrônomo, em que a Cooperativa elabora projetos técnicos para custeio e investimento através de convênio com o Banco do Brasil.

Estão instaladas na cidade de Terra Nova do Norte e Nova Guarita lojas para atendimento aos associados com o fornecimento de bens de produção e insumos utilizados nas propriedades nas atividades agrícolas e pecuárias.

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Quanto à incorporação de tecnologia dos agricultores familiares, constatou-se que metade dos produtores de leite possui resfriadores e muitos utilizam a ordenha mecânica, porém, a maioria conta com poucos recursos para ampliar o investimento na produção.

Portanto, consideramos que,

A configuração sócio-espacial das comunidades foi estabelecida de acordo com as forças produtivas e ressurgem a cada tempo com novas características, o que depende, efetivamente, do grau de capitalização, da inserção da técnica, do vigor do mercado e das transformações gerais sofridas pelos grupos. [...] Assim, foram estabelecidas relações de proximidade e submissão, como também de independência e de construção de identidades (SOUZA e HESPANHOL, (2010, p, 176).

4.1 Produção orgânica em Terra Nova do Norte

No município de Terra Nova do Norte está localizada a Cooperativa de Agricultores Ecológicos do Portal da Amazônia – COOPERAGREPA, inaugurada em agosto de 2003 com a produção orgânica de laticínios, frangos, mandioca, verduras, doces, frutas, café, castanha do Brasil, guaraná em pó, açucar mascavo e melado. Possui a marca BioAgrepa, marca dos produtos orgânicos da COOPERAGREPA presentes na merenda escolar e nos pequenos supermercados.

Conforme pontua Olival (2005),

A COOPERAGREPA é uma cooperativa recente e que faz parte do programa Vida Rural Sustentável, coordenado pelo SEBRAE. Atua na área de produção orgânica e envolve atualmente cerca de 300 famílias em 10 municípios do Portal da Amazônia, atuando na área de café, açúcar mascavo, rapadura, leite, mel entre outras atividades.

Segundo o site da BioAgrepa (2009), no ano de 2004, a Cooperagrepa e seus sócios receberam o primeiro Certificado de Produtos Orgânicos, da certificadora ECOCERT Brasil. Nesse mesmo ano, com apoio do MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário, a Cooperagrepa apresentou seus produtos certificados na BioFach América Latina, realizada na cidade do Rio de Janeiro e em 2005 participou da BioFach Alemanha.

Foi a partir da divulgação e participação da Cooperagrepa nessas duas feiras que teve início os primeiros contatos com a Multikraft – Áustria, empresa parceira na concretização da primeira exportação da Cooperagrepa, porém, de acordo com seus dirigente, o problema maior é a pouca produção para atender a demanda para exportar.

Com referência à produção de orgânicos em Terra Nova do Norte, destaca-se o melado e rapadura de cana-de-açúcar na Comunidade São Roque, com 10 famílias associadas e na Comunidade Miraguaí, com 15 famílias associadas. Com o leite na Comunidade Xanxerê, com 9 famílias associadas e a produção de mandioca na Comunidade Novo Progresso, com10 famílias associadas.

De acordo com a BioAgrepa (2009), a COOPERAGREPA conquistou os seguintes prêmios: Prêmio Chico Mendes de Meio Ambiente – 1º Lugar na Categoria Negócios Sustentáveis em 2005; Prêmio Valores do Brasil – 1º Lugar na Categoria Bioma Amazônia em 2008 e Prêmio FINEP de Inovação Tecnológica – 3º Lugar na Categoria Pequenas Empresas em 2008.

Em maio de 2010, a COOPERAGREPA participou do 5º Salão do Turismo, em São Paulo e, conforme destaca Teixeira (2010), “a COOPERAGREPA é a única associação mato-grossense selecionada pelo Ministério do Turismo neste ano para levar seus produtos ao

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mercado da agricultura familiar no evento”.

FOTO 6 – Produtos orgânicos da COOPERAGREPA (Fonte: www.bioagrepa.com).

A alternativa para a produção orgânica no município representa uma oportunidade de geração de renda aos agricultores familiares a longo prazo, pois há necessidade de se avançar na mobilização e organização social, ter uma produção em escala maior e um apoio logístico para atingir o mercado, conforme destaca o site BioAgrepa (2009).

Nesse contexto, ressalta-se que os agricultores familiares encontram dificuldades para a sua reprodução social no meio rural. Entretanto, uma parte tem resistido e, aos poucos, conseguido incorporar certas inovações às atividades agropecuárias, outros têm procurado alternativas de renda por meio do desenvolvimento de novas atividades como a fruticultura e a produção orgânica.

No caso deste estudo, o município de Terra Nova do Norte é destacado no Território Portal da Amazônia por Olival (p.74, 2005), com alguns bons exemplos de cooperativismo, como o caso da Cooperativa COOPERNOVA) e da Cooperativa COOPERAGREPA.

Portanto, a relação de sociabilidade nas comunidades rurais e o trabalho com a terra, presentes desde os primórdios da colonização do município de Terra Nova do Norte, esboçam um conjunto de relações que envolvem expectativas e sobrevivência, traz aspectos simbólicos e materiais que definem a reprodução do espaço e a distribuição do capital social.

5. Considerações finais

Ao se abordar o tema da colonização em Terra Nova do Norte foi possível compreender a configuração do espaço rural com a formação de muitas comunidades rurais, cuja sociabilidade é caracterizada por uma rede de ações e relações composta por elementos simbólicos e materiais do local, fruto do seu processo histórico pautado na expansão da fronteira capitalista na região.

Com o estudo verificou-se a organização sociocultural da população rural em torno da comunidade a que pertence desde os primórdios da ocupação da terra, permeada pelas etapas da atividade econômica que ocorreu no município à consolidação da pecuária leiteira.

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Dessa forma, o presente estudo pretendeu contribuir com a discussão em torno do desenvolvimento local na dinâmica da agricultura familiar, levando em consideração a análise sociocultural e produtiva da população.

Portanto, a pesquisa, na medida em que permitiu entender o processo de ocupação da região, possibilita-nos ilustrar primeiro, que as comunidades rurais constituem identidades comuns a partir da recriação sociocultural dos migrantes; segundo, apesar das transformações no processo produtivo, constatou-se a grande dependência dos produtores para com as cooperativas locais; terceiro, persiste um grau de baixa capitalização de investimentos dos agricultores familiares para aumentar sua produção; quarto, há sinalização, pela busca de alternativas, com a diversificação de outras atividades e com a agricultura orgânica que possam promover um desenvolvimento local endógeno.

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