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1 Políticas Energéticas para a Sustentabilidade 25 a 27 de agosto de 2014 Florianópolis SC ANÁLISE DA INSERÇÃO DA MICRO E MINIGERAÇÃO EÓLICA E SOLAR NO BRASIL E PROPOSTAS DE AÇÕES PARA DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DO SETOR Daniel Tavares Cruz 1 Eliane Aparecida Faria Amaral Fadigas 2 RESUMO Este artigo apresenta um estudo sobre a micro e minigeração de energia elétrica no Brasil, explicando o atual cenário, regulações e incentivos vigentes, capacidade tecnológica em sistemas fotovoltaicos e eólicos de pequeno porte (tecnologias com maior potencial de instalação), o mercado profissional, a percepção da população brasileira diante deste novo conceito e as barreiras que dificultam o desenvolvimento do setor, possibilitando ao leitor o desenvolvimento de visão ampla e crítica sobre a área. Em sua parte final, o trabalho apresenta propostas de possíveis ações aos setores públicos e privados que, se desenvolvidas, poderão contribuir na formação de ambiente favorável para o desenvolvimento sustentável do setor no país. Palavras-chave: Microgeração, Minigeração, Geração Distribuída, Políticas Públicas. 1 Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Av. Prof. Luciano Gualberto, Travessa 3, nº 158, São Paulo/SP. CEP: 05508-900. Tel.: (11) 96314-6685. E-mail: [email protected]. 2 Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Av. Prof. Luciano Gualberto, Travessa 3, nº 158, São Paulo/SP. CEP: 05508-900. Tel.: (11) 3091-5278. E-mail: [email protected].

Análise Da Inserção Da Micro e Minigeração Eólica e Solar No Brasil e Propostas de Ações Para Desenvolvimento Sustentável Do Setor

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Políticas Energéticas para a Sustentabilidade

25 a 27 de agosto de 2014

Florianópolis – SC

ANÁLISE DA INSERÇÃO DA MICRO E MINIGERAÇÃO

EÓLICA E SOLAR NO BRASIL E PROPOSTAS DE AÇÕES

PARA DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DO SETOR

Daniel Tavares Cruz 1 Eliane Aparecida Faria Amaral Fadigas2

RESUMO

Este artigo apresenta um estudo sobre a micro e minigeração de energia elétrica no

Brasil, explicando o atual cenário, regulações e incentivos vigentes, capacidade

tecnológica em sistemas fotovoltaicos e eólicos de pequeno porte (tecnologias com maior

potencial de instalação), o mercado profissional, a percepção da população brasileira

diante deste novo conceito e as barreiras que dificultam o desenvolvimento do setor,

possibilitando ao leitor o desenvolvimento de visão ampla e crítica sobre a área. Em sua

parte final, o trabalho apresenta propostas de possíveis ações aos setores públicos e

privados que, se desenvolvidas, poderão contribuir na formação de ambiente favorável

para o desenvolvimento sustentável do setor no país.

Palavras-chave: Microgeração, Minigeração, Geração Distribuída, Políticas Públicas.

1 Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Av. Prof. Luciano Gualberto, Travessa 3, nº 158,

São Paulo/SP. CEP: 05508-900. Tel.: (11) 96314-6685. E-mail: [email protected].

2 Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Av. Prof. Luciano Gualberto, Travessa 3, nº 158,

São Paulo/SP. CEP: 05508-900. Tel.: (11) 3091-5278. E-mail: [email protected].

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ABSTRACT

This article presents a study about the micro and mini electricity generation sector in

Brazil, explaining the current scenario, prevailing regulations, incentives, current

technological capability in photovoltaic and small wind generation systems (technologies

with higher installation potential), the professional market, the Brazilian population

perception on this new concept and the barriers that hinder the development of the sector,

enabling the reader to develop a broad and critical view of the area. In its final part, the

paper proposes possible government and private actions that, if developed, can contribute

on creating a favorable environment to a sustainable development of the sector in the

country.

Keywords: Microgeneration, Minigeneration, Distributed Generation, Public Policy

1. INTRODUÇÃO

A humanidade encontra-se numa fase de transição entre o modelo econômico

atual, baseado em fontes energéticas derivadas dos combustíveis fósseis, e a criação de

um modelo sustentável para uma população com crescente demanda energética, que

necessita de soluções para a crise climática e que possui previsão de menor

disponibilidade de expansão da geração centralizada em médio prazo.

Neste cenário, a micro e minigeração se apresenta como uma possível solução

para complementar o fornecimento de energia elétrica, gerando a energia próxima ao

local de consumo através de fontes renováveis, entre elas, a solar fotovoltaica e a eólica.

Em nosso país, o principal marco de regulação sobre este assunto até o momento

é a emissão da Resolução nº 482 pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), em

abril de 2012, que estabelece as condições gerais para o acesso de micro e minigeração

aos sistemas de distribuição de energia elétrica e o Sistema de Compensação de Energia

Elétrica, que permite ao consumidor injetar a energia excedente de sua autoprodução na

rede da distribuidora local, gerando créditos para uso futuro. Entretanto, dois anos após o

marco inicial disposto por esta resolução, observa-se, em 2014, que o país possui

aproximadamente apenas uma centena de micro ou minicentrais conectadas à rede

dentro de um universo de 69 milhões de consumidores.

A curva de aprendizagem do setor é acelerada globalmente. Como o crescimento

do setor no Brasil é tímido, pode-se considerar que o país atravessa um atraso relativo,

comprometendo seu posicionamento. Neste setor de micro e minigeração, o fator de

escala produtiva possui importância fundamental, assim, um bem sucedido programa de

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incentivos deverá possibilitar uma melhor atratividade do conceito para criação de escala,

viabilizando a adoção desta alternativa pelos consumidores e impulsionando a indústria

nacional.

2. CONJUNTURA DA MICRO E MINIGERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA NO BRASIL

A atividade de micro e minigeração de energia elétrica no Brasil está inserida num

contexto energético, de regulações, incentivos e agentes econômicos conforme a seguir.

2.1 Cenário

O Plano Decenal de Expansão de Energia 2022, elaborado pelo Ministério de

Minas e Energia (MME) e Empresa de Pesquisa Energética (EPE) (2013), prevê uma taxa

de crescimento do consumo de energia de 4,2% ao ano entre 2013 e 2022, o que

implicará na necessidade de expansão da capacidade instalada do sistema elétrico

brasileiro na ordem de 3 GW ao ano.

De acordo com Filho (2013), espera-se que, em médio prazo, ocorra o

esgotamento do potencial hidrelétrico nacional aproveitável de 160 a 180 GW. Assim,

outras fontes energéticas, entre elas as renováveis para micro e minigeração, deverão

aumentar suas participações na matriz elétrica brasileira.

O Brasil é país rico em fontes potenciais para o setor, sendo o terceiro país com

maior insolação entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento e com áreas

potenciais para geração de energia por sistemas eólicos.

Por estes motivos, propiciar as bases necessárias para o desenvolvimento desta

indústria constitui uma necessidade e vocação natural do país.

2.2 Regulações Vigentes

Compete à ANEEL, fundamentalmente, exercer a regulação e fiscalização sobre a

geração, transmissão, comercialização e distribuição de energia elétrica no país,

buscando harmonizar os interesses do Estado, dos agentes e dos consumidores. A partir

de Abril de 2012, regulações para as operações relacionadas à geração e ao acesso à

rede de energia proveniente de micro e minigeração começaram a entrar em vigor.

2.2.1 ANEEL nº482/12

Após consolidação de ampla discussão através de consulta pública e estudo das

experiências internacionais na adoção de políticas incentivadoras à geração distribuída,

dentre as quais se destacam a Tarifa Prêmio (Feed-In Tariffs) e o Sistema de

Compensação de Energia (Net Metering), a Resolução Normativa nº 482 da ANEEL foi

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aprovada, estabelecendo as condições técnicas e comerciais para o acesso de micro e

minigeração distribuída nas redes de distribuição de energia elétrica e criando o Sistema

de Compensação de Energia Elétrica, no qual a energia ativa injetada na rede de

distribuição pela unidade consumidora que adere ao sistema é cedida a título de

empréstimo gratuito para a distribuidora, passando a unidade consumidora a ter um

crédito em quantidade de energia ativa por 36 meses.

2.2.2 – ANEEL - PRODIST – Seção 3.7

Os Procedimentos de Distribuição de Energia Elétrica no Sistema Elétrico Nacional

(PRODIST) foram atualizados com a adição da Seção 3.7, que descreve os

procedimentos para acesso de micro e minigeração distribuída ao sistema de distribuição,

incluindo os critérios técnicos e operacionais das instalações e as etapas e prazos a

serem atendidos por distribuidoras e consumidores quando da solicitação de acesso ao

Sistema de Compensação de Energia Elétrica.

2.2.3 – ANEEL nº493/12

Estabelece os procedimentos e as condições de fornecimento de energia elétrica

por meio de sistemas individuais de geração de energia e através de minirredes, sistemas

de geração e distribuição de energia elétrica com potência instalada total de até 100 kW que,

por motivos de ordem técnica, econômica ou ambiental, não podem ser interligados aos

atuais sistemas das concessionárias.

A publicação desta resolução é importante para o objetivo de universalização do

acesso à energia elétrica no Brasil, possibilitando a realização de programas de energia

alternativa para comunidades isoladas ao estabelecer as regras, direitos e deveres dos

consumidores e das distribuidoras.

2.2.4 – ANEEL nº 502/12

Esta resolução estabeleceu os requisitos para os sistemas de medição de energia

elétrica aos consumidores do Grupo B, de forma que proporcionem uma série de

benefícios, como maior eficiência no consumo, a possibilidade de atendimento remoto

pela concessionária e a criação das condições para a microgeração distribuída.

2.2.5 – Normas ABNT

A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) definiu o procedimento de

ensaio de anti-ilhamento para inversores de sistemas fotovoltaicos conectados à rede

elétrica através da ABNT NBR 62116:2012 e os requisitos e procedimentos de inspeção

da conexão entre tais sistemas e a rede através das normas ABNT NBR 16149:2013 e

ABNT NBR 16150:2013.

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2.3 Programas de Incentivos

O setor conta com programas de incentivos para o seu desenvolvimento

tecnológico e econômico, promovidos por instituições governamentais e privadas.

2.3.1 - Plano Inova Energia – FINEP e BNDES

Este programa, realizado pela Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e pelo

Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), dentre outras ações,

selecionou planos de negócios em soluções para a cadeia fotovoltaica, apoiando o

desenvolvimento de tecnologias para produção de silício purificado em grau solar e para a

produção de inversores e equipamentos aplicados aos sistemas de microgeração.

2.3.2 – Fundo Clima – BNDES

Visa financiar investimentos que tenham como objetivo a mitigação das mudanças

climáticas. Na área de energia, o programa apoia projetos de desenvolvimento

tecnológico de fontes renováveis e outros voltados à micro e minigeração por sistemas

isolados.

2.3.3 – P&D Estratégico - ANEEL

Em 2011, a ANEEL lançou programa de pesquisa e desenvolvimento (P&D)

denominado “Arranjos Técnicos e Comerciais para Inserção da Geração Solar

Fotovoltaica na Matriz Energética Brasileira”. O objetivo é que os projetos selecionados

aumentem o conhecimento da tecnologia pelos diversos agentes envolvidos, reduzindo a

sua barreira de penetração e contribuindo no desenvolvimento tecnológico e de serviços.

2.3.4 - Instituto IDEAL

O Instituto para o Desenvolvimento de Energias Alternativas na América Latina

(IDEAL) realiza ações para promover a microgeração de energia. Entre estas ações, o

Projeto 50 Telhados é executado por empresas instaladoras de diversas cidades do país

que possuem o objetivo de alcançar a meta de instalar cinquenta telhados fotovoltaicos

em um prazo de dois anos como forma de divulgação do conceito. Já o Fundo Solar, em

parceria com a Grüner Strom Label (Selo de Eletricidade Verde da Alemanha) provém

recursos para incentivar a microgeração distribuída no Brasil através de apoio financeiro a

consumidores residenciais e comerciais para a instalação de geradores fotovoltaicos.

2.4 Percepção dos brasileiros sobre a Micro e Minigeração de Energia

Uma pesquisa foi desenvolvida em nível nacional por (Greenpeace e Market

Analysis, 2013) para explorar o conhecimento e as atitudes da população brasileira em

relação à micro e minigeração de energia, obtendo dados importantes:

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Apenas 28% dos entrevistados afirmaram ter algum conhecimento sobre o tema;

91% apresentaram boa receptividade e estão interessados em saber mais sobre o

assunto, percebendo o tema como relevante;

73% questionam as vantagens econômicas da adoção da microgeração de energia

devido aos custos de instalação;

43% dos brasileiros mostram alguma disposição a investir na instalação de um

sistema de microgeração de energia limpa; e;

71% afirmaram que adotariam o sistema se houvessem linhas de financiamento

adequadas disponíveis.

2.5 Capacidade Tecnológica

A capacidade tecnológica é um importante fator na determinação do

desenvolvimento de uma atividade econômica. Para os sistemas de micro e minigeração,

o país apresenta o seguinte ambiente tecnológico.

2.5.1 – Sistemas Fotovoltaicos de Pequeno Porte

O Brasil só possui tecnologia em nível laboratorial para realizar a purificação do

silício ao grau solar, utilizado na fabricação das células fotovoltaicas de silício cristalino, e

para a fabricação de células solares de filmes finos, preparadas através da deposição de

materiais semicondutores de baixa espessura. Seja qual for a tecnologia, a produção

doméstica neste segmento têm esbarrado na competição com os baixos custos da

produção asiática.

Atualmente, o Brasil possui tecnologia e algumas empresas atuando na montagem

de módulos fotovoltaicos, necessitando para isso importar as células fotovoltaicas de

silício cristalino ou de filme fino, além de comprar materiais de suporte, como vidro,

plástico e estruturas metálicas de indústrias nacionais.

2.5.2 – Sistemas Eólicos de Pequeno Porte

O Brasil possui poucas empresas atuando na fabricação e comercialização de

turbinas eólicas e equipamentos auxiliares voltadas para a geração de energia a partir de

sistemas de pequeno porte. Atualmente, estas empresas possuem poucos modelos

disponíveis e baixa escala de produção, reflexo do mercado ainda incipiente.

2.5.3 – Equipamentos Comuns aos Sistemas

Os inversores, equipamentos necessários nos sistemas de micro e minigeração

para acondicionamento da potência, possibilitando o consumo autônomo ou a conexão à

rede de distribuição, possuem processo produtivo similar aos de equipamentos

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eletrônicos para as áreas de informática, telecomunicações e geração de energia de

grande porte, o que tem feito alguns fabricantes nacionais estenderem suas linhas de

negócios, começando a produzir tais equipamentos. Entretanto, os inversores com maior

participação no mercado nacional são os importados.

Com relação a baterias, o Brasil possui diversos fabricantes instalados, porém os

modelos produzidos não atendem aos requisitos técnicos necessários para desempenho

ótimo dos sistemas de micro e minigeração, tornando a importação recomendada.

Os demais componentes dos sistemas de micro e minigeração, como cabos,

proteções e estruturas, possuem fabricação no Brasil, sendo que em alguns casos são

necessárias adaptações à linha de fabricação original para a utilização ser possível.

2.6 Mercado Profissional

O desenvolvimento do mercado de micro e minigeração de energia exige a

formação de mão de obra qualificada para a adequada realização de projetos, instalação,

manutenção e tratamento dos resíduos dos sistemas. O segmento de serviços

concentrará grande parte das oportunidades de atuação dos profissionais no mercado

doméstico, garantindo efeitos benéficos sobre as economias locais. Entretanto, o Brasil

possui déficit na formação de engenheiros e profissionais técnicos eletricistas, o que

dificulta a expansão do setor.

2.7 Perspectivas

O Plano Decenal de Expansão de Energia 2022, desenvolvido pelo MME e EPE

(2013), prevê que, em curto prazo, a micro e minigeração não deve ter grande

crescimento devido à queda nas tarifas de energia ao consumidor causada pela Medida

Provisória n° 579/2012, convertida na Lei n° 12.783/2013. Entretanto, mantendo-se a

tendência de queda nos custos da tecnologia, especialmente da fotovoltaica, e a

perspectiva de aumento das tarifas, a sua viabilidade deve ser maior nos próximos anos.

No horizonte decenal, estima-se que a micro e minigeração, permita reduzir o

consumo nacional em 1,9 TWh em 2022, equivalente a 219 MW instalados. O número é

baixo considerando o potencial de geração brasileiro, principalmente devido aos altos

índices de irradiação solar.

3. BARREIRAS AO DESENVOLVIMENTO DO SETOR

Através da análise da conjuntura da micro e minigeração no Brasil, apresentada no

tópico anterior, e de consultas a profissionais de distribuidoras, empresas projetistas,

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instaladoras e a consultores do setor energético, o estudo detectou prováveis barreiras ao

desenvolvimento desta atividade, que precisam ser avaliadas e solucionadas.

3.1 – Incertezas Comerciais e Técnicas das Distribuidoras de Energia

As incertezas nas proporções de crescimento da participação da micro e

minigeração na matriz elétrica nacional dificultam as projeções das necessidades de

contratação de energia nova pelas distribuidoras, realizadas com até cinco anos de

antecedência, de acordo com a atual regulação, o que aumenta o risco de realizarem

sobre contratação, impactando em possíveis multas e, consequentemente, no equilíbrio

financeiro das distribuidoras.

No aspecto técnico, questões como a qualidade da energia da rede de distribuição

resultante de uma ampla inserção da micro e minigeração e o nível de segurança do

sistema para manutenção, ou seja, a eficaz realização de desacoplamento de todas as

fontes de micro e minigeração da rede da distribuidora em caso de desligamento da rede,

conforme previsto nas resoluções normativas ANEEL nº 482 e no PRODIST Seção 3.7,

são incertezas que fazem as distribuidoras terem cautela com o conceito.

3.2 – Retorno Financeiro no Sistema de Compensação de Energia Elétrica

Os altos custos dos equipamentos, tanto nacionais quanto importados, estes

últimos analisados em trabalho da Câmera de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha

(2012), associados aos custos de projeto e instalação, tornam alto o investimento para

adoção dos sistemas de micro e minigeração. Considerando o modelo de Sistema de

Compensação de Energia Elétrica adotado no Brasil alinhado aos atuais níveis tarifários

praticados pelas distribuidoras de energia, os retornos financeiros das pequenas centrais

geradoras não se mostram atraentes aos consumidores.

3.3 - Tributação no Sistema de Compensação de Energia Elétrica

Embora a Resolução Normativa ANEEL nº 482/2012 informe que a relação entre a

energia injetada e a consumida pelo micro ou minigerador na rede da distribuidora seja de

compensação, a maioria das Secretarias de Fazendas Estaduais estão orientadas a

realizar cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre a

energia gerada pelo próprio consumidor. Assim, além dos atuais impasses financeiros e

técnicos para a viabilização da micro e minigeração, o retorno financeiro do consumidor é

prejudicado pela tributação incidente na energia gerada pelo próprio sistema.

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3.4 – Ausência de Regulação para Ilhamento

A Seção 3.7 do PRODIST não permite o ilhamento dos sistemas de micro e

minigeração. Atualmente, se houver desligamento da rede elétrica, o inversor do sistema

de geração distribuída deverá interromper tanto a injeção de energia na rede como a

alimentação das cargas do consumidor, ou seja, não é permitido que as pequenas

centrais de energia assumam a alimentação das cargas de forma independente.

Este procedimento torna os sistemas menos atrativos, uma vez que o consumidor

realiza um alto investimento em geração própria, porém continua dependente da rede de

distribuição, assim, com a mesma disponibilidade de atendimento.

4. PROPOSTAS PARA DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DO SETOR

A seguir, algumas propostas são apresentadas com o objetivo de promover

discussões e estudos para a melhoria do setor de micro e minigeração de energia.

4.1 Tarifa Diferenciada entre a Energia Injetada e a Consumida

A adoção de tarifa diferenciada para a energia injetada na rede, maior em

comparação com a consumida, dentro da política incentivadora de geração de crédito,

possibilitaria um melhor retorno financeiro para os investimentos em micro e minigeração,

incentivando um desenvolvimento do setor que leve à redução do custo de geração. Com

base no exemplo do mecanismo de tarifa prêmio adotado para incentivar o setor em

outros países, conforme apresentado em (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e

Eletrônica, 2012), a política incentivadora adotada no país poderia incluir contratos com

cláusulas claras sobre a redução das tarifas diferenciadas ao longo do tempo, baseadas

na evolução da competitividade das fontes adotadas nos sistemas de micro e

minigeração.

4.2 Criação de Projetos Padrão com Sistemas de Financiamento Específicos

Para facilitar a aprovação de financiamentos e, assim, gerar escala de utilização, o

governo poderia desenvolver modelo padrão de projeto para investimentos em

microgeração de energia, ou seja, modelo técnico-econômico aplicável aos vários perfis

de consumidores, oferecendo como parte do projeto o financiamento necessário, com

fundos específicos constantes do orçamento da união. O financiamento poderia oferecer

juros subsidiados, ter longo prazo para sua amortização e desenvolver mecanismo para

se utilizar os créditos obtidos pelos consumidores pela injeção da energia excedente na

rede das distribuidoras como parte da amortização da dívida.

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4.3 Dedução no Imposto de Renda

A permissão do governo para deduzir um percentual do valor investido em

sistemas de micro e minigeração no imposto de renda, obtendo significativo impacto no

custo nivelado de geração, tornariam os retornos financeiros da energia fotovoltaica e da

eólica de pequeno porte mais atraentes. Nos Estados Unidos, por exemplo, tal medida foi

importante para o sucesso do setor no país, sendo que as residências que investem em

geração local são elegíveis a um desconto de até 30% do valor investido.

4.4 Incentivos Fiscais para Indústrias e Prédios com Micro e Minigeração

A adoção de benefícios fiscais, como a redução de impostos aplicados a indústrias

que instalem sistemas de minigeração nas amplas coberturas de suas fábricas e a

prédios que adotem a microgeração para a iluminação de áreas comuns, por exemplo,

seria importante incentivo para maior disseminação do conceito e para promover a

transição em direção a uma economia de baixa emissão de carbono.

4.5 Regulação para Ilhamento

O estabelecimento de critérios para realização de ilhamento em sistemas de micro

e minigeração possibilitaria ao consumidor suprir o seu consumo de energia em caso de

desligamento da rede elétrica da distribuidora, aumentando, assim, a atratividade do

investimento.

4.6 Realização de Leilões Específicos para Energia Fotovoltaica

A realização de leilões específicos para energia fotovoltaica, como instrumento de

política energética e industrial, a exemplo do que ocorreu com a energia eólica, é uma

expectativa da indústria nacional como incentivo à fabricação dos equipamentos em maior

escala, com consequente redução dos custos e aumento de competitividade da

tecnologia.

4.7 Desenvolvimento de Projetos Pilotos pelas Distribuidoras

Para diminuir as incertezas comerciais e técnicas das distribuidoras, propõe-se o

desenvolvimento de dois projetos pilotos:

4.7.1 - Bairro Residencial com Alta Inserção de Microgeração

Selecionar bairros residenciais para implantação de microgeração em suas

unidades consumidoras para avaliação técnica da qualidade de energia resultante da

conexão de um número expressivo de sistemas na rede elétrica, desenvolvimento de

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procedimentos seguros de manutenção e de outras soluções que julgarem necessárias,

diminuindo assim as incertezas que tais agentes possuem em relação aos impactos na

rede caso haja ampla disseminação do conceito.

4.7.2 – Minirrede Inteligente através de Tarifação Dinâmica

Desenvolvimento de minirrede inteligente com tarifação dinâmica, possuindo

sistema de controle que armazene energia nos horários de menor tarifa, realize o

gerenciamento da demanda e injete energia na rede nos períodos de ponta, possibilitando

maior retorno ao consumidor e à concessionária. Este conceito é adotado em

condomínios inteligentes nos Estados Unidos.

4.8 Utilização de Área de Reservatórios Hidrelétricos para Energia Fotovoltaica

A maior parcela da energia elétrica gerada no Brasil (66%) tem procedência de

empreendimentos hidrelétricos, com mais de mil usinas em operação. Considerando esta

característica energética nacional, propõe-se o estudo da utilização das áreas não

utilizadas de reservatórios hidrelétricos para a instalação de minicentrais fotovoltaicas,

aumentando a garantia física das usinas sem alterar o custo de transmissão. Tal medida

possui potencial de tornar a energia fotovoltaica competitiva neste segmento,

proporcionando desenvolvimento do setor.

5. CONCLUSÕES

Este artigo apresentou informações que possibilitam concluir que o mercado de

micro e minigeração de energia elétrica no Brasil é incipiente e possui barreiras para sua

maior disseminação. Entretanto, os brasileiros percebem o tema como relevante e

demonstram alguma disposição para adotar tais sistemas em suas unidades

consumidoras. As propostas apresentadas demonstram que há possibilidades de ações

governamentais e privadas, passíveis de discussões e estudos, para fomentar ambiente

que possibilite um desenvolvimento sustentável do setor.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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