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Faculdade de Belas Artes História da Arte Portuguesa II 2014/15 Análise da obra Nocturno (1910) de António Carneiro

Análise da obra Nocturno (1910) de António Carneiro

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Análise da obra Nocturno (1910) do artista português António Carneiro

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Page 1: Análise da obra Nocturno (1910) de António Carneiro

Faculdade de Belas Artes

História da Arte Portuguesa II

2014/15

Análise da obra Nocturno (1910) de António Carneiro

Beatriz Oliveira nº7041

Page 2: Análise da obra Nocturno (1910) de António Carneiro

Índice

Introdução…………………………………………………………………………….....

António Carneiro – Biografia……………………………………………….…..

Nocturno (1910) – análise da obra………………………………………………….

Whistler – uma comparação…………………………………………………….

Conclusão………………………………………………………………………………..

Anexos……………………………………………………………………………………

Bibliografia……………………………………………………………………………….

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Introdução

Este trabalho tem por objectivo analisar a obra Nocturno (1910) (anexo

1) da autoria de António Carneiro, em termos formais e simbólicos.

Pretende-se inserir a obra na sua época, dando um breve registo

biográfico do autor e compará-la às obras semelhantes realizadas pelo autor,

assim como inseri-la no contexto social.

O trabalho inicia-se pela biografia do autor, passando pelas várias fases

artísticas, influências, e finalmente pela análise da obra proposta.

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António Carneiro – Biografia

“E na clausura onde vivo e penso,

Estranho a estéreis lutas ao que é vão,

Não me oprime de morte o desalento:

Vitorioso no que sonho e intento,

Bemdigo a criadora solidão”1

António Carneiro foi um escritor e pintor português, e notável figura da

cultura nortenha. Formou-se na Academia Portuense de Belas Artes onde foi

discípulo de Soares dos Reis e de Marques de Oliveira. Após terminado o

curso, viajou para Paris, com o seu curso em «Pintor de história», onde se

inscreveu na Academia Julian. Podendo viver em França devido a uma bolsa

do seu mecenas, teve a possibilidade de assistir a exposições que lhe foram

muito relevantes, entre eles de artistas como Münch, Matisse, Rodin, Odilon

Redon. Todavia a maior influência de todas terá sido Puvis de Chavannes

(1824-1898), pintor simbolista, cujo trabalho terá inspirado a Carneiro a realizar

o tríptico A Vida (1902), uma das suas obras mais proeminentes e exemplo do

simbolismo que marcou a sua obra.

De volta a Portugal, António Carneiro acabou por não se identificar com

o panorama da arte portuguesa da altura, que era dominada pela pintura

naturalista que demarcava o gosto e o mercado nacionais, sendo os artistas

mais reconhecidos Columbano Bordalo Pinheiro e José Malhoa. Também pela

sua influência simbolista do estrangeiro, acabou por operar na pintura isolado

do mundo, como um profeta “obcecado com uma verdade espiritual que

pretendia recuperar através da arte, num discurso visual, subjectivo, idealista e

sacramental” (Ramos 2010, p.6). Esta interioridade e qualidade espiritual era

1 António Carneiro, poema “Bemdita Solidão” in Solilóquios, Porto, s. ed., 1936, p.27., citado por RAMOS, Afonso. (2010), António Carneiro. coord. Raquel Henrique da Silva. Lisboa : QuidNovi : Instituto de História da Arte, cop..

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completamente alheada da realidade artística portuguesa o que fez com que

operasse isolado do mundo.

Fruto da sua convivência com Teixeira de Pascoaes, tornou-se cúmplice

do movimento da Renascença Portuguesa, tornando-se mesmo director

artístico da revista A Águia, que representava este movimento. O seu idealismo

era compartilhado por estes seus colegas, para quem a espiritualidade na arte

parecia ser a única resposta à crise profunda que Portugal atravessava.

Apesar de ser um retratista talentoso e muito solicitado, interessou-se

igualmente pela paisagem, tendo pintado dezenas de marinhas de Leça da

Palmeira. Foi nestas paisagens assim como nos seus nocturnos, (apesar de

mais sombrios) que Carneiro conseguiu realmente transpor uma interioridade e

qualidade espiritual para a sua arte. Um destes exemplos é Nocturno (1910).

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Nocturno (1910) – análise da obra

Devido à sua necessidade de irracionalizar a paisagem e a espiritualizar

de algum modo e coerência com o seu trabalho anterior, não o consegue

realizar através da paisagem diurna apenas, tirando melhor proveito da

paisagem nocturna. Os seus nocturnos fazem como que lembrar as primeiras

“abstracções” de Whistler, que diria que “a pintura tem que ser música”2.

Enquanto este autor pintou principalmente paisagens nocturnas do Tamisa,

Carneiro pintou na sua casa no Belinho, na sua casa de Pascoaes, e vistas de

Guimarães, Leça e Porto.

A obra Nocturno (1910) insere-se num conjunto de obras realizadas em

Leça da Palmeira enquanto o artista se encontrava de férias, realizando

inúmeros nocturnos como paisagens diurnas. Nestes nocturnos, Carneiro

representava usualmente uma paisagem contendo a costa, e nela sempre

presente uma luz criada pelo homem, onde ninguém está visivelmente

presente mas a sua presença é antes sugerida pela luz.

As suas pinturas nocturnas são muitas vezes dotadas de cores

irrealistas, não tanto se preocupando com a representação do local, mas com

um ‘sentimento’ do artista em relação ao local, o como seu estado de espírito

no momento da execução da pintura.

Em Nocturno (1910), uma casa reflecte a sua luz na água,

possivelmente junto da beira-mar. Uma fraca luza verde é emitida pelo céu,

enquanto a luz lilás criada pelo homem a corta em pontos distintos. O nevoeiro

cobre quase todo o ambiente, não podendo saber onde a cena se dá

realmente, pois é como se o lugar representado flutuasse dentro de um sonho.

Criar esta sinestesia é característico da pintura simbolista de Carneiro, com os

seus ambientes irreais e sugestivos.

No entanto, esta obra é grandemente influenciada pelo expressionismo.

Durante a sua estadia em Paris, António Carneiro tomou contacto com as

2 WHISTLER, James Abbott McNeill, citado em SPALDING, Frances, (2003), Whistler. London : Phaidon, reimp, p 23

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obras de E. Münch, que em muito influenciou os seus nocturnos,

especialmente a partir do quadro Noite Estrelada. O objectivo dos

expressionistas era transformar a paisagem em estado de alma, a paisagem

vista como uma ambiente subjectivo às emoções do artista. A realidade física

do referente não deveria ser uma limitação, ele pode ser distorcida para evocar

certos sentimentos ou estados de espírito.

Tal é o que acontece em Nocturno. António Carneiro era uma

personalidade que vivia de forma extrema o seu temperamento solitário,

levando atá por vezes a que levasse a sua vida quase como um monge. Nas

suas paisagens, nocturnas como diurnas, podemos encontrar este sentimento

e desejo de solidão. Especialmente nos nocturnos, pois a noite é o elemento

dos espíritos solitários, ela é tempo de introspecção e de sonho. Seria de

esperar que fosse neste género de pintura que Carneiro sentisse a sua solidão

como força criadora mais fortemente.

Os seus nocturnos aparecem como uma completa ruptura da pintura

portuguesa dos seus contemporâneos, onde a paisagem naturalista

predominava no país, com talvez alguma influência impressionista, e “tendia à

fixação pitoresca dos costumes” (FRANÇA 1973, p.9) retratado muitas vezes o

povo, o trabalho no campo, e tendo como maior exponentes Columbano

Bordalo Pinheiro ou José Malhoa.

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Whistler – uma comparação

O termo “nocturno“ aplicado à pintura foi primeiramente usado por

Whistler para descrever as suas pinturas de cenas nocturnas do rio Tamisa.

Adoptou este nome dos Nocturnes, composições musicais instrumentais que

evocam uma ambiência ou um estado de espírito sonhador e pensativo.

As vistas deste rio, normalmente consideradas sem grande beleza,

‘levava-as’ para o seu estúdio e relembrava-as, adicionando-lhes o seu

carácter poético. Whistler era apologista da ‘arte pela arte’, de modo diferente

mas tal como em Carneiro, o referente não deveria ser uma limitação para a

obra, podendo ser trabalhado especialmente no ambiente, a gosto do artista.

Podemos comparar Nocturno de Carneiro a Nocturno em Azul e Prata: A

Lagoa, Veneza (anexo 2) de Whistler. Nesta pintura, Whistler apresenta-nos

uma paisagem de Viena, em que os reflexos se confundem com os próprios

barcos, no entanto, a neblina que envolve a pintura não nos deixa tomar

completa noção dos seus elementos, mas apesar, e por isso envolve-nos ainda

mais na pintura, atraindo-nos para o desconhecido. Tal também acontece em

Nocturno, onde forma e cor se diluem. Ela aparece-nos quase como uma

miragem, um mundo encoberto onde a luz reflectida e luz própria se

confundem, criando ambiguidade.

Nocturno aparece-nos monocromático, de um verde-escuro com a

presença humana de luzes lilás, criando um ambiente impossível, e dando uma

característica quase onírica à pintura. Ela está liberta de um figurativismo

exigente, preocupando-se mais em criar um ambiente “espiritual”, em oposição

à materialidade vigente da pintura naturalista.

Nestas pinturas a sua preocupação não se centrava na semelhança

entre pintura e referente, nem sequer numa captação de luz e cor, mas num

ambiente evocativo do estado de espírito do autor.

Se por um lado a pintura de Carneiro pode ser considerada como

expressionista com influencias ainda do simbolismo, os nocturnos de Whistler

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quase se apresentam como abstracções; ele que criar ‘arte pela arte’, os seus

sentimentos ou emoções não se reflectem de modo tão expressivo como em

Carneiro.

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Conclusão

António Carneiro nunca se identificou com o panorama artístico do seu

país. Influenciado pelos seus estudos em França, absorveu um simbolismo já

em decadência, mas sendo este o estilo que mais lhe servia, acabou por

continuar a depender dele, isolando-se dos demais artistas.

A mistura que se verifica na sua pintura entre simbolismo e

expressionismo é no fundo um sinal de mudança dos tempos, mas em vez de

ser a presença de uma modernidade que se adivinha, ela é antes a memória

de uma época que já passou.

Foi um “pintor subjectivo, sobrepondo os seus sentimentos e o seu

código idealizante ao espectáculo da natureza; psicológico, procurando o

conhecimento íntimo do objecto, pintor de visões mais do que de vistas”3,com

um gosto pelo silêncio e pelo isolamento, o qual se pôde confirmar pelas suas

paisagens tais como Nocturno.

3 RAMOS 2010, p.20

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Anexos

Anexo 1 - Nocturno - António Carneiro

Óleo sobre tela, 55 × 82 cm

Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado

Anexo 2 - Nocturno em Azul e Prata: A Lagoa, Veneza - James Abbott Whistler

Óleo sobre tela, 50.16 x 65.4 cm

Museum of Fine Arts Boston

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Bibliografia

ALVES, João (1972), António Carneiro e a pintura portuguesa.  Porto: Câmara Municipal.

CASTRO, Laura (1997), António Carneiro. Braga: Inapa, imp.

DIAS, Fernando Paulo Rosa (2011), Ecos expressionistas na pintura portuguesa entre-guerras (1914-1940). Lisboa: Campo da Comunicação.

FRANÇA, José-Augusto (1973), António Carneiro, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

PAULO, Samuel (1988), António Carneiro: o artista da renascença portuguesa. Matosinhos: Câmara Municipal de Matosinhos.´

RAMOS, Afonso. (2010), António Carneiro. coord. Raquel Henrique da Silva. Lisboa: QuidNovi: Instituto de História da Arte, cop..

SPALDING, Frances, (2003), Whistler. London: Phaidon, reimp.

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