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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ CURSO DE PÓS- GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA MECÂNICA Disciplina: Análise de Falhas Professor: Paulo Sérgio Carvalho Pereira da Silva Aluno: Carlo Giuseppe Filippin Junho / 2006

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA MECÂNICA

Disciplina: Análise de Falhas

Professor: Paulo Sérgio Carvalho Pereira da Silva

Aluno: Carlo Giuseppe Filippin

Junho / 2006

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ANÁLISE DE FALHA DE COMPONENTE MECÂNICO

1 Componente

Dois parafusos com diâmetro de 1 , rosca grossa (UNC, 8 fios por polegada), rosca parcial, oxidado negro, cabeça com sextavado interno. A superfície externa da cabeça encontra-se usinada, aparentemente para possibilitar ajuste em recesso para embutimento da cabeça, na peça onde o parafuso foi instalado. O material com o qual o parafuso foi construído, provavelmente, em função da geometria da cabeça, é de grau SAE 8 (equivalente a ASTM A490, anexa), ou seja, aço ligado temperado e revenido, com os seguintes valores típicos (ASTM):

Mínimo limite de resistência à tração 1100 MPa (160 kpsi) Mínimo limite de escoamento 896 MPa (130 kpsi) Mínima resistência de prova 827 MPa (120 kpsi)

2 Aplicação

O parafuso em análise estava aplicado no fechamento de molde de injeção de componente plástico automotivo.

3 Modelo físico típico

Uma união aparafusada é constituída de peças a unir e de um elemento de união, neste caso, um parafuso. O parafuso transpassa pelo menos uma das peças e é fixado em outra peça através de rosca triangular. Entre estas duas peças podem existir outras. A última peça pode, também, ser transpassada pelo parafuso, de modo que o parafuso é fixado, então, em uma porca. No caso em análise o parafuso é fixado em uma das peças da união.

Uma pré-carga é aplicada para que as peças sofram um carregamento inicial de compressão, possibilitando a absorção de cargas externas de tração. Cargas transversais também podem ser suportadas por parafusos, não ocorrendo neste caso. As cargas externas, atuando nas peças unidas, são absorvidas pela união para que o sistema se mantenha em equilíbrio. Estas cargas participam, então, de um sistema hiperestático, onde, em um modelo simplista, interpreta que cada filete absorve parte da carga, sofrendo deformações, elásticas em princípio, de modo que os filetes subseqüentes absorverão porções cada vez menores da carga. Em termos práticos, até o terceiro filete roscado há significativa absorção de cargas. Do quarto filete em diante as parcelas de carga absorvida são desprezáveis. A Figura 01 ilustra esta distribuição.

Figura 01: Distribuição de carga nos filetes de um parafuso. (Silva, P. S. C. P.)

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Esta distribuição da carga externa ocorre entre o parafuso e as peças unidas, ponderada pelas respectivas rigidezes. A rigidez do parafuso pode ser calculada como a rigidez de um cilindro maciço de diâmetro d e comprimento l. A porção roscada, quando fixada na porca ou na peça, terá sua rigidez associada á da peça, de forma que a simplificação para um cilindro contínuo é válida. Da mesma forma, as peças são modeladas como um cilindro oco, com diâmetro interno e externo de d e 3d, respectivamente. Modelos mais apurados representam esta rigidez como aparece na Figura 02. De forma mais simples, para peças unidas construídas em aço (ou seja, com módulo de elasticidade igual ao do aço), a rigidez das peças é 8 vezes a rigidez do parafuso, na união. Logo, a parcela da carga externa absorvida pelo para fuso é de 1/9 e pelas peças unidas é de 8/9.

Para que a união permaneça estável sob carga externa, a compressão inicial das peças unidas deve suplantar a parcela de carga externa absorvida pelas peças. Logo, a pré-carga deve ser maior que esta parcela. Aplicações típicas mostram pré-cargas de até 90% da carga de prova para parafusos em aplicações estáticas e em torno de 75% da carga de prova em aplicações dinâmicas.

Outros carregamentos podem estar presentes como cargas de flexão em função de desalinhamento de furos e alojamento do parafuso.

Figura 02: Modelo de rigidez das peças a unir. (Norton, R. L.)

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A rosca funciona como uma cunha: cargas tangenciais geram grandes cargas

axiais. Esta amplificação é particularmente grande em função do pequeno ângulo de inclinação do filete da rosca. A componente tangencial amplificada pelo braço de alavanca correspondente ao raio do parafuso define o momento torçor (torque) aplicado ao parafuso. Logo, o torque de aperto determina a carga axial, que, por sua vez, é a pré-carga estabelecida no projeto. Para parafusos lubrificados, com diâmetro de 1 , o torque aperto deve ser 21% do produto da pré-carga como diâmetro do parafuso (Norton, R. L.).

4 Exames:

4.1 Inspeção visual

Os parafusos foram inspecionados visualmente e constatou-se, inicialmente, que apresentavam deformações plásticas oriundas de carregamento combinado de tração e flexão, conforme Figuras 03 e 04. Pode-se observar, também, que as roscas são usinadas e não laminadas. Este processo de fabricação cisalha a estrutura cristalina do material enquanto que a laminação apenas molda a estrutura no formato da rosca, como mostra a Figura 05. Para aplicações dinâmicas, parafusos construídos com material classe SAE 8, o redutor da resistência do material (combinação da sensibilidade do material ao entalhe com o concentrador geométrico de deformação) passa de 3,0 em roscas laminadas para 3,8 em roscas usinadas.

Figura 03: Parafuso fraturado.

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Figura 04: Parafuso fraturado.

Figura 05: Roscas usinada e laminada. (Norton, R. L.)

Das Figuras 03 e 04 percebe-se que a significativa concentração dos esforços em torno do primeiro e segundo filetes roscados. Essa concentração dos esforços pode ser entendida raciocinando-se com as deformações dos filetes do parafuso e da porca. Com efeito, quando o parafuso é apertado, ele fica tracionado e a porca comprimida e, portanto, os filetes não encaixariam se não se deformassem. A deformação é intensa junto à interface de aperto e diminui ao longo dos filetes. Isto explica porque a fratura ocorre normalmente entre o primeiro e segundo filete roscado (Silva, P. S. C. P.).

As superfícies das fraturas estavam bastante oxidadas e amassadas em função da movimentação do sistema após a fratura (uma superfície se chocou com a outra). Observando-se a fratura, percebem-se fraturas dúcteis, típicas de sobrecarga, já que não se observam marcas de fadiga (marcas de praia), conforme Figuras 06 a 14.

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Porém, não se observa a clássica geometria taça e cone , que se esperaria de uma falha por sobrecarga em um elemento cilíndrico, com a fratura iniciando no centro (onde ocorreria a maior triaxialidade de tensões). Porém, em função da geometria da rosca, onde o concentrador geométrico de deformações é da ordem de 4, a maior triaxialidade de tensões ocorreu no fundo do filete da rosca, entre o primeiro e o segundo filetes, onde a tensão nominal é maior. Logo, a fratura se iniciou no fundo do filete da rosca. Como a fratura não é axisimétrica (simétrica em relação ao eixo do parafuso) sugere que ocorreu uma distribuição de esforços normais, oriundos de flexão, ocasionada possivelmente por desalinhamento entre o parafuso e o furo e/ou a rosca fêmea. A rosca, por sua vez, em função do seu pequeno ângulo de hélice, é um mecanismo irreversível, ou seja, a carga axial não consegue produzir torque (caso contrário o parafuso afrouxaria). Esta característica é função do atrito entre filetes e do s ângulos do filete de rosca. Porém, sob carga assimétrica em relação ao eixo do parafuso, a força de atrito não é homogênea em toda a periferia do filete, de modo que deve ter ocorrido algum movimento de rotação da porção do parafuso anterior à falha (cabeça e parte do corpo não roscada), produzindo uma deformação em hélice. O ângulo desta hélice tenderia a 45º. Logo, a clássica geometria de taça e cone estaria deformada de forma helicoidal. Como a fratura teve início na periferia, a zona fibrosa periférica, pequena, com inclinação aproximadamente de 45º, e uma grande região central, de cisalhamento, também inclinada de 45º, porém em planos distintos.

Figura 06: Fratura dúctil.

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Figura 07: Fratura dúctil.

Figura 08: Fratura dúctil.

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Figura 09: Fratura dúctil.

Figura 10: Fratura dúctil.

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Figura 11: Fratura dúctil.

Figura 12: Fratura dúctil. Detalhe da usinagem da rosca.

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Figura 13: Fratura dúctil.

Figura 14: Fratura dúctil.

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Figura 15: Fratura dúctil.

4.2 Exame fractográfico

Foram elaboradas fractografias (Figuras 16 a 33) das fraturas onde se observa melhor os fatos comentados anteriormente. A região inicial da fratura mostra-se fibrosa, seguida por uma região central com estrutura alveolar coalescida, indicando fratura frágil. As grandes regiões centrais, alveolares, sugerem que o material do parafuso apresenta grande ductilidade.

Uma análise metalográfica e de dureza seria interessante de se efetuar para qualificar o material empregado no parafuso. Todas as fractografias são de autoria de Sérgio Luiz Henke.

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Figura 16: Superfície de trinca no flanco do filete da rosca.

Figura 17: Início da fratura no fundo do filete.

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Figura 18: Região inicial da fratura, em plano inclinado em relação ao flanco do filete.

Figura 19: Região inicial da fratura, em plano inclinado em relação ao flanco do filete.

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Figura 20: Região central da fratura, apresentando estrutura alveolar coalescida.

Figura 21: Região central da fratura, apresentando estrutura alveolar coalescida.

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Figura 22: Transição da região inicial para a região central da fratura.

Figura 23: Transição da região inicial para a região central da fratura.

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Figura 24: Transição da região inicial para a região central da fratura.

Figura 25: Transição da região inicial para a região central da fratura.

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Figura 26: Transição da região inicial para a região central da fratura.

Figura 27: Oxidação da superfície da fratura.

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Figura 28: Oxidação da superfície da fratura.

Figura 29: Aparentemente alguns planos de clivagem.

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Figura 30: Marcas de usinagem no flanco do filete da rosca.

Figura 31: Fissuras na superfície do flanco do filete da rosca.

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Figura 32: Detalhe do perfil da rosca.

Figura 33: Fissuras paralelas ao filete de rosca.

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5 Conclusão

A falha o correu por sobrecarga, na forma de fratura dúctil. As causas podem estar relacionadas com o tipo de solicitação

carregamento assimétrico, combinando

flexão e tração e com a qualidade do parafuso rosca usinada e não laminada. Estes aspectos podem ter suplantando as premissas de projeto, de forma, mesmo sob carga nominal, o sistema veio a falhar.

6 Referências

Collins, J. A., Projeto Mecânico de elementos de Máquinas , LTC, Rio de Janeiro, 2006; Azevedo, C. R. F. e Cescon, T., eds., Metalografia e Análise de Falhas , IPT, São Paulo, 2004; Silva, P. S. C. P., Análise de Falhas , Apostila do Curso de Análise de Falhas, UFPR, 2006; Tao, C., Xi, N., Yan, H. e Zhang, Y., Fatigue Failure of Hold-Down Bolts for a Hydraulic Cylinder Gland , Engineering Failure Analysis 5, (3), 241-246, 1998; Norton, R. L., Machine Design

An Integrated Approach , Prentice Hall, New Jersey, 2000; ASTM, A 490

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Standard Specification for Hest-Treated Steel Structural Bolts, 150 ksi Minimum Tensile Strenght, American Society for testing and Materials, West Conschohocken, 1997; ASM HANDBOOK, Volume 11

Failure Analysis and Prevention , EUA, 1995; Colpaert, H., Metalografia dos produtos siderúrgicos comuns , Edgard Blücher, São Paulo, 1974.

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