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A IMAGEM DA CIDADE – KEVIN LYNCH A relação do espaço sagrado e profano na cidade
Estela Maris de Souza Doutoranda
Fig. 1: Kevin Lynch (1918 – 1984)
Fonte: http://marksluder.photoshelter.com/image/I0000uDIii4jxIso
Profa. Dra. Maria Cristina Cabral
História e Teoria do Urbanismo
PROURB/UFRJ SETEMBRO/2012
A IMAGEM DA CIDADE – KEVIN LYNCH
A relação do espaço sagrado e profano na cidade
Resumo
Já se foram 50 anos desde o lançamento do livro A imagem da cidade de Kevin Lynch,
mas ainda assim continua fazendo parte do currículo básico de qualquer boa escola de arquitetura.
Seus estudos sobre percepção da cidade continuam permeando a mente dos arquitetos, urbanistas,
geógrafos e afins. Como é citado na contracapa da Edições 70 é um livro voltado para o arquiteto,
urbanista, habitante que queira entender a imagem e a forma da sua cidade. O presente artigo
pretende mostrar o profissional Kevin Lynch nos seus breves 66 anos de vida, mas que foram
suficientes para deixar seu nome na história da Percepção Urbana como devotado professor,
excelente colega de trabalho e excepcional profissional. A presente tese já se revestiu com a teoria
da Geografia Humanista Fenomenológica para “acusar” um espaço de não-lugar, mas no momento
preferiu-se ir além e analisar a relação do espaço sagrado e profano do entorno da Catedral
Metropolitana através da imagem que as pessoas fazem desse espaço.
Palavras chave: Kevin Lynch. Imagem da cidade. Percepção urbana.
Introdução
O espaço sagrado tem sua origem nos altares individuais encerrados no ambiente interno
das casas. A sociedade evolui, os pares se juntam e o espaço sagrado toma forma na cidade através
dos templos. Numa cidade colonial, por exemplo, o espaço sagrado se mescla ao espaço da praça
principal. Atualmente os espaços sagrados nem sempre tem uma praça que os emoldure, mas ainda
assim possuem espaços de transição entre o espaço profano, externo ao templo e o espaço sagrado
que se coloca após a transposição da porta principal.
O objeto da tese é justamente essa relação do sacro e o profano tendo como estudo de caso
a Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro. A implantação da Catedral Metropolitana do Rio de
janeiro na Esplanada de Santo Antônio (ou Esplanada da Avenida Chile) já traz uma série de
questionamentos em função da sua transição desde o morro do Castelo até a localização atual, mas
sua relação enquanto espaço sagrado num ambiente tão profano suscita várias outras indagações.
Como um elemento arquitetônico religioso tão importante se comporta dentro do espaço profano
constituído pelos edifícios institucionais do BNDES, Petrobrás, antigo BNH (também conhecido
como Triangulo das Bermudas) e atualmente as torres do Ventura Tower.
No Mestrado esse espaço foi defendido como um não-lugar levando em consideração a
teoria da Geografia Humanista, mas hoje olhando pela relação do sacro e profano é necessário ir
além, ou quem sabe, voltar no tempo, antes mesmo de Tuan e Relph para dar os créditos necessários
ao Lynch quando escreveu o livro A imagem da cidade. Antes mesmo de chegar ou não a conclusão
do espaço como um não-lugar é preciso vê-lo como uma imagem da cidade e aí que se torna
importante perguntar como as pessoas enxergam aquele espaço.
Lynch nos convida a interpenetrar a cidade através da imagem que as pessoas fazem dela, a
partir de suas percepções. São cinco os elementos responsáveis por esta percepção: caminhos,
limites, bairros, pontos nodais e marcos. Ele não propõe uma receita de bolo, mas um
encaminhamento no estudo da percepção da cidade.
Objetivos
O objetivo do seguinte artigo é fazer uma análise da trajetória profissional do arquiteto Kevin
Lynch a partir de sua obra seminal A imagem da cidade. Mostrar os desdobramentos dessa obra e
da carreira do autor dentro do seu tempo e através do tempo. Definir a contribuição do mesmo na
relação do espaço sacro e profano na cidade como arcabouço teórico da tese a ser desenvolvida no
PROURB sob orientação do Prof. Dr. Roberto Segre.
Metodologia/Abordagem teórica
O artigo abordou a biografia do autor segundo pesquisas na Internet, livros, dissertações e
teses. Foi trabalhada especificamente a obra A imagem da cidade, mas foram feitas referências
sobre as outras obras de relevância dentro de um critério encontrado na Internet sobre a trajetória
profissional do autor. O livro da Kate Nesbitt, Uma nova agenda para a arquitetura serviu como
arcabouço teórico no sentido de situar o autor no contexto da teoria da arquitetura. Entre outros
artigos que vieram corroborar na valorização do autor como peça chave do cenário da Percepção
Visual Urbana a partir da década de 60.
Biografia
Lynch nasceu em Chicago em 1918. Estudou numa escola progressista que usava métodos
inovadores e aprendizado através da ação. Este ambiente acadêmico estimulante o atraiu para a
arquitetura a partir de um curso de História do Egito. Após concluir o ensino secundário foi para
Yale, mas sua formação progressista chocou-se com o conservadorismo e tradição da Escola de
Belas Artes. Começou então a procurar novos ares acadêmicos. Conhece nesse período Frank Lloyd
Wright e transfere-se para a escola de arquitetura de Taliesin, onde começa em 1937. Taliesin lhe
trouxe várias repostas aos seus questionamentos na Yale já que seu método era compatível com sua
experiência progressista, mas mesmo assim a metodologia ainda era muito focada na filosofia da
arquitetura para depois entrar na parte técnica. Se sentiu sufocado com esse método e deixou a
escola para estudar engenharia.
Ele se casa em 1941 e 3 meses depois é recrutado para a II Guerra Mundial servindo no
Corpo do Exército de Engenharia nas Filipinas e Japão. Na volta, fez Planejamento Urbano no MIT.
Após formar-se começa a trabalhar na Comissão de Planejamento de Greensboro, mas é chamado a
dar aula no MIT. Após o início no MIT viaja para a Europa tempo caracterizado profissionalmente
como de observação, questionamento e debate. Esse período influenciou bastante nos estudos que
viriam depois. E segue trabalhando durante ainda 30 anos, onde escreve na década de 60 um dos
seus mais importantes livros: A imagem da cidade, atraindo assim vários alunos para o MIT e
sempre que podia lembrava que seus melhores professores eram os alunos.
Françoise Choay (1965) em seu livro O Urbanismo: utopias e realidades, uma antologia,
define Lynch como
Professor de city-planning do M.I.T. (Massachusetts Institute of Technology). Em sua formação intervieram diversas disciplinas. Estudou arquitetura com F. L. Wright, fez estudos de psicologia e de antropologia, que o levaram a uma abordagem nova do problema urbano. Voltou particularmente a atenção para o ponto de vista da consciência perceptiva. Limitando-se voluntariamente ao campo visual, estudou as bases da percepção específica da cidade e procurou isolar suas constantes, que deveriam integrar qualquer proposta de planejamento. Co-diretor de uma pesquisa sobre ‘a forma perceptiva da cidade', trabalho financiado pela fundação Rockfeller, K. Lynch utilizou como terreno experimental Los Angeles, Boston e Jersey-City. Participou, como conselheiro, da elaboração de vários projetos de planejamento nos Estados Unidos, particularmente do projeto atual de remodelamento de Boston. [...] (CHOAY, 2005, p. 307)
Obras
O trabalho acadêmico de Lynch pode ser dividido em três etapas principais, que
geralmente correspondem a uma progressão temporal e temática. Na primeira fase, Lynch focou sua
pesquisa a experiência do usuário do espaço e do lugar comum. A segunda etapa é aplicar os
resultados dessas investigações para várias situações e tentar melhorá-los. Finalmente, Lynch tentou
formar uma visão coerente da "boa cidade", usando sua experiência de décadas anteriores.
Primeira fase (As Investigações): desde 1954, quando recebeu a bolsa da Fundação Rockefeller,
até meados da década de 1960, Lynch embarcou em várias investigações que tentou descrever e
compreender a cidade. Fica fascinado com a cidade construída, a experiência da cidade e a
interação entre o espaço físico e sua utilização. Neste momento podemos incluir The Form of Cities
(1954), The Pattern of the Metropolis (1961), A Theory of Urban Form (1958) e The City As
Enviornment (1965). No entanto, sem dúvida, sua publicação mais famosa durante esse tempo foi
The Image of the City (1960), seu trabalho mais influente, tem "imaginabilidade 'como a sua idéia
central, e Lynch defendeu a clareza, coesão legibilidade, e estruturação de identificação em
planejamento urbano, a fim de criar essa qualidade. Neste livro, Lynch considera três diferentes
cidades (Boston, Jersey City e Los Angeles) e usando inquéritos, entrevistas e observação, estudou
a maneira em que o cidadão comum imaginou sua cidade.
Segunda fase (Aplicações): Lynch aplicou os resultados de suas investigações para várias
situações. Os livros que podem ser incluídos nessa fase são: Site Planning (1962), é mais técnica
do que teórica e, posteriormente, tornou-se um livro padrão introdutório sobre o planejamento
urbano, The View from the Road (1964) e Growing Up in Cities (1977), entre outros. Em The View
from the Road, está preocupado com os problemas gerados pela introdução de veículos a motor na
cidade, e apresenta formas de auto-estradas podem ser mais cuidadosamente planejadas. Por outro
lado, Growing Up in Cities representou um aprofundamento de suas pesquisas anteriores com um
estudo multicultural da maneira em que as crianças percebem a qualidade do seu ambiente.
Últim fase (Uma visão coerente): Foi caracterizada por uma tentativa de desenvolver uma visão
coerente do que é uma boa cidade. Nesta fase pode-se incluir, Where Learning Happens (1968), The
Possible City (1968), Grounds for Utopia (1975) e, Good City Form (1981). Em todos, Lynch
tentou definir os requisítos necessários para uma boa forma da cidade, propondo o que devem ser as
metas do desenho urbano.
Lynch se aposentou do MIT, em 1978, para fundar, com Stephen Carr, seu ex-aluno, a
empresa de “Carr, Lynch and Associates”, que se tornou um dos mais renomados escritórios de
estudos e projetos urbanos dos EUA. Em 1984, recebeu a maior distinção internacional oferecida
a planejadores urbanos, o “Rexford G. Tugwell Award”.
Lynch fez consultoria para muitas cidades dos EUA e exterior incluindo Boston's
Government Center e Waterfront Park, Detroit's Riverfront, principal Instituto de Arte em Dallas, e
planos de desenho urbano em Minneapolis, Los Angeles, San Francisco, e San Diego.
Sua obra é referência obrigatória para todos aqueles que desejam compreender, por um lado, o processo do pensamento urbano após o advento do modernismo (Lynch, ao lado dos
americanos Jane Jacobs e RobertVenturi e dos europeus Aldo Rossi e Gordon Cullen, é um dos críticos da década de 60 aos postuladosfuncionalistas/racionalistas advindos da Carta de Atenas) e, por outro viés, representa um marco na emergência de novas abordagens disciplinares sobre a relação do homem com o seu meio vivencial. (LEITE,1998)
A proposta do planejamento feita a priori, objetivada, tratada como uma coisa (modelo),é aqui substituída por uma proposta a posteriori e que decorre do conhecimento do ponto de vista do habitante: o pojeto deixa de ser objeto na medida em que, pela mediação da psicologia experimental e do questionário, o habitante torna-se, diante do planejador, um tipo de interlocutor...Essa análise demonstra, como nunca, o erro dos urbanista progressistas quando compõem seus projetos como quadros ou obras de arte (JACOBS in LEITE, 1998)
Sua última obra, post mortem é City Sense and City Design: Writings and Projects of
Kevin Lynch, que reúne seus fundamentos clássicos de planejamento e desenho urbano que fazem
parte do seu rico legado de idéias sobre os propósitos e valores humanos em forma construída.
Mostra muitas de suas idéias e teorias traduzidas na prática. O livro é editado por seus ex-alunos e
levam a uma compreensão mais profunda da sua filosofia humanista e do seu papel na formação e
transformação da profissão de “desenhista urbano” americano durante as décadas de 50, 60 e 70.
Uma obra de referência para entender e estudar mais a fundo esse profissional excepcional.
Legado e Críticas
De seus estudos na Universidade de Yale até sua morte em 1984, Lynch mostrou sua
mente inquieta e sua capacidade de desafiar o status quo. Não se preocupou em trazer respostas
prontas, mas em lançar perguntas de como nos relacionamos e formamos nossa imagem da cidade
assim como como transformar essa cidade numa boa cidade.
Na contracapa do livro da Editora Edições 70 diz:
Um livro que se dirige ao arquitecto, ao urbanista, ao habitante da cidade. Que significa realmente a forma da cidade para quem vive nela? Que pode fazer o urbanista para tornar mais viva e memorável a imagem da cidade?
Isto reflete bem as intenções de Lynch quanto ao seu trabalho. Levar os leitores a
desenvolver o conhecimento sobre a cidade, baseado na experiência comum, do dia a dia. Dessa
forma ele contribuiu enormemente para mudar o paradigma de seu tempo, no sentido de trazer uma
disciplina mais humana, (re)orientando a experiência do lugar.
A imagem da cidade (1960) foi bastante criticada em várias frentes. Uma das razões foi a
falta de arcabouço teórico para tratar do significado da imagem da cidade. Na verdade não tinha
instrumental teórico sólido para lidar com os significados. Também foi criticado por tentar
desenvolver uma “receita” para os desenhistas urbanos. Fato controverso, pois nunca foi sua
intenção fazer uma receita de bolo, mas elencar vários aspectos que as pessoas poderiam utilizar
para desenvolver a imagem da cidade. Mas a obra acaba se tornando clássica dentro das faculdades
da arquitetura em funação desses aspectos e da aplicabilidade que se faz dos mesmos em várias
cidades e situações da cidade.
Segundo Panerai (2006), o trabalho desenvolvido por Lynch (1960) em The image of the
city, foi quem recuperou a legitimidade da análise na identidade das cidades norte-americanas e com as ferramentas mais eficazes. Assim, baseado nas teorias de Lynch, o autor caracteriza os elementos marcantes da paisagem urbana entre dois aspectos: 1) Análise Visual – A percepção de elementos sensíveis (os percursos, os pontos nodais, o setor, os limites, os marcos); e 2) Análise Seqüencial – Modificações do campo visual-quadros (parâmetros gerais de percepção do urbano, parâmetros laterais, parâmetros do ponto de fuga, fechamento frontal do campo visual / diafragma e enquadramentos dos planos). Posteriormente, em 1984, o próprio Lynch reconsidera suas teorias através do artigo publicado sob o título “Reconsidering the image of the city” (1996), após 20 anos da data da primeira publicação, na qual o autor faz uma crítica à falta de adoção de critérios por parte da política urbana que permitam uma visão do todo urbano – Managing the Sense
of a Region. Lynch reforça que ainda é negligenciada a compreensão da imagem da cidade pelo gestor urbano, salvo raros exemplos nos EUA (São Francisco, Dallas, Minneapolis), Japão, Israel e Escandinávia. (SILVA; ROMERO, 2011)
A imagem da cidade
O livro foi lançado no início da década de 60 (Lynch estava com 42 anos) e fechava a
década conhecida como “anos dourados, considerada uma época de transição entre o período de
guerras da primeira metade do século XX e o período das revoluções
comportamentais e tecnológicas da segunda metade.
Os anos 60 para Nesbitt configurava a crise do modernismo com o
aparecimento do pós-modernismo. Em seu livro Uma nova agenda para
a arquitetura ela examina esse pós-modernismo sob três enfoques:
histórico, paradigmas e temas. Lynch foi incluído no quarto tema: A
teoria urbana, mais especificamente no período das teorias da leitura e
do significado da cidade.
Fig. 2: Gyorgy Kepes Fonte: http://berkshirereview.net/2009/12/25/gyorgy-kepes-polaroid-reminiscence/
É interessante comparar essas idéias de ler a cidade como um texto com as do urbanista Kevin Lynch. [refere-se aos ensaios de Barthes sobre “semiologia e urbanismo”]. Em seu livro A imagem da cidade (1960), ele analisa como as pessoas se orientam no ambiente. Um dos primeiros críticos da cidade do pós-guerra, Lynch insiste na necessidade de uma ordem visual no entorno humano capaz de ser guardada na memória. A imagibilidade ou legilibilidade da forma se tornaram importantes atributos almejados por arquitetos e projetistas urbanos preocupados com a questão da comunicação do significado. De acordo com Lynch, o sentido se localiza na possibilidade de distinguir caminhos, limites, nódulos, bairros e pontos de referência na paisagem. Na opinião de Barthes, Lynch foi quem “mais se aproximou dos problemas de uma semântica urbana”, mas observa que sua “concepção da cidade permanece mais ‘gestáltica’ do que estrutural”. As idéias de Lynch são usadas por Norberg-Schulz e outros fenomenólogos para defender a relevância do lugar. (NESBITT, 2008, p.65)
Lynch volta da II Guerra e encontra um país em crise apesar de fazer parte do bloco
vencedor. As cidades vivem uma escassez de moradia com a Grande Depressão.
É na década de 1960 que se apresentam, de forma consistente, estudos revisores da doutrina urbanística moderna, como os de Lynch (1960), Jacobs (1961), Alexander (1964), Venturi (1968) e Lefèbvre (1966). Eles são contemporâneos das grandes mudanças culturais evidenciadas pelo movimento hippie, pela resistência à guerra do Vietnã, pela Primavera de Praga, os quais se superpõem ao movimento estudantil de rebeldia que se designou por “Maio de 1968”, que tem como referencial a França, mas que ocorreu em diversos países, inclusive no Brasil. (MAGALHÃES, 2005)
O livro foi resultado de um estudo de cinco anos, The Perceptual Form of the City,
começado em 1954, dirigido por Lynch e Gyorgy Kepes1 no Centro de Estudos Urbanos e
Regionais do Instituto Tecnológico de Massachussets (MIT), subsidiado pela Fundação Rockefeller.
O estudo The Perceptual Form of the City abordou a legibilidade e imaginabilidade da cidade
americana. Foi uma investigação voltada para desenvolvimento de um conceito teórico da forma da
cidade. Uma tentativa feita no sentido de fornecer os critérios fundamentais e técnicas para
conceber, expressar e controlar nosso ambiente perceptivo.
O projeto é descrito como uma investigação da percepção do indivíduo sobre a paisagem
urbana. A imagem da cidade através do habitante e do viajante da estrada, bem como a utilização
dos sinais e símbolos na paisagem urbana são de interesse. O objetivo deste trabalho é o
desenvolvimento de novas possibilidades de design e princípios para a cidade.
Segundo Lynch coloca no prefácio
o livro trata da fisionomia das cidades, do fato de essa fisionomia ter ou não alguma importância e da possibilidade de modificá-la. Entre seus inúmeros papéis, a paisagem urbana também é algo a ser visto e lembrado, um conjunto de elementos do qual esperamos
1 Gyorgy Kepes (1906 – 2001). Nasceu na Hungria, foi pintor, designer, educador e teórico de arte. Imigrou para os EUA em 1937 – ensinou na New Bauhaus em Chicago. Em 1967 fundou o Centro para Estudos Visuais Avançados no Massachusetts Institute of Technology (MIT) onde ensinou até 1974. Suas teorias sobre a percepção visual e, principalmente, a sua orientação pessoal, teve uma profunda influência sobre Kevin Lynch.
que nos dê prazer. (...) Para examiná-lo, o livro analisa três cidades norte-americanas: Boston, Jersey City e Los Angeles. Sugerindo um método por meio do qual poderíamos começar a lidar com a forma visual em escala urbana, propõe alguns princípios básicos de design urbano. (LYNCH, 1960)
Lynch se propõe a estudar um tema pouco explorado nesse momento, paisagem urbana.
Lembrando que a pesquisa se remete ao final dos anos 50, momento em que as Teorias da
Percepção começam a aflorar pontuando um marco importante nos estudos de Paisagismo, por
exemplo. Lynch define a paisagem urbana como “um conjunto de elementos do qual esperamos que
nos dê prazer”. A partir disso estuda a qualidade visual das cidades por meio da investigação
empírica de como os indivíduos percebem e transitam no espaço urbano através de cinco elementos
que ele considera estruturantes da imagem da cidade: os caminhos, limites, bairros, pontos nodais e
marcos.
A imagem da cidade constituiu um dos subsídios mais importantes dos anos sessenta, e imediatamente influenciaram os escritos de Rossi ou de Norberg-Schulz. Lynch afronta nos seus trabalhos a interpretação da cidade a partir de critérios psicológicos e geométricos influenciados pelas teorias perceptivas da Gestalt. O objetivo deste livro é iluminar os estratos mais profundos para ver como a consciência coletiva e individual cria imagens da forma da cidade para torná-la ‘legível'. A introdução dos conceitos urbanos e formais de ‘caminho', ‘margem', ‘bairro', ‘nó' e ‘marco' exerce uma enorme influência até hoje. (MONTANER, 2001)
Dentro do sub-tema da Teoria Urbana, “O urbanismo europeu: neorracionalismo e
tipologia” de Nesbitt
Rossi também reconhece em Lynch a inspiração para sua tese de que a orientação espacial da cidade provém da experiência de episódios significativos, como os recintos monumentais. A idéia estruturalista de que a cidade se torna legível pela repetição de componentes elementares (irredutíveis, arquetípicos), aos quais a memória coletiva dá sentido, define a leitura poética da cidade para Rossi. (NESBITT, 2008, p.65)
É interessante como no decorrer do livro de Nesbitt, Uma nova agenda para a arquitetura,
Lynch é citado várias vezes como elemento estruturador e exemplificador do estudo da cidade.
Dentro do Capítulo 1- Pós-modernismo: as respostas da arquitetura à crise do modernismo
Porphyrios propõe abordar o fracasso do modernismo por meio daquilo que Kevin Lynch chamaria de “imagibilidade”da cidade tradicional. O restabelecimento do ritmo denso das ruas, praças e quarteirões da cidade européia, diz Porphyrius, acabará com a desorientação urbana. Por esse aspecto polêmico das suas idéias, Porphyrius se situa na mesma linha da crítica urbana pós-moderna de Leon e Rob Krier. (NESBITT, 2008, p.109)
No Capítulo 9 – Fenomenologia do significado e do lugar, Norberg-Schulz, em O
fenômeno do lugar, no subitem A estrutura do lugar diz que
Kevin Lynch investiga mais a fundo a estrutura do espaço concreto, introduzindo os conceitos de “nodo” (“marco”), “baliza”, “caminho”, “borda” e “distrito” para indicar os elementos que embasam a orientação das pessoas no espaço. (NESBITT, 2008, p.450)
No mesmo texto, no subitem O espírito do lugar, onde discorre sobre o Genius loci
apresenta que
O problema da orientação tem recebido considerável atenção por parte da literatura teórica recente sobre planejamento e arquitetura. Devemos citar novamente a obra de Kevin Lynch, cujos conceitos de “nodo”, “caminho” e “distrito” indicam as estruturas espaciais básicas que são objetos da orientação das pessoas. A percepção de uma inter-relação entre esses elementos forma uma “imagem ambiental”, sobre a qual Lynch afirma: “Ter uma boa imagem ambiental confere ao indivíduo uma importante sensação de segurança emocional”. Assim, todas as culturas criaram “sistemas de orientação”, ou seja, estruturas espaciais que facilitam o desenvolvimento de uma boa imagem ambiental. “O mundo pode organizar-se em torno de um conjunto de pontos focais, ou fragmentar-se em regiões indicadas por nomes próprios, ou articular-se por caminhos fixados na lembrnaça”. Esses caminhos geralmente se baseiam ou derivam de uma dada estrutura natural. Quando o sistema é frágil, a pessoa tem dificuldade de formar aquela imagem e se sente “perdida”. “O medo de se perder decorre da necessidade característica do organismo vivo de orientar-se em seu entorno”. Evidentemente, estar perdido é justo o oposto do sentimento de segurança que distingue o habitar. A qualidade ambiental que protege o ser humano de perder-se é denominada por Lynch de “imagibilidade”, que designa “aquela forma, cor ou organização que facilita a formação de imagens mentais vividamente identificadas, fortemente estruturadas e de grande utilidade do ambiente”. O que Lynch pretende acentuar é que os elementos componentes da estrutura espacial são “coisas” concretas, dotadas de “caráter” e de “significado”. Mas Lynch se limita a analisar a função espacial desses elementos e, por conseguinte, nos lega um entendimento fragmentário do habitar. (...) Mesmo assim, a análise de Lynch é uma contribuição essencial para a teoria do lugar. A importância de seu livro decorre ainda do fato de seus estudos empíricos sobre a estrutura urbana concreta confirmarem os “princípios gerais de organização” da percepção, definidos pela psicologia da Gestalt e pelas pesquisas sobre psicologia infantil de [Jean] Piaget. (NESBITT, 2008, p.455-56)
Em “O fenômeno do lugar”, ele [Schulz] fala da influência do livro de Kevin Lynch Image
of the city (1960), em que o autor descreve os elementos que tornam a cidade “legível”. Os elementos citados por Lynch – nodo, baliza, caminho, margem, bairro – constituem, portanto, aspectos orientadores da cidade e funcionam como o lugar de Norberg-Schulz. (NESBITT, 2008, p.462)
O maior legado de Lynch não foram as respostas prontas aos problemas propostos, mas os
vários questionamentos que levaram e levam as pessoas a pensar suas cidades a partir da sua própria
capacidade de imaginar e sentir. Além dos críticos, ele talvez tenha sido seu maior crítico. Isso fica
evidente em A boa forma da cidade em que ele lança várias questões de como se chegar a uma boa
cidade, durante o livro reconhece seus pontos fracos, ressalta o que ainda pode ser melhorado,
enfim pensa junto. E fecha o Epílogo dizendo
Há ainda muito para fazer, o que representa uma benção. Uma teoria útil e intelectualmente
interessante sobre a forma da cidade é, de facto, possível. (LYNCH, 1981, p. 304)
Conclusão
O artigo tenta mostrar como a mente inquieta desse autor de origem irlandesa se faz
presente até hoje nos estudos referentes à cidade. A relação do habitante com o espaço e a
perpecpção que este faz da cidade são de importância crucial no que diz respeito a relação do
espaço sagrado e profano dentro da cidade. Os espaços sagrados são conformados através da
corporificação do templo enquanto o profano engloba.
No caso da Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro se não bastasse o mar de carros que a circunda ainda convive com um espaço inóspito, criação de inúmero processos de planejamento urbano mal acabados ou não implantados. Na dissertação de Mestrado quando se defendeu o conceito de não-lugar para a área não se conseguiu obter uma resposta satisfatória durante as entrevistas de campo, pois não se possuía um conjunto metodológico teórico consistente para tal tarefa: extrair do transeunte o que de fato ele percebia com a área. Através do Lynch pretende-se atingir o habitante da cidade (ou transeunte) a partir dos elementos básicos de interpretação da paisagem, a saber: vias, limites, bairros, pontos nodais e marcos.
Pretende-se, portanto, analisar os espaços sagrados e profanos no caso do entorno da Catedral Metropolitana a partir da imagem que as pessoas fazem daquele espaço. A Catedral representa o espaço sagrado que eleva o habitante da cidade ao céu a partir da transposição da porta principal enquanto o espaço profano que circunda a Catedral representa o espaço onde o habitante da cidade (com)vive. Entre um e outro deveria haver um espaço de transição entre esses dois mundos que se tocam a partir da entrada principal da catedral. São esses mundos (espaços) que precisam ser definidos morfologicamente para se entender aquele espaço outrora considerado não-lugar.
Olhar para a cidade pode dar um prazer especial, por mais comum que possa ser o panorama. Como obra arquitetônica, a cidade é uma construção no espaço, mas uma construção em grande escala; uma coisa só percebida no decorrer de longos períodos de tempo. O design de uma cidade é, portanto, uma arte temporal, mas raramente pode usar as seqüências controladas e limitadas das outras artes temporais, como a música, por exemplo. Em ocasiões diferentes e para pessoas diferentes, as conseqüências são invertidas, interrompidas, abandonadas e atravessadas. A cidade é vista sob todas as luzes e condições atmosféricas possíveis. (Lynch, 2006: p.1)
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