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Universidade do Minho Análise do filme Gran Torino de Clint Eastwood Pedro Nogueira pg 18791 Mestrado em Media Interactivos

Análise do filme Gran Torino

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Análise cinematográfica de um dos melhores filmes realizados e interpretados por Clint Eastwood.

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Universidade do Minho

Análise do filme

“ Gran Torino ” de Clint Eastwood

Pedro Nogueira

pg 18791

Mestrado em Media Interactivos

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Universidade do Minho Mestrado em Media Interactivos Teoria do Cinema :: 2011/2012 Pedro Nogueira, pg18791

No âmbito da Unidade Curricular de Teoria do Cinema foi-nos proposto pelo

professor Martin Dale analisar um filme à nossa escolha, colocando em prática várias

das competências desenvolvidas nas aulas ao longo do semestre. Como esse filme

deveria consistir num marco da nossa vida, optei por escolher Gran Torino, pois foi de

certa forma uma película que me marcou e mudou a minha forma de pensar, de ver e

de acompanhar o cinema.

Gran Torino é um filme de 2008, realizado pelo carismático Clint Eastwood, em

que ele próprio é o protagonista. O filme insere-se no género dramático, é o maior

sucesso de bilheteiras de Eastwood enquanto realizador e está avaliado em 8.3 pelos

utilizadores do IMDB (a maior base de dados cinematográfica do mundo). Para além de

realizador e actor, Eastwood participa também na composição da trilha sonora do

filme, dando voz à música que se ouve durante os créditos finais, que curiosamente

também se chama Gran Torino.

O filme retrata uma realidade pura e dura de uma América em transformação e

cada vez mais multicultural. Walt Kowalski é um veterano de guerra e muito relutante

a mudanças, que acaba de perder a esposa e que, vivendo agora no seio de uma

comunidade asiática de Hmongs, se sente um estrangeiro dentro do seu próprio

bairro. Rejeitado pela família devido ao seu mau feitio, Kowalski partilha os seus

melhores momentos com a sua cadela e tem uma vida extremamente solitária,

passando grande parte do seu tempo a aparar a relva, a cuidar do seu Gran Torino

1972 ou a beber cerveja no alpendre de sua casa.

Apesar dos seus comportamentos racistas e xenófobos, os acontecimentos

começam a aproximar Kowalski de uma família vizinha de “chinocas”, da qual fazem

parte Sue e Thao, com quem assume quase uma posição de pai. A ligação passa a ser

tão forte que Kowalski admite sentir-se mais próximo da comunidade Hmong do que

da sua própria família. Essa forte relação leva a que os problemas da família asiática

comecem a afectar também Kowalski, a tal ponto de ele se sacrificar mortalmente

para os salvar.

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Impacto do filme sobre mim

A primeira vez que vi Gran Torino foi pouco depois de ele se estrear, ou seja, há

cerca de quatro anos atrás, portanto é difícil de descrever com precisão aquilo que

senti quando o assisti. Na altura lembro-me de ser um aficionado por filmes de

comédia, de acção e de terror, sem grandes histórias morais ou lições de vida.

Basicamente, via este tipo de filmes como forma de entretenimento e de escape à vida

quotidiana (um pouco à imagem do que acontece com os desenhos animados ou com

as telenovelas) e não como algo que me permitisse tornar numa pessoa mais crítica e

mais culta cinematograficamente.

Até que Gran Torino veio mudar radicalmente a forma como eu comecei a lidar

com a Sétima Arte. Quando vi este filme, tinha um conhecimento muito vago de quem

era Clint Eastwood. Apenas o conhecia de Million Dollar Baby, um filme que eu havia

visto por recomendação de uns amigos e de que gostei particularmente. Vi Gran

Torino por sugestão de um desses mesmos amigos e a partir daí percebi a influência

que um filme, um realizador ou um actor podem ter na nossa forma de entender e

encarar o mundo e, de algum modo, contribuir para a construção da nossa identidade

pessoal.

Não sei muito bem que sensações tive na altura, sei apenas que foi um filme que

ficou marcado na minha memória. Tanto foi que me lembro quase na perfeição de

toda a narrativa, quando por norma apenas me costumo lembrar de algumas

passagens dos filmes ou então se eles me agradaram ou não. Costuma-se dizer que a

emoção desperta a memória e que nos lembramos mais facilmente das coisas quando

elas nos tocam emocionalmente, portanto se me lembro bem de Gran Torino, mesmo

passados quase quatro anos, é porque de certa forma ele me marcou e me transmitiu

uma mensagem forte.

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Gran Torino veio juntar as peças do puzzle que eu tinha soltas na minha cabeça.

Dantes, via um filme aqui, outro acolá, via outro e mais outro e todos pareciam

independentes e desligados uns dos outros. Havia pequenos pormenores que eram

comuns em vários deles, mas o meu olhar, quase sempre distante e inocente, não

conseguia identificar muito bem o que era uma marca de um realizador/actor, o que

era uma referência a um outro filme ou o que era efectivamente um filme de culto e

aclamado pelos críticos do cinema. Quando vi Gran Torino julgo que foi das primeiras

vezes, sem ser uma sequela, que associei e reconheci elementos característicos de um

mesmo realizador em dois filmes diferentes. Enquanto o assistia saltavam-me

recorrentemente à memória passagens de Million Dollar Baby e comecei a notar traços

característicos do cinema eastwoodiano não só nos planos de gravação como também

no perfil dos personagens e na forma como a narrativa se ia desencadeando. Fui

percebendo que aquilo fazia todo o sentido e que Clint Eastwood era realmente uma

grande referência do cinema de Hollywood, uma vez que qualquer pessoa que tivesse

o mínimo de conhecimento da sua carreira reconheceria facilmente a sua interferência

em determinado filme.

Tal como havia acontecido com Million Dollar Baby, o final de Gran Torino fez-me

arrepiar por completo, deixando-me emocionado a tal ponto de me fazer chorar. Não

era normal eu emocionar-me com um filme e a verdade é que Clint Eastwood fez-me

chorar nos dois filmes que tinha visto dele. Foi aí que percebi que Eastwood era um

génio e que teria que ver mais filmes dele. Vi então Mystic River, Changeling, Invictus e

A Perfect World e cada vez me encantava mais com ele. O que havia sido feito de mim

nestes anos todos que nem sequer o nome de Clint Eastwood conhecia? Aliás, na

verdade até conhecia esse nome, uma vez que a banda britânica Gorillaz havia-lhe

dedicado um single musical, mas não fazia a mínima ideia de quem era ele nem tão

pouco o associava à indústria do cinema. Felizmente Gran Torino veio-me acordar para

o mundo e deu-me a conhecer o seu trabalho. Senti que esse momento foi um clique

na minha vida e que foi a partir daí que comecei a apaixonar-me verdadeiramente pela

Sétima Arte.

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Desde então comecei a adoptar uma estratégia na tentativa de conseguir tirar o

máximo proveito dos filmes e daquilo que eles transmitem: sempre que gostar de um

filme, terei que ver mais uns dois ou três desse mesmo realizador. E foi nesse sentido

que passei a gostar também (mas não só) dos trabalhos de David Fincher (depois de

ver Fight Club), de Darren Aronofsky (depois de ver Requiem for a Dream) e, num

género mais tresloucado, de Quentin Tarantino (depois de ver Pulp Fiction). Era claro o

dedo que estes realizadores tinham sobre os seus filmes e foi então que as peças do

puzzle, outrora soltas, começaram a juntar-se e a fazer sentido. Finalmente sentia-me

agora com alguma cultura cinematográfica, passando a abordar cada filme com um

olhar mais crítico e menos passivo.

Relativamente aos filmes de Clint Eastwood em particular, todos eles me

transmitiram fortes cargas emocionais e morais. À medida que fui tendo conhecimento

da sua carreira e vida pessoal fui dando cada vez mais valor às suas obras. Ao longo do

tempo fui-me tornando cada vez mais capaz de perceber algumas das suas escolhas

nos filme, contudo, mesmo conseguindo prever os finais, Clint Eastwood tem sempre o

dom de me surpreender. O apogeu das suas obras está em mostrar nos finais que

condizer consigo mesmo é ir contra o comummente esperado. Ser previsível dentro do

que já foi visto nos seus filmes anteriores e ainda satisfazer com isso é a prova de que

Clint Eastwood está num patamar muito além do esperado.

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Secção sobre o realizador como autor

Antes de mais, convém fazer uma retrospectiva à vida e carreira do actor e

realizador, uma vez que a história de Gran Torino só poderá ser entendida na íntegra

se assim o fizermos. Clint Eastwood nasceu a 31 de Maio de 1930, em São Francisco, e

começou a ganhar protagonismo na televisão em 1959 com a série western Rawhide,

depois de alguns pequenos papéis em filmes pouco conceituados. Contudo, só em

1964, após viajar para Itália para participar na trilogia dos dólares de Sergio Leone, é

que Eastwood se tornou num verdadeiro fenómeno do cinema. Nas participações em

A Fistful of Dollars (1964), For a Few Dollars More (1965) e The Good, The Bad and The

Ugly (1966), Eastwood rapidamente deixou a sua marca, caracterizando-se como um

homem de poucas palavras, mas de acções mortais com a arma em punho. A trilogia

viria a ter grande sucesso na América e Clint Eastwood tornava-se numa estrela de

Hollywood e numa das imagens dos westerns spaghetti, ficando conhecido como “The

Man With No Name”, devido à sua falta de identidade ao longo de toda a sequela dos

dólares.

Depois de vários anos a arrecadar conhecimentos no mundo do cinema, Clint

Eastwood decidiu fundar a sua própria empresa, a Malpaso Company, e dirigiu o seu

primeiro filme em 1971 chamado Play Misty For Me. Nesse mesmo ano, num outro

filme, afastou-se da imagem de herói de acção e passou a ser considerado um ícone

cultural graças à reencarnação do personagem mais polémico da sua carreira até

então: o Detective Harry Callahan, conhecido como Dirty Harry. O papel do seu

personagem foi bastante criticado na época, pois era visto como um incentivo ao

racismo, ao fascismo, à violência e ao incumprimento da lei. Apesar de tudo, o filme

(realizado por Don Siegel) viria a ser um blockbuster e daria sequência a outros três,

também eles com Dirty Harry como protagonista, no último dos quais se viria a

celebrizar a frase “Go ahead, make my day!” (esta expressão foi inclusivamente

utilizada pelo presidente norte-americano Ronald Reagan durante uma das suas

palestras).

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Enquanto a sua fama como actor começava a atingir proporções pouco habituais

mesmo para uma estrela de Hollywood, Eastwood começava a dar sinais de que era

também um excelente realizador. Tanto foi, que o filme Unforgiven (1992), por si

realizado, tornou-se num autêntico sucesso, conseguindo uma receita superior a 100

milhões de dólares só nos EUA e a nomeação para nove óscares. Clint Eastwood

ganharia a estatueta de melhor filme e melhor realizador, contribuindo para que Gene

Hackman e Joel Cox levassem também a distinção de melhor actor secundário e

melhor montagem, respectivamente. Daí em diante, Eastwood conseguiria mais três

óscares: o Prémio Irving G. Thalberg (1995) e novamente os galardões de melhor filme

e melhor realizador com Million Dollar Baby (2004). Ao todo Clint Eastwood contabiliza

um total de cinco óscares, notabilizando-se não só como uma das bandeiras dos filmes

westerns, mas essencialmente como um dos mais prestigiantes e emblemáticos

“actor-turned-director” do cinema mundial.

Enquanto realizador, Clint Eastwood destaca-se por conseguir dar aos seus filmes

uma forte carga dramática e emocional e por nos proporcionar, em simultâneo,

sentimentos mistos de ódio e compaixão ou de tristeza e felicidade, investindo depois

em desfechos exagerados e comoventes. Mas o que mais surpreende é que fá-lo

sempre de forma tão inteligente e subtil que se afasta por completo do simplismo

mostrado em outras produções de Hollywood. Definitivamente, Eastwood apresenta

uma carreira bastante peculiar, no sentido em que, como actor, se consagra um

valentão nos westerns enquanto que, como realizador, revela toda a sua sensibilidade,

tendo no afecto e no sacrifício as suas imagens de marca.

Em Mystic River é-nos dado a conhecer um trauma de infância de três amigos

depois de um deles ser raptado e abusado sexualmente. Million Dollar Baby mostra-

nos duas pessoas com problemas familiares que, aos poucos, vão adoptando uma

ligação de pai e filha até que a rapariga sofre um grave acidente, fica em estado

vegetativo e pede a eutanásia. Por sua vez em Changeling, Clint Eastwood relata-nos a

história de um rapaz que é raptado e que, depois de regressar à sua casa, é insultado e

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maltratado pela própria mãe, pois esta não o reconhece enquanto seu filho. É,

portanto, extremamente difícil ficar-se indiferente às mensagens que os filmes de

Eastwood transmitem, uma vez que, por norma, estes incidem sobre assuntos muito

fortes e sensíveis pelos quais a maioria das pessoas já passou ou já viu algum ente ou

amigo querido passar.

Gran Torino traz à tona temas como o racismo, a xenofobia, os conflitos da

multiculturalidade e a violência dos gangs. Para além disso, demonstra alguns

problemas familiares e uma abnegação à igreja, duas características marcantes em

vários dos seus filmes anteriores. De facto, a ideia de família é quase sempre a origem

de frustração ou mesmo do ódio das personagens. E o que Clint Eastwood tenta

transmitir nas suas obras é que o verdadeiro valor de família deve ser dado a quem

nós escolhemos e não a quem Deus nos impingiu. Em Million Dollar Baby, por

exemplo, temos um treinador de pugilismo que envia cartas a uma filha que

abandonou e que, à falta de resposta, acaba por adoptar, para ocupar o vazio no

coração, a rapariga que a muito custo aceitou treinar. Por sua vez, em Gran Torino são

também evidentes as desavenças do personagem principal com os seus familiares que,

a certo ponto, o fazem admitir sentir-se mais próximo dos Hmongs do que da sua

própria família de sangue.

Ao longo de toda a sua carreira, Clint Eastwood sempre nos habituou ao seu jeito

calculista e misterioso, encarnando várias figuras de princípios rígidos e de

personalidade teimosa. Carrega quase sempre nos seus papéis um personagem que é

fantasma de si mesmo, interpretando homens com histórias dolorosas e que trazem

atrás de si um passado perturbador. No entanto, há nestes personagens uma abertura

semelhante às que irrompem na narrativa e os tornam reais: a sua acção pura sintetiza

uma vida para além dela, sentimentos que percorrem os diferentes planos e se

condensam no intervalo entre eles. Eastwood quase que nem precisa de falar para

expressar sentimentos, pois manifesta-os de forma sublime apenas com as suas

expressões corporais. E, por detrás da sua distância, do seu individualismo ou da sua

dureza de carácter, há normalmente um pendor para a afectividade e para a bondade.

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Em termos estéticos e formais, o cinema de Clint Eastwood é visto como um

cinema de actor e de mise en scène, onde se utiliza vários planos pausados, de gestos

e de expressões, no qual a câmara nunca esconde uma presença no espaço de acção.

Todos os personagens, mesmo secundários, têm direito a uma imagem ou a uma fala,

ainda que pontuais, para manifestarem-se dentro de uma cena.

Atendendo às temáticas das suas obras, normalmente inseridas no género drama

e recheadas de cenas de tensão, Clint Eastwood faz frequentemente uso de cores

escuras, com fotografia de baixa luz, de forma a reflectir os tons melancólicos da

narrativa. Aliás, a sua obsessão pelas cenas sombrias (tão bem trabalhadas em Mystic

River) é em Gran Torino tão evidente que os três principais momentos da história

ocorrem todos precisamente durante a noite: tentativa de assalto ao Gran Torino,

ataque do gang à família Hmong e morte de Walt Kowalski.

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Aplicação destes elementos ao filme

Gran Torino mostra como os EUA mudaram desde os anos 70 e, principalmente,

como para alguns americanos essas transformações são sinónimo de decadência.

Sempre com o intuito de enveredar por temas polémicos, Clint Eastwood retrata neste

filme o conservadorismo e o patriotismo exagerado dos norte-americanos perante a

globalização e o consequente aumento das taxas de imigração e de importação dos

Estados Unidos. Ao longo de todo o filme o personagem principal, Walt Kowalski,

utiliza expressões xenófobas (“chinocas” e pretos são termos usados com muita

frequência) e manifesta um ódio irreversível por algumas coisas importadas do

estrangeiro, como explica a aversão que tem ao seu filho por este trabalhar na Land

Rover, empresa inglesa de construção de automóveis.

Mas mais do que isso, Gran Torino é um filme carregado de uma grande

componente humana, que fala sobre a vida e sobre a morte, com a respectiva

redenção sempre a pairar. Eastwood incorpora Walt Kowalski, um ex-soldado norte-

americano que esteve presente na Guerra da Coreia e que se revela um senhor de

ideologias antiquadas (logo a começar, na cena do funeral da sua esposa, reprova a

roupa da sua neta que aparece na igreja com uma camisola curta e de umbigo à

mostra). De personalidade antipática e obstinada, não consegue esconder as suas

atitudes racistas e xenófobas, nem o seu perfil rancoroso e egoísta. Mantendo-se

resistente às tentativas do padre e dos vizinhos se aproximarem dele e o ajudarem,

Kowalski assume, ao princípio, um discurso incontrolado, sem papas na língua e

repleto de palavrões e frases ofensivas. Um exemplo disso foi o desabafo que teve

com o pároco depois de tanta insistência por parte deste em satisfazer um desejo da

recém-falecida esposa dele, que era a sua confissão dos pecados: “Acho-o um virgem

de 27 anos, com excesso de formação, que gosta de segurar a mão de velhotas

supersticiosas, enquanto lhes promete a eternidade”.

No entanto, com o desenrolar da história, e à imagem do que acontece em

Million Dollar Baby, o personagem interpretado por Eastwood vai desvendando o seu

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lado mais terno e consegue criar laços fortes com aqueles que o rodeiam. Ganha

inclusive uma forte afinidade com Sue e Thao (elementos mais novos de uma família

vizinha de Hmongs), substituindo, em certo modo, o pai destes tal é a forma com que

se preocupa com eles. No caso particular de Thao, Walt Kowalski protege-o de um

gang, ajuda-o a encontrar emprego, dá-lhe conselhos de como engatar uma rapariga,

confia-lhe o seu tão amado Gran Torino e, no final, dá a vida por ele e pela sua família.

Gran Torino ficará para a história como sendo, muito provavelmente, o último

filme de Clint Eastwood enquanto actor e realizador em simultâneo. Na altura em que

o filme foi feito, Eastwood tinha 78 anos e, sentindo-se pouco apto fisicamente,

decidiu pôr um ponto final na sua carreira de actor (contudo, Eastwood parece ter

voltado atrás com a palavra, pois foi confirmado recentemente no elenco de Trouble

with the Curve, realizado por Robert Lorenz, que se estreará em Setembro de 2012).

Desse modo, aproveitou a realização deste filme para de alguma forma homenagear a

sua carreira, construindo o papel de Kowalski em torno de algumas personagens que

foi eternizando no passado. A sua intolerância e sede de vingança são típicas da

personalidade de Dirty Harry, se bem que num nível mais brando, enquanto que o seu

passado obscuro e a sua resistência e desconfiança em relação à igreja é em tudo

semelhante ao papel de Frankie Dunn de Million Dollar Baby.

Nesse sentido, falar do final de Gran Torino é falar da despedida de Clint

Eastwood das telas de cinema. Sendo o seu hipotético último filme enquanto actor,

Clint Eastwood decidiu fazer as pazes e desvigorar-se da figura de valentão e pessoa

viril que tanto o acompanhou nas décadas de 60, 70 e 80. Walt Kowalski é portanto o

espelho de toda a carreira de Eastwood, podendo-se estabelecer um paralelismo entre

a evolução do papel desta figura com a evolução da própria carreira do actor, uma vez

que em ambos os casos Eastwood deu-se a conhecer como uma pessoa cruel e depois

assumiu-se como um ser humano de bom coração. Gran Torino marca assim a

despedida e a redenção de uma figura cruel, solitária, muitas vezes sem identidade,

com passado encoberto ou demasiado traumático para ser recordado.

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Ao analisarmos a cena em que Kowalski é baleado à porta da casa do gang

(http://www.youtube.com/watch?v=waNhD1Z23M8 até aos 2’46’’), percebemos que

Eastwood se quer redimir de toda a violência e ficar relembrado pelos seus bons actos.

A cena decorre num ambiente característico dos filmes eastwoodianos, ou seja,

durante a noite, sem grande iluminação e com saliência dos tons escuros e sombrios.

Depois de ver a família, com quem passou a ganhar um afecto especial, martirizada,

Kowalski decidiu vingar-se e resolver ele próprio o problema. Contudo, ao contrário do

que nos foi habituando com Dirty Harry, em que tratava deste tipo de situações ao

tiroteio, Eastwood preferiu resolver a questão de uma forma mais leal ao incriminar os

gangsters depois de oferecer o seu corpo desarmado às balas. As atitudes de

carnificina que havia tido em outras interpretações deram aqui lugar a uma atitude de

sacrifício para bem do próximo. Nesse sentido, o final do filme poderá ser entendido

como uma atenuação da sua figura mitológica e devastadora de Dirty Harry, sobretudo

porque Kowalski utiliza por duas vezes nesta cena a expressão “Go ahead!” numa clara

alusão a esse seu personagem.

Clint Eastwood quis despedir-se do seu papel de actor de forma gloriosa,

procurando redenção, paz e descanso. Preparou, portanto, muito bem a sua morte

(não só no filme como também em frente às câmaras), pois antes de ser assassinado

foi-se confessar e fazer as pazes com Deus. Mesmo depois de tirar a vida a tantas

pessoas (ora na Guerra da Coreia, no próprio filme, ora ao longo de toda a sua carreira

enquanto actor), Eastwood conseguiu o perdão e retirou-se de alma sã. Em suma, a

mensagem que se pode retirar deste Gran Torino é que mesmo as pessoas mais

violentas e mais maléficas podem sempre mudar e redimir-se dos seus maus actos.

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Conclusão

Por tudo o que indiquei anteriormente, Gran Torino é até hoje o filme que mais

me marcou e que me fez despertar para o mundo do cinema. E isso ficou ainda mais

evidente depois de o ver pela segunda vez há pouco tempo. Isto porque, sabendo

agora o que sei sobre a carreira e vida de Clint Eastwood, o filme e especialmente o

final foram ainda mais maravilhosos no meu entender.

Clint Eastwood é o meu realizador de eleição. Relativamente ao seu papel de

actor, tenho muitos em consideração, mas ele está com certeza na lista dos meus

favoritos. Não há dúvidas de que Eastwood, fez, faz e fará parte das mais belas páginas

da história de Hollywood. Só é pena nunca ter ganho nenhum óscar como melhor

actor, mesmo depois de se despedir das telas de cinema de uma actuação tão sublime

como só ele sabe.