6
Convenção de Viena – Direito dos Tratados em análise As convenções internacionais têm, na sua base, um logo processo para por fim produzirem os seus efeitos entre os sujeitos internacionais que se pretendam vincular. Quais as fases que temos de ter em conta para que uma convenção esteja, a nível formal, corretamente aprovada? I. Fase da Negociação Em primeiro lugar, temos de considerar que é nesta fase que se define a forma que os Estados pretendem dar à convenção: se é acordo ou tratado. Ora, de acordo com o art. 2º da CV, tratado define-se por ser: a) Um acordo internacional b) Escrito a. Nota: esta condição possibilita exceções, nos termos do art. 3º da CV – o facto de a convenção não ser escrita, sendo oral, não impossibilita o seu valor jurídico e correspondente produção de efeitos. c) Regido pelo Direito Internacional Segundo aspeto a ter em conta: nos termos da alínea C) do art. 2º, “plenos poderes designa o documento emanado da autoridade competente de um Estado que indica uma ou mais pessoas para representar o Estado na negociação, na adoção ou na autenticação do texto de um tratado, para manifestar o consentimento do Estado em ficar vinculado por um tratado ou para praticar qualquer outro ato respeitante ao tratado”. Quer isto dizer que, analisando o art. 7º da convenção, é estritamente necessário que haja plenos poderes para se proceder à negociação. Ou seja, um representante tem sempre de ter plenos poderes adequados, sendo esses atribuídos por meio de carta. Mas atenção: nos termos do mesmo artigo, nº2, “em virtude das suas funções e sem terem de apresentar plenos poderes” estão os representantes diretos do estado, leia-se chefes de Estado, governo, ministros dos negócios estrangeiros, representantes acreditados pelos Estados em conferências ou organizações internacionais. Perguntar-se-á o que acontece caso haja falta de poderes por parte de um representante. Nesse caso, então, de acordo com o art. 8º, pode o Estado confirmar, sendo o ato praticado válido. Caso contrário, não produzirá qualquer efeito.

Análise do processo de conclusão de Convenções Internacionais.docx

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Análise do processo de conclusão de Convenções Internacionais.docx

Convenção de Viena – Direito dos Tratados em análise

As convenções internacionais têm, na sua base, um logo processo para por fim produzirem os seus efeitos entre os sujeitos internacionais que se pretendam vincular. Quais as fases que temos de ter em conta para que uma convenção esteja, a nível formal, corretamente aprovada?

I. Fase da Negociação

Em primeiro lugar, temos de considerar que é nesta fase que se define a forma que os Estados pretendem dar à convenção: se é acordo ou tratado. Ora, de acordo com o art. 2º da CV, tratado define-se por ser:

a) Um acordo internacionalb) Escrito

a. Nota: esta condição possibilita exceções, nos termos do art. 3º da CV – o facto de a convenção não ser escrita, sendo oral, não impossibilita o seu valor jurídico e correspondente produção de efeitos.

c) Regido pelo Direito Internacional

Segundo aspeto a ter em conta: nos termos da alínea C) do art. 2º, “plenos poderes designa o documento emanado da autoridade competente de um Estado que indica uma ou mais pessoas para representar o Estado na negociação, na adoção ou na autenticação do texto de um tratado, para manifestar o consentimento do Estado em ficar vinculado por um tratado ou para praticar qualquer outro ato respeitante ao tratado”. Quer isto dizer que, analisando o art. 7º da convenção, é estritamente necessário que haja plenos poderes para se proceder à negociação. Ou seja, um representante tem sempre de ter plenos poderes adequados, sendo esses atribuídos por meio de carta. Mas atenção: nos termos do mesmo artigo, nº2, “em virtude das suas funções e sem terem de apresentar plenos poderes” estão os representantes diretos do estado, leia-se chefes de Estado, governo, ministros dos negócios estrangeiros, representantes acreditados pelos Estados em conferências ou organizações internacionais.

Perguntar-se-á o que acontece caso haja falta de poderes por parte de um representante. Nesse caso, então, de acordo com o art. 8º, pode o Estado confirmar, sendo o ato praticado válido. Caso contrário, não produzirá qualquer efeito.

Outras notas:

Os tratados podem ser:

Bilaterais ou multilaterais, tendo caraterísticas próprias

Fechados – não admitem entrada posterior de outros estados

Entre estados ou entre estados + organizações

Semi-fechados – a entrada de outros estados é condicionada

Entre organizações internacionais Abertos – livre entrada de estados, livre vinculação após entrada em vigor

Entre outros sujeitos de direito internacional

Page 2: Análise do processo de conclusão de Convenções Internacionais.docx

Convenção de Viena – Direito dos Tratados em análise

Figuras afins

≠ Acordos políticos, ou gentlemen’s agreement – efeitos políticos e não jurídicos, derivam da política internacional

≠ Atos unilaterais não autónomos – meras denúncias dos estados

≠ Declarações ou atas finais – valor meramente documental ou histórico

II. Fase da adoção e autenticação do textoDefinida a forma da convenção, é importante ter em conta que: Art. 9º. É necessário consentimento dos Estados participantes para

que se adote o texto de um tratado; o Nota: exceção das convenções multilaterais – tem de ser

por conferência e com maioria de 2/3 dos estados Art. 10º, o texto é dado como autêntico quando:

o Aprovado pela forma convencionada pelos Estadoso Por:

Assinatura Assinatura ad referêndum Rubrica

Art 12º Assinatura ganha efeito vinculativo se o Estado assim o pretender

Art. 15º e 16º Pode um estado também ficar vinculado por meio da adesão, nas condições do art. 15º e 16º.

Art. 18º - não pode um Estado privar o fim do tratado antes de este entrar em vigor, se o tiver assinado.

Por que razão é importante conhecermos a forma da convenção? Porque esta fase de autenticação varia com o facto de ser tratado ou acordo.

Assim, se for tratado, é necessária posterior confirmação. Ou seja, não se basta com assinatura, tem de haver ratificação (art. 14º), troca de instrumentos constitutivos (art. 13º), entre outros processos referidos no art. 11º. Assinatura não acarreta vinculação do estado, nem responsabilidade por parte deste.

Se for acordo, este basta-se com a assinatura, com o ato de aprovação parlamentar ou governamental. A assinatura significa vinculação, pré-vinculação.

III. Entrada em vigor

Nos termos do art. 24º, um tratado entra em vigor na data acordada pelos Estados na fase de negociação. Caso tal não aconteça, o critério a seguir é o consentimento de todos os Estados que tenham participado na negociação.

- há possibilidade de se proceder a certas cláusulas provisórias, com pré-vigência, art. 25º

IV. Publicação

Provisórias, sendo necessária posterior confirmação!

Page 3: Análise do processo de conclusão de Convenções Internacionais.docx

Convenção de Viena – Direito dos Tratados em análise

Publicação não significa vinculação por parte de todos os Estados signatários, isto porque a entrada em vigor pode preceder a publicação. Após essas duas fases, a convenção é enviada para a ONU, para efeitos de registo e publicidade. Neste sentido, art. 80º CV e 102º da Carta da ONU.

Revela-se aqui a importância da figura do depositário. Art. 76º e 77º CV: o depositário pode ser um estado ou mais do que um, uma organização internacional, etc, que se encarrega de enviar a convenção para registo na ONU, receber as assinaturas dos estados, “assegurar a guarda do texto original do tratado e dos plenos poderes que lhe tenham sido transmitidos”, entre outras funções.

Importante saber: um estado não poderá invocar uma disposição contida num tratado ou acordo caso este não esteja registado na ONU.

Figura das reservas

Uma reserva é uma declaração unilateral de um estado, pela qual esse realiza uma exceção ao cumprimento do tratado. De acordo com o art. 19º, pode-se realizar reservas, na medida em que essa não seja proibida, o tratado a permita, e não seja incompatível com o objeto e o fim do tratado. Também nos termos do art. 21º, uma reserva vincula o estado que a fizer, e não os outros estados-partes do tratado, nº2: “a reserva não modifica as disposições do tratado quanto às outras partes, nas suas relações inter se”.

Quanto ao procedimento, a reserva deve ser formulada por escrito e deve ser comunicada aos estados contratantes, nos termos do art. 23º. A reserva deve ser formulada no momento da assinatura, ratificação, aceitação, aprovação ou adesão a um tratado – ou seja, no momento de adoção/autenticação do texto.

As reservas colocam em causa o princípio fundamental da pacta sunt servanda? Não, porque ao fazer-se uma exceção, e esta seja reconhecida, não se está a incumprir o tratado; está-se, aliás, a dar uma possibilidade acrescida dos tratados vincularem um maior número de estados, aumentando a sua flexibilidade. Contudo, coloca em causa a integridade dos tratados, pois já não se aplicam integralmente.

Observância dos tratados

Em primeiro lugar, há que cumprir o princípio pacta sunt servanda, 26º CV, “todo o tratado em vigor vincula as Partes e deve ser por elas cumprido de boa-fé”.

O art. 27º dá-nos uma regra muito importante: este artigo diz-nos que um estado não pode invocar uma disposição interna para incumprir um tratado. Mas o art. 46º refere uma exceção a esta regra: a menos que se trate de uma norma de importância fundamental, e cuja violação seja “manifesta”. De acordo com o seu nº2, “uma violação é manifesta se for objetivamente evidente para qualquer estado que proceda, nesse domínio, de acordo com a prática habitual e de boa-fé”.

Page 4: Análise do processo de conclusão de Convenções Internacionais.docx

Convenção de Viena – Direito dos Tratados em análise

Em termos do tempo: os tratados não têm efeitos retroativos, art. 28º;

Em termos espaciais: os tratados aplicam-se à totalidade do território das partes, salvo disposição em contrário, art. 29º.

Interpretação

Essencialidade do elemento teleológico (o fim, o objetivo) Elemento literal + sistemático = a letra da lei e o contexto

perfazem outros elementos essenciais a levar em consideração para uma interpretação correta de um tratado.

Mas o elemento histórico pode também ajudar enquanto meio auxiliar, art. 32º: “trabalhos preparatórios e às circunstâncias em que foi concluído o tratado”, em particular quando o tratado tenha “sentido ambíguo ou obscuro” ou “conduza a um resultado manifestamente absurdo ou incoerente”.

Art. 33º, o tratado faz fé em cada uma das línguas dos estados que se vincularam ao tratado; nº3 – “presume-se que os termos de um tratado têm o mesmo sentido nos diversos textos autênticos”.

Interpretação atualista e objetivista, mens legis;

Direito português dos tratados

1ª fase: negociação e ajuste. Cabe ao Governo a negociação de convenções internacionais, nos termos do art. 197º/b) CRP. É o M. dos Negócios Estrangeiros o responsável pela prossecução das negociações, e da defesa dos interesses nacionais nas mesmas.

2ªfase, aprovação: tanto a AR como o Governo podem aprovar. Ou seja:

Se for tratado solene, será sempre a AR, art. 161º/i CRP Se for acordo, e se se tratar de matéria que cabe na reserva

absoluta ou relativa da AR, será a AR a aprovar, art. 161º/i; caso se trate de matéria reservada da AR e seja o Governo a aprovar, dar-se-á lugar a inconstitucionalidade. Reserva de tratado.

Se for acordo, cuja matéria não é muito relevante, é o Governo, a menos que este pretenda que seja a AR a aprovar, art. 197º/c)

3ª fase, ratificação e assinatura:

Demonstra-se, aqui, que a receção do direito internacional na ordem interna é condicionada, na medida em que não basta ato de aprovação por parte da AR para que um tratado passe a vincular em Portugal. Assim, tem o PR de ratificar, nos termos da sua competência, art. 135º/c), assim como assinar acordos, nos termos do art. 134º/b).

4ª fase: referenda ministerial, art. 140º assinatura pelo Primeiro-Ministro é necessária para que a convenção ganhe efetividade e entre em curso na ordem jurídica nacional.

5ªfase: publicação e publicidade, entrada em vigor. A publicação é essencial para a eficácia das convenções (119º/2), devendo assim ser publicadas no DR, nos termos do art. 119º/b). Note-se que a vigência

Page 5: Análise do processo de conclusão de Convenções Internacionais.docx

Convenção de Viena – Direito dos Tratados em análise

interna pode ficar “congelada”, à espera da vinculação total a nível dos outros estados.

Fases eventuais

Fiscalização preventiva: este é um controlo que demonstra que o DI está abaixo do Direito Constitucional. Assim, as convenções podem ser submetidas a fiscalização preventiva, tendo o TC 25 dias para decidir sobre a constitucionalidade das normas. Compete ao PR requerer esta apreciação ao TC, nos termos do art. 134º/g). Depois de apreciada, e tendo o TC proferido sentença no sentido da inconstitucionalidade, pode o PR devolver ao órgão que aprovou, e este: expurga as normas, confirma (sendo necessária maioria especial), ou nada faz.

Referendo: este deve ser realizado nos limites do interesse nacional. É competência do PR, nos termos do art. 134º/c). Trata-se da vontade do povo soberano que acaba por decidir se o país se deve vincular ou não à convenção internacional em causa.