Análise Fílmica - Elefante

Embed Size (px)

DESCRIPTION

analise filme elefante

Citation preview

  • Anlise Flmica: Elefante, de Gus Van Sant

    O presente texto se prope a analisar os aspectos da linguagem flmica de uma cena,

    formada por dois planos longos, do filme Elefante (2003), do diretor Gus Van Sant. A cena

    analisada a caminhada do personagem Nathan pela escola at o encontro da sua namorada

    Carrie. Trs aspectos da linguagem sero aqui focados: a utilizao do plano-seqncia, o

    ponto de vista da cmera e o som.

    1. Contexto histrico do filme

    Entender o contexto onde Elefante est inserido fundamental para se entender as

    escolhas de Gus Van Sant na direo do seu longa. A narrativa de Elefante baseada no

    incidente de Columbine (1999), onde dois adolescentes entraram armados na Columbine

    High School, resultando na morte de 12 estudantes e 1 professor. Se seguiu na sociedade

    americana e no mundo todo um extenso debate sobre as possveis causas do massacre. Muitas

    causas foram apontadas, como Jogos, msica, bullying ,facilidade do acesso armas de fogo,

    etc. Em 2002 Michael Moore lana o documentrio Bowling for Columbine, sendo este o filme

    mais popular relacionado a tragdia. Van Sant, s vai gravar Elefante em 2003, 5 anos aps o

    massacre em Columbine.

    2. Descrio da Cena

    Durao da cena: 546

    Quantidade de planos: 2

    Descrio dos planos: A cena se inicia com um plano fixo acompanhado da Sonata no. 14

    de Beethoven - que mostra um campo de futebol, onde alguns garotos jogam futebol, dentre

    eles dois personagens que vo ser apresentados durante o filme, e ao fundo outros jovens do

    colgio fazendo outras atividades. Ainda com a cmera fixa, outra personagem do filme,

    Michelle, aparece em primeiro plano, saindo, em slow motion, logo em seguida. Alguns

    segundos se passam e Nathan deixa o jogo, veste um casaco e vai em direo ao prdio da

  • escola. Nesse momento a cmera passa acompanhar Nathan num travelling com uma

    steadicam posicionada atrs dele. Mas cmera s vai at certo ponto, prximo a entrada do

    prdio da escola, onde ela para e aguarda fixamente at que Nathan entra nas dependncias

    do prdio. H um corte na cena, e o personagem j aparece no interior do edifcio, a msica

    continua, sem cortes, e novos sons, aparentemente diegticos so ouvidos. A cmera continua

    a seguir Nathan, sempre atrs dele, enquanto ele entra em corredores, sobe escadas, encontra

    personagens annimos da escola, sai de um edifcio, entra em outro, at passar por um grupo

    de trs garotas, Nicole, Britanny e Jordan. Nesse momento a imagem passa a ser em slow

    motion e a cmera se vira para as garotas, at aparecer, sem corte, j na frente de Nathan.

    Alguns segundos depois, Nathan encontra sua namorada, a cmera volta a se posicionar atrs

    dos personagens, e o plano termina, apresentando os nomes dos personagens.

    1. Anlise da cena

    A anlise deste filme, e desta cena em particular, deve-se iniciar com uma anlise do ttulo.

    O ttulo do filme faz referncia a um curta de 1989 do diretor Alan Clark. Van Sant acreditava

    que Clark fazia aluso a parbola indiana dos cegos e do elefante, onde um grupo de cegos,

    tateando diferentes partes de um elefante, tentavam o descrever, chegando cada um a

    resultados diferentes. na tentativa de resoluo do problema apresentado por essa

    parbola(fazer com que todos os cegos descrevam um mesmo elefante) que Gus Van Sant vai

    construir seu filme.

    Neste contexto, o plano-sequncia, utilizado largamente durante todo filme, e em especial

    nesta cena, assume grande importncia. A cena que tem um total de 546 tem apenas dois

    cortes. Quase todo caminho feito por Nathan testemunhado pelo espectador. como se Van

    Sant no quisesse, atravs dos planos longos, que nada que acontecesse ali naquele ambiente

    escapasse ao olhar da cmera. Ou que, atravs da montagem, ele passasse a impor

    determinado ponto de vista do acontecimento sobre o espectador. Apesar da baixa

    quantidade de cortes, os planos carregam por si s, um ritmo intenso, ora impresso pelos

    travellings da cmera, ora pela movimentao dos prprios personagens. Van Sant vai aqui

    aderir a idia de Tarkovski de que o ritmo de um filme se concentra dentro do plano, e no da

    forma que os mesmos so montados.

    Van Sant ainda vai se utilizar do slow motion para marcar certas passagens. Logo no incio

    da cena analisada, a personagem Michelle aparece em primeiro plano, interrompendo sua

    corrida e iniciando o slow motion do plano. Ela olha para o cu e ao seu redor, como se

  • notasse alguma alterao no ambiente, e sai correndo em seguida, terminando o slow motion.

    Fica a impresso de que a presena dessa personagem levasse de certa maneira a uma

    desacelerao do tempo naquele ambiente.

    Nesse primeiro plano, que todo a cu aberto, nota-se uma grande profundidade de

    campo. Durante todo esse plano possvel no s ver com nitidez o que se passa prximo a

    cmera, mas como tambm o que

    acontece longe dela. Em tese todo filme

    teria essa nitidez nas imagens, pois h, de

    fato, a tentativa por parte de Van Sant de

    abarcar uma totalidade dos

    acontecimentos em seu filme, porm, a

    profundidade de campo, que em cu

    aberto grande, vai sofrer enorme

    reduo nas cenas filmadas em ambientes

    internos. Assim que termina o primeiro plano desta cena, h um corte e Nathan j mostrado

    dentro do prdio da escola. Apesar da longa extenso do espao diegtico especialmente

    nos corredores da escola s possvel ver com clareza o que est bem prximo a cmera.

    Isso ainda vai se repetir em outros travellings que vo acompanhar os personagens da escola.

    trabalhado aqui por Van Sant o isolamento das personagens. Como se na perspectiva de

    cada um, o outro fosse apenas uma imagem borrada.

    Tomando emprestado o termo da fotografia, possvel se falar tambm numa

    profundidade de som. Fazendo contraposio a pouca profundidade de campo das cenas

    indoor, possvel se ouvir uma profuso enorme de sons durante todo o plano. Presente no

    primeiro plano a cu aberto, essa

    profundidade de som se amplifica

    quando a personagem entra nas

    dependncias da escola. possvel ouvir

    corais cantando, instrumentos musicais,

    pessoas conversando, alm de outros

    rudos no identificveis. Os sons aqui

    so aparentemente diegticos, fazendo

    parte, portanto da realidade interna do filme. Porm, em sua maioria, so sons fora de campo.

    na montagem que esses sons vo emergir nos planos e se fundir com as imagens. Alm dos

    sons diegticos, a cena inteira acompanhada pela Sonata de Beethoven. Sonata que vai ser

  • tocada no piano por Eric, um dos protagonistas do massacre, posteriormente no filme.

    Indicando porque Michelle parece no incio da cena perceber algo de diferente no ambiente,

    como que prevendo que algo estivesse pro acontecer. Sendo possvel at, simbolicamente,

    que a sonata seja tocada pelo prprio Eric.

    O ponto de vista da cmera tambm se destaca na construo dessa cena. Tendo um

    campo de viso limitado a resoluo da cmera, Van Sant vai se valer de variados pontos de

    vista para abarcar tudo que for possvel na durao do filme. Nesta cena, possvel ver a

    cmera mudando diversas vezes de ponto de vista, filmando Nathan de trs, enquadrando

    todo seu corpo, ou lado, mostrando

    apenas do peito para cima, ou at mesmo

    de frente a ele. O ponto de vista, porm,

    no vai se limitar aos movimentos da

    cmera num mesmo travelling. Em

    diversos momentos do filme possvel ver

    uma mesma cena se repetindo a partir do

    ponto de vista de um outro personagem.

    O encontro de Nathan com as trs garotas, vai se repetir posteriormente, a partir do ponto de

    vista das trs garotas. especialmente por esse aspecto, que Van Sant vai juntar as partes do

    elefante. A necessidade de uma viso mais ampla sobre incidente de Columbine,

    trabalhada, fundamentalmente, por Van Sant atravs desse aspecto.

    Bibliografia:

    MARTIN, Marcel. A Linguagem Cinematogrfica. Brasiliense, 1990.

    TARKOVSKI, Andrei. Esculpir o Tempo. Martins Fonte. So Paulo, 1998.

    VANOYE, Francis, GOLIOT-LET, Anne. Ensaio Sobre a Anlise Flmica..

    Campinas: Papirus, 1994.