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    Anlise sociolgica das profisses: principais eixos de desenvolvimento

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    1Professor do Departamento de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Portoe investigador do Instituto de Sociologia ([email protected]).

    Anlise sociolgica das profisses: principaiseixos de desenvolvimento

    Carlos Manuel Gonalves1

    ResumoO texto que se apresenta aborda os desenvolvimentos da anlise sociolgica

    das profisses nas dcadas mais recentes, em particular no contexto da Europacontinental. Abordagem que ser antecedida pela explanao dos principais marcosterico-metodolgicos que sedimentaram o campo analtico ao longo do sculoXX. Verifica-se presentemente uma intensificao da reflexo sociolgica sobre osgrupos profissionais. Reflexo que retoma, embora em novos moldes, algumas das

    questes axiais que estruturam a abordagem sociolgica e, em simultneo, integraquestionamentos inovadores sobre o fenmeno profissional. A diversidade de temase de abordagens impossibilita que se possa detectar uma sociologia europeia dasprofisses. Num ltimo ponto passaremos em revista a produo sociolgicaportuguesa sobre os grupos profissionais.

    Palavras-chave: Profisses, desenvolvimentos da anlise sociolgica dasprofisses, regulao profissional.

    A anlise sociolgica das profisses e das ocupaes em geral apresenta-secomo um instrumento importante, por intermdio dos seus modelos analticos eresultados de investigaes empricas, para a leitura cientificamente fundamentadadas plurais recomposies sociais, econmicas e culturais que atravessam omundo do trabalho nas actuais sociedades globalizadas, em particular as daAmrica do Norte e da Europa.

    Desde os anos trinta do sculo XX que, no quadro da anlise sociolgicadas profisses, se assiste reconstruo continuada de quadros terico-metodolgicos sobre o fenmeno profissional com pontos de contacto entre si,

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    2 comum entender-se aquela anlise como uma especialidade sociolgica, mais propriamentedesignada por sociologia das profisses para uns ou sociologia dos grupos profissionais paraoutros.

    3Em Portugal alguns caminhos tericos e empricos vm sendo realizados sobre as profisses,como veremos mais frente.

    mas, igualmente notrias clivagens2. A evoluo histrica dessas problemticas fortemente tributria dos contributos da sociologia anglo-americana. Todavia,nas ltimas dcadas, o panorama terico alterou-se substancialmente, no sentidode um interesse crescente e sustentado por parte dos socilogos da Europacontinental, traduzido no incremento de investigaes e de formulaes tericasespecficas3.

    Da leitura de diversos textos (Collins, 1990; Macdonald, 1995; Freidson,1994; Dubar e Tripier, 1998; Rodrigues, 1998; Evetts, 2003a; Martnez eCarreras, 2003), ressalta, como um dos elementos comuns, a diviso em fasesdo percurso histrico daquela anlise. Embora as periodizaes estabelecidasno sejam idnticas entre os autores, possvel uma delimitao de fases comfronteiras temporais no traadas em definitivo: uma primeira que engloba adefinio do campo de anlise, por via do predomnio das teses funcionalistas,mas tambm do contributo dos interaccionistas simblicos, e que ocorreu entreos anos trinta e os anos sessenta do sculo passado; uma segunda, de crtica steses funcionalistas e de emergncia das teses revisionistas at aos finais dos anossetenta; uma terceira, na dcada seguinte, de sedimentao da diversidade dequadros terico-metodolgicos, ampliando perspectivas desenvolvidas na faseanterior, colocando-se, por exemplo, a nfase analtica no poder e monopliosprofissionais e numa abordagem sistmica das profisses; uma quarta fase,que vem ocorrendo nos ltimos quinze anos em que ganham destaque quer aabordagem comparativa dos fenmenos profissionais, quer o incremento daproduo sociolgica na Europa continental, quer ainda a emergncia de novasproblemticas tericas (permeando as duas anteriores). O objecto principal dopresente texto ser o de equacionar os principais desenvolvimentos que vemassumindo a anlise sociolgica mais recente sobre as profisses, em particularno contexto da Europa continental, o que ser antecedido por uma apresentao,breve e sinttica, de algumas das problemticas terico-metodolgicas quesedimentaram o campo disciplinar.

    1. Perspectivas dos funcionalistas e dos interaccionistas

    A obra dos britnicos Carr-Saunders e Wilson (1933) apontada como omarco fundador da abordagem sociolgica das profisses. Da sua leitura destaca--se, em primeiro lugar, a definio dos atributos particulares s profisses, e noobservveis nas ocupaes comuns, que lhes do um lugar distintivo no seio da

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    sociedade e, em segundo, a defesa do profissionalismo, na qualidade de sistemade valores, como fundamental para o funcionamento das sociedades capitalistas.Daqui derivam determinadas questes principais, interdependentes, que ironortear, nas dcadas seguintes, as perspectivas funcionalistas: o que umaprofisso? quais os atributos que possuem, em termos de natureza e organizaodo trabalho e dos valores, que as distinguem das ocupaes comuns? qual a funosocial das profisses? que contributos podero fornecer para a manuteno dassociedades capitalistas?

    A perspectiva funcionalista sobre as profisses (tambm designada deessencialista ou taxinmica), desenvolvida com maior nfase nos anos cinquenta esessenta no seio da sociologia norte-americana, produziu um conjunto abundantede esquemas classificatrios (Goode, 1960; Barber, 1965; Greenwood, 1966,entre outros), que isolam as profisses das restantes ocupaes. s primeiras so--lhes conferidos atributos exclusivos como o altrusmo e a orientao vocacional,a posse de conhecimentos cientficos e tcnicos, complexos e especializados,obtidos aps uma longa formao universitria, utilizados de modo racional eno mercantil, e a orientao das prticas profissionais por princpios ticos edeontolgicos. Daqui emerge o conceito de profisso, de natureza enumerativa,tendo como exemplos paradigmticos os mdicos e os advogados, que servircomo tipo ideal para a seleco e identificao das ocupaes em geral.Simultaneamente, os socilogos funcionalistas, no contexto amplo do mundodo trabalho, valorizaram poltica e socialmente o modelo profissional face aomodelo do trabalho assalariado e ao modelo empresarial.

    A par dos esquemas classificatrios, um outro elemento principal do quadroterico funcionalista sobressai: a concepo das profisses como instrumentos deresposta s necessidades sociais que concorrem para a integrao e coeso sociaisnas sociedades capitalistas. Parsons (1958, 1972, 1982) um dos socilogos querecupera esta tese de Durkheim ([1897] 1973 e [1893] 1984), enfatizando-a na suaanlise e rompendo, em simultneo, com a perspectiva de natureza sociogrficasobre as profisses que era apangio de outros socilogos funcionalistas. A possede conhecimentos cientficos e tcnicos e o ideal de servio colectividade soconsideradas como as principais fontes de legitimidade social das profisses euma garantia da sua imprescindibilidade funcional para as sociedades.

    As teses funcionalistas foram fundamentais para a delimitao do campo daanlise sociolgica das profisses e para a sua valorizao no seio da sociologia.Definido o objecto - as profisses - e a metodologia comparativo-taxinmica(entre profisses e entre estas e as ocupaes comuns), sucederam-se ao longodos anos cinquenta e sessenta vrios trabalhos cujo contributo se quedou pelomapeamento, de natureza empirista, das propriedades dos grupos ocupacionais(Cogan, 1953; Goode, 1960; Reader, 1966, entre outros). As anlises de Merton(1982), com a mobilizao dos conceitos de funes manifestas e de funeslatentes, a adopo do conceito de altrusmo institucionalizado e o destaque

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    4 A principal interrogao enformadora das teses interaccionistas ilustrativa da suaconcepo sobre as profisses - quais as circunstncias pelas quais as pessoas que tm umaocupao tentam torn-la numa profisso, e a si prprios em profissionais? (Hughes, 1958: 45).

    conferido aos comportamentos dos profissionais face aos clientes, a par dostrabalhos de Wilensky (1964) sobre as etapas dos processos de profissionalizao,a especificidade das atitudes, valores e aces dos profissionais face aos restantesgrupos ocupacionais, apresentam-se como marcantes, pela parcial inovaoconceptual introduzida no quadro funcionalista. A centralizao excessiva nadefinio dos atributos, a natureza empirista dos estudos, a desafeio pela reflexoterica como sustentculo da investigao emprica, a atomizao analtica dasprofisses face s dinmicas globais do capitalismo nacional constituem eixosda abordagem funcionalista, que concorreram para uma leitura heuristicamentefraca do fenmeno profissional.

    A primeira grande ruptura com o quadro funcionalista, ainda no mbito dasociologia norte-americana, feita pelos trabalhos de alguns dos interaccionistassimblicos, nomeadamente Hughes (1958 e 1963). Ruptura feita em vrios sentidose que decorre da posio epistemolgica e terica do interaccionismo quanto sociedade e sociologia: a problemtica sociolgica nuclear radica-se na anlisedas prticas dos membros de um grupo ocupacional para serem reconhecidos elegitimados socialmente como detentores monopolistas de uma rea de actividadeprofissional, o que lhes confere um elevado prestgio e estatuto social - destemodo determinante a compreenso dos jogos de interaco social permeadospela conflitualidade e pelo poder de controlar e monopolizar determinadasactividades profissionais4; as profisses so objectos da prtica quotidiana, nomais de que um folk concept; a inexistncia de uma definio apriorstica deprofisso, mas uma pluralidade de situaes, resultantes de diferentes contextossociais em que so exercidas as correspondentes actividades laborais; a opometodolgica pelas monografias sobre as ocupaes, privilegiando-se sempreas consideradas menos distintivas socialmente (ao contrrio do que aconteceucom os funcionalistas que se centraram nos mdicos e advogados), observadaspor via da observao participante e das histrias de vida, seguindo a tradioetnogrfica da Escola de Chicago.

    A ausncia de uma leitura mais sistmica do fenmeno profissional,inserindo-a no seio das dinmicas da sociedade capitalista americana dos anossessenta, concomitantemente valorizao extrema da anlise micro-sociolgicacomo eixo nico de abordagem, que no entanto possibilitou a elaborao detrabalhos ricos etnograficamente, acabam por constiturem-se nos pontos maisdbeis da leitura dos interaccionistas simblicos sobre as profisses.

    A perspectiva dos interaccionistas, que no panorama da sociologia dasprofisses norte-americana dos anos cinquenta e sessenta ocupou uma posiomarginal face aos funcionalistas - os efectivos protagonistas tericos do campo

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    da anlise sociolgica das profisses ento em sedimentao - ir ser, nos anossubsequentes, objecto de uma ateno especial pelos socilogos crticos das tesesdaqueles ltimos, sendo mobilizada como um dos recursos terico-metodolgicosprincipais para o estudo das profisses.

    2. Crtica e reviso dos clssicos. As teses do poder e do monoplioprofissional

    Desde meados dos anos sessenta at ao final da dcada seguinte observa--se uma segunda fase no desenvolvimento da anlise sociolgica das profisses,caracterizada pelas leituras crticas da perspectiva funcionalista, que se conjugamcom um discurso anti-profissional desmistificador das prticas das profisses, daretrica legitimadora da sua existncia e igualmente contestatrio dos privilgiosmateriais e simblicos dos profissionais. No seio da amlgama de tais leiturasiro emergir e adquirir destaque as teses do poder e do monoplio profissionais.

    As leituras crticas procedem reviso dos resultados dos estudosfuncionalistas e desconstruo das teses em que assentam. Emergem comoprincipais crticas (Johnson, 1972; Chapoulie, 1973, Roth, 1974; Gyaramati,1975; Freidson, 1978): a natureza no cientfica do tipo ideal de profisso, namedida em que fundamentado numa seleco acrtica dos atributos - no maisdo que a duplicao, no discurso sociolgico, do discurso auto-justificativo feitopelas profisses - e no validado metodologicamente; a aplicao a-histricada noo de profisso, desvalorizando os contextos scio-histricos em que seinstitucionalizam as profisses; o cunho profundamente essencialista da anlise,ocultando a trama de relaes e de processos sociais que enformam o fenmenoprofissional; a leitura idlica e errnea de que as profissionais orientam a suaaco privilegiadamente pelo altrusmo, ignorando as relaes de poder quetm com os clientes; a desadequao do modelo profissional para a anlise dotrabalho e das dinmicas profissionais pela sua natureza meramente estereotipadae ideolgica.

    O movimento revisionista da sociologia das profisses caracteriza-se pelasua diversidade terica. unanimidade terica dos funcionalistas ir seguir-sea emergncia de trabalhos sobre as profisses a partir das teses neo-weberianas,neo-marxistas, interaccionistas, entre outras. A par disto, o que sobressai a eleio de novas problemticas e de novos questionamentos sociolgicosque se situam nos antpodas tericos do funcionalismo. Numa anlise macro,enquadram-se as profisses nas dinmicas das sociedades capitalistas, dando--se conta dos processos de formao das profisses e como se articulam, porsua vez, com a expanso do sistema econmico capitalista, a constituio esedimentao dos Estados modernos. Numa anlise meso, destacam-se: opoder dos profissionais face aos clientes, a outros profissionais e ao Estado; osprocessos de construo e institucionalizao dos monoplios profissionais; as

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    articulaes entre as profisses e a estrutura das classes sociais; os conflitos entreprofisses para a apropriao das jurisdies profissionais; a influncia culturale poltica exercida pelas profisses para benefcio dos prprios interesses; adesprofissionalizao e proletarizao dos profissionais; a retrica legitimadorada ideologia profissional.

    Estas so algumas das problemticas emergentes no decurso da segundafase do percurso da abordagem sociolgica das profisses, expressando em parteos novos tempos, pautados pela crise econmica e social, de meados dos anossetenta, que se impunha rapidamente depois da poca urea para o mundo dotrabalho que tinham sido as dcadas anteriores.

    , actualmente, consensual que no equacionamento das novas problemticassociolgicas sobre as profisses foram cruciais os trabalhos de Jonhson (1972),de Larson (1977) e Freidson (1978). O tema do poder profissional est presenteem todos estes trabalhos, conquanto existam diferenas tericas relevantes.Para Jonhson, a anlise das profisses deve centrar-se nas relaes de poderque subsistem entre o produtor de servios profissionais e o cliente. Interessa desobremaneira compreender como o primeiro controla as relaes com o segundoem seu benefcio prprio. Conhecimentos especializados no dominados pelocliente e a indeterminao da resultante, contribuem decisivamente para asrelaes de distncia social entre os dois e para a dependncia do cliente peranteo profissional. Criam-se, assim, as condies para o predomnio e controlo poreste da relao. Numa aproximao tipolgica a esta situao, o autor identificatrs tipos de controlo social: colegial; patrocinato; mediado. O profissionalismo uma forma de controlo ocupacional que integra o primeiro tipo e no qual o profissional que possui a capacidade de definir as necessidades do cliente- ao invs do que aponta o funcionalismo que argumenta que os profissionaissatisfazem necessidades definidas exteriormente s suas aces - e de encontraros meios para as satisfazer.

    Os trs tipos de controlo resultam de determinados contextos histricos,que expressam, por sua vez, a evoluo do capitalismo, bem como os modoscomo essa mesma evoluo se entrelaa com os processos de profissionalizao.Deste modo, a abordagem de Jonhson acaba por dar um contributo importantepara a sociologia das profisses: reafirma a anlise das dinmicas das profisses,relacionando-as, numa abordagem mais ampla conceptualmente, que mobiliza adimenso histrica da profissionalizao com a evoluo econmica e as acesdo Estado. Por outro lado, a nfase no poder das profisses ir igualmente ampliara viso desencantada sobre o mundo profissional por parte dos socilogos. A partirdo trabalho do autor, e de outros que se perfilham no movimento revisionista dasteses funcionalistas (Berlant, 1975; Collins, 1979, por exemplo), deixou de seradmissvel ignorar, no quadro dos modelos de anlise mobilizados, as estratgiasde defesa ou de consolidao protagonizados pelas profisses dos seus prpriosinteresses econmicos e polticos.

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    A perspectiva de Larson (1977) alicera-se fundamentalmente numenfoque diferenciado de Jonhson. Inspirada num esquema terico, baseadonuma sntese entre as teses marxistas e weberianas, o interesse dirige-se para aanlise do projecto profissional de vrias profisses em Inglaterra e nos E.U.A.(mdicos, advogados e engenheiros) durante o sculo XIX, articulando-o com odesenvolvimento do capitalismo. Tal projecto incorpora um processo histricoem que as profisses alcanaram um monoplio legal sobre certas actividadesde servios, criando mercados de profissionais especficos (fechados a noprofissionais), garantindo do Estado o reconhecimento legal e a proteco para asactividades dos respectivos profissionais e, obtendo, assim, privilgios acrescidosem termos materiais e simblicos. O monoplio tambm se estende a uma reado conhecimento (estabelecendo-se a exclusividade cognitiva a favor de umaprofisso) e s qualificaes profissionais especficas ao grupo, imprescindveispara o exerccio das actividades, as quais so ensinadas nas universidades elegitimadas socialmente por credenciais especficas. Paralelamente, subsiste umprocesso histrico de mobilidade social, individual e colectivo, dos profissionaisque lhes possibilita o acesso a posies marcadas por um estatuto social elevado.O monoplio de um mercado de servios profissionais e o fechamento culturalpor parte de um grupo profissional conduz ao seu fechamento social (socialclosure- conceito retomado de Weber). Este fechamento o objectivo primeirodas profisses.

    No obstante estar circunscrita ao espao anglo-americano, a heuristicidadeda leitura de Larson provm, pelo menos, dos seguintes elementos tericos:concepo das profisses como actores sociais; articulao entre mobilidadesocial e controlo monopolista do mercado (perfilhando aqui, como em outroselementos do seu modelo terico, a perspectiva de Weber de que as profissestm simultaneamente interesses econmicos e sociais); anlise scio-histricados projectos profissionais; cruzamento analtico entre a aco dos gruposprofissionais, as suas relaes com o Estado, os modos como este se posicionouface ao desenvolvimento das profisses e o papel das universidades, na duplaqualidade de instituies de produo dos conhecimentos cientficos,em que sefundamenta a profisso, e de profissionais credenciados; recusa da existncia deum nico modelo de profissionalizao.

    As teses de Larson sofrem alguma contestao, principalmente quanto a umavalorizao excessiva dada pela autora concretizao do monoplio profissional(Halliday, 1983 e 1985), o que no tem impedido a relevncia do seu contributo,como demonstram os estudos empricos (Macdonald, 1984; 1989 e 1995),por exemplo, e a sua eleio como padro de referncia terico-metodolgicopara a abordagem da profissionalizao (Dubar e Tripier, 1998). A questo dofechamento social das profisses ir ser aprofundada por Parkin (1978), noquadro mais lato da sua teoria sobre a estratificao social, demonstrando quea profissionalizao no mais do que uma estratgia de fechamento assente

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    no credencialismo, bem como por Collins (1979; 1990), que avana com a tesedas profisses combinarem sempre dois aspectos:market closure e highoccupational status honour. As actuais anlises (Saks, 2003), que apontampara que a abordagem neo-weberiana sobre as profisses no tenha prestado adevida ateno insero das profisses na diviso do trabalho, no ferem arelevante importncia que esta tem na consolidao da sociologia das profisses,como anlise sociolgica das profisses nos anos setenta e seguintes. As anlisessobre os processos de monopolizao da medicina, na Inglaterra e nos E.U.A., deBerlant (1975) e da medicina britnica de Parry e Parry (1976), bem como, maisrecentemente, de Witz (1992) sobre as relaes entre gnero e profissionalismo,so textos que igualmente concorrem para aquela relevncia.

    Ao contrrio de Jonhson e Larson, Freidson apresenta-se como umsocilogo com uma vasta obra publicada at actualidade. Retendo aquiunicamente duas das primeiras e principais (Freidson, 1978; 1986)5, sobressaiuma tese fundamental, a profisso uma forma de organizao do mercado detrabalho que assenta em trs elementos fundamentais que sustentam o seu poder:autonomia tcnica por via do controlo da natureza e da forma como executadoo trabalho (neste sentido o profissional um expert); monoplio de uma rea deconhecimento especializado e institucionalizado, o qual sustenta essa autonomia;credencialismo (a forma que assume o gatekeeping)que permite o acesso profisso somente dos que detm credenciais ocupacionais ou institucionais. Aprofisso no mais de que uma ocupao com uma posio particular no seio dadiviso do trabalho que lhe possibilita controlar, em exclusividade, o seu prpriotrabalho. Num texto recente Freidson (2001) avana com a formulao do ideal-tipo de profissionalismo constitudo por elementos interdependentes: trabalhoespecializado assente num corpo terico, no uso discricionrio do conhecimentoe das competncias pelo profissional; jurisdio exclusiva e uma diviso dotrabalho controladas pela profisso; posio de monoplio no mercado baseadaem credenciais qualificacionais criadas pela profisso; existncia de um programaformal de ensino, ao nvel superior, produtor dessas credenciais e controlado pelaprofisso; existncia de uma ideologia que garanta o reconhecimento social dotrabalho profissional, da sua eficincia econmica e da validade do conhecimentoespecializado em que assenta.

    O autor distingue-se de outros socilogos crticos das teses funcionalistas(como, por exemplo, Johnson e Larson), entre outros aspectos, por no enfileirarnuma posio de antagonismo radical face s profisses. Pelo contrrio,

    5Outros livros so de considerar - Freidson (1994 e 2001). Ambos renem um conjuntode textos publicados, em diferentes datas, pelo autor. Retomaremos, mais frente estas obras. Arevista Knowlewdge, Work & Societyn 2 de 2006, organizada por Mirella Giannini et CharlesGadea, reune um conjunto diversificado de textos que analisam a obra de Freidson, em termosdos seus trabalhos sobre a sociologia das profisses e a sociologia da medicina, um ano aps o seufalecimento.

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    defende as virtualidades do profissionalismo nas sociedades capitalistascontemporneas, reconhecendo, entretanto, os privilgios excessivos auferidospor algumas profisses. No deixando de ser polmico, justifica a sua posturacom trs argumentos (Freidson, 1994): o profissionalismo como oposio aopoder administrativo no seio das organizaes burocrticas; as profisses so,pela natureza da sua actividade e longa formao escolar, a anttese do trabalhoalienado; por ltimo, estas constituem uma forma protectora de organizaodo mercado de trabalho face ignorncia, incompetncia e, em simultneo,salvaguardam os interesses dos prprios clientes dos profissionais. No mesmosentido vo, por exemplo, as consideraes de Evetts (2003a).

    tendo por base esta postura, no completamente desencantada faces profisses, que Freidson (1986) ser um crtico contundente das teses daproletarizao (Oppenheimer, 1973; Derber, 1983) e da desprofissionalizao(Hall, 1975), mas igualmente um cptico face leitura de Bell (1976) sobre asociedade ps-industrial, que conferia aos profissionais um acentuado domniosocial e poltico.

    3. Perspectiva sistmica

    A terceira fase do desenvolvimento da anlise sociolgica das profisses,durante os anos oitenta, distingue-se pelo aprofundamento das teses do poder edos monoplios profissionais, e pela afirmao de uma perspectiva sistmica ecomplexa sobre o fenmeno profissional. Verifica-se, igualmente, um decrscimodas crticas mais contundentes quanto s profisses e o incio de uma releiturada insero destas nas sociedades capitalistas, sujeitas a uma intensificao dosprocessos de globalizao econmica e financeira.

    No decurso daqueles anos, o trabalho de Abbott (1988) ganhou umanotoriedade indiscutvel. Recuperando alguns dos contributos terico-metodol-gicos expressos pelos funcionalistas, pelos interaccionistas simblicos e pelosdefensores das teses do poder profissional, o autor formula um novo quadroconceptual sobre as profisses e os processos de profissionalizao nas sociedadescapitalistas avanadas. Ao contrrio de outros socilogos preocupados com aestrutura das profisses, a sua ateno dirige-se, em primeiro lugar, para a anliseda natureza do trabalho dos profissionais. um nvel de observao fundamentalpara se perceber as prticas dos profissionais, os modos como so mobilizados osconhecimentos produzidos nos espaos acadmicos e as relaes de conflito comoutras profisses a propsito do controlo das respectivas jurisdies6.

    6O termo jurisdio significa a relao que existe entre uma determinada profisso e o seutrabalho (Abbott, 1988).

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    Tendo tal questionamento por base, o autor aponta para um modelosistmico, tributrio de uma leitura ecolgica, sobre as profisses, assente emdeterminados eixos analticos: i) o conjunto de profisses constitui o que designapor sistema de profisses - concepo holstica sobre o fenmeno profissionalque valoriza a interdependncia das relaes entre as profisses; ii) a fixaodas jurisdies o objectivo primeiro do desenvolvimento das profisses, o queconcorre directamente para uma permanente conflitualidade interprofissional; iii)o conhecimento formal, de natureza abstracta, controlado monopolisticamentepor uma profisso o seu elemento definitrio principal e, em simultneo, oseu primeiro recurso no seio daquela conflitualidade; iv) as profisses no sohomogneas, apresentam-se diferenciadas internamente em grupos ou segmentos,de acordo com as situaes de trabalho, mas tambm em instituies de ensinoe de controlo; v) as profisses so sujeitas a mudanas produzidas por forasinternas (em que predomina o incremento de novos conhecimentos cientficos)e por foras externas (evoluo tecnolgica e alteraes nas organizaes), queconduzem a mutaes na sua legitimidade social e poder; vi) o poder da profisso fundamental para manter a respectiva jurisdio e decorre da capacidadede dominao face a outros grupos profissionais, ao Estado e aos clientes ouempregadores.

    Dos principais traos aqui apontados, de modo sinttico, sobre o trabalho deAbbott (1988), ressalta uma abordagem sistmica das dinmicas das profissesque heuristicamente coloca a tnica nos processos, complexos, de conquista,sedimentao e de defesa das jurisdies, isto , nas relaes pautadas pelosconflitos entre profisses, bem como nos procedimentos sociais para a resoluodesses conflitos, que trespassam o mundo profissional com as suas contingnciashistricas, sociais e culturais.

    No quadro da sociologia americana das profisses dos anos oitenta, o livrode Abbott a nica produo de relevo a par do texto de Freidson (1986) jreferenciado. um perodo em que se assiste a uma quebra do interesse pelosgrupos profissionais (Hall, 1983; Macdonald e Ritzer, 1988). Tal facto expressa,em parte, a desvalorizao do tema das profisses e do profissionalismo no seioda comunidade sociolgica, resultante do movimento contestatrio e revisionistadas teses funcionalistas. Deixou de ser um tema apelativo para as agendas deinvestigao, mais centradas numa viso ampla das dinmicas do capitalismo,da estrutura social, dos movimentos sociais, entre outros temas, enformadaspredominantemente por uma leitura marxista ou da sociologia crtica, queno tinham uma tradio de equacionamento das profisses. Por outro lado, aquebra das teses funcionalistas arrastou consigo uma perspectiva de anlise, quevalorizava fortemente a seleco e classificao das profisses, originando umvazio terico difcil de ser preenchido para quem no tinha uma opo tericasociolgica ancorada no interaccionismo, nas teses neo-weberianas ou nas dopoder profissional.

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    7Tomando preferencialmente como referncia as sociologias francesa e a italiana.

    Trajecto diferente para o mesmo perodo verifica-se em relao produobritnica sobre as profisses, como testemunham Macdonald e Ritzer (1988).Investigadores e estudantes de sociologia desenvolveram um conjunto detrabalhos em torno de determinados eixos analticos: a conflitualidade intere intra-profisses; as relaes entre o Estado e as profisses; as posies dasprofisses na estratificao social. A produo mais intensa pelos britnicosbaseou-se quer numa releitura dos trabalhos de Marx e Weber, quer no estudodas profisses inserindo-as no contexto social mais amplo, quer na assumpode uma posio crtica face s profisses (Macdonald e Ritzer, 1988: 268). Taisopes terico-metodolgicas podero explicar o interesse manifestado, aocontrrio do que aconteceu com os americanos. A par disto, uma das conclusesdos estudos aponta para que na Gr-Bretanha as profisses mantinham, nos anossetenta e oitenta, o seu estatuto social e importncia econmica, persistindo nodesenvolvimento de estratgias em defesa dos seus privilgios simblicos emateriais.

    4. Perspectiva comparativa, incremento da produo terica na Europacontinental e novos questionamentos tericos

    Durante a quarta fase do desenvolvimento da sociologia das profisses,a decorrer nos ltimos quinze anos, ganha relevo o incremento da produosociolgica na Europa continental, a abordagem comparativa dos fenmenosprofissionais e a emergncia de novas problemticas tericas.

    Assiste-se, desde o incio dos anos noventa, a uma ampliao da produosociolgica sobre as profisses em alguns dos contextos nacionais da Europacontinental, como o caso da Frana, da Itlia e dos pases escandinavos.Progressivamente, a reflexo sobre as profisses ganha densidade conceptual eemprica, embora na base de uma diversidade de temticas, de objectos empricos,de abordagens terico-metodolgicas, subsistindo tambm diferenas notriasconforme o pas. um facto novo que representa uma ruptura face ao passado,que se caracterizou por um quase desconhecimento na Europa continental daproduo da sociologia das profisses anglo-americana e pela inexistncia deestudos empricos sobre os grupos profissionais no circunscritos ao operariado.

    Razes vrias podero ser elencadas para se compreender este desinteresse,durante as dcadas de cinquenta a setenta, face ao conhecimento sociolgicodas profisses (Lucas e Dubar (eds), 1994; Dubar e Tripier, 1998; Buterae Prandstraller, 1998; Dubar, 2003; Menger, 2003)7. Em primeiro lugar, acontestao generalizada s teses funcionalistas pelos socilogos europeusconduziu-os consequentemente a um afastamento da anlise sociolgica das

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    8So escassas as referncias sobre a sociologia das profisses nos anos sessenta e setentana Europa continental. Por exemplo, em Frana, Tranton (1962) aborda os elementos tericos

    principais da sociologia das profisses, em especial a americana, todavia somente uma dcadadepois aparecem outros textos - Benguigui (1972), Maurice (1972) e Chapoulie (1973) - mas numaperspectiva fortemente crtica, associando-se ao movimento de contestao s teses funcionalistase ao modelo profissional por elas defendido, que lavra no espao anglo-americano. Como sublinhaDubar (2003: 53), no Trait de Sociologie du Travail(Fridemann e Naville, 1960-1) rareiam asreferncias s profisses ou grupos profissionais, e quando isso acontece remetem para a noode categoria profissional. Situao idntica verifica-se nas publicaes Sociologie du Travail eSociologie Franaise de Sociologie, entre 1960 e 1980.

    9NoDicionrio da Lngua Portuguesa da Academia das Cincias de Lisboa(2001: 2973),o termo profisso apresenta vrios significados: Aco ou resultado de professar; Confisso oudeclarao pblica de princpios; Consagrao vida religiosa; Actividade remunerada queuma pessoa desempenha habitualmente num servio, numa empresa e que exige um certo graude formao ou especializao; Conjunto de pessoas que tm a mesma ocupao profissional.Presentemente, o termo na linguagem comum est fortemente localizado nos dois ltimossignificados. patente o uso como meio de classificao de um indivduo face ao seu meio devida. Ter ou no profisso categorizador da qualidade da sua insero social. Como apontmosem outro texto (Gonalves, 1998: 85): igualmente patente que qualificao se encontraintimamente ligada a produo de juzos de valor sobre uma determinada actividade laboral. assim que encontramos apreciaes em que a profisso designa exclusivamente uma actividadea tempo inteiro e remunerada (neste caso se situa a distino efectuada, por exemplo, entre odesporto amador e o desporto profissional) ou ento exercida com competncia e responsabilidade.A prpria utilizao do termo profissional aponta a diferenciao entre aqueles indivduos quesabem exercer a profisso, os tais competentes e responsveis, e os outros que no o fazem e

    passam a ser classificados negativamente como incompetentes e no profissionais. Na terminologiaadministrativo-estatstica expressa, por exemplo, na Classificao Nacional das Profisses, define-seprofisso como um conjunto de tarefas que concorrem para a mesma finalidade e que pressupemconhecimentos semelhantes. A par disto, a noo de profisso na linguagem comum remete paraum certo grau de especializao laborativa, sustentada ou no numa aprendizagem escolar.

    profisses onde as mesmas eram predominantes. Em segundo, a hegemonia dasinvestigaes sobre a classe operria e o trabalho industrial em geral, em quepontificava o quadro terico marxista, impossibilitou a emergncia de outrostemas sobre o mundo do trabalho, entre eles os dos grupos profissionais noligados indstria. Em terceiro, os obstculos transposio do quadro tericofuncionalista para os contextos nacionais da Europa continental.

    Argumentava-se fortemente que o modelo profissional era uma especificidadeanglo-americana (Maurice, 1972 e Chapoulie, 1973)8 e por isso no aplicvelao espao da Europa continental. A inexistncia de uma clara distino entreprofisso e ocupao nos mercados de trabalho, onde predominam, por razeshistricas e culturais, uma pluralidade de situaes e de estatutos face ao trabalho,a par da carncia de um termo correspondente ao termo ingls profession,designadamente nas lnguas de origem latina em que o termo profisso apresentauma natureza polissmica longe dos contornos bem definidos daquele termo9,sedimentaram-se tambm como entraves difuso da anlise sociolgica dasprofisses.

    Nas dcadas mais recentes, as razes antes indicadas acabaram pordesaparecer. O predomnio da leitura funcionalista sobre o fenmeno profissional

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    foi quebrado pelas teses crticas e revisionistas, que emergiram na sociologia anglo-americana, como vimos acima. Uma maior abrangncia temtica desenvolveu-seno campo da anlise do trabalho na Europa, criando-se um espao de reflexopara questes sobre os grupos profissionais. Em simultneo com este ltimoaspecto, emergem novas conceptualizaes sobre as profisses, que induzem, porsua vez, questionamentos inovadores sobre o fenmeno profissional, superando,deste modo, o problema lexical, mas igualmente terico, que existia e afirmandouma relativa separao com a produo anglo-americana. Contudo, a diversidadede temas e de abordagens impossibilita que se possa detectar uma sociologiaeuropeia das profisses.

    Antes de avanarmos na anlise da produo sociolgica sobre as profissesem alguns dos contextos nacionais da Europa continental, importante acrescentaralgumas notas sobre a questo controversa da definio de profisso.

    Tomando como referncia a sociedade francesa, Dubar e Tripier (1998)fornecem-nos um exemplo de uma outra definio de profisso integrada porquatro perspectivas complementares: profisso como declarao (identidadeprofissional); profisso como mtier (especializao profissional); profissocomo emprego (classificao profissional); profisso como funo (posioprofissional no seio de uma organizao). Embora seja bastante ampla, nem todasas actividades designadas de profissionais (professionnelles) na linguagemcomum integram a definio. Unicamente so eleitos pelos autores os sistemasprofissionais fechados, que se caracterizam por formas de regulao profissional,o caso dos corpos especficos da funo pblica, os quadros das empresas,as profisses independentes e liberais e os mtiers alicerados em mercadosde trabalho fechados. Compreende-se melhor a posio dos autores se tivermospresente que defendem a anlise sociolgica das profisses a partir de trsperspectivas (Dubar e Tripier, 1998: 13): como formas histricas de organizaosocial das actividades de trabalho; como formas histricas de identificaoe de expresso de valores ticos; como formas histricas de estruturao dosmercados de trabalho. uma conceptualizao que incorpora e sintetiza as tesesscio-histricas sobre as profisses e as interaccionistas simblicas, bem comoa abordagem sistmica de Abbott, e que disponibiliza uma leitura sociolgicaconsistente e fundamentada, mais focalizada na apreenso das dinmicasprofissionais do que na categorizao dos vrios agentes sociais inseridos nosmercados de trabalho.

    Mais recentemente, Dubar (2003: 51) tentando ultrapassar a querela sobre adefinio defende, em substituio do termo profisso o uso de grupo profissional- un ensemble flou, segment, en constante volution, regroupant des personnesexerant une activit ayant le mme nom dote dune visibilit sociale et dunelgitimit politiques suffisantes, sur une priode significative. Tal opo expressabem as dificuldades que subsistem na sociologia europeia, no enfileiradatotalmente com as abordagens anglo-americanas, para produzir um instrumental

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    10 O pragmatismo que existe actualmente face noo de profisso que, um aspectopositivo, no inibitrio da presena de definies, mais ou menos extensas, sobre uma profissoe como se distingue de uma ocupao comum, como o explicitado no texto seguinte retirado deum dicionrio para estudantes de sociologia em Inglaterra: Professions: types of occupation,such law and medicine, which are self-governing, in that the representatives of the members ofthe occupation set the regulations which govern the behaviour of members. It its difficult to definea profession exactly as there is so much variation between differente professions. However, mostprofessions have the following characteristics: their skills are supported by a systematic bodyok knowledge; their possession of this knowledge gives them authority over clients, who do notpossess the knowledge; the profession is given privileges by the community, such as the duty ofconfidentiality and the right to be judged only other professionals; their behaviour is regulatedby a code of ethics; there is also professional culture in which the professional is given certainstatus and symbols of authority. A crucial aspect of a profession, as against other occupations, isthat it is granted powers not usually given to other jobs, such as the power to regulate entry to theprofession, and to carry out the long training needed to give practitioners the knowledge they needto practise effectively(Lawson e Garrod, 2004: 224).

    conceptual que seja heuristicamente vlido. Entre ns, no estudo realizado sobreo associativismo profissional (Freire org, 2004: 6), apresentado um conceito deprofisso baseado em diversos tpicos: nvel de qualificao mdia ou superior,assente em formao inicial correspondente ou em qualificaes informais de longaaprendizagem; diferenciao e especificidade tcnica ou cientfica permitindoalgum grau de autonomia profissional e responsabilidades de enquadramentoou coordenao de actividades no domnio em causa; auto-identidade socialmnima do grupo em questo; reconhecimento formal pelas entidades pblicasadministrativas, pelo mercado ou pela prtica social. Conceito que assume umanatureza enumerativa, necessria quando se pretende a sua operacionalizao numestudo comparativo, como o caso, e abrangente, no se confinando, portanto,aos grupos profissionais mais sedimentados na sociedade portuguesa.

    Como se apontou acima, a questo da noo de profisso deixou de ser, nopresente, um problema para a sociologia (Evetts, 2003b). As novas orientaesde investigao sociolgica, tanto europeias como anglo-americanas, admitemuma diversidade de noes, que contudo mantm alguns traos comuns -referncia a um domnio cientfico e correspondente posse de conhecimentoscientficos e tcnicos, obtidos aps uma longa formao acadmica, autonomiaprofissional, identidade prpria e associaes de pares10. Noes que devem serrelativizadas em termos de coordenadas espcio-temporais. Mais do que procurarexaustivamente o que separa as profisses das outras ocupaes, analiticamentemais virtuoso dar relevo aos processos de (re)configurao das ocupaes emgeral (incluindo nestas as profisses) - em termos de organizao, de estruturaointerna, de relaes de poder com o Estado, os clientes e outros agentes sociais- e s articulaes das ocupaes com as transformaes sociais mais amplas.A par disto, emerge como relevante reflectir sobre as causas subjacentes difuso em determinados contextos nacionais, como o portugus por exemplo,do modelo profissional (com aspectos diferenciados do que era proposto pelos

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    11Como salienta Freidson - I used the word profession to refer to an occupation thatcontrols its own work, organized by a special set of institutions sustained in part by a particularideology of expertise and service(Freidson, 1994:10).

    12Esta abordagem no pretende fazer um inventrio exaustivo. Ficaremos somente pelaenunciao das linhas e dos questionamentos que consideramos mais relevantes.

    funcionalistas) e do profissionalismo, na qualidade de sistema de valores e deprincpios de insero laboral dos sujeitos sociais.

    Finalmente, a relativizao histrica da noo de profisso fortementetributria, em nossa opinio, dos contributos proporcionados pelo movimentorevisionista dos anos setenta, no seio da anlise sociolgica das profisses.Recorde-se que os funcionalistas fizeram da delimitao da profisso o eixoprincipal do seu quadro terico-metodolgico. Elegeram os respectivos atributostomando como paradigmas os mdicos e os advogados, o que se traduziu numcampo emprico limitado a um conjunto restrito de grupos profissionais e separadodas ocupaes comuns. Com o movimento revisionista, as crticas sucederam-seface a tal perspectiva. Para Larson (1977), a noo usada pelos funcionalistas, namedida em que se baseia nas profisses tradicionais, um instrumento incapaz deconceptualmente apreender as dinmicas das profisses nas sociedades capitalistascontemporneas em que pontificam as profisses organizacionais. O modeloprofissional liberal encontra-se datado historicamente e representa unicamenteum momento particular da histria da profissionalizao. Para Freidson (1986e 1994), a noo de profisso sempre uma construo histrica referenciada acontextos sociais particulares, designadamente a concepo mais tradicional deprofisso est directamente relacionada com a emergncia e o desenvolvimentodas profisses em Inglaterra e nos E.U.A. no decorrer do sculo XX11.

    Retomando a anlise que vnhamos realizando, passaremos a abordar asprincipais linhas temticas e de questionamento terico que enformam essaproduo sociolgica sobre as profisses, em alguns dos contextos nacionais daEuropa continental12.

    Uma primeira linha temtica materializa-se no desenvolvimento de estudoscomparativos entre profisses e entre pases, geralmente de natureza scio-histrica, ancorados nas teses dos interaccionistas simblicos, nas teorias doconflito, mobilizadas para a observao das relaes entre profisses e entre estase o Estado, e nas teses neo-weberianas, em particular, por via da mobilizao doconceito de fechamento social. Sublinhe-se que so estudos que se apresentamcomo importantes para a sociologia anglo-americana. Estamos perante umaforma de abordagem que transversal anlise sociolgica das profisses,independentemente do contexto geogrfico e cultural em que desenvolvida,e em que os seus resultados concorrem para a densificao de uma leitura maisvirtuosa do fenmeno profissional.

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    13Para Svensson e Evetts (2004), assiste-se mesmo emergncia de uma sociologia dasprofisses escandinava baseada nos estudos comparativos.

    Os textos publicados nas colectneas dirigidas por Burrage e Torstendahl(1990) e Torstendahl e Burrage (1990), expressando o contraste de perspectivasentre investigadores europeus continentais e anglo-americanos, concorremsubstancialmente para a amplificao daquela linha temtica no seio da anlisesociolgica das profisses13.

    Quais os contributos avanados? Num primeiro grupo, a refutaoterico-metodolgica: da separao analtica das profisses dos contextossociais e econmicos onde se inserem; da valorizao exacerbada dos estudosexclusivamente centradas em apenas uma profisso; da natureza unilineardos processos de profissionalizao; da excluso das relaes de conflitointerprofissional. Num segundo grupo, a defesa de modelos conceptuais queintegrem: as articulaes entre a formao das profisses e a constituio esedimentao dos Estados modernos; a apropriao por aquelas do conhecimentocientfico produzido nas universidades; a insero das profisses nas dinmicasdos mercados de trabalho; as estratgias de profissionalizao protagonizadaspelos grupos ocupacionais; os processos de construo e sedimentao socialdos monoplios profissionais. Num terceiro grupo, a verificao emprica: daexistncia de diferentes padres de emergncia e sedimentao social dasprofisses; do papel determinante que um leque de condies sociais, econmicas,polticas e culturais, referenciadas temporal e geograficamente, tiveram naconfigurao daqueles padres.Em sntese, as profisses so interpretadas comoconstructos histricos e impossveis de serem lidas atomizadas sociologicamentedos espaos sociais onde se inserem.

    Um dos prolongamentos destes contributos reside na actual consensualizao(Collins, 1990; Svensson e Evetts, 2003, entre outros), no seio da sociologia, daexistncia de dois grandes padres de desenvolvimento histrico das profisses.O anglo-americano, caracterizado por Estados fracamente intervencionistas ondeas profisses mais tradicionais (mdicos e advogados) evoluram com uma forteautonomia, regidas pelo mercado, ancoradas nas universidades privadas e em quea sua regulao da responsabilidade das associaes profissionais privadas oude organismos pblicos. O europeu continental assente numa interdependncia deprofisses e Estado, em que as primeiras participam na organizao burocrticaestatal e tm uma autonomia delegada e condicionada pelos objectivos polticose ideolgicos do Estado - a associao profissional pblica por excelncia omeio institucional de auto-regulao. Por sua vez, os profissionais obtiveram asua formao acadmica em universidades pblicas e existiu uma articulaoestreita entre profisses e classes sociais dominantes. Como sublinha Collins(1990), so dois modelos que se diferenciam por se referenciarem a profissionais

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    14Durante os anos oitenta do sculo passado, o livro de Martin-Moreno e Miguel (1982)marcou decisivamente o campo da produo sociolgica. A partir de uma postura crtica face s tesesfuncionalistas, so desenvolvidos, num primeiro momento, os argumentos principais do movimentorevisionista que tinham sido explicitados no espao anglo-saxnico. Posteriormente apresenta-seuma leitura, de natureza estrutural, sobre alguns dos grupos profissionais no pas, dando-se conta,igualmente, das principais contradies e tenses existentes no seio dos grupos. Na ltima dcada,verifica-se o aparecimento de estudos monogrficos sobre as profisses, tributrios parte deles dasteses de Larson e Abbott, entre outros: economistas (Guilln, 1989); professores (Ferreres, 1994e Prez, 1999); mdicos (Rodriguez 1992); polcias (Fernndez, 1990); farmacuticos (Miguel eSalcedo, 1987); jornalistas (Garcia e Garcia, 2000). Para uma panormica crtica sobre a evoluoda sociologia das profisses em Espanha, consulte-se Martnez e Carreras (2003).

    15Sublinhe-se que os estudos comparativos so transversais a um conjunto de outros temasrelacionados com a produo sociolgica europeia sobre as profisses. Vejam-se, a ttulo deexemplo, os textos includos nas colectneas dirigidas por Burrage e Torstendahl (edit) (1990) eTorstendahl e Burrage (edit) (1990)

    que monopolizam legalmente o mercado ou a profissionais que ocupam cargosde natureza burocrtica na administrao estatal.

    Porm, torna-se necessrio acentuar que a generalizao que recorrentementeenvolve a apresentao de cada um daqueles modelos merece alguns reparos, nosentido de se obter uma maior preciso analtica. Em primeiro lugar, no seiodo modelo anglo-americano subsistem diferenas, que no podem ser omitidas,em termos da comparao entre os E.U.A. e a Inglaterra ou entre profisses,como testemunhado por Larson (1977), Johnson (1982), Krause (1988 e 1996)ou Macdonald (1995). Diferenas quanto aos processos de profissionalizao,designadamente na relao com o desenvolvimento do Estado, ao sucessoou insucesso de algumas das profisses no sentido do reconhecimento da suaautonomia pelo Estado e pelo capital, monopolizao dos mercados de trabalhopara os seus servios ou obteno de um estatuto social mais elevado. Porsua vez, face ao modelo europeu continental, o mesmo se podia afirmar. Paraisso basta comparar a evoluo das profisses entre Portugal e a Espanha14ou com outros pases (Gonalves, 2006). Neste caso, as diferenas resultamprincipalmente da conjugao entre, por um lado, as especificidades da naturezados Estados modernos e das suas modalidades de interveno face s profisses e,por outro, dos ritmos e formas, mais localizadas geograficamente, que assumiramas dinmicas do capitalismo.

    Outras linhas temticas e de questionamento terico caracterizam a produodos socilogos europeus15. Sem uma preocupao de fixarmos uma enumeraocompleta, elencamos as seguintes: a emergncia e reconfigurao dos gruposprofissionais (Guilln, 1989; Segrestin, 1984; Poujol, 1989; Karpick, 1995; Miguele Salcedo, 1987; Paredeise, 1999; Piriou, 1999); a organizao e estruturaodas profisses (Fernndez, 1990; Bouffartigue e Gadea, 2000; Gadea, 2003;Kuhlmann, 2004); a insero das profisses nos mercados de trabalho (Paredeise,1984; vila e Rodrguez, 2004); a feminizao das profisses (Evertsson, 2000;

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    16 Os socilogos, na qualidade de profissionais, vm sendo objecto de reflexo. Sempropsitos de exaustividade, e tomando principalmente por referncia a produo sociolgicaeuropeia, referenciam-se algumas linhas de desenvolvimento temtico (Gonalves, Parente eVeloso, 2004): os perfis laborais dos socilogos; os modos como eles mobilizam, no quotidiano dassuas actividades, os conhecimentos terico-metodolgicos (o que se articula, por sua vez, com as

    relaes entre formao acadmica e prticas profissionais); as configuraes das suas intervenesem contextos organizacionais; os processos de construo da identidade profissional de socilogo eas interaces com outros profissionais. Para esta linha referenciamos as obras de: Chenal (1987);APS (1990); Ribeiro (1994); Legrand et al., (1995); Sainsaulieu (1995); Legrand e Vrancken (2004);Gonalves, Parente e Veloso (2001 e 2004); Piriou, (1999, 2000 e 2006); Banha (1999); Carreiras,Freitas e Valente (1999); Legrand (2001); Uhalde (dir.) (2001); Muselle, (2003); Vrancken (2004);Legrand (2004); Bretagne (2004). A anlise da profissionalizao dos socilogos referenciada adiferentes contextos nacionais - o caso dos trabalhos de Dubar (2002); Machado (1996); Mendras(1995). Ainda uma ltima linha - a discusso sobre o reconhecimento da sociologia, em termos decincia e de profisso, a procura dos conhecimentos sociolgicos e a implicao social e polticados socilogos. Neste caso destacam-se as obras de: Statera e Agnoli (org.) (1985); Sainsaulieu etal.,(1987); Giddens, (1987); Durand e Weil (1993); Singly (2002); Lahire (2002); Castel (2002);

    Grignon (2002); Johsua (2002); Corcuff (2002).17Vencidas as resistncias tericas reflexo sociolgica sobre as profisses, os investigadores

    franceses tm vindo a demonstrar uma crescente ateno expressa em trabalhos publicados. O textode Dubar e Tripier (1998), como vimos antes, constitui um marco importante na sociologia francesa

    Lapeyre, 2006); as profisses e as recomposies do trabalho e do emprego(Tezanos, 2001); os conhecimentos profissionais, a inovao tecnolgica e areconfigurao do trabalho profissional (Svensson, 1990; Bourbon, 1993; Trepos,1996; Peneff, 1997; Legrand e Gollac, 2003; Vrancken, 2004); as relaes entre asprofisses e os Estados nacionais (Heidenheimer, 1989; Bertilsson, 1990; Krause,1996; Kullmann, 2001); as novas formas de controlo do trabalho profissional ede regulao da insero scio-econmica das profisses (Potton e Wolfgang,2002); as significaes subjectivas do trabalho profissional e os processos de(re)construo das identidades profissionais (Dubar, 1991 e 2000; Schnapper,2003)16.

    Por seu turno, no deixa de se constatar uma relao, por vezes estreitado equacionamento daqueles temas com as reflexes e os resultados obtidos nasociologia de matriz anglo-americana. Isso patente, por exemplo, na notriareceptividade que os textos recentes de Freidson (1986, 1999 e 2001) tm juntodos socilogos europeus, mas igualmente na adopo de uma leitura maisampla dos fenmenos profissionais, tendo presente as suas articulaes com ocapitalismo, a globalizao, o Estado e a estrutura de classes. Quando o objecto um grupo ocupacional especfico essa viso global no desaparece, expressando-se, por exemplo, no tratamento das questes dos mercados profissionais, dasrelaes com outras profisses e com o Estado.

    Uma das marcas importantes da autonomizao progressiva da anlisesociolgica das profisses na Europa continental advm das suas origens e dasarticulaes com outros campos de conhecimento da sociologia. Em Frana(Dubar, 2003; Demailly, 2004)17e em Itlia (Giannini e Minardi, 1998; Butera e

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    Pranstraller, 1998)18, a anlise sociolgica das profisses desenvolve-se a partirda sociologia do trabalho19 com a diversificao dos objectos de investigaoverificada nesta, nos anos oitenta do sculo passado, na sequncia da quebrada hegemonia dos trabalhos sobre a classe operria e o trabalho industrial emgeral.

    Esta origem reflecte-se nos temas, de natureza abrangente e referenciadosaos contextos gerais de trabalho, que percorrem a agenda da investigaosociolgica das profisses e das ocupaes em geral. No caso da Frana, Demailly(2004) defende at a existncia de uma axiomtica observao sociolgica dasprofisses, independente da anglo-americana, que se encontra associada a umquadro terico-metodolgico que privilegia determinados aspectos: o estudodo trabalho real, conduzindo s relaes com a sociologia do trabalho; aanlise das retricas identitrias das profisses como fenmenos propriamentepolticos, o que se relaciona com a sociologia poltica; os modelos histricose societais na sua componente religiosa, interligando-se com a sociologia dasreligies. Para Portugal, podemos admitir que a sociologia do trabalho uma dasprincipais fontes da anlise sociolgica das profisses. Uma maior autonomiaface s divises estabelecidas no seio das sociologias nacionais, produtos docruzamento entre as tradies tericas e as relaes de poder entre instituiese agentes sociais no campo da sociologia, transparece, por sua vez, na produoescandinava sobre o fenmeno profissional (Burrage, 1990).

    Que factores podero explicar o aumento da produo sociolgica sobre asprofisses em alguns dos contextos nacionais da Europa continental? Destacam-

    sobre as profisses, na medida em que fixou uma abordagem terico-metodolgica simultaneamenteampla sobre o fenmeno profissional e heuristicamente pertinente para a sua anlise, no contexto daEuropa continental. Igualmente so de referenciar os textos de Karpik (1995) sobre os advogados,de Paradeise (1984) sobre a marinha mercante e sobre os comediantes (1999), de Zarca (1986) apropsito dos artesos, de Boltanski (1982) e Bouffartigue e Gadea (2000) sobre os quadros, sobreos engenheiros de Bouffartigue e Gadea (1997), e sobre os conservadores de museus de Octobre

    (1999). Igualmente encontramos um acervo de contribuies em Menger (dir.) (2003) e em Lucase Dubar (eds.) (1994). Embora de uma forma esparsa, a Sociologie du Travailfoi incluindo artigosque tomam por objecto grupos profissionais, o mesmo acontecendo com a Revue Franaise deSociologie.

    18Na revista Sociologia del Lavoro, vol. 70/71 de 1998, (organizado por Giannini e Minardi) patente um conjunto importante de textos que reflectem o passado recente e presente da anlisesociolgica em Itlia. Consulte-se igualmente Prandstraller (org.) (1980).

    19Uma das formas actuais de acesso s problemticas da sociologia das profisses por viada sociologia do trabalho. Tendo em conta alguns textos introdutrios ltima disciplina isso bemvisvel, como por exemplo: Tripier (1991) em que abordada a matriz disciplinar da sociologiadas profisses, no quadro mais vasto dos paradigmas constitutivos da anlise sociolgica dotrabalho e do emprego; Vrancken (1998) articulaes entre expertisee profisses; Pillon e Vatin(2003) equacionamento sinttico dos atributos do modelo profissional. Entre ns, Freire (2001),no seio de um importante texto introdutrio sociologia do trabalho, com objectivos pedaggicose de iniciao cientfica, desenvolve as principais problemticas enformadoras da observaosociolgica das profisses.

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    -se, desde logo, dois: a redefinio dos quadros tericos sobre as profisses;a fixao de linhas temticas e de questionamentos sociolgicos prprios(parcialmente distintos face abordagem mais direccionada para os contextosprofissionais anglo-americanos). Nas pginas imediatamente anteriorespassmos esquematicamente em revista tais factores, os quais, sublinhe-se,so simultaneamente indutores e induzidos pelo movimento de expanso dasinvestigaes sobre as profisses. Importa ainda acrescentar outros: um feixe defactores englobando as actividades dos profissionais, a insero das profisses nosmercados de trabalho e a reconfigurao do papel social e poltico das profissesnas sociedades capitalistas europeias; a difuso dos trabalhos sociolgicos sobreos grupos profissionais;

    Quanto aos primeiros, destacamos, inicialmente, a redefinio dos padresdo modelo profissional e do profissionalismo (Hanlon, 1998). Em simultneocom a predominncia do assalariamento, observa-se a emergncia de novasformas de emprego, mais flexveis e precarizantes. Novas formas de controlo ede regulao, em associao com o discurso gestionrio, baseado na qualidadee na lgica avaliativa, tm colocado em causa a autonomia e a autoridadedistintivas dos profissionais (Guilln, 1990; Rodrguez e Guilln, 1992). A noode profissionalismo vem incorporando elementos novos (Middlehurst e Kennie,1997): os profissionais devem possuir conhecimentos de gesto e competnciasde liderana, no sendo suficiente o domnio do conhecimento cientfico e tcnicopara estabelecer a sua autoridade e estatuto; os comportamentos dos profissionaisso aferidos face s expectativas dos consumidores; a confiana nos profissionaisassenta, cada vez mais, na transparncia da sua actividade e na avaliao dospadres das prticas profissionais e dos resultados obtidos. Tambm de destacarque a noo de profissionalismo e os traos do modelo profissional (competnciacientfica e tcnica, assente na formao acadmica e na experincia profissional;qualidade das tarefas; comportamentos eticamente responsveis) so usadoscomo elementos paradigmticos da gesto das organizaes aplicando-se globalidade dos assalariados (Hanlon, 1998). Mas mais (Evetts, 2003a): emergepresentemente uma concepo do profissionalismo, em tenso com alguns dosaspectos anteriores, que se configura simultaneamente como valor normativo ecomo forma de controlo ocupacional, que funciona como elemento de preservaoda autonomia e de oposio expanso de prticas mais mercantilistas e inimigasdo denominado bem pblico. Isto vem ao encontro da leitura de Freidson (1994e 2001) de defesa limitada do profissionalismo e dos seus contributos positivospara as dinmicas das sociedades capitalistas.

    A redefinio dos elementos do modelo profissional e do profissionalismoresulta, em parte, de importantes recomposies na estrutura ocupacional, naorganizao e diviso do trabalho dos profissionais (Tezanos, 2001; Parry etal., 2005). Como expresso das transformaes ocorridas ao nvel econmicoe social, no sentido de uma mobilizao acrescida do conhecimento cientfico e

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    20 Em 2004, no seio da Unio Europeia (25 pases) cerca de 32 milhes de indivduostrabalhavam em cincias e tecnologias, possuindo uma formao em cincias e tecnologia (CITE/97nveis 5a, 5b ou 6) e exercendo uma profisso (CITP/88 cdigos 2 e 3 profisses intelectuais ecientficas e profisses intermdias), o que corresponde a cerca de 19,0% da populao empregadatotal entre os 25 e os 64 anos. Cf. Eurostat.

    da tecnicidade, verifica-se morfologicamente um aumento (absoluto e relativo)relevante das denominadas profisses cientficas e tcnicas, no seio da populaoempregada global ao nvel da Europa20, acompanhado por uma alterao dacomposio de gnero no sentido de um aumento da feminizao dos gruposprofissionais (movimento comum generalidade das ocupaes).

    Subsiste, por sua vez, uma tendncia complexa que integra quer a emer-gncia e sedimentao de novas profisses, com traos identitrios particularese reivindicando lugares prprios no seio da diviso do trabalho, quer aredefinio dos perfis de actividade profissional no sentido da sua segmentao eespecializao (Becher, 1999; Cheethman e Chivers, 2005). uma tendncia quevem conduzindo ao redesenho, ponteado pela conflitualidade interprofissional,dos limites das jurisdies profissionais e que resulta da confluncia de diversoselementos fortemente interdependentes: mudanas na natureza das tarefas,tornando-as mais complexas e especializadas, e nos processos de trabalho dosprofissionais; crescente especializao e diferenciao ao nvel do conhecimentocientfico e tcnico, produto de uma maior capacidade de produo cientficae de um acrscimo das qualificaes acadmicas para o desempenho laboral;mobilizao mais clere da inovao cientfica e tcnica por parte dos profissionais;mobilizao extensiva das tecnologias de informao e de comunicao notrabalho dos profissionais; importncia poltica crescente do conhecimentocientfico e tcnico para a expanso e sedimentao do projecto europeu deconstruo da sociedade da informao e do conhecimento; desenvolvimento denovos produtos e servios pelas organizaes econmicas e pelo Estado.

    Manifesta-se uma mudana nos padres de autonomia e nos processos decontrolo das profisses ao nvel da sua insero social e das suas tarefas. O trabalhodos profissionais vem sendo sujeito a novas formas de controlo e de gesto queacentuam quer a racionalizao econmica - presente, por exemplo, no mbitodas organizaes pblicas de modo a restringir as despesas quer a avaliaoe a fiscalizao dos actos por eles praticados (Broadbent e Laughlin, 1997;Hanlon e Shapland, 1997). Uma das actuais fontes do controlo dos profissionais o consumidor e as suas associaes representativas, que mobilizam, de modorecorrente, os meios de comunicao social para os seus objectivos de reparao,moral e material, das ms prticas dos membros das profisses. Os Estadosnacionais europeus e os rgos da Unio Europeia (UE) impem novas formasde regulao das profisses, como veremos mais frente. Assiste-se igualmente globalizao dos mercados dos servios profissionais e emergncia de novasformas de internacionalizao do trabalho dos profissionais, que se concretizam,

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    entre outros aspectos, na importncia crescente das empresas multinacionais deservios e da mobilidade de profissionais no espao da UE.

    Os elementos apontados reflectem transformaes mais globais ao nveldos mercados de trabalho europeus (Kergoat et al., 1998; Boltanski e Chiapello,1999; Beck, 2000 e 2002; IRES, 2000; Kovcs, 2002; Castells, 2004; Meda,2004, entre outros): terciarizao da actividade econmica; acrscimo dacompetitividade econmica e da desregulao dos mercados; aumento dasqualificaes acadmicas da populao empregada, decorrente de um maiornvel de exigncia qualificacional em alguns sectores de actividade e fileirasocupacionais e do aumento da escolarizao da populao; persistnciado desemprego como um risco ao longo do ciclo de vida do profissional;desregulamentao e individualizao das relaes de trabalho; flexibilidadedos mecanismos de mobilizao e uso dos recursos humanos nas organizaes;segmentao dos mercados de trabalho, diversificao das formas de emprego,precariedade e instabilidade laboral; obsolescncia rpida das qualificaes e dascompetncias ocupacionais por via designadamente da informatizao das tarefas;reconfigurao dos direitos e dos deveres dos assalariados; primado da inovaotecnolgica e organizacional no redesenho das organizaes e consequenteemergncia de novas formas de estruturao das empresas e dos serviospblicos; quebra do poder de negociao e de contestao dos sindicatos; novoselementos culturais sobre o trabalho e emprego, valorizantes da adaptabilidade edisponibilidade permanentes, da responsabilizao dos sujeitos sociais pela suaempregabilidade, da realizao pessoal e profissional, da afirmao identitriae da assumpo do risco, como trao importante da vida social e profissional.Por outro lado, a reconfigurao das funes do Estado pela redefinio da suanatureza e da introduo da lgica do mercado na administrao pblica, coma consequente restrio dos princpios do Estado-Providncia, conduz a umaalterao do papel e das posies das profisses, no sentido de uma restrio daautonomia e da discricionariedade profissional.

    Uma difuso mais intensa dos trabalhos sociolgicos sobre as profisses,atravs da multiplicao de eventos cientficos (congressos, seminrios, etc.) e,em simultneo, uma densificao das redes internacionais de investigao sooutros dos factores que contribuem para o aumento do interesse sobre as profissesna Europa continental. um movimento que se estende aos socilogos anglo-americanos e inseparvel da densificao terico-metodolgica da sociologiadas profisses na sua globalidade, independente de coordenadas territoriais.Para isso tem contribudo a Network Sociology of Professions da EuropeanSociological Association (ESA), com a realizao de seminrios especficos e dasua participao nos congressos bianuais da associao21. Unicamente a ttulo

    21 Informao sobre a Network Sociology of Professions da European SociologicalAssociation encontra-se disponvel em http://www.valt.helsinki.fi/esa/profe.htm

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    de apontamento, a merecer um tratamento extensivo e aprofundado que no seenquadra no objectivo principal que norteia este Relatrio, indicamos, para opassado recente, aspectos caracterizadores dos eventos cientficos realizados.

    Quadro 1

    Eventos recentes da European Sociological Association sobre as profisses

    Eventos Tema e subtemas5 Conference of ESA, 2001 Visions and divisions chalanges to European sociology

    1. Gender, health professions and organization

    2. Gender and professionalization. Shifting categories in times

    of institutional and social change

    3. Health professions and organization

    4. Social work

    5. Professions and state

    6. Planning and housing

    7. Teachers and schooling

    2 Interim Meeting, ESA, NetworkProfessions, 2002

    Continental Challenges to Anglo-American Sociology of Professions1. Historical and international studies2. Theoretical studies3. Studies on discourse of professionalism4. Methodological and comparative studies5. Sectoral and applied studies

    6 Conference of ESA, 2003 Modernity post-modernity Ageing societes and professions. Social,political and theorical relevance of sociology of professions

    1. Sociology of professions and links with sociology ofknowledge, organisation, work, education and labour market

    2. Professions and age, gender, careers and life cycles3. Professions, trust and status4. Occupations and professionalisation

    3 Interim Meeting, ESA, NetworkProfessions, 2004

    Professions, social inclusion and citizenship

    7 Conference of ESA, 2005 Professionalism in new and existing fields beyond exclusion andinequalities

    1. Varieties of professionalism assessing transformations ofoccupational status and competence

    2. Professionalism revisited negotiations on work and

    occupational status3. Professions and the construction of knowledge, power andexpertise4. Integration and co-ordination challenges for health

    professions and professionalism5. Integration and co-ordination challenges for health

    professions and professionalism6. Professional identity, trust and status7. Remodelling regulation of professions and division of work8. Professionalism and work arrangements linking institutionalcontext, individual decisions9. Professionalization and inequalities shifting spheres ofopportunity in times of social institutional changes

    4 Interim Meeting, ESA, NetworkProfessions, 2006

    Professions, globalisation and the European Project

    Fonte: Newsletter da Network Sociology of Professions e http://www.valt.helsinki.fi/esa/profe.htm

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    Concomitante manuteno de temas como o da organizao das profisses,os processos de profissionalizao, o gnero e as profisses, a ateno daqueleseventos dirige-se para as consequncias das novas formas de regulao e decontrolo sobre as profisses mais tradicionais - em termos, por exemplo da suaestruturao interna , para as relaes interprofissionais, para a controvrsia seo profissionalismo se encontra em declnio ou, pelo contrrio, em processo demudana para novas formas, para as apropriaes que a gesto empresarial fazde alguns dos elementos do profissionalismo ou ainda para as implicaes dacrescente internacionalizao dos mercados dos servios profissionais.

    O interesse pelas profisses tambm manifestado por outras associaescientficas europeias da sociologia e organizaes acadmicas. Em 1999, aSocit Franaise de Sociologie realizou um colquio, Les Professions et leursSociologies. Modles thoriques, catgorisations, volutions. Exemplificativodo interesse dos socilogos franceses encontra-se a realizao, em 2001, dejornadas com um ttulo bem enunciativo, Vers une sociologie francaise desprofessions?. Mais recentemente, em 2005, no 37 Congresso do InternationalInstitute of Sociology um tema amplo - Professional Work in KnowledgeSocieties: contemporary changes and challenges - reuniu um conjunto desocilogos. No mesmo ano, a Research Network Professions and ProfessionalGroups, integrante da International Symposium of the Russian Society ofSociologists organizou uma conferncia - Social adaptation, initiatives andtransformation of professional groups in modern society22.

    Toda esta actividade de reflexo, de debate e de estabelecimento de redesinternacionais de investigao sociolgica indissocivel do papel estruturantee mobilizador que vem sendo realizado pelo Research Commitee 52, Thesociological of professional groups (RC52), da International SociologicalAssociation (ISA)23. A sociologia das profisses emergiu no 12 CongressoMundial de Sociologia da ISA, em 1990 em Madrid, sendo reconhecida comoThematic Group, em 1992, passando a Working Group, dois anos depois,e finalmente erigida em RC52, em 199824. A actividade do grupo iniciou-secom a realizao, em 1992, em Paris, de um colquio internacional intituladoGense et Dynamique des Groupes Professionnels25. Marcante no s por ser

    22 Para uma anlise do interesse sobre as profisses na Rssia, desde o incio dos anosnoventa, consulte-se Mansurov et al., (2004).

    23O facto de alguns dos socilogos pertencerem, em simultneo, ao RC52 e NetworkSociology of Professions, e realizarem investigaes tematicamente transversais s agendas dosdois grupos tem facilitado o desenvolvimento de alguma interdependncia cientfica.

    24Informao sobre o RC52, encontra-se disponvel na Newsletter editada semestralmente eem http://www.ucm.es/info/isa/rc52.htm.

    25Colquio tematicamente estruturado nos seguintes pontos: Professions et mtiers dansles milieux industriels et les entreprises; Etat, institutions, pouvoirs et professions librales;Biographies, identits, socialisations; Dynamiques structurelles et contextuelles. As comuni-caes apresentadas ao colquio encontram-se em Lucas e Dubar (eds.) (1994).

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    o ponto de partida da dinmica do RC52, mas igualmente porque se avana comelementos para a nova conceptualizao de profisso ou de grupo profissional(Lucas, 1994), pela abrangncia dos temas, dos grupos analisados e dos contextosnacionais de referncia. Mais recentemente, em 1996, o RC52 realizou outraconferncia internacional designada Occupations and Professions: changingpatterns, definitions, classifications, em que um grupo de socilogos portuguesesapresentou uma comunicao - Four professions through four decades: the caseof physicians, nurses, economists and engineers in Portugal26- sobre o estadoda anlise sociolgica das profisses no pas, resultante dos respectivos trabalhosde investigao que vinham a desenvolver.

    Se atendermos aos eventos mais recentes do RC52, explicitados noQuadro seguinte, observa-se a predominncia de temas sobre os processosde profissionalizao, a emergncia de novas profisses e de recomposiodas existentes, a aco poltica das associaes profissionais, as relaes inter-profisses, o conhecimento profissional.

    26Comunicantes: Graa Carapinheiro; Nomia Lopes; Maria de Lurdes Rodrigues; CarlosManuel Gonalves.

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    Quadro 2Eventos recentes do Research Commitee 52 The sociological of professional

    groups e XV Congresso da International Sociological Association

    Eventos Tema e subtemas

    3rd Interim Conference,RC52, Lisboa, 2000

    State, political power and professional structures: new patterns and new

    challenges

    1. Professions and state regulation

    2. State, education systems and teaching profession

    3. Professionalism: the emergence of new trends

    4. State, professions and gender

    5. The negotiation of professional frontiers

    6. The professions and the urban question

    7. New demands on management professions8. Conceptual and theorical issues in the sociology of professions

    9. Strategies of the health professions

    10. The professions under the impact of global conditions

    11. Forms of professional action and professional association

    12. Changes in military professions

    XVme Congres Mondialde l AIS, 2002

    Hritages ambivalents et challenges mergent1. Dveloppements au niveau international e global : gagnants et

    perdants 2. Fminisation des professions3. Professions et travail bas sur le savoir en Inde et dans dautres pays endveloppement4. Identits: professionneles et personnelles5. Les professions de sant et le public6. Gestion de la qualit et indicateurs de perfomances pour les professions7. Mthodologie comparative8. Le dclin de la confiance et de la confidentialit : rgulation du travail

    professionnel9. Professionnalisation de la sociologie

    4rd InterimConference,RC52,Versailles, 2003

    Knowledge, work and organisation1. Passing on knowledge2. Ocupational knowledge and gender relations3. Dinamics of knowledge and organisations4. Know management5. Value and legitimacy of knowledge

    6. Validating and certification of knowledge7. Legitimising knowledge and jurisdictions8. Production of knowledge and work situations9. Expert knowledge vs. layperson knowledge10. Knowledge and know-how professionals11. Articulating knowledge in collectives

    Fonte: Newsletter do RC52 e http://www.ucm.es/info/isa/rc52.htm.

    Por sua vez, no plano editorial das publicaes peridicas, o tema das profis-ses aparece, embora pontualmente, em nmeros temticos de Sociologie et Soci-

    ts, n 2, 1988 e naRevista Espaola de Investigaciones Sociolgicas, n 59, 1992.Em 2004, inicia-se a publicao da revista Knowledge, Work & Society/Savoir,Travail et Socit directamente focalizada na anlise sociolgica das profisses.

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    Como temos vindo a explanar, a fase actual de evoluo da sociologia dasprofisses caracteriza-se pelo incremento da produo sociolgica na Europacontinental e pela importncia da abordagem comparativa dos fenmenosprofissionais, que tem um efeito de reforo desse incremento.Outros eixos dedesenvolvimento da anlise sociolgica das profisses so ainda de equacionar.

    No mbito da investigao britnica, surgem trabalhos relevantes quereforam os contributos da sociologia para a apreenso do fenmeno profissionalna actualidade. Por exemplo, o de Macdonald (1995), na qualidade de textointrodutrio, com objectivos pedaggicos, anlise sociolgica das profisses.Defendendo uma leitura dos fenmenos profissionais baseada no modelo propostopor Larson, o que j tinha acontecido em textos anteriores (Macdonald, 1984 e1989), o trabalho do autor , na actualidade, uma referncia importante no quediz respeito a um estado da arte das teses e das problemticas enformadoras daanlise sociolgica das profisses. Discusses sobre o trabalho dos profissionaise os padres do profissionalismo, tendo presente as mudanas na natureza dotrabalho (Middlehurst e Kennie, 1997; Broaddent, Dietrich e Roberts, 1997), astransformaes nas profisses tradicionais, como as do direito (Hanlon e Shapland,1997), as novas formas de controlo, de accountability, as novas polticasestatais em relao aos servios pblicos integrantes do Estado-providnciaquando directamente relacionadas com o trabalho dos profissionais (Broadbente Laughlim, 1997) so igualmente objecto de questionamento sociolgico.Sem querermos ser exaustivos, importa ainda referenciar outros contributos: ostrabalhos de Saks (1995) sobre as alteraes na profisso mdica e os de Witz(1992) e Davies (1995) que tomam por objecto da sua reflexo a problemtica dognero e as profisses; a releitura do fenmeno profissional luz do contributo deSpencer por Dingwall e King (1995); as novas concepes sobre o profissionalismode Evetts (2003a); a anlise das alteraes do modelo profissional ao nvel dosadvogados de Hanlon e Shapland (1997) e dos engenheiros de Evetts (2003b); aobservao das recomposies das prticas profissionais (Becher, 1999).

    Do outro lado do Atlntico, a obra de Brint (1994) um relevante instrumentopara a compreenso das transformaes dos valores dos profissionais, no quadromais amplo da recomposio das classes mdias. Mobilizando as teses deLarson e Freidson, o autor vai particularmente discutir a passagem do sistemade valores do velho profissionalismo para a nova ordem do expert, bemcomo as novas formas do trabalho profissional, as relaes dos profissionais coma poltica, a importncia do conhecimento formal nas dinmicas econmicas,entre outros aspectos. A eroso progressiva da autonomia profissional face aodesenvolvimento do capitalismo aparece como uma das teses conclusivas maisimportantes. Freidson (1994) e Harrison (1999) sustentam uma tese idntica.Tal interpretao est fortemente radicada nas sociedades anglo-americanase na profisso mdica (Harrison e Ahmad, 2000). Como acontece com outrostemas ao nvel da anlise sociolgica das profisses, encontramos resultados

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    precisamente opostos - manuteno da autonomia e do controlo do trabalho -quando as investigaes se centram em outras sociedades e em outras ocupaes(Evetts, 2003b).

    Nos anos mais recentes, tem-se assistido emergncia de novas formas deregulao das profisses (Bucher-Jeziorska e Evetts, 1997; Evetts, 2002; ComissoEuropeia, 2004 e 2005; Cunha, 2004). Historicamente, existe uma distinoentre a auto-regulao (da responsabilidade da prpria profisso por delegaodo Estado) e as formas externas de regulao (designadamente realizadas peloEstado face profisso). No contexto da Europa continental, predomina a primeiraforma que se materializa no controlo por uma associao - representante polticode uma profisso especfica - de vrios aspectos como, por exemplo, as condiesde acesso e de permanncia na profisso, o exerccio da respectiva actividade, ofuncionamento dos mercados profissionais, a acreditao da formao acadmicae profissional, a aplicao da deontologia profissional. A auto-regulao ummeio poderoso nos processos de institucionalizao da profisso, bem comopossibilita o fechamento social desta, assente na monopolizao do mercado dosservios profissionais e no credencialismo.

    As questes da concorrncia e da regulao profissionais ganham umespao, cada vez maior, na discusso poltico-econmica sobre a insero dasprofisses, em vrios pases da Europa e nos prprios organismos de direcopoltica da UE e da OCDE. Essa discusso materializa-se em novas formas deregulao que genericamente vo no sentido de retirar, parcial ou totalmente, asprerrogativas beneficiadoras das profisses nos mercados de trabalho. Dinmicaidntica tem acontecido nos E.U.A. Em ambos os contextos scio-geogrficos,os pressupostos ideolgicos das teses neoliberais quanto natureza e funesdo Estado, preponderncia dos mecanismos do livre mercado na regulaodos preos e na satisfao das necessidades dos sujeitos sociais, inexistnciade impedimentos, de natureza social e jurdico-institucional, ao funcionamentopleno desses mecanismos tm enquadrado a discusso e justificado as medidastomadas pelos vrios Estados nacionais.

    Na UE, estamos perante um movimento anti-regulador que transnacionale que se pretende que seja uniformemente aplicado a todos os Estados membros.Necessariamente um processo complexo, permeado por conflitos e tenses,que est actualmente longe de uma aplicao completa e simultnea em todo oespao europeu. Tal processo vem assumindo expresses diferenciadas entre ospases, conforme, por um lado, os atributos das profisses objecto de interveno- natureza do conhecimento cientfico e tcnico em que esto ancoradas e doexerccio profissional, configurao dos processos de profissionalizao - e acapacidade poltica de resistncia das respectivas associaes representativase, por outro, factores gerais que remetem para a natureza das relaes entre oEstado e as profisses, os processos de reduo e de reconfigurao das funesdo Estado, em particular na educao, sade e justia, o grau de interveno dasassociaes de consumidores e a prpria dinmica econmica.

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    Para a UE (2004), a regulao profissional ter que ser significativamentemudada de modo a obter-se uma maior modernizao do enquadramento jurdicoe, simultaneamente, o incremento da concorrncia entre os profissionais, comconsequncias, por exemplo, no abrandamento das prticas monopolistasou cartelizadas. Esta posio da UE, formalmente subscrita pelos governosnacionais, insere-se no projecto poltico de concretizao de uma Europaalicerada no conhecimento e constitui um eixo central da UE desde o ConselhoEuropeu de Lisboa, de Maro de 2000. Embora sujeito a reformulaes, dembito diverso, nos anos mais recentes, esse eixo permanece no quadro maisabrangente de um objectivo principal fixado naquele Conselho - tornar a Europanum espao econmico mais dinmico e competitivo, baseado no conhecimentoe capaz de garantir um crescimento sustentvel, com mais e melhores empregose com maior coeso social. As polticas estruturais de natureza econmica esociais adoptadas incorporam um conjunto de medidas polticas necessrias paraalcanar tal objectivo. Dessas medidas, destacamos as seguintes (Rodrigues,2003; Comisso Europeia, 2005 b, entre outros): a reforma institucional da UEe a implementao de novos mtodos de governao da Europa; o incremento edifuso da sociedade da informao, dando um papel crucial concretizao deum crculo virtuoso entre consumidores e produtores de tecnologias de informaoe de conhecimento; a ampliao do mercado interno, da competitividadeeconmica internacional, em especial face ao E.U.A. e ao Japo, de novasformas de empresa e de comportamentos inovadores por parte dos empresrios;a construo do Espao Europeu de Investigao e de Inovao no sentido dese obter uma melhoria dos desempenhos da investigao, um incremento dasarticulaes entre investigao e inovao, mas tambm recursos humanosmais abundantes e com maior capacidade de mobilidade; o desenvolvimentoda designada sociedade aprendente assente no aumento da escolarizao e daformao profissional ao longo da vida, na aquisio de novas competnciasbsicas e na redefinio do papel scio-institucional do ensino superior (nestecaso, por intermdio da concretizao do Processo de Bolonha27); e, finalmente,

    27 Unicamente em jeito de apontamento, convm recordar que as plurais questes queenformam o Processo de Bolonha no contexto da Europa tero de ser equacionadas face ao projectopoltico liderado formalmente pelos rgos da UE e outorgado pelos respectivos Estados membros,quanto ao papel e as formas de participao das universidades na concretizao da denominadasociedade do conhecimento. O posicionamento crucial que ocupam as universidades na transmissode conhecimentos, na sua produo e no incremento da inovao tecnolgica amplamentereconhecido e erigido como elemento-chave por aqueles rgos como condio para um sustentadocrescimento econmico futuro, no contexto de uma forte competitividade entre sociedades

    globalizadas. Neste sentido, vamos assistindo a uma redefinio dos eixos de desenvolvimentodas universidades, o que se traduz na delimitao programtica de novos desafios que tero deenfrentar (Comisso Europeia, 2003, 2005a e 2006): o aumento da procura do ensino universitrio,quer ao nvel da formao inicial, quer da formao especializada, quer ainda da concretizaopelos sujeitos sociais da formao ao longo da vida; o incremento da investigao cientfica e,

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    a renovao do modelo social europeu em termos de polticas de emprego, deproteco e de incluso sociais.

    A problemtica das novas formas de regulao profissional actualmenteum objecto eleito no seio da sociologia. Evetts (2002) apresenta-nos umaabordagem global da questo e das implicaes que subsistem face autonomiados profissionais, b