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ANARQUISMO E REVOLUÇÃO NEGRA

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ANARQUISMO

E REVOLUÇÃO NEGRA

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Novembro de 2015

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Lorenzo Kom’boa Ervin

ANARQUISMO

E REVOLUÇÃO NEGRAe Outros Textos do Anarquismo Negro

Tradução e Notas

Mariana Correâ dos Santos(Cole t ivo Das Lutas)

Revisão

M. Ponciano

Sunguilar

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Índice

Nota de Lorenzo Kom’boa Ervin à Edição brasileira 7

Mate o branco que existe em você!

Sobre anarquismo, eurocentrismo e supremacia branca 9

Dedicatória para a segunda edição de Anarquismo e Revolução Negra 13

Capítulo 1 - Uma Análise da Supremacia Branca 15

Como os Capitalistas Usam o Racismo 15

Raça e Classe: o Caráter Combinado da Opressão da População

Negra 18

Então, que tipo de Grupo AntiRRacista é necessário? 20

O Mito do “Racismo Reverso” 23

Esmagar a Direita! 27

Derrotar a supremacia branca! 34

Capítulo 2 - Onde está a luta Negra e para onde deveria estar indo? 41

Um Chamado para um Novo Movimento Negro de Protesto 44

Qual forma esse movimento tomará? 46

Estratégia e Tática Revolucionária 50

Um Boicote Negro aos Impostos 51

Uma Greve Nacional sobre Aluguéis e Ocupações Urbanas 52

Um Boicote dos Negócios Americanos 54

Uma Greve Geral Negra 56

A Comuna: O Controle Comunitário da Comunidade Negra 59

Construindo um programa de sobrevivência Negra 66

A Necessidade de uma Federação dos Trabalhadores Negros 72

O Desemprego e a Falta de Moradia 81

Crimes Contra o Povo 87

A Epidemia de Drogas: Uma Nova Forma de Genocídio Negro? 95

Intercomunalismo Africano 100

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Defesa Armada da Comuna Negra 108

Insurreição 114

Capítulo 3 - Teoria e Prática Anarquista 119

Tipos de Anarquistas 125

Pensamento Anarquista Versus Marxista- Leninista sobre a

Organização da Sociedade 130

Princípios Gerais do Anarco-Comunismo 140

Capitalismo, Estado e a Propriedade Privada 142

Anarquismo, Violência e Autoridade 146

Anarquistas e Organização Revolucionária 152

Por Que Eu Sou Um Anarquista? 159

O que Eu Acredito 167

Uma Breve Biografia de Lorenzo Kom’boa Ervin 171

Anexo: Anarquismo Negro, Ashanti Alston 175

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NOTA DE LORENZO KOM’BOA ERVIN

À EDIÇÃO BRASILERA

As condições dos descendentes de africanos escraviza-dos e daqueles que sofreram sob o sistema colonial europeué algo que tem sido ignorado pelos movimentos anarquistasmajoritariamente brancos. Isto é um erro tanto estratégico,quanto político, que condenou o movimento anarquista aser um projeto das classes média e alta branca. Felizmente,os povos não-brancos autônomos que são simpáticas aoanarquismo tem falado e exigem serem ouvidos. África,Ásia e América Latina têm visto as pessoas não-brancasoprimidas saírem de seus “lugares” e exigirem autonomia:Autonomia Negra.

Este livro foi escrito enquanto eu estava na prisão, nummomento em que havia poucas vozes pretas na tendênciaanarquista. O porto riquenho negro e anarquista, MartinSostre, que me levantou logo após a CIA e o FBI me captu-rar na Alemanha (para onde eu tinha fugido), em seguidopreso em Nova York em 1969, antes de me extraditaremalguns meses depois para a Geórgia . Ele me ensinou sobreos princípios do anarquismo revolucionário e me disse quehavia um enorme potencial para a luta negra nos EUA, Áfricae outros lugares onde as pessoas negras estavam sendo opri-midas.

Eu a transmiti a todos os leitores neste período a tomareste texto como uma arma escrita, e uma ferramenta deorganização para estender o Anarquismo além dos radicais

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brancos de sempre, para os povos pobres e trabalhadorespretos e pardos em todo o mundo. Anarquismo e a Revo-lução Negra significa liberdade para todos nós.

Tradução: Matheus Dias

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MATE O BRANCO QUE EXISTE EM VOCÊ!

Sobre anarquismo, eurocentrismoe supremacia branca

O purismo é uma espécie de enfermidade que há muitoconsome, estanca e limita o potencial revolucionário daideologia libertária. O anarquismo, entendido aqui como oconjunto de métodos forjados historicamente pelas lutaslibertação e sonhos de emancipação das pessoas oprimidasao redor do mundo, segue sendo derrotado internamentepor uma hegemonia branca e eurocêntrica, que ainda pre-domina sobre o que convencionamos a chamar de “meiolibertário”.

Em detrimento de algum acumulo, ainda que proble-mático, sobre as questões de gênero e sexualidade, a ques-tão racial segue sendo relegada, quando muito, tratadaatravés de um discurso antirracista genérico e descolado darealidade. Supremacia branca, Estado e Capital conformamo tripé da dominação que se perpetua há mais de 500 anosnestas terras encharcadas de sangue que eles chamaram deBrasil. O estupro, o linchamento e o genocídio dos povosoriginais e do povo negro são elementos estruturantes danossa realidade histórica.

Por tudo isso, e tantas outras questões impossíveis deserem tratadas nessa breve apresentação, resolvemos empre-ender o esforço de traduzir e publicar o presente livro. Umaobra que contem não apenas um conjunto pertinente dereflexões, mas que se desdobra em um programa, em um

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convite à revolução negra, tanto mais ambicioso quantonecessário. O pensamento de Lorenzo Kom’boa Ervin, se nãodesvenda todos os meandros da tragédia vivida por negrase negros no nosso continentes, ou aponta com precisão ca-minhos, nem por isso nos é menos útil para a transformaçãoda nossa realidade. Podemos afirmar, sem receio, que paramuito além de um manual de instruções ou vulgata ideoló-gica o livro é fonte de inspiração. Ele é vigoroso naquilo quehá de mais fundamental em um clássico, ele vence o tempopela sinceridade e força da mensagem, e chega ao Brasilpara alargar a estreita margem que inibe e amesquinha ocrescimento do pensamento anarquista em toda a parte.

Coletivo Editorial Sunguilar

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ANARQUISMO

E REVOLUÇÃO NEGRA

e Outros Textos do Anarquismo Negro

Lorenzo Kom’boa Ervin

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DEDICATÓRIA PARA A SEGUNDA EDIÇÃO

DE ANARQUISMO E A REVOLUÇÃO NEGRA

Dedico esta segunda edição do “Anarquismo e Revo-lução Negra” à camarada Ginger Katz, uma das fundadorasda Cruz Negra Anarquista1 Norte-Americana original, háquase 15 anos. Foi Ginger Katz que praticamente sozinhaorganizou a composição, edição e impressão da primeira edi-ção, e então ela saiu e vendeu-os aos milhares. Sem ela,esta segunda edição não teria sido possível.

Ela teve que lutar para conseguir os livros publicados,e para obter uma audiência para mim e para outros Anar-quistas Negros2, que tinham coisas a dizer sobre a direçãodo movimento. Os “Anarquistas puristas”, que queriam man-ter o movimento todo branco e individualista, como um fe-nômeno contracultural, lutaram contra ela com unhas edentes. Algumas destas críticas e conflitos foram um sofis-ticado e velado racismo, e estou certo de que eles frustra-ram e exauriram a camarada Ginger. Se assim foi mesmo,ela nunca repassou para mim, mas eu ouvi de outras fontes.Lembro-me de minhas relações com os Anarquistas no mo-vimento durante a década de 1970, que negavam a exis-tência do racismo como algo contra o qual devêssemos lutar

1 Grupo de apoio anarquista, que fornece literatura política em prisões,organiza ajuda material e legal para prisioneiros ao redor do mundo.(n.e.)2 A tradução seguiu o autor no original onde ele se refere a determi-nadas palavras com a letra maiúscula (n.e.)

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por completo. Mas não a camarada Ginger. Ela era uma daspoucas Anarquistas que entendiam como foi organizado oEstado norte-americano, e como o privilégio da pele brancaera usado para dividir a classe trabalhadora, e para conti-nuar a ditadura do Capitalismo através de táticas como ade “dividir para governar”.

Eu ainda tenho algumas das cartas que Ginger me es-creveu há 15 anos atrás, quando eu estava na prisão. Masperdi contato com ela desde o início da década de 1980. Em1983, fui libertado da prisão, e me afastei dos movimentosAnarquistas e movimentos prisionais, então eu não sei ondeela está. Mas onde quer que esteja, espero que ela saiba oquanto eu aprecio o que ela fez para tornar este projeto umarealidade, e como ela lançou as sementes para o cresci-mento do Movimento Socialista Libertário presente e futurodeste continente, e espero que de todo o mundo. Tenhoesperança de que um dia possa encontrá-la, talvez quandoeu estiver em uma turnê nacional deste ou de outros livrosque escrevi, e simplesmente agradecer-lhe por ter me aju-dado, quando eu não podia me ajudar. Para esta camarada,darei o meu amor e respeito sempre. Obrigado.

Lorenzo Kom’boa ErvinSetembro 1993

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CAPÍTULO 1

UMA ANÁLISE DA SUPREMACIA BRANCA

Este panfleto irá discutir brevemente a natureza doAnarquismo e sua relevância para o Movimento Negro deLibertação. Porque tem havido tantas mentiras e distorçõessobre o que realmente significa Anarquismo, tanto por seusadversários ideológicos de esquerda, quanto de direita, queserá necessário discutir os muitos mitos popularizados sobreo assunto. Isso por si só merece um livro, mas não é a inten-ção deste folheto, que é apenas para apresentar ao movi-mento Negro os ideais Anarquistas revolucionários. Caberáao leitor determinar se essas novas ideias são válidas edignas de adoção.

Como os Capitalistas usam o Racismo

O destino da classe trabalhadora branca sempre foiligado à condição dos trabalhadores Negros. Retrocedendoaté o período colonial americano, quando o trabalho Negrofoi importado pela primeira vez para a América, escravosNegros e servos por contrato3 foram oprimidos juntos comos brancos das classes mais baixas. Mas, quando os servos

3 A servidão por contrato caracterizava-se enquanto forma de tutelaassumida pelo trabalhador ao receber do seu tutor/senhor os recursospara atravessar o Atlântico, desde o Velho Mundo, e se radicar emalguma parte das 13 colônias inglesas na América do Norte. Geral-mente o tempo de servidão não excedia o limite de 6 anos. (n.e.)

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por contrato da Europa juntaram-se aos Negros para rebela-rem-se contra o seu destino no final de 1600, a classe pro-prietária decidiu “livrá-los”, dando-lhes um status especialcomo “brancos” e, portanto, uma participação no sistema deopressão.

Incentivos materiais, bem como o status social entãorecentemente elevado, foram utilizados para garantir a fi-delidade dessas classes mais baixas. Esta invenção da “raçabranca” e a escravidão racial dos Africanos serviram comouma luva, e foi a forma como as classes superiores manti-veram a ordem durante o período da escravidão. Até mesmoos brancos pobres tinham aspirações de fazer melhor, desdeque a sua mobilidade social fosse assegurada pelo novosistema. Esta mobilidade social, no entanto, foi conseguidaà custa dos escravos africanos, que eram superexplorados.

Mas a corda foi apertada para os dois lados, explora-ram-se os Africanos, mas também se aprisionou o trabalhobranco. Quando estes procuraram organizar sindicatos oulutar por salários mais altos no Norte ou Sul, foram recha-çados pelos ricos, que usavam o trabalho Negro escravizadocomo seu principal modo de produção. O chamado trabalho“livre” do trabalhador branco não tinha a menor chance.

Embora os Capitalistas utilizassem o sistema de privi-légios da pele branca com grande eficácia para dividir aclasse trabalhadora, a verdade é que os Capitalistas sófavoreceram os trabalhadores brancos para usá-los contra ospróprios interesses destes, não porque existia uma verdadeiraunidade da classe “branca”. Os Capitalistas não queriamtrabalhadores brancos unidos com Negros contra seu domí-nio e o sistema de exploração do trabalho. A invenção da“raça branca” era uma farsa para facilitar essa exploração.Os trabalhadores brancos foram subornados para permitir asua própria escravidão assalariada e a super-exploração dos

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Africanos; eles fecharam um acordo com o diabo, o queemperrou todos os esforços pela unidade da classe nos últi-mos quatro séculos.

A subjugação contínua das massas depende da com-petição e desunião interna. Enquanto existir discriminação,e as minorias raciais ou étnicas forem oprimidas, toda aclasse trabalhadora será oprimida e enfraquecida. Isto se dáporque a classe Capitalista é capaz de usar o racismo parafazer baixar os salários de segmentos específicos da classetrabalhadora, incitando o antagonismo racial e forçandouma disputa por empregos e serviços. Esta divisão é umdesdobramento que, em última análise, enfraquece os pa-drões de vida de todos os trabalhadores. Além disso, insti-gando brancos contra Negros e outras nacionalidades opri-midas, a classe Capitalista é capaz de impedir que os traba-lhadores se unam contra o inimigo de classe comum. En-quanto os trabalhadores estão lutando entre si, a domina-ção de classe Capitalista está segura.

Se uma resistência eficaz precisa ser montada contra aatual ofensiva racista da classe Capitalista, a máxima solida-riedade entre os trabalhadores de todas as raças é essencial.A maneira de derrotar a estratégia Capitalista é fazendocom que os trabalhadores brancos defendam os direitosdemocráticos conquistados pelos Negros e outros povosoprimidos, depois de décadas de duros confrontos, lutandopara desmantelar o sistema de privilégios da pele branca. Ostrabalhadores brancos devem apoiar e adotar as demandasconcretas do movimento Negro, e devem trabalhar paraabolir a identidade branca inteiramente. Estes trabalha-dores brancos devem lutar pela unidade multicultural, e de-vem trabalhar com ativistas Negros para construir um movi-mento antirracista para desafiar a supremacia branca. Noentanto, também é muito importante reconhecer o direito

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do movimento Negro em seguir uma estrada independentena direção de seus próprios interesses. Isso é que significa,de fato, autodeterminação.

Raça e Classe: o Caráter Combinadoda Opressão da População Negra

Devido à maneira como esta nação4 se desenvolveuatravés da exploração do trabalho Africano e com a manu-tenção de uma colônia interna, Negros e outros povos nãobrancos são oprimidos duplamente: tanto como membros daclasse trabalhadora quanto como uma nacionalidade racial.Como Africanos na América, eles são um povo distinto,perseguido e segregado na sociedade norte-americana. Aolutar por seus direitos humanos e civis, acabaram por entrarem confronto com todo o sistema Capitalista, não apenascontra indivíduos racistas nas várias regiões do país. A ver-dade logo se tornou evidente: os Negros não podem obter asua liberdade sob este sistema, porque, com base na con-corrência historicamente desigual, a exploração Capitalistaé inerentemente racista.

Nesta conjuntura, o movimento pode ir na direção damudança social revolucionária, ou limitar-se a conquistarreformas e direitos democráticos dentro da estrutura doCapitalismo. Há potencial para ambos. Na verdade, a fra-queza do movimento dos direitos civis de 19605 foi que ele

4 Ele se refere aos Estados Unidos da América. (n.e.)5 O Movimento dos Direitos Civis de 1960 nos Estados Unidos daAmérica consistia em adquirir reformas na constituição norte-americana, visando os direitos iguais, a abolição da discriminação e dasegregação racial no país, direitos esses que foram garantidos em leiapós a abolição da escravatura, mas que não foram efetivamenteaplicados, e constantemente desrespeitados pela Ku Klux Klan. (n.e.)

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se aliou aos liberais do Partido Democrata, e se acomodoucom a legislação de proteção aos direitos civis, em vez deforçar por uma revolução social. Este autopoliciamento doslíderes do movimento é uma lição abjeta sobre o porquê donovo movimento ter que ser autoativado e não dependentede personalidades e políticos.

Mas se esse movimento realmente se transformar emum movimento social revolucionário, ele deve finalmenteunir forças com movimentos similares, como Gays, Mulhe-res, trabalhadores radicais e outros que estão em revoltacontra o sistema. Por exemplo, na década de 1960, o Movi-mento Negro de Libertação funcionou como um catalisadorpara difundir ideias e imagens revolucionárias, que deu àluz aos vários movimentos de oposição que vemos hoje. Istoé o que nós acreditamos que acontecerá de novo, emboranão seja o suficiente para chamar de maneira insensata por“unidade”, tanto quanto a esquerda branca faz.

Devido à dupla forma de opressão dos trabalhadoresnão brancos e da profundidade do desespero social criado,os trabalhadores Negros irão atacar primeiro, estejam seusaliados potenciais disponíveis para fazê-lo ou não. Esta é aautodeterminação e por isso é necessário que os trabalha-dores oprimidos construírem movimentos independentespara unir o seu próprio povo em primeiro lugar. Por isso, éabsolutamente necessário que os trabalhadores brancosdefendam os direitos e conquistas democráticas dos traba-lhadores não brancos. Esta atividade autônoma das massasoprimidas (como o Movimento Negro de Libertação) é in-trinsecamente revolucionária, e é uma parte essencial doprocesso revolucionário social de toda a classe trabalhadora.Estas não são questões marginais; não podem ser rebaixadasou ignoradas pelos trabalhadores brancos que pretendemum triunfo revolucionário. É preciso que se reconheça como

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um princípio cardeal, que todos os povos oprimidos têm odireito à autodeterminação, incluindo o direito de adminis-trar suas próprias organizações, bem como a luta pela sualibertação. As vítimas de racismo sabem melhor como lutarcontra isso.

Então, que tipo de Grupo AntiRRacistaé necessário?

O Movimento Negro precisa de aliados em sua batalhacontra a classe Capitalista racista – não o habitual apoioliberal ou “pseudorradical”, mas o apoio genuíno e solidárioda classe operária revolucionária, também chamado de“ajuda mútua” pelos Anarquistas. A base de tal unidade,porém, deve ter princípios e fundamentos nos interesses declasse, em vez de em sentimento liberal de culpa ou de estarfazendo uma “boa ação” ou oportunismo e manipulação porpartidos políticos liberais ou radicais. As necessidades dopovo oprimido devem ser o mais importante, mas eles que-rem apoio genuíno, não falsidade ou retórica esquerdista.

O movimento Anarquista, que é predominantementebranco, deve começar a entender que precisa fazer o traba-lho de propaganda entre os Negros e outras comunidadesoprimidas e que eles precisam tornar possível aos Anarquis-tas não brancos se organizarem em suas comunidades, pro-porcionando-lhes recursos técnicos (a impressão de zines,vídeos e produção de CD, etc.) e ajudar com recursos finan-ceiros.

Uma das razões porque existem tão poucos Anarquis-tas Negros é porque o movimento não fornece meios paraalcançar as pessoas de cor, conquistá-las para o Anarquismo– e ajudá-las a se organizar. Isso tem que mudar se queremosque a revolução social ocorra nos Estados Unidos, e se que-

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remos que o Anarquismo na América do Norte seja mais doque o movimento dos “direitos brancos”.

O tipo de organização necessária deve ser uma organi-zação de “massa”, esforçando-se para unir os trabalhadoresem uma luta de classes comum, mas deve ser capaz de re-conhecer o dever de apoiar e adotar as exigências especiaisdos Negros e outros povos não brancos como sendo de todaa classe trabalhadora. Deve desafiar a supremacia brancadiariamente, deve refutar a propaganda e a filosofia racista,e deve conter a mobilização e os ataques racistas, com auto-defesa armada e luta de rua, quando necessário. O objetivode tal movimento de massa é ganhar a classe trabalhadorabranca para uma posição de antissupremacia branca e deconsciência de classe; para unir toda a classe trabalhadora;e confrontar diretamente e derrubar o Estado Capitalista eseus governantes. A cooperação e a solidariedade de todosos trabalhadores são essenciais para uma revolução Socialplena, e não apenas a de seu privilegiado setor branco.

Por exemplo, uma organização existente como a AçãoAntirracista6 (ARA), se adotar essas políticas como umgrupo Anarquista, deve receber uma prioridade maior denosso movimento. Cada cidade e município deve ter cole-tivos do tipo da ARA, e cada federação Anarquista exis-tente deve ter grupos de trabalho internos que trabalhemem torno do racismo e brutalidade policial. Na verdade, otipo de grupo de que eu estou falando seria, em si, umafederação para coordenar as lutas no nível nacional e atémesmo internacional.

6 Anti-Racist Action – ARA: Rede descentralizada de antifascistas eantirracistas na América do Norte que organizam ações para desfazergrupos neonazistas e de supremacia branca e ajudam criar atividadescontra ideologias fascistas e racistas. (n.e.)

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Este seria um movimento revolucionário, não se con-tentaria em sentar e ler livros, eleger alguns políticos Ne-gros ou “colegas de trabalho” para o Congresso ou para aAssembléia Legislativa do Estado, escrever cartas de pro-testo, circular petições ou outras táticas mansas como essas.Levaria os exemplos dos antigos movimentos operários radi-cais como os IWW7, bem como o Movimento dos DireitosCivis dos anos 1960, para mostrar que somente as táticas deação direta8 de confronto e protesto militante renderãoqualquer resultado. Também teria como exemplo a rebeliãode 1992 em Los Angeles para mostrar que as pessoas se re-voltarão, mas que é preciso ter aliados poderosos, que esten-dam ajuda material e informações de resistência, e um mo-vimento de massa existente para levá-lo para a próximaetapa e espalhar a insurreição.

Os Anarquistas devem reconhecer isso e ajudar aconstruir um grupo antirracista militante, que seria ao mes-mo tempo um grupo de apoio para a revolução Negra e um

7 Industrial Workers of the World (Trabalhadores Industriais doMundo) é um sindicato adepto da teoria sindicalista revolucionária(democracia laboral e autogestão trabalhadora). (n.e.)8 A formalização da tática de ação direta acontece já na AssociaçãoInternacional dos Trabalhadores (1864-1876). Os anarquistas na dé-cada de 1880, através da “propaganda pelo fato”, contribuíram bas-tante para que o conceito de ação direta passasse a ser interpretadocomo prática de autodefesa e de violência revolucionária. Em fins doséculo XIX, o sindicalismo revolucionário faz da ação direta, atravésda sabotagem, do boicote e da greve geral parte central do seu con-junto estratégico. Na História estadunidense, a ação direta aparecemuitas vezes associada às greves selvagens e à desobediência civil. Nãoseria incorreto afirmar que ação direta corresponde a toda tática queprescinde de intermediários ou mediadores - políticos, instituições degoverno e patrões – para que os objetivos dos explorados e oprimidossejam alcançados (n.e.).

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centro de organização de massa para unir a classe. É muitoimportante arrancar a influência de massa que tem o movi-mento de igualdade racial, das mãos da ala esquerdo-libe-ral democrata da classe dominante. A esquerda liberal podefalar sobre o bom combate, mas enquanto não se colocarempara derrubar o Capitalismo e esmagar o Estado, eles vãotrair e sabotar toda a luta contra o racismo. A estratégia daesquerda liberal é desviar a consciência de classe paraconsciência estritamente de raça. Eles se recusam a se ba-sear nos interesses materiais de classe ao recorrerem aoapoio das classes trabalhadora e média dos EUA pelos di-reitos dos Negros, e como resultado permitem que a direitacapitalize, sem oposição, em cima do sentimento racistalatente entre os brancos, bem como sobre a sua insegurançaeconômica. O tipo de movimento que proponho vai entrarna brecha e atacar a supremacia branca, e desmantelar ospróprios fios que mantêm o Capitalismo coeso. Sem o con-senso branco em massa para governar o estado norte-ame-ricano e o sistema de privilégios da pele branca, o Capi-talismo não poderia continuar no próximo século!

O Mito do “Racismo Reverso”

“Discriminação Reversa” tornou-se o grito de guerrade todos os racistas que tentam reverter os ganhos de direi-tos civis conquistados pelos Negros e outras nacionalidadesoprimidas em habitação, educação, emprego e todos os as-pectos da vida social. Os racistas sentem que essas coisas sódevem ir para os homens brancos, e que “minorias” e asmulheres estão levando-as para longe dos homens brancos.Milhões de trabalhadores brancos, dia sim, dia não, sãobombardeados por essa propaganda racista, e que está tendoum grande impacto. Muitos brancos acreditam nessa men-

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tira de discriminação reversa contra os brancos. Essa crençaé abraçada por muitos trabalhadores brancos ingênuos, queconsideram que a “discriminação reversa” seja pelo menosparcialmente responsável pelos problemas econômicos quemuitos deles sofrem atualmente. Tais crenças foram impul-sionadas por Ronald Reagan em seus dois mandatos comopresidente dos EUA. Reagan tentou usar esta linha de pro-paganda racista para precipitar um retrocesso das conquistasde direitos civis de imigrantes oprimidos.

Os racistas reivindicam o conceito de discriminaçãoreversa que acaba por sugerir que a discriminação em gran-de escala contra os Negros e outros grupos racialmente opri-midos é uma farsa. Afirmam categoricamente a ideia de quea aprovação da Lei de Direitos Civis de 1964 acabou com adiscriminação contra os Negros, Latinos e outras nacionali-dades, e contra as mulheres, e agora a lei é discriminatóriacontra os brancos. Os racistas dizem que as minorias raciaise as mulheres são os novos grupos privilegiados na sociedadeamericana. Alegam que eles têm a opção de escolher seuspostos de trabalhos, tem preferência nos estágios universi-tários, o melhor sistema de habitação, subsídios do governo,e assim por diante, em detrimento dos trabalhadores bran-cos. Os racistas dizem que programas para acabar com adiscriminação não são apenas desnecessários, mas, na ver-dade, são tentativas de minorias ganharem poder às custasde trabalhadores brancos. Eles dizem que os Negros e asmulheres não querem igualdade, mas sim a hegemonia so-bre trabalhadores brancos.

Um movimento Anarquista antirracista iria contrariartal propaganda e iria expô-la como uma arma da classe do-minante. A Lei dos Direitos Civis não causou inflação porgastos “excessivos” no bem-estar, na habitação, ou em ou-tros serviços sociais. Além disso, os Negros não estão discri-

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minando os brancos: os brancos não estão sendo levados parahabitações no gueto; nem estão sendo demitidos ou proibi-dos de exercer profissões; privados de uma educação de-cente; forçados à desnutrição e morte precoce; sujeitados àviolência racial e repressão policial, forçados a sofrer níveisdesproporcionais de desemprego e outras formas de opressãoracial. Mas, para os Negros, a opressão começa com o nasci-mento e a infância. A taxa de mortalidade infantil é quasetrês vezes maior do que a dos brancos, e continua por todaa vida. O fato é que a “discriminação reversa” é uma farsa.Discriminação AntiNegros não é uma coisa do passado. É arealidade sistemática e onipresente de hoje!

Malcolm X assinalou, em 1960, que nenhum estatutode direitos civis ia dar às pessoas Negras a sua liberdade, eindagou: se os Africanos na América eram realmente cida-dãos por que seriam necessários os direitos civis? MalcolmX observou que os direitos civis tinham sido alcançadosatravés de grande sacrifício e, portanto, deveriam ser apli-cados, mas se o governo não cumprisse as leis, então aspessoas teriam de fazê-lo, e o movimento teria de pressionaras autoridades governamentais para proteger os direitosdemocráticos. Para unir as massas de pessoas por trás de ummovimento antirracista da classe trabalhadora, as seguintesexigências práticas, que são uma combinação de reformasrevolucionárias e radicais, para garantir direitos democrá-ticos, são necessárias:

1. Solidariedade dos trabalhadores Negros e brancos.Luta contra o racismo no trabalho e na sociedade.

2. Direitos democráticos e humanos plenos para todosos povos não brancos. Fazer os sindicatos combaterem o ra-cismo e a discriminação.

3. Autodefesa armada contra ataques racistas. Cons-truir movimento de massas contra o racismo e o fascismo.

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4. Controle comunitário da polícia, substituição de po-liciais por uma força de defesa comunitária autoeleita pelosmoradores. Fim da brutalidade policial. Responsabilizaçãojudicial de todos os policiais assassinos.

5. Dinheiro para a reconstrução das cidades. Criaçãode mutirão para reconstrução de áreas urbanas, constituí-das de moradores da comunidade.

6. Emprego pleno e socialmente útil, com salários sin-dicalizados para todos os trabalhadores. Acabar com a dis-criminação racial no emprego, no treinamento e na promo-ção. Estabelecer programas de ação afirmativa para reverteras práticas racistas de emprego do passado.

7. Banir a Ku Klux Klan9, Nazistas e outras organiza-ções fascistas. Responsabilização judical de todos os racistaspor ataques a pessoas de cor.

9 A Ku Klux Klan surge em 1865, no sul dos Estados Unidos, paraimpedir que Negros recém-libertados se integrassem à sociedade. Decaráter extremamente violento, racista e supremacista, foi reconhe-cido como grupo terrorista e banido para ilegalidade, por aterrorizarNegros e atacar brancos que protegiam a população negra. Voltaramdo anonimato em 1915, devido ao lançamento do filme pró-Klan, “ONascimento de uma Nação”, como organização fraternal racista, lu-tando pelos “direitos dos brancos” protestantes sobre os Negros, cató-licos, judeus e asiáticos, e outros imigrantes. Foram responsáveis pormortes, linchamentos e outras violências contras esses grupos. No finalda década de 1940, os Klans retomaram seus interesses entre os WASP(protestantes brancos anglo-saxões, em inglês) frustrados e enganadospela direita racista norte-americana. O fim da segregação fez com quesurjam novamente, com suas cruzes em fogo. Em Estados como oAlabama, eles estavam infiltrados em todas as camadas sociais e polí-ticas. Diversos assassinatos entre 1940 e 1970 foram creditados aosKlans, inclusive o de Medgar Evers, lider do NAACP no Mississipi.Hoje, apesar de menores, ainda atuam nos EUA, em aliança comfascistas e neonazistas. (n.e.)

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8. Admissões livres e gratuita em todas as instituiçõesde ensino para todos aqueles qualificados para cursarem-nas. Sem exclusão racial no ensino superior.

9. Fim dos impostos para trabalhadores e pobres. Tribu-tar os ricos e as grandes corporações.

10. Assistência de saúde e assistência médica com-pleta para todas as pessoas e comunidades, sem distinção deraça e de classe.

11. Liberdade para todos os presos políticos e vítimasinocentes da injustiça racial. Abolir as prisões. Combater adisparidade econômica.

12. Controle democrático dos sindicatos pela base atra-vés da construção de um movimento Anarcossindicalista.Tornar os sindicatos ativos em questões sociais.

13. Parar o assédio racista e a discriminação contratrabalhadores informais.

Esmagar a Direita!

“O fascismo não é para ser debatido. Ele deve ser es-magado...” (Buenaventura Durrutti, Espanhol revolucioná-rio Anarquista de 1936).

Enquanto a sociedade Capitalista se deteriora, as pes-soas vão olhar para soluções radicais e totalitárias para amiséria que enfrentam. Os Nazistas e a Klan estão entre asforças políticas de direita que oferecem, ou parecem ofere-cer, uma resposta radical para os problemas sociais atuaisdas massas brancas. Que essas soluções são falsas importapouco para as pessoas confusas e histéricas procurando de-sesperadamente uma saída para a crise socioeconômica queo mundo Capitalista está enfrentando. Setores da classemédia, camadas da classe trabalhadora branca em melhorsituação, os trabalhadores brancos pobres e desempregados,

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todos envenenados pelo racismo desta sociedade, são presasfáceis para os demagogos Nazistas e da Klan.

Os Nazistas skinheads10 e a Klan são as organizações maisextremistas da direita racista/fascista nos Estados Unidos.Hoje, esses grupos são pequenos, e muitos liberais gostamde minimizar a ameaça que representam, até mesmo defen-dem seus “direitos” legais de espalhar o seu veneno racista.Mas esses grupos têm um enorme potencial de crescimentoe podem se tornar um movimento de massas em um períodode tempo surpreendentemente curto, especialmente du-rante uma crise econômica e política, como a que estamosagora.

Baseando-se em forças sociais brancas alienadas, osNazistas e a Klan estão tentando construir um movimentode massa que possa aliar-se aos Capitalistas no momentoadequado e assumir o poder do Estado. Quando os Capita-listas sentirem que eles podem precisar de um porrete adi-cional para manter os trabalhadores e oprimidos na linha,eles se voltarão para os Nazistas, para a Klan e organizaçõesde direita semelhantes, tanto com dinheiro quanto comapoio, além de fortalecer as polícias estaduais e forças mili-tares. Se for necessário, os Capitalistas vão colocá-los nopoder (como fizeram na Espanha, Alemanha e Itália, em1920 e 1930), assim os fascistas vão esmagar os sindicatos eoutras organizações da classe trabalhadora; colocar os Ne-gros, Latinos, Gays, Asiáticos e Judeus em campos de con-

10 Nazistas Skinheads, ou White Power Skinheads, é uma ramificação dacultura skinhead que possui individuos antissemitas e de supremaciabranca. Também são conhecidos como nazi-skin, skin 88, ou carecas,que é uma denominação pejorativa utilizada pela maioria dos skinheadsnão-racistas. Muitos deles são afiliados à associação nacionalistas bran-cas. (n.e.)

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centração; e tornar o resto dos trabalhadores em escravosdo Estado. Quando no poder, o fascismo é a sociedadeautoritária por excelência, mesmo que tenha mudado suaface para uma mistura de racismo bruto e racismo mais sutilno estado democrático moderno.

Assim, além dos Nazistas e a Klan, há outras forças dedireita que vem aumentando nos últimos 15 anos. Elas in-cluem os políticos de direita ultraconservadores e pastoresfundamentalistas Cristãos, juntamente com a seção de ex-trema direita da própria classe dominante Capitalista – ospequenos empresários, apresentadores de talk shows comoRush Limbaugh, juntamente com os professores, economis-tas, filósofos e outros quem, na academia, são fornecedoresdo armamento ideológico para a ofensiva Capitalista contraos trabalhadores e povos oprimidos. Nem todos os racistasusam lençóis. Esses são os racistas “respeitáveis”, os novosconservadores de direita, que são muito mais perigosos doque a Klan ou os Nazistas porque suas políticas se tornaramaceitáveis para grandes massas de trabalhadores brancos,que por sua vez, culpam minorias raciais por seus problemas.

A classe Capitalista já mostrou a sua vontade de usaresse movimento conservador como uma cortina de fumaçapara um ataque contra o movimento operário, a luta Negrae toda a classe trabalhadora. Muitos funcionários públicosdo município foram demitidos; escolas, hospitais e outrosserviços sociais foram restringidos; agências do governoforam privatizadas; itens de bem-estar social foram cortadosdrasticamente; e os orçamentos dos governos municipais eestaduais reduzidos. Os bancos inclusive usaram seus po-deres ditatoriais para exigir esses cortes no orçamento, e atémesmo, tornavam inadimplentes cidades inteiras que nãose submetessem. Isso aconteceu até com a cidade de NovaYork na década de 1970. Portanto, esta não é apenas uma

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questão de pobres, caipiras idiotas que usam chapéu de pa-lha. É sobre gangues de terno e gravata.

Um primeiro passo para organizar e preparar a classetrabalhadora na crise econômica que enfrentamos é exami-nar diretamente a ameaça da direita. A legislação econô-mica repressiva feita por políticos conservadores para puniros pobres e a classe trabalhadora precisa ser derrotada; osimpostos sobre os ricos e as grandes corporações devem seraumentados, enquanto os impostos sobre os trabalhadores eos agricultores devem ser abolidos. Se os políticos não vãofazer isso, vamos organizar um boicote aos impostos paraforçá-los a fazê-lo. Os Nazistas e a Klan precisam ser con-frontados pela ação direta. Os Anarquistas, as organizaçõesde trabalhadores e de esquerda têm de se organizar para de-fender os trabalhadores e oprimidos de agressões físicas pe-los racistas, bem como realizar manifestações de massa nasruas em comícios fascistas. Também devemos nos opor aescórias como a Operação Resgate11 que usa táticas fascistasviolentas contra os direitos das mulheres ao aborto. Faz partedo mesmo campo de batalha.

Aqui está a situação: David Duke, o “ex” membro daKlan agora faz parte da “respeitável” direita, que capta apoioentre a classe média alta. Enquanto isso, a Klan e os skin-heads Nazistas estão fazendo progressos entre as diferentescamadas sociais, principalmente entre os trabalhadoresbrancos pobres e jovens brancos desempregados. Tom Metz-ger, líder da Resistência Ariana branca, chamou os skinheadsNazistas de seus “camisas pardas12 dos anos 90”. É muito

11 Operação Resgate é uma das organizações ativistas cristãs contra odireito ao aborto nos EUA. (n.e.)12 Referência aos Sturmabteilung, ou SA, “Tropas de Assalto” ou mi-lícia paramilitar nazista durante o III Reich. Eram conhecidos como“camisas pardas”, devido à cor de seu uniforme. (n.e.)

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perigoso, mas não podemos deixar essas pessoas, sem dis-puta, para os Nazistas e a Klan. Devemos tentar conquistá-los, ou pelo menos neutralizar qualquer oposição ativa daparte deles. Esta é uma tática defensiva, no mínimo, masrealmente não temos escolha, e é parte do nosso deverrevolucionário organizar toda a classe trabalhadora de qual-quer maneira. Devemos direcionar a propaganda para essestrabalhadores de forma a expor os Nazistas e a Klan como aescória que são, e mostrar como os trabalhadores estãosendo enganados. Devemos também tornar possível paraeles combater esta miséria lutando contra o verdadeiroinimigo: a classe Capitalista.

Mas, além de operações defensivas de propaganda,devemos realizar ação direta ofensiva para resistir fisica-mente aos racistas quando isso for possível. Por exemplo,quando o equilíbrio de forças permite, é preciso organizar-se para retirar à força os Nazistas e a Klan das ruas. A fimde esmagar os seus movimentos, devemos organizar ações dotipo Comando13 para atacar seus comícios, fechar suas livra-rias e jornais, destruir as suas salas de reuniões, e acabarcom suas marchas. Uma vez que os Nazistas e a Klan orga-nizam-se ameaçando e usando violência, devemos estarpreparados para responder a eles da mesma forma, mas me-lhor organizados e mais eficazes. Por exemplo, porcos comoDavid Duke e Tom Metzger, que vem defendendo e lide-rando o movimento fascista na América, devem ser assas-sinados. Devemos nos infiltrar nas manifestações Nazistas eda Klan, de modo a atacar seus líderes e quebrá-los, ou nosescondermos a uma certa distância e atingi-los com riflesde alta potência. Eu sempre senti que os movimentos de

13 Operações realizadas atrás das linhas inimigas, através de infiltração.(n.e.)

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guerrilha clandestinos, como o Exército Negro de Liberta-ção14, Weather Underground15, e Frente de LibertaçãoNovo Mundo16 deveriam ter atacado movimentos fascistase assassinado seus líderes. Se paralisarmos os fascistas destaforma, podemos esmagar toda a direita e começar a destruiro Estado. Esta é a única maneira de parar fascistas. Morte àKlan e a todos os fascistas!

Ninguém menos que Adolf Hitler foi citado como ten-do dito: “Só uma coisa poderia ter parado o nosso movi-mento. Se nossos adversários tivessem entendido o seu prin-cípio, e desde o primeiro dia tivessem esmagado com ex-trema brutalidade o núcleo de nosso novo movimento”.Devemos prestar atenção.

Uma outra coisa que devemos fazer, e é algo que tati-camente separa a nós Anarquistas dos Marxistas-Leninistas(ML), é que nós usamos nossos estudos sobre a personali-dade autoritária para nos ajudar a nos organizar contra orecrutamento fascista. Todas as “Frentes Unidas” dos MLpreocupam-se com uma abordagem política rigorosa para

14 Fundado no ano de 1970 por ex-membros do Partido Pantera Negra,o exército surge em um determinado período em que o partido passa asofrer um revés em circunstâncias do aumento da repressão encabe-çada pelo FBI. Uma ala radical, então, decide romper com a direçãonacional dos Panteras Negras e Huey Newton e aderir à concepçãode guerrilha como forma de enfrentar o governo Capitalista norte-americano. (n.e.)15 Organização formada por estudantes brancos de extrema-esquerda,objetivou a criação de um partido clandestino revolucionário paraderrubar o governo norte-americano, apoiar os movimentos ligados àluta de Libertação Negra e se opor à Guerra do Vietnam. Realizou umasérie de atentados a bomba nos anos 1970. (n.e.)16 Organização Marxista-Leninista-Maoísta que realizou uma ofensivade guerrilha urbana ininterrupta em torno da Bay Area e norte daCalifórnia, de 1974 a 1977. (n.e.)

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derrotar o fascismo e impedi-los de alcançar o poder doEstado, sendo capazes de inaugurar o Partido Comunista emseu lugar. Eles organizam liberais e outros em coligações demassa apenas para tomar o poder e, em seguida, para esma-gar todos os oponentes ideológicos radicais e liberais, depoisde terem acabado com os fascistas. É por isso que os Estados“Comunistas” Stalinistas se assemelham tanto ao Estadopolicial fascista ao se recusarem a permitir pluralidade ideo-lógica – ambos são totalitários. Para esse assunto, quantadiferença havia realmente entre Stalin e Hitler? Então, eudigo que apenas bater de volta fisicamente nos fascistas nãoé a questão. Precisamos estudar o que explica a psicologiade massa do fascismo e, então, derrotá-lo ideologicamente,indo ao cerne das convicções racistas profundamente arrai-gadas, emoções e condicionamento autoritário daquelestrabalhadores que apoiam o fascismo e toda a autoridade doestado policial.

A terceira ponta da nossa estratégia é organizar entreos trabalhadores e outros setores oprimidos da sociedadeum programa que aborde as suas necessidades. Como já foidito, a Klan e os Nazistas recrutam entre certas camadassociais – esmagadoramente – jovens brancos que estão sen-do muito pressionados pela crise econômica. Essas pessoasveem Negros, Latinos, Asiáticos, Homossexuais, Mulherese movimentos radicais como uma ameaça. Eles são racistas,reacionários e potencialmente muito violentos. Com medode perder o pouco que têm, eles compram o mito de que osproblemas são “aquelas pessoas” que tentam roubar seusempregos, casas, futuro, etc, em vez da decadência do sis-tema Capitalista.

Enquanto parece não haver outra alternativa para lu-tar por uma fatia de um bolo social em encolhimento, os fas-cistas, com suas “soluções” simplórias, vão sendo ouvidos entre

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os elementos degenerados da classe trabalhadora. A únicamaneira de minar o apelo da direita é organizar um movi-mento operário Libertário que possa lutar e conseguir ascoisas que as pessoas precisam – emprego, habitação decentee escolas, saúde, etc. Isso pode demonstrar concretamenteque há uma alternativa para as “soluções” venenosas dadireita, e pode angariar para as fileiras do movimento operá-rio algumas dessas pessoas atraídas pelo movimento fascista.

Em todas as áreas da nossa organização, precisamosrealizar propaganda revolucionária consistente, explicandoque o Capitalismo é responsável pelo desemprego, pelo au-mento dos preços, as escolas e habitações podres e o restanteda decadência que vemos ao nosso redor. Devemos expor ofato de que, embora os Nazistas, Klan e outros direitistasfazem dos Negros, Gays, Latinos e outras pessoas oprimidaso bode expiatório para a crise econômica, o seu verdadeiroobjetivo é destruir o movimento operário por inteiro, come-ter genocídio, iniciar uma guerra aventureira e, por sua vez,transformar os trabalhadores em escravos definitivos doEstado. Portanto, essas forças fascistas são uma ameaça paratodos os trabalhadores de todas as nacionalidades. É neces-sário esclarecer que eles só querem usar os trabalhadoresbrancos como peões em seu esquema para criar uma dita-dura fascista, e todos os trabalhadores devem se unir e re-vidar e derrubar o Estado, se quiserem ser livres. Morte àKlan, morte aos Nazistas!

Derrotar a supremacia branca!

Os próprios meios de controle de classe pelos ricos é omenos compreendido. A supremacia branca é mais do queapenas um conjunto de ideias ou preconceitos. É opressãonacional. No entanto, para a maioria das pessoas brancas, o

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termo evoca imagens dos Nazistas ou Ku Klux Klan em vezdo sistema de privilégios da pele branca que realmente for-talece o sistema Capitalista nos EUA. A maioria das pessoasbrancas, Anarquistas incluídos, acredita essencialmenteque as pessoas Negras são “iguais” aos brancos, e que deve-mos lutar apenas em torno de “questões comuns” em vez delidar com “questões raciais”, se é que geralmente veemqualquer urgência em lidar com o assunto. Alguns não vãoabordar de uma forma tão contundente, eles vão dizer que“as questões de classe devem prevalecer”, mas isso significaa mesma coisa. Eles acreditam que é possível adiar a lutacontra a supremacia branca para depois da revolução, quan-do, na verdade, não haverá revolução se a supremacia brancanão for atacada e derrotada primeiro.

Eles não vão vencer uma revolução nos EUA até quelutem para melhorar a situação dos Negros e dos povos opri-midos que estão sendo privados de seus direitos democrá-ticos, além de serem superexplorados como trabalhadores.

Quase desde o início do movimento socialista norte-americano, a posição econômica simplista de que o quetodos os trabalhadores Negros e brancos devem fazer paraalcançar uma revolução é se engajar em uma “luta (econô-mica) comum” foi usada para impedir a luta contra a supre-macia branca. Na verdade, a esquerda branca sempre secolocou na posição chauvinista, já que a classe trabalha-dora branca é a vanguarda revolucionária de qualquer ma-neira, por que se preocupar com uma questão que vai “divi-dir a classe”? Historicamente, os Anarquistas nem sequerlevantam a questão de “políticas raciais”, como um Anar-quista referiu-se da primeira vez que este panfleto foi pu-blicado. Esta é uma evasão total da questão.

No entanto, é a burguesia Capitalista que cria a desi-gualdade como uma forma de dividir para dominar toda a

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classe trabalhadora. O privilégio da pele branca é uma for-ma de dominação do Capital sobre o trabalho branco, bemcomo sobre o trabalho de imigrantes oprimidos, não apenasfornecendo incentivos materiais para “corromper” os traba-lhadores brancos e colocá-los contra os Negros e outrostrabalhadores oprimidos. Isso explica a obediência do tra-balho branco ao Capitalismo e ao Estado. A classe trabalha-dora branca não vê a sua melhor condição como parte dosistema de exploração. Depois de séculos de doutrinaçãopolítica e social, eles sentem a sua posição privilegiada comojusta e adequada, e o que é pior, “conquistada”. Eles sesentem ameaçados pelos ganhos sociais dos trabalhadoresnão brancos, e é por isso que eles são tão veementementecontra os planos de ações afirmativas para beneficiar as mi-norias em postos de trabalho e contratação, e para corrigiranos de discriminação contra eles. É também por isso queos trabalhadores brancos são os que mais se opõem à legis-lação de direitos civis.

No entanto, é o funcionamento cotidiano da suprema-cia branca que devemos combater com mais vigor. Não po-demos permanecer ignorantes ou indiferentes ao funciona-mento de raça e classe no âmbito deste sistema, para que ostrabalhadores oprimidos continuem vitimados. Duranteanos, os Negros foram “contratados primeiro, demitidos pri-meiro” pela indústria Capitalista. Além disso, os sistemasbaseados em tempo de serviço operam por discriminaçãoracial explícita, e são pouco mais do que cargos para o tra-balho branco. Os Negros até foram expulsos de setores in-dustriais inteiros, como a mineração de carvão. Entretanto,os patrões do trabalho branco nunca se opuseram ou in-terviram em nome de seus irmãos de classe, nem o farão senão forem colocados contra a parede pelos trabalhadoresbrancos.

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Como foi salientado, há incentivos materiais para esteoportunismo do trabalhador branco: melhores empregos,salários mais altos, melhores condições de vida em comuni-dades brancas, etc, enfim, o que veio a ser conhecido comoo “estilo de vida da classe média branca”. Isto é o que o pro-letariado e a esquerda sempre lutaram para manter, e não asolidariedade de classe, algo que exigiria uma luta contra asupremacia branca. Este estilo de vida é baseado na super-exploração do setor não branco da classe trabalhadora do-méstica, e dos países explorados pelo imperialismo em todoo mundo.

Nos Estados Unidos, o antagonismo de classes sempreincluiu o ódio racial como um componente essencial, mas éestrutural e não apenas ideológico. Como todas as institui-ções, a cultura e o sistema socioeconômico do Capitalismodos EUA são baseados na supremacia branca, como então épossível combater verdadeiramente o domínio do Capitalsem ser forçado a derrotar a supremacia branca? A economiade dois níveis, com brancos no topo e os Negros em baixo(mesmo com todas as diferenças de classe entre os brancos)tem resistido com sucesso a todas tentativas dos movimentossociais radicais. Estes reformadores relutantes dançaram aoredor da questão, nunca chegaram ao centro dela. Ao con-seguirem reformas, que em muitos casos são voltadas princi-palmente apenas para os trabalhadores brancos, estes radi-cais brancos ainda têm de derrubar o sistema e abrir o ca-minho para a revolução social.

A luta contra o privilégio da pele branca também re-quer a rejeição da identificação cruel de norte-americanoscomo povo “branco”, em vez de Galês, Alemão, Irlandês,etc, como sua origem nacional. Esta designação “raça bran-ca” é uma supernacionalidade artificial projetada para in-flar a importância social das etnias europeias, e mobili-

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zando-as como ferramentas no sistema Capitalista de explo-ração. Na América do Norte, a pele branca sempre implicouliberdade e privilégio: a liberdade de obter um emprego, deviajar, de obter mobilidade social em relação a sua classe deorigem, e todo um mundo de privilégios Eurocêntricos.Portanto, antes de uma revolução social ter lugar, deve ha-ver uma abolição da categoria social da “raça branca” (compoucas exceções, neste ensaio vou começar a me referir aeles como “os Norte-Americanos”).

Essas pessoas “brancas” devem se engajar em um suicí-dio de classe e traição de raça antes que realmente possamser aceitos como aliados dos Negros e trabalhadores oprimi-dos por sua nacionalidade; toda a ideia por trás de uma“raça branca” é conformismo e os torna cúmplices de assassi-nato em massa e exploração. Se os brancos não queremvincular a si próprios o legado histórico do colonialismo, daescravidão e do genocídio, então eles devem se rebelar con-tra os mesmos. Assim, os “brancos” devem denunciar aidentidade branca e seu sistema de privilégio, e eles devemlutar para redefinirem-se a si mesmos e sua relação com osoutros. Enquanto a sociedade branca (através do Estadoque diz estar agindo em nome de pessoas brancas) continuara oprimir e dominar todas as instituições da comunidadeNegra, a tensão racial continuará a existir, e os brancos emgeral continuarão a ser vistos como o inimigo.

Então, o que os norte-americanos devem começar afazer para derrotar o oportunismo racial, os privilégios dapele branca e outras formas de supremacia branca? Primeiro,eles devem derrubar os muros que os separam de seus alia-dos não brancos. Então, juntos, eles devem travar uma lutacontra a desigualdade no local de trabalho, nas comuni-dades e na ordem social. No entanto, não é apenas aos di-reitos democráticos dos povos Africanos a que nos referimos

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quando falamos de “opressão nacional.” Se isso fosse todo oproblema, então talvez mais reformas poderiam obter aigualdade racial e social. Mas não, não é disso que estamosfalando.

Negros (ou Africanos na América) são colonizados. AAmérica é uma pátria com uma colônia interna. Para osAfricanos na América, a nossa situação é de opressão total.Nenhum povo é verdadeiramente livre até que possa deter-minar seu próprio destino. O nosso status é de cativo, decolonizados oprimidos, algo que deve ser destruído, nãoapenas esmagando o racismo ideológico ou a negação dedireitos civis. Na verdade, se não for esmagada a situaçãode colônia interna primeiro, isso significa a probabilidadede uma continuação desta opressão de outra forma. Preci-samos destruir a dinâmica social de uma existência muitoreal da América sendo feita por uma nação branca opressorae uma nação Negra oprimida (na verdade existem váriasnações cativas).

Isto exige que o Movimento de Libertação Negra li-berte uma colônia, e é por isso que não é apenas uma sim-ples questão dos Negros se juntarem aos Anarquistas bran-cos para lutar o mesmo tipo de batalha contra o Estado. Étambém por isso que os Anarquistas não podem tomar umaposição rígida contra todas as formas de nacionalismo Negro(especialmente grupos revolucionários, como o Partido dosPanteras Negras), mesmo que existam diferenças ideoló-gicas sobre a forma como alguns deles são formados e ope-ram. Mas os norte-americanos devem apoiar os objetivos dosmovimentos de libertação dos racialmente oprimidos, e elesdevem desafiar diretamente e rejeitar o privilégio da pelebranca. Não há outra maneira e não há atalho; a supremaciabranca é um grande obstáculo para a mudança social revo-lucionária na América do Norte.

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A Revolução Negra e outros movimentos de libertaçãonacional na América do Norte são partes indispensáveis darevolução social em geral. Trabalhadores norte-americanosdevem unir-se aos Africanos, Latinos e outros, para rejeitara injustiça racial, a exploração Capitalista e a opressão na-cional. Trabalhadores Norte-Americanos certamente têmum papel importante em ajudar essas lutas a triunfarem. Sóajuda material, que pode ser organizada por trabalhadoresbrancos para a Revolução Negra, já poderia ditar a vitóriaou derrota dessa luta numa fase específica.

Eu estou demorando para explicar tudo isso, porqueprevisivelmente alguns Anarquistas puristas vão tentar dis-cutir comigo que ter um movimento branco é até uma coisaboa, que os Negros e outras nacionalidades oprimidas sóprecisam subir a bordo do “Bom Navio Anarquista” (um na-vio de tolos?), e tudo isso é apenas “disparate de libertaçãonacional Marxista”. Bem, sabemos que parte da razão paraum movimento Anarquista antirracista é a de desafiar essaperspectiva chauvinista bem no meio de nosso próprio mo-vimento. Uma Federação Anarquista AntiRRacista nãoexistiria apenas para lutar contra os Nazistas. Precisamosdesafiar e corrigir posições racistas e doutrinárias sobre raçae classe dentro de nosso movimento. Se não pudermos fazerisso, então não podemos organizar a classe trabalhadora,Negra ou branca, e não somos úteis para ninguém.

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CAPÍTULO 2

ONDE ESTÁ A LUTA NEGRA

E PARA ONDE DEVERIA ESTAR INDO?

Alguns – geralmente a acomodada classe média Negraformada por profissionais, políticos ou empresários que parti-ciparam do movimento dos direitos civis em 1960 por poderou destaque – vão dizer que não há mais nenhuma neces-sidade de lutar nas ruas pela liberdade Negra durante adécada de 1990. Eles dizem que nós já “chegamos lá” e agoraestamos “quase livres”. Eles dizem que a nossa única lutaagora é para “integrar o capital”, ou ganhar riqueza para sie para os membros de sua classe social, embora eles falemda boca para fora sobre “empoderar os pobres”. Olha, dizemeles, nós podemos votar, nossos rostos Negros estão por todaa TV em comerciais e comédias de costume, existem cente-nas de milionários Negros, e temos representantes políticosnos corredores do Congresso e em repartições do Estado emtodo o país. Na verdade, dizem eles, existem atualmentemais de 7.000 autoridades Negras eleitas, várias das quaisgovernam as maiores cidades do país, e há até mesmo umgovernador de um estado do Sul, que é um Africano-Ame-ricano. Isso é o que eles dizem. Mas será que isso conta todaa história?

O fato é que estamos em uma situação tão ruim ouainda pior, economicamente e politicamente, como quandoo movimento dos direitos civis começou na década de 1950.Um em cada quatro homens Negros está na prisão, em

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liberdade vigiada, liberdade condicional ou detido; pelomenos um terço ou mais das unidades familiares Negras sãofamílias monoparentais hoje atoladas na pobreza; o desem-prego oscila entre 18-25 por cento para comunidades Ne-gras; a economia das drogas é o empregador número um dajuventude Negra; a maioria das unidades habitacionaisprecárias ainda está concentrada em bairros de Negros;Negros e outros não brancos sofrem com a pior assistência àsaúde; e as comunidades Negras são ainda subdesenvolvi-das por conta da discriminação racial por parte dos governosmunicipais, companhias hipotecárias e bancos, que traçamuma “linha vermelha” impedindo bairros Negros de rece-berem desenvolvimento comunitário, habitação e emprés-timos para pequenas empresas, mantendo nossas comuni-dades pobres. Nós também sofremos com os assassinatospraticados pela violência policial de policiais racistas queresultam em milhares de mortes e ferimentos; e guerra degangues fratricidas resultando em inúmeros homicídios dejovens (e uma grande quantidade de dor). Mas o que noscausa mais sofrimento e que engloba todos esses males é ofato de que somos um povo oprimido – na verdade um povocolonizado sujeito ao domínio de um governo opressor. Nósrealmente não temos direitos neste sistema, exceto aquelesque lutamos para ter e que mesmo agora estão ameaçados.Claramente precisamos de um novo movimento Negro deprotesto de massa para desafiar o governo e as corporações,e expropriar os fundos necessários para as nossas comuni-dades sobreviverem.

No entanto, nos últimos 25 anos o movimento Negrorevolucionário tem estado na defensiva. Devido à coopta-ção, repressão e traições do Movimento Negro de Libertaçãoda década de 1960, o movimento de hoje tem sofrido umasérie de contratempos e agora se tornou estagnado, se com-

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parado ao que era. Isso pode estar acontecendo porqueapenas agora estão começando a se organizar juntos, depoisde ser atacado por órgãos policiais do Estado, e também de-vido às contradições políticas internas que surgiram nosprincipais grupos revolucionários Negros, como o Partidodos Panteras Negras, Comitê Não-Violento de Coordena-ção Estudantil17 (SNCC ou “snick”, como era chamado naépoca), e a Liga dos Trabalhadores Negros Revolucioná-rios18. Creio que todos foram fatores que levaram à destrui-ção da esquerda Negra de 1960 neste país. É claro que mui-tos culpam este período de relativa inatividade no movi-mento Negro devido à falta de líderes fortes nos moldes deMalcolm X, Martin Luther King, Marcus Garvey, etc, en-quanto outras pessoas culpam o “fato” de que as massas Ne-gras se tornaram alegadamente “corruptas e apáticas”, ousó precisam da “linha revolucionária correta”.

Quaisquer que sejam os verdadeiros fatos da questão,pode ser visto claramente que o governo, as corporaçõesCapitalistas, e a classe dominante racista estão explorandoa atual fraqueza e confusão do movimento Negro para fazerum ataque à classe trabalhadora Negra, e estão tentandoretirar totalmente as conquistas obtidas durante a era dosdireitos Civis. Além disso, há um ressurgimento do racismo

17 Organização política americana que desempenhou um papel centralno movimento pelos direitos civis na década de 1960. Começou comoum grupo que defendia a não-violência inter-racial, adotando maiormilitância no final da década, refletindo as tendências no ativismoNegro em todo o país. (n.e.)18 Formação independente de trabalhadores Negros radicais em De-troit, 1969, que se derivou do Movimento Negro de Libertação, e erade formação marxista-lenista. Unia em suas fileiras diferentes Movi-mentos Sindicais Revolucionários que cresciam rapidamente na indús-tria automobilística e outros setores industriais. (n.e.)

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e do conservadorismo entre amplas camadas da populaçãobranca, que é um resultado direto da campanha de direita.É evidente que este é um momento em que temos de levarem conta novas ideias e novas táticas na luta pela liberdade.

Os ideais do Anarquismo são algo novo para o movi-mento Negro e nunca foram realmente examinados por ati-vistas Negros e não brancos. Simplificando, isso significa queas pessoas devem se governar, e não os governos, patetas polí-ticos ou líderes autonomeados. O Anarquismo também de-fende a autodeterminação de todos os povos oprimidos, e seudireito de lutar pela liberdade por qualquer meio necessário.

Então, qual o caminho para o movimento Negro? Con-tinuar a depender de políticos democratas oportunistas ecorruptos como Bill Clinton ou Ted Kennedy; o mesmovelho grupo de “líderes” vendidos da classe média do lobbydos direitos civis; um ou outro das seitas autoritárias leni-nistas, que insistem que eles e só eles têm o caminho corretopara a “iluminação revolucionária”; ou, finalmente, a cons-trução de um movimento de protesto revolucionário de basepara lutar contra o governo racista e seus governantes?

Somente as massas Negras podem finalmente decidira questão, se eles vão se contentar em suportar o peso dadepressão econômica atual e a escalada da brutalidade ra-cista, ou vão revidar. Anarquistas confiam nos melhores ins-tintos das pessoas, e a natureza humana dita que onde existerepressão haverá resistência; onde há escravidão, haveráuma luta contra ela. As massas Negras têm mostrado quevão lutar, e quando eles se organizarem eles vão ganhar!

Um Chamado para um NovoMovimento Negro de Protesto

Esses Anarquistas que são Negros, como eu, reconhe-cem que é preciso haver todo um novo movimento social,

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que seja democrático, no nível das bases e que seja autoin-centivado. Será um movimento independente dos princi-pais partidos políticos, do Estado e do governo. Deve ser ummovimento que, embora busque expropriar dinheiro do go-verno para projetos que beneficiem o povo, não reconheçaqualquer papel progressista do governo na vida do povo. Ogoverno não vai nos libertar, e é parte do problema e nãoparte da solução. Na realidade, apenas as massas Negras po-dem travar a luta pela liberdade Negra, não a burocraciagovernamental (como o Departamento de Justiça dos Esta-dos Unidos), os líderes reformistas dos direitos civis comoJesse Jackson19, ou um partido revolucionário de vanguardaem nome de sua própria causa.

É claro que, em um determinado momento histórico,um líder de protesto pode desempenhar um papel revolucio-nário tremendo como um porta-voz para os sentimentos dopovo, ou até mesmo produzir estratégia e teoria corretaspara um determinado período (Malcolm X, Marcus Garvey,e Martin Luther King, Jr. vêm à mente), e um “partido devanguarda” pode ganhar o apoio das massas e aceitação en-tre o povo por um tempo (por exemplo, o Partido dos Pante-ras Negras dos anos 1960), mas são as próprias massas Negrasque vão fazer a revolução e, uma vez que se mobilizemespontaneamente, saberão exatamente o que querem.

Apesar de líderes poderem ser motivados pelo bem oupelo mal, até mesmo eles vão agir como um freio sobre a luta,especialmente se eles perderam o contato com as aspirações

19 Jesse Jackson nasceu 08 de outubro de 1941, em Greenville, SouthCarolina. Enquanto estudante de graduação, Jackson se envolveu nomovimento pelos direitos civis. Em 1965, ele foi para Selma, Alabama,para marchar com o Dr. Martin Luther King, Jr. Na década de 1980 elese tornou um porta-voz do líder nacional para os afro-americanos. (n.e.)

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de liberdade das massas Negras. Líderes realmente só po-dem servir a um propósito legítimo como conselheiros e ca-talisadores para o movimento, e devem estar sujeitos à re-vogação imediata se agirem contra a vontade do povo.Neste tipo de papel limitado eles não são exatamente líderes– eles são organizadores comunitários.

A dependência do movimento Negro de líderes e lide-rança (especialmente a burguesia Negra) levou-nos a um becosem saída político. Espera-se que aguardemos e soframos emsilêncio até que o próximo líder messiânico se declare, comose ele ou ela fossem “investidos divinamente de uma missão”(como alguns alegaram ser). O que é ainda mais prejudicialé que muitos Negros adotaram uma psicologia servil de “obe-decer e servir aos nossos líderes”, sem considerar o que elesmesmos são capazes de fazer. Assim, em vez de tentar ana-lisar a situação atual e levar em frente a obra do irmão Mal-colm X na comunidade, eles preferem lamentar os fatos bru-tais, ano após ano, de como ele foi tirado de nós. Algunserroneamente se referem a isso como um “vácuo de lide-rança”. O fato é que não tem havido muita movimentaçãono movimento revolucionário Negro desde seu assassinatoe a destruição efetiva de grupos como o Partido dos PanterasNegras. Fomos estagnados pelo reformismo de classe médiae desentendimentos.

Precisamos encontrar novas ideias e constituições re-volucionárias da maneira de como lutar contra nossos ini-migos. Precisamos de um novo movimento de protesto demassas. Cabe às massas Negras construí-lo, não a líderes oupartidos políticos. Eles não podem nos salvar. Somente nóspodemos nos salvar.

Qual forma esse movimento tomará?

Se houve uma coisa que aprendi através dos organiza-

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dores Anarquistas revolucionários na década de 1960 foique você não organiza um movimento de massa ou uma re-volução social apenas através da criação de uma organiza-ção central, como um partido político de vanguarda ou umsindicato. Mesmo que os Anarquistas acreditem na orga-nização revolucionária, é um meio para um fim, em vez dospróprios fins. Em outras palavras, os grupos Anarquistas nãosão formados com a intenção de serem organizações per-manentes para conquistar o poder depois de uma luta revo-lucionária. Mas em vez disso, são grupos que agem como umcatalisador para as lutas revolucionárias, e que tentam ex-trair das rebeliões do povo, como a revolta de Los Angelesem 199220, um nível mais alto de resistência.

Duas características de um novo movimento de massasdevem ser a intenção de criar instituições de poder dual21

para, de um lado desafiar o Estado e ao mesmo tempo do

20 Em março de 1991, três policiais brancos e um hispânico espancaramseveramente o motorista de taxi afro-americano Rodney King. Umatestemunha filmou a ação, e o vídeo foi publicizado pela mídia domundo inteiro. Os policiais foram julgados e absolvidos em 29 de Junhode 1992, fato que levou a uma série de revoltas e tumultos em LosAngeles devido a indignação contra o veredito injusto. Saques, assal-tos, incêndios, assassinatos e danos materiais ocorreram, causandocerca de US$ 1 bilhão de prejuízo. Ao todo, 53 pessoas morreram du-rante os tumultos e milhares mais foram feridas. O Exército Nacionalfoi mobilizado para reprimir os protestos. (n.e.)21 O conceito de “dualidade de poderes” assumiu um significado aindamais amplo nas mãos dos anarquistas que usam para se referir ao con-ceito de revolução, através da criação de “contra-instituições” no lu-gar de e em oposição ao poder do Estado. Na Comuna de Paris osprimeiros organismos de poder surgiram contra o governo burguês esta-belecido. No caso da Revolução Russa, os soviets de 1905 represen-taram também a perspectiva do duplo poder, sempre contra o Estado eemergindo da base da sociedade (n.e.).

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outro lado ter a capacidade de ser um movimento autono-mista de base, que possa tirar proveito de uma situação pré-revolucionária e percorrer todo o seu caminho.

Poder dual significa que você organiza uma série decoletivos e comunas em cidades e vilas em toda a Américado Norte, que são, de fato, zonas liberadas, fora do controlegovernamental. Autonomia significa que o movimento deveser verdadeiramente independente e uma associação livrede todos aqueles unidos em torno de objetivos comuns, emvez de uma adesão por conta de algum juramento ou deoutras formas de pressões.

Então como é que Anarquistas intervêm no processorevolucionário de bairros Negros? Bem, obviamente, norte-americanos ou Anarquistas “brancos” não podem entrar emcomunidades Negras e apenas fazer proselitismo, mas certa-mente deveriam trabalhar com quaisquer Anarquistas nãobrancos e ajudá-los a trabalhar em comunidades de cor (eurealmente penso que o exemplo da Federação Anarquistade New Jersey e sua aliança informal com o movimento dosPanteras Negras naquele estado é um exemplo de como de-vemos começar). E nós definitivamente não estamos falandode uma situação onde os organizadores Negros entrem nobairro e ganhem pessoas para o Anarquismo, para que pos-sam, em seguida, serem controlados por brancos e algumpartido. É assim que o Partido Comunista e outros gruposMarxistas operam, mas não pode ser como Anarquistas tra-balham. Nós espalhamos as convicções Anarquistas nãopara “assumir o comando” das pessoas, mas para que elassaibam como elas podem se organizar melhor para combatera tirania e obter a liberdade. Queremos trabalhar com elascomo seres humanos que são nossos companheiros e aliados,que têm suas próprias experiências, agendas e necessidades.A ideia é conseguir o maior número possível de movimentos

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de pessoas que lutam contra o estado, uma vez que é o quetraz para um pouco mais perto o dia da nossa liberdade.

É preciso que haja algum tipo de organização revolu-cionária dos Anarquistas para trabalhar no nível local, porisso vamos chamar esses grupos locais de Comitês de Resis-tência Negra. Cada um desses Comitês serão coletivos so-ciais de Negros da classe trabalhadora revolucionária nacomunidade para lutar pelos direitos Negros e pela liber-dade, como parte da revolução social. Os Comitês não te-riam nenhum líder ou “capas”, seriam antiautoritários e nãoteriam qualquer tipo de estrutura hierárquica. Eles existi-riam para fazer um trabalho revolucionário, e, portanto, nãoestão debatendo como associações ou clubes formados paraeleger políticos Negros para gabinetes. São formações polí-ticas revolucionárias, que serão associadas a outros gruposem toda a América do Norte e outras partes do mundo, emum movimento mais amplo chamado de federação. A fede-ração22 é necessária para coordenar as ações desses grupos,para que os outros saibam o que está acontecendo em cadaárea, e para estabelecer estratégia e táticas genéricas (Cha-maremos esta, por falta de um nome melhor “Federação Re-volucionária Africana”, ou pode ser parte de uma federaçãomulticultural). A federação do tipo que eu estou falando é

22 Em 1863, Pierre-Joseph Proudhon publica o livro “Do PrincípioFederativo e da Necessidade de Reconstruir o Partido da Revolução”.O conteúdo da obra mescla parte importante da experiência operáriada época com a verve interpretativa de seu autor. O federalismo éapresentado como forma de organização política descentralizada, emconsonância com as autonomias locais de organismos econômicospopulares em regime de autogestão. Proudhon entende que a descen-tralização política das cidades e municípios não pode acontecer disso-ciada da concentração das “mutualidades”, ou seja, formas coletivasde produção. (n.e.)

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uma organização da sociedade de massa, que será democrá-tica e composta por todos os tipos de grupos menores e in-divíduos. Mas não é sobre um governo ou sistema represen-tativo que estou falando; não haveria cargos permanentesde poder, e até mesmo os facilitadores de programas internosestariam sujeitos à substituição imediata ou teriam umaalternância regular de deveres. Quando uma federação nãoé mais necessária, ela pode ser dissolvida. Tente isso comum partido Comunista, ou um dos principais partidos Capi-talistas na América do Norte!

Estratégia e Tática Revolucionária

Se vamos construir um novo movimento de protestorevolucionário Negro, devemos nos perguntar como pode-mos ferir este sistema Capitalista, e como nós o ferimos nopassado, quando levamos os movimentos sociais a seremcontra alguns aspectos da nossa opressão. Boicotes, mani-festações de massa, greves de aluguel23, piquetes, greves detrabalho, “sit-ins”24, e outros tipos de protestos têm sido utili-zados pelo movimento Negro em diferentes momentos desua história, juntamente com a autodefesa armada e a rebe-lião declarada. Simplificando, o que precisamos fazer é levara nossa luta a um nível novo e mais elevado: precisamos pe-gar essas táticas essenciais e já experimentadas (que foramutilizadas principalmente em nível local até o momento), e

23 Recusa temporária de um grupo de inquilinos ou lojistas a pagaremaluguel de um mesmo edifício, por exemplo. (n.t.)24 Ocupações de determinados espaços como forma de protesto, ondeas pessoas se sentam (ou bloqueiam o tráfego) como ato reivinidica-tório. O termo surge com as ocupações de restaurantes segregados porpessoas negras nos EUA que entravam e se sentavam nas mesas, saindosomente por força policial. (n.t.)

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utilizá-las em nível nacional e então associá-las com táticasainda não experimentadas, para um ataque estratégico frentea grandes corporações Capitalistas e ao aparato governa-mental. Vamos discutir algumas delas:

Um Boicote Negro aos Impostos

Os Negros deveriam se recusar a pagar impostos para ogoverno racista, incluindo imposto de renda, imposto sobrepropriedade e sobre serviços, enquanto estiverem sendosubmetidos à exploração e brutalidade. Os ricos e suas cor-porações não pagam praticamente nenhum imposto; são ospobres e os trabalhadores que carregam o peso da tributa-ção. No entanto, eles não recebem nada em troca. Há aindaelevados níveis de desemprego na comunidade Negra, o se-guro-desemprego e os benefícios sociais são insignificantes;as escolas estão em ruínas; a habitação pública é uma des-graça, enquanto os aluguéis de imóveis degradados sãoexorbitantes – todas essas condições e muito mais são supos-tamente corrigidas pela tributação governamental das ren-das, bens e serviços. Errado! Isso vai para o Pentágono,indústria armamentista e consultores gananciosos que, comoabutres, rapinam negócios com o governo.

O Movimento Negro de Libertação deve estabelecerum movimento de massa pela resistência contra os impostospara liderar um boicote Negro contra os impostos como for-ma de protesto e também como um método para criar umfundo para financiar projetos comunitários e organizaçõesNegras. Por que devemos continuar a apoiar voluntaria-mente nossa própria escravidão? Um boicote Negro contraos impostos é apenas mais um meio de luta que o MovimentoNegro deve analisar e adotar, que é semelhante à “resistên-cia ao imposto de guerra” do movimento pela paz. Os Ne-

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gros devem ser isentos de todos os impostos sobre a proprie-dade particular, imposto sobre renda, ações e títulos (o últi-mo dos quais seria um novo tipo de emissão voltado para odesenvolvimento comunitário). Taxem os ricos!

Uma Greve Nacional sobre Aluguéise Ocupações Urbanas

Conjuntamente com um boicote fiscal deve haver umarecusa em pagar o aluguel para habitações degradadas.Estes boicotes têm sido usados com grande efeito para lutarcontra a extorsão dos aluguéis pelos proprietários. Uma vezeles foram tão eficazes no Harlem (NY) que levaram à cria-ção da legislação de controle de aluguéis, evitando despe-jos, aumentos de preços injustificados, e requerendo umamanutenção razoável por parte dos proprietários e da em-presa de administração de imóveis. Um movimento demassa poderia trazer uma greve de aluguéis para áreas (comono Sudeste e Sudoeste, onde os pobres estão sendo logradospor proprietários gananciosos, mas não estão familiarizadoscom tais táticas). Leis injustas agora nos códigos, tambémconhecidas como leis do inquilinato (onde o único “direito”que os inquilinos têm é pagar o aluguel ou ser despejado)também devem ser reformuladas ou anuladas por completo.Essas leis só ajudam proprietários de espeluncas25 a perma-necerem no negócio, e mantêm a exploração da classe pobree trabalhadora. São responsáveis por despejos em massa, oque, por sua vez, agrava a falta de moradia. Devemos lutarpor abatimento nos aluguéis, para evitar despejos em massa,

25 Slumlords, no original, são proprietários que ganham muito dinheirocom habitações precárias dilapidadas/degradadas, em péssimas condi-ções, e que alugam para pessoas pobres por valores exorbitantes. (n.t.)

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e para abrigar os pobres e os sem teto em lugares acessíveise decentes.

Além da recusa em pagar os proprietários de espelun-cas e os bancos exploradores e as imobiliárias, deve haveruma campanha de “ocupações urbanas26” para tomar imó-veis para moradia, e fazer os inquilinos dirigi-los democrati-camente como um coletivo. Então aquele dinheiro que teriaido para o aluguel poderia agora ir para o reparo das mo-radias dos inquilinos. As pessoas sem teto, pobres necessi-tando de habitação a preços acessíveis, e outros que pre-cisam muito de moradia deviam simplesmente ocupar qual-quer habitação abandonada pertencente a um proprietárioausente ou até mesmo ocupar bravamente um projeto dehabitação da cidade.

Ocupações são uma tática especialmente boa, nestestempos graves de escassez de habitação e incêndios crimi-nosos causados pelos proprietários das espeluncas para co-letar o seguro. Devemos escurraçar os aproveitadores e sim-plesmente tomar conta! É claro que, provavelmente, tere-mos que lutar contra os policiais e proprietários inescrupu-losos que vão tentar usar táticas fortemente armadas, maspodemos fazer isso também! Podemos conseguir vitórias sig-nificativas se organizarmos uma articulação nacional degreve de aluguéis, e construir um movimento independentede inquilinos que autogestionem todas as acomodações, enão em nome do governo (com o complicado “Plano Kemp27”),mas em nosso próprio nome!

26 Urban Squattings, no original, são ocupações para moradia de imóveisvazios/abandonados, prática observada em muitos núcleos anarquistaspelo mundo, pela crença de que o imóvel está desocupado e as pessoasnecessitam de moradia. (n.t.)27 Refere-se ao plano de diminuição de taxas e impostos proposto àépoca pelo político norte-americano Jack Kemp. (n.e.)

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Um Boicote dos Negócios Americanos

Provou-se que uma das armas mais fortes do movi-mento dos direitos civis foi o boicote de consumidores Ne-gros aos comerciantes de uma comunidade e serviços públi-cos. Os comerciantes e outros empresários, é claro, são os“principais cidadãos” de qualquer comunidade, e a classedominante local e chefes de governo. Na década de 1960,quando os Negros se recusaram a negociar com os comer-ciantes enquanto eles consentissem a discriminação racial,o prejuízo na receita levou-os a fazer concessões, e mediar aluta, e até mesmo mantiveram os policiais e a Klan à distân-cia. O que é verdade a nível local é certamente verdadeiroem nível nacional. As grandes empresas e as famílias daelite governam o país; o governo é sua mera ferramenta. OsNegros gastam mais de 350 bilhões de dólares por ano emuma economia Capitalista, como consumidores, e poderiamfacilmente travar uma guerra econômica contra a estruturacorporativa com um boicote bem planejado para ganharconcessões políticas. Por exemplo, uma empresa como aGeneral Motors é fortemente dependente do consumidorNegro, o que significa que é muito vulnerável a um boicote,se esse fosse organizado e apoiado amplamente. Se Negrosse recusassem a comprar carros da GM, isso resultaria emperdas significativas para a empresa, da ordem de centenasde milhões de dólares. Algo como isso poderia até mesmoquebrar uma empresa. No entanto, a ala revolucionária domovimento Negro ainda não quer usar boicotes, chamando-o de “reformismo” e ultrapassado.

Mas longe de ser uma tática ultrapassada que devemosabandonar, boicotes tornaram-se ainda mais eficazes nosúltimos anos. Em 1988, o movimento progressista Negro nosEstados Unidos acertou em outra tática, boicotando as in-

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dústrias de turismo de cidades inteiras e estados que esta-vam envolvidos em discriminação. Isso foi reflexo, por umlado, do fato de que muitas cidades passaram de indústriaspesadas desde a década de 1960 para o turismo como suaprincipal fonte de receita e, por outro lado, por conta do re-conhecimento por parte do movimento que a guerra econô-mica era uma arma potente contra governos discrimina-tórios. O boicote Negro de 1990-1993 contra a indústria doturismo de Miami, Florida, e o boicote atual de do movi-mento por direitos dos homossexuais contra o Estado do Co-lorado (iniciado em 1992) têm sido bem-sucedidos e conse-guiram a atenção mundial para os problemas de suas comu-nidades. Na verdade, os boicotes foram ampliados para co-brir tudo, a partir de uvas da Califórnia, a cerveja (Coors),uma determinada marca de Jeans, todos os produtos feitosna África do Sul, uma certa indústria da carne, e muitascoisas no meio. Boicotes são mais populares hoje do quejamais foram.

Dr. Martin Luther King, Jr. reconheceu o potencialpoder revolucionário de um boicote Negro nacional degrandes corporações dos Estados Unidos, e foi por isso queele estabeleceu a “Operação Cesta de Pão28” pouco antesde um assassino o matar. Esta organização, com sede emChicago, foi projetada para ser o canal onde seriam despeja-dos fundos, em que as empresas seriam forçadas a por di-nheiro para um projeto de desenvolvimento da comunidadeNegra nacional para as comunidades pobres. E embora elefoi assassinado antes que isto pudesse acontecer, temos decontinuar seu trabalho nesta questão. Em todo o país escri-

28 Organização que realizou a operação citada, que foi projetada paracriar empregos para a população Negra através de ameaças de boicoteseconômicos a comerciantes brancos. (n.e.)

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tórios de boicote Negro deviam ser abertos! Devemos cons-truir um movimento de massa, envolvendo todos os setoresdo nosso povo. Devemos nos manifestar, fazer piquetes, eprotestos de ocupação29 em reuniões e escritórios de em-presas-alvo em todo o país. Temos de levar à sua própriaporta e parar o saque da comunidade Negra feito por elas.

Uma Greve Geral Negra

Devido ao papel que desempenham na produção, ostrabalhadores Negros são potencialmente o setor mais pode-roso da comunidade Negra na luta pela liberdade Negra. Agrande maioria da comunidade Negra pertence à classe tra-balhadora. Exceto os números desproporcionais de desempre-gados, cerca de 11 milhões de homens e mulheres Negras sãohoje parte da força de trabalho dos Estados Unidos. Cercade 5 - 6 milhões destes estão na indústria de base, tais comofabricação de aço e metal, comércios de varejo, produção eprocessamento de alimentos, frigoríficos, a indústria auto-mobilística, ferrovias, serviços médicos e de comunicações.Negros chegam a 1/3 a 1/2 dos trabalhadores braçais básicos,e 1/3 de trabalhadores de escritório. A mão de obra Negraé, portanto, muito importante para a economia Capitalista.

Devido a essa vulnerabilidade para ações de trabalhopor trabalhadores Negros, que são alguns dos trabalhadoresmais militantes no âmbito do trabalho, eles poderiam assu-mir um papel de liderança em uma campanha de protestocontra o racismo e a opressão de classe. Se forem devida-mente organizados, eles serão uma vanguarda de classedentro do nosso movimento, uma vez que estão no ponto deprodução. Trabalhadores Negros poderiam conduzir uma

29 “Sit-in”, no original. (n.t.)

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greve geral em todo o país no seu local de trabalho comoforma de protesto contra a discriminação racial no empregoe na habitação, os níveis excessivamente elevados de de-semprego Negro, as condições de trabalho brutais, e parapromover as demandas do movimento Negro em geral. Estagreve geral é uma greve Socialista, e não apenas uma grevepor melhores salários e melhores condições gerais de tra-balho; ela é revolucionária na política, utilizando outrosmeios. Esta greve geral pode assumir a forma de sabotagemindustrial, ocupações de fábricas ou sit-ins, desaceleraçõesde trabalho, greve espontânea e outras paralisações comoforma de protesto para obter concessões em nível local enacional, e reestruturar o local de trabalho e ganhar a jor-nada diária de 4 horas pelo trabalho norte-americano. Agreve não apenas envolveria os trabalhadores no local detrabalho, mas também a comunidade Negra e grupos pro-gressistas para darem apoio com o trabalho na linha de pi-quete, panfletagem e publicando boletins informativos deapoio à greve, demonstrações em escritórios de empresas elocais de trabalho, juntamente com outras atividades.

Vão ser necessárias organização comunitária e organi-zação no local de trabalho muito comprometidas para rea-lizar uma greve geral. Nos locais de trabalho em todo o país,Trabalhadores Negros devem organizar Comitês de GreveGeral nos locais de trabalho, e Comitês Negros de Apoio àGreve, para continuar o trabalho da greve dentro da própriacomunidade Negra. Porque um ataque desses seria especial-mente árduo e cruel, os trabalhadores Negros devem organi-zar comitês de defesa dos trabalhadores para defender ostrabalhadores despedidos ou colocados na lista de persegui-dos30 pelos patrões, devido ao seu trabalho de organização

30 “Black listed”, no original. (n.t.)

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na indústria. Este comitê de defesa iria divulgar o caso dotrabalhador vitimado e angariaria apoio de outros trabalha-dores e com a comunidade. O comitê de defesa tambémestabeleceria um fundo laboral de greve e defesa, e tambémcomeçaria a cooperativa de alimentos para financiar eapoiar materialmente esses trabalhadores vitimados e suasfamílias durante a realização da greve.

Embora, definitivamente, possamos contar com umatentativa de envolver os trabalhadores brancos onde elesestejam dispostos a cooperar, a greve estaria sob a liderançaNegra, porque só os trabalhadores Negros podem efetiva-mente levantar as questões que mais lhes afetam. Os tra-balhadores brancos devem apoiar os direitos democráticosdos Negros e de outros trabalhadores oprimidos em nívelnacional, em vez de apenas apoiar as campanhas brancas dedireitos comumente chamadas de “questões econômicascomuns”, lideradas pela esquerda norte-americana. Alémde indivíduos norte-americanos progressistas ou bancadassindicais, os próprios sindicatos locais devem ser recrutados,mas eles não são a força para levar esta luta, embora a suaajuda possa ser indispensável em uma campanha específica.É preciso uma grande organização para libertá-los de suanatureza racista e conservadora. Assim, embora nós deseje-mos e precisemos do apoio dos nossos colegas de outras na-cionalidades e grupos, é ridículo e condescendente simples-mente dizer aos trabalhadores Negros para sentarem e espe-rarem por uma “vanguarda de trabalhadores brancos” de-cidir se quer lutar. Vamos educar nossos colegas de trabalhopara as questões e por que eles deveriam lutar contra asupremacia branca ao nosso lado, mas não vamos adiar nossaluta por ninguém! Temos que organizar a Greve Geral para aLiberdade Negra!

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A Comuna: O Controle Comunitárioda Comunidade Negra

“Como podemos criar uma nova consciência revolucio-nária contra um sistema programado contra os nossos velhosmétodos? Devemos usar uma nova abordagem e revolucio-nar a Comuna Negra Central da Cidade, e, lentamente,fornecer ao povo o incentivo para lutar, permitindo-lhescriar programas que vão atender todas as suas necessidadessociais, políticas e econômicas. Devemos preencher os va-zios deixados pela ordem estabelecida... Em troca, devemosensinar-lhes os benefícios de nossos ideais revolucionários.Devemos construir uma economia de subsistência e umainfraestrutura sociopolítica para que possamos ser um exem-plo para todos os povos revolucionários”. (George Jackson31,em seu livro ‘BE’32)

A ideia por trás de uma comuna de massa é criar umaestrutura de poder dual como uma contraproposta para segovernar, sob condições que existem agora. Na verdade, Anar-quistas acreditam que o primeiro passo em direção à auto-determinação e da revolução social é o controle Negro dacomunidade Negra. Isso significa que as pessoas Negras de-vem formar e unificar suas próprias organizações de luta, assu-mir o controle das comunidades Negras existentes e todasas instituições dentro delas, e conduzir uma luta constantepara superar todas as formas de servidão econômica, polí-tica e cultural, e qualquer sistema de desigualdade racial ede classe, que é o produto desta sociedade Capitalista racista.

31 Afro-Americano ativista de esquerda, marxista, autor, membro doPartido dos Panteras Negras, e co-fundador da Família Guerrilha Ne-gra enquanto estava na prisão. (n.e.)32 Blood in my Eye, ou Sangue nos meus olhos. (n.e.)

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A concretização deste objetivo significa que podemosconstruir Comunas urbanas, que serão centros Negros de con-trapoder e cultura social revolucionária contra as estruturasbrancas de poder político nas principais cidades dos EstadosUnidos. Uma vez que eles assumam a hegemonia, essascomunas seriam uma alternativa real ao Estado e serviriamcomo uma força para revolucionar povos africanos – e, porextensão – grandes segmentos da sociedade norte-ameri-cana, que não poderia ficar imune a este processo. Ele servi-ria como um exemplo revolucionário vivo para os progressis-tas norte-americanos e de outras nacionalidades oprimidas.

Há um tremendo poder de luta na comunidade Negra,mas ele não está organizado em uma perspectiva revolucio-nária estruturada para efetivamente lutar e tomar o que édevido. A classe dominante branca Capitalista reconheceisso, é por isso que empurra a fraude do “Capitalismo Negro”e os políticos Negros e outros tipos de “líderes responsáveis”.Estes artistas falsos e vendidos nos levam ao beco sem saídada votaçao e da reza por aquilo que estamos realmente dis-postos a lutar. Os Anarquistas reconhecem a Comuna comoo órgão principal da nova sociedade, e como uma alterna-tiva para a velha sociedade. Mas os Anarquistas tambémreconhecem que o Capitalismo não vai desistir sem lutar;será necessário inviabilizar econômica e politicamente aAmérica Capitalista. Uma coisa é certa, não devemos conti-nuar a permitir passivamente que este sistema nos explore eoprima.

A comuna é uma plataforma para a luta revolucionáriaNegra. Por exemplo, as pessoas Negras deveriam se recusara pagar impostos para o governo racista, deveriam boicotaras corporações Capitalistas, deveriam conduzir uma GreveGeral Negra em todo o país, e deveriam se envolver em umainsurreição para expulsar a polícia e ganhar uma zona liber-

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tada. Este seria um método poderoso para obter a submissãoàs reivindicações do movimento, e enfraquecer o poder doEstado. Podemos até mesmo forçar o governo a disponibilizardinheiro para o desenvolvimento da comunidade como umaconcessão, em vez de como pagamento para a retirada daluta, como aconteceu na década de 1960 e posteriormente.Se colocarmos uma arma na cabeça de um banqueiro edissermos: “Nós sabemos que você tem o dinheiro, agoradesista dele”, ele teria de se render. Agora a questão é: senós fizermos a mesma coisa com o governo, usando os meiosda ação direta com um movimento de massas insurrecional,seriam atos de expropriação? Ou seria apenas para pacificara comunidade porque eles nos deram o dinheiro? Uma coisaé certa, nós definitivamente precisamos do dinheiro e, noentanto, retirá-lo do governo é menos importante do que ofato de que os forçamos a desistir dele através das forçaspopulares. Teríamos, então, de usar esse dinheiro para re-construir nossas comunidades, manter nossas organizações,e cuidar das necessidades do nosso povo. Poderia ser umagrande concessão, uma vitória.

Mas também temos que perceber que os africanos nosEstados Unidos não são simplesmente oprimidos pela forçadas armas, mas essa parte da autoridade moral do Estadovem da mente do oprimido que consente o direito de sergovernado. Enquanto as pessoas Negras acreditarem quealguma autoridade moral ou política do governo branco temlegitimidade em suas vidas, que eles têm o dever com estanação como cidadãos, ou mesmo que eles são responsáveispor sua própria opressão, então eles não podem efetivamenterevidar. Eles devem libertar suas mentes das ideias de patrio-tismo americano e começar a ver a eles mesmos como umpovo novo. Isso só pode ser realizado sob o poder dual, noqual o patriotismo do povo para o Estado é substituído pelo

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amor e apoio para a nova comuna Negra. Fazemos isso tor-nando a Comuna uma coisa real na vida e no dia a dia daspessoas comuns.

Devemos estabelecer conselhos comunitários para to-mar decisões políticas e administrar os assuntos da comuni-dade Negra. Esses conselhos seriam assembleias de bairros,democráticas compostas por representantes eleitos pelosTrabalhadores Negros em várias instituições da comuni-dade – fábricas, hospitais, escolas – bem como delegadoseleitos tendo por base quarteirões. Devemos rejeitar prefei-tos Negros e outros políticos ou burocratas do governo, comosubstitutos para o poder da comunidade. Devemos, por-tanto, ter controle comunitário de todas as instituições dacomunidade Negra, em vez de simplesmente deixar o Es-tado decidir o que é bom para nós. Não apenas trabalho emoradia, mas também o controle total sobre as escolas, hos-pitais, centros de assistência social, bibliotecas, etc., devemser entregues a essa comunidade, porque só os moradoresde uma comunidade têm uma verdadeira compreensão desuas necessidades e desejos.

Aqui está um exemplo de como isso passaria a funcio-nar: iríamos eleger um conselho comunitário para supervi-sionar todas as escolas na comunidade Negra. Nós encoraja-ríamos os pais, alunos, professores e a comunidade em gerala trabalhar cooperativamente em todas as fases da adminis-tração da escola, em vez de ter uma autoridade como um(a)diretor(a) e sua administração burocrática indiferente fa-zendo as coisas como são feitas atualmente. Toda a comu-nidade Negra terá de se envolver em uma luta militantepara assumir as escolas públicas e transformá-las em centrosde cultura Negra e de aprendizagem. Não podemos conti-nuar a depender dos conselhos escolares racistas ou fanto-ches Negros para fazer isso por nós.

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O conselho local seria então federado, ou atuaria junto,em um nível local para criar um grupo municipal de conse-lhos que comandariam os assuntos naquela comunidade. Osconselhos e outros coletivos de bairros organizados por umavariedade de razões fariam uma comuna de massa. Esta co-muna seria, por sua vez, federada a nível regional e nacio-nal, com o objetivo de criar uma federação nacional decomunas Negras, que se reuniria periodicamente em umaou várias reuniões de assembleia em massa. Esta federaçãoseria composta por delegados eleitos ou nomeados, repre-sentando o seu município ou conselho local. Tal federaçãonacional de comunas permitiria que conselhos comunitáriosde toda a América do Norte elaborassem suas políticas co-muns e falassem em uma só voz sobre todos os assuntos queafetam suas comunidades ou regiões. Teria, portanto, muitomais poder do que qualquer conselho comunitário poderiater. No entanto, para prevenir esta federação nacional dausurpação burocrática do poder por facções políticas oulíderes oportunistas, as eleições devem ser realizadas regu-larmente e delegados seriam revogados a qualquer momentopor má conduta, para que eles permaneçam sob o controledas comunidades locais que representam.

Os conselhos comunitários Negros são na verdade umtipo de movimento de base composto de todas as formaçõessociais de nosso povo, os Comitês de quarteirão e de bairro,grupos de Trabalhadores, de estudantes e de jovens (até mes-mo a igreja, em um grau limitado), grupos de ativistas so-ciais, e outros, para unir as várias ações de protesto em tornode um programa comum de luta para este período. As cam-panhas para este período devem utilizar as táticas de açãodireta de massas, pois é muito importante que as própriaspessoas tenham consciência acerca de seu poder organi-zado. Estas associações de base proporcionarão para as ações

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de massa normalmente espontâneas uma forma de organiza-ção cuja base social é da classe trabalhadora Negra, em vezda habitual liderança equivocada da classe média Negra.

Os Anarquistas reconhecem esses conselhos comuni-tários como sendo uma forma de democracia direta, em vezdo tipo de falsa “democracia” americana, que realmente nãoé nada além do controle de políticos e empresários. Os con-selhos são especialmente importantes porque eles fornecemautonomia embrionária e o início de uma alternativa para osistema econômico Capitalista e seu governo. É uma ma-neira de minar o governo e torná-lo um dinossauro irrele-vante, porque os seus serviços não são mais necessários.

A Comuna também é uma contracultura revolucioná-ria Negra. É o embrião da nova sociedade revolucionáriaNegra no corpo da antiga, doente, moribunda. É o novo es-tilo de vida em microcosmo, que contém os novos valoressociais Negros e as novas organizações comunitárias e insti-tuições, que se tornarão a infraestrutura sociopolítica dasociedade livre.

Nosso objetivo é ensinar novos valores sociais Negrosde unidade e de luta contra os efeitos negativos da socie-dade e cultura branca Capitalista. Para fazermos isso, de-vemos construir a Comuna em um movimento de Consciên-cia Negra para construir orgulho racial e respeito, raça econsciência social, e lutar contra os senhores de escravosCapitalistas. Este comunalismo Negro seria tanto um repo-sitório da cultura Negra quanto da ideologia. Precisamosmudar tanto nossas vidas quanto nossos estilos de vida, afim de lidar com as muitas contradições interpessoais queexistem em nossa comunidade. Poderíamos examinar a fa-mília Negra, as relações Negras masculina/feminina, a saú-de mental da comunidade Negra, as relações entre a comu-nidade e o establishment branco, e do povo Negro consigo

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próprio. Nós alcançaríamos a consciência Negra criandosessões em escolas, centros comunitários, prisões e nas co-munidades Negras em toda a América do Norte, que ensi-nariam História e Cultura Negra, novas ideias sociais liber-tadoras e valores para crianças e adultos, bem como técnicasde aconselhamento e terapia para resolver problemas fami-liares e conjugais e, ao mesmo tempo, dando uma perspec-tiva revolucionária Negra para as questões do dia a dia. Nossopovo tem de perceber que o auto-ódio, a desunião, a des-confiança, a violência fratricida e condições sociais opressi-vas entre as pessoas Negras são o resultado do legado daescravidão Africana e os atuais efeitos do Capitalismo. Fi-nalmente, o objetivo principal da cultura revolucionária Ne-gra é agitar e organizar pessoas Negras a lutar por sua liberdade.

Como Steve Biko, o revolucionário Sul-africano assas-sinado, foi citado dizendo:

“O apelo por consciência Negra é o chamado mais po-sitivo que veio de um grupo aliado no mundo Negro por umlongo tempo. Ele é mais do que uma reacionária rejeiçãodos brancos pelos Negros... No coração deste tipo de pensa-mento, reside a percepção do Negro de que a arma mais po-derosa nas mãos do opressor é a mente do oprimido. Umavez que o último foi tão efetivamente manipulado e contro-lado, o opressor tenta fazer com que o oprimido acredite queele é uma responsabilidade do homem branco, então não hánada que o oprimido possa fazer que verdadeiramenteassuste os poderosos senhores... A filosofia da consciênciaNegra, portanto, expressa orgulho de grupo e a determina-ção dos Negros para se levantarem e conquistarem a autor-realização desejada. “

Como “autorrealização desejada”, Biko se refere à au-torrealização Negra, uma psiquê livre. É isso que queremosresgatar com esse movimento de consciência Negra aqui na

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América. Precisamos combater o auto-ódio Negro e a men-talidade fútil de “festa”. Também queremos acabar com adegradação social de nossa comunidade, e nos livrar dovício em drogas, prostituição, crime de Negros contra Ne-gros, e outros males sociais que destroem a fibra moral dacomunidade Negra. Drogas e prostituição são controladasprincipalmente pelo crime organizado, e protegidos pelapolícia, que aceita subornos e presentes de gangsteres. Estesvalores sociais negativos, a chamada filosofia “cão-come-cão” do sistema Capitalista ensina as pessoas a serem indi-vidualistas da pior espécie. Dispostos a cometer qualquertipo de crime contra os outros, e tirar vantagem um do ou-tro. Esta cultura opressiva é contra o que estamos lutando.Enquanto ela existir, será difícil unificar o povo em torno deum programa político revolucionário.

Construindo um programade sobrevivência Negra

Mas também deve haver alguma maneira de garantira sua sobrevivência econômica, além de proporcionar novosmodelos culturais a seguir. É quando a Comuna, uma redede organizações e instituições comunitárias, assume a suamaior importância. Nós vamos construir uma infraestruturasociopolítica para intervir em todas as áreas da vida Negra:cooperativas de alimentação e habitação, escolas de Liber-tação Negra, bancos populares e fundos comunitários deajuda mútua, clínicas médicas e hospitais, controle de roe-dores e programas de extermínio de pragas, cooperativas defábricas, centros culturais e de entretenimento comunitá-rios, o estabelecimento de redes eletrônicas de comunica-ções intercomunais, projetos de recuperação de terras eprédios, brigadas de obras públicas para reconstruir as ci-

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dades, projetos para a juventude, clínicas de drogas, e mui-tos outros programas.

Todos estes programas satisfazem as necessidades pro-fundas da comunidade Negra, mas não são soluções paranossos problemas, porque embora possamos construir umaeconomia de sobrevivência agora, temos de perceber quevai ser preciso uma revolução social para derrubar o Capi-talismo e obter autossuficiência econômica completa. Maseles vão nos ajudar a organizar a comunidade Negra emtorno de uma verdadeira análise e compreensão de sua si-tuação. É por isso que eles são chamados de programas desobrevivência, ou seja, sobrevivendo sob este sistema en-quanto está pendente uma revolução social.

Construir consciência e cultura revolucionária signi-fica assumir questões reais do dia a dia, como a fome, a ne-cessidade de vestuário e habitação, desemprego, transportee outras questões. Isso significa que a Comuna deve pre-encher o vácuo onde as pessoas não estão sendo devida-mente alimentadas e vestidas, não estão recebendo trata-mento médico adequado ou estão, de qualquer forma, sen-do privadas das necessidades básicas.

Ao contrário do discurso de alguns grupos de esquer-da, isso não vai tornar as pessoas passivas ou simplesmentedependentes de nós. Em vez de lutar contra o governo eexigir essas coisas, isso inspira confiança nas forças revolu-cionárias e expõe o governo como insensível e incompe-tente. Esse é mais um incentivo para o povo se revoltar ederrubar o governo em vez de simplesmente ficar realizandocomícios políticos, dando palestras, concorrendo a cargospúblicos, e publicando manifestos e resoluções ou jornaispartidários e outros tipos de lixo (que ninguém lê, a não serseus próprios membros), como a maioria de grupos Negros egrupos radicais fazem agora.

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Precisamos de uma nova maneira de enfrentar nossasituação de oprimidos. Precisamos unir as pessoas para lutar,e para isso, precisamos educar, agitar e organizar. Essa é aúnica maneira pela qual nós vamos conseguir um novomundo. O que se segue é um exemplo de programa de so-brevivência:

1. Precisamos ter controle comunitário de todas asempresas e instituições financeiras localizadas em nossascomunidades. E as empresas que não estão trabalhando paranossos melhores interesses ou não retornam alguma parte desua receita para a comunidade, nós vamos nos apossar des-sas empresas e transformá-las em cooperativas comunitáriase sociedades bancárias de ajuda mútua.

2. Precisamos ter controle comunitário de toda a polí-tica de habitação e maior entrada em todo o planejamentocomunitário das comunidades Negras. Se uma parte de umapropriedade ou a casa pertence a um proprietário de espe-lunca (seja ele um corretor de imóveis ou agência governa-mental), vamos tomá-las e transformá-las em cooperativasde habitação comunitárias. Nós nos opomos à renovaçãourbana, à decomposição espacial, gentrificação com vindada classe média, e outros esquemas racistas para nos ex-pulsar das cidades. Nós devemos ter controle completo detodos os quadros de planejamento que afetam e dizem res-peito à comunidade Negra. Para cumprir estas exigências,devemos liderar greves de aluguéis, manifestações, açõesarmadas e de ocupações urbanas para expulsar os proprie-tários especuladores e assumir a propriedade.

3. Precisamos ter uma economia independente e au-tossustentável para garantir o pleno emprego para todo nossopovo. Exigimos que o governo dos EUA proporcione ajuda

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econômica massiva para reconstruir as cidades. O governogasta bilhões por ano para a máquina de matar do Pentá-gono. Pelo menos essa quantia deve ser redirecionada paraatender as necessidades das comunidades oprimidas daAmérica. Habitações dos guetos devem ser reconstruídas eentregues aos ocupantes. Empregos e serviços adequadosdevem ser fornecidos a todos os moradores de comunidade,incluindo a preferência para todos os trabalhos de obra nacomunidade Negra, quando as brigadas de obras públicasforem designadas a reconstruir as cidades. Devemos lutarpara o controle popular Negro de todos os fundos públicosalocados para a comunidade Negra através de uma rede desociedades bancárias de ajuda mútua, empresas de desen-volvimento comunitário e cooperativas de crédito de de-senvolvimento comunitário.

4. Reparações: O Grande Acerto de Contas. O go-verno dos Estados Unidos e a classe rica deste país roubarame oprimiram Africanos neste continente por décadas. Elesusaram nossos ancestrais como escravos, e após a escra-vidão, continuaram a oprimir, assassinar e explorar o nossopovo, até os dias atuais. Devemos construir um movimentode massas em nossas comunidades para obrigar o governo eos ricos a fornecerem os meios para nossa reconstrução dacomunidade. Eles nos devem por séculos de abuso e roubo!Devemos exigir que as reparações, sob a forma de dinheiropara desenvolvimento comunitário e de outros fundos, sejamfornecidas e colocadas em cooperativas de crédito, coope-rativas e outras instituições de ajuda mútua na comunidadeNegra, para que possamos começar a obter um certo graude autossuficiência econômica. No entanto, sabemos queeles não vão nos dar o dinheiro. Devemos enfrentá-los paraisso, assim como nós devemos lutar para derrubar o sistemade escravidão assalariada hoje.

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5. Acabar com a brutalidade policial. Temos de orga-nizar unidades de autodefesa para proteger a comunidadeNegra e suas organizações, e remover as farsas policiais doEstado. Exigimos processo criminal e prisão de todos ospoliciais violentos ou assassinos. Sem jurisdição para o sis-tema judicial do Estado em Zonas Negras Libertadas.

6. Devemos empreender um programa em grande es-cala para treinar as pessoas Negras como médicos, enfer-meiros e paramédicos profissionais, a fim de tornar a assis-tência médica e odontológica gratuita e de qualidade dis-ponível para as pessoas Negras. Devemos exigir que o go-verno subsidie todo esse tipo de formação médica e odon-tológica, como rede e para o funcionamento de clínicas, masas pessoas Negras é que devem estabelecer e fazer funcionaras clínicas médicas gratuitas em todas as comunidades Ne-gras urbanas ou rurais. Isso incluiria programas comunitáriosantidrogas e clínicas de reabilitação de drogas.

7. Devemos estabelecer um controle comunitário Ne-gro do sistema alimentar visando à autossuficiência comomodo de lutar pelo fim da fome e da desnutrição, incluindouma rede de transporte por caminhão, armazéns, fazendascomunais, cooperativas de agricultores, cooperativas de ali-mentos, cooperativas agrícolas e outras associações coleti-vas. Isto incluirá uma campanha de protesto questionandoo roubo de terras agrícolas Negras por corporações do agro-negócio e por “barões da terra” ricos e brancos, e reivindicá-las para os nossos projetos. Isto é especialmente importanteagora que os EUA entraram em uma crise econômica quenão será capaz de suprir as nossas necessidades. Temos deobrigar o governo a fornecer o dinheiro para muitos dessesprojetos, para serem administrados sob nosso total controle,e não por uma agência governamental.

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8. A comunidade Negra precisa ter o controle de todoo seu sistema educacional, desde o jardim de infância até afaculdade. Devemos estabelecer um sistema educacionalde Libertação Negra que preencha as necessidades de for-mação das crianças Negras, que os prepare para uma for-mação profissional e para uma futura segurança econômica,para servir a sua comunidade, e lhes dê um conhecimentode si e uma compreensão da verdadeira história e culturado povo Africano, bem como um programa de educação deadultos para pessoas da comunidade, cujas oportunidadeseducacionais anteriores foram atrofiadas. Devemos exigir oensino superior gratuito para os Negros e outras minorias àscustas completas do governo, incluindo programas de re-forço para todos os que desejam se qualificar.

9. Devemos exigir e lutar pela libertação de todos osprisioneiros políticos Negros e vítimas da injustiça racial,devemos investigar e avaliar os casos de todos esses presosque são vítimas de repressão política do governo e armaçõesracistas, e liderar uma campanha de massa para sua liber-tação. Alguns dos nossos melhores organizadores revolucio-nários estão apodrecendo nas casas prisionais desta terra.

10. A principal exigência é o controle Negro da comu-nidade Negra, sua política e economia. Temos que assumiras cidades, estabelecer comunas municipais e exercer aautonomia, como um passo vital. Nós somos a maioria emmuitas das grandes cidades deste país e devemos ser capazesde controlar nossos próprios interesses (ou pelo menos obteralguma autonomia), mas como nós já devemos estar cientesde que nunca vamos conseguir esse poder social comu-nitário através da votação em algum político CapitalistaNegro, ou dependendo passivamente de “salvação” vindade líderes de qualquer espécie, temos que fazê-lo nós mes-mos se quisermos chegar no caminho para a liberdade.

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A Necessidade de uma Federaçãode Trabalhadores Negros

A demanda por mão de obra Negra tem sido o fatoreconômico central na América; foi o trabalho Negro queconstruiu os alicerces desta nação. Começando com o tra-balho escravo no Velho Sul em plantações, depois com otrabalho como meeiros e outros trabalhos agrícolas após aguerra civil, e sucessiva migração para o Norte para madei-reiras, minas e fábricas durante um período de 40 anos(1890- 1920), e até nos dias de hoje, o trabalho Negro é im-portante para o funcionamento da ordem econômica Ca-pitalista.

Quase desde o início, os trabalhadores Negros organi-zaram seus próprios sindicatos e associações de trabalhadorespara representar seus interesses: a União Nacional do Tra-balho de Cor33, em 1869, a Aliança Nacional dos Agricul-tores de Cor34 (populista), no mesmo ano, a Irmandade deAtendentes de Vagões-Leitos35 em 1940, a Liga de Trabalha-

33 A União Nacional do Trabalho de Cor, criada em 1869, foi umatentativa pós-guerra civil dos trabalhadores Negros americanos deconseguirem uma representação coletiva, com Isaac Myers como seupresidente. (n.e.)34 Formada em 1886 no Texas, a Aliança Nacional dos Agricultores deCor foi criada com o objetivo de organizar os trabalhadores Negros queeram proibidos de participar das alianças brancas, garantindo a lutapor suas necessidades específicas. Em 1891, contava com mais de 1,2milhões de associados. (n.e.)35 A Irmandade de Carregadores de Vagões-Leitos foi criada em 1920(não em 1940), por A. Phillip Randolph em nome dos trabalhadoresdos trens da Pullman. A companhia Pullman só empregava trabalha-dores negros para carregadores e empregadas domésticas em seuscarros, mantendo a relação senhor x escravos nas relações trabalhistas.(n.e.)

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dores Negros Revolucionários36 na década de 1960; a Asso-ciação Unida dos Trabalhadores da Construção37 e a Coali-zão de Trabalhadores Negros e Porto Riquenhos da Cons-trução38 na década de 1970, e assim por diante, até os diasde hoje com sindicatos ou associações, como os Trabalha-dores Negros por Justiça39 e da Coligação para SindicalistasNegros40. Alguns destes eram sindicatos, alguns eram ape-

36 Organização independente de trabalhadores Negros radicais deDetroit, que surge como consequência do movimento de libertaçãoNegra, a Liga de Trabalhadores Negros Revolucionários foi conside-rada uma organização de trabalhadores Negros oprimidos e explora-dos. Criada em 1968, depois de uma greve de trabalhadores da Ham-track, onde trabalhadores Negros foram demitidos após serem foto-grafados por pessoas infiltradas em suas manifestações e linhas depiquetes. (n.e.)37 Fundada em 1970 por Scott Tyree, um eletricista que havia tornado-se ativista de direitos civis, a Associação Unida dos Trabalhadores daConstrução foi feita com o objetivo de unir os trabalhadores Negros daconstrução civil para promover o seu emprego na indústria e evitar adiscriminação. O UCWA negociou, em nome dos trabalhadores ne-gros, liderou protestos, iniciou processos judiciais e organizou gruposde Amparo ao Trabalhador. (n.e.)38 A Coalizão de Trabalhadores Negros e Porto Riquenhos da Cons-trução foi formada em meados da década de 1970 para pressionar ascompanhias de construção com contratos públicos a contratar traba-lhadores nas minorias. (n.e.)39 O Trabalhadores Negros por Justiça é uma organização de traba-lhadores Negros formada em dezembro de 1982, oriunda de uma lutaliderada por trabalhadoras Negras em uma loja K-Mart em RockyMount, Carolina do Norte contra a discriminação racial e de gênero.(n.e.)40 A Coligação para Sindicalistas Negros foi iniciada em setembro de1972, quando mais de 1.200 dirigentes sindicais Negros e militantes debase a partir de 37 sindicatos nacionais reuniram-se em Chicago, Illi-nois, para discutir o papel dos sindicalistas Negros no movimentooperário. (n.e.)

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nas associações de trabalhadores Negros nos sindicatos exis-tentes.

Na verdade, os sindicatos não existiriam hoje se nãofosse pela ajuda e apoio do trabalhador Negro. O sindica-lismo nasceu como um movimento nacional eficaz em meioàs grandes convulsões da guerra civil e da luta pelo fim daescravidão, mas os trabalhadores Negros foram rotineira-mente excluídos dos sindicatos, como da Federação Ameri-cana do Trabalho41. Somente as associações militantes comoos Knights42, IWW e a Associação Internacional de Traba-lhadores (IWPA43), iniciada por Anarquistas, aceitariamsua associação. Isso continuou por muitos anos, até a fun-dação do Congresso de Organizações Industriais44 (CIO)que começou sua campanha de greves, ocupações, e outrasações de protesto para organizar os trabalhadores industriaisnão-qualificados. A mão de obra Negra foi fundamental

41 A Federação Americana do Trabalho (AFL) foi a primeira federaçãode sindicatos nos Estados Unidos. Foi fundada em Columbus, Ohio,em maio de 1886 por uma aliança de sindicatos descontentes oriundosdos Knights of Labor. (n.e.)42 O Knights of Labor (Cavaleiros do Trabalho) começou como umasociedade secreta de alfaiates na Filadélfia em 1869. A organizaçãocresceu lentamente durante os duros anos da década de 1870, mas amilitância dos trabalhadores aumentou para o final da década, espe-cialmente após a grande greve ferroviária de 1877, e a associação aosKnights aumentou com ela. (n.e.)43 A Associação Internacional de Trabalhadores, também conhecidacomo Internacional Negra, foi uma organização política anarquistacriada em 1881 em uma convenção que ocorreu em Londres. O adje-tivo “Negra” remete à bandeira negra anarquista. (n.e.)44 O Congresso das Organizações Industriais (CIO), proposto por JohnL. Lewis, em 1928, era uma federação de sindicatos que organizou ostrabalhadores em sindicatos industriais nos Estados Unidos e no Ca-nadá entre 1935 e 1955. (n.e.)

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nessas batalhas, mas nunca colheu totalmente os benefícios.Na verdade, os chefes os traíram quando o CIO foi derro-tado em 1950.

Você poderia pensar que o movimento de trabalhado-res americano veria como criminoso ou racista ignorar essescolegas de trabalho hoje dessa maneira. Mas mesmo agoranão há nenhuma organização do trabalho nos EUA queconfira representação plena e igualdade de tratamento paraos trabalhadores Negros. O fato é que, mesmo com algunstrabalhadores Negros que são funcionários de gabinetes,trabalhadores Negros recebem bem menos benefícios sindi-cais que os trabalhadores brancos, e estão presos em traba-lhos mais mal remunerados, tediosos e perigosos, mesmo queeles tenham conseguido ganhos econômicos substanciaisdurante a década de 1960.

A maioria das massas Negras está na classe trabalha-dora. Devido ao papel que desempenham na produção, ostrabalhadores Negros industriais e de escritórios são poten-cialmente o setor mais poderoso da comunidade Negra naluta pela libertação Negra. Como vítimas da desigualdadena economia, os trabalhadores Negros já começaram a seorganizar para os seus interesses e para proteger os seus di-reitos no trabalho, mesmo que o sindicato seja conservadore não lute contra o chefe. Eles formaram comissões sindicaise até mesmo sindicatos independentes, quando era neces-sário. É claro que a união de trabalhadores Negros e bran-cos é indispensável para combater e derrubar o Capitalismo.Mas onde os trabalhadores brancos são agora privilegiadose trabalhadores Negros são penalizados, a unidade e a lutaNegra devem preceder e preparar o terreno para qualquerunião Negro-branca em larga escala. Comissões Negras nossindicatos podem lutar contra a discriminação na contra-tação, demissão, e promoção, e para a igualdade de trata-

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mento nos sindicatos, agora, enquanto os trabalhadoresbrancos ainda precisam apoiar amplamente os direitos de-mocráticos dos Negros e outras nacionalidades oprimidas.Comissões Negras são importantes. Onde eles são parte dotrabalho organizado, eles devem se esforçar para democra-tizar os sindicatos, regenerar seus espíritos de luta, e elimi-nar práticas corporavitas brancas no emprego. Estas Comis-sões Negras nos sindicatos devem exigir:

1. Controle democrático do sindicato pelas bases.

2. Igualdade de direitos e de tratamento para todos ossindicalistas; eliminar todas as práticas racistas no movi-mento de trabalhadores.

3. Programas de ação afirmativa pela reparação histó-rica de práticas racistas no emprego, acabar com a discri-minação racial com base no tempo de serviço e outros estra-tagemas.

4. O pleno emprego para todos os Negros, mulheres eoutros trabalhadores não brancos.

5. A semana de trabalho de 20-30 horas sem reduçãodo salário.

6. O direito de greve, incluindo greves autônomas semconsentimento do sindicato.

7. Procedimentos rápidos e justos para formalização dequeixas e críticas.

8. Uma cláusula prevista em todos os contratos sindi-cais para garantir reajustes salariais automáticos que acom-panhem o aumento do custo de vida.

9. O pagamento total da seguridade social pela enti-dade patronal e pelo governo. Seguro-desemprego quecompense 100% do salário base.

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10. Salários mínimos equivalentes aos da tabela sin-dical.

11. Evitar empresas fugitivas45, falências falsas, ou “pa-radas de produção estratégicas” por parte das empresas, semaviso prévio para o sindicato ou para ganhar vantagem nasnegociações de contratos.

12. Um programa de obras públicas para reconstruircomunidades Negras e de outras comunidades do centro dacidade, e fornecer trabalho para os trabalhadores Negros.

13. Trabalhadores autogerindo indústrias através decomitês de fábrica e conselhos de trabalhadores, eleitospelos próprios trabalhadores.

Além das comissões sindicais, trabalhadores Negrosprecisam de uma associação nacional de trabalhadores Ne-gros, que seria ao mesmo tempo um movimento sindicalrevolucionário para fazer a organização no local de trabalho,mas também seria um movimento social de massa para aorganização da comunidade. Tal movimento combinaria astáticas de organização tanto para o trabalho quanto para osmovimentos de Libertação Negra. Não seria concebido paraimpulsionar os Negros para fora dos sindicatos, onde eles jáestão organizados, mas antes serviria como uma ferramentapara multiplicar seu número e força, e transformar os seussindicatos em militantes, instrumentos de luta de classe.

A Liga dos Trabalhadores Negros Revolucionários,que organizou trabalhadores Negros da indústria automo-bilística durante o final dos anos 1960 é um exemplo do tipode organização necessária. A Liga, que cresceu fora de sua

45 Runaway shops, no original, é quando uma planta industrial é movidapor seus proprietários de um local para outro para escapar de regula-mentações sindicais ou leis estaduais. (n.t.)

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principal filial, o Movimento Revolucionário da Dodge46

(DRUM), foi sem dúvida o Movimento de TrabalhadoresNegros mais militante na história americana. Foi uma fede-ração de trabalhadores Negros que existiu como uma alter-nativa organizada para a União dos Trabalhadores da Indús-tria Automobilística, e foi o passo inevitável de levar a lutade Libertação Negra para o espaço de trabalho industrial, oponto de produção, e a área mais vulnerável do Capita-lismo.

A Liga sabiamente decidiu organizar a indústria deprodução de automóveis de Detroit. Esta foi uma indústriaonde seus trabalhadores foram uma parte importante daforça de trabalho e também na comunidade Negra de De-troit, onde a Liga uniu a luta nas fábricas com a luta Negracomo um todo. Rapidamente se tornou uma força impor-tante no local de trabalho e nas ruas, com muitos de seusquadros organizados nos campi universitários e nas áreasNegras centrais da cidade. Ele tinha o potencial para se tor-nar um movimento de massas da classe trabalhadora Negraem todo o país, mas esse potencial foi sufocado pelas lutasdas facções políticas pela liderança, pela falta de uma basesólida organizada nas fábricas; repressão empresarial, re-pressão da central sindical United Automobile Workers erepressão do Estado, racismo organizado e falta de coopera-ção dos trabalhadores brancos, e outras razões. Eventual-mente, a Liga se dividiu em facções mutuamente hostis emorreu, após menos de cinco anos de existência.

Mesmo que a Liga fosse, no máximo, uma organizaçãorevolucionária sindicalista, e mais tarde uma rígida organiza-

46 O Movimento Revolucionário da Dodge foi uma organização detrabalhadores afro-americanos formada em maio de 1968 na planta daCorporação Chrysler. (n.e.)

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ção Marxista-Leninista (e a adoção desta ideologia autori-tária mais tarde, com as suas ideias de expurgos e liderançainquestionável, conduz diretamente ao seu fim) há muito oque os Anarquistas e trabalhadores radicais Negros ativis-tas podem aprender com a Liga. A principal coisa é que ostrabalhadores Negros podem e devem ser organizados emalguma forma de associação de trabalho independente,além de ou até mesmo no lugar de sua participação em sin-dicatos organizados e, especialmente, onde os sindicatos sãopelegos e discriminam Negros. Também é muito mais fácilpara os trabalhadores Negros organizarem outros trabalha-dores Negros e sua comunidade em apoio à greve e à organi-zação no local de trabalho. É precisamente por isso que te-mos de estabelecer um grupo como a Liga hoje, mas comouma organização Anarcossindicalista, de modo a evitar asarmadilhas do passado e disputas ideológicas do marxismo-leninismo. Simplificando, o que seria o programa de umarecém-formada Federação Nacional de Trabalhadores Negros?

1. Pela luta de classes contra os patrões.2. Organizar os trabalhadores Negros não organizados

ignorados pelos sindicatos.3. Pela solidariedade trabalhadora entre todas as na-

cionalidades de trabalhadores.Deve ser uma Federação Internacional de Trabalha-

dores Negros!De Detroit, Michigan a Durban, África do Sul, do Ca-

ribe para a Austrália, do Brasil para a Inglaterra, trabalha-dores Negros são universalmente oprimidos e explorados. Aclasse trabalhadora Negra precisa de sua própria organiza-ção mundial do trabalho. Não existe nenhum grupo racialmais rebaixado pelas restrições sociais que os trabalhadoresNegros; eles são oprimidos como trabalhadores e como povo.Devido a estas duas formas de opressão e ao fato de que a

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maioria dos sindicatos excluem ou não lutam pelos direitosdos trabalhadores Negros, devemos nos organizar pelos nos-sos próprios direitos e pela libertação. Mesmo que, em mui-tos países africanos e do Caribe, existam federações de tra-balhadores “Negros”, elas são reformistas ou controladaspelo governo. Há uma grande classe trabalhadora em mui-tos desses países, mas eles não têm organizações de traba-lhadores militantes para liderar a luta. A construção de ummovimento de trabalhadores Negros para uma sabotagemindustrial revolucionária e uma greve geral, ou organizar ostrabalhadores para a autogestão da produção, e assim minare derrubar o governo é a prioridade número um.

O que uma Federação Internacional dos Trabalhado-res Negros simbolizaria? Em primeiro lugar, uma vez quemuitos trabalhadores, agricultores e camponeses Negrosnão estão sequer organizados na maioria dos países, talorganização seria uma grande união de trabalhadores Ne-gros, representando cada base e vocação concebível. Tam-bém uma organização destas significa a unidade mundial detrabalhadores Negros e, então, em segundo lugar, isso signi-fica revoltas de trabalhadores internacionais coordenadas.Capital e Trabalho não têm nada em comum.

A força real dos trabalhadores contra o Capital e ospaíses imperialistas é uma guerra econômica. A greve geralrevolucionária e o boicote às corporações multinacionais eaos seus produtos por trabalhadores Negros de todo o mundoé como eles podem ser feridos. Por exemplo, se quisermosfazer a Grã-Bretanha e os EUA retirarem o apoio financeiroe militar da África do Sul, e em seguida usarmos o peso e aforça do Trabalho Negro naqueles países para conduzir agreves, sabotagens, boicotes e outras formas de luta políticae econômica contra aqueles países e contra as empresasmultinacionais envolvidas. Seria um poder a ser reconhe-

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cido. Por exemplo, ações coordenadas por sindicatos e gru-pos de ação política naquele país já têm provocado mudan-ças políticas importantes, uma greve geral plena provavel-mente levaria ao colapso econômico total do Estado racistaSul-Africano, especialmente se tais ataques forem apoiadospor trabalhadores Negros na América do Norte.

Além de pedir aos trabalhadores Negros para forma-rem sua própria Federação Internacional do Trabalho e or-ganizar comitês de base dentro de seus sindicatos existentespara empurrá-los para a direção da luta de classes, nós tam-bém convidamos trabalhadores Negros para participarem deorganizações de trabalhadores Anarcossindicalistas como oIWW e Associação Internacional dos Trabalhadores. Mas,é claro, não é com a intenção de conduzir trabalhadoresNegros para fora dos sindicatos em que já estão ativos, maspreferencialmente serviria como uma ferramenta para mul-tiplicar seu número e força em tais sindicatos, e torná-losmais militantes.

O Desemprego e a Falta de Moradia

Nos primeiros três meses de 1993, a Agência de Esta-tísticas do Departamento de Trabalho dos Estados Unidoslistou as taxas de desemprego oficial em cerca de seis mi-lhões de pessoas ou apenas 7% da força de trabalho. Sob oCapitalismo, metade desse número é “normal” e absurda-mente é considerado pelos economistas Capitalistas como“pleno emprego”, mesmo que isso signifique milhões depessoas relegadas à pobreza econômica da pior espécie. Masos números do governo são intencionalmente conserva-dores, e não incluem aqueles que desistiram de procurarativamente um emprego, os subempregados (que não conse-guem o suficiente para viver), os trabalhadores de meio

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expediente (que não conseguem encontrar um emprego fixoou de tempo integral) e os desabrigados que já se encon-tram entre 3-5 milhões.

Das 6 milhões de pessoas que o governo conta comodesempregadas hoje, menos de 3 milhões recebem qualquerindenização por desemprego ou outra ajuda federal ou esta-dual; o resto é deixado para morrer de fome, roubar ou tra-pacear para a sua sobrevivência. Uma pessoa sem empregosob o sistema Capitalista é estimada como nada. Todos ostrabalhadores têm o direito humano a um emprego; contudosob o Capitalismo, os trabalhadores são demitidos do traba-lho em tempos de crise empresarial, de produção excessiva,depressão ou apenas para economizar custos trabalhistasatravés de menos trabalhadores e mais aceleração. E algunstrabalhadores não conseguem encontrar empregos no mer-cado de trabalho Capitalista, devido à falta de habilidadesou discriminação racial ou social.

Mas os números do governo mentem, pesquisadoresparticulares afirmam que o número total de pessoas quequerem empregos de tempo integral e, portanto, não conse-guem encontrá-los equivale a cerca de 14,3 milhões de pes-soas. Claramente, então, esta é uma situação de crise deproporções amplas, mas todo o governo está fazendo mala-barismo e escondendo números. Mas os números mostramque os Negros, Latinos e mulheres estão arcando com oônus da depressão atual. A Liga Urbana Nacional, em seu“Índice de Desemprego Oculto” (incluído como parte deseu Relatório Anual “Estado da América Negra”), relataníveis de 15-38 por cento dos adultos Negros de 25 ou maisanos e incríveis níveis de 44-55% para adolescentes e jovensadultos de 17-24 anos.

Na verdade, o desemprego na juventude Negra nãodiminuiu em nada desde a recessão de 1974-1975. Ele per-

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maneceu em um nível oficial de 35-40%, mas, nas grandescidades como Detroit, Chicago, Filadélfia e Los Angeles, ataxa de desemprego real está mais para 70%. Para a juven-tude Negra, a taxa de desemprego é de três a cinco vezesmaior do que a dos jovens brancos. O Capitalismo está tor-nando exilado econômico o povo Negro como um todo. Ofato é que o desemprego está concentrado nas comunidadesNegras e Hispânicas, e é extremamente responsável pelastendências mais destrutivas nas relações humanas e nadeterioração de bairros. Crime, prostituição, suicídio, de-pendência de drogas, brigas de gangues, doença mental,alcoolismo e a ruptura da família Negra, e outros problemassociais – todos estão enraizados na falta de emprego e nanegação dos serviços sociais essenciais em suas comuni-dades. Na verdade, é o genocídio racial na forma de ne-gligência social.

O desemprego é rentável para os patrões, porque reduzos salários dos trabalhadores e ajuda os empregadores amanter a força de trabalho sob controle através deste “exér-cito reserva de mão de obra”, que supostamente está semprepronto para furar greve. Por causa da discriminação gene-ralizada contra os Negros, Latinos e outros trabalhadoresoprimidos nacionalmente, incluindo os níveis mais elevadosde desemprego - os postos de trabalho que eles criam estãogeralmente no patamar inferior. Isso também é rentável parao patrão e divide a classe trabalhadora.

Falta de moradia é apenas a forma mais intensificadade desemprego, onde, além de perda de emprego ou renda,há perda de habitação e a falta de acesso aos serviços so-ciais. Existem agora milhões de pessoas desabrigadas desdeos últimos 15 anos, por causa da ofensiva Capitalista paradestruir os sindicatos, para rechaçar as conquistas da lutapelos direitos civis, para acabar com o setor de habitação a

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preços acessíveis, favorecendo a gentrificação de bairros nascidades. Você as vê em cidades, grandes e pequenas, e oque isso reflete é um colapso total no sistema de serviçossociais do Estado Capitalista, além do aquecimento da lutade classes travada pelo governo e pelas grandes corpora-ções. Isto mostra, mais do que tudo, que o Capitalismo mun-dial está passando por um pânico financeiro internacional,e está realmente nos estágios iniciais de uma depressãomundial. Além dos 90 milhões de pessoas que vivem abaixoda linha da pobreza e três a cinco milhões de sem-teto nosEUA; há outros 2,7 milhões de sem-teto nos doze países daComunidade Europeia e 80 milhões de pessoas vivem napobreza, com mais milhões nos países Capitalistas do Japão,Coreia do Sul e outras partes da Ásia.

Assim, embora os trabalhadores Negros devam se orga-nizar e lutar contra falta de moradia e desemprego nos EUA,claramente deve haver um movimento internacional detrabalhadores para combater esta privação econômica,como parte da luta geral da classe. Em todas as cidades naAmérica do Norte, o movimento de trabalhadores Negrosdeve organizar conselhos sobre desemprego para lutar porseguro-desemprego e empregos para os desempregados, aconstrução de habitação de baixa renda decente, acessível,e um fim à falta de moradia, bem como lutar contra a dis-criminação racial em trabalhos e habitação.

Tais conselhos seriam organizações democráticas,organizados em uma base de vizinhança (para garantir queeles estariam sob o controle do povo, e contra a infiltração edominação pelos partidos políticos liberais ou “radicais”, oucooptação pelo governo), que seriam federados em uma or-ganização municipal, regional e nacional. Essa organizaçãoseria uma liga nacional do desemprego Negro, para criar ummovimento de contra-ataque de massa nesta depressão. Ela

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seria composta de conselhos comunitários Negros de desem-pregados de todo o país, com delegados eleitos por todos osgrupos locais. Tal organização nacional poderia se reunirpara traçar um ataque em grande escala sobre o desem-prego, bem como servir como câmara de compensação na-cional sobre condições de desemprego dos Negros.

Em nível local nos bairros Negros, seriam os conselhoscomunitários sobre desemprego que estabeleceriam coope-rativas de alimentação e moradia, liderariam greves de alu-guéis e ocupações, iniciariam projetos de recuperação deterras e habitações, estabeleceriam cooperativas de produ-tores e consumidores, distribuiriam alimentos e roupas, eforneceriam outros serviços: estabeleceriam clínicas mé-dicas de bairro para tratamento gratuito dos sem-teto edesempregados, programas de controle de roedores, etc., eeles iriam lidar com os problemas sociais da comunidade(provocados pelo desemprego), e outras questões de inte-resse. Eles construiriam marchas da fome e outras manifes-tações e levariam a ira do povo a vários gabinetes governa-mentais e às empresas dos ricos. Não somente os conselhossobre desemprego seriam uma forma de lutar por empregose seguro-desemprego, mas também os conselhos seriam umamaneira de obter uma grande dose de autossuficiênciacomunitária e democracia direta, em vez de depender total-mente da prefeitura, do Congresso ou do Presidente, e aju-daria a levar a confiança para as massas de que uma comunamunicipal Negra se torna uma possibilidade real.

Uma das funções mais importantes de um movimentocontra o desemprego consiste em obter unidade entre em-pregados e desempregados ou sem-teto, e solidariedadeentre trabalhadores interraciais. Empregados e desempre-gados devem trabalhar juntos para lutar contra a classe pa-tronal se quiserem obter quaisquer ganhos efetivos durante

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este período de crise econômica. Os trabalhadores que estãoem greve ou protestando contra o patrão seriam apoiadospelos desempregados, que estariam juntos nos piquetes e serecusariam a furar greve. Por sua vez, os trabalhadores for-mariam comissões de desempregados em seus sindicatospara permitir a representação sindical desses trabalhadorese também forçar esses sindicatos a fornecer alimentos eoutras necessidades, criar fundos e treinamento para osdesempregados, bem como colocar o peso dos sindicatos naluta por trabalho decente e habitação para todos os traba-lhadores. Os patrões Capitalistas não se abalarão de outramaneira. Façam os patrões pagarem pela crise econômica deles!

Aqui está o que um movimento unido de trabalha-dores e sem teto deve exigir:

1. O pleno emprego (desemprego zero) para todos ostrabalhadores com salários sindicalizados.

2. Estabelecimento de uma semana de trabalho maiscurta, para que os trabalhadores sejam pagos com salário de40 horas de trabalho por 20 a 30 horas de trabalho por se-mana.

3. Acabar com a falta de moradia, construir e disponi-bilizar moradia decente para todos. Revogar todas as leisantivadiagem, antimendicância e outras contra os sem-teto.

4. Encerrar com o orçamento de guerra, e utilizar essesfundos para habitação decente de baixa renda, melhoresescolas, hospitais e clínicas, bibliotecas, parques e trans-porte público.

5. Fim do racismo e sexismo nas oportunidades de em-prego e benefícios de assistência.

6. Empregos ou renda garantida para todos.

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7. Benefícios plenos, federais e estaduais, para traba-lhadores desempregados e suas famílias, incluindo os fundoscorporativos e governamentais para pagar as contas, alu-guéis e dívidas para qualquer trabalhador demitido, e se-guro-desemprego a 100% do salário regular, durante a tota-lidade do período de desemprego de um trabalhador.

8. Salário mínimo nacional fixado conforme o saláriobase da tabela do sindicato.

9. Fundos governamentais e corporativos para estabe-lecer um programa de obras públicas para gerar empregos(com todos os direitos sindicais e escala salarial) para re-construir os centros urbanos e fornecer os serviços sociaisnecessários. O programa e seus fundos devem estar sob ocontrole de comitês democraticamente eleitos de bairrospobres e Negros, de modo a evitar “cafetões da pobreza” eagências de emprego enganadoras ou burocratas do go-verno.

10. Liberdade para todas as pessoas presas por crimesde sobrevivência econômica.

Estas, e as exigências mencionadas anteriormente,formam meramente um programa de sobrevivência e umaordem do dia para os trabalhadores desempregados; a ver-dadeira resposta é a revolução social, a eliminação do Capi-talismo e a autogestão da economia e da sociedade pelostrabalhadores. Este é um primeiro passo vital, no entanto.Não haverá desemprego ou necessidade social para o tra-balho assalariado em uma sociedade Anarco-Comunista.

Crimes Contra o Povo

É o rico que decide o que é ou não um crime; não éuma designação neutra. As leis são escritas para proteger osricos e aqueles que atuam como agentes do Estado. Mas a

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maioria dos crimes pessoais não são cometidos contra osricos: estes são geralmente inacessíveis. É o povo negrotrabalhador e pobre que são as principais vítimas de crimesviolentos. As mulheres Negras são as principais vítimas deestupro e abuso por parte do homem Negro neste país. Opróprio homem Negro é a principal vítima de homicídio nosEUA por outro homem Negro como ele, e, infelizmente, asnossas crianças estão entre as principais vítimas de abusoinfantil, muitas vezes por seus próprios pais. Nós não gosta-mos de pensar nessas coisas na comunidade Negra, masestamos espancando e matando a nós mesmos em um ritmoalarmante. Isto não é negar que o sistema social Capitalistacriou condições de vida frustrantes e degradantes, que con-tribuem para essa brutalidade e fratricídio, mas seria negli-gente em nossa obrigação humana e revolucionária se nãotentássemos corrigir esse problema no curto prazo, e tambémfazer as pessoas Negras assumirem a responsabilidade pornossas ações. Eu não estou me referindo a nenhum conser-vadorismo Negro ou porcaria de “lei e ordem” aqui, mas simao reconhecimento do fato de que temos um problema.

Temos uma situação de crise interna e externa queenfrentamos em nossa comunidade. A crise externa é oracismo e o colonialismo, que trabalha para nos oprimir sis-tematicamente e é responsável por qualquer crise internaque exista. A crise interna é o resultado de um ambienteonde as drogas e a violência (tanto físicas quanto sociais) sãogalopantes, e a vida é por vezes considerada barata. Crimesde Negros contra Negros e violência interna estão destruin-do nossa comunidade. É, sem dúvida, o auto-ódio e as con-dições econômicas e sociais desesperadoras sob as quais vi-vemos que nos fazem ser predadores uns dos outros. Drogas,raiva frustrada, prostituição e outros vícios são sintomas deopressão.

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Nós matamos, batemos, estupramos e brutalizamos unsaos outros porque estamos sofrendo nós mesmos. Assim,estamos agindo em papéis antissociais definidos para nós poroutra pessoa, não por nós mesmos. Em nossa dor e confusão,nós golpeamos as vítimas convenientes e familiares; aquelesque são como nós mesmos. Há pessoas Negras comuns quefurtam e roubam para sobreviver sob este sistema, devido aessa distribuição desigual da riqueza. Além disso, paraalguns de nós, em nosso desejo de “ter sucesso” na so-ciedade Capitalista, nós faremos de tudo, incluindo assas-sinato. E, finalmente, existem aqueles que fazem o quefazem devido à dependência de drogas ou doença mental.

Quaisquer que sejam as razões, nós temos um problemasério que precisamos resolver porque está rasgando o tecidomoral e social da nossa comunidade. Será impossível uniras pessoas Negras se elas estiverem com medo e ódio umasdas outras. É também óbvio que a polícia e o governo nãoconseguem corrigir este problema e que só a comunidadeNegra pode fazê-lo. Os tribunais e as prisões não conseguemevitar que a situação seja recorrente. Portanto, o que pode-mos fazer?

É a comunidade, através de suas próprias organizaçõesde interesse, que terá de lidar com este problema. Progra-mas comunitários autogestionados para trabalhar com mem-bros de gangue da Juventude Negra (uma fonte de muitaviolência na comunidade), em vez de uma abordagem mili-tar ao se acionar a polícia, empoderar a comunidade em vezda burocracia da prisão racista e dos policiais. Além disso, ogrupo de reabilitação de drogas de gestão comunitária,terapia e grupos de aconselhamento, e outras organizaçõesde bairro nos ajudarão a lidar efetivamente com o problemada violência interna e, esperançosamente, desarmá-la. Maisimportante ainda é envolver a comunidade no esforço.

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Mas não podemos depender totalmente das técnicasde aconselhamento ou de reabilitação, especialmente ondehá uma ameaça imediata de violência ou onde ela ocorreu.Assim, para garantir a paz e a segurança pública, um serviçode guarda comunitária Negra seria organizado para este fim,bem como para se proteger contra a estrutura de poderbranco. Esta força de segurança seria eleita pelos moradoreslocais, e iria trabalhar com a ajuda de pessoas nos bairros.Esta é a única maneira que funcionaria. Não seria um assis-tente do exército de ocupação colonial vigente em nossacomunidade, e não ameaçaria ou intimidaria a comunidadecom a violência contra os nossos jovens. Nem essa guardacomunitária protegeria o vício e o crime organizado. Estaguarda comunitária só representaria a comunidade que aelegeu, em vez da prefeitura. De forma semelhante, unida-des como essa seriam organizadas por toda a cidade, dequarteirão em quarteirão.

No entanto, os Anarquistas vão além e dizem que de-pois que uma comuna municipal esteja configurada, os tri-bunais existentes devem ser substituídos por tribunais co-munitários voluntários de arbitragem, e em casos de crimesgraves como os relacionados a assassinatos ou que atentemcontra a liberdade e igualdade, um tribunal especial comu-nitário de natureza não permanente seria criado. Os Anar-quistas acreditam que o crime antissocial, ou seja, tudo oque oprime, rouba, ou gere violência contra a classe tra-balhadora deve ser vigorosamente combatido. Não podemosesperar até depois da revolução para nos opor contra essesperigosos inimigos do povo. Mas uma vez que tais crimesantissociais são uma expressão direta do Capitalismo, have-ria uma tentativa real de socializar, educar politicamente ereabilitar os infratores. Não os jogando em prisões Capi-talistas brancas para sofrer como animais e onde, devido a

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sua tortura e humilhação, vão declarar guerra a toda a so-ciedade, mas os envolvendo na vida comunitária e dando-lhes formação social e profissional. Uma vez que todos os“especialistas em criminologia” concordam que o crime éum problema social, e como sabemos que 88% de todos oscrimes são contra o patrimônio e são cometidos pela sobre-vivência em uma sociedade economicamente injusta, temosque reconhecer que só o pleno emprego, a igualdade deoportunidade econômica, moradia digna e outros aspectosda justiça social vão garantir um fim ao crime. Em suma,precisamos ter uma mudança social radical para erradicaras condições sociais que causam crimes. Uma sociedadeinjusta e desigual como o Capitalismo cria a sua própriaclasse criminal. Os verdadeiros ladrões e assassinos, empre-sários e políticos, são protegidos pelo sistema legal atual,enquanto os pobres são punidos. Essa é a justiça de classe, eé isso que a revolução social aboliria.

Mas, compreensivelmente, muitas pessoas querem aca-bar com o estupro, assassinato e violência em nossas comu-nidades hoje, e acabam fortalecendo as mãos do Estado eseus agentes policiais. Eles não vão acabar com o crime, masa polícia vai militarmente patrulhar as nossas comunidades,e ainda mais virar-nos uns contra os outros. Devemos ficarlonge dessa armadilha. Frustradas e confusas, as pessoasNegras podem atacar umas as outras, mas, em vez de con-dená-las a uma morte lenta na prisão ou atirando nelas nasruas por vingança, temos de lidar com as causas sociaissubjacentes ao ato.

Os Anarquistas devem começar a realizar fóruns co-munitários sobre as causas e manifestações da criminalidadena comunidade Negra. Precisamos examinar seriamente asinstituições sociais: família, escolas, prisões, postos de tra-balho, etc., que nos levam à confusão, brigar, roubar e matar

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uns aos outros, em vez do inimigo que está causando toda anossa miséria. Enquanto devemos nos mobilizar para conteros infratores, devemos começar a perceber que só a comu-nidade irá efetivamente lidar com o assunto. Não o sistemaCapitalista racista, com seus policiais repressores, tribunaise prisões. Só nós temos a psicologia e compreensão para lidarcom isso; agora temos de desenvolver a vontade. Ninguémmais se importa.

Em vez de punição olho-por-olho, deve haver a resti-tuição das vítimas, às suas famílias ou à sociedade. Nenhu-ma vingança, como a pena de morte, vai trazer uma vítimade assassinato de volta, nem serviria prisão a longo prazo àjustiça ou à proteção da sociedade. Afinal de contas, asprisões são apenas lixeiras humanas para aqueles que asociedade tenha descartado como inúteis. Nenhuma so-ciedade sã e justa adotaria esse caminho. A sociedade fazos criminosos e deve ser responsável por seu tratamento. Asociedade Capitalista branca é um crime em si, e é a maiormestre da corrupção e da violência.

Em uma sociedade Anarquista, prisões seriam aboli-das, juntamente com os tribunais e a polícia (salvo as exce-ções que aludi), e seriam substituídos por programas degerência comunitária e centros interessados unicamente naregeneração humana e formação social, em vez da super-visão custodial em um encarceramento desumano. O fato éque, se uma pessoa é tão violenta e perigosa, ela é prova-velmente mentalmente deformada ou tem algum defeitofísico de qualquer maneira, o que o leva a cometer atos vio-lentos após a justiça social ter sido vencida. Se tais pessoassão deficientes mentais, então elas devem ser colocadas emum estabelecimento de saúde mental, em vez de em umaprisão. Os direitos humanos não devem ser retirados e elenão deve ser punido. Escolas, hospitais, médicos e, acima

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de tudo, a igualdade social, bem-estar público e liberdadepoderiam se revelar o meio mais seguro para se livrar de cri-mes e criminosos juntos. Se uma categoria especial como“criminoso” ou “inimigo” é criada, então essas pessoas po-dem sempre sentir-se párias e nunca mudarão. Mesmo se eleou ela é um inimigo de classe, eles devem conservar todosos seus direitos civis e humanos na sociedade, embora, claro,seriam contidos se conduzissem uma contrarrevolução; adiferença é que nós queremos derrotá-los ideologicamente,não militarmente, ou pela entrega a um pretenso campo dereeducação, ou para serem mortos a tiro, como os bolche-viques fizeram ao assumir o poder na Rússia em 1917.

Há duas principais razões pelas quais os ativistas nacomunidade Negra, no nosso caminho da transformação dasociedade, de seus valores e condições – devem imediata-mente dar uma olhada séria e agir para mudar o debate po-lítico em torno do crime, prisões e do dito sistema de justiçacriminal. São duas razões que têm diretamente a ver com agente. Uma é porque durante qualquer ano que seja, umem cada quatro homens Negros neste país está na prisão,na cadeia, em liberdade condicional ou liberdade vigiada,em comparação com apenas um em cada quinze homensbrancos. Na verdade, os Negros compõem 50-85% da maio-ria das populações prisionais em todo os EUA, gerando umpostulado da fraseologia radical: “Prisões são campos deconcentração para os Negros e pobres”. Pode ser o seuirmão, irmã, marido, esposa, filha ou filho na prisão, mas eugaranto que todos nós conhecemos alguém na prisão, nesteexato momento! A outra razão primária pela qual Negrostêm um interesse voltado para instituições criminais e pe-nais é porque, de longe, a maioria dos Negros e outros nãobrancos estão na prisão por ter cometido crimes contra a suaprópria comunidade.

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As prisões são duplicatas compactas da comunidadeNegra, em que muitos dos mesmos elementos negativos edestrutivos que têm permissão para existir em nossa comu-nidade e causar o crime, especialmente drogas, estão enve-nenando de uma forma mais evidente e concentrada. Cha-mar esses lugares de “correcionais” ou instituições de “rea-bilitação” é um equívoco grosseiro. Estão mais para camposde extermínio. Essas prisões não existem para punir a todosigualmente, mas para proteger o sistema Capitalista vigentede você e de mim, a classe pobre e trabalhadora.

A alta taxa de reincidência prova, e as assim chama-das autoridades concordam, que o sistema prisional é umfracasso total. Cerca de 70% das pessoas que entram naprisão são reincidentes que cometem crimes cada vez maisgraves. A brutalidade da experiência na prisão e o estigmade “ex-presidiário” quando são finalmente soltos os tornapior. Fundamental para a resolução destes problemas cru-ciais é a organização. A comunidade Negra e o movimentode Libertação Negra devem apoiar os prisioneiros em sualuta por direitos humanos para prisioneiros. Eles deveriamlutar pela libertação dos presos políticos e vítimas da injus-tiça racial. Eles também deveriam formar coalizões de gru-pos na comunidade Negra para lutar contra o sistema penale judicial racista e, especialmente, a aplicação desigual dapena de morte, que é apenas mais uma forma de genocídiocontra a raça Negra. E, finalmente, e talvez o mais impor-tante, os grupos comunitários locais devem começar progra-mas de reeducação com irmãos e irmãs na prisão, porque sóatravés do contato planejado, regular e constante é quepodemos começar a resolver esse problema que atinge tãodiretamente nossas vidas. Abolir as prisões.

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A Epidemia das Drogas:Uma Nova Forma de Genocídio Negro?

Uma das piores formas de criminalidade é o tráfico dedrogas, e esse merece alguns comentários em separado. Háuma subcultura negativa das drogas na comunidade Negraque glorifica, ou pelo menos torna aceitável, o uso de dro-gas, mesmo que ele esteja nos matando e destruindo nossacomunidade. Na verdade, todos os dias, lemos sobre mais emais viciados em nossas comunidades morrendo por overdosede drogas, ou de algum traficante de esquina morrendo emum tiroteio durante uma disputa ou durante uma transaçãode drogas que “azedou”. A tragédia neste último caso é que,nos dias de hoje, vítimas inocentes - crianças ou idosos -também têm sido baleados no fogo cruzado. O adicto emdrogas (o novo termo parece ser “crackudo47”) é outra fi-gura trágica; ele era um ser humano como qualquer outro,mas por causa de seu ambiente social oprimido, procurou asdrogas para aliviar a dor ou para escapar temporariamentedas “selvas de concreto” em que somos forçados a viver nosguetos urbanos da América.

Com a introdução do crack (um derivado mais potenteda cocaína), que fez a sua aparição na década de 1980,ainda mais problemas e tragédias desse tipo se desenvolve-ram – mais viciados, mais assassinatos de gangues de rua, emais deterioração de nossa comunidade. Nas grandes áreasurbanas quase sempre houve uso de drogas, o que é novo éa profundidade da penetração geográfica do crack nas co-munidades Negras em todas as áreas do país. Mas a disse-minação do crack é apenas um fato posterior à gestão gover-namental massiva do tráfico de drogas, que começou no

47 Crack-head, no original. (n.t.)

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final da década de 1960. A Casa Branca é a “Casa do PóBranco”, ou seja, a administração política dos EUA está portrás de todo o comércio de drogas. O governo dos EUA, naverdade, vem contrabandeado drogas para este país por mui-tos anos a bordo de aviões militares e da CIA para usar comouma arma química de guerra contra a América Negra. Essasdrogas eram principalmente heroína importada do chamado“Triângulo de Ouro” do Sudeste Asiático durante a Guerrado Vietnã. Mas, com a introdução do crack da cocaína, nãohouve mais necessidade de importar drogas para o país namesma quantidade que antes, porque poderiam ser quimi-camente preparadas em um laboratório no continente, edepois distribuídas imediatamente. O crack criou toda umanova geração de consumidores de droga e clientes para ostraficantes de drogas; era barato e altamente viciante.

Crack e outras drogas são uma grande fonte de lucrospara o governo e mantêm a comunidade Negra passiva epoliticamente indiferente. Essa é a principal razão pela qualnão podemos depender da força policial e/ou do governopara parar o tráfico de drogas ou ajudar as vítimas viciadasem drogas. Eles, por um lado, estão empurrando as drogaspara nos abater, mas o Estado também se torna mais pode-roso por causa da farsa da “guerra às drogas”, que permitemedidas de estado policial em comunidades Negras e opri-midas, e por conta de milhões de dólares em dotações mo-netárias governamentais oriundas de serviços responsáveispela aplicação da lei, que supostamente estão sufocando otráfico de drogas. Mas eles nunca vão atrás dos banqueirosou do grande negócio das empresas farmacêuticas que fi-nanciam o tráfico de drogas, apenas os traficantes de rua,que são geralmente Negros pobres.

O desemprego é outra razão pela qual o tráfico de dro-gas é tão predominante em nossas comunidades. As pessoas

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pobres vão olhar desesperadamente para qualquer coisapara ganhar dinheiro, até mesmo com as drogas que estãodestruindo nossas comunidades. Mas se as pessoas não têmemprego ou renda, as drogas parecem muito lucrativas, e amelhor maneira de sair dessa situação. De fato, a economiada droga tornou-se a única fonte de renda de muitas co-munidades Negras pobres, e a única coisa que algumas pes-soas compreendem que lhes permitirá sair da vida de po-breza desesperadora. Claramente, empregos dignos comsalários com piso fixados pelo sindicato são parte da respostapara acabar com o tráfico de drogas em nossa comunidade,em vez de depender da polícia, de tribunais e do Estado. Ospoliciais não são nossos amigos ou aliados e devem serexpostos pelo seu papel na proteção do comércio, em vez desuprimi-lo.

Apenas a comunidade pode parar o tráfico de drogas,e é nossa responsabilidade, não importando como vocêencara isso. Afinal, aqueles viciados são nossos irmãos eirmãs, mães e pais, vizinhos e amigos; eles não são estranhos.Devemos nos organizar para salvar suas vidas e a vida danossa comunidade. Devemos estabelecer programas anti-drogas nas comunidades Negras em todo o país. Devemosexpor e combater o papel do governo como traficante dedrogas, juntamente com o da polícia como protetor do co-mércio de drogas. Mas também devemos estar preparadospara ajudar as vítimas das drogas com aconselhamento derua, clínicas de rua (onde eles podem ficar limpos e apren-der um ofício e as razões sociopolíticas para o uso de dro-gas), propaganda contra o uso de drogas e outras atividades.

Viciados são as vítimas da sociedade das drogas, quesupõem ser bacana usar drogas. As crianças são algumas dasmaiores vítimas do tráfico de drogas, quando são enganadasou forçadas (por necessidade econômica) a usar ou vendê-

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las. Usuários e traficantes, ambos são vítimas, mas os trafi-cantes são mais do que meramente inocentes. Mesmo queaquele Negro na esquina vendendo drogas seja ele própriouma vítima do sistema econômico e político que faz comque ele faça isso, traficantes são uma espécie corrupta,perigosa, que precisa ser parada. Muitas pessoas foram mor-tas ou gravemente feridas por ingenuamente tentar opor-seaos traficantes de drogas, e fazê-los sairem de seus bairros.Portanto, uma vez que a estratégia com viciados seria maisbenevolente e compreensiva, com traficantes devemos sercautelosos, e até mesmo implacáveis quando for necessário.Precisamos tentar conquistá-los primeiro com um programaeconômico e político para afastá-los do tráfico de drogas,mas muitos dos traficantes são tão propensos à violência,especialmente os “altos escalões” (que também são prote-gidos pela polícia), que devem ser combatidos por meiosmilitares e políticos.

Não estamos defendendo o assassinato sumário de pes-soas, mas estamos dizendo que se for preciso a morte paratrazer uma mudança na comunidade, que assim seja! Aquestão da morte é, essencialmente, uma questão de quemestá causando a morte. Ela pode ser direta e exercida contrao comerciante da morte, ou pode ser indireta e exercidacontra a nossa juventude – se nós deixarmos. Estar cientede uma situação de perigo e não se mover para mudá-la éser tão responsável por essa situação perigosa, como aquelesque primeiramente a criaram.

Escutem, eu não quero simplificar este problema di-zendo que apenas matar alguns traficantes de rua vai acabarcom ele. Não, não vai, e nós não queremos fazer isso de qual-quer forma! Eles são apenas pessoas pobres que tentam so-breviver neste sistema, apenas peões no jogo das drogas cu-jas vidas não importam para os grandes Capitalistas ou para

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o governo. Quando eles dizem que esses traficantes de ruaserão mortos ou presos, o sistema do tráfico de drogas mesmoassim continuará. Este é um problema sociopolítico, quepode ser abordado de forma mais apropriada por organiza-ções de base. Mas são os patrocinadores corporativos eindustriais do comércio de drogas (e não apenas o traficantede esquina) que não somente devem ser expostos, comodevem ser expulsos. Além da educação, agitação e outrasações, deve haver ação militar por células revolucionárias.

As ações clandestinas que estamos pedindo às pessoaspara realizarem podem ser realizadas por um grupo relati-vamente pequeno de pessoas dedicadas, uma célula revolu-cionária de combatentes armados, que tenham sido trei-nados em táticas de guerrilha. Mas mesmo estes pequenosgrupos de pessoas, para funcionar, devem ter o apoio dosbairros, caso contrário, as pessoas não saberão diferenciá-losde outra gangue violenta qualquer. Uma vez que exista essacoesão social na comunidade, então podemos começar acolocar essa proposta em ação contra os traficantes maisviolentos de alto nível. Tratamos aqui do que podem serconsiderados de certa forma diretrizes para lidarmos com oproblema na escala de um bairro ou de toda uma comuni-dade, e em seguida, em escala nacional.

1. Configurar aulas de educação sobre drogas na comu-nidade, para os jovens, especialmente, para expor a natu-reza do tráfico de drogas, quem fere, e como o governo, ban-cos e empresas farmacêuticas estão por trás de tudo isso.

2. Exposição dos comerciantes da morte e seus prote-tores policiais (fotos, cartazes, panfletos, boletins informa-tivos, etc.).

3. Perseguição aos traficantes; ou seja, telefonemasameaçadores, revistas em busca de drogas, marchas de cida-dãos pelas áreas de seu “local de negócio” e outras táticas.

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4. Configurar clínicas de reabilitação de drogas paraque os viciados possam ser tratados, possam estudar a na-tureza de sua opressão, e possam ser conquistados para apolítica revolucionária. Nós temos que ganhar as pessoaspara longe do uso de drogas e para a revolução.

5. Eliminação física do comerciante; intimidação ex-pulsando-o do bairro ou para fora da cidade, espancamentose assassinatos, onde necessário.

Drogas são a morte! Devemos lutar contra a dependênciapor quaisquer meios necessários! Façam tudo que puderem paraajudar o seu povo na guerra antidrogas!

Intercomunalismo Africano

Os ideais Anarquistas levam logicamente ao interna-cionalismo ou mais precisamente ao transnacionalismo, quesignifica para além do Estado-nação. Anarquistas preveemum momento quando o Estado-nação deixará de ter qual-quer valor positivo para a maioria das pessoas, e, na verdade,será jogado no lixo. Mas esse tempo ainda não chegou, e atéque chegue, devemos nos organizar pelo intercomunalismo,ou seja, pelas relações mundiais entre os povos Africanos eseus movimentos sociais revolucionários, em vez de seusgovernos e chefes de Estado.

O Partido dos Panteras Negras pela primeira vez apre-sentou o conceito de intercomunalismo (na década de 1960),que é, embora um pouco diferente, basicamente um con-ceito libertário em sua essência (costumava de ser chamadode “PanAfricanismo”, mas com predomínio de governos“revolucionários” e movimentos coloniais ou de indepen-dência como aliados). Por causa da herança da escravidãoe a continuação do neocolonialismo econômico, que disper-

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sou Negros para todos os continentes, é possível falar desolidariedade revolucionária internacional Negra.

Eis como os Anarquistas veem o mundo: o mundo estáatualmente organizado em estados-nações concorrentes,em que as nações Capitalistas Ocidentais têm sido respon-sáveis pela maior parte da fome no mundo, imperialismo eexploração dos povos não brancos da terra. Na verdade,todos os estados são instrumentos de opressão. Embora exis-tam governos que afirmem ser “Estados operários”, “paísessocialistas” ou os chamados “governos revolucionários”, emessência todos eles têm a mesma função: a ditadura e aopressão dos poucos sobre os muitos. A falência do Estado éainda mais evidenciada quando olharmos para os milhõesde mortos durante as duas guerras mundiais, provocadaspelo Imperialismo Europeu, (1914-1918 e 1939-1945), e cen-tenas de “guerras civis48” incitadas pelas grandes potênciasdo Ocidente ou a Rússia na década de 1950, e que conti-nuam até hoje. Isso inclui “estados operários”, como China-Rússia, Vietnã-China, Vietnã-Camboja, Somália-Etiópia,Rússia-Tchecoslováquia e outros que entraram em guerrapor disputas fronteiriças, intriga política, invasão ou outraação hostil. Enquanto existirem Estados-nação, haveráguerra, tensão e animosidade nacional.

Na verdade, a parte triste sobre a descolonização daÁfrica na década de 1960 foi que os países foram organi-zados conforme o ideal eurocêntrico de Estado-nação, emvez de algum tipo de formação mais aplicável para o conti-nente, como uma federação continental. Isso, é claro, foi umreflexo do fato que, embora os Africanos estivessem obtendosua “independência de bandeira” e todas as armadilhas doEstado soberano europeu, eles não estavam efetivmente

48 Brush wars, no original. (n.t.)

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obtendo liberdade. Os europeus ainda controlavam as eco-nomias do continente Africano, e os líderes nacionalistasque vieram à tona foram em sua maior parte os mais maleá-veis e conservadores possível. Países exauridos da Áfricaeram como um cão com uma coleira no pescoço; embora oseuropeus não pudessem mais governar o continente dire-tamente através do domínio colonial, agora o faziam atravésde fantoches que controlavam e defendiam, como Mobutuno Congo, Selassie na Etiópia, e Kenyatta, no Quênia.Muitos desses homens eram ditadores da pior espécie e seusregimes existiam estritamente por causa do capital finan-ceiro Europeu. Além disso, havia comunidades brancas decolonos nas colônias Portuguesas, África do Sul e Zimbabwe,que oprimiam os povos africanos de forma ainda pior que oantigo sistema colonial. Por isso, os movimentos de liberta-ção nacional fizeram suas aparições nos anos 1960 e 70.

Anarquistas apoiam os movimentos de libertação na-cional, até o ponto que eles lutam contra um poder colonialou imperialista; mas também observam que, em quase todosos casos em que essas frentes de libertação assumiram opoder do Estado, tornaram-se partidos “Comunistas de Es-tado” e novos ditadores sobre as massas do povo. Estes in-cluem os mesmos que haviam se envolvido em lutas popu-lares épicas, mas incluem também muitos que, desde o iní-cio, baseavam-se em ditadura militar mais explícita. Elesnão são progressistas e eles não toleram nenhuma dissidên-cia. Por exemplo, tão logo o governo do MPLA49 chegou aopoder em Angola, começou a prender todos os seus adversá-rios ideológicos de esquerda (Maoístas, Trotskistas, Anar-

49 Movimento Popular de Libertação de Angola, partido político deAngola, que governa o país desde sua independência de Portugal em1975. (n.e.)

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quistas e outros) e a violentamente reprimir as greves detrabalhadores por melhores salários e melhores condições detrabalho, chamando essas ações de “chantagem” e de “sa-botagem econômica”. E com o caso de Nito Alves e sua su-posta tentativa de golpe (Alves foi um herói da revolução eum líder militar popular), houve o primeiro expurgo parti-dário de adversários no novo governo. Algo semelhante aisto também ocorreu quando o movimento Sandinista deLibertação Nacional assumiu o poder na Nicarágua na dé-cada de 1980. Nada disso deve parecer estranho ou atípicopara Anarquistas, quando consideramos que o partido bol-chevique fez a mesma coisa quando o poder do Estado con-solidou-se durante a Revolução Russa (1917-1921).

Em países como o Benin, Etiópia, República Popular doCongo e outros países na África, governos “revolucionários”não estão no poder como resultado de uma revolução socialpopular, mas sim devido a um golpe militar ou porque foramali instalados por uma das principais potências mundiais.Além disso: muitos dos movimentos de libertação nacionalnão eram movimentos sociais independentes, mas estavamsob a influência ou controle da Rússia ou da China, comoparte de suas lutas geopolíticas contra o imperialismo oci-dental e um contra o outro. Isso não quer dizer que os mo-vimentos revolucionários não deveriam aceitar armas eoutro tipo de apoio material de um poder externo, enquantoeles permanecerem independentes politicamente e deter-minarem suas próprias políticas, sem essa ajuda estar subor-dinada aos ditames políticos e da “linha partidária” de outropaís.

Mas, mesmo que possamos divergir com eles politica-mente e taticamente em muitas áreas, e mesmo com todasas suas falhas depois de assumir o poder do Estado, os revo-lucionários combatentes de libertação são nossos camaradas

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e aliados na luta comum contra o inimigo comum – a classedominante imperialista dos EUA, enquanto a luta conti-nuar. Sua luta afrouxa o aperto da morte do imperialismonorte-americano e ocidental (o que Anarquistas chamammais precisamente de poder mundial Capitalista), e en-quanto a luta continuar, estaremos unidos em camarada-gem e solidariedade. Contudo, ainda assim não podemosignorar as atrocidades cometidas por movimentos como oKhmer Vermelho, uma guerrilha Marxista-Leninista noCamboja, que há pouco massacrou milhões de pessoas pararealizar políticas públicas Stalinistas rígidas bem como paraconsolidar o país. Temos de expor esta carnificina e outroscrimes cometidos pelo Comunismo de Estado para todosverem. Nós não favorecemos esse tipo de revolução, queestá apenas em busca do poder absoluto e de terrorismo con-tra o povo. É por isso que o Anarquismo sempre discordouda forma como os bolcheviques tomaram o poder na Rússiasoviética; e a carnificina do povo russo por Stalin parece terdefinido um modelo a ser seguido ao longo dos anos pelosmovimentos pelo Comunismo de Estado.

As frentes de libertação nacional cometem um errobásico de muitos movimentos nacionalistas de povos opri-midos, que é o de se organizar de uma forma que as dife-renças de classe são obliteradas. Isso aconteceu nos EstadosUnidos, onde durante a luta pelos direitos democráticos, omovimento dos direitos civis incluiu pastores Negros declasse média, professores e outros, e cada pessoa Negra eraum “irmão” ou “irmã”, contanto que eles fossem Negros.Mas esta análise simplista da realidade social não se seguroupor muito tempo, porque quando a fase dos direitos civis daluta Negra americana acabou-se em si mesma, as distinçõesde classe e a luta de classe vieram à tona. Elas foram fican-do cada vez mais nítidas desde então. Embora existam pre-

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feitos Negros e outros burocratas, eles servem apenas comoagentes de pacificação do Estado: “rostos Negros em altoscargos”. Este sistema neocolonial é semelhante ao tipo deneocolonialismo, que teve lugar no 3º Mundo, depois demuitos países terem alcançado sua “independência” nadécada de 1960. A Europa ainda manteve o controle pormeio de políticos fantoches e um comando da pequeno-burguesia que estavam dispostos a trocar a liberdade daspessoas por ganhos pessoais. Essas pessoas simplesmentepresidem sobre a miséria das massas. Eles não são uma con-cessão séria para a nossa luta. Eles são colocados no cargopara cooptar a luta e amortecer a dor das pessoas.

Assim, enquanto os revolucionários Negros geral-mente favorecem as ideias de Intercomunalismo Africano,eles querem a unidade revolucionária baseada em princí-pios. É claro que o maior serviço que podemos prestar aospovos do chamado “Terceiro Mundo” da África, Ásia eAmérica Latina é fazer uma revolução aqui na América doNorte – no ventre da besta. Porque nos libertando, tiramosa classe dirigente dos EUA de ambas as nossas costas. De-sejamos construir uma organização internacional Negracontra o Capitalismo, o racismo, o colonialismo, o imperia-lismo, e a ditadura militar, o que poderia combater de formamais eficaz as potências Capitalistas e criar uma federaçãomundial dos povos Negros. Queremos unir um irmão ouirmã na América do Norte com os povos Negros da Austráliae Oceania, África, Caribe e América do Sul, Ásia, OrienteMédio, e os milhões do nosso povo que vivem na Grã-Breta-nha e em outros países da Europa Ocidental. Queremos uniras tribos, nações e culturas Negras em um organismo inter-nacional de movimentos de base e forças de luta.

Em todo o mundo, as pessoas Negras são oprimidas porseus governos nacionais. Alguns são súditos coloniais nos

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países Europeus, e um ou outro negro dos Estados Africanosexploram outros negros. Só uma revolução social vai levar àunidade e à liberdade Negra. No entanto, isto só será pos-sível quando existirem organização e movimento social re-volucionários e Negros. Uma organização que possa coorde-nar as lutas de resistência em todos os lugares dos povosAfricanos; na verdade, uma rede de organizações, movi-mentos de resistência, que estão espalhados por todo omundo com base em um consenso para a luta revolucio-nária. Este conceito aceita qualquer nível de violência queseja necessário para fazer cumprir as demandas do povo edos trabalhadores. Nos países em que um movimento re-volucionário Negro aberto seria submetido à feroz repressãopor parte do Estado, como na África do Sul e em algumasditaduras fantoches Negras em outras partes da África, doCaribe e da Ásia, seria necessário empreender uma luta deresistência Negra clandestina. Além disso, o Estado tem setornado cada vez mais violento, com tortura generalizada eexecuções, prisões e máximo de controle policial, de espio-nagem e de privação dos direitos democráticos, a brutali-dade policial e assassinato. Claramente esses governos – etodos os governos – devem ser derrubados. Eles não vão cairdevido a problemas econômicos ou políticos internos, masdevem ser derrotados e desmontados. Assim, apelamos a ummovimento de resistência internacional para derrubar go-vernos e o sistema de governo mundial Capitalista.

Mas, mesmo nos países imperialistas ocidentais, temosde reconhecer a legitimidade da violência revolucionária.Quando forem necessárias tais formas de ação revolucio-nária, no entanto, uma clara diferença deve ser vista pelosrevolucionários entre o terrorismo simples sem apoio populare programa político coerente e uma guerrilha decorrente dasfrustrações sentidas coletivamente pelas pessoas comuns e

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pelos trabalhadores. A utilização de métodos militares serianecessária em um caso em que a violência do Estado tor-nasse imperativo para os revolucionários Negros se defen-derem, levando a ofensiva armada contra o Estado e a classedominante, e para expropriar a riqueza da classe Capitalistadurante a revolução social.

O movimento de libertação Negra precisa de uma or-ganização capaz de coordenação internacional da luta delibertação Negra, uma federação mundial dos povos Afri-canos. Se bem que este não seria apenas um movimentoAnarquista: uma federação como esta seria mais eficaz doque qualquer grupo de Estados, as Nações Unidas ou aOrganização de Unidade Africana50, em libertar as massasNegras. Ela envolveria as massas de pessoas, e não somenteos líderes nacionais ou Estados-nação. Os ditadores mili-tares e burocratas do governo só provaram que sabem comogastar dinheiro com pompa e circunstância, mas não comodesmantelar os últimos vestígios do colonialismo na Áfricado Sul ou derrotar intrigas neocolonialistas ocidentais. AÁfrica ainda é o mais pobre dos continentes do mundo, aomesmo tempo que o mais rico materialmente. O contraste éclaro: milhões de pessoas estão passando fome em grandeparte da África Equatorial, mas os chefes tribais, políticos editadores militares, estão dirigindo por aí de Mercedes evivendo em mansões de luxo, enquanto fazem os lances dosbanqueiros da Europa Ocidental e norte-americanos atra-vés do Fundo Monetário Internacional. Eles são parte doproblema e não parte da solução!

50 Criada a 25 de Maio de 1963, em Addis Ababa, Etiópia, por iniciativado Imperador etíope Haile Selassie, a Organização da Unidade Afri-cana (OUA) conta, em sua Constituição, com representantes de 32governos de países africanos independentes. (n.e.)

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Nossas ideias sobre a importância do Intercomuna-lismo são baseadas em uma firme convicção de que só umafederação de povos livres trará o verdadeiro poder Negropara as massas. “Poder para o povo” não significa um governoou partido político para governar em seu nome, mas o podersocial e político nas mãos do próprio povo. O único “poderdo povo” real é o poder de tomar suas decisões sobre assun-tos de importância, e não apenas eleger alguém para fazê-lo, ou ter uma ditadura forçada goela abaixo. A verdadeiraliberdade é ter autodeterminação completa sobre o seu de-senvolvimento social, econômico e cultural. O futuro é oAnarco-Comunismo, e não o Estado-nação, ditadores san-guinários, Capitalismo ou escravidão assalariada.

Defesa Armada da Comuna Negra

“Nossa insistência na ação militar, de defesa e retalia-ção, não tem nada a ver com romantismo ou fervor idealistaprecipitado. Queremos ser eficazes. Queremos viver. Nossahistória nos ensina que as lutas de libertação de sucessoexigem um povo armado, todo um povo, participando ati-vamente na luta pela sua liberdade!” (George Jackson,citado em Sangue no Meu Olho).

Nós devemos organizar unidades de autodefesa paraproteger a comunidade Negra e suas organizações. A políciae o governo são os principais perpetradores de violênciacontra as pessoas Negras. Todos os dias lemos sobre a políciaassassinando e mutilando as pessoas de nossa comunidade,tudo em nome da “lei e ordem”. Essa brutalidade policialinclui o uso de força letal contra crianças a partir de cincoanos e idosos com mais de 75 anos de idade! Precisamos de-sarmar e desmilitarizar a polícia, e forçá-la a deixar a nossacomunidade.

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Talvez isso possa ser feito depois que uma rebelião ouinsurreição leve-os para fora, ou talvez eles tenham que serexpulsos por uma força de guerrilha de rua, como o Exércitode Libertação Negra tentou fazer na década de 1970. Eu nãotenho como saber. Eu só sei que eles têm de ir. Eles são umexército de ocupação opressiva, não são de nossa comuni-dade, não podem compreender nossos problemas e não seidentificam com o nosso povo e suas necessidades. Alémdisso, é a corrupção dos policiais que protege o crime orga-nizado e o vício em nossa comunidade, e o Capitalismo, comsuas condições econômicas de exploração, que é respon-sável por todo o crime.

As forças policiais existentes devem ser substituídas porforças de autodefesa da própria comunidade Negra, for-mada por membros da nossa comunidade eleitos ou nomea-dos por seus vizinhos para essa posição, ou a partir de umaforça de guerrilha de rua já existente ou organização po-lítica, se as pessoas concordarem. Eles estariam sujeitos àrevogação imediata e demissão pelos conselhos do ControleComunitário de uma área. Isto é apenas para que possamoster o controle comunitário da força de autodefesa, começara lidar com o crime fratricida de Negro contra Negro, esermos capazes de nos defender de ataques de racistas bran-cos ou da polícia. Com o aumento da violência racistabranca hoje, e a possibilidade de ações mobilizadas porbrancos no futuro, geralmente em nome de “lei e ordem”,estas forças de autodefesa da comunidade são da maiorimportância. A única questão é: podemos fazer isso agora?

Nós existimos agora sob condições de legalidade e di-reitos civis nominais, mas, em algum momento no processode construção de nossas forças, é inevitável que a estruturade poder branco reconheça o perigo que representa umacomuna Negra livre, e então tentarão reprimi-la à força.

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Devemos ter a capacidade de autodefesa para resistir. Esseconceito de organizar uma força de autodefesa, aceita qual-quer nível de violência que seja necessário para fazer cum-prir as demandas do povo e dos trabalhadores. No entanto,essas forças de autodefesa não seriam um “partido de van-guarda”, uma força policial, ou mesmo um exército perma-nente no sentido estatal ou como normalmente isso se pensa;elas seriam uma milícia do povo Negro, autogerida pelostrabalhadores e da própria comunidade: em outras palavras,o povo em armas. Estas organizações de milícia nos permi-tirão participar em ações ofensivas ou defensivas, tanto emdefesa comunitária em geral, ou como parte de uma in-surreição ou resistência clandestina.

Mas o que vamos fazer agora, neste momento, em ter-mos de legalidade para recuperar nossa comunidade dospoliciais racistas violentos? Será que ficamos sentados paradebater a adequação da preparação militar, enquanto oinimigo está em nossa comunidade agora, cometendo estu-pro e assassinato de pessoas Negras, ou vamos revidar? Comopodemos difundir se for pelo menos a ideia entre o nossopovo e começar a treiná-los para operações paramilitares?Em uma escala de massa, eu defendo a imediata formaçãode grupos de estudo de defesa e técnicas de sobrevivência,sob o pretexto de serem clubes de tiro, sociedades de artesmarciais, clubes de sobrevivência em natureza selvagem ouqualquer outra coisa que precisarmos chamá-los. Uma pro-funda compreensão de pontaria, fabricação de munição,demolição e fabricação de armas é mínima para todos. Alémdisso, devemos estudar os primeiros socorros referentes àslesões traumáticas sofridas com tiros e explosivos, comuni-cação de combate, armas de combate, táticas de combatepara o pequeno grupo, a estratégia de combate para a regiãoou nação, combater a atuação de inteligência policial ou

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militar entre outros assuntos. Estes temas são indispensáveispara quem está vivendo na clandestinidade ou durante umainsurreição geral.

Devemos colocar ênfase na compra, coleta, duplicaçãoe divulgação de manuais militares, livros didáticos de ar-meiros, manuais de explosivos e demolições improvisadas,manuais técnicos da polícia e do governo, e edições piratasde manuais de direita sobre o assunto (já que eles parecemescrever o melhor material nesta área), e também dar inícioao estudo de como construir redes de inteligência para co-letar informações sobre o rápido crescimento dos Skinheadse outras organizações racistas totalitárias, junto à infor-mação de inteligência e contra-inteligência sobre a políciasecreta do governo e as agências de aplicação da lei, comoo FBI, CIA, ATF, etc., e sobre toda e qualquer outra ma-téria que possa ser de utilidade para nós na luta próxima.

Mesmo que nos Estados Unidos o desenvolvimento dehabilidades militares e autodefesa sejam mais fáceis deserem realizados do que em muitos outros países, pois armase munições estão amplamente disponíveis, é lógico suporque a situação das armas em breve estará tão apertada demodo a tornar as armas de fogo praticamente inacessíveis, anão ser através de um caro mercado negro por causa da“guerra contra as drogas” do governo e demais legislaçõesde controle de armas propostas para prevenir “violência derua”, ou assim eles dizem (você acha que as lojas que ven-dem armas de uso “esportivo” estarão abertas durante umainsurreição?). Portanto, devemos aprender a usar a tecno-logia de máquinas-ferramentas para produzir nossas própriasarmas. Armas perfeitamente adequadas podem ser produ-zidas usando um mínimo de máquinas-ferramentas, propor-cionando que o indivíduo ou grupo está disposto a fazer onecessário de estudo e preparação. Não é o suficiente saber

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um pouco sobre esses assuntos; ser altamente proficiente éuma questão de sobrevivência futura - de vida ou morte.

Não estou defendendo que se trave de imediato umaguerrilha urbana, especialmente onde não há base de mas-sas para tais atividades. O que eu estou defendendo, nestafase, é a autodefesa armada e o conhecimento de táticaspara resistir à agressão militar contra a comunidade Negra.É um traço tolo e infeliz entre os Anarquistas, a esquerdabranca e seções do movimento Negro condenarem o estudode habilidades militares como prematuro ou aventureiro, oude, por outro lado, lançar-se em uma fúria cega de expro-priações de bancos, sequestros de pessoas, atentados ousequestros de aeronaves. Muitas pessoas do movimento têmuma abordagem “viagem de morte” com relação a armas –eles presumem que, se você não está “de brincadeira”, entãovocê deve provar suas convicções através de um tiroteiosuicida nas ruas. Não precisa ser assim.

Mas o movimento Negro não tem sequer o luxo destesdebates mornos, e precisa ter uma política de defesa ar-mada, porque os Estados Unidos têm uma longa tradição derepressão política de governo e de violência paramilitar dejusticeiros. Embora esses ataques fossem direcionados prin-cipalmente a Negros e outras nacionalidades oprimidas nopassado, eles também foram direcionados a sindicatos egrupos políticos dissidentes. Essa violência torna absoluta-mente necessário adquirir familiaridade com armas de fogoe táticas militares. Na verdade, o movimento de ResistênciaNegra de que falei anteriormente deve pensar em si mesmocomo um movimento paramilitar, ao invés de uma meraassociação política.

Temos de afirmar nossos direitos de autodefesa armadae revolução, embora seja verdade que há muita conversasolta sobre armas, defesa pessoal, revolução, “guerrilha ur-

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bana”, etc., nos movimentos Negros e radicais, mas commuito pouco estudo e prática no manuseio e uso de armas.Algumas das mesmas pessoas pensam que “pegar a arma”significa que você pega em uma pela primeira vez no dia deuma insurreição ou confronto com a polícia. Isso é umabesteira e é o verdadeiro “suicídio revolucionário”, vocêpoderia ser morto sem saber o que você está fazendo. Masmuitos casos atestam o fato de que autodefesa armada co-munitária pode ser realizada com sucesso, tais como a re-sistência MOVE na Filadélfia51, a Resistência Armada Re-pública da Nova África52 em Detroit e Mississípi e os casosdos Panteras Negras. Ainda, tão importante quanto o atode defesa em si, é o fato de que essas instâncias bem-sucedi-das de autodefesa têm causado um enorme impacto sobre acomunidade Negra, incentivando outros atos de resis-tência.

51 A organização MOVE (MOVE organization) foi um grupo de liber-tação Negra baseado na Filadéfia que pregou a revolução e defendeuum retorno ao estilo de vida naturalista. Fundado por John Africa em1972, teve sua casa sede bombardeada em pleno território nacionaldurante uma tentativa de desocupação da casa em que seus integran-tes revidaram aos ataques policiais. Onze pessoas morreram, incluindo5 crianças e o fundador do MOVE. (n.e.)52 Republic of New Africa (RNA), no original, é uma organizaçãonacionalista Negra que foi criada em 1969 com a premissa de que umarepública Negra independente deveria ser criada a partir do sul dosEstados Unidos da Carolina do Sul, Geórgia, Alabama, Mississippi eLouisiana, que eram considerados “terras subjugadas”. O manifesto dogrupo exigiu que o governo dos Estados Unidos pagasse US$ 400 bi-lhões em indenizações para as injustiças da escravidão e da segregação.O grupo previu que os EUA iriam rejeitar suas demandas e fez planospara a resistência armada e uma guerra de guerrilha prolongada.(n.e.)

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Insurreição

Mas o que é uma rebelião e como ela se difere de umainsurreição? Uma insurreição é uma revolta geral contra aestrutura de poder. É geralmente uma rebelião sustentadaque dura dias, semanas, meses ou mesmo anos. É um tipode guerra de classe que envolve toda a população em umato de resistência armada ou semiarmada. Às vezes erro-neamente chamada de rebelião, seu caráter é muito maiscombativo e revolucionário. Rebeliões são quase totalmenteespontâneas, questões de curto prazo. Uma insurreição tam-bém não é a revolução, uma vez que a revolução é um pro-cesso social, e não um evento único, mas pode ser uma parteimportante da revolução, talvez a sua fase final. Uma in-surreição é uma campanha de protesto violento planejadaque leva a revolta espontânea das massas a um nível su-perior. Revolucionários intervêm para empurrar rebeliõespara a fase insurrecional, e a insurreição para uma revo-lução social. Não são pequenos grupos isolados de guerrilhaurbana atuando, a menos que esses guerrilheiros façamparte de uma revolta maior.

A importância de reconhecer as verdadeiras diferen-ças de cada nível pode definir a nossa estratégia e táticanesta fase, e não nos levar prematuramente para uma ofen-siva total quando o inimigo ainda não estiver muito en-fraquecido pela ação de massa ou ataques políticos. A im-portância de também reconhecer as verdadeiras causas darevolta não pode ser subestimada. Anarquistas revolucio-nários intervêm em tais lutas para mostrar às pessoas comoresistir e as possibilidades de ganhar a liberdade. Queremosaproveitar as rebeliões do povo contra o Estado e utilizá-laspara enfraquecer o domínio do Capital. Queremos criar re-sistência a longo prazo e conquistar zonas libertadas. Des-

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conectar essas comunidades do estado significa que essasrebeliões assumirão um caráter político consciente como aIntifada Palestina nos territórios ocupados controlados porIsrael no Oriente Médio. Criar a possibilidade de uma in-surreição Negra significa popularizar e difundir as váriasrebeliões para outras cidades, municípios e até países, eaumentando-as em número e frequência. Significa, tam-bém, conscientemente anular o poder do Estado, ao invésde revoltas temporárias contra ele que, em última análise,preservam seu poder. Tem de haver uma tentativa delibe-rada de pressionar o governo à extinção, e estabelecer oPoder Popular. Isso ainda não aconteceu com as várias revol-tas Negras que temos visto desde 1964, quando a primeiradessas revoltas modernas eclodiu no Harlem, Nova Iorque.

Na década de 1960, as comunidades Negras em todosos EUA se levantaram furiosamente com rebeliões em massacontra o estado exigindo justiça racial. Após a revolta doHarlem, pelos próximos quatro anos, grandes rebeliões sacu-diram os EUA no distrito de Watts de Los Angeles, Detroit,Chicago, e centenas de outras cidades norte-americanas.Atos isolados de brutalidade policial, discriminação racial,habitação precária, exploração econômica, “o elemento ban-dido”, uma avaria nos “valores familiares”, e uma série deoutras “explicações” foram apresentadas por sociólogos libe-rais e conservadores e outros comissionados pelo Estadopara encobrir as verdadeiras causas. No entanto, nenhumdeles revelou isso como protesto contra o sistema Capitalistae a dominação colonial, embora os cientistas sociais “adver-tissem” sobre a possibilidade de um novo surto de violência.

Mais uma vez, na primavera de 1992, vimos uma re-volta massiva, em Los Angeles, cujas causas imediatas esta-vam relacionadas com a absolvição escandalosa de policiaisde Los Angeles que tinham espancado brutalmente Rodney

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King. Mas novamente esta foi apenas uma causa imediataagindo como um gatilho; esta revolta não foi uma revoltade compaixão em nome de Rodney King pessoalmente. Acausa dessa rebelião foi a desigualdade social generalizadano sistema Capitalista e o terrorismo da polícia. Desta vez,a rebelião espalhou-se para 40 cidades e quatro países es-trangeiros. E não foi apenas o chamado “distúrbio racial”,mas sim uma revolta de classe que incluiu um grande nú-mero de Latinos, brancos e até Asiáticos. Mas foi, inega-velmente, em primeiro lugar, uma revolta contra a injustiçaracial mesmo que não fosse dirigida contra os brancos emgeral, mas contra o sistema Capitalista e os ricos. Ela não selimitou apenas ao centro da cidade na área de Los Angeles,mas se espalhou até as áreas da alta sociedade branca emHollywood, Ventura, e mais além. Foi o estágio inicial daluta de classes.

Se uma força militar clandestina existisse ou umamilícia tivesse sido reunida, ela poderia ter entrado nocampo da batalha com mais armas e táticas avançadas. Dojeito que estava, as gangues desempenharam esse papel, edesempenharam muito bem. A sua participação é a razãoem ter demorado tanto tempo para sufocar a rebelião, masmesmo elas não puderam impedir o restabelecimento dopoder branco em South Central, Los Angeles. Não apenaspor estarem militarmente em desvantagem, mas porque nãotinham nenhum programa político revolucionário, apesarde toda a sua retórica de terem sido radicalizados. Alémdisso, o Estado caiu extremamente pesado em cima dosrebeldes. Mais de 20.000 pessoas foram presas, 50 forammortas e centenas de feridas.

Poderia uma zona libertada ter sido conquistada, demodo que o poder dual pudesse ter sido estabelecido? Essapossibilidade existia e ainda existe, se as pessoas estivessem

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devidamente armadas e formadas. Resistência de massacom armamento militar pesado, poderia ter ganhado con-cessões sérias, uma das quais seria fazer a polícia recuar. Nósnão sabemos disso, é pura especulação. Sabemos que estanão é a última rebelião em Los Angeles e outras cidades.Elas podem vir muito mais rápido agora que o gênio darevolução urbana está fora da garrafa novamente. Podemosapenas esperar e nos preparar. Para a frente com a Revo-lução Negra! Melhor: Para frente rumo à Revolução Negra!

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CAPÍTULO 3

TEORIA E PRÁTICA ANARQUISTA

O principal objetivo deste capítulo é listar os principaiselementos do pensamento Anarquista e dar exemplos doque alguns Anarquistas pensam sobre eles. Ao contrário deoutras correntes de pensamento político, os Anarquistasnão promovem certos textos ou indivíduos em detrimentode outros. Existem diferentes tipos de Anarquistas com mui-tos pontos de discordância. As principais áreas de debateentre os Anarquistas se relacionam com que forma de orga-nização devemos lutar e quais táticas devemos usar. Porexemplo, algumas de suas diferenças mais significativas di-zem respeito à organização econômica da sociedade futura.Alguns Anarquistas rejeitam dinheiro e o substituem porum sistema de comércio em que o trabalho é trocado porbens e serviços. Outros rejeitam todas as formas de comércioou a troca ou a propriedade privada como a Capitalista econsideram que todas as grandes propriedades devem ser depropriedade comum.

Existem Anarquistas que acreditam em guerra deguerrilha – incluindo assassinato, atentados, expropriaçõesde bancos, etc. – como um meio de ataques revolucionárioscontra o Estado. Mas também existem Anarquistas queacreditam quase que exclusivamente na atuação através deorganização, na atuação no local de trabalho ou na ação co-munitária. Não há uma forma única, nem todos concordamsobre estratégia e táticas. Alguns se opõem à violência;

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alguns a aceitam apenas em legítima defesa ou durante umainsurreição revolucionária.

Anarquistas e anarquismo têm sido historicamentedeturpados pelo mundo. A impressão popular de um anar-quista como uma pessoa violenta e de incontrolável emo-ção, que só está interessado em destruição segundo suavontade, e quem se opõe a todas as formas de organização,ainda persiste hoje em dia. Além disso, a crença equivocadaque anarquia é caos e confusão, um reinado de estupro,assassinato e estupidez, desordem total e insanidade é am-plamente considerado pelo público em geral.

Esta falsa impressão, em primeiro lugar, ainda é ampla-mente considerada verdadeira porque pessoas de todo o es-pectro político vêm conscientemente promovendo essamentira por anos. Todos os que se esforçam para oprimir eexplorar a classe trabalhadora, e conquistar o poder para si,venham eles da direita ou da esquerda, estarão sempreameaçados pelo Anarquismo. Isso ocorre porque Anarquis-tas defendem que toda a autoridade e coerção devem sercombatidas. Na verdade, Anarquistas querem se livrar domaior perpetrador de violência ao longo da história: osgovernos. Para os Anarquistas, um governo “democrático”Capitalista não é melhor do que um regime fascista ou Co-munista, porque a classe dominante apenas difere na quan-tidade de violência que autorizam sua polícia e seu exércitoa usar e o grau de direitos que permitirão, se for o caso.Através de guerra, repressão policial, abandono social erepressão política, os governos têm matado milhões de pes-soas, seja tentando se defender ou derrubando outro go-verno. Os Anarquistas querem acabar com esse massacre, econstruir uma sociedade baseada em paz e liberdade.

O que é o Anarquismo? O Anarquismo é SocialismoLibertário ou livre. Os Anarquistas se opõem ao governo, ao

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Estado e ao Capitalismo. Portanto, falando simplesmente, oAnarquismo é uma forma de Socialismo sem governo.

Em comum com todos os Socialistas, os Anarquistasdefendem que a propriedade privada da terra, do Capital edas máquinas teve o seu tempo; que está condenada a de-saparecer, e que todos os requisitos para a produção deveme vão tornar-se propriedade comum da sociedade, e vão sergeridos em conjunto pelos produtores da riqueza. Peter Kro-potkin, em seu Anarco-Comunista: sua base e princípios.

Apesar de existirem várias “escolas” diferentes do pen-samento Anarquista, o Anarquismo revolucionário ouAnarco-Comunismo baseia-se na luta de classes, mas nãotêm uma visão mecanicista da luta de classes adotada pelosMarxistas-Leninistas. Por exemplo, não consideram que sóo proletariado industrial pode alcançar o Socialismo, e quea vitória desta classe, liderada por um “partido operário co-munista” representa a vitória final sobre o Capitalismo. Tam-bém não aceitamos a ideia de um “estado dos trabalha-dores”. Os Anarquistas acreditam que somente os campo-neses, trabalhadores e agricultores podem se libertar e queeles devem gerenciar a produção industrial e econômica pormeio de conselhos de trabalhadores, comitês de fábricas ecooperativas agrícolas, e não com a interferência de um par-tido ou governo.

Os Anarquistas são revolucionários sociais e sentemque a Revolução Social é o processo através do qual umasociedade livre será criada. A autogestão será estabelecidaem todas as áreas da vida social, inclusive o direito de todasas raças oprimidas à autodeterminação. Como já afirmei, aautodeterminação é o direito de autogoverno. Por sua pró-pria iniciativa, as pessoas vão implementar a sua própria ges-tão da vida social através de associações voluntárias. Elesse recusarão a entregar sua auto-direção ao Estado, parti-

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dos políticos ou seitas vanguardistas, uma vez que cada umdeles apenas ajuda no estabelecimento ou restabelecimentoda dominação. Os Anarquistas acreditam que o Estado e aautoridade Capitalista serão abolidos por meio da ação di-reta: greves autônomas, desacelerações, boicotes, sabota-gens, e insurreição armada. Nós reconhecemos que nossosobjetivos não podem ser separados dos meios utilizados paraalcançá-los. Portanto, a nossa prática e as associações quecriarmos vão refletir a sociedade que buscamos.

Atenção crucial deverá ser dada necessariamente paraa área da organização econômica, uma vez que é aqui queos interesses de todos convergem. Sob o Capitalismo todosnós temos que vender o nosso trabalho para sobreviver ealimentar as nossas famílias e nós mesmos. Mas depois deuma revolução social Anarquista, o sistema de salários e ainstituição da propriedade privada e do Estado será abolidae substituída pela produção e distribuição de bens de acor-do com o princípio comunista: “De cada um segundo as suascapacidades, a cada um segundo as suas necessidades”.Associações voluntárias de produtores e consumidores to-marão posse comum dos meios de produção e permitirão alivre utilização de todos os recursos a qualquer grupo volun-tário, desde que tal uso não prive os outros ou não acarreteno uso de trabalho assalariado. Essas associações podem sercooperativas de alimentos e habitação, fábricas cooperativa-das, escolas comunitárias, hospitais, instalações de lazer eoutros serviços sociais importantes. Essas associações vãofederar entre si para facilitar seus objetivos comuns em umabase tanto territorial quanto funcional.

Esse Federalismo como um conceito é uma forma deorganização social em que os grupos autodeterminados con-cordam livremente em coordenar suas atividades. O únicosistema social que pode, eventualmente, atender às diversas

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necessidades da sociedade e, ao mesmo tempo, promover asolidariedade na escala mais ampla, é aquele que permiteàs pessoas associarem-se livremente com base em interessese necessidades comuns. Federalismo enfatiza a autonomiae a descentralização, promove a solidariedade e comple-menta os esforços dos grupos a serem tão autossuficientesquanto possível. É de se esperar que os grupos cooperementre si, tanto quanto haja benefícios mútuos. Ao contráriodo sistema jurídico Capitalista e seus contratos, se não sesente que esses benefícios são mútuos em uma sociedadeAnarquista, qualquer grupo tem a liberdade de dissociar-se. Desta forma, um organismo social flexível e autorregu-lado será criado, sempre pronto para atender novas necessi-dades de novas organizações e adaptações. O Federalismonão é um tipo de Anarquismo, mas é uma parte essencialdo Anarquismo. É a união de grupos e povos para a sobrevi-vência política e econômica e pelos meios de subsistência.

Os Anarquistas têm um trabalho enorme pela frente,e eles devem ser capazes de trabalhar juntos em nome doideal. O Anarquista Italiano Errico Malatesta disse bemquando escreveu: “Nossa tarefa é incentivar o ‘povo’ a rei-vindicar e aproveitar toda a liberdade possível para que setornem responsáveis por suas próprias necessidades, semesperar por ordens de qualquer tipo de autoridade. Nossatarefa é demonstrar a inutilidade e nocividade do governo,ou provocar e incentivar através de propaganda e ação todosos tipos de iniciativas individuais e coletivas”... “Depois darevolução, os Anarquistas terão a missão especial de seremos vigilantes guardiões da liberdade contra os aspirantes aopoder e a possível tirania da maioria.” (Citado em Malatesta:Sua Vida e Tempo53, ed. por Vernon Richards)

53 A Confederação Nacional do Trabalho é composta por sindicatos

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Então, este é o trabalho da federação, mas ele não ter-mina com o sucesso da revolução. Há muito trabalho de re-construção a ser feito, e a revolução deve ser defendida paracumprir nossas tarefas, os Anarquistas devem ter suas pró-prias organizações. Eles devem organizar a sociedade pós-revolucionária, e é por isso que os Anarquistas se federam.

Em uma sociedade moderna e independente, o pro-cesso de federação deve ser estendido para toda a humani-dade. A rede de associações voluntárias – a Comuna – nãoconhecerá fronteiras. Poderá ser do tamanho da cidade,estado, ou nação, ou uma sociedade muito maior do que oEstado-nação sob o Capitalismo. Poderia ser uma comunade massa que abrangesse todos os povos do mundo em umasérie de federações Anarquistas continentais, digo Américado Norte, África ou Caribe. Na verdade, este seria um mun-do novo! Não uma Nações Unidas ou “Governo MundialÚnico”, mas uma humanidade unida.

Mas a nossa oposição é formidável – cada um de nósfoi ensinado a acreditar na necessidade de um governo, nanecessidade absoluta de especialistas, em receber ordens,em autoridade – para alguns de nós é tudo novo. Mas quan-do acreditamos em nós mesmos e decidimos que podemosconstruir uma sociedade baseada na liberdade, em indiví-duos zelosos, essa tendência dentro de nós vai se tornar aescolha consciente de pessoas que amam a liberdade. OsAnarquistas verão seu trabalho como o fortalecimento dessatendência, e mostrarão que não há democracia ou liberdadesob o governo – seja nos Estados Unidos, na China ou naRússia. Anarquistas acreditam na democracia direta pelopovo como o único tipo de liberdade e autonomia.

autônomos de ideologia anarcossindicalista da Espanha. Faz parte daorganização de caráter transnacional Associação Internacional dosTrabalhadores (AIT). (n.e.)

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Tipos de Anarquistas

Mas não se pode esperar que Anarquistas concordemem tudo. Historicamente, essas diferenças levaram a ten-dências distintas na teoria e prática Anarquistas.

Anarquistas Individualistas têm esperança em umasociedade futura em que indivíduos livres cumpram o seudever e compartilhem recursos “de acordo com os ditamesda justiça abstrata”. De um modo geral, individualistas sãomeros filósofos, em vez de ativistas revolucionários. Eles sãocidadãos libertários que querem reformar o sistema paraque ele funcione “de forma justa”. Eles foram predominantesno século 19, mas ainda são vistos em formações Anarquis-tas “contra-culturais”, filósofos da classe média, ou libertá-rios de direita.

Mutualistas são Anarquistas associados com as ideiasdo filósofo Anarquista do século 19, Pierre-Joseph Prou-dhon, que baseou sua economia futura em “...um padrão deindivíduos e pequenos grupos possuindo (mas não proprietá-rios) seus meios de produção, e vinculados por contratos detroca mútua e crédito mútuo (em vez de dinheiro), o queasseguraria a cada indivíduo o produto de seu próprio traba-lho”. Este tipo de Anarquismo surge quando Individualistaspassam a colocar suas ideias em prática, e apenas desejamreformar o Capitalismo e torná-lo “cooperativo”. Este é tam-bém onde os libertários de direita e os defensores de umpapel minimizado para o Estado conseguem ideias. Marxatacou Proudhon como um “idealista” e “filósofo utópico”pelo conceito Anarquista de Ajuda Mútua.

Coletivistas são Anarquistas com base direta nas ideiasde Michael Bakunin, o Anarquista russo, o defensor maisconhecido para o público em geral da teoria Anarquista. Aforma coletivista de Bakunin do Anarquismo substituiu a

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insistência de Proudhon sobre a posse individual com aideia de possessão socialista por instituições voluntárias,bem como o direito ao gozo de cada produto do trabalhodele/dela ou seu equivalente ainda assegurado ao traba-lhador individual. Este tipo de Anarquismo envolve umaameaça direta para o sistema de classes e ao Estado Capi-talista, e é a visão que a sociedade só pode ser reconstruídaquando a classe trabalhadora assumir o controle da econo-mia através de uma revolução social, destruindo o aparelhode Estado, e reorganizando a produção com base na proprie-dade e controle por associações de trabalhadores. Estaforma de Anarquismo ideologicamente é a base do Anarco-Sindicalismo, ou sindicalismo revolucionário.

Anarco-Sindicalistas são Anarquistas que atuam nosmovimentos sindicais e da classe trabalhadora. Anarco-Sin-dicalismo é uma forma de Anarquismo para os trabalha-dores com consciência de classe e camponeses, para os mi-litantes e ativistas do movimento operário, para Socialistaslibertários que querem igualdade, bem como a liberdade.Como apontado, essa filosofia se baseia fortemente nas ideiasde Bakunin, embora suas técnicas de organização decorramdos movimentos sindicais franceses e espanhóis da CNT54

(chamados “sindicatos”), onde os Anarquistas foram forte-mente envolvidos. Este é o tipo de Anarquismo que influen-ciou o IWW na América do Norte e que expressa a visão

54 Em 28 de setembro de 1864 em Saint Martin’s Hall, Londres, foifundada a Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) quepassou a ser mundialmente conhecida como Primeira Internacional.Participaram dessa reunião delegados de organizações operárias ingle-sas, francesas, italianas, alemãs, suíças e polonesas, na qual constituiu-se um Comitê Provisório formado por 27 trabalhadores ingleses, 9franceses, 9 alemães, 6 italianos, 2 suíços e 2 poloneses, além de emi-grantes socialistas alemães e poloneses. (n.e.)

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de que o Estado Capitalista deve ser derrubado por umaforma revolucionária de guerra econômica chamada deGreve Geral, e que a economia deveria ser reorganizada ebaseada em sindicatos industriais, que estariam sob o con-selho da classe trabalhadora. Todos os assuntos políticosseriam tratados por um Congresso da União Industrial, en-quanto as questões de trabalho iriam para um comitê dafábrica, ambos eleitos pelos próprios trabalhadores e sob seucontrole direto. Este tipo de Anarquismo tem um grandepotencial para a organização de um movimento de classetrabalhadora Anarquista na América do Norte, se levantarquestões contemporâneas, como a semana de trabalho maiscurta, conselhos de fábrica, a crise atual e um revide contraa ofensiva dos patrões nos últimos 20 anos contra a classetrabalhadora a nível mundial.

Anarco-Comunistas são Anarquistas revolucionáriosque acreditam na filosofia da luta de classes, fim do Capita-lismo, e todas as formas de opressão. Ao contrário do Anarco-Sindicalismo, não se limitam a organização no local de tra-balho. A filosofia baseia-se nas teorias de Peter Kropotkin,outro Anarquista russo. Kropotkin e seus companheirosAnarco-comunistas não apenas previam a comuna e conse-lhos de trabalhadores como os guardiães adequados daprodução; eles também atacaram o sistema de salários emtodas as suas formas, e reavivaram as ideias do ComunismoLibertário. Este tipo de Anarquismo também é conhecidocomo Socialismo Libertário, e inclui a maioria dos socialistasque também se opõem ao Estado, à ditadura e ao regime departido único, embora não sejam Anarquistas.

Desde a década de 1870, os princípios do Anarco-Comunismo foram aceitos pela maioria das organizaçõesAnarquistas favorecendo a revolução. Este Anarco-Comu-nismo ou Comunismo Libertário não deve, é claro, ser con-

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fundido com o muito bem conhecido Comunismo dos Mar-xistas-Leninistas, o Comunismo que se baseia na proprie-dade estatal da economia e controle da produção e distri-buição, e também na ditadura do partido. Essa forma desociedade comunista autoritária é baseada em opressão eescravidão ao Estado, enquanto nós somos a favor de umcomunismo livre e voluntário, de recursos compartilhados.Comunismo Libertário não é o bolchevismo e não tem ne-nhuma ligação com Lenin, Stalin, Trotsky ou Mao Tse Tung.Não é o Estado ou o controle privado sobre os elementosessenciais da vida que buscamos, e nos opomos a todas asformas de ditadura. Os Anarco-Comunistas buscam fomen-tar o crescimento de uma nova sociedade na qual a liber-dade para se desenvolver como um indivíduo está integradaem toda sua extensão com a responsabilidade social paracom os outros.

Autonomistas são uma nova tendência no movimentoAnarquista. Esta tendência surgiu em meados de 1980 naAlemanha e depois se espalhou para outros países da Europae América do Norte. Os estudantes, intelectuais e trabalha-dores descontentes construíram esta tendência original-mente, mas também existem Anarquistas que se autodeno-minam Autonomistas para dar a entender que eles nãoestão ligados com a federação, ou não são doutrinários oupuristas. Como o Socialismo Libertário, eles parecem retirarsua ideologia tanto do Marxismo quanto de alguns princí-pios da filosofia Anarquista como o Anarco-Comunismo,mas eles tendem a ser mais independentes e muito meti-culosos com a explicação de sua identidade diferente.

Em conclusão, esta é uma forma de listar as diversastendências do pensamento e prática Anarquista. Pode ha-ver muitas outras maneiras de fazê-lo e descrever o desen-volvimento histórico de cada tendência. Isso pode estar

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além do escopo deste panfleto. Mas a maioria dos Anar-quistas concordariam sobre essas demonstrações gerais:Anarquistas desejam, teorizam e agem para promover aabolição do governo, do Estado, e o princípio de autoridadeque é central para as formas sociais contemporâneas, e parasubstitui-los por uma organização social baseada na coope-ração voluntária entre indivíduos livres. Todas as tendên-cias Anarquistas – exceto os Individualistas e, em certamedida, os Mutualistas – veem esta sociedade futura ba-seada em uma rede orgânica de associações de ajuda mú-tua, coletivos de trabalhadores e consumidores, comunas eoutras alianças voluntárias, organizadas em unidades regio-nais e outras federações não-autoritários pelo propósito departilhar ideias, informações, habilidades técnicas e recur-sos tecnológicos, culturais e recreativos em grande escala.Todos os Anarquistas acreditam na libertação da situaçãode fome e a desejam, e são contra todas as formas de opres-são de classe, sexual e racial, bem como toda a manipulaçãopolítica por parte do Estado.

A filosofia é um ideal em evolução em que muitos indi-víduos e movimentos sociais têm influência. Feminismo,Libertação Negra, direitos dos homossexuais, o movimentoecológico e outros, são todos acréscimos à consciência dafilosofia do Anarquismo, e esta influência tem ajudado noavanço do ideal do Anarquismo como uma força social nasociedade moderna. Estas influências asseguram que a Re-volução Social que todos nós antecipamos será a maisabrangente e democrática possível, e que tudo será total-mente libertado, não apenas homens ricos, brancos e hete-rossexuais.

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Pensamento Anarquista Versus Marxista-Leninistasobre a Organização da Sociedade

Historicamente, houve três principais formas de socia-lismo: o Socialismo Libertário (Anarquismo), SocialismoAutoritário (Comunismo Marxista), e Socialismo Democrá-tico (social-democracia eleitoral). A esquerda não-Anar-quista tem ecoado o retrato burguês do Anarquismo comouma ideologia de caos e loucura. Mas o Anarquismo, e espe-cialmente o Anarco-Comunismo, não tem nada em comumcom esta imagem. Ela é falsa e inventada por seus adversá-rios ideológicos, os Marxistas-Leninistas.

É muito difícil para os Marxistas-Leninistas fazeremuma crítica objetiva do Anarquismo como tal, porque, pornatureza, isso prejudica todos os pressupostos básicos para oMarxismo. Se o Marxismo, e o Leninismo – sua variante quesurgiu durante a Revolução Russa, é mantido como sendoa filosofia da classe operária e o proletariado não pode deversua emancipação a ninguém além de si mesmo, é difícil vol-tar atrás e dizer que a classe trabalhadora ainda não estápronta para dispensar a autoridade sobre ela. Lenin veiocom a ideia de um Estado de transição, que “definharia” aolongo do tempo, para acompanhar a “ditadura do proleta-riado” de Marx. Os Anarquistas expuseram esta linha comocontrarrevolucionária e pura tomada de poder. Mais de 75anos de prática Marxista-Leninista vieram nos dar razão.Esses chamados “Estados Socialistas”, produzidos pela dou-trina Marxista-Leninista elaboraram apenas estados poli-ciais Stalinistas, onde os trabalhadores não têm direitos,uma nova classe dirigente de tecnocratas e políticos do par-tido surgiram, e o diferencial de classe entre favorecidospelo estado em relação aos não favorecidos criou privaçãogeneralizada entre as massas e outra luta de classe. Mas, em

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vez de conhecer essas críticas de cabeça erguida, eles con-centraram seus ataques não sobre a doutrina do Anarquis-mo, mas em determinadas figuras históricas Anarquistas,especialmente Bakunin, um adversário ideológico de Marxna Primeira Internacional dos Movimentos Socialistas55 doséculo passado.

Anarquistas são revolucionários sociais, que buscamuma federação cooperativa, sem estado, sem classes e vo-luntária de comunas descentralizadas baseadas na proprie-dade social, liberdade individual e autogestão da vida so-cial e econômica.

Os Anarquistas diferem dos Marxistas-Leninistas emmuitas áreas, mas especialmente na construção da organiza-ção. Eles diferem dos socialistas autoritários de basicamentetrês maneiras: eles rejeitam as noções Marxistas-Leninistasdo “partido de vanguarda”, do “centralismo democrático”,e a da “ditadura do proletariado”, e Anarquistas têm alter-nativas para cada uma delas. O problema é que quase todaa esquerda, inclusive alguns Anarquistas, é completamenteinconsciente das alternativas estruturais tangíveis do Anar-quismo de Grupo Catalisador, de Consenso Anarquista, ede Comuna de Massa.

A alternativa Anarquista para o partido de vanguardaé o grupo catalisador. O grupo catalisador é apenas umafederação Anarco-Comunista de grupos de afinidade emação. Este grupo catalisador ou federação revolucionáriaAnarquista se encontraria regularmente ou apenas quandohouvesse necessidade, dependendo dos desejos da socie-dade e da urgência das condições sociais. Ele seria com-

55 Famoso livro de George Orwell, “1984”, publicado em 1948, retratao cotidiano de um regime político totalitário e repressivo no ano homô-nimo. (n.e.)

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posto por representantes do grupo de afinidade ou pelopróprio grupo, com plenos direitos de voto, privilégios e res-ponsabilidades. Iria definir tanto as políticas como as açõesfuturas a serem realizadas. Produzirá tanto a teoria quantoa prática social Anarco-Comunista. Acredita na luta declasses e na necessidade de derrubar o governo Capitalista.Ele se organiza nas comunidades e locais de trabalho. Édemocrático e não tem figuras de autoridade, como umchefe do partido ou comitê central.

A fim de fazer uma revolução em grande escala, movi-mentos coordenados são necessários, e a sua formação é demodo algum contrária ao Anarquismo. Os Anarquistas seopõem à liderança hierárquica delirante por poder quesuprime o impulso criativo da maior parte dos envolvidos, eforça uma agenda goela abaixo. Os membros desses grupossão meros servos e adoradores da liderança do partido. Masapesar dos Anarquistas rejeitarem este tipo de liderançadominadora, eles reconhecem que algumas pessoas são maisexperientes, articuladas, ou qualificadas do que outras eessas pessoas terão um papel de ação de liderança. Estaspessoas não são figuras de autoridade, e podem ser removi-das pela vontade do organismo. Há também uma tentativaconsciente de rotineiramente rotacionar essa responsabili-dade e transmitir essas habilidades uns para os outros, espe-cialmente para mulheres e pessoas de cor, que normalmentenão teriam chance. As experiências dessas pessoas, que sãogeralmente ativistas veteranos ou melhor qualificados doque a maioria, no momento podem ajudar a formar e im-pulsionar movimentos, e até mesmo contribuírem para aconcretização do potencial de mudança revolucionária nomovimento popular. O que eles não podem fazer é assumir ainiciativa do próprio movimento. Os membros desses gruposrejeitam posições hierárquicas – ninguém tendo mais

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autoridade “oficial” do que outros – e, ao contrário dospartidos M-L de vanguarda, os grupos Anarquistas não se-rão autorizados a perpetuar a sua liderança através de umaditadura militar depois da revolução. Em vez disso, o própriogrupo catalisador será dissolvido e seus membros, quandoestiverem prontos, serão absorvidos no processo coletivo detomada de decisão da nova sociedade. Portanto, esses Anar-quistas não são líderes, mas apenas assessores e organiza-dores para um movimento de massas.

O que não queremos ou precisamos é de um grupo deautoritários liderando a classe trabalhadora, e, em seguida,estabelecendo-se como um comando centralizado de to-mada de decisões, em vez de “definhar”; estados Marxistas-Leninistas têm perpetuado instituições autoritárias (a polí-cia secreta, chefes de sindicatos e o Partido Comunista)para manter seu poder. A aparente eficácia de tais organiza-ções (“nós somos tão eficientes quanto os Capitalistas”)mascara a forma sob a qual “revolucionários” que se padro-nizam no molde das instituições Capitalistas tornam-seabsorvidos por valores burgueses, e completamente isoladosdas reais necessidades e desejos das pessoas comuns.

A relutância dos Marxistas-Leninistas em aceitar amudança social revolucionária é, no entanto, vista sobre-tudo na concepção de partido de Lênin. É uma receita paraaproveitar apenas abertamente o poder e colocá-lo nas mãosdo Partido Comunista. O partido que Leninistas criam hoje,acreditam eles, deve se tornar o (único) “Partido do Proleta-riado”, no qual essa classe poderia se organizar e tomar opoder. Na prática, porém, isso significava ditadura pessoal ede partido, na qual eles se arrogavam o direito e o dever deacabar com todos os outros partidos e ideologias políticas.Tanto Lenin quanto Stalin mataram milhões de trabalha-dores e camponeses, seus opositores ideológicos esquerdis-

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tas, e até mesmo membros do partido Bolchevique. Essahistória sangrenta e traiçoeira é o porque de haver tantarivalidade e hostilidade entre Marxistas-Leninistas e os par-tidos Trotskistas hoje, e é por isso que os “Estados operá-rios”, sejam em Cuba, China, Vietnã, ou Coréia são essasburocracias opressivas sobre seu povo. É também por isso quea maioria dos países Stalinistas do Leste Europeu teve seusgovernos derrubados pelos pequenos burgueses e cidadãoscomuns na década de 1980. Talvez estejamos testemunhan-do o eclipse completo do Comunismo de Estado, uma vezque eles não têm nada de novo a dizer e nunca vão ter essesgovernos de volta.

Enquanto os grupos Anarquistas tomam suas decisõespor consenso Anarquista, os Marxistas-Leninistas se orga-nizam através do chamado centralismo democrático. Ocentralismo democrático se apresenta como uma forma dedemocracia interna do partido, mas é realmente apenasuma hierarquia em que cada membro de um partido - emúltima análise, de uma sociedade – é subordinado a ummembro “superior” até alcançar o todo-poderoso ComitêCentral do Partido e seu Presidente. Este é um procedi-mento totalmente antidemocrático, que coloca a liderançaacima de qualquer crítica, mesmo que não esteja acima dequalquer suspeita. É um método falido, corrupto de opera-ções internas de uma organização política. Você não tem vozem tal partido, e devemos ter medo de fazer quaisquercomentários pouco lisonjeiros para ou sobre os líderes.

Em grupos Anarquistas, as propostas são conversadaspelos membros (nenhum dos quais tem autoridade sobreoutro), as minorias dissidentes são respeitadas e a participa-ção de cada indivíduo é voluntária. Todo mundo tem o di-reito de concordar ou discordar sobre a política e as ações,e as ideias de todos recebem o mesmo peso e consideração.

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Nenhuma decisão pode ser tomada até que cada membroindividual ou de grupo afiliado que será afetado por essadecisão tiver a chance de expressar sua opinião sobre oassunto. Os membros individuais e grupos filiados devemconservar a possibilidade de recusar o apoio às atividadesespecíficas da federação, mas não podem impedir ativa-mente essas atividades. De forma verdadeiramente demo-crática, as decisões para a federação como um todo devemser tomadas pela maioria de seus membros.

Na maioria dos casos, não há nenhuma necessidadereal para reuniões formais para tomada de decisões, o que énecessário é a coordenação das ações do grupo. É claro quehá momentos em que uma decisão tem que ser tomada, e àsvezes muito rapidamente. Isto será raro, mas às vezes é ine-vitável. O consenso, nesse caso, teria de ser no interior deum círculo muito menor do que a adesão geral de centenasou milhares de membros. Mas normalmente tudo que énecessário é uma troca de informações e confiança entre aspartes, e uma decisão reafirmando que a decisão originalserá alcançada, se uma decisão de emergência tiver de serfeita. É claro que, durante a discussão, haverá um esforçopara esclarecer quaisquer diferenças importantes e explorarcursos de ação alternativos. E haverá uma tentativa dechegar a um acordo mútuo através do consenso entre visõesconflitantes. Como sempre, se houver um impasse ou insa-tisfação com o consenso, a votação deverá ser tomada e comuma maioria de 2/3, a questão seria aceita, rejeitada ourescindida.

Isto tudo é totalmente contrário à prática de partidosMarxistas-Leninistas, nos quais o Comitê Central defineunilateralmente a política para toda a organização, e ondereina a autoridade arbitrária. Os Anarquistas rejeitam acentralização da autoridade e o conceito de um Comitê

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Central. Todos os grupos são associações livres formadas apartir de comitês não revolucionários disciplinados por me-do de autoridade. Quando o tamanho dos grupos de tra-balho (que podem ser espalhados em torno de trabalho,arrecadação de fundos, antirracismo, direitos das mulheres,comida e habitação, etc.) torna-se complexo, as organiza-ções podem ser descentralizadas em duas ou várias organi-zações mais autônomas, ainda unidas em uma grande fe-deração. Isso permite que o grupo se expanda sem limites,mantendo a sua forma anárquica de autogestão descentra-lizada. É mais ou menos como a teoria científica de uma cé-lula biológica, dividindo e re-dividindo, mas em um sentidopolítico.

No entanto, grupos Anarquistas não são sequer ne-cessariamente organizados frouxamente; o Anarquismo éflexível e a estrutura pode ser praticamente inexistente oumuito rigorosa, dependendo do tipo de organização exigidapelas condições sociais enfrentadas. Por exemplo, a organi-zação iria aumentar o rigor durante operações militares ouem repressão política intensificada.

Anarco-Comunistas rejeitam o conceito Marxista-Leninista de “ditadura do proletariado” e o chamado “esta-do dos trabalhadores” em favor da comuna de massa. Aocontrário dos membros de partidos Leninistas, cujas vidasdiárias são geralmente semelhantes aos atuais estilos devida burgueses, estruturas organizacionais Anarquistas eestilos de vida através de arranjos comunais de vida, tribosurbanas, grupos de afinidade, ocupações urbanas, etc., ten-tam refletir a sociedade libertada do futuro. Anarquistasconstruíram todos os tipos de comunas e coletivos durantea Revolução Espanhola de 1930, mas foram esmagados pelosfascistas e os Comunistas. Uma vez que os Marxistas-Leni-nistas não constroem estruturas cooperativas, o núcleo da

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nova sociedade, eles só podem ver o mundo em termos polí-ticos burgueses. Eles querem apenas tomar o poder do Esta-do e instituir sua própria ditadura sobre o povo e os traba-lhadores, ao invés de esmagar o poder do Estado e substituí-lo por uma sociedade cooperativa livre.

É claro que o partido, insistem, representa o prole-tariado, e não há necessidade para que eles se organizemfora do partido. No entanto, mesmo na ex-União Soviética,os membros do Partido Comunista representavam apenas5% da população. Isto é elitismo da pior espécie e ainda fazcom que os partidos Capitalistas pareçam democráticos, porcomparação. O que o Partido Comunista tinha a intençãode representar em termos de poder dos trabalhadores nuncaficou claro, mas no verdadeiro estilo 198456 de “duplipen-sar”, os resultados são 75 anos de repressão política e escra-vidão do Estado, em vez de uma era de “glorioso regimeComunista”. Eles devem ser responsabilizados politicamentepor estes crimes contra as pessoas, e a teoria política revo-lucionária e prática. Eles têm difamado os nomes do Socia-lismo e do Comunismo.

Rejeitamos a ditadura do proletariado. É opressão de-senfreada, e os Marxistas-Leninistas e Stalinistas devem serobrigados a responder por isso. Milhões foram assassinados

56 A chamada “Propaganda pelo fato” foi um princípio, logo convertidoem tática, adotado por vários movimentos anarquistas na Europa apartir da década de 1880, e extendendo-se até o final da década de1920. Essa tática foi interpretada de diversas maneiras pelos váriosindivíduos e movimentos que a usaram, mas basicamente consistianuma ação afirmativa que procurasse levar a sociedade na direção doAnarquismo, seja de modo pacífico ou violento. A grande maioria dasações de Propaganda pelo fato eram violentas, geralmente envolvendoo assassinato de monarcas ou outras altas autoridades governamentais,ou o roubo a bancos e subsequente distribuição do dinheiro. (n.e.)

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por Stalin, em nome do combate a uma guerra de classesinterna, e milhões mais foram assassinados na China, Po-lônia, Afeganistão, Camboja, e em outros países por movi-mentos Comunistas que seguiram a prescrição de Stalinpara o terror revolucionário. Rejeitamos o Comunismo deEstado como a pior aberração e tirania. Nós podemos fazermelhor do que isso com a comuna de massa.

A comuna de massa Anarquista (por vezes tambémchamada de Conselho dos Trabalhadores, embora existamalgumas diferenças) é uma federação nacional, continentalou transnacional de cooperativas econômicas e políticas eformações comunais regionais. Anarquistas procuram porum mundo e uma sociedade em que a tomada de decisãoreal envolva todos aqueles que vivem nele – uma comunade massa – não poucas aberrações disciplinadas puxando ascordas em uma chamada “ditadura do proletariado”. Todae qualquer ditadura é ruim, não considera característicassociais, ainda assim é o que os Leninistas dizem que irá nosproteger de uma contrarrevolução. Enquanto Marxistas-Leninistas afirmam que esta ditadura é necessária a fim deesmagar quaisquer contrarrevoluções burguesas dirigidaspela classe Capitalista ou pela direita reacionária, Anar-quistas sentem que esta é, em si, parte da escola Stalinistade falsificação. Um aparelho centralizado, como um estado,é um alvo muito mais fácil para os opositores da revoluçãodo que uma série de comunas descentralizadas. E essascomunas permaneceriam armadas e preparadas para defen-der a revolução contra qualquer um que se mova militar-mente contra ele. A chave é mobilizar as pessoas para guar-das de defesa, milícias e outras unidades de preparaçãomilitar.

Esta posição dos Leninistas da necessidade de umaditadura para proteger a revolução não foi comprovada na

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guerra civil que se seguiu à Revolução Russa: na verdade,sem o apoio dos Anarquistas e outras forças de esquerda,junto com o povo russo, o governo bolchevique teria sidoderrotado. E então fiel a qualquer ditadura, ele se virou eeliminou os movimentos Anarquistas russos e ucranianos,juntamente com os seus adversários de esquerda, como osmencheviques e os socialistas revolucionários. Mesmoadversários ideológicos dentro do partido bolchevique fo-ram presos e condenados à morte. Lenin e Trotsky matarammilhões de cidadãos russos logo após a Guerra Civil, quandoforam consolidar o poder do Estado, que precedeu o go-verno sangrento de Stalin. A lição é que não devemos serconvencidos a entregar o poder popular de base para dita-dores que se fazem passar por nossos amigos ou líderes.

Nós não precisamos das soluções dos Marxistas-Leni-nistas, eles são perigosos e ludibriadores. Há uma outramaneira, mas, para boa parte da esquerda e para muitaspessoas comuns, a escolha parece ser ou o “caos” Anárquicoou os partidos Maoistas “Comunistas”, todavia dogmáticose ditatoriais. Isto é principalmente o resultado de mal-entendidos e propaganda. Mas o Anarquismo como umaideologia fornece estruturas organizacionais possíveis, bemcomo a teoria revolucionária alternativa válida, que, seutilizada, poderia ser a base para uma organização tão sólidacomo a dos Marxista-Leninistas (ou até mais). Só estasorganizações serão igualitárias e realmente voltadas para obenefício das pessoas, em vez de para os líderes comunistas.

O Anarquismo não se limita às ideias de um únicoteórico, e permite que a criatividade individual se desen-volva em grupos coletivos, em vez do dogmatismo caracte-rístico dos Marxistas-Leninistas. Portanto, não sendo sectá-rio, incentiva uma grande dose de inovação e experimen-tação, o que impele seus seguidores a responder de forma

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realista às condições contemporâneas. É o conceito de fazera ideologia se adequar às exigências da vida, ao invés detentar fazer a vida se adequar às exigências da ideologia.

Por isso, Anarquistas criam organizações a fim de cons-truir um mundo novo, e não para perpetuar nossa domina-ção sobre as massas populares. Tentamos construir um mo-vimento internacional coordenado e organizado visandotransformar o mundo em uma comuna de massa. Esse seriarealmente um grande salto na evolução humana e um passorevolucionário gigantesco. Mudaria o mundo como nós oconhecemos e acabaria com os problemas especiais que hámuito assolam a humanidade. Seria uma nova era de liber-dade e realização. Vamos logo com isso, temos um mundo aganhar!

Princípios Gerais do Anarco-Comunismo

Uma vez que o Anarco-Comunismo ainda é a formamais importante e amplamente aceita do Anarquismo, maisprecisa ser dito sobre esta doutrina revolucionária dinâmica.

O Anarco-Comunismo é baseado em uma concepçãode sociedade que une harmoniosamente o interesse próprioe bem-estar social. Embora Anarco-Comunistas concordemcom Marx e muitos Marxistas-Leninistas que o Capitalismodeve ser abolido por conta de sua natureza em crise (aquinós rejeitamos o falso termo “anarquia da produção”) e suaexploração da classe trabalhadora, eles não acreditam queo Capitalismo é uma pré-condição progressiva indispensávelpara a transição para uma economia socialmente benéfica.Tampouco acreditam no que o planejamento econômicocentralizado do Estado Socialista pode oferecer para a gran-de diversidade de necessidades ou desejos. Eles rejeitam aprópria ideia da necessidade de um Estado ou que este vai

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simplesmente “definhar” por conta própria; ou um partidopara “dar ordens” aos trabalhadores ou “orquestrar” a revo-lução. Em suma, embora aceitando os princípios de suacrítica econômica do Capitalismo, eles não adoram KarlMarx como um líder infalível cujas ideias nunca podem sercriticadas ou revistas, como os Marxistas-Leninistas fazem;e o Anarco-Comunismo não é baseado na teoria Marxista.

Esses Anarquistas acreditam que “o pessoal é políticoe o político é pessoal”, o que significa que não se pode divor-ciar a vida política da vida pessoal. Nós não reproduzimospapéis políticos burocráticos e, em seguida, temos uma vidainteiramente distinta como outro ser social. Anarco-Comu-nistas reconhecem que as pessoas são capazes de determinarsuas próprias necessidades e de tomar as medidas necessá-rias para atender a essas necessidades, desde que tenhamlivre acesso aos recursos sociais. É sempre uma decisão polí-tica se esses recursos devem ser fornecidos gratuitamente atodos, por isso os Anarco-Comunistas acreditam no credo“De cada um segundo as suas capacidades, a cada um se-gundo as suas necessidades”. Isto assegura que todos serãoalimentados, vestidos e alojados como uma prática socialnormal, não tão humilhante quanto assistência social ouque certas classes serão melhor providas do que outras.

Quando não foi deformada por instituições sociais epráticas corruptas, a interdependência e a solidariedade dosseres humanos resultam em indivíduos que são responsáveistanto para consigo quanto para com a sociedade, o que fazcom que o seu bem-estar e desenvolvimento cultural sejampossíveis. Por isso, procuram substituir o Estado e o Capita-lismo com uma rede de alianças voluntárias abrangendo avida social: produção, consumo, saúde, cultura, lazer eoutras áreas. Desta forma, todos os grupos e associaçõescolhem os benefícios da unidade, enquanto expandem a

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gama de sua liberdade. Anarquistas acreditam em livreassociação e grupos federados de coletivos, conselhos detrabalhadores, cooperativas de alimentação e habitação,coletivos políticos, e outros de todos os tipos.

Como uma questão prática, Anarco-Comunistas acre-ditam que devemos começar a construir a nova sociedadeagora, assim como a lutar para esmagar o velho Capitalismo.Eles querem criar organizações de ajuda mútua não-autori-tárias (para alimentação, vestuário, habitação, financia-mento de projetos comunitários e outros), assembléias debairros e cooperativas não associadas ao governo ou a cor-porações empresariais, e que não funcionem pelo lucro, maspara a necessidade social. Tais organizações, se construídasagora, irão proporcionar aos seus membros uma experiênciaprática em autogestão e autossuficiência, e diminuirão adependência das pessoas nas agências de bem-estar e em-pregadores. Em suma, podemos começar agora a construir ainfraestrutura para a sociedade comunal para que as pessoaspossam ver pelo que estão lutando, não apenas as ideias nacabeça de alguém. Esse é o verdadeiro caminho para aliberdade.

Capitalismo, o Estado e Propriedade Privada

A existência do Estado e do Capitalismo é racionali-zada por seus defensores como sendo um “mal necessário”,devido à alegada incapacidade da maior parte da populaçãoem administrar seus próprios negócios e os da sociedade,assim como sendo a sua proteção contra o crime e a vio-lência. Anarquistas percebem que, muito pelo contrário, asprincipais barreiras para uma sociedade livre são o Estado ea instituição da propriedade privada. É o Estado que pro-voca a guerra, a repressão policial, e outras formas de vio-

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lência, e é a propriedade privada – a falta de igualdade nadistribuição da grande riqueza social – que causa a crimi-nalidade e a privação.

Mas o que é o Estado? O Estado é uma abstração polí-tica, uma instituição hierárquica pela qual uma elite pri-vilegiada se esforça para dominar a grande maioria daspessoas. Mecanismos do Estado incluem um conjunto deinstituições que contêm assembléias legislativas, a buro-cracia do serviço público, as forças militares e policiais, oJudiciário e as prisões, e os aparelhos de Estado subnacio-nais. O governo é o veículo administrativo para executar oEstado. O objetivo deste conjunto específico de instituiçõesque constituem as expressões de autoridade nas sociedadesCapitalistas (e os chamados “estados Socialistas”) é a ma-nutenção e ampliação de dominação sobre as pessoas co-muns por uma classe privilegiada, os ricos nas sociedadesCapitalistas, o chamado Partido Comunista no Estado So-cialista ou sociedades Comunistas, como a antiga União dasRepúblicas Socialistas Soviéticas.

No entanto, o próprio Estado é sempre uma estruturade posição elitista entre os governantes e os governados, osque dão as ordens e os que recebem as ordens, e econo-micamente possuidores e os que não são. A elite do Estadonão é composta apenas pelos ricos e super-ricos, mas tambémpelas pessoas que assumem posições de autoridade do Es-tado: os políticos e funcionários jurídicos. Assim, a própriaburocracia do Estado, em termos de sua relação com a pro-priedade ideológica, pode tornar-se uma classe de eliteautojustificada. Esta classe de elite administrativa do Es-tado é desenvolvida não somente através da distribuição deprivilégios da elite econômica, mas também pela separaçãoentre vida privada e pública – a unidade familiar e a socie-dade civil, respectivamente – e pela oposição entre uma

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família individual e a sociedade em geral. É puro oportu-nismo, provocado pela concorrência Capitalista e aliena-ção. É um terreno fértil para os agentes do Estado.

A existência do Estado e das classes dominantes, combase na exploração e opressão da classe trabalhadora sãoinseparáveis. Dominação e exploração caminham lado alado e, de fato, esta opressão não é possível sem força eautoridade violenta. É por isso que os Anarco-Comunistasargumentam que qualquer tentativa de usar o poder doEstado como um meio de estabelecer uma sociedade igua-litária, livre, só pode ser autodestrutiva, porque os hábitosde comando e exploração tornam-se fins em si mesmos. Issofoi comprovado com os bolcheviques na Revolução Russa(1917-1921). O fato é que os funcionários do Estado “Comu-nista” acumulam poder político tanto quanto a classe Ca-pitalista acumula riqueza econômica. Aqueles que gover-nam formam um grupo distinto, cujo único interesse é amanutenção do controle político por todos os meios à suadisposição. Mas a instituição da propriedade Capitalista,além disso, permite a uma minoria da população controlar eregular o acesso e uso de toda a riqueza socialmente pro-duzida e dos recursos naturais. Você tem que pagar pelaterra, a água e o ar fresco para alguma empresa de serviçospúblicos gigante ou empresas imobiliárias.

Este grupo de controle pode ser uma classe econômicadistinta ou o próprio Estado, mas nos dois casos a instituiçãoda propriedade leva a um conjunto de relações sociais eeconômicas, o Capitalismo, em que um pequeno setor dasociedade colhe enormes benefícios e privilégios às custasdo trabalho de uma minoria. A economia Capitalista ébaseada não na satisfação das necessidades de todos, masem acumular lucros para poucos. Tanto o Capitalismo comoo Estado devem ser atacados e derrubados, não um ou

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outro, ou um depois do outro, porque a queda de um delesnão irá garantir a queda de ambos. Abaixo o Capitalismo eo Estado!

Sem dúvida, alguns trabalhadores vão confundir o queeu estou falando como uma ameaça à sua propriedade pes-soal acumulada. Não: Anarquistas reconhecem a distinçãoentre bens pessoais e a grande propriedade Capitalista. Apropriedade Capitalista é aquela que tem como caracte-rística básica e finalidade o comando da força de trabalhode outras pessoas devido ao seu valor de troca. A instituiçãoda propriedade condiciona o desenvolvimento de um con-junto de relações sociais e econômicas, que estabeleceramo Capitalismo, e esta situação permite que uma pequenaminoria dentro da sociedade colha enormes benefícios eprivilégios às custas da maioria trabalhadora. Este é o ce-nário clássico de exploração do trabalho pelo Capital.

Onde há uma grande divisão social do trabalho e com-plexa organização industrial, o dinheiro é necessário pararealizar transações. Não é simplesmente que esse dinheiroseja moeda corrente, e usado no lugar de troca direta demercadorias. Não é a isso que estamos limitados aqui: Capi-tal é o dinheiro, mas o dinheiro como um processo, que sereproduz e aumenta o seu valor. O Capital surge apenasquando o proprietário dos meios de produção encontratrabalhadores no mercado como vendedores de sua própriaforça de trabalho. O Capitalismo desenvolveu-se como aforma de propriedade privada que mudou do estilo ruralagrícola para o estilo urbano da mão de obra fabril. O Capi-talismo centraliza os instrumentos de produção e coloca in-divíduos ao lado de outros, disciplinando sua força de tra-balho. Capitalismo é a produção industrializada de merca-dorias, do que é bom para lucrar, mas não para as necessi-dades sociais. Esta é uma distinção especial do capital.

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Podemos compreender o Capitalismo e a base de nossasobservações, como o Capital dotado de vontade e consciên-cia. Isto é, como as pessoas que adquirem Capital, e fun-cionam como uma elite, classe endinheirada com podernacional e político suficiente para governar a sociedade.Além disso, aquele Capital acumulado é dinheiro, e com odinheiro eles controlam os meios de produção que são defi-nidos como as fábricas, minas, fábricas, terra, água, energiae outros recursos naturais, e os ricos sabem que esta é a suapropriedade. Eles não precisam de pretensões ideológicas, enão possuem ilusões sobre “propriedade pública”.

Uma economia, como a que esboçamos brevemente,não se baseia na satisfação das necessidades de todos nasociedade, mas em vez disso é baseada na acumulação delucros para poucos, que vivem no luxo palaciano como umaclasse de lazer, enquanto os trabalhadores vivem ou na po-breza ou com rendas irrisórias. Veja, portanto, que acabarcom o governo também significa a abolição do monopólio eda propriedade pessoal dos meios de produção e distribuição.

Anarquismo, Violência e Autoridade

Uma das maiores mentiras sobre Anarquistas é que elessão irracionais lançadores de bombas, degoladores e assas-sinos. As pessoas espalham essas mentiras por suas própriasrazões: os governos, porque eles têm medo de ser derrubadospor uma Revolução Social; Marxistas-Leninistas, porque éuma ideologia concorrente com um conceito totalmentediferente de organização social e de luta revolucionária; ea Igreja, porque o Anarquismo não acredita em divindadese seu racionalismo pode influenciar os trabalhadores paralonge da superstição. É verdade que essas mentiras e pro-paganda são capazes de influenciar muitas pessoas, princi-

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palmente porque eles nunca ouvem o outro lado. Os Anar-quistas recebem má publicidade e são bode expiatório detodos os políticos, de direita ou de esquerda.

Porque uma Revolução Social é uma revolução Anar-quista, que não somente elimina uma classe exploradora poroutra, mas todos os exploradores e seu instrumento de ex-ploração, o Estado. Porque é uma revolução para o poderpopular, em vez de poder político; porque abole tanto odinheiro quanto a escravidão assalariada; porque Anar-quistas visam a democracia total e a liberdade, em vez depolíticos para representarem as massas no Parlamento, noCongresso, ou o Partido Comunista; porque Anarquistas sãoa favor da autogestão dos trabalhadores da indústria, em vezda regulamentação governamental; porque Anarquistas afavor da ampla diversidade sexual, racial, cultural e in-telectual, em vez de chauvinismo sexual, repressão cultural,a censura e a opressão racial; tiveram de dizer mentiras deque os Anarquistas são assassinos, estupradores, ladrões,terroristas loucos, elementos desagradáveis, os piores dospiores.

Mas, vamos olhar para o mundo real e ver quem estácausando toda essa violência e repressão aos direitos huma-nos. O assassinato em grande escala por exércitos perma-nentes nas Guerras Mundiais I e II, a pilhagem e estupro deantigos países coloniais, invasões militares ou as chamadas“operações policiais” na Coréia e no Vietnã - tudo isso foifeito pelos governos. É o governo e o Estado/classe domi-nante, que é a fonte de toda a violência. Isso inclui todos osgovernos. O chamado mundo “Comunista” não é comunistae o mundo “Livre” não é livre. Oriente e Ocidente, o Capi-talismo, privado ou de Estado, continua a ser um tipo desu-mano de sociedade onde a grande maioria é perseguida notrabalho, em casa, e na comunidade. Propaganda (notícias

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e literatura), policiais e militares, prisões e escolas, os valo-res tradicionais e moralidade, todos servem para reforçar opoder de poucos e convencer ou corrigir os muitos à acei-tação passiva de um brutal e degradante sistema irracional.Isto é o que os Anarquistas querem dizer com autoridadesendo opressão, e é justamente esse regime autoritário queestá trabalhando nos Estados Unidos da América, bem comonos governos “Comunistas” da China ou Cuba.

“O que é essa coisa que chamamos de governo? É qual-quer coisa além de violência organizada? A Lei lhe ordenaa obedecer, e se você não obedecer, vai obrigá-lo à força –todos os governos, todas as leis e autoridades vão finalmentese apoiar em força e violência, em punição ou medo dapunição”. (Alexander Berkman, em ABC do Anarquismo).

Existem revolucionários, incluindo muitos Anarquis-tas, que defendem a derrubada armada do Estado Capi-talista. Eles não defendem ou praticam assassinatos emmassa, como os governos do mundo moderno, com seusarsenais de bombas nucleares, gás venenoso e armas quí-micas, forças aéreas, marinhas e exércitos enormes e quesão hostis uns com os outros. Não foram os Anarquistas queprovocaram duas guerras mundiais, em que mais de 100milhões de pessoas foram chacinadas; nem foram os Anar-quistas que invadiram e massacraram os povos da Coreia doSul, Panamá, Somália, Iraque, Indonésia e outros países quesofreram um ataque militar imperialista. Não foram os Anar-quistas que enviaram exércitos de espiões em todo o mundopara assassinar, corromper, subverter, derrubar e se intro-meter em assuntos internos de outros países, como a CIA,KGB, MI6 e outras agências de espionagem nacional, nemque os usaram como polícia secreta para defender os go-vernos nacionais em vários países, não importa quão re-pressivo e impopular o regime. Além disso, se o seu governo

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faz de você um policial ou soldado, você mata e reprime aspessoas em nome da “liberdade” ou “lei e ordem”.

“Você não questiona o direito do governo de matar,confiscar e aprisionar. Se uma pessoa particular fosse con-siderada culpada das coisas que o governo está fazendo todoo tempo, você iria marcá-la como uma assassina, ladra epatife. Mas, enquanto a violência cometida seja ‘legal’ vocêaprova e se submete a ela. Portanto, não é à violência realque você se opõe, mas às pessoas que utilizam a violênciade forma ilegal”. (Alexander Berkman, em ABC do Anar-quismo).

Se falarmos honestamente, devemos admitir que todomundo acredita na violência e a pratica, no entanto, essasmesmas pessoas podem vir a condená-la quando praticadapor outros. Ou elas fazem elas mesmas ou elas têm a políciaou o exército para fazer isso em seu nome, como agentes doEstado. Na verdade, todas as instituições governamentaisque interferem em toda a vida da sociedade atual são b-aseadas em violência. Na verdade, a América é o país maisviolento da Terra, ou como um camarada da SNCC, H. RapBrown, foi citado como tendo dito: “a violência é tão ame-ricana quanto a torta de maçã (!)”. Os Estados Unidosentram por todo o mundo cometendo violência, assassinamchefes de Estado, derrubam governos, massacram centenasde milhares de civis e transformam em prisões as naçõescativas, como estão fazendo no Iraque e na Somália hoje emdia. Espera-se que nos submetamos passivamente a estescrimes de conquista, que é a marca de um bom cidadão.

Então, os Anarquistas não têm o monopólio da vio-lência, e quando ela era usada nos ataques chamados “pro-paganda pelo fato57”, isso ocorreu contra os tiranos e dita-

57 “Blacklisted”, no original (n.t.)

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dores e não contra as pessoas comuns. Estas represálias indi-viduais – bombardeios, assassinatos, sabotagens – têm sidoos esforços para fazer quem está no poder pessoalmenteresponsável por seus atos injustos e sua autoridade repres-siva. Mas, na verdade, os Anarquistas, Socialistas, Comu-nistas e outros revolucionários, assim como patriotas e na-cionalistas, e até mesmo reacionários e racistas como a KuKlux Klan ou os Nazistas, todos já usaram violência parauma variedade de razões. Quem não teria se alegrado se umditador como Hitler tivesse sido morto por assassinos, e,assim, poupado o mundo do genocídio racial e da SegundaGuerra Mundial? Além disso, todas as revoluções são vio-lentas porque a classe opressora não vai abandonar o podere privilégios sem uma luta sangrenta. Então não temosescolha de qualquer maneira.

Basicamente, todos nós escolheríamos ser pacifistas. Ecomo o Dr. Martin Luther King Jr. aconselhou, iríamospreferir resolver nossas diferenças com compreensão, amore raciocínio moral. Vamos tentar estas soluções em primeirolugar, sempre que possível. Na loucura que reina, no en-tanto, o nosso movimento reconhece a utilidade da prepa-ração. O mundo é perigoso demais para ignorarmos ma-neiras de nos defender, e considerando isso é que podemoscontinuar nosso trabalho revolucionário. Familiarizar-secom uma arma e seus usos não significa que você deve ime-diatamente sair e usar essa arma, mas que, se você precisarusá-la, você poderá usá-la bem. Somos forçados a reconhe-cer que os movimentos progressistas e radicais americanostêm sido muito pacifistas para ser verdadeiramente eficazes.Também percebemos que grupos abertos que propuserammudança cooperativa e eram basicamente não-violentos,como o IWW, foram esmagados violentamente pelo governoe, finalmente, temos o lamentável exemplo do próprio Dr.

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King Jr., que foi assassinado em 1968 por uma conspiraçãode agentes do Estado, provavelmente o FBI.

Entenda que, quanto mais tivermos sucesso em nossotrabalho, mais perigosa a nossa situação se torna, pois se-remos reconhecidos como uma ameaça ao Estado. E – nãose engane – a insurreição está chegando. Uma IntifadaAmericana que vai desestabilizar o Estado. Portanto, esta-mos falando de uma espontânea, prolongada, ascensão dagrande maioria das pessoas, e da necessidade de defendernossa Revolução Social. Apesar de reconhecer a importân-cia da violência paramilitar na defensiva, e até mesmo ata-ques de guerrilha urbana, não dependemos da guerra paraalcançar a nossa libertação, porque a nossa luta não podeser vencida pela força das armas, por si só. Não, as pessoasdevem estar “armadas” previamente de entendimento e deconcordância com os nossos objetivos, bem como de con-fiança e de amor pela revolução, e as nossas armas militaressão apenas uma expressão de nosso espírito orgânico e soli-dariedade. Amor perfeito para o povo, ódio perfeito para oinimigo. Como o revolucionário cubano, Che Guevara,disse: “Quando um cai, outro deve tomar (seu) lugar, e araiva de cada morte renova a razão para a luta”.

Os governos do mundo alocam grande parte da suaviolência na repressão a qualquer tentativa de derrubar oEstado. Crimes de repressão contra as pessoas têm geral-mente beneficiado quem está no poder, especialmente se ogoverno é poderoso. Veja o que aconteceu nos Estados Uni-dos quando a Revolução Negra da década de 1960 foi repri-mida. Muitos que protestaram contra injustiça foram presos,assassinados, feridos ou colocados na lista de perseguidos58

58 Programa secreto criado por J. Edgar Hoover, que se constituiu poruma série de operações ilegais e clandestinas conduzidas pelo que foi

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– que foi instalada por agências de polícia secreta do Esta-do. O resultado disso foi a derrocada do movimento por dé-cadas. Portanto, não podemos depender apenas das mobili-zações de massas, ou apenas nos envolvermos em ofensivasclandestinas, se quisermos derrotar o Estado e sua repressão:algum meio termo entre os dois deve ser encontrado. Para ofuturo, o nosso trabalho vai incluir o desenvolvimento detécnicas coletivas de autodefesa, bem como o trabalho clan-destino enquanto nós trabalhamos em direção à revoluçãosocial.

Anarquistas e Organização Revolucionária

Outra mentira sobre o Anarquismo é que seus adeptossão niilistas e não acreditam em qualquer estrutura organi-zacional. Os Anarquistas não são contra a organização. Naverdade, o Anarquismo é essencialmente preocupado coma análise da maneira como a sociedade está organizadaatualmente, ou seja, o governo.

Anarquismo é todo voltado à organização, mas se tratade formas de organização alternativas ao que existe agora.A oposição do Anarquismo à autoridade leva à visão de quea organização deve ser não-hierárquica e que a adesão seriavoluntária. A Revolução Anarquista é um processo de cons-trução e reconstrução da organização. Isso não significa a

implantado e executado entre os anos de 1956 até após 1971. Entreseus objetivos estavam os de desestabilizar grupos de protestos, deesquerda, ativistas e dissidentes políticos dentro dos Estados Unidos.Dentre as atividades ilegais realizadas pelo FBI estavam interceptaçãode correspondência e comunicações, incêndios provocados, escutastelefônicas ilegais e assassinatos. COINTELPRO constituiu-se comouma forma de terrorismo de Estado conduzido em nome da “Segu-rança Nacional”. (n.e.)

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mesma coisa que o conceito Marxista-Leninista de “cons-trução do partido”, que se trata apenas de reforçar o papeldos líderes partidários e expulsar aqueles membros que têmuma posição independente. Esses expurgos são métodos dedominação que os Marxistas-Leninistas usam para acabarcom a democracia em seus movimentos, mas eles jocosa-mente chamam isso de “centralismo democrático”.

O significado de organização no Anarquismo é orga-nizar as necessidades das pessoas em organizações sociaisnão-autoritárias para que eles possam cuidar de seus pró-prios negócios em pé de igualdade. Significa, também, aunião de pessoas de mesma opinião com a finalidade decoordenar o trabalho que seus grupos e indivíduos sintamnecessários para a sua sobrevivência, bem-estar e sustento.Então, como o Anarquismo envolve pessoas que se reúnemem função das necessidades e interesses mútuos, coopera-ção é um elemento chave. O principal objetivo é que osindivíduos devem falar por si, e que todos no grupo devemser igualmente responsáveis pelas decisões do grupo; nadade líderes ou chefes aqui!

Muitos Anarquistas sequer preveem necessidades or-ganizacionais de grande escala em termos de pequenos gru-pos locais organizados nos espaços de trabalho, coletivos,bairros e outras áreas, que iriam enviar delegados aos comi-tês maiores que tomariam as decisões sobre questões deinteresse mais amplo. O trabalho do delegado não seria atempo integral; seria rotativo. Apesar de que suas despesasdo próprio bolso seriam pagas, o delegado não seria remu-nerado, revogável e só expressaria as decisões do grupo. Asvárias escolas do Anarquismo diferem na ênfase relativa àorganização. Por exemplo, os Anarco-Sindicalistas salien-tam o sindicato revolucionário e outras formações no localde trabalho como a unidade básica da organização, en-

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quanto os Anarco-Comunistas reconhecem a comuna comoa mais alta forma de organização social. Outros podem reco-nhecer outras formações como as mais importantes, mastodos reconhecem e apoiam organizações populares inde-pendentes e livres como o caminho a seguir.

O núcleo da organização Anarco-Comunista é o Gru-po de Afinidade. O grupo de afinidade é um círculo revolu-cionário ou “célula” de amigos e camaradas que estão emsintonia uns com os outros, tanto na ideologia e quantocomo indivíduos. O grupo de afinidade existe para coorde-nar as necessidades do grupo, conforme expresso pelos indi-víduos e pela célula como um organismo. O grupo torna-seuma grande família; o bem-estar de todos torna-se responsa-bilidade de todos.

“Autônomo, comunal e diretamente democrático, ogrupo combina a teoria revolucionária com estilo de vidarevolucionário em seu comportamento cotidiano. Ele criaum espaço livre em que os revolucionários podem refazer-seindividualmente e também como seres sociais”. (MurrayBookchin, em Anarquismo Pós-Escassez)

Também podemos nos referir a essas formações de afi-nidade como “grupos para a revolução viva” porque vivem arevolução agora, mesmo que apenas em forma de semente.Como os grupos são pequenos – de três a quinze – eles po-dem começar a partir de uma base forte de solidariedade enão somente como mais uma estratégia política. Os gruposseriam o principal meio de atividade política de cada mem-bro. Há quatro áreas de intervenção onde grupos de afini-dade funcionam:

1. Ajuda Mútua: isto significa apoio e solidariedadeentre os membros, bem como o trabalho coletivo e respon-sabilidade.

2. Educação: além de educar a sociedade em geral

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para os ideais Anarquistas, o que inclui estudo realizado pormembros para o avanço da ideologia dos grupos, bem comopara aumentar o seu conhecimento político, econômico,científico e técnico.

3. Ação: isto significa organização de fato e trabalhopolítico do grupo fora do coletivo, onde se espera que todosos membros contribuam.

4. Unidade: o grupo é uma forma de família, encontrode amigos e companheiros, as pessoas que se importam como bem-estar do outro, que amam e apoiam uns aos outros,que se esforçam para viver no espírito de cooperação eliberdade; ausência de desconfiança, ciúme, ódio, competi-ção e outras formas de ideias sociais e comportamentos ne-gativos. Em suma, os grupos de afinidade permitem a umcoletivo viver um estilo de vida revolucionário.

Uma grande vantagem dos grupos de afinidade é queeles são altamente resistentes à infiltração policial. Porqueos membros do grupo são tão íntimos, os grupos são muitodifíceis de infiltrarem agentes, e mesmo se um grupo forpenetrado, não há um “escritório central” que daria a umagente informações sobre o movimento como um todo.Cada célula tem sua própria política, agenda e objetivos. Porisso, eles teriam de se infiltrar em centenas, talvez milhares,de grupos semelhantes. Além disso, uma vez que os mem-bros todos se conhecem, eles não poderiam conduzir a rom-pimentos, sem o risco de exposição imediata, que enfraque-ceriam uma operação como a COINTELPRO59 usada peloFBI contra os movimentos Negros e progressistas na décadade 1960. Além disso, porque não há líderes no movimento,não há ninguém para atacar e destruir o grupo.

59 Black Panthers Party (BPP), no original, Partido dos Panteras Ne-gras. (n.t.)

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Porque eles podem crescer como células biológicascrescem, por divisão, eles podem se proliferar rapidamente.Poderia haver centenas de pessoas em uma grande cidadeou região. Eles se preparam para o surgimento de um mo-vimento de massas; eles vão organizar um grande númerode pessoas, a fim de coordenar atividades conforme o surgi-mento das necessidades delas e das condições sociais esta-belecidas. Os grupos de afinidade funcionam como um ca-talisador no seio do movimento de massas, empurrando-opara níveis mais elevados de resistência às autoridades. Maseles estão prontos para o trabalho clandestino em caso derepressão política aberta ou insurreição de massas.

Isso nos leva ao próximo nível de organizações Anar-quistas, da federação de área e regional. Federações são asredes de grupos de afinidade que se reúnem a partir denecessidades comuns, que incluem educação, ajuda mútua,ação e qualquer outro trabalho considerado necessário paraa transformação da sociedade atual do estado autoritáriopara o Anarco-Comunismo. O que segue é um exemplo decomo federações Anarco-Comunistas poderiam ser estrutu-radas. Em primeiro lugar está a organização da área, o quepoderia cobrir uma grande cidade ou município. Todos osgrupos de afinidade afins na área iriam associar-se numafederação local. Acordos sobre a ideologia, a ajuda mútua,e medidas a serem tomadas seriam realizados em reuniõesem que todos possam vir e ter voz igual.

Quando a organização local atingir um tamanho emque é considerada grande demais, a federação da áreainiciaria um Conselho de Coordenação de Consenso. Oobjetivo do Conselho é coordenar as necessidades e açõesdefinidas por todos os grupos, incluindo a possibilidade dese dividir e criar uma outra federação. Grupos de afinidadede cada região serão convidados a enviar representantes

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para o conselho com todos os pontos de vista do seu grupoe, como delegados, poderão votar e participar fazendo po-lítica em nome do grupo no município.

Nossa próxima federação seria em uma base regional,digamos, toda a região Sul ou Centro-Oeste. Essa organi-zação cuidaria de toda a região, com os mesmos princípiosde consenso e de representação. Em seguida viria uma fe-deração nacional para cobrir os EUA, e a federação conti-nental, essa última cobrindo o continente da América doNorte. Por último seriam as organizações globais, que seriama criação de redes de todas as federações em todo o mundo.Quanto a este último, porque os Anarquistas não reconhe-cem fronteiras nacionais e desejam substituir o Estado-nação, eles, assim, federariam com todas as outras pessoasafins onde quer que elas estejam vivendo no planeta Terra.

Mas, para o Anarquismo realmente funcionar, as ne-cessidades das pessoas devem ser cumpridas. Assim, a pri-meira prioridade dos Anarquistas é o bem-estar de todos;portanto, devemos organizar os meios para satisfazer plena eigualmente as necessidades do povo. Em primeiro lugar, osmeios de produção, transporte e distribuição devem ser or-ganizados em organizações revolucionárias que os trabalha-dores e a comunidade administram e controlam eles mes-mos. A segunda prioridade dos Anarquistas é lidar com asorganizações de necessidades comunitárias, além de orga-nizar a indústria. Quaisquer que sejam as necessidades dacomunidade, elas precisam ser tratadas. Isto significa orga-nização. Inclui grupos cooperativos para satisfazer essas ne-cessidades como saúde, energia, emprego, creches, habita-ção, escolas alternativas, alimentação, entretenimento eoutras áreas sociais. Estes grupos comunitários formariamuma comunidade cooperativa, que seria uma rede de orga-nizações de necessidades comunitárias e serviria como uma

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infraestrutura sociopolítica Anarquista. Esses grupos devemtrabalhar em rede com os de outras áreas para a educaçãoem ajuda mútua e ação, e tornar-se uma federação em umaescala regional.

Em terceiro lugar, os Anarquistas teriam de lidar coma doença social. Não somente nos organizamos para as ne-cessidades físicas do povo, mas também devemos trabalhare propagandear para curar os males germinados pelo Estado,que distorceu a personalidade humana sob o Capitalismo.Por exemplo, a opressão das mulheres deve ser abordada.Ninguém pode ser livre se 51 % da sociedade é oprimida,dominada e abusada. Não só devemos formar uma organi-zação para lidar com os efeitos nocivos do sexismo, mas tra-balhar para garantir que o patriarcado seja eliminado aoeducar a sociedade sobre seus efeitos nocivos. O mesmodeve ser feito com o racismo, mas, além da reeducação dasociedade, nós trabalhamos para aliviar a opressão social eeconômica dos Negros e outros povos não brancos, e capa-citá-los para a autodeterminação afim de que levem umavida livre. Anarquistas precisam formar grupos para expor ecombater o preconceito racial e a exploração Capitalista, eestender total apoio e solidariedade ao movimento de liber-tação Negra.

Por fim, o Anarquismo teria de lidar com uma série deáreas numerosas demais para mencionar aqui – ciência, tec-nologia, ecologia, desarmamento, direitos humanos e assimpor diante. Devemos aproveitar as ciências sociais e fazercom que elas sirvam ao povo, enquanto convivemos com anatureza. Autoritários tolamente acreditam que é possível“conquistar” a natureza, mas isto está fora de questão. So-mos apenas uma de uma série de espécies que habitam esteplaneta, mesmo que sejamos a mais inteligente. Mas outrasespécies não criaram armas nucleares, não começaram

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guerras onde milhões de pessoas foram mortas, ou se envol-veram em discriminação contra as raças de suas sub-espé-cies, tudo isso a humanidade tem feito. Então, quem podedizer qual deles é o mais “inteligente”?

Por Que Eu Sou Um Anarquista?

O movimento Anarquista na América do Norte é pre-dominantemente branco, classe média, e em sua maiorparte, pacifista. Então surge a pergunta: por que eu souparte do movimento Anarquista, já que não sou nenhumadessas coisas? Bem, embora o movimento possa não ser agorao que eu acho que deveria ser na América do Norte, euvisualizo um movimento de massas que terá centenas demilhares, talvez milhões de Negros, Hispânicos e outros tra-balhadores não brancos nele. Não será um movimento Anar-quista em que os trabalhadores Negros e outros oprimidossó vão “aderir” – será um movimento independente quetem sua própria visão social, seu imperativo cultural, e agen-da política. Será Anarquista em sua essência, mas tambémirá estender o Anarquismo a um nível em que nenhumgrupo social ou cultural Europeu anterior jamais o levou.Estou certo de que muitos destes trabalhadores vão acre-ditar, como eu, que o Anarquismo é a forma mais democrá-tica, eficaz e radical para obter a nossa liberdade, mas quedevemos ser livres para projetar nossos próprios movimentos,seja ele compreendido ou “aprovado” pelos Anarquistasnorte-americanos ou não. Devemos lutar pela nossa liber-dade, ninguém mais pode nos libertar, mas eles podem nosajudar.

Eu escrevi o panfleto para:1. Inspirar uma federação nacional antirracista e anti-

brutalidade policial, que seria iniciado por Anarquistas ou

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pelo menos teria fortemente a participação de Anarquistas;2. Criar uma coalizão entre Anarquistas e organizações

Negras revolucionárias, como o novo movimento dos Pan-teras Negras da década de 1990; e

3. Desencadear uma nova efervescência revolucioná-ria em organizações Afro-Americanas e outras comunidadesoprimidas, em que o Anarquismo é uma curiosidade, setanto.

Eu pensei que se um revolucionário libertário sério,respeitado, colocasse essas ideias adiante, elas seriam maispropensas a ser consideradas do que apenas por um Anar-quista branco, não importando quão bem motivado. Euacredito que eu estou correto sobre isso. Então é por isso queeu sou um Anarquista.

Na década de 1960, eu fazia parte de uma série demovimentos revolucionários Negros, incluindo o Partido dosPanteras Negras, que eu sinto que falhou parcialmente porcausa do estilo de liderança autoritária de Huey P. Newton,Bobby Seale e outros no Comitê Central. Esta não é umarecriminação contra aqueles indivíduos, mas muitos errosforam cometidos porque a liderança nacional foi tambémdivorciada das filiais em cidades de todo o país, e, portanto,se envolveram em “dirigismo” ou trabalho forçado ditadopelos líderes. Mas muitas contradições também foram esta-belecidas por causa da estrutura da organização como umgrupo Marxista-Leninista. Não havia muita democraciainterna do partido, e quando as contradições vieram, foramos líderes que decidiram sobre a sua resolução, e não osmembros. Expurgos se tornaram comuns, e muitas pessoasboas foram expulsas do grupo, simplesmente porque elesdiscordavam da liderança.

Por causa da importância exarcebada da liderançacentral, a organização nacional foi, em última análise, inte-

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gralmente liquidada, embalada e enviada de volta paraOakland, Califórnia. É claro que muitos erros foram come-tidos porque o BPP60 era uma jovem organização e estavasob intenso ataque por parte do Estado. Eu não quero dar aentender que os erros internos foram as principais contradi-ções que destruíram o BPP. Os ataques da polícia contra elefizeram isso, mas, se fosse melhor e mais democraticamenteorganizado, ele poderia ter suportado a tempestade. Por-tanto, esta não é uma crítica ou ataque traidor sem sentido.Eu amei o partido. E, de qualquer maneira, nem eu ou qual-quer outra pessoa que critique o partido em retrospectiva,nunca vai tirar o enorme papel que o BPP desempenhou nomovimento de Libertação Negra da década de 1960. Mastemos de olhar para uma imagem completa das nossas orga-nizações daquele período, para que não repitamos os mes-mos erros.

Acho que o meu breve período nos Panteras foi muitoimportante porque me ensinou sobre os limites da – e atémesmo a falência da – liderança em um movimento revo-lucionário. Não era uma questão de um defeito de perso-nalidade de determinado líder, mas sim a percepção de quemuitas vezes líderes têm uma agenda, seguidores têmoutra.

Eu também aprendi essa lição durante a minha asso-ciação com o Partido Socialista Popular Africano durante adécada de 1980, quando eu tinha saído da prisão. Eu haviaconhecido Omali Yeshitela enquanto estava confinado naPenitenciária Federal de Leavenworth (Kansas), quandoele foi convidado para nossas festividades anuais da Soli-dariedade Negra da Baía, em 1979. Esta associação conti-nuou quando eles formaram a organização dos prisioneiros

60 Ou Conferência Sulista de Liderança Cristã (SCLC). (n.t.)

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Negros, a Organização Prisional Nacional Africana, poucodepois. A ANPO foi definitivamente uma boa organizaçãode apoio, e, juntamente com os Comitês de Notícias e Car-tas, a filial de Kentucky da Aliança Nacional Contra oRacismo e Repressão Política, e a Federação AnarquistaSocial Revolucionária (já extinta), eles escreveram cartase fizeram telefonemas para me hospitalizar depois de eu tersido infectado com tuberculose, o que salvou minha vida.Mas o grupo se dissolveu quando a coalizão proposta entreorganizações fundadoras desabou devido ao sectarismo.

Depois que eu saí da prisão, eu perdi o contato comeles à medida que haviam mudado de Louisville para aCosta Oeste. E assim foi até 1987, quando mais uma vez euos contatei, quando estávamos tendo uma manifestação emmassa contra a brutalidade policial na minha cidade natal.Eles foram convidados e chegaram à passeata, junto com aANPO e várias forças de esquerda, e por dois anos, indo evoltando, eu tive uma associação com eles. Mas eu sentiaque a APSP (African People’s Socialist Party) politicamentesempre foi uma organização autoritária, e mesmo que eununca tenha sido um membro, eu ficava cada vez mais des-confortável com as suas políticas organizacionais. No verãode 1988, fui a Oakland, Califórnia, para participar de uma“escola de organizadores”, mas eu também queria me con-vencer sobre o funcionamento interno do grupo. Duranteseis semanas, eu trabalhei com eles fora de suas sedes nacio-nais na comunidade local. Eu era capaz de determinar pormim mesmo sobre assuntos internos e também interrompera política do próprio grupo. Eu descobri toda uma históriade expurgos, brigas entre facções, e um jeito de “chefão”ditatorial do Partido. Enquanto estava em Oakland, fuiconvidado para participar de uma reunião na Filadélfianaquele Outono para restabelecer ANPO.

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Eu participei da reunião na Filadélfia, mas fiquei muitopreocupado quando eu fui automaticamente colocadocomo parte de uma “chapa eleitoral” para ser dirigente dogrupo da ANPO, sem qualquer discussão democrática efe-tiva entre a composição prevista, ou permitindo que outrosse apresentassem como candidatos potenciais. Fui de fatoapontado o oficial de maior patente no grupo. Embora euainda acredite que deva haver um movimento de massa deprisioneiros políticos e, sobretudo, um movimento de prisio-neiros Negros, fiquei convencido de que isso não era tudo.Eu acredito que será necessária uma verdadeira coalizão deforças nos movimentos Negros e progressistas para construiruma base de apoio de massa. Eu cheguei a sentir que essaspessoas só queriam empurrar o partido e seus políticos, emvez de libertar prisioneiros, e então eu saí e não lido comeles desde então. Fiquei muito desiludido e deprimidoquando soube a verdade. Eu não vou ser usado por qualquerpessoa – não por muito tempo.

Os estágios iniciais do Comitê Não-Violento de Coorde-nação Estudantil (SNCC) foi um contraste de várias manei-ras para qualquer grupo Negro pela liberdade que venha an-tes ou depois. Parte dos ativistas do SNCC eram intelectuaisuniversitários de classe média, com um pequeno número deativistas de base da classe trabalhadora, mas eles desenvol-veram um estilo de trabalho que era muito antiautoritário eera único no Movimento dos Direitos Civis. Em vez de trazerum líder nacional para conduzir as lutas locais, como o Dr.Martin Luther King Jr. e seu grupo e o Conselho Sulista deLiderança Cristã61 estavam acostumados a fazer, o SNCC

61 Também conhecida como Verão da Liberdade, a fase do Mississippina luta pelos Direitos Civis do Povo Negro nos Estados Unidos ocorreuem 1964, quando militantes se dirigiram em caravana até o mais racista

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enviou a campo organizadores para trabalhar com a popula-ção local e desenvolver uma liderança nativa e ajudar a orga-nizar, mas não para assumirem o controle das lutas locais.Eles colocaram sua fé na capacidade das pessoas para deter-minar uma agenda que melhor os atenderia e que os levemà obtenção de seus objetivos, em vez de serem inspirados ouditos no que fazer por um líder. O SNCC em si não possuíalíderes fortes, apesar de existirem pessoas na tomada dedecisão de autoridade, mas eram responsáveis pela adesãode integrantes e de comunidades, de uma maneira quenenhum outro grupo no movimento dos direitos civis era.

O SNCC também era uma organização não-secular,mas diferente da SCLC, que foi formada por pregadores Ne-gros e havia cooptado seu estilo de organização da igrejaNegra, com uma figura religiosa de autoridade que davaordens para as tropas. Hoje em dia, a maioria dos comenta-ristas políticos ou historiadores ainda não querem dar todoo crédito para a eficácia do SNCC, mas muitas das lutasmais poderosas e bem-sucedidas do movimento dos direitoscivis foram iniciadas e vencidas pelo SNCC, incluindo amaioria das lutas pelos direitos ao voto e a fase do Mississippido movimento de libertação62. Eu aprendi muito sobre de-

dos Estados sulistas para, em campanha, registrar eleitores negros. Sobação da Ku Klux Klan e das autoridades locais, 3 foram assassinados,mais de mil pessoas foram presas e agredidas, igrejas foram queimadasou explodidas, o mesmo ocorrendo com lares e escritórios de pessoasnegras. A cobertura da mídia provocou a opinião pública, levando opresidente Johnson a aprovar ainda no 2 de Julho daquele ano a Leidos Direitos Civis, aquela que pôs fim aos diversos sistemas estaduaisde segregação racial nos Estados Unidos. (n.e.)62 Help a Prisoner, Outlaw Torture Organizing Collective, diferente-mente de Help A Prisoner Oppose Torture Organizing Committee, nooriginal. (n.t.)

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mocracia interna, sendo parte do SNCC, como poderia fazerou quebrar uma organização, e como ela tinha muito a vercom a moral dos membros. Todo mundo recebeu a oportu-nidade de participar na tomada de decisões, e de sentir-separte de uma grande missão histórica, que mudaria suas vi-das para sempre. Eles estavam certos. Mesmo que o SNCCtenha dado algumas lições duradouras para todos nós envol-vidos, mesmo assim foi destruído pelos ricos e os seus, querecorreram a um estilo autoritário nos anos posteriores.

Também comecei a fazer um processo de reavaliaçãodepois de ser forçado a deixar os EUA e ir para Cuba, Tche-coslováquia e outros países do “Bloco Socialista”, comoeram chamados na época. Ficou claro que esses países eramessencialmente estados policiais, apesar de terem trazidomuitas reformas significativas e avanços materiais para seuspovos diante do que existia antes. Observei também que oracismo existe nesses países, juntamente com a negação dosdireitos democráticos básicos e a pobreza em uma escala queeu não teria pensado ser possível. Vi também uma grandedose de corrupção pelos líderes do Partido Comunista eadministradores do Estado, que estavam bem de vida, en-quanto os trabalhadores eram meros escravos assalariados.Eu pensei comigo: “tem de haver uma maneira melhor!”.Há sim. É o Anarquismo, sobre o qual eu comecei a lerquando fui capturado na Alemanha Oriental e sobre o qualouvi falar ainda mais quando fui finalmente jogado na pri-são nos Estados Unidos.

A prisão é um lugar onde se pensa continuamentesobre sua vida passada, incluindo uma análise de ideiasnovas ou contrárias. Eu comecei a pensar sobre o que tinhavisto no movimento Negro, junto com meus maus tratos emCuba, a minha captura e fuga na Tchecoslováquia, e minhacaptura definitiva na Alemanha Oriental. Eu repassei tudo

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isso repetidamente na minha cabeça. Fui apresentado aoAnarquismo em 1969, imediatamente depois de terem metrazido de volta para os EUA e colocado na prisão federalem Nova York, onde eu conheci Martin Sostre. Sostre mecontou sobre como sobreviver na prisão, a importância delutar pelos direitos democráticos dos presos e sobre o Anar-quismo. Este curso de curta duração em Anarquismo nãocolou no entanto, mesmo que eu respeitasse muito Sostrepessoalmente, porque eu não entendia os conceitos teó-ricos.

Finalmente, por volta de 1973, depois de ter sido presopor cerca de três anos, comecei a receber literatura Anar-quista e correspondência de Anarquistas que tinham ou-vido falar sobre o meu caso. Isso deu início à minha me-tamorfose lenta para um Anarquista confirmado, e na ver-dade ainda não era até alguns anos depois que eu vim a ser.Durante o final da década de 1970, eu fui adotado pela CruzNegra Anarquista – Inglaterra e também por um grupoAnarquista holandês chamado HAPOTOC63 (Comitê Or-ganizador Ajude um Prisioneiro a se Opor a Tortura), queorganizou uma campanha instrumental de defesa. Isto semostrou crucial em última instância, levando pessoas detodo o mundo a escrever para o governo dos Estados Unidosexigindo a minha libertação.

Eu escrevi uma série de artigos para a imprensa Anar-quista, e fui membro da Federação Anarquista Social Re-volucionária, o IWW, e uma série de outros grupos Anar-quistas nos EUA e ao redor do mundo. Mas me tornei muitodesanimado pelo fracasso do movimento Anarquista emcombater a supremacia branca e sua falta de política de luta

63 Concerned Citizen for Justice (CCJ), no original, que tambempoderia ser traduzido como Cidadãos Preocupados com a Justiça. (n.t.)

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de classe. Então, em 1979, escrevi um folheto chamado Anar-quismo e a Revolução Negra, para atuar como um guia paraa discussão desses assuntos pelo nosso movimento. Final-mente, em 1983, fui libertado da prisão, depois de ter cum-prido quase 15 anos.

Por todos estes anos, o panfleto influenciou uma sériede Anarquistas que se opunham ao racismo e também que-riam uma abordagem mais orientada para a luta de classedo que o movimento havia proporcionado até então. En-quanto isso, eu tinha saído do movimento Anarquista pordesgosto, e assim foi até 1992, quando eu estava traba-lhando na minha cidade natal, Chattanooga, Tennessee,como organizador comunitário antirracista; nesse ano euconheci um Anarquista chamado John Johnson e mais umavez me reaproximei. Ele me deu um número do Jornal Amore Fúria, e, como resultado, entrei em contato com Chris Daydo Amor e Fúria, e camaradas de WSA, em Nova York. Oresto, como dizem, é história. Eu voltei para me vingar!

De repente, eu vejo que agora existem outros no mo-vimento que entendem o funcionamento da supremaciabranca e eles têm me incentivado a reescrever este panfleto.Eu o fiz, cheio de gratidão. Por que eu sou um Anarquista?Eu tenho uma visão alternativa para o processo revolucio-nário. Há uma maneira melhor. Vamos logo com isso!

O que Eu Acredito

Todos os Anarquistas não acreditam nas mesmas coi-sas. Existem diferenças e o campo é amplo o suficiente paraque essas diferenças possam coexistir e ser respeitadas.Então, eu não sei no que os outros acreditam, eu só sei noque eu acredito e vou enunciá-lo de forma simples, mas me-ticulosamente.

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Eu acredito na Libertação Negra, então eu sou umrevolucionário Negro. Eu acredito que as pessoas Negras sãooprimidas enquanto trabalhadores e suas nacionalidadesdistintas, e só serão libertados por uma revolução Negra, queé uma parte intrínseca de uma Revolução Social. Eu acre-dito que os Negros e imigrantes oprimidos devem ter a suaprópria agenda, visão de mundo distinta, e organizações deluta, mesmo que eles decidam trabalhar com trabalhadores.

Eu acredito na destruição do Sistema Capitalista mun-dial, então eu sou um anti-imperialista. Enquanto o Capi-talismo estiver vivo no planeta, haverá exploração, opressãoe Estados-nação. O Capitalismo é responsável pelas grandesguerras mundiais, inúmeras guerras civis, e milhões de pes-soas morrendo de fome por conta do lucro dos países ricosdo Ocidente.

Eu acredito na justiça racial, então eu sou um antirra-cista. O Sistema Capitalista foi e é mantido pela escravidãoe opressão colonial dos povos Africanos, e antes de haveruma revolução social, a supremacia branca deve ser derro-tada. Eu também acredito que os Africanos na América sãocolonizados e existem como uma colônia interna dos EUA,pátria mãe branca. Eu acredito que os trabalhadores bran-cos devem desistir de sua posição privilegiada, da sua “iden-tidade branca”, e devem apoiar os trabalhadores racial-mente oprimidos em suas lutas por igualdade e libertaçãonacional. Liberdade não pode ser comprada pela escravidãoe exploração de outros.

Eu acredito em justiça social e igualdade econômica,então eu sou um Socialista Libertário. Eu acredito que asociedade e todas as partes responsáveis pela sua produçãodevem compartilhar os produtos econômicos do trabalho. Eunão acredito no Capitalismo ou no Estado, e acredito queambos devem ser derrubados e abolidos. Aceito a crítica

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econômica do Marxismo, mas não o seu modelo de organi-zação política. Aceito a crítica antiautoritária do Anarquis-mo, mas não a sua rejeição da luta de classes.

Eu acredito no controle da sociedade e da indústriapelos trabalhadores, então eu sou um Anarco-Sindicalista.Sindicalismo Anarquista é sindicalismo revolucionário,onde as táticas de ação direta são usadas para combater oCapitalismo e tomar conta da indústria. Acredito que oscomitês de fábrica, conselhos e outras organizações de tra-balhadores devem atuar nos locais de trabalho, e devemassumir o controle dos Capitalistas depois de uma campanhade ação direta de sabotagem, de greves, de paralisações dotrabalho, ocupações de fábricas e outras ações.

Eu não acredito no governo, e por isso eu sou um Anar-quista. Eu acredito que o governo é uma das piores formasde opressão moderna, é a fonte de guerra e opressão econô-mica, e deve ser derrubado. Anarquismo significa que tere-mos mais democracia, igualdade social e prosperidade eco-nômica. Eu me oponho a todas as formas de opressão pre-sentes na sociedade moderna: o patriarcado, a supremaciabranca, Capitalismo, Comunismo de Estado, ditames religio-sos, discriminação contra gays, etc.

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UMA BREVE BIOGRAFIA

DE LORENZO KOM’BOA ERVIN

Lorenzo Komboa Ervin nasceu e foi criado em Chatta-nooga, Tennessee em 1947. O que ele chama de “Sul segre-gado” da década de 1950 e 60 era um ambiente de violên-cia, racismo, pobreza e rejeição. Um membro de gangue derua na juventude, Ervin se juntou a Associação Nacionalpara o Avanço das Pessoas de Cor (NAACP), quando eletinha 12 anos, e participou em 1960 de protestos de ocupa-ção (sit-in) que mudaram a discriminação racial em acomo-dações públicas na cidade e em todo o Sul. Depois de serconvocado, ele atuou dois anos no Exército dos EstadosUnidos, onde se tornou um organizador antiguerra do Viet-nã, o que resultou em sua corte marcial e demissão poroficiais superiores. Ele se juntou ao Comitê Não-Violento deCoordenação Estudantil, em 1967, antes de se juntar (tem-porariamente) ao Partido dos Panteras Negras.

Na esteira das rebeliões Negras urbanas que abalaramos EUA após o assassinato do Dr. Martin Luther King Jr., naprimavera de 1968, houve uma tentativa de incriminarErvin com acusações de porte ilegal de armas e por ameaçara vida de um líder local da Klan. A fim de escapar do pro-cesso destas acusações, Ervin sequestrou um avião paraCuba em fevereiro de 1969. Foi durante sua estadia emCuba e, posteriormente, na então República da Tchecoslo-váquia, que ele se veio primeiro a se desiludir com o So-cialismo de Estado, reconhecendo-o como ditadura, e nãocomo a “ditadura do proletariado”, como muitos governoscomunistas alegaram.

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Em Praga, capital da Tchecoslováquia, Ervin foi entre-gue a oficiais dos Estados Unidos, por elementos colabora-dores da CIA, atuantes no regime de Dubcek, logo após ainvasão soviética do país.

Capturado e mantido no Consulado Americano, elefugiu para Berlim Oriental, onde ele foi sequestrado poruma equipe especial de agentes norte-americanos e alemãesocidentais, especialmente enviados para recapturá-lo. Elefoi drogado e torturado durante o interrogatório na base doConsulado norte-americano por quase uma semana, e de-pois de quase morrer por maus tratos, ele foi trazido ilegal-mente de volta para os EUA, onde por uma declaração falsado Departamento de Estado e pelo FBI, anunciaram que elehavia “se entregado” no aeroporto JFK.

Depois de uma farsa de um julgamento em uma pe-quena cidade na Georgia, onde enfrentou a pena de morteperante um júri totalmente branco, juiz, promotores e advo-gados de defesa (nomeados pelo tribunal), em 1970, ele foicondenado a passar o resto de sua vida na prisão.

Ervin permaneceu politicamente ativo na prisão, ondefoi introduzido pela primeira vez aos ideais do Anarquismopelo prisioneiro político Anarquista Martin Sostre, no finaldos anos 70. Ele leu muitos livros sobre o assunto enviadospara a prisão por grupos de pessoas solidárias e a Cruz NegraAnarquista, um movimento internacional de apoio ao pri-sioneiro, adotou seu caso. Em 1979, Ervin escreveu Anar-quismo e a Revolução Negra e outros panfletos que estão,provavelmente, entre alguns dos escritos amplamente lidosno movimento anarquista e de Libertação Negra. Anarquis-mo e a Revolução Negra ainda é popular, e passou por váriastiragens.

Ervin também estava envolvido em muitas lutas daprisão, no sindicato da prisão no início de 1970, organizando

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campanhas e o movimento de prisioneiros Negros no mesmoperíodo. Devido a anos de confinamento em solitária e cen-sura do correio da prisão, seu caso foi mantido na obscuri-dade, e foi assim até que ele fosse um dos “Irmãos Marion”,um grupo de prisioneiros que se tornou conhecido enquantolutavam contra a primeira Unidade de Controle da Peni-tenciária Federal de Marion, quando seu caso se tornou depreocupação pública. As disputas legais de Ervin e umacampanha internacional levaram a sua libertação da prisãoapós 15 anos de encarceramento.

Ao contrário de muitos ex-prisioneiros, Ervin já estavapoliticamente ativo imediatamente após a sua libertação.Ele trabalhou para Cidadãos em Causa pela Justiça64 (CCJ),em Chattanooga, um grupo local de direitos civis, e liderouuma campanha de 10 anos contra a brutalidade policial epenetração da Ku Klux Klan no departamento de polícia, oque resultou na demissão do Chefe de Polícia e do Comis-sário de Polícia. Isso ocorreu após a CCJ organizar uma longacampanha de manifestações de massa e ações judiciais sobreas mortes numerosas de Negros e pessoas pobres que forammortos ao longo dos anos por oficiais racistas. Como o pre-sidente da CCJ e da Reparação Legal, Ervin também foi oprincipal responsável pelo ajuizamento de uma ação cole-tiva por várias organizações Negras e a ACLU, que resultouna reestruturação do governo da cidade, bem como a elei-ção de vários Comissários Muncipais Negros.

Em 1987, Ervin ajudou a organizar uma grande mobi-lização contra a Klan, que resultou na Klan sendo expulsada cidade. Também em 1987, Ervin foi o principal respon-

64 Concerned Citizen for Justice (CCJ), no original, que tambempoderia ser traduzido como Cidadã os Preocupados com a Justiça.(n.t.)

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sável para o ajuizamento de uma ação importante de di-reitos civis, que, com sucesso, forçou a cidade de Chatta-nooga a mudar sua estrutura de governança com base noque ela sistematicamente desempoderava a comunidadeNegra. Em retaliação por seu ativismo, a estrutura de poderbranco procurou incriminar Ervin em uma série de acusa-ções, a última sendo a sua prisão sob a acusação de contra-venção no caso “Chattanooga 8”. Nesse caso, Ervin foipreso com vários outros ativistas na Coalisão Ah Hoc Contrao Racismo e a Brutalidade Policial (que sucedeu os Cida-dãos em Causa pela Justiça) por sua participação em umamanifestação contra a falha de um grande júri em apresen-tar acusações criminais contra policiais que sufocaram ummotorista negro, Larry Powell, até a morte, em fevereiro de1993.

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ANEXO

ANARQUISMO NEGRO

Ashanti Alston

Muitos anarquistas clássicos consideravam o anar-quismo como um corpo de verdades elementares que apenasprecisavam ser reveladas ao mundo e acreditavam que aspessoas se tornariam anarquistas uma vez expostas à lógicairresistível da idéia. Esta é uma das razões pelas quais elestendiam a ser tão didáticos.

Felizmente a prática vivida do movimento anarquistaé muito mais rica do que isso. Poucos “convertem-se” de talforma: é muito mais comum que as pessoas abracem o anar-quismo lentamente, à medida que descobrem que é rele-vante para a sua experiência de vida e permeável a suaspróprias percepções e preocupações.

A riqueza da tradição anarquista está justamente nalonga história de encontros entre dissidentes não-anarquis-tas e o quadro anarquista que herdamos do final do SéculoXIX e início do Século XX. O anarquismo tem crescidoatravés de tais encontros e agora enfrenta contradiçõessociais que antes eram marginais ao movimento. Por exem-plo, há um século atrás, a luta contra o patriarcado era umapreocupação relativamente menor para a maioria dos anar-quistas, mas hoje é amplamente aceita como uma parteintegrante da nossa luta contra a dominação.

Foi somente nos últimos 10 ou 15 anos que os anarquis-tas na América do Norte começaram a explorar à sério o que

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significa desenvolver um anarquismo que tanto pode com-bater a supremacia branca como articular uma visão positivada diversidade cultural e de intercâmbio cultural. Cama-radas estão trabalhando duro para identificar os referenciaishistóricos de tal tarefa, como o nosso movimento deve mu-dar para abraçá-lo, e como um anarquismo verdadeira-mente antirracista pode parecer.

O seguinte material, de Ashanti Alston, membro doconselho do IAS1, explora algumas destas questões. Alston,que era membro do Partido dos Panteras Negras e doExército Negro de Libertação, descreve o(s) seu(s) en-contro(s) com o anarquismo (que começou quando ele foipreso por atividades relacionadas com o Exército Negro deLibertação). Ele toca em algumas das limitações das visõesmais antigas do anarquismo, a relevância contemporâneado anarquismo para os negros, e alguns dos princípios ne-cessários para construir um novo movimento revolucionário.

Esta é uma transcrição editada de uma palestra dadapor Alston em 24 de outubro de 2003 no Hunter College,em Nova York. O evento foi organizado pelo Instituto deEstudos Anarquistas e co-patrocinado pelo Movimento Es-tudantil de Ação Libertadora, da Universidade de Cidadede Nova York ~ Chuck Morse

Embora o Partido dos Panteras Negras fosse muitohierárquico, eu aprendi muito com a minha expe-riência na organização. Acima de tudo, nos Panterasme marcou a necessidade de aprender com as lutas deoutros povos. Eu acho que tenho feito isso e essa éuma das razões pelas quais sou um anarquista hoje.Afinal, quando velhas estratégias não funcionam, pre-cisamos olhar para outras formas de fazer as coisas,para ver se podemos nos descolar e avançar nova-

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mente. Nos Panteras, absorvemos muita coisa de na-cionalistas, marxistas-leninistas, e de outros comoeles, mas suas abordagens para a mudança social ti-nham problemas significativos e me aprofundei noanarquismo para ver se haviam outras maneiras depensar sobre como fazer uma revolução.

Eu aprendi sobre anarquismo através de cartas ede literatura enviadas para mim, enquanto estava emvárias prisões por todo o país. No começo eu não que-ria ler qualquer material que recebi – parecia que oanarquismo era apenas sobre o caos e todo mundofazendo suas próprias coisas – e por muito tempo eu oignorei. Mas houve momentos – quando eu estava nasolitária – que não tinha mais nada para ler e, parafugir do tédio, finalmente comecei a meter a mão notema (apesar de tudo o que eu tinha ouvido falar so-bre o anarquismo até o momento). Fiquei realmentemuito surpreso ao encontrar análises de lutas popula-res, culturas populares e formas de organizações po-pulares – aquilo fez muito sentido para mim.

Estas análises me ajudaram a ver coisas impor-tantes sobre a minha experiência nos Panteras quenão estavam claras para mim antes. Por exemplo, eupensei que havia um problema com a minha admira-ção por pessoas como Huey P. Newton, Bobby Seal, eEldridge Cleaver e com o fato de que eu os tinha co-locado em um pedestal. Afinal de contas, o que issodiz sobre você, se você permitir que alguém se esta-beleça como seu líder e tome todas as suas decisõespor você? O anarquismo me ajudou a ver que você,como um indivíduo, deve ser respeitado e que nin-guém é suficientemente importante para pensar porvocê. Mesmo que nós achemos que Huey P. Newtonou Eldridge Cleaver são os piores revolucionários do

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mundo, eu deveria me ver como o pior revolucio-nário, exatamente como eles. Mesmo que eu fossejovem, tenho um cérebro. Eu posso pensar. Eu possotomar decisões.

Eu pensei em tudo isso enquanto estava na prisãoe me vi dizendo: “Cara, nós realmente nos colocamosde uma forma que éramos obrigados a criar problemase produzir cismas. Fomos obrigados a seguir progra-mas sem pensar”. A história do Partido dos PanterasNegras, tão incrível como é, tem esses esqueletos. Amenor pessoa no totem deveria ser um trabalhador eo que estava na parte superior era quem tinha o cére-bro. Mas na prisão eu aprendi que eu poderia ter to-mado algumas dessas decisões sozinho e que as pes-soas ao meu redor poderiam ter tomado essas mesmasdecisões. Embora eu tenha apreço por tudo o que oslíderes do Partido dos Panteras Negras fizeram, eucomecei a ver que podemos fazer as coisas de formadiferente e, assim, extrair mais plenamente nossaspróprias potencialidades e nos encaminharmos aindamais para uma autodeterminação real. Embora nãotenha sido fácil no início, insisti com o material anar-quista e descobri que eu não poderia colocá-lo delado, uma vez que começou a me dar vislumbres. Euescrevi para pessoas em Detroit e no Canadá, que ti-nham me enviado a literatura, e pedi para que meenviassem mais.

No entanto, nada do que eu recebi tratava depessoas negras ou latinas. Talvez houvesse discussõesocasionais sobre a Revolução Mexicana, mas nadafalava de nós, aqui, nos Estados Unidos. Houve umaênfase esmagadora sobre aqueles que se tornaram osanarquistas fundadores – Bakunin, Kropotkin, e algunsoutros – mas estes valores europeus, que abordavam

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as lutas europeias, realmente não dialogavam co-migo.

Eu tentei descobrir como isso se aplicava a mim.Comecei a olhar para a História Negra de novo, paraa História Africana, e as histórias e lutas das outras pes-soas de cor. Eu encontrei muitos exemplos de práticasanarquistas nas sociedades não europeias, desde os tem-pos mais antigos até o presente. Isso foi muito impor-tante para mim: eu precisava saber que não eramapenas os europeus que poderiam funcionar de umaforma antiautoritária, mas que todos nós podemos.

Fui encorajado por coisas que eu encontrei naÁfrica – não tanto pelas antigas formas que chama-mos de tribos – mas por lutas modernas que ocorre-ram no Zimbabwe, Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Ainda que fossem liderados por organizaçõesvanguardistas, eu vi que as pessoas estavam constru-indo comunidades democráticas radicais na base.Pela primeira vez, nesses contextos coloniais, os po-vos africanos estavam criando o que era chamadopelos angolanos de “poder popular”. Este poder popu-lar tomou uma forma muito antiautoritária: as pessoasnão estavam só conduzindo suas vidas, mas tambémas transformando enquanto lutavam contra qualquerpoder estrangeiro que os oprimia. No entanto, emcada uma dessas lutas de libertação, novas estruturasrepressivas foram impostas logo que as pessoas chega-vam próximo à libertação: a liderança estava obce-cada com idéias de governança, em estabelecer umexército permanente, em controlar as pessoas depoisque os opressores forem expulsos. Uma vez que a tãoapregoada vitória foi conseguida, o povo – que havialutado durante anos contra os seus opressores – foidesarmado e, em vez de existir um poder popular real,

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um novo partido foi instalado no comando do Estado.Assim, não houve reais revoluções ou a verdadeiralibertação em Angola, Guiné-Bissau, Moçambique eZimbabwe, porque eles simplesmente substituíramum opressor estrangeiro por um opressor nativo.

Então, aqui estou eu, nos Estados Unidos, lutan-do pela libertação negra e me perguntando: como éque podemos evitar situações como essa? O anarquis-mo me deu uma maneira de responder a esta questão,insistindo que nós ponhamos no lugar, como fazemosem nossa luta agora, as estruturas de tomada de deci-sões e de fazer coisas que continuamente tragam maispessoas para o processo, e não apenas deixar a maioriadas pessoas “iluminadas” tomarem decisões por todosos outros. O próprio povo tem que criar estruturas emque articulem sua própria voz e em que tomem suaspróprias decisões. Eu não recebi isso de outras ideolo-gias: eu recebi isso do anarquismo.

Também comecei a ver, na prática, que as estru-turas anarquistas de tomada de decisão são possíveis.Por exemplo, nos protestos contra a Convenção Na-cional Republicana, em agosto de 2000, eu vi os gru-pos normalmente excluídos – pessoas de cor, mulhe-res e gays – participarem ativamente de todos os as-pectos da mobilização. Nós não permitimos que pe-quenos grupos tomassem decisões por outros e, ape-sar de as pessoas terem diferenças, elas eram vistascomo boas e benéficas. Era novo para mim, depois daminha experiência nos Panteras, estar em uma situa-ção onde as pessoas não estão tentando disputar omesmo lugar e realmente abraçam a tentativa de re-solver nossos interesses por vezes contraditórios. Issome deu algumas idéias sobre como o anarquismo podeser aplicado.

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Também me fez pensar: se pode ser aplicado paraos diversos grupos no protesto contra a Convenção,poderia eu, como um ativista negro, aplicar essascoisas na comunidade negra?

Algumas de nossas idéias sobre quem somos comopovo bloqueiam nossas lutas. Por exemplo, a comuni-dade negra é muitas vezes considerada um grupo mo-nolítico, mas na verdade é uma comunidade de co-munidades com muitos interesses diferentes. Pensoem ser negro não tanto como uma categoria étnica,mas como uma força de oposição ou como pedra detoque para ver as coisas de forma diferente. A culturanegra sempre foi opositora e tudo isso é a busca decaminhos para criativamente resistir à opressão aqui,no país mais racista do mundo. Então, quando eu falode um Anarquismo Negro, não está tão ligado à corda minha pele, mas quem eu sou como pessoa, comoalguém que pode resistir, quem pode enxergar deuma forma diferente quando eu estou bloqueado e,assim, viver de forma diferente.

O que é importante para mim sobre o anarquismoé a sua insistência de que você nunca deve ficarpreso em velhas e obsoletas abordagens e sempredeve tentar encontrar novas maneiras de ver as coi-sas, de sentir e de se organizar. No meu caso, eu apli-quei pela primeira vez o anarquismo no início de1990 em um coletivo que criamos para rodar o jornaldos Panteras Negras novamente. Eu ainda era umanarquista “no armário” neste momento. Eu aindanão estava pronto para sair e me declarar um anar-quista, porque eu já sabia o que as pessoas iriam dizere como eles iriam olhar para mim. Quem eles veriamquando digo “anarquista”? Eles veriam os anarquistasbrancos, com todos aqueles cabelos engraçados, etc.

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e dizer “como diabos é que você vai se envolver comisso?”

Houve uma divisão neste coletivo: de um ladohavia companheiros mais velhos que estavam tentan-do reinventar a roda e, por outro, eu e alguns outrosque diziam: “Vamos ver o que podemos aprender coma experiência vinda dos Panteras e construir em cimadela e melhorá-la. Nós não podemos fazer as coisasda mesma maneira”. Enfatizamos a importância deuma perspectiva antissexista – uma velha questãodentro dos Panteras – mas do outro lado estava algodo tipo “eu não quero ouvir todas essas coisas femi-nistas”. E nós dissemos: “Tudo bem se você não querouvir isso, mas queremos que as pessoas jovens ou-çam, para que eles saibam sobre algumas das coisasque não funcionaram nos Panteras, para que elessaibam que nós tivemos algumas contradições inter-nas que não poderíamos superar”. Nós tentamos for-çar a questão, mas se tornou uma batalha e as discus-sões tornaram-se tão difíceis que uma separação ocor-reu. Neste ponto, deixei o coletivo e comecei a tra-balhar com grupos anarquistas e antiautoritários,que foram realmente os únicos a tentarem lidar deforma consistente com essas dinâmicas até o mo-mento.

Uma das lições mais importantes que eu tambémaprendi com o anarquismo é que você precisa olharpara as coisas radicais que já fazemos e tentar incen-tivá-las. É por isso que eu acho que há muito poten-cial para o anarquismo na comunidade negra: muitodo que já fazemos é anarquista e não envolve o Esta-do, a polícia ou os políticos. Nós tomamos conta umdo outro, nós nos importamos com os filhos uns dosoutros, nós vamos para o mercado uns para os outros,

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encontramos maneiras de proteger nossas comuni-dades. Até mesmo igrejas ainda fazem as coisas deuma forma muito comunal, até certo ponto. Eu apren-di que existem maneiras de ser radical sem ficar dis-tribuindo literatura e dizendo às pessoas: “Aqui estáo retrato da situação, se você enxergar isso, vai seguirautomaticamente a nossa organização e se juntará àrevolução”. Por exemplo, a participação é um temamuito importante para o anarquismo e também émuito importante na comunidade negra. Considereo jazz: é um dos melhores exemplos de uma práticaradical existente porque ele assume uma conexãoparticipativa entre o individual e o coletivo e permitea expressão de quem você é, dentro de um ambientecoletivo, com base no gozo e no prazer da música emsi. Nossas comunidades podem ser da mesma forma.Podemos reunir todos os tipos de perspectivas de fazermúsica, de fazer revolução.

Como podemos nutrir cada ato de liberdade? Sejacom as pessoas no trabalho ou as pessoas que passamo tempo na esquina, como podemos planejar e traba-lhar juntos? Precisamos aprender com as diferenteslutas ao redor do mundo que não são baseadas emvanguardas. Há exemplos na Bolívia. Há os zapatis-tas. Há grupos no Senegal construindo centros so-ciais. Você realmente tem que olhar para as pessoasque estão tentando viver e não necessariamente ten-tando chegar com as idéias mais avançadas. Precisa-mos tirar a ênfase do abstrato e focar no que estáacontecendo na base.

Como podemos construir com todas estas diferen-tes vertentes? Como podemos construir com os Ras-tas? Como podemos construir com as pessoas da CostaOeste que ainda estão lutando contra o governo, por

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conta da mineração em terras indígenas? Como po-demos construir com todos esses povos para começara criar uma visão da América que seja para todos nós?

Pensamento de oposição e os riscos de ser oposi-ção são necessários. Eu acho isso é muito importanteneste momento e uma das razões pelas quais eu achoque o anarquismo tem muito potencial para nos aju-dar a seguir em frente. E isso não é um pedido paraaderirmos dogmaticamente aos fundadores da tradi-ção, mas para estarmos abertos a tudo o que aumentaa nossa participação democrática, a nossa criativi-dade e nossa felicidade.

Acabamos de ter uma Conferência Anarquista dePessoas de Cor em Detroit, de 03 a 05 de outubro.Cento e trinta pessoas vieram de todo o país. Foi óti-mo para vermos nós mesmos e bem como o interessedas pessoas de cor de todo o Estados Unidos em buscade formas marginais de se pensar. Vimos que podería-mos nos tornar aquela voz em nossas comunidades,que diz: “Espere, talvez nós não precisemos nos orga-nizar assim. Espere, a maneira que você está tratandoas pessoas dentro da organização é opressiva. Espere,qual é a sua visão? Gostaria de ouvir a minha?”. Háuma necessidade para esses tipos de vozes dentro denossas diversas comunidades. Não apenas as nossas co-munidades de cor, mas em toda comunidade há umanecessidade de parar o avanço dos planos pré-fabri-cados e confiar que as pessoas podem descobrir cole-tivamente o que fazer com este mundo. Eu acho quenós temos a oportunidade de deixar de lado o que nóspensamos que seria a resposta e lutarmos juntos paraexplorar diferentes visões do futuro. Podemos traba-lhar nisso. E não há uma resposta: temos de trabalharcom isso à medida que avançamos.

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Embora queiramos lutar, vai ser muito difícil porcausa dos problemas que herdamos deste império. Porexemplo, eu vi algumas lutas muito duras, emociona-das, em protestos contra a Convenção Nacional Re-publicana. Mas as pessoas se mantiveram bloqueadas,mesmo quem começou a chorar no processo. Nãovamos superar algumas das nossas dinâmicas internasque nos mantiveram divididos, a menos que esteja-mos dispostos a passar por algumas lutas realmentedifíceis. Esta é uma das outras razões pelas quais eudigo que não há uma resposta: só temos que passarpor isso.

Nossas lutas aqui nos Estados Unidos afetam to-dos no mundo. As pessoas nas classes subalternas vãodesempenhar um papel fundamental e a maneiracomo nos relacionamos com elas vai ser muito impor-tante. Muitos de nós somos privilegiados o suficientepara ser capaz de evitar alguns dos desafios maisdifíceis e vamos ter de abrir mão de parte desse privi-légio, a fim de construir um novo movimento. O po-tencial está lá. Nós ainda podemos ganhar – e rede-finir o que significa vencer – mas temos a oportuni-dade de promover uma visão mais rica da liberdadedo que já tinha antes. Temos que estar dispostos atentar.

Como um Pantera, e como alguém que passou àclandestinidade enquanto guerrilha urbana, pus aminha vida no limite. Eu assisti meus companheirosmorrerem e passei a maior parte da minha vida adultana prisão. Mas eu ainda acredito que podemos ven-cer. A luta é muito difícil e quando você cruza esselimite, você corre o risco de ir para a cadeia, ficargravemente ferido, morto, e assistir seus companhei-ros ficando gravemente feridos e mortos. Isso não é

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uma imagem bonita, mas isso é o que acontece quan-do você luta contra um opressor enraizado. Estamoslutando e isso vai tornar tudo mais difícil para eles,mas a luta também vai ser difícil para nós.

É por isso que temos de encontrar maneiras deamar e apoiar uns aos outros através de tempos difí-ceis. É mais do que apenas acreditar que podemosvencer: precisamos ter estruturas consolidadas quepossam nos ajudar a caminhar, quando sentirmos quenão podemos dar mais nenhum passo. Acho que po-demos mudar novamente se pudermos descobrir algu-mas dessas coisas. Este sistema tem que cair. Isso nosfere a cada dia e não podemos desistir. Temos quechegar lá. Temos que encontrar novas maneiras.

O anarquismo, se significa alguma coisa, significa estaraberto para o que quer que for preciso em nosso pensa-mento, em nossa vivência e nas nossas relações – para vi-vermos plenamente e vencermos. De certa forma, eu achoque são a mesma coisa: viver a vida ao máximo é ganhar. Éclaro que vamos e devemos entrar em conflito com os nossosopressores e precisamos encontrar boas maneiras de fazê-lo.Lembre-se daqueles das classes subalternas, que são os maisafetados por isso. Eles podem ter diferentes perspectivassobre como essa luta deve ser feita. Se nós não podemos en-contrar caminhos para nos encontrarmos cara-a-cara afimde resolvermos essa situação, velhos fantasmas reaparecerãoe nós voltaremos à mesma velha situação em que estivemosantes.

Vocês todos podem fazer isso. Você tem a visão. Você tema criatividade. Não permitam que ninguém bloqueie isso.

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ANARQUISMO E REVOLUÇÃO NEGRA 187

De Perspectivas sobre a teoria anarquista, Primavera 2004 - Volume 8,número 1 http://www.anarchist- studies.org/publications/perspectivesFONTE: http://www.anarchist-studies.org/article/articleview/70/1/8/Instituto de Estudos Anarquistas: http://www.anarchist-studies.org/

Nota:

1 Institute for Anarchist Studies.

Texto extraído de “Perspectivas sobre a teoria anarquista”,boletim semestral do Instituto de Estudos Anarquistas,

Primavera 2004 - Volume 8, Número 1.

Tradução: Mariana Santos (Das Lutas)