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A forma da sonata de Scarlatti e o seu legado para o período clássico Universidade de Évora – Departamento de Música Docente: Dr. Filipe Mesquita de Oliveira Discente: Ana Rita Faleiro – nº 24138 Cadeira: História da Música Ocidental III 1/18 Évora, Janeiro de 2009 Índice Introdução: as origens da sonata ................................................................. 2 As sonatas de Scarlatti: uma aproximação à sua forma ............................... 3 Sonata em Scarlatti e forma-sonata clássica: que relação entre elas? ........... 8 Conclusão..................................................................................................13 Bibliografia ...............................................................................................15 Anexos ......................................................................................................16

Anatomia da Sonata de Scarlatti

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A forma da sonata de Scarlatti e o seu legado para o período clássico Universidade de Évora – Departamento de Música

Docente: Dr. Filipe Mesquita de Oliveira Discente: Ana Rita Faleiro – nº 24138

Cadeira: História da Música Ocidental III 1/18

Évora, Janeiro de 2009

Índice

Introdução: as origens da sonata ................................................................. 2

As sonatas de Scarlatti: uma aproximação à sua forma ............................... 3

Sonata em Scarlatti e forma-sonata clássica: que relação entre elas? ........... 8

Conclusão..................................................................................................13

Bibliografia ...............................................................................................15

Anexos ......................................................................................................16

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Introdução: as origens da sonata

A partir do século XVI, devido à grande explosão de música instrumental,

qualquer obra que encaixe nesta classificação e que não seja expressamente apelidada

de por exemplo Passacaglia, Tocatta ou Fantasia, é chamada de sonata, pois não existia

um esquema formal pré-definido; de facto, desde as suas origens, “sonata” (que

etimologicamente significa “soar” era um termo utilizado sobretudo por oposição ao

termo “cantata”, que era para cantar, tal como o próprio nome indica.

Ao longo do séc. XVII esta forma vai-se desenvolver, tomando-se assim, numa

forma específica, caracterizada pela sucessão de andamentos distintos e com

características próprias.

Esta forma vai ser muito apreciada ao longo do século XVII, surgindo

rapidamente duas variantes, que aparecem já nas obras de Giovanni Legrenzi, em

meados do séc. XVII, sendo mais tarde aperfeiçoadas (final do séc. XVII) por A.

Corelli. De facto, nesta altura existem sobretudo dois tipos de sonata, “da camara” e da

“chiesa”.

No que toca à forma como eram tocadas (melhor dizendo, no que respeita à sua

instrumentação), podíamos encontrar trio-sonatas ou sonatas a solo.

Todos os andamentos são escritos na mesma tonalidade, com excepção de

algumas Sonatas da Chiesa, apresentando cada um deles uma estrutura bipartida.

No final do período Barroco surge ainda um outro tipo de sonata, que integra

elementos da Tocatta e da Sonata a solo, que são sonatas para tecla, virtuosísticas, num

só andamento, mas com uma estrutura formal idêntica à da sonata (forma bipartida).

Um exemplo destas sonatas pode ser encontrado nas sonatas de D. Scarlatti e de

Carlos Seixas, seu discípulo.

O que se pode dizer em relação às sonatas de Domenico Scarlatti quer em

termos de forma quer em termos de estruturas tonais?

Terão elas sido de tal forma importantes e bem concebidas que tenham

influenciado as sonatas vindouras, no período clássico? De que forma se podem

encontrar reminiscências destas sonatas na forma-sonata clássica? A tudo isto tentar-se-

á dar uma resposta.

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As sonatas de Scarlatti: uma aproximação à sua forma

É usual dizer-se que as sonatas de Scarlatti estão escritas segundo uma forma

binária simples (ou forma bipartida), caracterizada por uma estrutura |:A:||:B:| e que

costuma ser amplamente utilizada nas sonatas pós-barrocas (e também noutros

géneros). Nesta forma, a primeira secção costuma modular ao V grau (ou III,

no caso de a tonalidade principal ser menor). Por vezes pode permanecer na

tónica, encerrando com uma cadêcia à Dominante ou, ainda mais raramente,

com uma cadência na Tónica.

Scarlatti escreveu ao longo da sua vida 555 sonatas; como é fácil de entender,

elas traduzem obrigatoriamente alguma evolução na maneira como são escritas, uma

vez que abrangendo tão grande período de tempo, nunca poderiam manter sempre uma

forma inalterável.

Na realidade, nestes seus exercisi per gravicembalo, ele alcança uma

flexibilidade que anterioemente não existia: manipula o som do cravo e traz não só

variedade mas também volatilidade para a forma binária comum, uma vez que antes

destes exrcícios era raro exprimir-se mais do que um carácter numa peçade apenas um

movimento. Nestas suas sonatas, começa a levar-se a cabo o processo através do qual se

introduz cada vez um maior número de nuances na expressão/carácter de um único

movimento. É verdade que algumas peças estão completamente unificadas, mas noutras

dá-se lugar a grandes contrastes, ou então a mudanças de carácter como de alegria para

tristeza.

A partir da sonata 96, Scarlatti liberta-se das restrições impostas pela forma

binária simétrica que caracterizaram as suas primeiras sonatas. De agora em diante

(nesta sonata simplesmente retem o final simetrico de cada parte) o que acontece na

abertura de cada parte das suas sonatas resume-se à sua escolha livre e espontânea, já

não tao formal.

Esta mudança formal em relação às sonatas mais tardias prende-se à evolução de

uma concepção da forma musical de algo estático para algo cada vez mais dinâmico.

Assiste-se cada vez mais ao aparecimento espontâneo de um carácter musical fora do

material temático anterior, pelo que a segunda parte das sonatas de scarlatti tende a ser,

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de ora em diante, mais livre, com mais interlúdios (que no entanto estão mais ligados ao

conteúdo e sentimento do que propriamente à forma). É o que de facto Kirkpatrick nos

diz quando refere que o comportamento do material temático é sujeito a imensas

variações.

No entanto, o que se pode dizer efectivamente sobre a forma da sonata de

Scarlatti?

Vários estudiosos se debruçaram sobre esta questão, tendo chegado a algumas

conclusões interessantes.

Um dos maiores estudiosos das sonatas de Scarlatti é Ralph Kirkpatrick, que

escreveu um artigo precisamente sobre isto (“anatomia da sonata de scarlatti”). Neste

artigo, Kirkpatrick distingue vários elementos característicos das sonatas deste

compositor: em primeiro lugar, é necessário recordarmo-nos de que existem duas

metades (uma vez que estamos perante uma forma biartida). Dentro da primeira metade,

Kirkpatrick fala-nos das seguintes secções: início e secção central. Seguidamente, na

secção do núcleo, Kirkpatric identifica a secção tonal. Passando à segunda metade,

podemos encontrar a secção inicial, a digressão e o reenunciado do pré-núcleo/material

precedente. Passa-se de seguida ao núcleo da segunda metade, que é constituído pelo

reenunciado da secção tonal. Podemos entao ver que a estrutura de ambas as partes é

bastante semelhante. Kirkpatrick faz esta distinção poruqe diz não ser possível falar de

primeiro nem segundo temas nas sonatas de Scarlatti.

Nas sonatas de Scarlatti, é possível encontrar não uma forma dividida em três

partes, como virá a ser a sonata clássica, mas sim um grande equilíbrio entre as suas

duas metades, mesmo que estas não tenham o mesmo tamanho ou a mesma duração.

Foram introduzidos aqui vários conceitos usados por Kirkpatrick; será talvez útil

percebermos a que se referem, ou pelo menos qual o seu significado para este grande

estudioso:

Início: os primeiros compassos, onde se anuncia a tonalidade básica da sonata;

pode-se distinguir da secção seguinte através da introdução de uma cadência quer à

tónica quer à dominante, ou entao pode-se dissolver na secção seguinte, sem ser

possível fazer uma clara distinção.

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Secção central: indica o material existente entre o início e o núcleo; é a parte

mais dinâmica da secção A e é constituída pela continuação, transição e pré-núcleo.

Núcleo: ponto de encontro do material temático em cada metade, apresentado de

maneira igual no final de cada parte assim que se estabelece a tónica de conclusão (ou

seja, o núcleo de cada metade aparece quando o material reapresentado chega à

tonalidade de conclusão). Para Kirkpatrick a sua importância é sobretudo ao nivel da

análise e não tanto a nível interpretativo, uma vez que permite a identificaçao das

características comuns a praticamente todas as sonatas de Scarlatti. A sua posição

depende no entanto de dois factores: não apenas o estabelecimento da tónica de

conclusão mas também do estabelecimento do paralelismo temático entre as duas

metades.

Secção tonal: nesta secção, o objectivo é sobretudo reforçar a tonalidade de

conclusão. Dentro da secção tonal, encontramos até quatro elementos: pós-núcleo (que

como o próprio nome se segue imediatamente ao núcleo), conclusão (que se pode

definir tematica ou harmonicamente e que se segue ao pós núcleo), secção final da

conclusão (última parte identificável e que antecede a barra dupla que finaliza a secção

A da sonata). Pode existir também uma parte a que Kirkpatrick chama “continuação

final da conclusão”; esta definição é usada no caso de existir uma secção distinta entre a

conclusão e a secção final da conclusão.

Em relação à segunda metade da sonata de Scarlatti, o que se pode dizer?

Embora a estrutura seja parecida, não é necessário que a segunda parte seja em

tudo semelhante e paralela à primeira. De facto, apenas as partes constituintes da secção

central são paralelos em A e em B. A secção tonal torna-se assim como um re-enunciar

do material que anteriormente aparece.

Em relação às partes constituintes da secção B, que se pode dizer?

Começando pela digressão, Kirkpatrick define-a como o material que pertence à

segunda metade de uma sonata assimétrica de Scarlatti e que está inserido entre a barra

dupla e o núcleo. Nesta parte, efectua-se sempre uma modulação harmónica e regra

geral é aqui que tomam lugar as modulações para harmonias mais distantes.

Após a digressão, e ainda antes do núcleo da segunda metade, aparece o que é

chamado de re-enunciado. Este começa regra geral com a reexposição do pre-núcleo na

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tonalidade em que está escrito e introduz depois o retorno à secção tonal; pode para

além disso incluir material anterior. É no entanto importante notar que o re-enunciado

nunca é literalmente igual ao que já foi apresentado. Scarlatti muda sempre algo:

figuração, mudança de registo, ampliações ou reduções rítmicas, novas figurações

(embora uma certa semelhança temática esteja sempre presente). Tudo isto concorre

para o que já foi dito anteriormente, em relação às muitas variações que o material

temático pode apresentar.

Estes são os elementos principais que são comuns à maior parte da sonata de

Scarlatti. Para além disso, as suas sonatas podem ainda ser agrupadas debaixo da

definição de sonatas fechadas (nas quais as duas metades começam com o mesmo

material temático; podem ser simétricas ou assimétricas) ou sonatas abertas (que não

usam o mesmo material temático; estas podem ser livres ou condensadas).

Tonalmente, e porque não é possível falar-se apenas de forma sem se falar das

harmonias (tanto mais se o objectivo é posteriormente fazer uma comparaçao com uma

sonata de Mozart), as sonatas de Scarlatti apresentam uma grande variedade de

esquemas ou estruturas tonais.

O mais básico de todos estes esquemas é o que estabelece uma relação tónica-

dominante e depois directamente dominante-tónica.

O segundo esquema tonal que pode ser encontrado nas sonatas de Scarlatti é

parecido a este primeiro, com a diferença de que se introduz uma modulação à

dominante em vez de se passar para este grau de imediato, e de seguida faz-se o mesmo

em relação à tónica (da dominante modula-se para a tónica em vez de ser uma passagem

abrupta). Há uma outra variante a este esquema, na qual a modulação que está entre a

dominante e a tónica passa por regiões tonais mais distantes como por exemplo a

relativa menor de uma subdominante. No entanto, o que é uma regra que não é

transgredida é o facto de as secções do início e da conclusão apresentarem sempre uma

relação I-IV-V, enquanto nas secções centrais as modulações são extremamente rápidas,

sendo praticamente possível falar de sobreosição de harmonias, tornando-se assim estas

secções mais densas e intensas que as da conclusão ou do início.

Outro esquema tonal que Scarlatti pode usar nas suas sonatas prende-se ao facto

de afirmar a tonalidade de início, depois modificá-la, como nos diz Kirkpatrick e chegar

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a uma tonalidade de conclusão; depois na segunda metade, afasta-se da tonalidade de

conclusão, volta a modificá-la e finalmente afirma a tonalidade de conclusão.

Há outras considerações igualmente interessantes que podem ser feitas

relativamente a estas sonatas.

Um outro termo para designar o ponto onde o material temático estabelece a

tonalidade de conclusão é crux, desginação também aplicada por Kirkpatrick. Uma vez

que é um ponto importante das sonatas, será que é possível relacioná-lo com o conceito

da secção de ouro?

Temos que nos relembrar que este número, esta secção, representa directamente

uma constante de crescimento, e está também extremamente ligada à famosa sequência

Fibonacci. O número de ouro obtém-se multiplicando o todo por 0.618 (isto não

parecerá estranho se nos lembrarmos do que diz Smith Brindle: “a matemática é a base

do som”). Torna-se entao interessante relacionar este ponto que Kirkpatrick apelida de

crux (que tem uma tripla função, melódica, harmónica e estrutural) com esta ideia de

secção/número de ouro.

Já um grande passo foi dado neste sentido por Nancy Lee Harper, que analisou

49 sonatas e exercícios de Scarlatti, chegando a conclusões muito interessantes.

De facto, ela conseguiu provar que existia esta relação em mais de 55% dos

casos das sonatas analisadas, pelo que podemos concluir que, consciente ou

inconscientemente, Scarlatti terá feito uso da secção de ouro nas suas peças (é

necessário não nos esquecermos que este conceito de número de ouro já existe desde a

Antiguidade, e que o seu nome foi atribuído em homenagem a Phídias, arquitecto do

Partenon).

São estas as principais características das sonatas de Scarlatti, que se apresentam

como peças de um só andamento, numa forma binária (ou bipartida), e viu-se que se

torna possível dissecá-las ao pormenor nas suas partes constituintes, havendo todo um

conjunto de elementos que as constituem.

No entanto, isso não as torna estanques nem rígidas, sendo elas dotadas de tão

grande variedade no tratamento dos temas que, tal como Kirkpatrick diz, o ouvinte

tende a esquecer que está perante uma simples forma binária |:A||:B:||

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Sonata em Scarlatti e forma-sonata clássica: que relação entre elas?

Para este ponto do trabalho, escolheu-se uma sonata de Scarlatti (uma gavotte1

em ré menor) e um primeiro andamento de uma sonata de Mozart (Kv. 545, em Dó

maior). E importante perceber-se porque motivo se escolheu apenas o primeiro

andamento de uma sonata de Mozart e não a sonata inteira, uma vez que de Scarlatti

analisou-se uma sonata inteira. No entanto não podemos esquecer que a sonata de

Scarlatti consta de um único andamento, numa forma bipartida (como já foi

anteriormente visto), e que as influências que poderá ter legado à posterioridade estarão

presentes apenas no primeiro andamento, uma vez que é este que está escrito no que é

conhecido como “forma-sonata”. Nesta forma, podemos encontrar três partes

constituintes fundamentais, ainda que nas partituras o primeiro andamento apareça, na

maior parte dos casos, escrito segundo uma forma bipartida. Estas partes são a

exposição, o desenvolvimento e a reexposição. Dentro da exposição, é possível

encontrar-se dois temas, estando o primeiro na tónica e o segundo na dominante. No

desenvolvimento, encontramos um grande trabalho feito sobre o material temático,

explorando-se e transformando-se os temas anteriormente apresentados com uma

grande diersidade harmónica, não apenas na tónica ou dominante. Finalmente, na

reexposição são novamente apresentados os dois primeiros temas, com a diferença de

que estão ambos na tónica, não existindo já modulação alguma ao V grau. No entanto,

como relacionar estes três momentos com o que foi dito sobre o primeiro movimento

estar apresentado como uma forma binária, isto é, como ||:A:||:B:||?

O que se passa é que na parte A é apenas apresentada a exposição, enquanto a B

se reparte entre o desenvolvimento e a reexposição. Na realidade, na forma sonata

coexistem os dois princípios: o binário e o ternário; são três secções principais (porque

todas têm a mesma importância) condensadas ou imbutidas numa estrutura formal de

duas partes.

Seria possível condensar isto na seguinte tabela:

1 Estilo de dança Forma da sonata em Scarlatti Forma-sonata Clássica (ex. Mozart)

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Torna-se importante referir que esta tabela é meramente uma aproximação que

pretende mostrar quais as primeiras semelhanças que poderão existir entre a Sonata

escrita por Scarlatti e a Sonata escrita no período clássico (período para qual se

escolheu, neste trabalho, a Mozart enquanto representante), uma vez que uma diferença

bastante importante e que não é possível negligenciar é o facto de na Sonata de Scarlatti

não se encontrar uma recapitulação na tónica do material que foi primeiramente

enunciado na parte A. Se pensarmos no exemplo de Scarlatti escolhido (uma Gavotte

em re menor), vemos precisamente isto: está construída segunda uma forma binária

simples e apresenta dois temas distintos em cada uma das partes; no entanto, tal como

diz Kirkpatrick, não é possível falar de “tema 1” e “tema 2” uma vez que estes temas

são independentes um do outro. Não é o caso da sonata clássica, onde a regra é haver

uma modulação ao V grau e depois uma transição para o segundo tema (como acontece

no exemplo escolhido, sonata Kv 545 em Do Maior. No fundo, em Scarlatti temos um

tema por parte, enquanto em Mozart temos apenas na parte A dois temas que constituem

um conjunto e que será mais tarde reapresentado na íntegra na conclusão (embora com

uma diferença harmónica fundamental que se prende ao facto de ambos os temas serem

apresentados na tónica).

Viu-se no ponto anterior do trabalho que existe um elemento constituinte da

Sonata em Scarlatti que é chamado “secção tonal”, e que este se situa na parte A. Se

tivermos de tentar estabelecer um paralelo com a sonata clássica, esta secção tonal

corresponderia (segundo Kirkpatrick) ao conjunto de música formado entre o início do

segundo tema e o final da exposição. Se virmos os exemplos apresentados (e que

estarão nos anexos deste trabalho), percebemos precisamente isso: a secção tonal da

parte A da Gavotte de Scarlatti começará no compasso 13, visto que a secção tonal

||:A:|| - início, secção central,

núcleo ||:A:|| - Exposição (tema 1, tema 2, elementos de transição)

Desenvolvimento (tratamento diverso dos temas,

modulações harmónicas, secção mais livre)

||:B:|| - início, digressão,

hipotético retorno do material

anterior, núcleo

||:B:||

Reexposição (tema 1, tema 2, ambos na tónica)

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pretende estabelecer a tonalidade de conclusão, que neste caso será Lá; é impossível

dizer-se com certezas absolutas se será uma tonalidade maior ou menor visto que falta a

3ª do acorde; não obstante, é fundamental reter a tonalidade de início – ré menor - e a

de conclusão – lá- porque se vê claramente aqui uma relação tónica-dominante. Se

pensarmos entao em Mozart, na sua sonata KV 545 em Do maior, o segundo tema

começa no compasso 14 (13, se considerarmos a preparação que Mozart faz); este seu

segundo tema começa em Sol Maior, e se tivermos em conta que a sonata está em Do

Maior, mais uma vez encontramos esta relação tónica-dominante, tal como Scarlatti já

havia feito anteriormente. Já na parte B, ambos os compositores passam por regiões

tonais mais longínquas em relação à tonalidade de início.

Assim, em termos de estrutura tonal, parece ter sido usado nesta sonata de

Mozart o terceiro modelo estrutural tonal referido anteriormente em relação às sonatas

de Scarlatti (tónica-modulaçao-dominante :||: dominante-modulações mais longínquas-

tónica); isto é comprovado pela observação da parte B tanto da sonata de Scarlatti como

da sonata de Mozart.

Há outra característica da sonata clássica que parece estar ligada à forma da

sonata de Scarlatti.

Na realidade, no período clássico era muito comum a construir-se a sonata (ou

outros géneros) através de uma estrutura frásica de antecedente – consequente. Esta

estrutura baseia-se numa quadratura simples de 4; no entanto, nesta sonata de Mozart,

parece estar construída segundo 2+2, resultando daqui que a frase musical tem 4 e não 8

compassos na totalidade (4 primeiros compassos da sonata).

Se virmos agora o exemplo de Scarlatti, nesta sua Gavotte em ré menor, parece

também haver esta estrutura de pergunta-resposta, por assim dizer, tal como viria a ser a

estrutura clássica. Inclusivamente a quadratura utilizada é igual à clássica (8 compassos

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na totalidade, sendo os 4 primeiros um “pré-antecedente” e ou 4 últimos um “pré-

consequente”2).

Voltando agora um pouco às conclusões de Nancy Lee Harper, e tentando

adaptá-las a uma comparação entre dois compositores diferentes, será que também

nestes exemplos se conseguirá também estabelecer esta relação?

De facto, efectuadas as operações necessárias para encontrar a secção de ouro de

cada parte (A e B) de Scarlatti e de Mozart, chega-se à conclusão de que, embora o

número de compasso no qual se encontra a secção de ouro seja diferente em cada

compositor (pela simples razão de que a sonata de Mozart é maior do que a de Scarlatti,

pelo que a multiplicação por 0.618 nunca poderia dar o mesmo resultado), a posição da

secção de ouro é a relativamente a mesma em ambos os compositores, situando-se entre

os 60% e os 64% de cada parte. Explicando melhor, quer isto dizer que na parte A de

Scarlatti, a secção de ouro se encontra no compasso 10 de 16 (62,5%) e que em Mozart,

na parte A também, a secção de ouro de encontra no compasso 17 de 28, o que

2 A introdução do prefixo “pré” está ligada ao facto de na época em que as sonatas de Scarlatti foram compostas, esta estrutura de antecedente-consequente ainda não existia formalmente; no entanto, parece ter sido reaproveitada, no período clássico, a partir daquilo que já os compositores anteriores faziam.

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estabelece uma relação de 60%; como se vê, bastante próxima uma da outra. Já na parte

B se encontram um pouco mais afastadas (a 60% em Mozart, no compasso 27 de 45 e a

64% em Scarlatti, no compasso 20 de 31). Ainda em relação ao exemplo de Scarlatti,

vê-se que a secção de ouro da parte A não está muito afastada do início da secção tonal

(que começa apenas 3 compassos depois), ao passo que em Mozart a mesma secção de

ouro se encontra 4 compassos depois do início do segundo tema, que se pode relacionar

com a secção tonal de Scarlatti. Em relação à parte B de cada sonata, em Scarlatti a

secção de ouro se encontra apenas um compasso antes da entrada da tonalidade de

conclusão (segundo o esquema de Kirkpatrick, esta parte poderia, creio, corresponder à

conclusão do núcleo da segunda metade). Já em Mozart, a secção de ouro da parte B

encontra-se dois compassos antes da reentrada do segundo tema na tónica, portanto, em

plena reexposição.

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Conclusão

Ao longo deste trabalho, foi possível chegar a algumas conclusões sobre a forma

da sonata em Scarlatti, bem como a algumas conclusões sobre que relação ela poderá ter

tido com a forma sonata clássica, de que forma a poderá ter influenciado.

Creio que se pode dizer que de facto a estrutura da sonata não se alterou muito

da época de Scarlatti para a época clássica, sendo esta herdeira de algumas

características que se vêem nas composições daquele.

Ainda que existam diferenças claras (uma vez os compositores viveram em

épocas diferentes, e cada um tem o seu próprio estilo de escrita e de fazer música, com

características próprias da época em que cada um viveu), há também vários pontos em

comum.

Viu-se que as sonatas de Scarlatti, apesar de serem constituídas por um único

movimento, são passíveis de serem “decompostas” em vários elementos constituintes

(provavelmente a maior contribuição para isto tenha sido o estudo de Ralph Kirkpatrick,

largamente citado ao longo deste trabalho); no entanto, quando se analisa uma partitura

que contenha uma sonata de Scarlatti, por vezes toda esta divisão pode ser difícil de

encontrar, uma vez que não é raro os elementos fundirem-se entre si, dando lugar a que

se possam omitir algumas das partes constituintes referidas por Kirkpatrick. No fundo,

esta divisão que ele propõe é tão pormenorizada que por vezes pode ser fácil não a

conseguir identificar.

No entanto, viu-se que há sem dúvidas elementos que se mantém de uma forma

para a outra. É o caso por exemplo da estrutura antecedente-consequente, que aparece já

(embora não oficialmente assim denominada) nas sonatas de Scarlatti (conforme se

pôde ver no exemplo apresentado, a Gavotte em ré menor) e que vai ser largamente

utilizada durante o periodo clássico na constituição de certas frases musicais (como se

pode facilmente constatar na maior parte das sonatas de Mozart, por exemplo).

Outro ponto de semelhança está baseado na estrutura tonal (também ela sempre

ligada indubitavelmente à forma). É verdade que a forma-sonata é caracterizada por

uma modulação, na exposição, à dominante. Também as sonatas de Scarlatti usam este

esquema tónica-dominante, com ou sem modulação, sendo que algumas, na segunda

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metade, podem transitar da dominante à tónica através de modulações longínquas. É o

caso dos dois exemplos apresentados, e sem dúvida o de mais sonatas tanto de Scarlatti

como de Mozart.

Em relação à questão da secção de ouro e de que forma ela se relaciona com a

forma da sonata de cada um dos compositores, vemos que apesar de existirem algumas

diferenças (que foram explicadas no decorrer do trabalho), no geral a secção de ouro

está sempre relativamente perto (com desfasamento de poucos compassos) de uma

secção importante na estrutura de cada uma das sonatas.

No fundo, o que este trabalho pretendeu demonstrar foi que de facto a sonata,

enquanto forma composicional, evolui temporalmente, sendo claramente afectada por

todos os condicionalismos estéticos de cada período em que é composta; no entanto, há

sempre reaproveitamentos de materiais e ideias e formas de compor anteriores, e parece

não haver lugar para dúvidas em relação à influência que as sonatas de Scarlatti tiveram

na definição do que viria a ser a forma-sonata clássica.

Page 15: Anatomia da Sonata de Scarlatti

A forma da sonata de Scarlatti e o seu legado para o período clássico Universidade de Évora – Departamento de Música

Docente: Dr. Filipe Mesquita de Oliveira Discente: Ana Rita Faleiro – nº 24138

Cadeira: História da Música Ocidental III 15/18

Évora, Janeiro de 2009

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