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Andiara Roberta Silva O ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL COMO INSTRUMENTO AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL: O EQUILÍBRIO ENTRE ECOLOGIA E ECONOMIA NO MARCO DA TRANSIÇAO PARADIGMÁTICA Dissertação apresentada ao Programa de Pós – Graduação em Direito Mestrado, Área de Concentração em Demandas Sociais e Políticas Públicas, Linha de Pesquisa Constitucionalismo Contemporâneo, da Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Dr. Luiz Ernani Bonesso de Araújo Santa Cruz do Sul, fevereiro de 2009.

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Andiara Roberta Silva

O ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL COMO INSTRUMEN TO AO

DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL: O EQUILÍBRIO ENTRE ECO LOGIA

E ECONOMIA NO MARCO DA TRANSIÇAO PARADIGMÁTICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós – Graduação em Direito – Mestrado, Área de Concentração em Demandas Sociais e Políticas Públicas, Linha de Pesquisa Constitucionalismo Contemporâneo, da Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Dr. Luiz Ernani Bonesso de Araújo

Santa Cruz do Sul, fevereiro de 2009.

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Andiara Roberta Silva

O ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL COMO INSTRUMEN TO AO

DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL: O EQUILÍBRIO ENTRE ECO LOGIA

E ECONOMIA NO MARCO DA TRANSIÇAO PARADIGMÁTICA

Esta dissertação foi submetida ao Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado, Área de Concentração Constitucionalismo Contemporâneo, Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito.

Prof. Dr. Luiz Ernani Bonesso de Araújo

Professor Orientador

Prof. Dr. João Telmo Vieira

Universidade de Santa Cruz do Sul

Profª. Drª. Ângela Araújo da Silveira Espíndola

Universidade do Vale do Rio dos Sinos

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Dedico esse trabalho à minha mãe Lourdes, paradigma de coragem,

perseverança e fé. Amo-te com todas as forças do universo...

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AGRADECIMENTOS

Aproveito esse espaço para homenagear a todos que de alguma forma

contribuíram para a efetivação desse trabalho.

Em primeiro lugar, agradeço a Deus, o criador, que foi quem me deu forças

para não desistir diante das dificuldades que me foram impostas pela vida durante a

realização do Mestrado em Direito da UNISC.

Agradeço aos meus pais, Roberto e Lourdes, os grandes exemplos da minha

vida e responsáveis por quem sou hoje. A eles, que me ensinaram a enfrentar as

dificuldades da vida, mostrando-me que ser livre significa viver tudo que ela oferece.

Sem evitar, sem fugir, mas encarando-a e acolhendo-a.

Ao meu grande amor e amigo Jorge, que ficou ao meu lado durante a

elaboração desse trabalho, sempre dizendo: “eu acredito em ti”. Retribuo-te dizendo:

"eu tenho tanto pra lhe falar, mas com palavras não sei dizer, como é grande o meu

amor por você”...

Aos meus sogros, Sonia e Jorge, e à avó Marilia, pessoas muito especiais que

me acolheram como filha. Agradeço também ao Marcus e à Nanda.

Aos meus avós, Antônio e Olívia, pelo carinho e experiência de vida.

Ao professor orientador Dr. Luiz Ernani, grande mestre e amigo, com quem

aprendi muito sobre direito ambiental e a docência.

Ao professor Dr. João Telmo, exemplo de profissional e de amor pela vida.

Aos professores do Mestrado em Direito da UNISC, pelo conhecimento

compartilhado.

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Aos funcionários do Mestrado em Direito da UNISC, Rosana e André, e ao

Coordenador professor Dr. Jorge Reis.

Aos professores Fabiana e Theobaldo, pessoas especiais que me ensinaram

os primeiros passos no Direito.

À querida Bia, pela amizade, pelo material compartilhado e pelas incansáveis

discussões sobre direito ambiental.

Aos colegas da turma de Constitucionalismo Contemporâneo. Em especial ao

Paulo, à Carô, à Leti e à Mari, grandes amigos que fiz durante o mestrado e com os

quais eu pude contar nos momentos difíceis, nas madrugadas de estudo e também

nas quintas confirmadas na Amsterdan.

Aos amigos-irmãos Andrea, Cris, Susana, Letusa, Eloísa, Cláudia, Camila,

Gisele, Ana, Márcia, Thay, Tita, Maurício, Leandro e Eduardo, com os quais sempre

pude contar e que acreditaram que um dia eu chegaria até aqui. Digo-lhes que

“amigo é o irmão que o coração escolhe” (Vinicius de Morais).

À minha irmã de coração Fran, que conhece o verdadeiro significado da

palavra amizade.

À Raquel, pela amizade incondicional. Desejo que ela e o “Heitorzinho” (que

está a caminho) estejam sempre ao meu lado na longa jornada dessa vida.

Por fim, aos colegas e amigos da Segunda Vara Cível da Comarca de

Tramandaí, que me receberam com muito carinho e com os quais aprendi muito.

Agradeço, em especial, ao Dr. Alfredo, ao Jerônimo e à Thaís, pessoas iluminadas

que Deus colocou no meu caminho.

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De todos os problemas enfrentados pelo sistema mundial, a

degradação ambiental é talvez o mais intrinsecamente

transnacional e, portanto, aquele que, consoante o modo como

for enfrentado, tanto pode redundar num conflito global entre o

Norte e o Sul, como pode ser a plataforma para um exercício

de solidariedade transnacional e intergeracional. O futuro está

por assim dizer, aberto a ambas as possibilidades, embora só

seja nosso na medida em que a segunda prevalecer sobre a

primeira.

Boaventura de Sousa Santos (Pela mão de Alice)

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RESUMO

A pesquisa que ora se apresenta tem o objetivo de analisar a figura do Estudo

Prévio de Impacto Ambiental no âmbito da legislação brasileira, a fim de verificar se

esse instrumento garante a efetividade do conceito atual de desenvolvimento

sustentável. O meio ambiente está em colapso, urge a necessidade de uma nova

concepção acerca da relação entre o homem e a natureza. O modelo reducionista,

utilitarista e antropocêntrico, o qual ainda está presente no modelo capitalista

vigente, necessita ser substituído por um modelo que possibilite a integração entre o

homem e a natureza. Este é o denominado “paradigma ecológico sistêmico”, o qual

reconhece a interdependência fundamental de todos os processos que garantem as

relações entre todos os sistemas vivos, percebendo que a relação entre sistema e

ambiente é complexa e necessária. Assim sendo, no âmbito da economia, é

imperioso adequar o modo de produção ao necessário equilíbrio ecológico, tendo

em vista o disposto no art. 170, IV, da Constituição Federal o qual assegura a

proteção ao meio ambiente como um princípio da ordem econômica pátria. Desse

modo, o desenvolvimento deve ser repensado enquanto conceito à luz das

necessidades de proteção ao meio ambiente, conforme aduzido na Conferência de

Estocolmo, na década de 1970, bem como na ECO-92, responsáveis pela

internacionalização do Direito Ambiental. Diante dessa percepção o legislador

constituinte de 1988 concedeu ao meio ambiente status de direito fundamental, no

art. 225. Esse mesmo dispositivo prevê, em seu § 1º, IV, a realização do Estudo

Prévio de Impacto Ambiental para as obras ou atividades que possam causar algum

dano ao meio ambiente. Trata-se de um instrumento da Política Nacional do Meio

Ambiente de suma importância à disposição do Estado, pois possibilita a efetividade

do atual conceito de desenvolvimento sustentável. O método utilizado para a

realização do trabalho é o hipotético-dedutivo.

Palavras-chave: crise ambiental, ecologia profunda, ordem econômica,

desenvolvimento sustentável, estudo prévio de impacto ambiental.

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ABSTRACT

The research here presented has as its main goal to analyze the figure of the

Previous Study of Environmental Impact in the context of Brazilian legislation, in

order to verify if this instrument assures the effectiveness of the current concept of

sustainable development. The environment is in collapse, therefore the urge for a

new concept over the relation between man and nature. The reductionist model,

utilitarian and anthropocentric, which is still present in the current capitalist model,

needs to be replaced for a model that permits integration between man and nature.

This is the so-called “systemic ecologic paradigm”, which recognized the fundamental

interdependency of all the processes that grant the relations among all living

systems, acknowledging that the relation between system and environment is

complex and necessary. Therefore, on the economic context, it is imperative to

adequate the production means to the necessary ecological equilibrium, having in

sight what is prescribed on art. 170, IV, of the Federal Constitution which assures

environmental protection as a principle of economic order. Consequently,

development should be redefined in light of the needs for environmental protection,

as presented at the Stockholm Conference, in the 1970s, as well as at the ECO-92,

both responsible for the internationalization of Environmental Law. With this

perception, the constitutional legislator of 1988 granted the environment status of

fundamental law, on art. 225. The same instrument prescribes, in its § 1º, IV, the

execution of the Environmental Impact Study to the acts or activities that may cause

any damage to the environment. It is an instrument of the National Environmental

Police of major importance to the disposition of the State, since it allows the

effectiveness of the current concept of sustainable development. The applied

methodology to the realization of this research is the hypothetico-deductive method.

Key words: environmental crisis, deep ecology, economic order, sustainable

development, previous study of environmental impact.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .........................................................................................................10

1 CAPITALISMO, MEIO AMBIENTE E TRANSIÇÃO PARADIGMÁTICA ................17

1.1 A crise do paradigma da modernidade...............................................................17

1.2 A emergência do paradigma ecológico-sistêmico: uma nova concepção

de homem e meio ambiente.....................................................................................

29

1.3 Capitalismo, ecologia e ordem econômica: a visão cartesiana e a visão

sistêmica da relação homem-natureza................................................................

41

2 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO AMBIENTAL................................54

2.1 A evolução da consciência global sobre meio ambiente ................................54

2.2 A internacionalização do direito ambiental .........................................................59

2.3 O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito

humano fundamental................................................................................................

73

3 O ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL COMO PRESSUPOSTO

AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL............................................................

92

3.1 O desafio da sustentabilidade frente à necessidade de equilibrar

economia e ecologia ...............................................................................................

92

3.2 O Estudo Prévio de Impacto Ambiental como pressuposto ao

desenvolvimento sustentável ..................................................................................

107

3.3 O Estudo Prévio de Impacto Ambiental como instrumento de garantia

ao meio ambiente ecologicamente equilibrado na jurisdição constitucional

brasileira............................................................................................................

129

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................... 145

REFERÊNCIAS.......................................................................................................152

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INTRODUÇÃO

Vivemos um período de crise. Crise porque se está rompendo com o velho e,

também, de construção do novo. O paradigma da modernidade se esgota e a pós-

modernidade é apenas um projeto, sem nome, sem definição.

No âmbito do paradigma econômico, é visível a modificação do capitalismo no

início do século XXI, um período de síntese entre a total liberdade de mercado e a

intensa regulação e o dirigismo estatal. O capitalismo parece se esgotar enquanto

modo de produção hegemônico, ao menos em sua versão (neo)liberal, em meio à

crise financeira que se abate sobre a economia mundial.

Todavia, entendemos que nenhum outro âmbito tenha sofrido maior golpe com

a transição paradigmática que vivenciamos do que a relação homem-natureza. A

crise ambiental toma proporções angustiantes àqueles que realmente têm

consciência do que se está atravessando em termos de degradação ecológica.

O terceiro milênio se inicia com um planeta em desequilíbrio ecológico, com

uma série de problemas que afetam a vida e a biodiversidade. Aquecimento global,

derretimento das calotas polares, buraco na camada de ozônio, aumento dos níveis

do oceano, efeito estufa. Extinção de espécies da fauna e flora, desmatamento,

queimadas, chuva ácida. Caos, poluição, excesso de lixo, escassez de água e

outros recursos naturais. Mudanças climáticas em todo o globo. Urbanização

desenfreada, superpopulação, industrialização não programada, crescimento

insustentável, multinacionais que não compreendem sua responsabilidade sócio-

ambiental.

Esses são apenas alguns dos aspectos da crise ambiental os quais colocam

em xeque o modo de vida capitalista e ocidental. Repensar o modo de produção é

imperioso. A incorporação de valores ecológicos à ordem econômica vigente

constitui condição de possibilidade da sobrevivência da vida humana na Terra.

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Desse modo, criar um novo paradigma econômico e ecológico é missão de

todos, pois os problemas já estão aí, demandando soluções sustentáveis.

Todavia, a demora em agir acaba por tornar mais difíceis as soluções. A

chamada questão ambiental parece ter entrado na agenda mundial apenas na

década de 1970, com a Declaração de Estocolmo sobre meio ambiente, em 1972,

tendo adquirido importância fulcral apenas duas décadas após, com as conclusões

da Conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento,

denominada ECO/92, onde foi editada a Agenda 21, que passou a ser um dos

tópicos de maior relevância em âmbito internacional e interno dos países

participantes.

Naquele documento se reconheceu ao homem o direito fundamental à

igualdade e ao gozo de condições de vida adequadas, em ambiente que lhe permita

desenvolver todas as suas potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.

Destaca-se que termo “desenvolvimento sustentável” se consolidou em 1992,

durante a ECO/92, na tentativa de negar a incompatibilidade entre o crescimento

econômico contínuo e a conservação do meio ambiente, ou seja, crescer sem

destruir. Esse modelo de desenvolvimento, denominado “ecodesenvolvimento”, é

aquele que satisfaz às necessidades presentes, sem que seja prejudicada a

qualidade de vida das futuras gerações, conforme já havia sido aduzido no Relatório

de Brundtland, em 1987.

No entanto, a recomposição da relação entre economia e ecologia envolve a

discussão de valores e a modificação de paradigmas. Ou seja, não basta a inclusão

de alguns elementos de cuidados com o ambiente se não forem revisados os

conceitos da economia à luz da necessidade de preservação dos bens ecológicos.

Com o intento de resolver essa “tensão”, a Unesco e outras entidades

internacionais adotaram uma nova filosofia do desenvolvimento que combina

eficiência ecológica com justiça social e prudência ecológica, denominada de “tripé

do desenvolvimento sustentável”. É importante registrar que a concessão das

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licenças ambientais pela administração pública deve ser realizada à luz desse

conceito.

A partir dessas preocupações e com o comprometimento dos Estados que

firmaram os acordos ambientais, dentre estes o Brasil, surgiu a percepção de que o

homem faz parte do meio ambiente, deixando de lado a visão antropocêntrica e

verificando cada vez mais a necessidade da percepção ecocêntrica.

A inclusão do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado nos textos

constitucionais – como o brasileiro de 1988 – contribui sobremaneira para a

possibilidade de efetivação jurídica do equilíbrio ecológico. Contudo, isso não é o

bastante. A mudança de paradigmas é mais importante, pois interessa criar uma

cultura de defesa ambiental.

Em outras palavras: a emergência de um novo paradigma (epistemológico,

ético, econômico e ecológico) tornou-se condição essencial da sobrevivência da

vida, diante dos problemas ambientais que ora enfrentamos, no sentido de criar uma

nova forma de relação entre ser humano e natureza, baseada no respeito mútuo e

na certeza de que somos parte de um todo maior e integrado sistemicamente.

É nesse complexo contexto que se insere o presente trabalho, ou seja, na

avaliação da construção de um novo paradigma de relação entre homem e natureza,

no âmbito da ordem econômica, a partir da revisão do capitalismo à luz dos

princípios ecológicos. Como forma de delimitar o campo de investigação, este

trabalho concentrar-se-á num instituto específico do nosso ordenamento jurídico, o

Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA), que tem sede constitucional.

O referido estudo é um instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, que

foi inspirado no direito americano. Ele surgiu nos Estados Unidos, em 1969, com

nomenclatura National Environmental Protection Act (NEPA). Foi introduzido de

forma tímida na legislação infraconstitucional brasileira na década de 1980. No

entanto, passou a ter especial destaque com o advento da Constituição Federal de

1988, que, em seu art. 225, § 1º, inciso IV, previu a realização desse estudo antes

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da instalação de qualquer obra ou atividade potencialmente causadora de impacto

ambiental.

Trata-se, no entanto, de uma forma de ação preventiva à disposição do Estado,

que lhe permite dar efetividade ao conceito de desenvolvimento sustentável - no

sentido de conciliar economia e meio ambiente. O procedimento do EPIA permite,

ainda, a participação popular, por meio da realização de audiências públicas. Desse

modo, estar-se-á dando efetividade à característica disposta no caput do art. 225 da

Constituição Federal de que o ambiente é bem de uso comum povo.

Desse modo, buscamos investigar a tensional relação entre economia e

ecologia, no âmbito da Constituição Federal de 1988, perquirindo, como problema

central, se o Estudo Prévio de Impacto Ambiental é uma garantia do

desenvolvimento ecologicamente sustentável ou um obstáculo ao desenvolvimento

econômico?

As duas hipóteses que irrompem, de imediato, são: (a) O Estudo Prévio de

Impacto Ambiental representaria um obstáculo ao desenvolvimento econômico em

decorrência das exigências legais previstas na legislação; ou (b) com o Estudo

Prévio de Impacto Ambiental existe a possibilidade de o meio ambiente

ecologicamente equilibrado previsto em âmbito constitucional ser efetivado sem

comprometer o desenvolvimento econômico do país.

Como forma de testar as hipóteses e responder ao problema de pesquisa,

traçamos os seguintes objetivos específicos, vinculando-os ao escopo geral de

analisar, à luz da legislação brasileira, com enfoque no art. 225, inc. IV, da

Constituição Federal, de que forma o Estudo Prévio de Impacto Ambiental pode

servir como instrumento de controle ambiental efetivo, visando a garantir o direito

humano fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado sem que seja

comprometido o desenvolvimento econômico do país.

Nessa linha, o primeiro capítulo deste trabalho destina-se a analisar a transição

paradigmática que estamos atravessando, indagando sobre os limites das

concepções modernas e das possibilidades de um novo conceito, que se entende

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como “ecológico-sistêmico”, em especial no âmbito ambiental, denominado por Arne

Naess, na década de 1970, de “ecologia profunda”. A visão ecológico-profunda

supera o sentido tradicional do termo “ecologia”, pois reconhece a interdependência

fundamental de todos os processos que garantem as relações entre os sistemas

vivos que a vida mantém, no sentido de perceber que a relação entre sistema e

ambiente é complexa e necessária. Ao final, discutir-se-á a visão cartesiana e a

visão sistêmica sobre o capitalismo, enquanto sistema econômico dominante.

Perquirir-se-á, ademais, sobre a tensão entre ecologia e ordem econômica, em

especial no âmbito da Constituição Federal de 1988.

Investigar-se-á, já no segundo capítulo, a evolução da consciência global sobre

meio ambiente, momento em que se apontarão os movimentos ambientais de maior

relevância para a formação dessa consciência nas últimas décadas, com destaque

aos documentos de cunho internacional firmados nos encontros internacionais.

Esses movimentos ambientais são divididos pela doutrina em quatro fases, quais

sejam: fase seminal, fase de massificação, fase de globalização I e fase de

globalização II, conforme se abordará no referido capítulo. Ainda, nesse mesmo

capítulo, analisar-se-á e avaliar-se-á o processo de internacionalização do direito ao

meio ambiente ecologicamente equilibrado e a incorporação desse viés no catálogo

de direitos fundamentais, notadamente na Constituição Federal de 1988. Verificar-

se-á, por fim, a exegese do art. 225 da Constituição Federal de 1988, o qual

estabelece o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito humano

fundamental.

Já no derradeiro capítulo, interpretar-se-á a ordem econômica constitucional

brasileira à luz da tensão entre economia e ecologia. Analisar-se-á a evolução dos

conceitos de desenvolvimento econômico e de desenvolvimento sustentável e a

existência de contraponto, ou não, entre estes. Realizar-se-á, ainda, uma análise da

legislação constitucional e infraconstitucional acerca do Estudo Prévio de Impacto

Ambiental, instrumento preventivo à disposição da Administração Pública, bem como

a sua aplicação na sociedade brasileira. Investigar-se-ão alguns julgados de modo a

visualizar a defesa jurisdicional do meio ambiente nas Cortes pátrias, destacando,

assim, o Poder Judiciário como responsável pela verificação dos atos da

Administração Pública no sentido de averiguar se os agentes desta vêm cumprindo

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o disposto na legislação ambiental vigente. Propor-se-á, por fim, uma reflexão

acerca da aplicação efetiva do Estudo Prévio de Impacto Ambiental, pondo em

destaca a existência da possibilidade do desenvolvimento ecologicamente

sustentável em harmonia com o desenvolvimento econômico, a fim de procurar

responder ao problema proposto como o norteador desta dissertação.

Desse modo, resta evidenciado que a pesquisa bibliográfica e jurisprudencial

se insere no âmbito da área de inserção do Programa de Pós-Graduação em Direito

Mestrado da UNISC, notadamente na linha de pesquisa denominada

Constitucionalismo Contemporâneo.

Tal vinculação se torna cristalina quando se percebe que o tema está vinculado

à importante inovação trazida pela Constituição Federal de 1988, a qual, com a

inclusão do art. 225, dá status de direito humano fundamental de terceira dimensão

ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Esse mesmo artigo, em seu inciso IV,

prevê a exigência do Estudo Prévio de Impacto Ambiental como instrumento de

controle ambiental exigido para as atividades que possam causar significativa

degradação ao meio ambiente, o qual é o foco principal desta pesquisa.

Nesse viés, pretende-se desenvolver um estudo que possibilite a conciliação

entre o desenvolvimento ecologicamente sustentável e o desenvolvimento

econômico, conforme previsto no art. 170, inc. VI, da Constituição Federal de 1988,

o qual prevê a defesa do meio ambiente como princípio da ordem econômica no

Brasil, demonstrando a primordial conexão entre economia e ecologia no âmbito

constitucional.

O método de abordagem adotado no desenvolvimento da pesquisa é o

hipotético-dedutivo1, ao passo que a metodologia de procedimento será a histórico-

1 “A proposta de Método Hipotético-Dedutivo coube a Popper, que o define um método que procura uma solução, através de tentativas (conjecturas, hipóteses, teorias) e eliminação de erros. Esse método pode ser chamado de “método de tentativas e eliminação de erros”. [...] Portanto, o método hipotético-dedutivo consiste na construção de conjecturas (hipóteses) que devem ser submetidas a testes, os mais diversos possíveis, à crítica intersubjetiva, ao controle mútuo pela discussão crítica, à publicidade (sujeitando o assunto a novas críticas) e ao confronto com os fatos, para verificar quais são as hipóteses que persistem como válidas resistindo às tentativas de falseamento, sem o que seriam refutadas. É um método de tentativas e eliminação de erros, que não leva à certeza, pois o

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crítica, procedendo-se da seguinte maneira: (1) será estabelecida uma delimitação

teórico-bibliográfica do tema da pesquisa; (2) avaliar-se-á a crise de paradigmas

pela qual passa a sociedade contemporânea, com foco principal na modificação da

relação homem-natureza, em especial no que se refere ao binômio ecologia-

economia, para (3) traçar um panorama histórico do movimento ambiental mundial e

da incorporação, internacional e constitucional, do direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado no sistema jurídico; e, (4) em seguida, verificar-se-ão,

criticamente, as possibilidades do EPIA na doutrina, na legislação e na

jurisprudência pátrias.

Utilizar-se-á, como técnica de pesquisa, documentação indireta por meio do

levantamento de dados com base em fontes secundárias (pesquisa bibliográfica e

jurisprudencial).

conhecimento absolutamente certo e demonstrável não é alcançado. É plenamente aceito pelos pesquisadores que não se pode postular o conhecimento como pronto e acabado, pois isto contraria a característica básica da ciência que é a de contínuo aperfeiçoamento por meio de alterações na teoria e na área de métodos e técnicas de investigação. O método hipotético-dedutivo propõe inferir conseqüências preditivas das hipóteses, com o teste, a seguir, dessas inferências preditivas, com base em experimentos. É dada ênfase para a tentativa de falseamento das hipóteses, para a descoberta de erros, com vistas a progressiva tentativa de aproximação da verdade”. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A9todo_ hipot %C3% A9tico-dedutivo>. Acesso em: 25 nov. 2008.

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1 CAPITALISMO, MEIO AMBIENTE E TRANSIÇÃO PARADIGMÁT ICA

1.1 A crise do paradigma da modernidade

É lugar comum afirmar que este é um período de transição de paradigmas.

Contudo, o grande dilema se refere à necessidade de construir um novo paradigma

(científico, social e jurídico) capaz de fazer frente a esta crise da modernidade.

Santos aponta que “[...] no limiar do terceiro milênio, estamos provavelmente a

assistir ao culminar deste processo. Com o colapso da emancipação na regulação, o

paradigma da modernidade deixa de poder renovar-se e entra em crise final”.2

As instituições modernas entram em colapso. O Estado, junto com o direito

produzido por ele (e que, circularmente, o produz), está em crise. A ciência não

consegue mais se sustentar e necessita de uma nova matriz epistemológica que

substitua os paradigmas cientificista cartesiano-newtoniano (nas ciências naturais) e

positivista (nas ciências humanas). Nesse sentido,Santos observa:

[...] a complexa matriz das energias regulatórias e das energias emancipatórias inscrita na modernidade ocidental foi sendo reduzida, à medida que esta convergiu com o desenvolvimento capitalista, a dois grandes instrumentos de racionalização da vida colectiva, a ciência moderna e o direito estatal moderno. A crise de ambos coincide, por isso, com a crise do paradigma dominante, uma crise epistemológica e societal.3

Do ponto de vista ambiental, essa problemática é ainda mais latente e,

ademais, coincide com um processo acelerado de crise4 do sistema capitalista de

2 SANTOS, Boaventura de Souza. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência, para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. v. 1. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2007. p. 15. 3 Ibidem, p. 42. 4 “A crise significa: a quebra de uma concepção de mundo. O que na consciência coletiva era evidente, agora é ponto de discussão. Qual era a concepção do mundo indiscutível? Que tudo deve girar ao redor da idéia de progresso. E que este progresso se move entre dois infinitos: o infinito dos recursos da terra e o infinito do futuro. Pensava-se que a Terra é inesgotável em seus recursos e podemos progredir indefinidamente na direção do futuro. Os dois infinitos são ilusórios. A consciência da crise reconhece: os recursos têm limites, pois nem todos são renováveis; o crescimento indefinido para o futuro é impossível, porque não podemos universalizar o modelo de crescimento para todos e para sempre [...]”. BOFF, Leonardo. Ecologia: grito da terra, grito dos pobres. São Paulo: Ática, 1995. p. 16.

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produção. Elas estão umbilicalmente ligadas à grande crise do paradigma da

modernidade e da lenta substituição deste por outro.

A pós-modernidade5 causa mal estar porque as promessas da modernidade

ainda não foram totalmente cumpridas, ao passo que outras, paradoxalmente, foram

excessivamente adimplidas:

O paradigma sócio-cultural da modernidade, constituído antes de o capitalismo se ter convertido no modo de produção industrial dominante, desaparecerá provavelmente antes de o capitalismo perder a sua posição dominante. Esse desaparecimento é um fenômeno complexo, já que é simultaneamente um processo de superação e um processo de obsolescência. É superação na medida em que a modernidade cumpriu algumas de suas promessas, em alguns casos até em excesso. É obsolescência na medida em que a modernidade já não consegue cumprir outras de suas promessas. Tanto o excesso como o défice de cumprimento das promessas históricas explicam a nossa situação presente, que aparece, à superfície, como um período de crise, mas que, a nível mais profundo, é um período de transição paradigmática.6

De qualquer modo, o que se pode perceber é que, a despeito do nome que se

dê ao fenômeno, ele está ocorrendo. Como refere Alain Touraine:

Um paradigma não é só um instrumento nas mãos da ordem dominante, mas igualmente a construção de defesas, de críticas e de movimentos de libertação. Todas estas formas de resistência repousam sobre princípios não sociais de legitimação. Todo paradigma é uma forma particular de apelo a uma ou outra representação daquilo que chamo de sujeito e que é a afirmação – cujas formas são variáveis – da liberdade e da capacidade dos seres humanos de criar-se e de transformar-se individual e coletivamente. A subjetivação, ou seja, a criação do sujeito não pode jamais ser confundida com a sujeição do indivíduo e da categoria. Não estamos enclausurados; nunca estamos obrigados a dizer que nada podemos fazer. A idéia de paradigma dá lugar tanto à luz quanto à sombra.7

Mas qual era, afinal, o paradigma anterior, agora em crise? Em outros termos,

o que é o paradigma da modernidade? Do ponto de vista da ciência, a modernidade

5 Existe grande celeuma em torno do próprio termo “pós-modernidade”. Como aponta Warat: “[...] os que falam de pós estão obcecados pela idéia do fim, por isso prefiro o prefixo trans. Os que falam de pós-modernidade estão preocupados por saber, como se isso fosse o único possível de saber, o que vamos abandonando, o que estamos obrigados a renunciar. A expressão fiel de um inevitável sentimento de epílogo”. WARAT, Luis Alberto. A ciência jurídica e seus dois maridos. 2. ed. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2000, p. 47. 6 SANTOS, Boaventura de Souza. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência, para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. v. 1. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2007. p. 49. 7 TOURAINE, Alain. Um novo paradigma: para compreender o mundo de hoje. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 13.

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se sustentou, ao longo de mais de três séculos, num modelo epistemológico

cartesiano e numa matriz metodológica newtoniana, dando origem ao que Capra

classificou de paradigma cartesiano-newtoniano:

Descartes criou a estrutura conceitual para a ciência do século XVII, mas sua concepção da natureza como uma máquina perfeita, governada por leis matemáticas exatas, permaneceu como simples visão durante sua vida. Ele não pôde fazer mais do que esboçar as linhas gerais de sua teoria dos fenômenos naturais. O homem que deu realidade ao sonho cartesiano foi Isaac Newton, nascido na Inglaterra e, 1642, ano da morte de Galileu. [...] A Física newtoniana, a realização de culminante da ciência seiscentista, forneceu uma consistente teoria matemática do mundo, que permaneceu como sólido alicerce do pensamento científico até boa parte do século XX.8

Do ponto de vista ético e econômico, ao lado da concepção cartesiano-

newtoniano de ciência, surgiu uma teoria moral que viria a completar o quadro

necessário à construção do paradigma da modernidade (e da posterior adoção do

capitalismo como sistema de produção9). Trata-se do utilitarismo, movimento

calcado numa visão liberal de mundo típica da Grã-Bretanha dos séculos XVIII e

XIX, época caracterizada pelo advento da Revolução Industrial.

Essa visão, que tem entre seus expoentes Jeremy Bentham, James Mill e John

Stuart Mill, encontra fundamento na busca da felicidade a qualquer preço por meio

dos recursos que forem necessários ao ser humano. Eis a justificativa utilitarista10 ao

8 CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. Tradução de Álvaro Cabral. 25. ed. São Paulo: Cultrix, 2005. p. 58. 9 “A modernidade ocidental e o capitalismo são dois processos históricos diferentes e autônomos. O paradigma sócio-cultural da modernidade surgiu entre o século XVI e os finais do século XVIII, antes de o capitalismo industrial se ter tornado dominante nos actuais países centrais. A partir daí, os dois processos converteram-se e entrecruzaram-se, mas, apesar disso, as condições e a dinâmica do desenvolvimento de cada um mantiveram-se separadas e relativamente autônomas. A modernidade não pressupunha o capitalismo como modo de produção, o socialismo marxista é também, tal como o capitalismo, parte constitutiva da modernidade, por outro lado, o capitalismo, longe de pressupor as premissas sócio-culturais da modernidade para se desenvolver, coexistiu e até progrediu em condições que, na perspectiva do paradigma da modernidade, seriam sem dúvidas consideradas pré-modernas ou mesmo antimodernas”. SANTOS, Boaventura de Souza. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência, para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. v. 1. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2007. p. 49. 10 “O termo utilidade designa aquela propriedade existente em qualquer coisa, propriedade em virtude da qual o objeto tende a produzir ou proporcionar benefício, vantagem, prazer, bem ou felicidade (tudo isto, no caso presente, se reduz à mesma coisa), ou (o que novamente equivale à mesma coisa) a impedir que aconteça o dano, a dor, o mal, ou a infelicidade para a parte cujo interesse está em pauta; se esta parte for a comunidade em geral, tratar-se-á da felicidade da comunidade, ao passo que, em se tratando de um indivíduo particular, estará em jogo a felicidade do mencionado indivíduo”. BENTHAM, Jeremy; MILL, John Stuart. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. São Paulo: Abril Cultural, 1974. p. 10.

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uso dos recursos naturais e ao desrespeito aos seres vivos não pertencentes à

espécie humana. E esta é a base de um modelo de vida liberal-burguês que usa a

natureza de forma irracional e desmedida, visando, apenas, a satisfazer a felicidade

imediata. Segundo essa teoria, a natureza seria apenas uma coleção de objetos que

serviriam às necessidades humanas com o fim único de proporcionar felicidade.

Esse grande paradigma da modernidade está cedendo espaço a algo novo,

ainda em construção, no dizer de Capra:

[...] o paradigma que está agora retrocedendo dominou a nossa cultura por várias centenas de anos, durante as quais modelou nossa moderna sociedade ocidental e influenciou significativamente o restante do mundo. Esse paradigma consiste em várias idéias e valores entrincheirados, entre os quais a visão do universo como um sistema mecânico composto de blocos de construção elementares, a visão do corpo humano como uma máquina, a visão da vida em sociedade como uma luta competitiva pela existência, a crença no progresso material ilimitado, a ser obtido por intermédio de crescimento econômico e tecnológico, e – por fim, mas não menos importante - a crença em que uma sociedade na qual a mulher é, por toda a parte, classificada em posição inferior à do homem é uma sociedade que segue uma lei básica da natureza. Todas essas suposições têm sido decisivamente desafiadas por eventos recentes. E, na verdade, está ocorrendo, na atualidade, uma revisão radical dessas suposições.11

Uma das grandes promessas do paradigma da modernidade é a dominação

técnica da natureza pelo homem. Isso somente é possível a partir de uma base

epistêmica que trace uma cisão profunda entre homem e natureza. O chamado

paradigma dominante foi construído no século XVI por autores vinculados às

ciências naturais, dentre os quais se destacam Renè Descartes e Isaac Newton,

além de seus predecessores Kepler, Copérnico e Galileu Galilei. Esses autores

formaram uma ruptura com o paradigma da Idade Média12 (aristotélico-tomista) e

instauraram o cientificismo mecanicista que domina as ciências até o século XX.

Nesse sentido, sustenta Santos:

11 CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. Tradução de Newton Roberval Eichenberg. 9. ed. Cultrix, 2004. p. 25. 12 “Nos séculos XVI e XVII, a visão de mundo medieval, baseada na filosofia aristotélica e na teologia cristã, mudou radicalmente. A noção de um universo orgânico, vivo e espiritual foi substituída pela noção do mundo como uma máquina, e a máquina do mundo tornou-se a metáfora dominante da era moderna. Essa mudança radical foi realizada pelas novas descobertas em física, astronomia e matemática, conhecidas como Revolução Científica e associadas aos nomes de Copérnico, Descartes, Bacon e Newton”. Ibidem, p. 34.

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O modelo de racionalidade que preside à ciência moderna constituiu-se a partir da revolução científica do século XVI e foi desenvolvido nos séculos seguintes basicamente no domínio das ciências naturais. Ainda que com alguns prenúncios no século XVIII, é só no século XIX que este modelo de racionalidade se estende às ciências sociais emergentes. A partir de então pode falar-se de um modelo global (isto é, ocidental) de racionalidade científica que admite variedade interna, mas que se defende ostensivamente de duas formas de conhecimento não científico (e, portanto, potencialmente perturbadoras): o senso comum e as chamadas humanidades ou estudos humanísticos (em que se incluíram, entre outros, os estudos históricos, filológicos, literários, filosóficos e teológicos).13

É em Descartes que se encontra mais nitidamente a visão de mundo dualista,

que separa res cogitans de res extensa, o que significa traçar a distinção entre

homem e natureza:

No século XVII, Renè Descartes baseou a sua concepção da natureza numa divisão fundamental entre dois domínios independentes e separados – o da mente, a “coisa pensante” (res cogitans), e o da matéria, a “coisa extensa” (res extensa). Essa cisão conceitual entre mente e matéria tem assombrado a ciência e a filosofia ocidentais há mais de trezentos anos. Depois de Descartes, os cientistas e os filósofos continuaram a conceber a mente como uma espécie de entidade intangível e foram capazes de imaginar como essa “coisa pensante” poderia relacionar-se com o corpo.14

Essa proeminência do homem sobre a natureza é a característica primordial do

antropocentrismo, que passa a ser o paradigma ético de relação homem-natureza.

Santos observa que “essa nova visão do mundo e da vida conduz a duas distinções

fundamentais, entre conhecimento científico e conhecimento do senso comum, por

um lado, e entre natureza e pessoa humana, por outro”.15

Corolário dessa postura é a conhecida formulação de Bacon16 de homem como

senhor e possuidor da natureza, sendo que esta é entendida como inanimada e

13 SANTOS, Boaventura de Souza. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência, para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. v. 1. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2007. p. 60. 14 CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Cultrix, 2002. p. 49. 15 SANTOS, op. cit., p. 62. 16 Deve-se perceber que, apesar de diferenças pontuais, os trabalhos de Descartes e Bacon são muito mais similares do que antagônicos. Nessa senda, destaca-se o entendimento de Capra: “A ciência do século XVII baseou-se num método de investigação, defendido vigorosamente por Francis Bacon, o qual envolvia a descrição matemática da natureza e o método analítico de raciocínio concebido pelo gênio de Descartes. Reconhecendo o papel crucial da ciência na concretização dessas importantes mudanças, os historiadores chamaram os séculos XVI e XVII de a Idade da Revolução Científica”. CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. Tradução de Álvaro Cabral. 25. ed. São Paulo: Cultrix, 2005. p. 50

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infinita, ao conformar apenas uma fonte de utilidade para o bem do ser pensante.

Essa teoria tem especial influência na produção de riquezas, que, então, começa a

ser o mote principal da classe burguesa que inicia a dominação econômica da

sociedade.17 Santos critica:

[...] é total a separação entre a natureza e o ser humano. A natureza é tão-só extensão e movimento; é passiva, eterna e reversível, mecanismo cujos elementos se podem desmontar e depois relacionar sob a forma de leis; não tem qualquer outra qualidade ou dignidade que nos impeça de desvendar os seus mistérios, desvendamento que não é contemplativo, mas antes activo, já que visa conhecer a natureza para a dominar e controlar. Como diz Bacon, a ciência fará da pessoa humana “o senhor e possuidor da natureza”.18

No âmbito das chamadas ciências naturais, Issac Newton fará a

complementação da epistemologia cartesiana (dualista,19 reducionista20 e

analítica21):

O arcabouço conceitual criado por Galileu e Descartes – o mundo como uma máquina perfeita governada por leis matemáticas exatas – foi completado de maneira triunfal por Isaac Newton, cuja grande síntese, a mecânica newtoniana, foi a realização que coroou a ciência do século XVII. Na biologia, o maior sucesso do modelo mecanicista de Descartes foi a sua aplicação ao fenômeno da circulação sanguínea, por Wiliam Harvey.22

A concepção de um mundo estático, inanimado, distinto do ser humano, será

um caminho epistemológico e metodológico para a ciência moderna criar meios de

utilizar a natureza segundo os interesses do mercado exsurgente. A funcionalidade

17 Veja-se que a dominação política somente ocorrerá bem mais adiante com a Revolução Francesa, já no final do século XVIII e a consagração final do capitalismo como modo de produção, que terá seu cume na Revolução Industrial que domina o século XIX. 18 SANTOS, Boaventura de Souza. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência, para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. v. 1. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2007. p. 62. 19 Dualista porque divide, de um lado, coisa pensante (homem) e coisa extensa (natureza). 20 Reducionista porque se assenta na redução da complexidade do mundo. A segunda regra do método cartesiano consiste em “dividir cada uma das dificuldades que devesse examinar em tantas partes quanto possível e necessário para resolvê-las.” DESCARTES, Renè. Discurso do método. São Paulo: Martin Claret, 2000. p. 31-32. 21 Após a redução, segundo o método de Descartes, deve-se analisar as partes e, a partir da sua união, entender-se-ia o todo. Como explica Capra: “René Descartes criou o método do pensamento analítico, que consiste em quebrar fenômenos complexos em pedaços a fim de compreender o comportamento do todo a partir da análise das suas partes”. CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. Tradução de Newton Roberval Eichenberg. 9. ed. Cultrix, 2004. p. 34. 22 Ibidem, p. 35.

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da natureza ao paradigma econômico dominante na modernidade é fundamentada

pelo conceito utilitarista de mundo-máquina:

Um conhecimento baseado na formulação de leis tem como pressuposto metateórico a ideia de ordem e de estabilidade do mundo, a idéia de que o passado se repete no futuro. Segundo a mecânica newtoniana, o mundo da matéria é uma máquina cujas operações se podem determinar exactamente por meio de leis físicas e matemáticas, um mundo estático e eterno a flutuar num espaço vazio, um mundo que o racionalismo cartesiano torna cognoscível por via da sua decomposição nos elementos que o constituem. Esta idéia do mundo-máquina é de tal modo poderosa que vai transformar-se na grande hipótese universal da época moderna. Pode parecer surpreendente e até paradoxal que uma forma de conhecimento assente numa tal visão do mundo tenha vindo a constituir um dos pilares da idéia de progresso que ganha corpo no pensamento europeu a partir do século XVIII e que é o grande sinal intelectual da ascensão da burguesia. Mas a verdade é que a ordem e a estabilidade do mundo são a pré-condição da transformação tecnológica do real. O determinismo mecanicista é o horizonte certo de uma forma de conhecimento que se pretende utilitário e funcional, reconhecido menos pela capacidade de compreender profundamente o real do que pela capacidade de dominar e transformar. No plano social, é esse também o horizonte cognitivo mais adequado aos interesses da burguesia ascendente, que via na sociedade, em que começava a dominar, o estádio final da evolução da humanidade (o estado positivo de Comte; a sociedade industrial de Spencer; a solidariedade orgânica de Durkheim). Daí que o prestígio de Newton e das leis simples a que reduzia toda a complexidade da ordem cósmica tenham convertido a ciência moderna no modelo de racionalidade hegemônica que a pouco e pouco transbordou do estudo da natureza para o estudo da sociedade. Tal como foi possível descobrir as leis da natureza, seria igualmente possível descobrir as leis da sociedade.23

Essa noção de mundo-máquina (mecanicismo), então, vinha conformar uma

grande ruptura de paradigmas (daí falar-se em viragem copernicana) tão relevante

quanto esta que se está atravessando hoje. Afinal, a visão de mundo dominante na

Idade Média é a orgânica, ou seja, a de que as pessoas vivem os fenômenos da

natureza em pequenas comunidades e compreendem a interdependência destes. A

base teórica de vida no medievo é calcada em dois pilares: a epistemologia

aristotélica e a Igreja Católica.

No século XIII, Tomás de Aquino combinou o abrangente sistema da natureza de Aristóteles com a teologia e a éticas cristãs e, assim fazendo, estabeleceu a estrutura conceitual que permaneceu inconteste durante toda a Idade Média. A natureza da ciência medieval era muito diferente daquela da ciência contemporânea. Baseava-se na razão e na fé, e sua principal finalidade era compreender o significado das coisas e não exercer a

23 SANTOS, Boaventura de Souza. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência, para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. v. 1. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2007. p. 62-63.

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predição ou o controle. Os cientistas medievais, investigando os desígnios subjacentes nos vários fenômenos naturais, consideravam do mais alto significado as questões referentes a Deus, à alma humana e à ética. A perspectiva medieval mudou radicalmente nos séculos XVI e XVII. A noção de um universo orgânico, vivo e espiritual foi substituída pela noção de mundo como se ele fosse uma máquina, e a máquina do mundo converteu-se na metáfora dominante da era moderna.24

A ruptura da integração com a natureza pela tentativa de dominá-la está na

base da “nova ciência”, em especial em Francis Bacon, que literalmente pretendia

“escravizar a natureza”. A propósito, Capra comenta:

O “espírito baconiano” mudou profundamente a natureza e o objetivo da investigação científica. Desde a Antiguidade, os objetivos da ciência tinham sido a sabedoria, a compreensão da ordem natural e a vida em harmonia com ela. A ciência era realizada “para maior glória de Deus” ou, como diziam os chineses, para “acompanhar a ordem natural” e “fluir na corrente do tao”. Esses eram propósitos yin, ou integrativos; a atitude básica dos cientistas era ecológica, como diríamos na linguagem de hoje. No século XVII, essa atitude inverteu-se totalmente; passou-se de yin para yang, da integração para auto-afirmação. A partir de Bacon, o objetivo da ciência passou a ser aquele conhecimento que pode ser usado para dominar e controlar a natureza e, hoje, ciência e tecnologia buscam sobretudo fins profundamente antiecológicos.25

A ecologia será frontalmente afetada pelo paradigma da modernidade. Como já

se referiu, o domínio da natureza é uma promessa da modernidade cumprida em

excesso até. Santos, a respeito, refere:

A promessa da dominação da natureza, e do seu uso para o benefício comum da humanidade, conduziu a uma exploração excessiva e despreocupada dos recursos naturais, à catástrofe ecológica, à ameaça nuclear, à destruição da camada de ozônio, e à emergência da biotecnologia, da engenharia genética e da conseqüente conversão do corpo humano em mercadoria última.26

Esse paradigma entra em crise epistemológica no início do século XX. Os

motivos dessa bancarrota são vários e, ancorados nas lições de Santos,27 são

apresentados nas linhas que seguem:

24 CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. Tradução de Álvaro Cabral. 25. ed. São Paulo: Cultrix, 2005. p. 49. 25 Ibidem, p. 51. 26 SANTOS, Boaventura de Souza. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência, para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. v. 1. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2007. p. 56. 27 Ibidem, p. 68 e ss.

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(1) O fim da certeza matemática: com a teoria da relatividade de Einstein28

ocorre o primeiro rombo no paradigma da ciência moderna. Sua teoria revoluciona

as concepções de tempo e espaço, as quais deixam de ser categorias absolutas, em

função da constatação da inexistência da simultaneidade universal dos

acontecimentos. Deve-se perceber que Einstein é o autor que está no limbo entre a

modernidade e a pós-modernidade, pois a admiração que ele nutre por Galileu faz

com que se prenda em demasia à concepção matemática da estrutura da matéria,

sendo este o ponto central de sua celeuma com a interpretação de Copenhague,

capitaneada por Niels Bohr:

Einstein nunca pôde aceitar a existência de conexões não-locais e a resultante natureza fundamental da probabilidade. Foi esse o tema do histórico debate na década de 20 com Bohr, no qual Einstein expressou sua oposição à interpretação de Bohr da teoria quântica na famosa metáfora: “Deus não joga dados”. No final do debate, Einstein teve de admitir que a teoria quântica, tal como Bohr e Heisenberg a interpretaram, formava um sistema coerente de pensamento; mas continuou convencido de que uma interpretação determinista em termos de variáveis ocultas locais seria encontrada mais cedo ou mais tarde no futuro. A relutância de Einstein em aceitar as conseqüências da teoria que seu trabalho anterior ajudara a formular é um dos mais fascinantes episódios na história da ciência. A essência de sua discordância em relação a Bohr estava em sua firme crença numa realidade externa, que consistiria em elementos independentes e espacialmente separados. Isso mostra que a filosofia de Einstein era essencialmente cartesiana. Embora ele tivesse iniciado a revolução da ciência no século XX e tivesse ido muito além de Newton com sua teoria da relatividade, parece que Einstein, de algum modo, não era capaz, ele próprio de ultrapassar Descartes.29

(2) A mecânica quântica: após a relativização das leis de Newton pela teoria

einsteiniana no âmbito da astrofísica, a mecânica quântica se encarrega de

relativizá-la no domínio da microfísica. Heisenberg e Bohr irão derrubar o

reducionismo e o dualismo do paradigma dominante, por meio da constatação de

28 “O início da física moderna foi marcado pela extraordinária proeza intelectual de um homem: Albert Einstein. Em dois artigos, ambos publicados em 1905, Einstein introduziu duas tendências revolucionárias no pensamento científico. Uma foi a teoria especial da relatividade; a outra, um novo modo de considerar a radiação eletromagnética, que se tornaria característico da teoria quântica, a teoria dos fenômenos atômicos. A teoria quântica completa foi elaborada vinte anos mais tarde por uma equipe de físicos. A teoria da relatividade, porém, foi construída em sua forma completa quase inteiramente pelo próprio Einstein. Os ensaios científicos de Einstein são monumentos intelectuais que marcam o começo do pensamento do século XX.” CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. Tradução de Álvaro Cabral. 25. ed. São Paulo: Cultrix, 2005. p. 70. 29 Ibidem, p. 77.

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que não é possível observar um objeto sem interferir nele. É o princípio da incerteza

de Heisenberg,30 segundo o qual:

[...] a hipótese do determinismo mecanicista é inviabilizada uma vez que a totalidade do real não se reduz à soma das partes em que a dividimos para observar e medir. Por último, a distinção sujeito/objecto é muito mais complexa do que à primeira vista pode parecer. A distinção perde os seus contornos dicotômicos e assume a forma de um continuum.31

(3) O teorema da incompletude: o rigor da medição, já abalado pela mecânica

quântica, é ainda mais questionado quando se demonstra a impossibilidade de rigor

mesmo na matemática. São as investigações de Gödel que demonstrarão a

impossibilidade de encontrar, num sistema formal, a prova de sua própria

consistência. Ou seja: mesmo se utilizando a lógica matemática, é possível formular

proposições indecidíveis, proposições que não se podem demonstrar e tampouco

refutar.

Se as leis da natureza fundamentam o seu rigor no rigor das formalizações matemáticas em que se expressam, as investigações de Gödel vêm demonstrar que o rigor da matemática carece ele próprio de fundamento. A partir daqui é possível não só questionar o rigor da matemática como também redefini-lo enquanto forma de rigor que se opõe a outras formas de rigor alternativo, uma forma de rigor cujas condições de êxito na ciência moderna não podem continuar a ser concebidas como naturais e óbvias. A própria filosofia da matemática tem vindo a problematizar criativamente estes temas e reconhece hoje que o rigor matemático, como qualquer outra forma de rigor, assenta num critério de selectividade e que, como tal, tem um lado construtivo e um lado destrutivo.32

(4) Progresso no conhecimento na microfísica, na química e na biologia: nos

últimos trinta anos, as ciências da vida tiveram uma reviravolta teórica. Essa última

causa é a principal, e merece ser analisa de forma um pouco mais acurada.

30 “A grande realização de Heisenberg consistiu em expressar as limitações dos conceitos clássicos numa forma matemática precisa, conhecida como princípio de incerteza. Esse princípio consiste num conjunto de relações matemáticas que determinam a extensão em que conceitos clássicos podem ser aplicados a fenômenos atômicos; essas relações marcam os limites da imaginação humana no mundo atômico. Sempre que usamos termos clássicos – partícula, onda, posição, velocidade – para descrever fenômenos atômicos, descobrimos existirem pares de conceitos, ou aspectos, que estão inter-relacionados e não podem ser definidos simultaneamente de um modo preciso. Quanto mais enfatizamos um aspecto em nossa descrição, mais o outro se torna incerto, e a relação precisa entre os dois é dada pelo princípio da incerteza.” Ibidem, p. 74. 31 SANTOS, Boaventura de Souza. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência, para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. v. 1. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2007. p. 69. 32 Ibidem, p. 70.

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Na química, Ilya Prigogine, com a sua teoria das estruturas dissipativas,

demonstra que, em sistemas abertos, a evolução se explica por flutuações de

energia imprevisíveis. Trata-se da auto-organização espontânea e em situação de

não-equilíbrio. Destaca-se que “[...] a irreversibilidade nos sistemas abertos significa

que estes são produtos de sua história”.33 Santos segue a explanação trazendo a

relação entre os postulados de Prigogine e os conceitos aristotélicos:

Em vez da eternidade, temos a história; em vez do determinismo, a imprevisibilidade; em vez do mecanicismo, a interpenetração, a espontaneidade e a auto-organização; em vez da reversibilidade, a irreversibilidade e a evolução; em vez da ordem, a desordem; em vez da necessidade, a criatividade e o acidente. A teoria de Prigogine recupera inclusivamente conceitos aristotélicos tais como os conceitos de potencialidade e virtualidade que a revolução científica do século XVI parecia ter atirado definitivamente para o lixo da História.34

Quem abre caminho para Prigogine, ainda na década de 1940, é Ludwig Von

Bertalanffy, com a sua teoria dos “sistemas abertos”. No âmbito da ecologia, essa

noção foi vista como uma resposta para o equilíbrio dos ecossistemas, sendo que a

reciclagem foi estabelecida como princípio-chave da ecologia. Como explica Capra:

O entendimento das estruturas vivas como sistemas abertos forneceu uma nova e importante perspectiva, mas não resolveu o quebra-cabeça da coexistência entre estrutura e mudança, entre ordem e dissipação, até que Ilya Prigogine formulou sua teoria das estruturas dissipativas. Assim, como Bertalanffy combinara as concepções de fluxo e de equilíbrio para descrever sistemas abertos, Prigogine combinou “dissipativa” e “estrutura” para expressar as duas tendências aparentemente contraditórias que coexistem em todos os sistemas vivos. No entanto, a concepção de Prigogine de estrutura dissipativa vai muito além da de sistema aberto, uma vez que também inclui a idéia de pontos de instabilidade, nos quais novas estruturas e novas formas de ordem podem emergir.35

A abertura de caminho feita na química por Prigogine foi muito importante para

a compreensão dos sistemas. Contudo, o químico realizou seus experimentos em

sistemas simples (os chamados “relógios químicos”). É somente com Maturana e

Varela, no campo da biologia, que se consegue transportar o modelo das estruturas

33 SANTOS, Boaventura de Souza. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência, para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. v. 1. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2007. p. 70. 34 Ibidem, p. 70-71. 35 CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. Tradução de Newton Roberval Eichenberg. 9. ed. Cultrix, 2004. p. 149.

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dissipativas para os sistemas vivos. Isso principia com as células, o mais simples

sistema autopoitético da natureza.

Quando Ilya Prigogine desenvolveu sua teoria das estruturas dissipativas, procurou os exemplos mais simples que podiam ser descritos matematicamente. Ele descobriu esses exemplos nos laços catalíticos das oscilações químicas, também conhecidas como “relógios químicos”. Estes não são sistemas vivos, mas os mesmos tipos de laços catalíticos são de importância central para o metabolismo de uma célula, o mais simples sistema vivo conhecido. Portanto, o modelo de Prigogine nos permite entender as características estruturais essenciais das células em termos de estruturas dissipativas. Humberto Maturana e Francisco Varela seguiram uma estratégia semelhante quando desenvolveram sua teoria da autopoiese, o padrão de organização dos sistemas vivos. Eles se perguntaram: “Qual a incorporação mais simples de uma rede autopoiética que pode ser descrita matematicamente?” Assim como Prigogine, eles descobriram que até mesmo a célula mais simples era por demais complexa para um modelo matemático. Por outro lado, também compreenderam que, uma vez que o padrão da autopoiese é a característica que define um sistema vivo, não há, na natureza, um sistema autopoiético mais simples do que uma célula.36

Percebe-se, pois, que se trata de um movimento convergente, pujante e

transdisciplinar que pode ser caracterizado como um novo paradigma científico: o

paradigma da auto-organização, no dizer de Boaventura de Sousa Santos. “Este

movimento científico e as demais inovações teóricas (…) têm vindo a propiciar uma

profunda reflexão epistemológica sobre o conhecimento científico, uma reflexão de

tal modo rica e diversificada que, melhor do que qualquer outra circunstância,

caracteriza exemplarmente a situação intelectual do tempo presente.”37

Compreender bem as características desse paradigma emergente é o intuito do

próximo ponto, que avalia, em especial, as implicações epistemológicas e,

principalmente, ecológicas, da questão, no sentido de visualizar as teorias

ambientalistas, notadamente a ecologia profunda como modelo de relação homem-

natureza que surge do paradigma ecológico-sistêmico.

36 CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. Tradução de Newton Roberval Eichenberg. 9. ed. Cultrix, 2004. p. 159. 37 SANTOS, Boaventura de Souza. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência, para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. v. 1. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2007. p. 71.

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1.2 A emergência do paradigma ecológico-sistêmico: uma nova concepção de

homem e de meio ambiente

Podem ser utilizados vários nomes para identificar o paradigma que começa a

substituir o paradigma da modernidade (cartesiano-newtoniano). A pós-modernidade

– que, como visto, é também um termo polêmico e plurívoco – traz um novo

paradigma, isso é fato: seu nome é uma questão que perpassa muito mais os

objetivos de uma determinada análise do que um conceito universal de paradigma.

Utiliza-se aqui a designação de paradigma ecológico-sistêmico porque se

pretende abordar a ecologia (em especial a proteção jurídica do meio ambiente) no

contexto compreendido como “sistêmico”, haja vista que revoluciona a relação parte-

todo na epistemologia e, por conseqüência, nas ciências. Santos deixa clara a

impossibilidade conceitual ampla desse novo paradigma, referindo-o, desde a

perspectiva sociológica, como “paradigma de um conhecimento prudente para uma

vida decente”, conforme explicita a seguir:

A configuração do paradigma que se anuncia no horizonte só pode obter-se por via especulativa. Uma especulação fundada nos sinais que a crise do paradigma actual emite, mas nunca por eles determinada. Aliás, como diz René Poirier e antes dele disseram Hegel e Heidegger, “a coerência global das nossas verdades físicas e metafísicas só se conhece retrospectivamente” (Prefácio a Parain-Vial, 1983: 10). Por isso, ao falarmos do futuro, mesmo que seja de um futuro que já nos sentimos a percorrer, o que dele dissermos é sempre o produto de uma síntese pessoal embebida na imaginação, no meu caso, na imaginação sociológica. Não espanta, pois, que ainda que com alguns pontos de convergência, sejam diferentes as sínteses até agora apresentadas. Ilya Prigogine, por exemplo, fala da “nova aliança” e da metamorfose da ciência (Prigogine e Stengers, 1979). Fritjof Capra fala da “nova física” e do Taoísmo da física (1984), Eugene Wigner de “mudanças do segundo tipo” (1970), Erich Jantsch do paradigma da auto-organização (1980, 1981). Eu falarei do paradigma de um conhecimento prudente para uma vida decente. Com esta designação, quero significar que a natureza da revolução científica que atravessamos é estruturalmente diferente da que ocorreu no século XVI. Sendo uma revolução científica que ocorre numa sociedade ela própria revolucionada pela ciência, o paradigma a emergir dela não pode ser apenas um paradigma científico (o paradigma de um conhecimento prudente), tem de ser também um paradigma social (o paradigma de uma vida decente).38

38 SANTOS, Boaventura de Souza. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência, para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. v. 1. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2007. p. 74.

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Preceitua Santos que esse novo paradigma “está sendo gestado. Não nasceu

totalmente. Mas está dando os primeiros sinais de existência. Começa já uma nova

dialogação com o universo”.39 Nesse sentido:

A nova visão da realidade, de que vimos falando, baseia-se na consciência do estado de inter-relação e interdependência essencial de todos os fenômenos – físicos, biológicos, psicológicos, sociais e culturais. Essa visão transcende as atuais fronteiras disciplinares e conceituais e será explorada no âmbito de novas instituições. Não existe, no presente momento, uma estrutura bem estabelecida, conceitual ou institucional, que acomode a formulação do novo paradigma, mas as linhas mestras de tal estrutura já estão sendo formuladas por muitos indivíduos, comunidades e organizações que estão desenvolvendo novas formas de pensamentos e que se estabelecem de acordo com novos princípios.40

No que tange ao aspecto sistêmico, deve-se perceber que é na biologia que se

inicia esse novo modo de pensar em termos de conexões, relações e contexto. A

visão sistêmica, ao contrário da reducionista (do paradigma cartesiano), percebe que

as propriedades do todo são distintas da soma das partes.

O grande impacto que adveio com a ciência do século XX foi a percepção de que os sistemas não podem ser entendidos pela análise. As propriedades das partes não são propriedades intrínsecas, mas só podem ser entendidas dentro do contexto do todo mais amplo. Desse modo, a relação entre as partes e o todo foi invertida. Na abordagem sistêmica, as propriedades das partes podem ser entendidas apenas a partir da organização do todo. Em conseqüência disso, o pensamento sistêmico concentra-se não em blocos de construção básicos, mas em princípios de organização básicos. O pensamento sistêmico é “contextual”, o que é o oposto do pensamento analítico. A análise significa isolar alguma coisa a fim de entendê-la; o pensamento sistêmico significa colocá-la no contexto de um todo mais amplo.41

O pensamento sistêmico é um pensamento ambientalista, pois entende o

planeta como um todo integrado que não pode ser reduzido à mera soma de suas

partes. Afinal, “explicar coisas considerado o seu contexto significa explicá-las

considerando o seu meio ambiente”.42

39 BOFF, Leonardo. Ecologia: grito da terra, grito dos pobres. São Paulo: Ática, 1995. p. 30. 40 CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. Tradução de Álvaro Cabral. 25. ed. São Paulo: Cultrix, 2005. p. 259. 41 CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. Tradução de Newton Roberval Eichenberg. 9. ed. Cultrix, 2004. p. 41. 42 Ibidem, p. 46-47.

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Trata-se, em termos simplificados, de uma nova visão da realidade, em

especial da vida. A concepção clássica de vida é mecanicista e reducionista, porque

tenta reduzir o funcionamento dos organismos a modelos celulares bem definidos.

Para solucionar essa problemática, Capra propõe uma “biologia de sistemas”, que

compreende um organismo como um sistema vivo, e não como uma máquina. Vida

é inter-relação, inter-conexão, e não redução:

A concepção sistêmica vê o mundo em termos de relações e de integração. Os sistemas são totalidades integradas, cujas propriedades não podem ser reduzidas às unidades menores. Em vez de se concentrar nos elementos ou substâncias básicas, a abordagem sistêmica enfatiza princípios básicos de organização. Os exemplos de sistemas são abundantes na natureza. Todo e qualquer organismo – desde a menor bactéria até os seres humanos, passando pela imensa variedade de plantas e animais – é uma totalidade integrada e, portanto, um sistema vivo. As células são sistemas vivos, assim como os vários tecidos e órgãos do corpo, sendo o cérebro humano o exemplo mais complexo. Mas os sistemas não estão limitados a organismos individuais e suas partes. Os mesmos aspectos de totalidade são exibidos por sistemas sociais – como o formigueiro, a colméia ou uma família humana – e por ecossistemas que consistem numa variedade de organismos e matéria inanimada em interação mútua. O que se preserva numa região selvagem não são árvores ou organismos individuais, mas a teia complexa de relações entre eles.43

Nesse sentido de redefinição da vida, a obra de Maturana e Varela, intitulada

“De máquinas e seres vivos: Autopoiese - a organização do vivo”,44 surge como a

“teoria (da cognição) de Santiago”, por meio da qual se compreende que:

[...] a vida não tem um sentido fora de si mesma, que o sentido da vida de uma mosca é viver como mosca, “mosquear”, “ser mosca”, que o sentido da vida de um cachorro é viver como cachorro, ou seja, “ser cachorro ao cachorrear”, e que o sentido da vida de um ser humano é o viver humanamente ao “ser humano no humanizar”. E tudo isso no sentido de que o ser humano é somente o resultado de uma dinâmica não proposital.45

A vida, nessa perspectiva – que pode ser classificada de ecológica e sistêmica

– tem uma natureza relacional. Sustenta Capra: “embora possamos discernir partes

43 CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. Tradução de Álvaro Cabral. 25. ed. São Paulo: Cultrix, 2005. p. 260. 44 MATURANA, Humberto; VARELA, Francisco J. De máquinas e seres vivos: autopoiese - a organização do vivo. 3.ed. Tradução de Juan Acuña Llorens. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. p. 12. 45 Ibidem, p. 12.

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individuais em qualquer sistema, a natureza do todo é sempre diferente da mera

soma de suas partes.”46 Nesse viés, leciona Morin:

[...] a vida é um sistema de sistemas, não apenas porque o organismo é um sistema de órgãos, que são sistemas de moléculas, que são sistemas de átomos, mas também porque o ser vivo é um sistema individual, que participa de um sistema de reprodução, que tanto um quanto o outro participam de um ecossistema, que participa da biosfera.47

Esse inter-relacionamento entre os organismos vivos demonstra a importância

da preservação do planeta como um todo, não podendo ser concebida de

organismos isolados, o que demonstra que a própria noção de meio ambiente

(enquanto res extensa, distinta do homem, res cogitans) deve ser profundamente

revista:

Não existe nenhum organismo individual que viva em isolamento. Os animais dependem da fotossíntese das plantas para ter atendidas as suas necessidades energéticas; as plantas dependem do dióxido de carbono produzido pelos animais, bem como do nitrogênio fixado pelas bactérias em suas raízes; e todos juntos, vegetais, animais e microorganismos, regulam toda a biosfera e mantêm as condições propícias à preservação da vida. Segundo a hipótese Gaia, de James Lovelock e Lynn Margulis, a evolução dos primeiros organismos vivos processou-se de mãos dadas com a transformação da superfície planetária, de um ambiente inorgânico numa biosfera auto-reguladora. “Nesse sentido”, escreve Harold Morowitz, “a vida é uma propriedade dos planetas, e não dos organismos individuais.”48

Desse modo, e isso cabe deixar claro, ecologia e visão sistêmica se fundem na

construção do novo paradigma – razão pela qual se fala em paradigma ecológico-

sistêmico. Os notórios problemas ambientais por que passa o planeta não podem

ser vistos de forma isolada, como problemas tópicos, mas sim numa unidade

sistêmica, daí que a própria ecologia passa a ser sistêmica e a própria “sistemia”,

enquanto paradigma epistemológico, passa a ser ecológica.

Quanto mais estudamos os principais problemas de nossa época, mais somos levados a perceber que eles não podem ser entendidos isoladamente. São problemas sistêmicos, o que significa que estão interligados e são interdependentes [...] esses problemas precisam ser

46 CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. Tradução de Álvaro Cabral. 25. ed. São Paulo: Cultrix, 2005. p. 260. 47 MORIN, Edgar. O método I: a natureza da natureza. Tradução de Ilana Heineberg. Porto Alegre: Sulina, 2002, p. 129. 48 CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Cultrix, 2002. p. 23.

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vistos, exatamente, como diferentes facetas de uma única crise, que é, em grande medida, uma crise de percepção. Ela deriva do fato de que a maioria de nós, e em especial nossas grandes instituições sociais, concordam com os conceitos de uma visão de mundo obsoleta, uma percepção da realidade inadequada para lidarmos com nosso mundo superpovoado e globalmente interligado.49

Veja-se a constatação de Boff, que demonstra a importância da ecologia (ou da

nova ecologia sistêmica ou profunda, conforme se verá adiante) na

(re)categorização do termo (meio) ambiente:

O que se visa não é o meio ambiente, mas o ambiente inteiro. Um ser vivo não pode ser visto isoladamente com um mero representante de sua espécie, mas deve ser visto e analisado sempre em relação ao conjunto das condições vitais que o constituem no equilíbrio com todos os demais representantes da comunidade dos viventes em presença (biota e biocenose). [...] Portanto, a ecologia é um saber das relações, interconexões, interdependências e intercâmbios de tudo com tudo em todos os pontos e em todos os momentos. Nessa perspectiva, a ecologia não pode ser definida em si mesma, fora de suas implicações com os outros saberes. Ela não é um saber de objetos de conhecimento mas de relações entre os objetos de conhecimento. Ela é um saber de saberes, entre si relacionados.50

Retornando à teoria da cognição de Santiago, percebe-se que o processo de

cognição e o processo da vida são unos, sendo que a relação de um sistema vivo

com seu ambiente são relações cognitivas:

A idéia central da teoria de Santiago é a identificação da cognição, o processo de conhecimento, com o processo de viver. Segundo Maturana e Varela, a cognição é a atividade que garante a autogeração e a autoperpetuação das redes vivas. Em outras palavras, é o próprio processo da vida. A atividade organizadora dos sistemas vivos, em todos os níveis de vida, é uma atividade mental. As interações de um organismo vivo – vegetal, animal ou humano – com seu ambiente são interações cognitivas. Assim, a vida e a cognição tornam-se inseparavelmente ligadas. A mente – ou melhor, a atividade mental – é algo imanente à matéria, em todos os níveis de vida.51

Cognição e autogeração das redes vivas são processos íntimos: cognição é um

processo que independe de uma estrutura (como o cérebro ou o sistema nervoso).

49 CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. Tradução de Newton Roberval Eichenberg. 9. ed. Cultrix, 2004. p. 23. 50 BOFF, Leonardo. Ecologia: grito da terra, grito dos pobres. São Paulo: Ática, 1995. p. 18. 51 CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Cultrix, 2002. p. 50.

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Nesse sentido, os biólogos chilenos superam o dualismo cartesiano entre mente e

corpo/ambiente (extensão). Trata-se do surgimento da teoria da autopoiese52:

Na teoria de Santiago, a cognição está intimamente ligada à autopoiese, a autogeração das redes vivas. O sistema autopoiético é definido pelo fato de sofrer mudanças estruturais contínuas ao mesmo tempo que conserva o seu padrão de organização em teia. Os componentes da rede continuamente produzem e transformam uns aos outros, e o fazem de duas maneiras distintas. A primeira espécie de mudança estrutural é a de auto-renovação. Todo organismo vivo se renova constantemente, na medida em que suas células se dividem e constroem estruturas, na medida em que seus tecidos e órgãos substituem suas células num ciclo contínuo. Apesar dessa mudança permanente, o organismo conserva a sua identidade global, seu padrão de organização.53

Rocha, falando do sistema jurídico, traz uma definição importante do sistema

autopoiético como sistema que supera as fraquezas dos modelos sistêmicos

anteriores (fechados ou abertos):

O sistema autopoiético é aquele que é simultaneamente fechado e aberto, ou seja, é um sistema que tem repetição e diferença, tendo que equacionar no seu interior esse paradoxo, que os operadores do Direito vão usar como critério para tomar decisões. Assim, a idéia de autopoiese surge como uma necessidade de se pensar aquilo que não poderia ser pensado. É um sistema que não é fechado nem aberto. Por quê? Porque um sistema fechado é impossível, não pode haver um sistema que se auto-reproduza somente nele mesmo. E um sistema aberto seria só para manter a idéia de sistema. Se falamos em sistema aberto, já nem falamos mais em sistema, podemos falar de outra coisa. Então, o sistema fechado não é possível, o sistema aberto é inútil. Há, aqui, então, a proposta de que, existindo um critério de repetição e diferença simultânea, temos uma idéia de autopoiese.54

Em síntese: o sistema autopoiético é aberto e fechado ao mesmo tempo. Em

outras palavras, a relação entre ambiente e sistema é pautada pela auto-

organização deste que, ao mesmo tempo, apreende daquele:

52 Conforme explica Capra, “auto significa ‘si mesmo’ e se refere à autonomia dos sistemas auto-organizadores, e poiese – que compartilha da mesma raiz grega com a palavra ‘poesia’ – significa ‘criação’, ‘construção’, portanto autopoiese significa ‘autocriação’”. CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. Tradução de Newton Roberval Eichenberg. 9. ed. Cultrix, 2004. p. 88. 53 CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Cultrix, 2002. p. 50. 54 ROCHA, Leonel Severo. Da epistemologia jurídica normativista ao construtivismo sistêmico. In: ROCHA, L. S; SCHWARTZ, G.; CLAM, J. Introdução à teoria do sistema autopoiético do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 38.

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Segundo a teoria da autopoiese, o sistema vivo se liga estruturalmente ao seu ambiente, ou seja, liga-se ao ambiente através de interações recorrentes, cada uma das quais desencadeia mudanças estruturais no sistema. A membrana celular, por exemplo, assimila continuamente certas substâncias do ambiente para incorporá-las ao processo metabólico da célula. O sistema nervoso de um organismo muda o seu padrão de ligações nervosas a cada novo estímulo sensorial. Porém, os sistemas vivos são autônomos. O ambiente só faz desencadear as mudanças estruturais; não as especifica nem as dirige.55

Essa relação entre sistema vivo e ambiente torna clara a complexidade dos

sistemas autopoiéticos, diferindo-os dos sistemas não-vivos, demonstrando a não-

linearidade do sistema que se auto-organiza. Em outras palavras, o sistema vivo

responde às irritações do meio a partir de sua própria estrutura/padrão, não podendo

ser dirigido/controlado, apenas perturbado. Trata-se de outra importante categoria

sistêmica: o acoplamento estrutural. 56

Veja-se que a auto-organização biológica sistêmica é sempre complexa. No

dizer de Morin,57 a complexidade começa logo que há sistema.

A complexidade sistêmica manifesta-se, sobretudo, no fato de que o todo possui qualidades e propriedades que não se encontram no nível das partes consideradas isoladas e, inversamente, no fato que as partes possuem qualidades e propriedades que desaparecem sob o efeito das coações organizacionais do sistema. A complexidade sistêmica aumenta, por um lado, com o aumento do número e da diversidade dos elementos, e, por outro, com o caráter cada vez mais flexível, cada vez mais complicado, cada vez menos determinista (pelo menos para um observador) das inter-relações (interações, retroações, interferências, etc.).

É este epistemólogo francês quem defende a generalidade do sistema

enquanto paradigma, e não apenas como teoria. Sob essa égide, para superar o

paradigma reducionista cartesiano (redutor do todo), deve-se também superar o

holismo (enquanto redutor das partes), no sentido de compreender o sistema como

55 CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Cultrix, 2002. p. 51. 56 “Essa acoplagem estrutural, tal como definem Maturana e Varela, estabelece uma nítida diferença entre os modos pelos quais os sistemas vivos e os não-vivos interagem com o ambiente. Quando você dá um pontapé numa pedra, por exemplo, ela reage ao pontapé de acordo com uma cadeia linear de causa e efeito. Seu comportamento pode ser calculado por uma simples aplicação das leis básicas da mecânica newtoniana. Quando você dá um pontapé num cachorro, a situação é totalmente diferente. Ele reage ao pontapé com mudanças estruturais que dependem da sua própria natureza e do seu padrão (não-linear) de organização. Em geral, o comportamento resultante é imprevisível”. Ibidem, p. 51. 57 MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Tradução de Maria D. Alexandre e Maria Alice Sampaio Dória. 9. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. p. 291-292.

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paradigma, e não como objeto de trabalho/estudo: “A minha tese: oponho à idéia de

teoria geral ou específica dos sistemas à idéia de um paradigma sistêmico que

deveria estar presente em todas as teorias, sejam quais forem os seus campos de

aplicação aos fenômenos”.58

O sistema, no dizer de Morin,59 é um conceito de três faces indissolúveis:

a) sistema: que exprime a unidade complexa e o caráter fenomenal do todo,

assim como o complexo das relações entre o todo e as partes;

b) interação: que exprime o conjunto das relações, ações e retroações que se

efetuam e tecem num sistema;

c) organização:60 que exprime o caráter constitutivo dessas interações – aquilo

que se forma, mantém, protege, regula, rege, regenera-se – e que dá à idéia de

sistema a sua coluna vertebral.

Morin assevera que a definição de sistema como “uma inter-relação de

elementos constituindo uma entidade ou uma unidade global”61 não está completa,

pois:

[...] não basta associar inter-relação e totalidade, é preciso ligar totalidade ä inter-relação pela idéia de organização. [...] A organização, conceito ausente na maioria das definições do sistema, estava até agora como que sufocada entre a idéia de totalidade e a idéia de inter-relações, sendo que ela liga a idéia de totalidade à de inter-relações, tornando as três noções indissociáveis. A partir daí, pode-se conceber o sistema como unidade global organizada de inter-relações entre elementos, ações ou indivíduos.62

58 MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Tradução de Maria D. Alexandre e Maria Alice Sampaio Dória. 9. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. p. 259. 59 Ibidem, p. 265 e ss. 60 Cabe ressaltar que, para Morin o termo “organização” substitui o conceito clássico de “estrutura”, nome com o qual o primeiro surgiu no seio das ciências, pois este último estaria atrofiado, haja vista remeter à idéia de ordem: “A idéia de organização emergiu nas ciências sob o nome de estrutura. Mas a estrutura é um conceito atrofiado, que remete mais à idéia de ordem (regras de invariância) do que à de organização; a visão ‘estruturalista’ depende da simplificação (tende a reduzir a fenomenalidade do sistema à estrutura que a gera; desconhece o papel retroativo das emergências e do todo na organização).” MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Tradução de Maria D. Alexandre e Maria Alice Sampaio Dória. 9. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. p. 265. 61 MORIN, Edgar. O método I: a natureza da natureza. Tradução de Ilana Heineberg. Porto Alegre: Sulina, 2002. p. 131. 62 Ibidem, p. 132.

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Em síntese, a complexidade dos sistemas sociais contemporâneos, agravada

pelo fenômeno da globalização, impede descrições generalizantes ou

singularizantes:

[...] através do despertar de percepções acerca fenômeno pós-moderno, do recompor das singularidades para formação de uma "sociedade global subjetiva" onde a participação e autolegislação do cidadão - que compreende e cartogfafa as condições nos diversos territórios existenciais por onde transita - pode possibilitar uma consciência ecológica mais aprimorada. Que, portanto, na sua amplitude sistêmico-complexa possa questionar e reinventar os mecanismos jurídicos possibilitando uma maior eficácia dos mesmos frente a este universo contigencial, paradoxal e de risco com o qual deparamo-nos na atualidade. Uma visão que considere, através da compreensão do indivíduo como ser conjuntamente sensível e social, a reflexividade transdisciplinar nos mais diversos níveis. A reflexividade ecológica aprimorada podemos denominar Pensamento Sistêmico na Transnacionalização Ecológica. Repensar a transnacionalização a partir da percepção ecológica pode reduzir conflitos e conduzir a humanidade a uma ética da responsabilidade para continuidade da Nave Terra.63

Veja-se que não são poucos os autores que estão a trabalhar com as noções

de sistema, complexidade, auto-organização dos sistemas vivos, enfim, de mudança

de paradigma: do cartesiano-newtoniano ao ecológico-sistêmico. Esse movimento

teórico ocorre ao mesmo tempo em que o meio ambiente perpassa uma forte crise

(na segunda metade do séc. XX e, notadamente, no início do séc. XXI).

Os movimentos ambientalistas ou ecologistas encontram substrato teórico

nesses pensadores para criar uma nova relação homem-natureza:

A ecologia necessita de um pensamento organizacional, mas que supere os princípios de organização estritamente físicos. [...] a eco-organização é, ao mesmo tempo, organização cuja originalidade reside no seu caráter vivo que, de resto, retroage sobre seu caráter físico. A eco-organização é inseparável da constituição, da manutenção, do desenvolvimento da diversidade biológica. Hoje, mais do que nunca, a vida para organizar-se tem necessidade vital da vida, e a esta necessidade corresponde a dimensão ecológica. A dimensão ecológica constitui, de qualquer modo, a terceira dimensão organizacional da vida. A vida só era conhecida sob duas dimensões, espécie (reprodução) e indivíduo (organismo) e, por impressionante que seja, o meio parecia ser o envelope exterior. Ora, a vida não é apenas a célula constituída de moléculas; nem somente a árvore de múltiplas

63 ARAUJO, L. E. B.; TYBUSCH, J. S. Pensamento sistêmico-complexo na transnacionalização ecológica. In: ARAUJO, L. E. B.; VIEIRA, J. T. (Orgs.). Ecodireito: O Direito Ambiental numa perspectiva sistêmico-complexo. Vieira. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2007. p. 98-99.

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ramificações da evolução constituída em reinos, ramos, ordens, classes, espécies. É também eco-organização.64

Desse modo, são indissociáveis o paradigma epistemológico (sistêmico e

complexo) e o movimento de defesa do meio ambiente (ecologia). A

transnacionalização impõe uma revisão de paradigmas que pode ser aproveitada em

favor do ambientalismo, por meio da democratização dos sistemas sociais:

[...] a informação é condição sem a qual não podemos perceber o fenômeno da transnacionalizacâo ecológica. A troca viável de informações na sociedade globalizada somente pode ocorrer mediante processos democráticos de troca e interação acerca da problemática ambiental. Não há outra forma para perceber as redes sistêmico-complexas que envolvem a ecologia em sua forma global senão possibilttando espaços dialógico-dialéticos de atuação.65

Entende-se que o paradigma de ecologia adequado ao paradigma ecológico-

sistêmico é a chamada ecologia profunda. A palavra “ecologia”, aqui, apresenta um

diferencial apontado por Arne Naess, na década de 1970. A nova forma de relação

do ser humano para com a natureza deixa de ser uma relação dualista e utilitarista

para assumir uma relação de integração da qual somos parte. Assim, surge a

chamada “ecologia profunda”, que pode ser entendida a partir de alguns princípios

básicos conforme explica Singer:

Onde a ética do respeito pela vida enfatiza os organismos vivos individuais, as propostas da ética da ecologia profunda costumam adotar algo mais amplo como objeto de valor: espécies, sistemas ecológicos, e até mesmo a biosfera como um todo. Leopold resumiu assim a base de sua nova Ética da Terra: “Uma coisa é certa quando tende a preservar a integridade, a estabilidade e a beleza da comunidade biótica. É errada quando tem a tendência oposta”. Num artigo publicado em 1984, Arne Naess e George Sessions estabeleceram diversos princípios para uma ética da ecologia profunda, começando com o seguinte: 1. O bem-estar e o florescimento da vida humana e não-humana na Terra têm valor em si mesmos (sinônimos: valor intrínseco, valor inerente). Esses valores são independentes da utilidade do mundo não-humano para objetivos humanos. 2. A riqueza e a diversidade das formas de vida contribuem para concretizar esses valores e são também valores em si mesmos.

64 MORIN, Edgar. O método II: a vida da vida. Tradução de Marina Lobo, Porto Alegre: Sulina, 2001. p. 34. 65 ARAUJO, L. E. B.; TYBUSCH, J. S. Pensamento sistêmico-complexo na transnacionalização ecológica. In: ARAUJO, L. E. B.; VIEIRA, J. T. (Orgs.). Ecodireito: O Direito Ambiental numa perspectiva sistêmico-complexo. Vieira. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2007. p. 96.

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3. Os seres humanos não têm o direito de reduzir essa riqueza e essa diversidade, exceto para satisfazer necessidades vitais.66

A visão ecológico-profunda supera e muito o sentido tradicional do termo

“ecologia”, ao reconhecer a interdependência fundamental de todos os processos

que garantem as relações entre os sistemas vivos que a vida mantém, pois percebe

que a relação entre sistema e ambiente é complexa e necessária. Como explica

Capra:

O sentido em que eu uso o termo “ecológico” está associado com uma escola filosófica específica e, além disso, com um movimento popular global conhecido como “ecologia profunda”, que está, rapidamente, adquirindo proeminência. A escola filosófica foi fundada pelo norueguês Arne Naess, no início da década de 70, com sua distinção entre “ecologia rasa” e “ecologia profunda”. Esta distinção é hoje amplamente aceita como um termo útil para se referir a uma das principais divisões dentro do pensamento ambientalista contemporâneo.67

A distinção primordial entre ecologia rasa e ecologia profunda é a de que a

primeira é antropocêntrica, em função de que considera o ser humano o centro de

todos os demais processos de vida. Em outras palavras, o homem, nessa

perspectiva, estaria fora da natureza, dissociado desta, que teria valor meramente

instrumental (objeto) para os interesses dos seres humanos (fonte de todos os

valores). A ecologia profunda, ao contrário, não separa seres humanos do meio

ambiente (natureza):

Ela vê o mundo não como uma coleção de objetos isolados, mas como uma rede de fenômenos que estão profundamente interconectados e são interdependentes. A ecologia profunda reconhece o valor intrínseco de todos os seres vivos e concebe os seres humanos apenas como um fio particular da teia da vida.68

Essa nova ecologia parece encontrar guarida também na “hipótese de Gaia”

desenvolvida por James Lovelock e por Lynn Margulis. Essa teoria leva às últimas

conseqüências a noção de sistema vivo, vindo a considerar o próprio planeta

(biosfera) como um sistema ecológico uno. Como afirma Capra: “de fato pode haver

atualmente mais evidências para a natureza autopoiética do sistema de Gaia do que 66 SINGER, Peter. Vida ética: os melhores ensaios do mais polêmico filósofo da atualidade. Tradução de Alice Xavier. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. p.134. 67 CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. Tradução de Newton Roberval Eichenberg. 9. ed. Cultrix, 2004. p. 25. 68 Ibidem, p. 25-26.

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para a dos ecossistemas”69. Geralmente, tende-se a considerar muitos ecossistemas

como sistemas autopoiéticos (vivos), contudo, a grande novidade de Gaia é

considerar o próprio planeta como um sistema do qual somos parte integrante70:

Gaia é, em definitivo, autolimitada, pelo menos até onde sua fronteira externa, a atmosfera, estiver presente. [...] O sistema de Gaia é também claramente autogerador. [...] Finalmente, o sistema de Gaia é, evidentemente, autoperpetuante. Os componentes dos oceanos, do solo e do ar, bem como todos os organismos da biosfera, são continuamente repostos pelos processos planetários de produção e transformações. Então, parece que a probabilidade de Gaia ser uma rede autopoiética é muito grande. De fato, Lyn Margulis, co-autora da teoria de Gaia, afirma confidencialmente: “Há poucas dúvidas de que a pátina do planeta – inclusive nós mesmos – seja autopoiética”.71

A crítica de Lovelock ao antropocentrismo, propugnando o entendimento da

Terra como “algo vivo”,72 é contundente:

Gaia, a Terra viva, está velha, e não mais forte como há 2 bilhões de anos. Ela luta contra o aumento inevitável do calor solar a fim de manter a Terra fresca o bastante para sua profusão de formas de vida – os seres humanos, animais tribais aguerridos com sonhos de conquistar até outros planetas – tentou governar a Terra em seu próprio benefício somente. Com tola insolência, eles apanharam e queimaram os estoques de carbono que, para manter o oxigênio em seu nível apropriado, Gaia havia soterrado. Com isso, usurparam a autoridade de Gaia, impedindo-a de cumprir sua obrigação de manter o planeta adequado à vida. Eles pensaram apenas em seu próprio conforto e conveniência.73

Desse modo, fica claro que existe um paradigma de visão de mundo que está

decaindo. Este é um momento de transição, de mudanças, ou seja, de crise. Na

conhecida formulação de Gramsci, crise “consiste justamente no fato de que o velho 69 CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. Tradução de Newton Roberval Eichenberg. 9. ed. Cultrix, 2004. p. 173. 70 “James Lovelock e Lynn Magulis postularam, no início da década de 1970, que a vida na Terra mantém ativamente as condições de superfície sempre favoráveis a qualquer que seja seu conjunto atual de organismos. Quando apresentada, contrariava o pensamento convencional de que a vida se adaptava às condições planetárias, à medida que ela e estas condições evoluíram em seus caminhos separados. Sabemos agora que tanto a hipótese originalmente enunciada, quanto o pensamento convencional estavam errados. A hipótese evoluiu no que agora constitui a teoria de Gaia e o pensamento convencional, na Ciência do Sistema da Terra.” LOVELOCK, James. A vingança de gaia. Tradução de Ivo Korytowski. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2006. p. 155. 71 CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. Tradução de Newton Roberval Eichenberg. 9. ed. Cultrix, 2004. p. 174. 72 “[...] continuo empregando a metáfora da ‘terra viva’ para Gaia, mas não pense que imagino a Terra viva de uma forma sensível ou mesmo viva como um animal ou uma bactéria. Está na hora de ampliarmos a definição um tanto dogmática e limitada de vida como algo que se reproduz e corrige os erros da produção por seleção natural entre a prole”. LOVELOCK, James. A vingança de gaia. Tradução de Ivo Korytowski. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2006. p. 27. 73 Ibidem, p.139.

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não morre e o novo não pode nascer”. Mas este “novo” está sendo gestado há muito

tempo, em face do declínio do “velho”. Assim, é possível afirmar que a concepção

cartesiano-newtoniana está cedendo lugar à perspectiva ecológico-sistêmica.

Essa mudança é primordial em todos os níveis da vida (biológica e social).

Contudo, essa análise está adstrita à ecologia e à economia, enquanto ciências que

lidam com a casa do homem (ecos). A relação que essas duas ciências têm com a

natureza – e a permanente tensão entre elas – é o pano de fundo para a posterior

análise do direito humano fundamental ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado. Para tanto, é imprescindível analisar as visões de ordem econômica (e a

inserção da ecologia nesse contexto) que permeiam o imaginário do velho

paradigma, bem como as possibilidades do novo, à luz do que está posto no texto

constitucional de 1988.

1.3 Capitalismo, ecologia e ordem econômica: a visã o cartesiana e a visão

sistêmica da relação homem-natureza

O mercado é uma instituição moderna. A forma da economia é determinada

pelas condições históricas de cada período, sendo fruto das conjunções de poder

político e social que circulam em determinada sociedade. Como aponta Grau:

[...] o mercado deve ser compreendido, qual observa Avelãs Nunes, como “uma instituição social, um produto da história, uma criação histórica da humanidade (correspondente a determinadas circunstâncias econômicas, sociais, políticas e ideológicas), que veio servir (e serve) os interesses de uns (mas não os interesses de todos), uma instituição política destinada a regular e a manter determinadas estruturas de poder que asseguram a prevalência dos interesses de certos grupos sobre os interesses de outros grupos sociais”. Neste sentido, tanto o Estado como o mercado são espaços ocupados pelo poder social, entendido, o poder político nada mais do que como uma certa forma daquele.74

Todavia, não se pode incorrer no erro de considerá-lo uma instituição natural,

pois “o mercado não é uma instituição espontânea, natural – não é um locus

74 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 30.

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naturalis – mas uma instituição que nasce graças a determinadas reformas

institucionais, operando com fundamento em normas jurídicas que o regulam, o

limitam, o conformam; é um locus artificialis”.75

A adoção do modo de produção capitalista durante a Idade Moderna é fruto da

luta (e consagração) de uma classe social: a burguesia. Veja-se que esse modo de

produção (relação homem-natureza e relação homem-homem) surge e se consolida

juntamente com a modernidade, cabendo lembrar, como referido anteriormente, com

fundamento em Boaventura de Sousa Santos76, que a modernidade é distinta do

capitalismo, mas que este se serve daquela para se consolidar.

O modo de produção social capitalista, que elege como ratio fundamentalis do ordenamento político o lucro, coloca o direito positivo a seu serviço; é isso que explica a estruturação do direito posto pelo Estado moderno. Ele existe fundamentalmente – desejo deixar este ponto bem vincado – para permitir a fluência da circulação mercantil, para tentar “domesticar” os determinismos econômicos. Porta em si a pretensão de dominar a realidade e expõe marcante contradição, que pode ser enunciada nos seguintes termos: o capitalismo [leia-se: o Terceiro Estado, a burguesia] necessita da ordem, mas a detesta, procurando a qualquer custo exorcizá-la.77

A relação que se estabelece naquele momento – e que se perpetua no tempo –

é utilitarista no sentido de que a natureza passa a ser vista como algo externo ao

homem, sendo-lhe útil do ponto de vista financeiro. A ordem econômica78 capitalista

instaura, pois, uma relação de exploração em face da natureza. Somado a isso, tem-

se que a economia, enquanto ciência, torna-se cada vez mais cartesiana:

A economia atual caracteriza-se pelo enfoque reducionista e fragmentário típico da maioria das ciências sociais. De um modo geral, os economistas não reconhecem que a economia é meramente um dos aspectos de todo um contexto ecológico e social: um sistema vivo composto de seres humanos em contínua interação e com seus recursos naturais, a maioria dos quais, por seu turno, constituída de organismos vivos. O erro básico das ciências sociais consiste em dividir essa textura em fragmentos

75 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. 76 Conferir a citação constante na nota de rodapé n. 09, supra. 77 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 36. 78 “Ainda que se oponha à ordem jurídica a ordem econômica, a última expressão é usada para referir uma parcela da ordem jurídica. Esta, então – tomada como sistema de princípios e regras jurídicas – compreenderia uma ordem pública, uma ordem privada, uma ordem econômica, uma ordem social.” Ibidem, p. 60.

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supostamente independentes, dedicando-se a seu estudo em departamentos universitários separados.79

A fragmentação da economia encobre a natureza dinâmica da mesma, o que a

torna notoriamente distinta das ciências ditas naturais. O paradigma newtoniano

pode ser útil à física até certo ponto (quando passa a ser substituído pelo paradigma

sistêmico, em especial, na física quântica). Também a biologia, em determinados

aspectos, vale-se do método cartesiano. Todavia, em economia (e nas ciências

sociais como um todo), a complexidade e mutabilidade do “objeto” de estudo impede

a adoção de quaisquer padrões estanques.

A evolução dos padrões econômicos, ao contrário, ocorre num ritmo muito rápido. Os sistemas econômicos estão em contínua mudança e evolução, dependendo dos igualmente mutáveis sistemas ecológicos e sociais em que estão implantados. Para entendê-los, necessitamos de uma estrutura conceitual que seja também capaz de mudar e de se adaptar continuamente a novas situações. A maioria dos economistas contemporâneos lamentavelmente despreza tal estrutura, pois ainda estão fascinados pelo absoluto rigor do paradigma cartesiano e pela elegância dos modelos newtonianos; assim, estão cada vez mais distanciados das realidades econômicas atuais.80

A visão paradigmática cartesiano-newtoniana de economia está baseada,

portanto, em padrões de consumo e acumulação incompatíveis com a preservação

ambiental.

A proeminência humana (fruto de sua razão) possibilita ao ser humano a escolha de seu modus vivendi. É aí que reside toda a problemática ambiental [...]. O modo de vida humano, baseado preponderantemente em valores econômicos, causou impactos no ambiente nunca vivenciados em toda a História”.81

A ligação entre o velho paradigma e o modelo de ordem econômica capitalista

de produção vigente é notória:

A crise ambiental, entendida como uma crise de civilização, não poderia encontrar uma solução por meio da racionalidade teórica e instrumental que constrói e destrói o mundo. Aprender a complexidade ambiental implica um

79 CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. Tradução de Álvaro Cabral. 25. ed. São Paulo: Cultrix, 2005. p. 180. 80 Ibidem, p. 181-182. 81 LEITE, J. R. M.; PILATI, L. C.; JAMUNDÁ, W. Estado de Direito Ambiental no Brasil. In: KISHI, S. A. S.; SILVA, S. T.; SOARES, I. V, p. (Orgs.). Desafios do direito ambiental no século XXI: estudos em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 622.

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processo de desconstrução e reconstrução do pensamento; remete-nos às suas origens, à compreensão de suas causas; implica considerar os “erros” da história que se enraizaram em certezas sobre o mundo com falsos fundamentos; descobrir e reavivar o ser da complexidade que foi “esquecido” com o surgimento da cisão entre o ser e o ente (Platão), do sujeito e do objeto (Descartes), para aprender o mundo coisificando-o, objetivando-o, homogeneizando-o. Esta racionalidade dominante descobre a complexidade a partir de seus limites, a partir da alienação e da incerteza do mundo economizado, arrastado por um processo incontrolável e insustentável de produção.82

Assim, torna-se imprescindível discutir valores no âmbito da economia, de

forma a adequar o modo de produção ao necessário equilíbrio ecológico. É patente

que a crise ambiental83 é parte da crise paradigmática, alimentada pelo sistema

capitalista, o qual não abre espaço para discussões em torno de quais são os

valores que se perseguem. O desenvolvimento deve ser repensado enquanto

conceito à luz das necessidades de proteção ao meio ambiente. Ecologia e

economia devem ser refundadas, no sentido de aprofundar a proteção ambiental

percebendo a importância de se repensar a relação do ser humano com a natureza.

Como visto, essa relação não pode mais ser um isolamento, uma relação de fim,

mas uma relação de meio e de respeito, percebendo-se como parte integrante de

Gaia.

A economia é definida como a disciplina que se ocupa da produção, da distribuição e do consumo das riquezas. Tenta determinar o que é valioso num dado momento, estudando os valores relativos de troca de bens e serviços. Portanto, a economia é, entre as ciências sociais, a mais normativa e a mais claramente dependente de valores. Seus modelos e teorias basear-se-ão sempre num certo sistema de valores e numa certa concepção da natureza humana, num conjunto de pressupostos a que E. F. Schumacher chama “metaeconomia”, porque raras vezes são explicitamente incluídos no pensamento econômico contemporâneo.84

82 LEFF, Enrique. Epistemologia ambiental. 4. ed. Tradução de Sandra Valenzuela. São Paulo: Cortez, 2006. p. 192. 83 “[...] a crise ambiental é a crise do nosso tempo. O risco ecológico questiona o conhecimento do mundo. Esta crise apresenta-se a nós como um limite no real, que ressignifica a reorienta o curso da história: limite do crescimento econômico e populacional; limite dos desequilíbrios ecológicos e das capacidades de sustentação da vida; limite da pobreza e da desigualdade social. Mas também crise do pensamento ocidental: da determinação metafísica que, ao pensar o ser como ente, abriu o caminho para a racionalidade científica e instrumental que produziu a modernidade como uma ordem coisificada e fragmentada, como formas de domínio e controle sobre o mundo, por isso, a crise ambiental é acima de tudo um problema de conhecimento, o que nos leva a repensar o ser no mundo complexo, a entender suas vias de complexificação (a diferença e o enlaçamento entre a complexificação do ser e o pensamento) para, a partir daí, abrir novas pistas para o saber no sentido da reconstrução e da reapropriação do mundo.” LEFF, Enrique. Epistemologia ambiental. 4. ed. Tradução de Sandra Valenzuela. São Paulo: Cortez, 2006. p. 191. 84 CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. Tradução de Álvaro Cabral. 25. ed. São Paulo: Cultrix, 2005. p. 182.

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Essa nova relação homem-natureza, no âmbito de processo de circulação de

bens, riquezas e serviços, está positivada no âmbito da Constituição Federal de

1988, no título da “Ordem Econômica”. O artigo 170 da Carta Política enuncia os

princípios basilares em que se assenta a ordem econômica brasileira, dentre os

quais ostenta a defesa do meio ambiente (inciso VI):

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tr atamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produ tos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995) Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. (grifou-se)

Percebe-se, da leitura do texto magno, que o sistema de produção adotado é o

capitalista, com um viés forte de intervenção estatal na economia. O art.1º, IV, da

Constituição Federal de 1988 consagra a livre iniciativa, mas o faz por meio do valor

social desta, associada ao trabalho. Essa intervenção do Estado está para regular

os direitos das minorias: os trabalhadores, os consumidores, etc. Do mesmo modo,

assegura a defesa do meio ambiente. O Estado tem, pois, o dever de manter o meio

ambiente ecologicamente equilibrado pela via da implementação da legislação

ambiental. Afirma Teixeira: “no estágio atual da civilização, a intervenção estatal é a

única saída para a crise ambiental, face à insuficiente conscientização da

humanidade para a defesa do meio ambiente.”85 Contudo, atente-se ao alerta de

Araújo:

85 TEIXEIRA, Orci Paulino. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 139.

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A proteção do meio ambiente, colocada pelo art. 225, reporta-se a uma co-responsabilidade, isto é, o dever de defendê-lo e preservá-lo estão tanto para o Estado como para a coletividade. Não obstante o Estado deter o poder de intervir diretamente com medidas repressivas ou preventivas, não pode a sociedade civil escusar-se de agir quando da ocorrência de qualquer dano ao meio ambiente, seja exigindo a intervenção das autoridades para que aja quando de fatos delituosos, seja pressionando os agentes públicos para que elaborem políticas públicas de proteção ao meio ambiente. Comprometidos com ações participativas, os cidadãos se tornam os verdadeiros guardiões do meio ambiente.86

A leitura conjugada do art. 170, VI, com o art. 225 da Constituição87 conduz a

um amplo rol de direitos vinculados ao meio ambiente ecologicamente equilibrado no

que se refere à produção de bens e serviços que envolvem a exploração da

natureza88:

O tratamento adequado do interrelacionamento dos objetos tratados pelo art. 170 e 225 da Constituição Federal revela-se numa prática interpretativa que avalie a complexidade do ordenamento jurídico. Busca-se a concretização de políticas públicas capazes de revelar o texto constitucional em toda sua globalidade, ao invés de reproduzir os discursos que exaltam uma oposição, que não é material, mas ideológica. Se aceita esta ideologia conduz à impossibilidade de se encontrar uma lógica de relacionamento do desenvolvimento produtivo com a utilização sustentada da natureza.89

Não se pretende, neste momento, aprofundar os instrumentos de proteção

desse direito que, como é sabido, possui natureza fundamental. O escopo deste

trabalho é apenas trazê-lo à baila no correto entendimento da proteção ambiental na

ordem econômica pátria. Ademais, retomar-se-á à questão econômico-jurídica no

capítulo terceiro do presente trabalho, quando será analisada a noção de

desenvolvimento sustentável em frente ao ordenamento constitucional e

infraconstitucional brasileiro.

86 ARAUJO, Luiz Ernani Bonesso de. As mudanças climáticas e o direito ambiental brasileiro: questões de constitucionalidade. In: REIS, J.; LEAL, R. G. (Orgs.). Direitos sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos, Tomo 8, Santa Cruz do Sul, Edunisc. p. 2242. 87 “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. 88 Vejam-se os comentários de Araujo em relação ao artigo 170, VI, da Constituição Federal de 1988: “Aqui se tem um reforço do art. 225 da Constituição Federal, pois terminantemente se coloca que a ordem econômica, apesar de basear-se na livre iniciativa, deve estar subordinada a um princípio maior, o interesse público, pois o meio ambiente é um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, e a seu desiderato devem estar submetidas todas as atividades, inclusive a econômica.” ARAUJO, Luiz Ernani Bonesso de. As mudanças climáticas e o direito ambiental brasileiro: questões de constitucionalidade. In: REIS, J.; LEAL, R. G. (Orgs.). Direitos sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos, Tomo 8, Santa Cruz do Sul, Edunisc. p. 2242-2243. 89 DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2001. p. 123.

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Note-se que a necessidade de proteção ao meio ambiente está, portanto,

consagrada em âmbito constitucional, no seio da ordem econômica. Essa visão

denota a necessidade de uma nova ética na relação com a natureza, sendo

imperiosa uma reestruturação do próprio modo de produção capitalista, com vistas a

mitigar o liberalismo em prol dos direitos transindividuais, ou seja, os direitos

individuais, forjados no período liberal, continuaram a ter fulcral importância no

sistema constitucional, mas os direitos transindividuais (como o meio ambiente

ecologicamente equilibrado) irão redefinir o próprio conteúdo e extensão desses

direitos. Por exemplo: o direito de propriedade não é mais absoluto como outrora,

cabendo falar em sua função social e ambiental.

Tudo isso se dá em face da anterior retração do modo de produção em favor

dos trabalhadores (período do Welfare State, com a consagração dos direitos

trabalhistas).

[...] quando o caput do art. 225 da Constituição menciona a preservação do meio ambiente num sentido prospectivo, a reafirmar seu compromisso com o princípio do “desenvolvimento sustentável”, ou seja, atender às necessidades da presente geração sem esquecer que às gerações futuras também deve ser garantido o atendimento de suas necessidades básicas. Tem-se dessa forma, a aproximação entre meio ambiente e atividade econômica, pelo que se depreende do Título VII da Constituição Federal, ao se referir à ordem econômica e financeira.90

Nesse sentido, o novo paradigma traz respostas por meio de uma economia

baseada na ecologia. Essa nova postura é defendida por autores vinculados à

ecologia profunda e à própria hipótese de Gaia. Nas ciências econômicas, ganham

destaque as construções teóricas de Schumacher que promovem uma noção de

economia em que se levam em conta os valores humanísticos e ecológicos. Como

aponta John Todd, citando Schumacher: “[...] ele me ajudou a ver a economia como

algo em que as pessoas e a natureza são importantes. Conseqüentemente, passei a

acreditar que se pode estabelecer uma nova e sustentável ordem econômica a partir

de empresas fundamentadas na ecologia”.91

90 ARAUJO, Luiz Ernani Bonesso de. As mudanças climáticas e o direito ambiental brasileiro: questões de constitucionalidade. In: REIS, J.; LEAL, R. G. (Orgs.). Direitos sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos, Tomo 8, Santa Cruz do Sul, Edunisc. p. 2242. 91 TODD, John. Uma categoria econômica baseada na ecologia. In: THOMPSON, William Irwin. (Org.). Gaia: uma teoria do conhecimento. São Paulo: Gaia, 1990. p. 124.

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Trata-se, portanto, no plano fático e axiológico,92 de uma nova ordem

econômica baseada na ecologia profunda, notadamente numa visão de Gaia:

A ecologia como base para planejamento é a estrutura desta nova ordem econômica. Deve ser combinada com a idéia de que a terra é vista como um ser sensível, uma visão GAIA do mundo, e nossas obrigações como seres humanos não são apenas para conosco, mas para a vida como um todo. O respeito para com a Terra faz com que ela se torne a estrutura maior na qual estão inseridos planejamento e tecnologias ecológicas. Um dia os sistemas sociais e políticos conseguirão espelhar as grandes obras da natureza e as atuais divisões de esquerda, direita, sistemas centralizadores, sistemas expansionistas, conservadores, sistemas biorregionais, estado-nação serão transformados numa organização e numa categoria GAIA sistêmicas e de âmbito mundial.93

A modernidade construiu um sistema econômico que não questiona valores e

que é destacado da vida como um todo. Deste sistema emerge um modelo, que

substitui o clássico e o medieval, em que se concebem as necessidades humanas

como ilimitadas.

Um importante princípio em todas as sociedades arcaicas era o de “governo da casa”, do grego “oikonomia”, que é a raiz do moderno vocábulo “economia”. A propriedade privada só se justificava na medida em que servia ao bem-estar de todos. De fato, a palavra “privada” provém do latim “privare” (“despojar” “privar de”), o que mostra a antiga concepção de que a propriedade era, em primeiro lugar, comunal. Quando as sociedades passaram dessa visão comunal, de participação, para concepções mais individualistas e auto-afirmativas, as pessoas deixaram de considerar a propriedade privada um bem de que determinados indivíduos privavam o resto do grupo; de fato, o significado do termo foi invertido, a partir de então, ao se instituir que a propriedade devia ser privada, antes de mais nada, e

92 Eros Grau, citando Vital Moreira, refere três possibilidades de utilização da expressão “ordem econômica”. “Daí por que se impõe apartarmos distintas conotações sob as quais a expressão é usada. As anotações de Vital Moreira são extremamente úteis: - em um primeiro sentido, ‘ordem econômica’ é o modo de ser empírico de uma determinada economia concreta; a expressão, aqui, é termo de um conceito de fato e não um conceito normativo ou de valor (é conceito do mundo do ser, portanto); o que o caracteriza é a circunstância de referir-se não a um conjunto de regras ou normas reguladoras de relações sociais, mas sim a uma relação entre fenômenos econômicos e materiais, ou seja, relação entre fatores econômicos concretos; conceito do mundo do ser, exprime a realidade de uma inerente articulação do econômico como fato; - em um segundo sentido, “ordem econômica” é expressão que designa o conjunto de todas as normas (ou regras de conduta), qualquer que seja a sua natureza (jurídica, religiosa, moral etc.), que respeitam à regulação do comportamento dos sujeitos econômicos; é o sistema normativo (no sentido sociológico) da ação econômica; - em um terceiro sentido, “ordem econômica” significa ordem jurídica da economia.” GRAU, op. cit., p. 66-67. Utiliza-se, aqui, a primeira e a segunda acepção. Entende-se que já se tem um texto constitucional apropriado nesse sentido, o que se buscará explanar mais adiante (capítulo III). 93 TODD, John. Uma categoria econômica baseada na ecologia. In: THOMPSON, William Irwin. (Org.). Gaia: uma teoria do conhecimento. São Paulo: Gaia, 1990. p. 124.

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que a sociedade não deveria privar o indivíduo disso sem o devido apoio da lei.94

De acordo com Capra,95 a ascensão do modo de produção capitalista foi uma

das conseqüências mais importantes do final da Idade Média (séculos XVI e XVII).

Nesse período, consolidou-se a chamada “ciência econômica”, dando vazão ao

surgimento de conceitos que são centrais até hoje, como, por exemplo, o de balança

comercial, que acaba por levar as diversas nações a competirem entre si, olvidando-

se dos problemas reais e centrais do planeta como um todo.

Durante os séculos XVI e XVII, enquanto os novos valores do individualismo, os direitos de propriedade e o governo representativo levavam ao declínio o tradicional sistema feudal e minavam o poder da aristocracia, a antiga ordem econômica ainda era defendida por teóricos que acreditavam que o caminho de uma nação para a riqueza estava na acumulação de dinheiro através do comércio externo. A essa teoria foi dado mais tarde o nome de mercantilismo. Seus praticantes não se intitulavam economistas; eram políticos, administradores e mercadores. Eles aplicaram a antiga noção de economia – no sentido de administração da casa – ao Estado, esse entendido como a casa do governante, e, assim, seus programas e métodos de gestão passaram a ser conhecidos como “economia política”. Esta designação manteve-se em uso até o século XX, quando foi substituída pelo termo moderno de “ciência econômica”.96

Atualmente, a crítica à economia está fundamentada em valores ecológicos,97

que buscam modificar a centralidade da idéia de “crescimento”, substituindo-a pela

noção de “desenvolvimento”. O debate entre economistas e ecologistas é

representativo dos paradigmas antagônicos a que estão vinculados:

O hábito de evitar questões sociais na teoria econômica está intimamente relacionado com a impressionante incapacidade dos economistas de adotarem uma perspectiva ecológica. O debate entre ecologistas e economistas já se desenrola há duas décadas, e vem mostrando

94 CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. Tradução de Álvaro Cabral. 25. ed. São Paulo: Cultrix, 2005. p. 187. 95 Ibidem, p. 187. 96 CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. Tradução de Álvaro Cabral. 25. ed. São Paulo: Cultrix, 2005. p. 188-189. 97 “Toda a questão dos valores é fundamental para a ecologia profunda; é, de fato, sua característica definidora central. Enquanto que o velho paradigma está baseado em valores antropocêntricos (centralizados no ser humano), a ecologia profunda está alicerçada em valores ecocêntricos (centralizados na Terra). É uma visão de mundo que reconhece o valor inerente da vida não-humana. Todos os seres vivos são membros de comunidades ecológicas ligadas umas às outras numa rede de interdependências. Quando essa percepção ecológica profunda torna-se parte da nossa consciência cotidiana, emerge um sistema de ética radicalmente novo”. CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. Tradução de Newton Roberval Eichenberg. 9. ed. Cultrix, 2004. p. 28.

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claramente que o pensamento econômico contemporâneo é substancial e inerentemente antiecológico. Os economistas desprezam a interdependência social e ecológica e tratam todos os bens igualmente, sem considerar as inúmeras formas como esses bens se relacionam com o resto do mundo – quer sejam fabricados pelo homem ou naturais, renováveis ou não, e assim por diante. Dez dólares de carvão são iguais a dez dólares de pão, de transporte, sapatos ou educação. O único critério para determinar o valor relativo desses bens e serviços é o seu valor de mercado monetário: todos os valores são reduzidos ao critério único de produção de lucro privado.98

Buscar a discussão de valores é a diferença primordial entre a velha visão

cartesiana de capitalismo (enquanto acumulação de recursos à custa de bens

ambientais) e a nova visão de ecologia profunda e de “economia Gaia”. A natureza,

como base para o planejamento econômico, é exemplificada por John Todd com

uma fazenda fundada em valores ecológicos de produção:

Uma fazenda perto de Banding, na região central de Java, forneceu muitas pistas. Ela havia mantido e, possivelmente, aumentado sua fertilidade através dos séculos. A fazenda estava localizada na encosta de uma colina que era particularmente vulnerável à erosão. Evitava-se a erosão através de métodos que imitavam a estratégia de controle de erosão mais eficiente da própria natureza, qual seja, rampas cobertas de árvores. Não era uma floresta virgem e sim uma floresta doméstica, na qual a biota era constituída de frutas, nozes, lenha e forragem, úteis aos seres humanos. No entanto, possuía um pouco da integridade estrutural encontrada nas florestas virgens. Sem as árvores recobrindo as colinas, teria sido muito difícil manter a fertilidade do solo. A água da fazenda era proveniente de um aqueduto que ondeava pela encosta. Vinha relativamente limpo e puro. Depois de entrar na fazenda ela apresentava-se numa pequena distância, intencionalmente poluída, primeiro, ao passar diretamente sob os estábulos e, depois, embaixo dos sanitários da casa.99

As noções do paradigma ecológico-sistêmico eram plenamente aplicadas

naquela fazenda que formava um sistema sustentado,100 em que a produção de

98 CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. Tradução de Álvaro Cabral. 25. ed. São Paulo: Cultrix, 2005. p. 216-217. 99 TODD, John. Uma categoria econômica baseada na ecologia. In: THOMPSON, William Irwin. (Org.). Gaia: uma teoria do conhecimento. São Paulo: Gaia, 1990. p. 125. 100 Como aponta Capra: “A partir do ponto de vista sistêmico, as únicas soluções viáveis são as soluções sustentáveis. O conceito de sustentabilidade adquiriu importância no movimento ecológico e é realmente fundamental. [...] uma sociedade sustentável é aquela que satisfaz suas necessidades sem diminuir as perspectivas das gerações futuras. Esse é o grande desafio de nosso tempo: criar comunidades sustentáveis – isto é, ambientes sociais e culturais onde podemos satisfazer as nossas necessidades e aspirações sem diminuir as chances das gerações futuras.” CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. Tradução de Newton Roberval Eichenberg. 9. ed. Cultrix, 2004. p. 24.

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alimentos tinha como premissa básica o respeito aos ecossistemas vivos presentes

na propriedade privada e que passam a adquirir uma nova dimensão valorativa.101

O que mais chamava a atenção nesta fazenda era que ela se constituía um completo microcosmo agrícola. Havia nela um equilíbrio não conhecido nas fazendas ocidentais. As árvores, o solo, as plantações de hortaliças, a criação, a água e os peixes eram todos interligados para criar todo um sistema simbiótico, no qual não se permitia que nenhum elemento dominasse. Tal sistema, ainda que maravilhosamente eficiente e produtivo, pode ser prejudicado pelo mau uso. Uma única toxina, um pesticida, mata os peixes e desequilibra o sistema. A lição aqui é que podemos criar agro-sistemas ecológicos e deixar que a natureza faça a reciclagem; como, também, podemos produzir quimicamente um sistema complexo e, no final das contas, destruir a estrutura básica. Na New Alchemy, quando começamos a projetar ecossistemas para a agricultura, tentamos manter intactas as relações biológicas da fazenda de Java. Até mesmo muitos anos depois as incursões marítimas rendiam homenagem àquelas gerações de fazendeiros javaneses.102

A propriedade privada é redimensionada, portanto, de modo a se adequar ao

novo paradigma de respeito à natureza. Isso está previsto na própria Constituição

Federal, de modo que é possível afirmar, com Araujo, que o texto constitucional

consagrou o princípio da “função ambiental da propriedade”:

Na Carta Magna encontramos esse princípio no art. 225 ao exarar que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Ao colocar o meio ambiente como um “bem de uso comum do povo”, entendeu o legislador, em conformidade com os princípios ambientais, que este não pertence nem ao particular e nem ao público, mas, sim, por ter um caráter difuso, pertence a um ente coletivo, a comunidade, sendo visto então como um res communes omnium, isto é, um bem que pertence a todos. Observa-se que a Constituição Federal, em seu Título VII, da Ordem Econômica e Financeira, Capítulo I, dos Princípios Gerais da Atividade Econômica, no artigo 170, afirma que: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados

101 “É preciso repensar a relação entre o homem e a natureza, entendendo que essa não é simplesmente formada por bens que simplesmente possam ser apropriados pelo homem, a partir de uma relação meramente egoística, ou melhor, a partir de uma racionalização meramente economicista. Outros valores devem entrar na nossa percepção do mundo. Da visão antropocêntrica, deve-se caminhar para a visão ecocêntrica, ou, na expressão de Capra, ecologia profunda [...]”. ARAUJO, Luiz Ernani Bonesso de. As mudanças climáticas e o direito ambiental brasileiro: questões de constitucionalidade. In: REIS, J.; LEAL, R. G. (Orgs.). Direitos sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos, Tomo 8, Santa Cruz do Sul, Edunisc. p. 2244. 102 TODD, John. Uma categoria econômica baseada na ecologia. In: THOMPSON, William Irwin. (Org.). Gaia: uma teoria do conhecimento. São Paulo: Gaia, 1990. p. 126.

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os seguintes princípios: III - função social da propriedade; VI - defesa do meio ambiente”. Resta claro que a atividade econômica, ao se submeter aos ditames da função social ambiental, perde aquele caráter de cunho liberal que historicamente a impregnou, assumindo, então, um viés ambientalista.103

Note-se que até mesmo os grandes capitalistas internacionais têm se rendido à

necessidade de adequar o capitalismo à ecologia, na construção de uma ordem

econômica sustentável:

Nestes últimos anos, os efeitos sociais e ecológicos da nova economia têm sido discutidos à exaustão por acadêmicos e líderes comunitários [...]. As análises deles deixam perfeitamente claro que o capitalismo global, em sua forma atual, é manifestamente insustentável e teria de ser reestruturado desde as bases. Essa reestruturação é defendida até mesmo por alguns “capitalistas esclarecidos”, que, depois de ganhar rios de dinheiro, começam agora a se preocupar com a natureza altamente imprevisível e o enorme potencial autodestrutivo do sistema. Tal é o caso do financista George Soros, um dos jogadores que mais ganharam no cassino global, que começou há pouco tempo a chamar a doutrina neoliberal da globalização econômica de “fundamentalismo de mercado” e a considera tão perigosa quanto qualquer outro tipo de fundamentalismo. Além da instabilidade econômica, a forma atual do capitalismo global é insustentável dos pontos de vista ecológico e social, e por isso não é viável longo prazo.104

A revisão dos valores do capitalismo é urgente em prol da defesa do meio

ambiente. Como aponta Capra:

A reavaliação não é uma tarefa meramente intelectual, mas deverá envolver profundas mudanças em nosso sistema de valores. A própria idéia de riqueza, que é central para a economia, está inextricavelmente ligada à expectativas, valores e estilos de vida humanos. Definir riqueza dentro de um contexto ecológico significará transcender suas atuais conotações de acumulação material e conferir-lhe o sentido mais amplo de enriquecimento humano. Tal noção de riqueza, somada à de “lucro” e outros conceitos afins, não será suscetível de quantificação rigorosa e, assim, os economistas não poderão continuar lidando com valores exclusivamente em termos monetários.105

Desse modo, pretendemos deixar claro que a mudança de paradigmas por que

passa a sociedade contemporânea, juntamente com a crise ambiental que

103 ARAUJO, Luiz Ernani Bonesso de. As mudanças climáticas e o direito ambiental brasileiro: questões de constitucionalidade. In: REIS, J.; LEAL, R. G. (Orgs.). Direitos sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos, Tomo 8, Santa Cruz do Sul, Edunisc. p. 2246-2247. 104 CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Cultrix, 2002. p. 167. 105 CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. Tradução de Álvaro Cabral. 25. ed. São Paulo: Cultrix, 2005. p. 222.

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vivenciamos, leva à oposição de dois paradigmas antagônicos e que estão em

conflito: de um lado, o paradigma da modernidade, cartesiano-newtoniano e, de

outro, o paradigma da pós-modernidade, que aqui nominamos de ecológico-

sistêmico.

As alternativas colocadas são essas. Perceber a influência desses modelos na

vida cotidiana é imprescindível. No que se refere ao sistema econômico, ou melhor,

à ordem econômica, vislumbramos que o capitalismo liberal não é condizente com a

preservação ambiental, pois o modelo econômico liberal-burguês mercantilista que

surge na modernidade como fruto do paradigma cartesiano-newtoniano e que se

perpetua até hoje não leva em conta certos valores e procura ser “científico” como

se isso fosse sinônimo de superioridade em relação aos demais sistemas sociais.

Questionar os valores do capitalismo e remodelar a ordem econômica vigente,

de modo a modificar as bases axiológicas da economia de mercado, é tarefa árdua e

que envolve a todos na mudança de mentalidade em prol da construção de uma

economia baseada na ecologia.

Nesse sentido, compreender o direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado no seu contexto de emergência como direito humano fundamental trans-

geracional – e da luta dos movimentos sociais e ambientais para sua consagração e

positivação, seja no plano internacional, seja no âmbito das constituições estatais –

é imprescindível para que se opere, mais à frente, com os meios jurídicos

disponíveis à proteção do ambiente, em especial o Estudo Prévio de Impacto

Ambiental. Ademais, a defesa do meio ambiente não pode nunca se dissociar da

ordem econômica (e de sua revisão), já que somente assim será possível chegar à

noção de desenvolvimento sustentável. É o que se pretende abordar nos próximos

capítulos.

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2 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO AMBIENTAL

2.1 A evolução da consciência global sobre meio amb iente

O fenômeno da degradação ambiental, embora antigo, sempre foi considerado

como uma conseqüência normal do progresso tecnológico e econômico. A

Revolução Industrial, cujo advento ocorre em 1760, na Inglaterra, intensificou a

exploração dos recursos naturais. No entanto, tal temática somente passa a ter

tratamento jurídico especial no final da década de 1950, após a Segunda Grande

Guerra. Até então, não havia uma consciência social acerca do problema

ambiental.106 Como apontam Bernardes e Ferreira:

Um dos mais importantes movimentos sociais dos últimos anos, promovendo significativamente transformações no comportamento da sociedade e na organização política e econômica, foi a chamada “revolução ambiental”. Com raízes no final do século XIX, a questão ambiental emergiu após a Segunda Guerra Mundial, promovendo importantes mudanças na visão do mundo. Pela primeira vez a humanidade percebeu que os recursos naturais são finitos e que seu uso incorreto pode representar o fim de sua própria existência. Com o surgimento da consciência ambiental, a ciência e a tecnologia passaram a ser questionadas.107

Um dos principais fatores a provocar a notória preocupação com as questões

ambientais a partir da segunda metade do século passado é o advento da chamada

sociedade “fordista”108 e dos padrões massificados de produção e de consumo que

essa proporcionava.

106 “Nos séculos anteriores ao século XX, podemos afirmar que o homem não tinha nenhuma consciência da necessidade de respeitar a natureza. Era vigente a concepção não declarada de que haveria forças da natureza, que nem sequer necessitariam ser explicadas, responsáveis por um equilíbrio de certa maneira mágico, na referida natureza. [...] havia a concepção generalizada de que os rios, quando não tivessem já diluídos em suas águas os resíduos tóxicos, varreriam os restantes para o mar, considerando um misto de grande lixeira e grande usina natural de transformação e extração de produtos tóxicos ao homem da face da terra. Da mesma forma, os ventos, com suas vassouras mágicas, extirpariam da atmosfera da terra os resíduos tóxicos perigosos e os gases tóxicos à vida humana”. SOARES, Guido Fernando Silva. A proteção internacional do meio ambiente. São Paulo: Manole, 2003. p. 15. 107 BERNARDES, J. A.; FERREIRA, F, P. M. Sociedade e natureza. In. CUNHA, S. B.; GUERRA, A. J. T. (orgs.). A questão ambiental: diferentes abordagens. 3. ed. São Paulo: Bertrand do Brasil, 2003. p. 27. 108 “Por fordismo entende-se o processo de produção e de consumo em massa que se desenvolveu durante o século XX no mundo, e que pressupõe a classe trabalhadora incorporada ao mercado

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No entanto, a forma e filosofia atuais do meio ambiente somente foram

adquiridas entre o final da década de 1960 e início da década de 1970. Os estudos

que ocorreram anteriormente não chegam a caracterizar um movimento ecologista.

Quando a crise ambiental começa a se destacar e a atingir grandes proporções,

surgem os idealistas que entendem que a luta seria global e que se deveria tomar

alguma iniciativa. Passa-se a elaborar, a partir de então, um pensamento oficial

acerca da problemática ambiental, através de conferências e estudos realizados em

grandes centros.

É na década de 1970 que se assume a consciência mundial acerca da

nocividade dos atos da humanidade em face do meio ambiente natural, bem como

das conseqüências destes para todos os seres (humanos e não humanos). Conclui-

se que as atividades humanas são incompatíveis com o meio ambiente, além do que

se percebem os danos à qualidade de vida na terra. Aduz Silva que “nesse momento

(…) se constatou a existência de uma sociedade excessivamente consumista de

recursos naturais, contribuindo significativamente para a degradação da qualidade

de vida”.109

A partir da década de 70 do século passado, a conscientização do esgotamento dos recursos naturais e de possíveis catástrofes ambientais – causados pela incongruência entre o modelo econômico capitalista e a manutenção da qualidade de vida e a intensificados pelos efeitos da Revolução Industrial, arcados pelo desenvolvimento do conhecimento científico e tecnológico – trouxe à tona a necessidade de inserir o meio ambiente no rol dos direitos merecedores de proteção jurídica. Diante disso,

consumidor de bens e serviços, como forma de dar vazão aos impressionantes aumentos de produção advindos dos ganhos de produtividade derivados da produção em série, dos novos métodos gerenciais e das economias de escala. Esse processo teve como marco simbólico a instituição por Henry Ford, em sua fábrica no interior de Michigan (EUA), do regime de trabalho de oito horas e da recompensa de cinco dólares para os trabalhadores da linha de montagem. A economia do século XX, portanto, dentro desse espírito, passaria a desenvolver-se com grandes aumentos de produtividade, ao contrário da sua expansão até então, baseada na extensivação das atividades e na ocupação de novos espaços produtivos e de mercados nacionais e internacionais. [...] Esse modelo de desenvolvimento característico do século XX, intensificou os efeitos das atividades de produção e consumo sobre o meio ambiente. [...] Dessa forma, o aumento da renda dos consumidores, a intensificação das atividades produtivas e do consumo, urbanização com concentração espacial da produção e expansão de grandes aglomerados populacionais urbanos, foram alguns dos fenômenos, derivados do impressionante “sucesso econômico” do mundo ocidental no século XX, que incrementaram os efeitos das atividades humanas sobre o meio ambiente”. SOUZA, Renato Santos de. Entendendo a questão ambiental: temas de economia, política e gestão do meio ambiente. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2008. p. 48-49. 109 SILVA, José Antônio Tessmann e. Aspectos históricos e prospecção em direito ambiental. In: KISHI, S. A. S.; SILVA, S. T.; SOARES, I. V. (Orgs.). Desafios do direito ambiental no século XXI: estudos em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 601.

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passou-se a verificar o fenômeno do “esverdeamento” das Constituições dos Estados - ou seja, a incorporação do direito ao ambiente equilibrado como um direito fundamental.110

Souza111 separa a tomada da consciência ambiental em quatro fases, quais

sejam: “a fase seminal”, “a fase de massificação”, “a fase da globalização I” e “a fase

da globalização II”. Disserta-se, a seguir, acerca dos estudos realizados em cada

uma dessas fases.

Na “fase seminal”, que vai até a metade do século passado, são lançadas

muitas idéias acerca das relações homem-natureza. No entanto, o ambiente

econômico e social vigente ainda não está preparado para refletir acerca de tais

idéias. Nesse período, a maior parte da população apenas pensa em desfrutar das

promessas de consumo que a sociedade fordista lhes poderia proporcionar, ou

preocupava-se em resolver os danos causados pelas duas grandes guerras. Sobre

esse período, salienta Sousa:

Os problemas ambientais não representavam nenhum grau de prioridade na percepção da maioria das pessoas, dos cientistas e dos governos. Não havia ainda a vinculação direta entre a degradação ambiental, a saúde humana e o bem-estar social. Menor ainda era a percepção de que a degradação ambiental pudesse implicar riscos ao próprio modelo econômico em curso, e à viabilidade da vida na terra.112

Já na “fase de massificação”, que se dá entre a metade do século passado e o

início da década de 1970, ocorre a tomada de consciência de que o aumento da

atividade industrial, a urbanização, bem como o crescimento econômico e

populacional e o aumento considerável da renda e, por conseqüência, do consumo,

fazem com que os problemas ambientais sejam sentidos de forma generalizada

sobre o bem-estar das pessoas. Diante disso, há a intensificação da percepção

pública e científica acerca da problemática ambiental, desencadeando uma

mudança de percepção acerca do meio ambiente. Preceitua Souza que nessa fase:

110 LEITE, J. R. M.; PILATI, L. C.; JAMUNDÁ, W. Estado de Direito Ambiental no Brasil. In: KISHI, S. A. S.; SILVA, S. T.; SOARES, I. V. (Orgs.). Desafios do direito ambiental no século XXI: estudos em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 614. 111 SOUZA, Renato Santos de. Entendendo a questão ambiental: temas de economia, política e gestão do meio ambiente. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2008. p. 50. 112 Ibidem, p. 52.

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O problema ambiental “deixa de ter uma conotação existencial, ética e intangível como antes, para fazer parte do mundo concreto da vida das pessoas [...] percebe-se que nesse período a degradação ambiental afeta o bem-estar e a saúde humana de forma generalizada”.113

Nesse período, merece destaque o livro de Rachel Carson “A Primavera

Silenciosa”, lançado em 1962 e que conforma uma das primeiras impressões acerca

do ambientalismo. A referida obra provoca a conscientização pública de que a

natureza é vulnerável à intervenção humana. Até então, não havia uma preocupação

expressiva com relação ao meio ambiente:

[...] em 1962, a bióloga Rachel Carson lançou, nos Estados Unidos, o livro Silent Spring, denunciando o perigo dos inseticidas e pesticidas. Carson afirmava que os produtos químicos matavam os insetos e pragas prejudiciais, mas também os benéficos, destruíam o solo e envenenavam as pessoas. Apesar dos ataques contra Carson, esta recebeu apoio público e seu livro virou um fenômeno nos Estados Unidos, vendendo mais de seis milhões de cópias e chamando a atenção das autoridades.114

Entretanto, a preocupação ambiental ainda é delimitada localmente. Nessa

fase, as políticas ambientais possuem uma preocupação apenas curativa, e não

preventiva. Diante disso, ainda não há, até meados da década de 1970, “uma

consciência ampliada dos efeitos da degradação do meio ambiente sobre o futuro do

planeta, ou sobre o futuro do modelo econômico que ainda estava em curso”.115

Todavia, antes de se adentrar às fases de internacionalização das

preocupações com o meio ambiente, é mister esboçar a evolução dessa consciência

no Brasil:

Acerca do movimento ambientalista brasileiro, foi realizada uma pesquisa nacional intitulada “O que o brasileiro pensa do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável”. [...] Entre as mudanças na área ambiental apontadas pela pesquisa estão a difusão da consciência ambiental em todas as camadas da população brasileira, o bem-sucedido processo de institucionalização da área ambiental no país, que, em menos de dez anos, criou o Ministério do Meio Ambiente, transformou o Ibama em agência executora e reestruturou o Conselho Nacional de Meio Ambiente, aplicando a participação da sociedade civil. Outra mudança significativa apontada pela referida pesquisa, entretanto, entre o ambientalismo de hoje e aquele de

113 SOUZA, Renato Santos de. Entendendo a questão ambiental: temas de economia, política e gestão do meio ambiente. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2008. p. 55. 114 BERNARDES, J. A.; FERREIRA, F, P. M. Sociedade e natureza. In. CUNHA, S. B.; GUERRA, A. J. T. (orgs.). A questão ambiental: diferentes abordagens. 3. ed. São Paulo: Bertrand do Brasil, 2003. p. 30. 115 SOUZA, op. cit., p. 56.

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dez anos atrás, foi justamente a emergência do socioambientalismo. [...] Analisando os conceitos que marcam os dez últimos anos de ambientalismo (1992-2002), Samyra Crespo aponta que, além dos conceitos “matriciais” de desenvolvimento sustentável e de stakeholders (atores sociais relevantes), surgiu nesse período o conceito de “socioambientalismo” [...]. 116

Na seara brasileira, o movimento ambientalista recebe o apoio de intelectuais,

tais como Carlos Drummond de Andrade e Tom Jobim. Cabe ressaltar que, no final

de 1970, o agrônomo José Lutzenberger retorna à sua cidade natal e se encontra

com pessoas que haviam sido conscientizadas pelo cronista gaúcho da natureza,

Henrique Luís Roessler, o qual fundou, em 1955, a União Protetora da Natureza –

UPN, tendo seus seguidores, posteriormente, fundado a AGAPAN – Associação

Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural. Esta ONG desencadeou, por todo país,

pioneiramente, a luta ambientalista, e, com o apoio de Lutzenberger, resultou numa

das maiores entidades ecológicas do Brasil: a ADFG – Ação Democrática Feminina

Gaúcha, atualmente filiada à ASSOCIAÇÃO AMIGOS DA TERRA, sediada em Porto

Alegre.117

Minc aponta para a necessidade de uma penetração mais ampla dos

problemas ambientais na sociedade brasileira:

[…] nosso país só terá um desenvolvimento ecologicamente viável numa sociedade profundamente democrática, em que a população tenha de fato poder sobre a organização da economia e do uso do espaço e também o poder de inventar novos direitos que ampliem seus espaços de autonomia e liberdade.118

Afirmam Bernardes e Ferreira que “a principal forma de ambientalismo é a

mobilização de comunidades em defesa de seu espaço geográfico e contrárias à

devastação do meio natural em nível local”. Assim se organizam associações de

moradores, naturalistas, cientistas, estudantes e outros grupos sociais, visando

impedir a degradação de seus locais de moradia e trabalho.119

116 SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos: proteção jurídica à diversidade biológica e cultural. São Paulo: Petrópolis, 2005. p. 50-51. 117 CARNEIRO, Augusto. A história do ambientalismo, porto Alegre: Editora Sagra Luzzatto, 2003, passim. p. 17-18-20. 118 MINC, Carlos. Os desafios da ecopolítica no Brasil. In: PÁDUA, J. A. Ecologia e política no Brasil. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1987, p. 138. 119 BERNARDES, J. A.; FERREIRA, F, P. M. Sociedade e natureza. In. CUNHA, S. B.; GUERRA, A. J. T. (orgs.). A questão ambiental: diferentes abordagens. 3. ed. São Paulo: Bertrand do Brasil, 2003. p. 32.

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Destaca-se que os acordos e eventos que marcaram a evolução da

consciência ambiental tiveram como resultado uma abordagem preventiva do meio

ambiente, a qual deve estar em harmonia com o desenvolvimento econômico e que

prime pelo planejamento eficiente de acordo com os princípios do desenvolvimento

sustentável da utilização dos recursos naturais.

Durante esse período, apesar das interconexões brasileiras com os

movimentos organizados em nível global na defesa do meio ambiente, no plano

internacional, a conscientização acerca da importância da questão ambiental

caminhou a passos bem mais largos que no Brasil, com as chamadas “fases de

internacionalização do direito ambiental”, que ora passam a ser a abordadas.

2.2 A internacionalização do direito ambiental

Na década de 1970, inicia a chamada “fase de globalização I – o problema

ambiental como limite de crescimento”, a qual representou um marco na forma de o

mundo compreender a relação entre o meio ambiente e desenvolvimento. A partir de

então, “o problema ambiental emerge como sendo um poderoso fator de restrição do

crescimento econômico, e de possível inviabilização do modelo vigente e relação das

atividades econômicas com o meio ambiente”.120

Nesse contexto, os problemas ambientais passam a ganhar dimensões

internacionais, despertando temor acerca do modelo de desenvolvimento econômico

vigente, o qual era baseado na produção e no consumo intensivos, provocando o

esgotamento dos recursos naturais.

Dessa forma, multiplicou-se na década de 70 a idéia de que se deveria impor um limite ao crescimento econômico, de onde proliferou muitas concepções de que se deveria estabelecer metas de “crescimento zero”. Sobretudo nos países desenvolvidos, ganhou impulso a idéia de que os países subdesenvolvidos não poderiam seguir e mesma trajetória de desenvolvimento dos de primeiro, uma vez que se todos os países

120 SOUZA, Renato Santos de. Entendendo a questão ambiental: temas de economia, política e gestão do meio ambiente. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2008. p. 56.

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gozassem dos padrões de produção, e de consumo “primeiromundistas”, o mundo seria insustentável.121

Dentre os principais eventos que marcam esse pensamento da década de

1970, merece destaque a conferência de Estocolmo (1972), que despertou o mundo

acerca da abrangência dos problemas ambientais e da emergência de uma

mudança de postura frente a tais problemas. Nesse período os estudos do Clube de

Roma (1972-1976) e o relatório intitulado Global Report 2000 também tiveram

grande relevância.

No que tange às atividades do Clube de Roma,122 cabe destacar que este era

composto por cientistas, economistas e industriais, e realizava estudos relacionados

à complexidade das sociedades contemporâneas e à natureza. Os seus integrantes

tinham como o objetivo despertar a consciência mundial acerca da gravidade dos

problemas ambientais. Procuraram desenvolver, através de seus estudos, uma visão

sistêmica acerca dos problemas ambientais, e propor novos meios de ação política

para a solução destes por intermédio do controle da exploração dos recursos

naturais.

O Clube de Roma teve em evidência os trabalhos intitulados: “Limites do

Crescimento”, “A Humanidade na Encruzilhada”123 e “Reformando a Ordem

Internacional: Um Relatório para o Clube de Roma”,124 que representaram um marco

121 SOUZA, Renato Santos de. Entendendo a questão ambiental: temas de economia, política e gestão do meio ambiente. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2008. p. 58. 122 “O Clube de Roma era uma entidade privada sem fins lucrativos, criada ainda na segunda metade dos anos 60 por iniciativa de Aurélio Pecei, diretor da empresa de consultoria e engenharia ITALCONSULT. A sua base financeira se constituía de contribuições do Battelle Memorial Institute e de toda uma série de contribuições de empresas multinacionais como a Volksvagem, a Ford e a Olivetti, dentre outras. Com tais recursos financeiros, o Clube de Roma constitui uma equipe interdisciplinar de estudos para, entre outras coisas, estudar os limites impostos pelo meio ambiente ao processo de crescimento econômico. O Clube de Roma, portanto, foi um dos principais disseminadores do discurso ecológico da década de 70 que questionava os “limites do crescimento”. Em outras palavras, a disseminação da idéia de que é impossível o crescimento infinito com recursos finitos”. Ibidem, p. 61. 123 “Esse estudo subdivide o sistema mundial e 10 sub-regiões (ou subsistemas), introduzindo, assim uma diferenciação quanto ao caráter ecológico e tecnológico. [...] As conclusões e recomendações desse trabalho, na verdade, são mais de cunho político do que técnico. O estudo ressalta que é inútil dentro do nacionalismo tentar resolver os problemas globais, e que é preciso um marco internacional de cooperação, é necessário o desenvolvimento de uma consciência mundial e uma nova ética baseada na harmonia e não na conquista, em que seja motivo de orgulho conservar e poupar, e não gastar e desperdiçar”. Ibidem, p. 62. 124 “Esse estudo defende a necessidade de uma nova ordem internacional e ressalta os principais problemas existentes que justificam esse esforço: corrida armamentista; crescimento demográfico;

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teórico importante na evolução da consciência ambiental global, mas que, no

entanto, foram alvo de muitas críticas.

O trabalho desse grupo que causou maior impacto foi “Limites do

Crescimento”, apresentado em 1972. A polêmica devia-se à previsão de um cenário

muito pessimista: sustentava o colapso mundial devido ao esgotamento dos

recursos não-renováveis. Defendia-se, ali, a idéia de que o crescimento econômico

deveria ser contido caso houvesse, ainda, a pretensão de se manter a vida humana

na terra.125

Cabe ressaltar:

[...] O objetivo central do Clube de Roma foi aprofundar e difundir os problemas principais da humanidade. Embora o grupo de intelectuais tenha sido financiado e tenha recebido diversos tipos de apoio de industriais e banqueiros, enfatizou que a produção industrial e a exploração dos recursos naturais precisam ser revistas e até estagnadas.126

Os referidos estudos foram importantes. Não obstante, o marco fundamental

desse período – o qual contribui para o crescimento da consciência ambiental global

– foi a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, realizada em

Estocolmo, na Suécia, em junho de 1972. Essa foi a primeira grande conferência

internacional para discutir o problema ambiental em nível global.

Desse encontro participaram representantes de 113 países, dezenove órgãos

intergovernamentais e quatrocentas outras organizações intergovernamentais e não

governamentais.127 O objetivo principal do evento era o de alertar o mundo acerca

dos perigos ambientais, sendo que “um dos pontos marcantes do encontro foi a

penúrias alimentícias; processos urbanizadores anárquicos; deterioração do meio ambiente; questões energéticas; e clara debilidade dos organismos internacionais”. Eles propõem formas de solucionar tais problemas. SOUZA, Renato Santos de. Entendendo a questão ambiental: temas de economia, política e gestão do meio ambiente. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2008. p. 63. 125Ibidem, p. 62. 126 BERNARDES, J. A.; FERREIRA, F. P. M. Sociedade e natureza. In. CUNHA, S. B.; GUERRA, A. J. T. (orgs.). 3. ed. A questão ambiental: diferentes abordagens. São Paulo: Bertrand do Brasil, 2003. p. 34-35. 127 McCORMICK, John. Rumo ao paraíso: a história do movimento ambientalista. Tradução de Marco Antônio da Rocha e Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1992. p. 97.

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contestação às propostas do Clube de Roma sobre o crescimento zero para os

países em desenvolvimento”.128

Na Conferência em tela, a pressão dos países subdesenvolvidos permitiu a

inclusão, dentro do conceito de meio ambiente, além das questões ecológicas,129 os

problemas vinculados ao subdesenvolvimento, tais como: fome, saneamento básico

e enfermidades peculiares a esses países.

A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano foi um divisor

de águas: as discussões acerca do ambientalismo global são classificadas como

“antes” e “depois” de Estocolmo. Tal é sua significância que esse evento tem sido

comparado à Declaração Universal dos Direitos do Homem. Ressalta-se que, depois

de Estocolmo, “o Novo Ambientalismo começou a se traduzir em ação política dos

governos: nova legislação, a criação de novos departamentos governamentais e o

reconhecimento de convenções internacionais.130 Com destaque às organizações

não governamentais, que passaram a desempenhar um papel importante no

desenvolvimento das políticas públicas ambientais. Sob esse enfoque, salienta

Lanfredi:

A Declaração de Estocolmo, equivalente a um tratado ou convenção, foi o primeiro grande passo dado, em nível internacional, para a tutela jurídica do meio ambiente, tendo a mesma importância que a Declaração dos Direitos do Homem. [...] A partir dessa declaração, começa a haver a aceitação dos princípios pelas nações em geral e, desde então, a situação não cessou de evoluir, mediante assinatura de acordos, protocolos, além de convenções para proteção internacional do meio ambiente.131

128 BERNARDES, J. A.; FERREIRA, F. P. M. Sociedade e natureza. In. CUNHA, S. B.; GUERRA, A. J. T. (orgs.). 3. ed. A questão ambiental: diferentes abordagens. São Paulo: Bertrand do Brasil, 2003. p. 35. 129 Sobre a distinção entre os termos “ambientalismo” e “ecologia”, ensina Castells: “[...] Por ambientalismo refiro-me a todas as formas de comportamento coletivo que, tanto em seus discursos como em sua prática, visam corrigir formas destrutivas de relacionamento entre o homem e seu ambiente natural, contrariando a lógica estrutural e institucional atualmente predominante; por ecologia, do ponto de vista sociológico, entendo o conjunto de crenças, teorias e projetos que contempla o gênero humano como parte de um ecossistema mais amplo, e visa manter o equilíbrio deste sistema em uma perspectiva dinâmica e evolucionária. Na minha visão, o ambientalismo é a ecologia na prática, e a ecologia é o ambientalismo na teoria.” CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. vol. 2. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 143. 130 McCORMICK, John. Rumo ao paraíso: a história do movimento ambientalista. Tradução de Marco Antônio da Rocha e Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1992. p. 19. 131 LANFREDI, Geraldo Ferreira, política ambiental: busca e efetividade de seus instrumentos. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 75.

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O Brasil teve uma participação de destaque nessa conferência, pois liderou a

aliança dos países periféricos contrários à limitação de desenvolvimento imposta

pelas nações mais ricas. No entanto, “foi um dos países que mais aceitou, nos anos

seguintes, a transferência de indústrias poluentes do hemisfério norte, justamente

afastadas de suas regiões de origem, em função da consciência ambiental”132 –

política esta bastante contraditória e anti-ecológica:

Na conferencia de Estocolmo, em 1972, o governo brasileiro foi o principal organizador do bloco dos países em desenvolvimento que tinham uma posição de resistência ao reconhecimento da importância da problemática ambiental (sob o argumento de que a principal poluição era a miséria) e que se negavam a reconhecer o problema da explosão demográfica. Isso correspondia a uma política interna que tinha como pilares a atração para o Brasil de indústrias poluentes e o incentivo para que populações favorecidas de alta fecundidade migrassem para a Amazônia (para evitar a reforma agrária em suas regiões de origem).133

Como resultado prático, a Conferência de Estocolmo contou com a elaboração

de 26 princípios que têm como objetivo regular a relação do homem com o meio

ambiente. Também foram criados o Programa das Nações Unidas para o Meio

Ambiente (PNUMA), o Earthwatch e a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e o

Desenvolvimento (CMMAD).134

O grande mérito da Declaração de Estocolmo foi “proclamar, pela primeira vez,

o direito humano ao meio ambiente” 135. Ali foram encontrados todos os elementos

para se reconhecer o direito fundamental ao meio ambiente, conforme preceitua o

art. 1o. da Declaração, o qual merece destaque:

O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas, em um meio ambiente de qualidade de tal

132 FERREIRA, Leila Costa. A questão ambiental: sustentabilidade e políticas públicas no Brasil. São Paulo: Jinkings, 1998. p. 28. 133 HOGAN, D. J.; VIEIRA, P. F. (orgs). Dilemas socioambientais e desenvolvimento sustentável. 2. ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 1992. p. 83. 134 “A CMMAD também publicou o relatório “Nosso futuro em Comum”, que alertou, por exemplo, para o fato de que 6 milhões de hectares de terras produtivas sofrem anualmente um processo de desertificação no mundo e que a maior parte deste solo encontra-se no continente mais miserável do planeta – a África. Apesar disso, a proposta de um desenvolvimento sustentável, neste relatório, é considerada prioritária para os países ricos, pouco preocupados com a pobreza mundial, de acordo com lideranças do Terceiro Mundo e algumas ONGs”. BERNARDES, J. A.; FERREIRA, F. P. M. Sociedade e natureza. In. CUNHA, S. B.; GUERRA, A. J. T. (orgs.). 3. ed. A questão ambiental: diferentes abordagens. São Paulo: Bertrand do Brasil, 2003. p. 36. 135 FILHO, Anízio Pires Gavião. Direito fundamental ao ambiente. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 56.

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que lhe permita levar uma vida digna, gozar de bem-estar; e é portador da solene obrigação de proteger e melhorar esse meio ambiente para as gerações presentes e futuras [...].136

McCormick tece suas impressões acerca da Conferência de Estocolmo,

destacando como uma das grandes conquistas o debate entre os países menos

desenvolvidos e mais desenvolvidos. É possível notar, com o autor, que aqueles

continuariam investindo no seu próprio desenvolvimento sem descuidar do meio

ambiente:

Foi a primeira vez que os problemas políticos, sociais e econômicos do meio ambiente global foram discutidos num fórum intergovernamental com uma perspectiva de realmente empreender ações corretivas. A conferência objetivava “criar no seio da ONU bases para uma consideração abrangente dos problemas do meio ambiente humano” e “fazer convergir a atenção de governos e opinião pública em vários países para a importância do problema”. O evento resultou diretamente na criação do programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (UNEP – United Nations Environmental Programme). E marcou igualmente uma transição do Novo Ambientalismo emocional e ocasionalmente ingênuo dos anos 60 para a perspectiva mais racional, política e global dos anos 70. Acima de tudo, trouxe o debate entre países menos de desenvolvidos e mais desenvolvidos – com suas percepções diferenciadas das prioridades ambientais – para um fórum aberto e causou um deslocamento fundamental na direção do ambientalismo global.137

Após a Conferência de Estocolmo, o último estudo que marcou a “fase de

globalização I” foi o “Relatório Global 2000 para o Presidente”. Esse estudo foi

coordenado por Gerald Barner, por iniciativa do presidente Jimmy Carter, tendo sido

publicado em 1980. Na perspectiva de Sousa:

Esse relatório traz como mensagem a afirmação de que não é possível estender para todo o mundo o estilo de vida das sociedades desenvolvidas, uma vez que isso implicaria a amplificação em escala mundial (e, provavelmente insustentável) da utilização de recursos naturais e da geração de contaminantes ambientais, como fruto da intensa industrialização e do padrão de consumo dessas sociedades, o que poria em risco a sobrevivência da vida humana na terra.138

Destarte, na década de 1970, observou-se uma intensificação da preocupação

com o meio ambiente - entendido como problema global do desenvolvimento, e não

136 CURY, Isabele. (Org.) Cartas Patrimoniais. 2. ed. Rio de Janeiro: Iphan, 2000. p. 171. 137 McCORMICK, John. Rumo ao paraíso: a história do movimento ambientalista. Tradução de Marco Antônio da Rocha e Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1992. p. 19. 138 SOUZA, Renato Santos de. Entendendo a questão ambiental: temas de economia, política e gestão do meio ambiente. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2008. p. 64.

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mais local. Isso é devido ao aumento de leis ambientais e da implementação de

políticas públicas ambientais, as quais buscaram atuar de forma mais sistêmica no

planejamento e desenvolvimento econômicos.

Já na “fase de globalização II – o problema ambiental como risco à

humanidade”,139 buscou-se, a partir do início dos anos 80 até a segunda metade

daquela década, alternativas de conciliação entre o desenvolvimento e a

preservação ambiental, já que as discussões que ocorreram na fase anterior

deixaram claro que seria uma tarefa árdua impor limites ao crescimento econômico,

sobretudo aos países em desenvolvimento.

Nesse período, surgiram dois conceitos que tinham como objetivo a tentativa

de conciliar desenvolvimento e preservação ambiental, quais sejam,

ecodesenvolvimento e desenvolvimento sustentável, os quais possuem a seguinte

diferenciação:

[...] quando falamos em desenvolvimento sustentável , estaremos no reportando à concepção de desenvolvimento presente no Relatório de Brundtland (O Nosso Futuro Comum), que corresponde ao modelo hegemônico de “desenvolvimento sustentável de mercado”, em contraposição ao Ecodesenvolvimento , que consideramos um modelo de desenvolvimento sustentável alternativo.140 [Grifou-se].

O “Relatório de Brundtland”141 (relatório Nosso Futuro Comum), da Comissão

Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento,142 que data de 1991 e foi

publicado originalmente em 1987, é, segundo Soares, “a definição mais direta do

que seja desenvolvimento sustentável”.143 Esse estudo reconhece que o nosso

desenvolvimento atual coloca pressões sobre o meio ambiente, o que é

insustentável e pode levar ao esgotamento dos recursos naturais. Preceitua, 139 SOUZA, Renato Santos de. Entendendo a questão ambiental: temas de economia, política e gestão do meio ambiente. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2008. p. 67. 140 Ibidem, p. 68. 141 O referido relatório é chamado de “Relatório de Brundtland” em função do nome da presidente da Comissão Mundial Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), Gro Harlem Brundtland, a qual também era primeira ministra da Noruega a época. 142 “Vale lembrar que tal comissão constitui-se de altas personalidades mundiais, para auxiliar a ONU em sua tarefa para preparar aquela que seria a Conferência do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento”. SOARES, Guido Fernando Silva. A proteção internacional do meio ambiente. Baueri, SP: Manole, 2003. p. 77. 143 SOARES, Guido Fernando Silva. A proteção internacional do meio ambiente. Baueri, SP: Manole, 2003. p. 77.

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ademais, que a sustentabilidade ecológica deve receber a devida atenção. Sustenta

Sousa que o Relatório de Brundtland:

Tem a pretensão de servir como um método para corrigir os desvios do desenvolvimento em relação ao meio ambiente. Representa a síntese da idéia oficial e hegemônica do desenvolvimento sustentável, sobre a qual todas as iniciativas nacionais e multilaterais posteriores haviam de se reportar”. Também “sinaliza algumas mudanças necessárias nas organizações e nas instituições em nível internacional, nacional e local para que haja viabilidade nas estratégias de desenvolvimento sustentável. 144

Esse relatório também foi alvo de críticas dos representantes atuais das idéias

de “crescimento zero”, bem como daqueles que defendem a idéia de que não

haveria como garantir um futuro sustentável sem abandonar os padrões de vida e de

consumo modernos, mormente nos países desenvolvidos. Os críticos ressaltam a

confusão que o Relatório de Brundtland faz entre crescimento e desenvolvimento,

normalmente referindo-se ao desenvolvimento como crescimento. Por outro lado,

nesse relatório, destaca-se que a lógica do desenvolvimento sustentável seria a

lógica da “eficência global”, a qual tem uma concepção de meio ambiente como

prestador de recursos para o sistema econômico e como fator de bem-estar.145

Também merece destaque, nesse período, o “Acordo para a Proteção da

Camada de Ozônio”, que é um conjunto de acordos internacionais que reúnem a

“Convenção de Viena” (1985), o “Protocolo de Montreal” (1987) e a “Emenda de

Londres” (1990).

O “Acordo para Proteção da Camada de Ozônio” tem como acordo central o

“Protocolo de Montreal”, o qual visa a controlar o consumo e as emissões dos CFCs

e substâncias afins, consideradas, à época, responsáveis pela destruição da

Camada de Ozônio. Já a Emenda de Londres é mais rígida, pois obriga que os

CFCs e produtos químicos similares deixem de ser usados, nos países

desenvolvidos, os quais eram responsáveis por cerca de 80% das emissões desses

gases, até o ano de 2000, sendo que, nos países em desenvolvimento, o consumo

144 SOUZA, Renato Santos de. Entendendo a questão ambiental: temas de economia, política e gestão do meio ambiente. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2008. p. 72. 145 Ibidem, p. 75.

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poderia aumentar até determinados limites, devendo, a partir de 1996, ser

progressivamente eliminado até 2010.146

Ainda cabe salientar a criação do “Global Environment Facility (GEF)”, que é

administrado e financiado conjuntamente pelo Banco Mundial, UNDP e UNEP. Esse

fundo foi criado em 1991 com a precípua finalidade de prover o financiamento dos

custos adicionais referentes à proteção ambiental do global. O GEF ganhou

importância por ocasião da ECO 92, tendo sido considerado uma das principais

fontes de financiamento dos pontos acordados pela Agenda 21.

O evento de maior relevância desse período foi a Conferência das Nações

Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como ECO 92,

realizada no Rio de Janeiro, em 14 de junho de 1992. Essa Conferência foi a grande

marca da internacionalização da proteção ambiental e das questões ligadas ao

desenvolvimento. Nesse encontro foi oficializada a “Agenda 21”,147 um documento

de natureza programática que se trata “de um texto assumido oficialmente pelos

países representados naquele encontro mundial, simultaneamente, pelo Fórum das

Organizações não Governamentais”.148

No plano global, a Agenda 21 da Rio-92 configurou-se como uma soft law, ou seja, um acordo que não cria vínculos legais que tornam sua implementação mandatória para os atores (países) que assinaram. Na época da Rio-92, a sua visibilidade ficou parcialmente ofuscada pelos acordos hard-law (que criam obrigações jurídicas para as partes) firmados por aproximadamente 170 países: a Convenção Quadro de Mudanças de Clima e a Convenção sobre Diversidade Biológica. Ganharam também relativa notoriedade outros dois produtos soft law da Rio-92: a Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e a Declaração

146 SOUZA, Renato Santos de. Entendendo a questão ambiental: temas de economia, política e gestão do meio ambiente. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2008. p. 76. 147 “A Agenda 21 é um amplo plano de ação dirigido para o desenvolvimento sustentável, com quatro seções, quarenta capítulos, 115 programas e aproximadamente 2500 ações a serem implementadas. [...] A idéia por trás da Agenda 21 global era mostrar o caminho que leva à prática do desenvolvimento sustentável. [...] A Agenda 21 global já reconhecia que o desenvolvimento sustentável só seria viável com o apoio das comunidades locais e recomendava que se iniciasse o processo de construção das agendas 21 locais”. SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos: proteção jurídica à diversidade biológica e cultural. São Paulo: Petrópolis, 2005. p. 46 148 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 56.

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de Princípios sobre Conservação e Usos Sustentáveis de Florestas (Declaração de Florestas).149

Resultou dessa conferência, além da Agenda 21, outros documentos

internacionais que são referências fundamentais ao Direito Ambiental Internacional,

quais sejam: “A Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento”150 o

“Fundo Global para o Meio Ambiente”, do Banco Mundial, a “Declaração de

Princípios das Florestas”151 e a “Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas”,152

sendo que esta procurou estabelecer regras para a proteção da atmosfera e a

contenção da emissão de gases poluentes.

Foi durante a ECO 92 que os Estados Unidos,153 um dos maiores poluidores do

mundo, assumiram maior posição de intransigência quando se negam a assinar a

“Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB)”,154 apesar da adesão de 153

149 BORN, R. H. Agenda 21 brasileira: instrumentos e desafios para a sustentabilidade. In: CAMARGO, A.; CAPOBIANCO, J, P. R.; OLIVEIRA, J. A, P. (Orgs). Meio ambiente Brasil: avanços e obstáculos pós-Rio-92. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2002. p. 79-80. 150 A Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento contém 27 princípios que fundamentam e norteiam toda a legislação ambiental, tais como o princípio de desenvolvimento sustentável e o direito intergeracional de meio ambiente ecologicamente equilibrado; o princípio da precaução; o princípio do poluidor-pagador; princípios da participação social na gestão ambiental e do acesso à informação ambiental; princípio da obrigatoriedade da intervenção estatal, que atribui ao poder público a obrigação de defender o meio ambiente. SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos: proteção jurídica à diversidade biológica e cultural. São Paulo: Petrópolis, 2005, p. 43-44. 151 Essa declaração contém um conjunto de quinze princípios relacionados ao manejo e conservação das florestas e foi o primeiro documento que tratou da questão florestal de maneira universal. Ibidem, p. 45. 152 “Os resultados desta convenção têm sido pouco expressivos. Esta Convenção teve prosseguimento na Primeira Conferencia das Partes realizada em Berlim (1995) e culminou na Conferencia de Kyoto no final de 1997. Desta ultima Conferência resultou o Protocolo de Kyoto, por meio do qual os países desenvolvidos comprometem-se em reduzir no mínimo 5,0% das emissões de Dióxido de Carbono para o período 2008-2012, em relação aos níveis de 1990”. SOUZA, Renato Santos de. Entendendo a questão ambiental: temas de economia, política e gestão do meio ambiente. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2008. p. 79. 153 “Cabe aqui também ressaltar a negativa dos Estados Unidos em aceitar o Protocolo de Kyoto (1997), apesar de o país ser o maior poluidor do mundo e o principal causador do efeito estufa”. BERNARDES, J. A.; FERREIRA, F. P. M. Sociedade e natureza. In. CUNHA, S. B.; GUERRA, A. J. T. (Orgs.). 3. ed. A questão ambiental: diferentes abordagens. São Paulo: Bertrand do Brasil, 2003. p. 36. 154 “A Convenção da Biodiversidade tem um impacto duplo, por um lado ela foi uma das responsáveis pela conscientização da importância da diversidade biológica para manutenção dos sistemas da vida, do equilíbrio ecológico e para a manutenção da capacidade de a natureza absorver e adaptar-se as diversidades, por outro lado, ela possui uma eficácia relativamente reduzida devido a posição dos Estados Unidos em não apoiar os seus aspectos que ferem o direito à propriedade intelectual. Nesse campo, assim como em outros, o papel dos EUA é mais uma vez fundamental e ao mesmo tempo complexo. Abrigando em seu território inúmeras corporações, universidades, centros de pesquisas e ONGs, os EUA detêm grande parte da capacidade científico-tecnológica voltada à biodiversidade, razão pela qual encontra-se reticente em aceitar o cerceamento da utilização desta capacidade para

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países, inclusive o Japão e das nações mais industrializadas da Europa. Destaca-se

que o Brasil foi o primeiro país a assinar a Convenção, tendo sido ratificada pelo

Congresso Nacional em maio de 1994. Aponta Santilli:

Entre os avanços representados pela referida convenção está adoção do princípio da soberania dos Estados sobre os recursos biológicos e genéticos existentes em seus territórios, que prevaleceu sobre o conceito anterior de que tais patrimônios constituíam ‘patrimônio da humanidade.155

Destaca-se, ainda, o fortalecimento das propostas alternativas por meio do

Fórum Global, o qual teve como evento principal o Fórum Internacional de ONGs,

que despertou a consciência ambiental e a adesão da população ao ideário

ambientalista. Como conseqüência desse evento as ONGs conquistaram grande

reconhecimento público e espaço de atuação. Sob este enfoque, leciona Soares:

[…] se Estocolmo havia sido a grande tomada de consciência dos Estados, no âmbito da ONU, dos problemas relativos ao meio ambiente internacional, a ECO/92 veio representar a adição de um componente de desiderabilidade e de conteúdo obrigatório nas políticas e nas normas relativas ao meio ambiente, em todos os campos das relações internacionais que se seguiram àquele evento.156

Na Agenda 21, “a comunidade internacional apresenta, em longo documento,

um planejamento destinado a solucionar até o ano de 2000 os principais problemas

ambientais e que, conforme a denominação indica, deverá adentrar pelo século 21”.

Com relação aos recursos financeiros necessários para a implementação dos

programas, ficou definido que “cabe aos países recipientes arcar com a maior parte

das despesas” - o que causa dificuldade aos países menos desenvolvidos para

colocar em prática os programas ali previstos.157

Diante dessa premissa, é importante ressaltar que na agenda 21 são tratadas,

em grandes grupos temáticos, questões relativas ao desenvolvimento econômico-

fins econômicos”. SOUZA, Renato Santos de. Entendendo a questão ambiental: temas de economia, política e gestão do meio ambiente. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2008. p. 81. 155 SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos: proteção jurídica à diversidade biológica e cultural. São Paulo: Petrópolis, 2005. p. 44. 156 SOARES, Guido Fernando. Direito Internacional do meio ambiente: emergência, obrigações e responsabilidades. 2. ed. São Paulo: Jurídico Atlas, 2006. p. 37. 157 SILVA, Geraldo Eulálio Nascimento e. Direito Ambiental internacional: meio ambiente, desenvolvimento sustentável e os desafios da nova ordem mundial. Rio de Janeiro: Thex Editora, 1995. p. 142.

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social e suas dimensões, à conservação e administração de recursos para o

desenvolvimento, ao papel dos grandes grupos sociais que atuam nesse processo.

São apontados meios de implementação de planos, programas e projetos que visem

ao desenvolvimento sustentável, ressaltando-se sempre os aspectos ligados aos

recursos naturais e à qualidade ambiental. Milaré sustenta que “a Agenda 21 é a

cartilha básica do desenvolvimento sustentável”.158

A Agenda 21 é, portanto, um esforço para construir, de maneira participativa, um plano de ação que leve os países a seus municípios a adotar, gradualmente, um modelo de desenvolvimentos sustentável. Trata-se, assim, de um processo contínuo e permanente, dinâmico e não cristalizado, para realizar a cidadania por meio do desenvolvimento com qualidade de vida. Ênfase especial recai sobre o desenvolvimento sustentável.159

Destaca-se a criação de um Fórum Permanente da Agenda 21, em âmbito

nacional e municipal, o qual funciona da seguinte forma:

[…] com verba própria e com seus representantes devidamente eleitos, onde Sociedade e Governo são conclamados a sentar-se à mesa de convenções, para, em diálogo e debates serenos e sinceros, participar do espaço político de planejamento socioeconômico ambiental e participativo. Entre outras, devem ser atribuições desse Fórum: a) representar interesses da comunidade; b) propor grupos de trabalho temáticos; c) discutir o melhor método de realizar a educação ambiental das crianças; d) fornecer subsídios ao Prefeito e à Câmara para a formação de políticas públicas; e) acompanhar auditorias; e f) encaminhar e divulgar amplamente o relatório de atividades.160

Outrossim, tem-se que a eficácia dos princípios propostos na Agenda 21

depende da sua penetração na legislação e nos programas de governo dos países

envolvidos, possibilitando, assim, o tão almejado comprometimento com as

gerações futuras e a promoção do desenvolvimento sustentável. Após a ECO 92,

muitos países desenvolveram agendas 21 nacionais, estabelecendo prioridades

ambientais e formas de solucionar seus problemas. No Brasil, inclusive, foi

implementada uma Agenda 21 Brasileira.161

158 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 57. 159 LANFREDI, Geraldo Ferreira. Política ambiental: busca e efetividade de seus instrumentos. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 75. 160 Ibidem, p. 77. 161 “A Agenda 21 Brasileira, deve ser entendida como possível agenda de transição, ou melhor, de transformações. Isso significa ir além das ações exemplares, dos projetos e ações fragmentados,

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Na perspectiva de Soares:

[…] de 1972 em diante, da mesma forma como se contou com um marco importante na determinação da política internacional dos Estados em relação ao meio ambiente, a partir da ECO-92, em particular pela mudança de ênfase no conteúdo de suas normas, o direito internacional do meio ambiente passará a consagrar o enfoque da necessidade de regulamentações de dêem maior vigor ao conceito da justiça nas relações internacionais.162

Ainda na década de 1990, foi assinado, em 1995, o “Acordo de Madrid”, o qual

prorrogou por mais de 50 anos a proibição de atividades econômicas na Antártida.

Na opinião de Souza:

[…] o Acordo de Madrid representa um outro exemplo de governabilidade global. Representou também um sucesso de lobby de inúmeras entidades ambientalistas internacionais (principalmente o Greenpeace) e dos governos da França e Austrália sobre a pressão de corporações internacionais e do Governo Americano de George Bush de utilizar a Antártida para explorações minerais. A pressão dos primeiros conseguiu retardar por pelo menos meio século as intenções de utilização econômica da Antártida.163

Já no século XXI, o documento de maior importância editado foi a “Carta da

Terra”, elaborada pela Cúpula da Terra, no Rio de Janeiro, como uma crítica aos

Estados que não seguiram os princípios da ECO/92. Trata-se de “uma declaração

de princípios éticos fundamentais para a construção, no século 21, de uma

para poder gerar progressivamente a “cultura” e políticas integradas de sustentabilidade. Como decorrência seja do processo, seja das visões e idiossincrasias presentes na sociedade brasileira, a Agenda 21 nacional revela a tensão da busca da sustentabilidade social, ambiental e ecológica com as políticas e práticas da eficiência econômica, da tendência de se valer crescente de instrumentos de regulação social (comando-controle) e das demandas sociais de curtíssimo prazo, próprias de um quadro de grave exclusão social. [...] A Agenda 21 Brasileira, mesmo não sendo até o momento um instrumento de consideração central pelos tomadores de decisões do Brasil, revelou o potencial social e institucional, tampouco desprezível, que existe para as transformações necessárias em todos os campos da vida nacional. Resta continuar a mobilizar meios e atores sociais para tornar realidade o legado da Rio-92 e do Fórum Social Mundial: um mundo sustentável é possível (e necessário urgentemente!)”. BORN, R. H. Agenda 21 brasileira: instrumentos e desafios para a sustentabilidade. In: CAMARGO, A.; CAPOBIANCO, J.P. R.; OLIVEIRA, J. A. P. (Orgs). Meio ambiente Brasil: avanços e obstáculos pós-Rio-92. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2002. p. 92-96. 162 SOARES, Guido Fernando. Direito Internacional do meio ambiente: emergência, obrigações e responsabilidades. 2. ed. São Paulo: Jurídico Atlas, 2006. p.79. 163 SOUZA, Renato Santos de. Entendendo a questão ambiental: temas de economia, política e gestão do meio ambiente. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2008. p. 84.

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sociedade global justa, sustentável e pacífica”164 e tem como princípio chave a

“integridade ecológica”.

Esse documento parte da lógica de que devemos falar em direitos humanos no

século XXI de modo diferente, haja vista que estamos no auge da crise ambiental.

Da mesma forma, os legisladores devem elaborar as normas de acordo com as

atuais necessidades. A “Carta da Terra” dispõe, ainda, que devemos atuar dentro

dos limites do sistema planetário, com respeito à humanidade, e é considerado o

documento que melhor reflete o conceito de sustentabilidade e direitos humanos:

A Carta da Terra é resultado de uma década de diálogo intercultural, em torno de objetivos comuns e valores compartilhados. O projeto da Carta da Terra começou como uma iniciativa das Nações Unidas, mas se desenvolveu e finalizou como uma iniciativa global da sociedade civil. Em 2000, a Comissão da Carta da Terra, uma entidade internacional independente, concluiu e divulgou o documento como a carta dos povos. A redação da Carta da Terra envolveu o mais inclusivo e participativo processo associado à criação de uma declaração internacional. Esse processo é a fonte básica de sua legitimidade como um marco de guia ético. A legitimidade do documento foi fortalecida pela adesão de mais de 4.500 organizações, incluindo vários organismos governamentais e organizações internacionais. À luz desta legitimidade, um crescente número de juristas internacionais reconhece que a Carta da Terra está adquirindo um status de lei branca (“soft law”). Leis brancas, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, são consideradas como moralmente, mas não juridicamente obrigatórias para os Governos de Estado, que aceitam subscrevê-las e adotá-las, e muitas vezes servem de base para o desenvolvimento de uma lei strictu senso (hard law). Neste momento em que é urgentemente necessário mudar a maneira como pensamos e vivemos, a Carta da Terra nos desafia a examinar nossos valores e a escolher um melhor caminho. Alianças internacionais são cada vez mais necessárias, a Carta da Terra nos encoraja a buscar aspectos em comum em meio à nossa diversidade e adotar uma nova ética global, partilhada por um número crescente de pessoas por todo o mundo. Num momento onde educação para o desenvolvimento sustentável tornou-se essencial, a Carta da Terra oferece um instrumento educacional muito valioso.165

Por derradeiro, destaca-se a “Rio + 10” (Cúpula Mundial sobre

Desenvolvimento Sustentável), que foi realizada pelas Nações Unidas, em

Johanesburgo, na África do Sul, de 26 de agosto a 4 de setembro de 2002, dez anos

após a realização da ECO-92. Essa Convenção teve como resultados formais a

“Declaração de Johannesburgo para o Desenvolvimento Sustentável” e “o Plano de

Implementação”, com metas genéricas “relacionadas ao acesso da água tratada, 164 A Carta da Terra em Ação – A iniciativa da Carta da Terra – Brasil. Disponível em: < http://www.cartada te rrabrasil. org/prt/what_is.html>. Aceso em 02 nov. 2008. 165 Ibidem.

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saneamento, recuperação de estoques pesqueiros, gerenciamento de resíduos

tóxicos e uso de fontes alternativas de energia”.166 A crítica de Santilli acerca dos

resultados da ECO 92 é contundente:

O sentimento geral das organizações ambientalistas é de que não houve nenhum avanço em relação aos documentos assinados durante a ECO 92, e o Plano de Implementação é vago, com metas genéricas e ambíguas, e sem previsão de cronogramas e compromissos globais efetivos para a implementação dos acordos assinados durante a Cúpula da Terra (a ECO-92). Os grades “vilões” apontados como responsáveis pelo fracasso das negociações durante a Rio+10 foram os países do grupo conhecido como Jucanz (Japão, Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia).167

Destarte, esse conjunto de princípios, protocolos e declarações emanados dos

diversos estudos, fóruns e conferências internacionais supracitados constitui, hoje, a

base do direito ambiental internacional e, por conseqüência, de diversos países, a

exemplo do Brasil, que deu relevância constitucional ao tema considerando o direito

ao meio ambiente ecologicamente equilibrado um direito fundamental transindividual

que procura associar a proteção do meio ambiente com o desenvolvimento

socioeconômico.

2.3 O direito ao meio ambiente ecologicamente equil ibrado como direito

humano fundamental

A partir do momento em que houve a percepção do problema ambiental, alguns

países, timidamente, passaram a elaborar uma legislação acerca do tema. Diante

disso, “através de leis, as atividades foram sendo disciplinadas e limitou-se o

desenvolvimento econômico à base de recursos naturais” 168. No entanto, “os

dispositivos legais que tratavam de matéria relativa aos recursos naturais tinham por

finalidade outros aspectos e não a proteção do meio ambiente”169.

166 SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos: proteção jurídica à diversidade biológica e cultural. São Paulo: Petrópolis, 2005, p. 49. 167 Ibidem, p. 49-50. 168 ROCHA, Vânia de Almeida Sieben. Constituição e meio ambiente. In: HAUSEN, E. C.; TEIXEIRA, O. P. B.; ÁLVARES, P. B. Temas de direito ambiental: uma visão interdisciplinar. Porto Alegre: AEBA, APESP, 2000. p. 183. 169 Loc cit.

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Foi somente em 1972, após a Conferência de Estocolmo, que emergiu a

consciência da necessidade de uma regulamentação especial do meio ambiente170.

A primeira lei brasileira que resultou dessa Conferência foi a Lei da Política Nacional

do Meio Ambiente, Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, a qual conforma a primeira

lei nacional a demonstrar preocupação com o meio ambiente, reconhecendo-o como

“bem jurídico autônomo”171. O art. 3o, inc. I, da referida Lei, definiu o meio ambiente

como sendo “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física,

química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.172

A referida Lei foi um marco na legislação brasileira, pois esta se trata de uma

Lei de cunho ecocêntrico, na tentativa de superar a visão antropocêntrica, utilitarista

e cartesiana (conforme elucidado no primeiro capítulo) que estava latente na

sociedade até então:

[...] supera-se a percepção fragmentária e utilitarista até então vigente e refletida em diversas normas ambientais esparsas, anteriores à Lei 6.938/81, em que a proteção jurídica incidia sobre específicos elementos naturais, tais como a fauna, a flora, os recursos minerais, não em razão de sua importância para a manutenção do equilíbrio ecológico, mas em razão da utilidade econômica que representavam como insumos do processo evolutivo.173

No entanto, somente em 1988 foi verificada a preocupação do legislador

constituinte com relação ao meio ambiente, haja vista que a concretização relativa a

esse direito deu-se com a inclusão, no texto da Magna Carta, do art. 225, o qual

tange a preocupação com a garantia de um meio ambiente em equilíbrio. Esse artigo

confere ao direito ambiental caráter de direito fundamental, sendo, inclusive,

170 Acerca da expressão meio ambiente, leciona Antunes: “ambiente e meio são vocábulos sinônimos. Ainda que meio ambiente seja tecnicamente um pleonasmo, a sua presença no texto constitucional é importante, pois ele corresponde à linguagem corrente, fugindo da concepção tecnocrática que domina a PNMA, facilitando, portanto, a sua compreensão pelo destinatário final da Constituição. Há que se aduzir, em favor do pleonasmo constitucional, o fato de que ele é a expressão de um entendimento médio existente em nossa sociedade que tem preferido se utilizar a expressão meio ambiente em lugar da utilização do vocabulário ambiente. Este fato é positivo, pois indica que a prevalência deve ser do sentido político que o termo encerra e não da sua definição técnico-cientifica”. ANTUNES, Paulo de Bessa. Dano ambiental: uma abordagem conceitual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000. p. 161. 171 MARCHESAN, A. M. M.; STEIGLEDER, A. M.; CAPELLI, S. Direito Ambiental. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2005. p. 15. 172 BRASIL. Lei n° 6.938/81, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6938.htm>. Acesso em: 15 out. 2008. 173 MARCHESAN, STEIGLEDER; CAPELLI, op. cit., p. 15.

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equiparado à dignidade da pessoa humana. A partir de então, a tutela do meio

ambiente adquiriu status de norma constitucional, pois “o direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado passou, de direito humano a direito fundamental, com

dimensão individual e transindividual conectadas à pessoa e ao direito à vida com

dignidade”.174

Devido à grande proximidade de sentido e significância, acredita-se em que

seja oportuno distinguir os direitos humanos dos direitos fundamentais.175 Veja-se a

distinção que faz Canotilho:

As expressões “direitos do homem” e “direitos fundamentais” são freqüentemente utilizadas como sinônimas. Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturaista-universalista); direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu carácter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objectivamente vigentes numa ordem jurídica concreta.176 [grifou-se]

Direitos humanos seriam, portanto, inatos e atemporais, ao passo que os

direitos fundamentais seriam a positivação estatal daqueles. Atualmente, está em

voga a distinção fundamentada na oposição entre direito interno e externo. Os

direitos fundamentais seriam aqueles reconhecidos ou outorgados e protegidos pelo

direito constitucional interno de cada Estado. Já os direitos humanos, seriam

aqueles positivados na esfera do direito internacional.177 Contudo, alerta Canotilho:

A positivação constitucional não significa que os direitos fundamentais deixem de ser elementos constitutivos da legitimidade constitucional, e, por conseguinte, elementos legitimativo-fundamentantes da própria ordem

174 TEIXEIRA, Orci Paulino Bretanha. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 89. 175 “La significación heterogénea de la expresión ‘derechos humanos’ en la teoría y en la práxis ha contribuido a hacer de este concepto un paradigma de equivocidad. A ello aún se falta de precisión de la mayor parte de definiciones que suelen proponerse sobre los derechos humanos, lo que hace muy difícil determinar su alcance. A esa vaguedad conceptual de los derechos humanos se ha referido expresamente Norberto Bobbio, para quien en la mayor parte de las ocasiones esta expresión o no es realmente definida, o lo es en términos poco satisfactorios.” PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos humanos, estado de derecho y constitución. 9. ed. Madrid: Tecnos, 2005. p. 27. 176 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 4. ed. Lisboa: Almedina, [s.d.]. p. 387. 177 FABRIZ, Daury César. Bioética e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p. 187.

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jurídico-constitucional positiva, nem que a simples positivação jurídico-constitucional os torne, só por si, “realidades jurídicas efectivas” (ex. catálogo de direitos fundamentais em constituições meramente semânticas). Por outras palavras: a positivação jurídico-constitucional não “dissolve” nem “consome” quer o momento de “jusnaturalização” quer as raízes fundamentantes dos direitos fundamentais (dignidade humana, fraternidade, igualdade, liberdade).178

Em função de constituírem uma categoria especial do direito constitucional, os

direitos fundamentais ganharam status de cláusulas inatingíveis pelo

constitucionalismo democrático de nosso país. Trata-se de direitos essenciais para a

vida de qualquer pessoa humana, pois eles tocam as dimensões personalíssimas da

vida, da liberdade e da dignidade. Diante disso tem-se que:

O direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é, por força da abertura material consagrada no art. 5o, parágrafo 2o, da Constituição Federal de 1988, cláusula pétrea e sujeito à aplicabilidade direta, mesmo não constando no catálogo do art. 5o, uma vez que o constituinte optou por inseri-lo no âmbito das disposições constitucionais sobre a ordem social. Assim, trata-se de um direito formal e materialmente fundamental179.

Sustenta Canotilho:

A positivação de direitos fundamentais significa a incorporação na ordem jurídica positiva dos direitos considerados “naturais” e “inalienáveis” do indivíduo. Não basta uma qualquer positivação. É necessário assinalar-lhes a dimensão de Fundamental Rights colocados no lugar cimeiro das fontes de direito: as normas constitucionais. Sem esta positivação jurídica, os “direitos do homem são esperanças, aspirações, idéias, impulsos, ou, até, por vezes, mera retórica política”, mas não direitos protegidos sob a forma de normas (regras e princípios) de direito constitucional (Grundrechtsnormen).180

É importante observar que nas leis anteriores à consagração constitucional do

direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o bem ambiental 178 CANOTILHO, J. J. GOMES. Direito constitucional e teoria da constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999. p. 372. 179 MARCHESAN, A. M. M.; STEIGLEDER, A. M.; CAPELLI, S. Direito Ambiental. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2005. p.19. Como aponta Bonavides, as cláusulas pétreas não se esgotam nos direitos individuais, estendendo-se, também, aos sociais, podendo-se acrescentar os direitos transindividuais, como o meio-ambiente: “Com efeito introduzida e positivada em grau máximo de intangibilidade no §4º do art. 60, deve-se entender que a rigidez formal de proteção estabelecida em favor dos conteúdos ali introduzidos, nomeadamente os respeitantes às duas acepções ora examinadas, não abrange apenas o teor material dos direitos da primeira geração, herdados pelo constitucionalismo contemporâneo, senão que se estende por igual aos direitos da segunda dimensão, a saber, os direitos sociais”. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 593. 180 Ibidem, p. 371.

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tratava-se de “um ‘macrobem’,181 jurídico, incorpóreo, inapropriável, indisponível e

indivisível, cuja qualidade deve ser mantida na íntegra a fim de propiciar a fruição

coletiva”.182 Já com a redação do art. 225 da Constituição Federal, no qual foi

adotado o “antropocentrismo alargado”183, a autonomia jurídica do bem ambiental

resultou consolidada com a sua qualificação como “bem de uso comum do povo”,

refletindo o interesse público primário na conservação da qualidade ambiental.184

Sob este aspecto, apontam Oliveira e Guimarães:

O reconhecimento do direito constitucional ao meio ambiente e de sua tutela jurídica é resultado de uma grande evolução dos direitos fundamentais e da organização jurídico-estatal. Verifica-se que, inicialmente, foi ampliada a significação dos direitos fundamentais, atribuindo-lhes o caráter prestacional, em que ao Estado é imputada a responsabilidade de efetivar determinados direitos dos cidadãos. Posteriormente, com a tomada de consciência da crise ecológica, vislumbrou-se a necessidade de inclusão do bem ambiental nesse âmbito de proteção constitucional, como direito fundamental. Recentemente, a proteção ao ambiente, outrora de cunho antropocêntrico, cedeu lugar a ética antropocêntrica alargada , destacando dupla dimensão da proteção do ambiente: como bem autônomo e como pressuposto da vida humana. [...].185 [Grifou-se].

O direito a um meio ambiente saudável consiste em um direito fundamental que

deriva do próprio direito à vida, sob o aspecto físico e da saúde, bem como sob o

181 Leite explica a diferença entre microbem e macrobem ambiental, qual seja: “Na concepção de microbem ambiental, isto é, dos elementos que o compõem (florestas, rios, propriedade de valor paisagístico, etc.), o meio ambiente pode ter o regime de sua propriedade variado, ou seja, pública e privada, no que concerne à titularidade dominial. Na outra categoria, ao contrário, é um bem qualificado como de interesse público; seu desfrute é necessariamente comunitário e destina-se ao bem-estar individual. LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 89. 182 MARCHESAN, A. M. M.; STEIGLEDER, A. M.; CAPELLI, S. Direito Ambiental. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2005. p. 16. 183 “A Carta Brasileira de 1988 adotou o “antropocentrismo alargado”, porque considerou o meio ambiente como bem de uso comum do povo, fornecendo-lhe o inevitável caráter de macrobem. O art. 225 propugna por uma visão ampla de ambiente, não se restringindo a encarar a realidade ambiental como um mero conjunto de bens materiais (florestas, lagos, rios) sujeitos ao regime jurídico privado ou mesmo público stricto sensu, mas sim denotando um caráter de unicidade e titularidade difusa. Nessa perspectiva difusa de macrobem, o ambiente passa a possuir um valor intrínseco. Se todos são titulares e necessitam do bem ambiental para sua dignidade, o ambiente deixa de ser visto como entidades singulares concretas (árvores, animais, lagos) que dependem para sua preservação de sujeitos determinados, pois seu valor não está diretamente ligado a ninguém, sendo necessário, contudo, para que se possa atingir a própria qualidade de vida humana”. LEITE, J. R. M.; PILATI, L. C.; JAMUNDÁ, W. Estado de Direito Ambiental no Brasil. In: KISHI, S. A. S.; SILVA, S. T.; SOARES, I. V. P. (Orgs.). Desafios do direito ambiental no século XXI: estudos em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado. São Paulo: Malheiros, 2005. p. . 624-625. 184 Ibidem, p. 16. 185 LEITE, J. R. M.; PILATI, L. C.; JAMUNDÁ, W. Estado de Direito Ambiental no Brasil. In: KISHI, S. A. S.; SILVA, S. T.; SOARES, I. V. P. (Orgs.). Desafios do direito ambiental no século XXI: estudos em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 618.

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aspecto de uma existência digna. Diante disso o art. 225 da Constituição Federal é

caracterizado como sendo “um direito fundamental cujo objetivo é propiciar que a

vida humana seja usufruída em um ambiente saudável”.186 Na ordem jurídica

internacional, este direito resta consagrado no princípio no 1 da Declaração do Meio

Ambiente,187 adotada pela Conferência da ONU de 1972.

Não se pode, assim, negar ao meio ambiente o caráter de direito fundamental, tendo em vista que um dos objetivos do Estado brasileiro é a realização da dignidade humana, que somente será alcançada com a efetivação dos direitos fundamentais, não se podendo, pois, falar em vida digna fora de um ambiente sadio.188

É importante ressaltar que os direitos fundamentais se formaram no decorrer

da história, tendo como marco a “Declaração Universal dos Direitos Humanos”.189

Eles surgiram como um instrumento de proteção contra o abuso de poder do Estado,

tendo tomado maior relevância após a experiência nazista. Trata-se de matrizes de

todos os demais direitos, pois são entendidos como direitos que “emanam

fundamentalidade sobre os demais, devido à sua natureza constitucional”.190 Bobbio

esclarece que:

[…] os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma só vez e nem de uma vez por todas.191

186 OLIVEIRA, F. P. M.; GUIMARÃES, F. R. Direito, meio ambiente e cidadania: uma abordagem interdisciplinar. São Paulo: Madras, 2004. p. 77. 187 Redação do Princípio n. 1 da Declaração do Meio Ambiente, vide p. 86. 188 Ibidem, p. 78-79. 189 “O artigo XXV da Declaração Universal dos Direitos do Homem já reconhecia, em 1946, que “toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família a saúde e o bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis”, para os países em desenvolvimento, os direitos humanos por excelência são os direitos econômicos e sociais que devem pairar acima dos demais: é o direito à vida no sentido mais amplo, que abrange os direitos indispensáveis a uma existência condigna. Aliás, estes direitos não são inerentes apenas aos países em desenvolvimento; na prática, verifica-se que, mesmo nos países mais desenvolvidos, grande parte da população vive em condições de extrema miséria, em condições aflitivas. [...]”. SILVA, Geraldo Eulálio Nascimento e. Direito Ambiental internacional: meio ambiente, desenvolvimento sustentável e os desafios da nova ordem mundial. Rio de Janeiro: Thex Editora, 1995. p. 125. 190 FABRIZ, Daury César. Bioética e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p. 189. 191 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. São Paulo: Campus, 1990, p. 5.s

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O direito ao meio ambiente e à qualidade de vida integra a chamada terceira

geração192 dos direitos fundamentais, “ao lado do direito à paz, à autodeterminação

dos povos, ao desenvolvimento, à conservação e utilização do patrimônio histórico e

cultural e do direito de comunicação”.193 Assim, o direito ao meio ambiente é ao

mesmo tempo individual e coletivo e interessa a toda a humanidade. Diante dessa

premissa, “esse direito para ser garantido, exige o esforço conjunto do Estado, dos

indivíduos, bem como dos diversos setores da sociedade e das diversas Nações”:194

[…] os direitos fundamentais da terceira geração, também denominados direitos de fraternidade ou de solidariedade, trazem como nota distintiva o fato de se desprenderem, em princípio, da figura do homem-indivíduo como seu titular, destinando-se à proteção de grupos humanos (família, povo, nação), e caracterizando-se, conseqüentemente, como direitos de titularidade difusa ou coletiva.195

Os direitos de terceira geração são alicerçados na fraternidade ou na

solidariedade, e não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um

indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado.196 Segundo o entendimento

de Trindade tais direitos têm por destinatário “o gênero humano mesmo, num

momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de

existencialidade concreta”.197

Com o surgimento do Estado de Bem-Estar Social198 houve “o

redimensionamento da importância dos direitos fundamentais, enfatizando a sua

192 Cabe salientar que Canotilho utiliza a expressão “dimensão” de direitos, pois entende que não haveria a substituição de uma geração por outra, pois “os direitos são de todas as gerações [...]; e não se trata apenas de direitos com um suporte coletivo – direito dos povos, o direito da humanidade”. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999. p. 363. 193 MARCHESAN, A. M. M.; STEIGLEDER, A. M.; CAPELLI, S. Direito Ambiental. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2005. p.20. 194 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação civil pública e reparação do dano ao meio ambiente. 2. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. p. 57. 195 MARCHESAN, A. M. M.; STEIGLEDER, A. M.; CAPELLI, S. Direito Ambiental. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2005. p. 21. 196 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 523. 197 TRINDADE, Augusto Cançado. Direitos humanos e meio-ambiente: paralelo dos sistemas de proteção internacional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1993. p. 51. 198 “O Estado de Bem-Estar é o produto da reforma do modelo clássico de Estado Liberal que pretende superar as crises de legitimidade que este possa sofrer, sem abandonar sua estrutura jurídico-política. Caracteriza-se pela união da tradicional garantia das liberdades individuais com o reconhecimento, como direitos coletivos, de certos serviços sociais que o Estado providencia aos cidadãos de modo a proporcionar iguais oportunidades a todos”. CRUZ, Paulo Márcio. Política, Poder, Ideologia e Estado Contemporâneo. Florianópolis: Diploma Legal, 2001. p. 613.

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concepção multifuncional”. Assim, foi superada a noção limitada a qual propunha

que os direitos fundamentais serviriam unicamente à defesa do indivíduo contra o

Estado, sendo que passou a se reconhecer que os direitos fundamentais servem à

proteção e materialização de bens considerados importantes à comunidade.199

O direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

apresenta um caráter duplo, pois pode consubstanciar não somente direitos

subjetivos200, mas também elementos fundamentais da ordem objetiva havendo uma

relação de complementação e fortalecimento do seu significado. Nesse sentido:

O direito fundamental ao ambiente apresenta um caráter duplo, configurando, ao mesmo tempo, um direito subjetivo e um elemento de ordem objetiva. O direito fundamental ao ambiente configura um direito subjetivo no sentido de que todos os indivíduos podem pleitear o direito de defesa contra aqueles atos lesivos ao ambiente. Isso pode ser demonstrado pela norma contida no art. 5o., LXXIII, da Constituição, que legitima o cidadão a promover ação popular para anular ato lesivo ao ambiente. O direito fundamental ao ambiente como elemento de ordem objetiva tem seu conteúdo expressado nas incumbências, a cargo do Estado, tendentes a assegurar a todos a realização do direito fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado. É exatamente disso que tratam as normas do art. 225, § 1o, da Constituição, fixando objetivos estatais para realização do direito ao ambiente juridicamente vinculantes para o legislador, em primeiro lugar, para o Executivo e para o Judiciário. Dessa integração da dimensão subjetiva é que o direito fundamental ao ambiente tem a sua conformação jurídico-constitucional completa, conforme dispõem as normas da disposição do art. 225 da Constituição.201

Ferreira, com base no objeto dos direitos humanos fundamentais, entende que

o direito ao meio ambiente é um direito de situação. Conforme explica o autor “Os

direitos de situação são poderes de exigir um status. Seu objeto é uma situação a

ser preservada ou restabelecida”.202 Desta forma, o direito ao meio ambiente

199 LEITE, J. R. M.; PILATI, L. C.; JAMUNDÁ, W. Estado de Direito Ambiental no Brasil. In: KISHI, S. A. S.; SILVA, S. T.; SOARES, I. V. P. (Orgs.). Desafios do direito ambiental no século XXI: estudos em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 613. 200 “Em sua dimensão subjetiva, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado consiste na pretensão individual e transidividual de sua proteção: o meio ambiente ecologicamente equilibrado não pode ser agredido ou ameaçado. Em sua dimensão coletiva, também deve ser protegido: qualquer ação, ou omissão, ou atividade que crie uma situação de risco ao meio ambiente é considerada agressão, sem necessidade de dano efetivo – isto é, basta a potencialidade do dano, pois a legislação ambiental é também preventiva”. TEIXEIRA, Orci Paulino Bretanha. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 91. 201 FILHO, Anísio Pires Gavião. Direito fundamental ao ambiente. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 39. 202 FERREIRA, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 101.

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abrange, simultaneamente, “um não fazer (a não degradação da qualidade

ambiental) e um fazer (a recuperação da qualidade ambiental degradada), para a

manutenção de um status: o meio ambiente ecologicamente equilibrado”.203

É mister salientar que o art. 225 da Constituição Federal teve grande parte dos

princípios da Declaração de Estocolmo incluídos na sua redação. Tais princípios têm

como finalidade dar efetividade ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,

garantir a preservação do patrimônio genético204 e da sadia qualidade de vida do

homem, conforme já explicitado anteriormente. Dessa forma, o Brasil honrou com o

compromisso assumido na Convenção de Estocolmo.

A Constituição de 1988, que foi um marco do processo de democratização do país, passou a dar um sólido arcabouço jurídico ao socioambientalismo, pois dedicou um capítulo inteiro ao meio ambiente. Afirma Santilli que “indubitavelmente, a Constituição de 1988, representou um marco e um grande avanço na proteção jurídica ao meio ambiente. Tanto a biodiversidade – os processos ecológicos, as espécies e ecossistemas –quanto a sociodiversidade são protegidas constitucionalmente, adotando o paradigma socioambiental”.205

A previsão constitucional a um meio ambiente saudável significa considerar a

sua proteção como indispensável à dignidade206 das pessoas, núcleo este essencial

aos diretos humanos fundamentais. O atual estado em que o meio ambiente se

encontra coloca em risco a vida das presentes, bem como das futuras gerações.

Preceitua Mirra que “não se pode falar em verdadeira democracia no Brasil, sem que

se garanta a preservação desse direito de todos ao meio ambiente sadio e

equilibrado”.207

203 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação civil pública e reparação do dano ao meio ambiente. 2. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. p. 61. 204 “Patrimônio genético é o conjunto de seres vivos que habitam o planeta Terra, incluindo os seres humanos, os animais, os vegetais e os microorganismos”. SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual do direito ambiental. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 40. 205 SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos: proteção jurídica à diversidade biológica e cultural. São Paulo: Petrópolis, 2005. p. 41-42. 206 “Dignidade é um conceito que foi sendo elaborado no decorrer da história, e chega ao início do século XXI repleta de si mesma como um valor supremo, construído pela razão jurídica. [...] é reconhecido o papel do Direito como estimulador do desenvolvimento social e freio da bestialidade possível da ação humana [...] a dignidade é garantida por um princípio. Logo, é absoluta, plena, não pode sofrer arranhões nem ser vítima de argumentos que a coloquem num relativismo”. NUNES, Rizatto. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 52. 207 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação civil pública e reparação do dano ao meio ambiente. 2. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. p. 57.

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O art. 225 é o ponto de partida para a análise da natureza jurídica do Direito

Ambiental, pois é onde se estabeleceu a norma jurídica hierarquicamente superior

como primeiro elemento do sistema jurídico a ser examinado em conjunto com as

demais normas, dentro de uma estrutura que implica na hierarquia, bem como na

coesão e na unidade de todas as normas ambientais.208

Como norma de caráter teleológico, o art. 225 impõe uma orientação de todo o ordenamento infraconstitucional [...] “A preservação do ambiente passa a ser, portanto, a base em que se assenta a política econômica e social, pois, uma vez inseridas em um sistema constitucional, as normas relativas a outros ramos jurídicos, que se relacionam com o amplo conceito de meio ambiente, não podem ser aplicadas sem levar em conta as normas ambientais que impregnam a ideologia constitucional”.209

Derani aduz que o art. 225 da Constituição Federal pode ser visualizado em

três partes:

1. apresentação de um direito fundamental – direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; 2. descrição de um dever ao Estado e à coletividade – defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações; 3. prescrição de normas impositivas de conduta, inclusive normas-objetivo, visando assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.210

O caput do artigo 225, que é mais genérico, define o meio ambiente

ecologicamente equilibrado como sendo, simultaneamente, um direito social e

individual, pois, ainda que não tenha sido incluído no capítulo dos direitos e deveres

individuais e coletivos, não resta afastado o seu conteúdo de direito fundamental. Já

os demais parágrafos e incisos procuram definir instrumentos jurídicos voltados para

uma gestão prudente do meio ambiente, que é considerado um patrimônio211

coletivo, procurando garantir a sua capacidade de reprodução, bem como a sua

preservação.212

208 PIVA, Rui Carvalho. Bem ambiental. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 32. 209 MARCHESAN, A. M. M.; STEIGLEDER, A. M.; CAPELLI, S. Direito Ambiental. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2005. p.19. p. 23. 210 DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 260. 211 “Patrimônio é um conceito transtemporal, pois se revela tomando-se o hoje, o ontem e o amanhã, como uma herança do passado, a qual, transitando pelo presente, é destinada a dotar hóspedes futuros do planeta”. Ibidem, p. 261. 212 Ibidem, p. 261-262.

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É importante destacar que do direito de fruição ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado não incide nenhuma prerrogativa privada, sendo que o

caráter jurídico deste é de um bem de uso comum do povo213, ou seja, é um

patrimônio coletivo. Desse modo “a realização individual deste direito fundamental

está intrinsecamente ligada à sua realização social”214:

Disto resulta uma sobreposição de regimes jurídicos sobre os mesmos bens corpóreos, pois, ao mesmo tempo em que uma floresta poderá estar inserida em imóvel de propriedade particular, incide-lhe o regime de bem de uso comum do povo. Ou seja, a qualidade ambiental da floresta deve ser conservada, pois indisponível ao proprietário do imóvel”.215

Diante dessa premissa, “o proprietário do bem ambiental não dispõe da

camada intangível que o compõe”,216 pois as qualidades e as características deste

bem são consideradas de titularidade difusa, interessando, inclusive, às gerações

futuras, conforme preceitua o art. 225 da Constituição Federal. Assim sendo, esse

proprietário não poderá “exaurir o bem ambiental”, pois é responsável pela

conservação das qualidades deste, bem como pela sua recuperação, caso o

ambiente sofra algum impacto.217

O art. 225 da Constituição estabeleceu que “todos têm direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à

sadia qualidade de vida”.218

213 “bem de uso comum do povo tem um conteúdo jurídico bastante definido na legislação ordinária e na doutrina. [...] Parece-me que o sentido que devemos buscar para a expressão é o de que meio ambiente ecologicamente equilibrado deve estar “franqueado”a todos os cidadãos, que a ele têm direito constitucionalmente assegurado. Meio ambiente, é indiscutivelmente, um bem jurídico e, em tal condição, deve ser usufruído por todo o povo, derivando daí o sentido de “uso comum”dotado pelo texto constitucional [...]”. ANTUNES, Paulo de Bessa. Dano ambiental: uma abordagem conceitual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000. p. 166. 214 DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2001. p. 260. 215 MARCHESAN, A. M. M.; STEIGLEDER, A. M.; CAPELLI, S. Direito Ambiental. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2005. p. 16-17. 216 Ibidem, p. 17. 217 Ibidem, p. 17. 218 “A Organização das Nações Unidas - ONU anualmente faz uma classificação dos países em que a qualidade de vida é medida, pelo menos, em três fatores: saúde, educação e produto interno bruto. A qualidade de vida é um elemento finalista do Poder Público, onde se unem a felicidade do indivíduo e o bem comum, com o fim de superar a estreita visão quantitativa, antes expressa no conceito de nível de vida”. SILVA, José Antônio Tessmann e. Aspectos históricos e prospecção em direito ambiental. KISHI, S. A. S.; SILVA, S. T.; SOARES, I. V, p. (Orgs.). Desafios do direito ambiental no século XXI: estudos em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 599.

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Qualidade de vida é noção filhote do movimento conservacionista dos anos 60, uma espécie de complemento necessário da noção de meio ambiente, sendo um termo difícil de limitar ou definir. [...] No caso brasileiro, a expressão parece indicar uma preocupação com a manutenção das condições normais (=sadias) do meio ambiente, condições que propiciem o desenvolvimento pleno (e até natural perecimento) de todas as formas de vida. Em tal perspectiva, o termo é empregado pela Constituição não no seu sentido estritamente antropocêntrico (a qualidade de vida humana), mas com um alcance mais ambicioso, ao se propor – pela ausência de qualificação humana expressa – a preservar a existência e o pleno funcionamento de todas as condições e relações que geram e asseguram a vida, em suas múltiplas dimensões.219

Acredita-se que buscar e conseguir a qualidade de vida é um dos principais

objetivos do art. 225. Samagaio entende que não existe uma definição universal

para o conceito de qualidade de vida, sendo, portanto, “a satisfação de um mínimo

de necessidades consideradas suficientes para uma vida humana condigna”.220Já

Herculano vislumbra a qualidade de vida da seguinte forma:

Propomos que “qualidade de vida” seja definida como a soma das condições econômicas, ambientais, científico-culturais e políticas coletivamente construídas e postas à disposição dos indivíduos para que estes possam realizar suas potencialidades: inclui a acessibilidade à produção e ao consumo, aos meios para produzir cultura, ciência e arte, bem como pressupõe a existência de mecanismos de comunicação, de informação, de participação e de influência nos destinos coletivos, através da gestão territorial que assegure água e ar limpos, higidez ambiental, equipamentos coletivos urbanos, alimentos saudáveis e a disponibilidade de espaços naturais amenos urbanos, bem como da preservação de ecossistemas naturais.221

Nesse viés, conceito de meio ambiente ecologicamente equilibrado deve ser

investigado em conjugação com a sua condição como bem “essencial” à sadia

qualidade de vida. O constituinte buscou definir que a manutenção de padrões

ecológicos “normais” é de extrema importância para a vida humana. Observa-se que

a legislação brasileira não possui um conceito normativo de qualidade de vida, assim

sendo:

O conceito de qualidade de vida deverá ser preenchido casuisticamente, seja pela autoridade administrativa – que deverá buscar compreendê-la de forma a poder pautar a sua ação administrativa-, seja pela autoridade judiciária, que deverá levá-la em consideração, quando da aplicação do

219 BENJAMIN, Antônio Herman. Direito constitucional ambiental brasileiro. In: CANOTILHO, J. J. G.; LEITE, J. R. M. (Orgs). Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 108. 220 SAMAGAIO, Florbela. Desenvolvimento: uma noção entre o imaginário e realidade. Revista Sociologia, Porto-Portugal, vol. IX, p. 103-146, 1999. p. 13. 221 HERCULANO, Selene C. (Org.). Qualidade de vida e riscos ambientais. Niterói: Eduff, 2000, p. 16.

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direito. Entretanto, é importante observar que o § 1o do artigo 225 definiu um programa de ações que deverão ser desempenhadas pelo Poder Público com vistas a assegurar o exercício do Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, para esta e para as futuras gerações”.222

Diante dessa perspectiva, o direito ao meio ambiente saudável configura-se

como extensão e corolário do direito à vida. O caráter fundamental do direito à vida

torna inadequados enfoques restritivos do mesmo. Sob o direito à vida, em seu

sentido próprio e moderno, não só se mantém a proteção contra qualquer privação

arbitrária da vida, mas, além disso, encontram-se os Estados obrigados a executar

políticas públicas destinadas a assegurar o acesso aos meios de sobrevivência a

todos os indivíduos e a todos os povos. Nesse propósito, têm os Estados o dever de

evitar riscos ambientais sérios à vida e de pôr em funcionamento sistemas de

monitoramento e alerta imediato para detectá-los e sistemas de ação urgente para

lidar com eles.223

Nas últimas décadas, surgiu uma nova categoria de interesse: o coletivo e o

difuso, que não tem titular certo, pois, no caso do meio ambiente, o titular é a

humanidade. Assim, cria-se para o Poder Público um dever constitucional, geral e

positivo, representado por verdadeiras obrigações de fazer e de zelar pela defesa e

preservação do meio ambiente. O Poder Público tem o dever de prover subsídios a

fim de proporcionar um meio ambiente saudável e sustentável; o cidadão sob essa

égide deixa de ser mero titular passivo do direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado e passa a ser titular do dever de defender e preservar o meio

ambiente.224

Apesar disso, há que se notar que o art. 225 da Lei Maior não traz uma

definição para o termo meio ambiente. Antunes, a respeito, observa:

O artigo 225 Constituição Federal não fez uma definição de meio ambiente; entretanto, estabeleceu que o desfrute das condições ecologicamente equilibradas do meio físico se constitui em direito de todos, logo, trata-se de um direito individual pertencente a cada um dos indivíduos que integram a

222 ANTUNES, Paulo de Bessa. Dano ambiental: uma abordagem conceitual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000. p. 166-167. 223 TRINDADE, Augusto Cançado. Direitos humanos e meio-ambiente: paralelo dos sistemas de proteção internacional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1993. p. 73-76. 224 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 235.

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coletividade e que tem a condição de ser essencial para o desfrute da sadia qualidade de vida.[...]”.225

Assim sendo, o direito ao meio ambiente equilibrado cria deveres para o

Estado e também para os indivíduos que compõem a sociedade, ou seja, as

pretensões à proteção desse direito devem ter como sujeito passivo não apenas o

Poder Público, mas também os particulares. Por isso, a Constituição Federal, na

segunda parte, caput do art. 225,226 impôs ao Poder Público227 e à coletividade o

dever de defender e preservar o meio ambiente. Note-se:

A responsabilidade pela preservação do meio ambiente não é somente do Poder Público, mas também da coletividade. Todo cidadão tem o dever de preservar os recursos naturais por meio dos instrumentos colocados a sua disposição pela Constituição Federal e pela legislação infraconstitucional. Tais recursos devem ser racionalmente protegidos para as presentes e futuras gerações.228

Nesse viés, Leite, Pilati e Jamundá destacam que “foi erigido, em termos de

proteção ambiental, um sistema de responsabilidade solidária e ética com vistas às

futuras gerações”.229 Diante dessa característica não se observa uma

preponderância estatal nos temas ambientais, sendo que:

O Estado, pelas suas responsabilidades materiais, deve assumir um papel de gestor no direcionamento das medidas de efetividade de um ambiente sadio, em detrimento de uma visão que o reputa como único centro de poder das decisões concernentes ao ambiente.230

Depreende-se que, quando o legislador constituinte referiu o “Poder Público”,

no art. 225 da Constituição Federal, determinou o dever do Estado para a efetivação

225 ANTUNES, Paulo de Bessa. Dano ambiental: uma abordagem conceitual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000. p. 166. 226 Art. 225, caput, 2ª parte: “[...] impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. 227 “Poder Público é fruto do Estado de Direito, aquele Estado constitucionalmente organizado, respeitador de uma determinada ordem jurídica, que garante um mínimo de previsibilidade aos seus atos e generaliza o campo de ação de todos os cidadãos. É o modus agendi deste Estado, uma vez que não há nem pode haver Estado sem poder”. DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2001. p. 263. 228 SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 39. 229 LEITE, J. R. M.; PILATI, L. C.; JAMUNDÁ, W. Estado de Direito Ambiental no Brasil. In: KISHI, S. A. S.; SILVA, S. T.; SOARES, I. V. P. (Orgs.). Desafios do direito ambiental no século XXI: estudos em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 621. 230 Ibidem, p. 621.

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dos preceitos enunciados, observados o âmbito de cada poder estatal e a

competência de cada esfera definida em lei.

Assim, o meio ambiente é tratado com bem de interesse comum da coletividade, sendo sua proteção dependente de responsabilidade compartilhada entre o Estado e a coletividade. Tal estatuição não se resume a um jargão de ordem ética, e nem a uma norma de cunho programático que tenha efeitos dependentes de efetivações infraconstitucionais. Na realidade, o ambiente, considerado com bem de interesse comum da coletividade, gera necessária ponderação hermenêutica em decisões judiciais que envolvam o exercício de direitos de ordem individual e o ambiente saudável como necessidade da coletividade. [...] 231

A tarefa de dar efetividade às normas dispostas no art. 225 é tarefa de todos,

como preceitua o próprio caput deste artigo. No entanto, tal tarefa:

É do Poder Público através dos seus agentes. É do Poder Legislativo que deve emitir normas adequadas a esses princípios. É do Judiciário que deve aplicar essas normas interpretando-as com aquelas finalidades e objetivos. Mas é principalmente do cidadão [...]. Todos os direitos concedidos pela Constituição são protegidos. É também a Constituição que fornece os instrumentos de garantia desses direitos.232

Diante dessa perspectiva, o Estado deve fornecer os instrumentos necessários

à implementação desse direito. Além disso, se faz necessária também “a abstenção

de práticas nocivas ao meio ambiente, por parte da coletividade”, através da

participação ativa dos cidadãos nas ações voltadas à proteção do meio ambiente.

Leite assevera que o art. 225 inova ao reconhecer “a indissolubilidade do vínculo

Estado - sociedade civil. Esse vínculo, entre os interesses públicos e privados,

redunda em verdadeira noção de solidariedade em torno de um bem comum”.233

Benjamin questiona se na expressão todos “quis o constituinte referir-se a

‘todos’, em vez de todo ser humano, recobrir com o manto da qualificação de sujeito

a outros seres vivos? Ou seja, “‘todos’ seria igual a todos os seres vivos, humanos

231 LEITE, J. R. M.; PILATI, L. C.; JAMUNDÁ, W. Estado de Direito Ambiental no Brasil. In: KISHI, S. A. S.; SILVA, S. T.; SOARES, I. V. P. (Orgs.). Desafios do direito ambiental no século XXI: estudos em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 625. 232 ROCHA, Vânia de Almeida Sieben. Constituição e meio ambiente. In: HAUSEN, E. C.; TEIXEIRA, O, p. B.; ÁLVARES, P. B. Temas de direito ambiental: uma visão interdisciplinar. Porto Alegre: AEBA, APESP, 2000. p. 189. 233 LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de risco e estado. In: CANOTILHO, J. J. G.; LEITE, J. R. M. (Orgs). Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 197.

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ou não?”. O referido autor milita no sentido de que “quem sabe um dia se verá no

“todos” do art. 225, caput, uma categoria mais ampla e menos solitária do que

apenas os próprios seres humanos”.234

Este mesmo autor sustenta que houve, pelo legislador constituinte, a adoção

de um biocentrismo mitigado:

A dilatação dos fundamentos éticos da proteção do meio ambiente, traço marcante do Direito Ambiental, ainda não logrou abertamente referendar, no patamar constitucional, o uso dessa técnica de superação do antropocentrismo reducionista; o máximo que se conseguiu foi a adoção de formas mais discretas e diluídas, mas nem por isso menos efetivas, de incorporação de um biocentrismo mitigado.235

Por ora, contudo, a interpretação predominante é a de que o meio ambiente em

equilíbrio é um direito garantido a “todos” os cidadãos brasileiros pela Constituição

Federal de 1988, ou seja, à espécie humana.

O direito ao meio ambiente equilibrado corresponde às peculiaridades dos

direitos difusos236. Trata-se de direitos supra-individuais, e o objeto do direito é

indivisível, pois a sua proteção beneficia a todos os indivíduos que compõem a

sociedade, do mesmo modo que a agressão ao meio ambiente prejudica a todos

aqueles. Conforme preceitua Mirra, “o direito difuso não é o resultado da soma de

direitos individuais, e sim um único direito que pertence indivisivelmente a todos, não

sujeito, porém, ao monopólio estatal na persecução da sua tutela”.237 Outrossim,

Milaré destaca que “nenhum outro interesse tem difusividade maior do que o meio

ambiente”, pois, “pertence a todos e a ninguém em particular; sua proteção a todos

234 BENJAMIN, Antônio Herman. Direito constitucional ambiental brasileiro. In: CANOTILHO, J. J. G.; LEITE, J. R. M. (orgs). Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 106. 235 Ibidem, p.107. 236 Interesses difusos são “interesses que excedem os públicos por conta de seu alto índice de desagregação”. Eles se referem a valores “cujos contornos não estão acabados”, como, por exemplo, a qualidade de vida. São interesses que possuem “conteúdo fluido que ainda não se aglutinaram em torno de grupos institucionalizados”. Tais direitos têm por característica “a indeterminação dos sujeitos, a indivisibilidade do objeto, a intensa litigiosidade interna e a transição ou mutação no tempo e no espaço”. PIVA, Rui Carvalho. Bem ambiental. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 38. 237 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação civil pública e reparação do dano ao meio ambiente. 2. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. p. 60.

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aproveita, e sua postergação a todos em conjunto prejudica; é verdadeira res

communis omnium”.238

Nessa senda, Piva destaca:

[...] se o uso deste bem está disponível e assegurado para todos, certamente estamos diante de um bem vinculado a interesses transidividuais, mais que individuais. Estamos também diante de um bem cuja titularidade, restrita à sua faculdade de uso, é indeterminada, porque todos é um pronome indefinido, cuja utilização instaura a indeterminação. Ou seja, sem qualquer preocupação com a eventual identificação de um paradoxo, podemos dizer que o legislador determinou indeterminação das pessoas titulares do uso do bem ambiental. Mais ainda, ao determinar este uso comum, o legislador estabeleceu a natureza indivisível deste direito ao meio ambiente equilibrado. [...] Assim sendo, fica demonstrada a natureza difusa do Direito Ambiental e do bem jurídico por ele protegido”.239

Trata-se, na verdade, do resultado de reivindicações do ser humano, gerado

por diversos fatores causados pelas eras industrial e tecnológica. Cabe salientar que

o que difere os direitos de terceira geração dos demais é a sua titularidade coletiva.

É um direito-dever erga omnes. Assim sendo, “existe uma situação de solidariedade

jurídica e de solidariedade ética em que os sujeitos encontram-se em pólos difusos”.

Desse modo, “o direito ao meio ambiente está fundado na solidariedade, pois só

será efetivo com a colaboração de todos”.240

Nota-se, outrossim, no art. 225 uma preocupação com os seres humanos que

ainda habitarão o planeta, tendo em vista que a Carta Magna respalda não apenas o

direito de usufruir do meio ambiente ecologicamente equilibrado, mas ainda o dever

de que não sejam esgotados os recursos naturais existentes, para que as gerações

futuras também possam usufruir de todo o patrimônio ambiental hoje existente.

Trata-se, portanto, de direito fundamental “intergeracional”, sendo que desse modo:

[…] estabeleceu-se, por via de conseqüência, um dever não apenas moral como também e de natureza constitucional, para as gerações atuais, de

238 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 510. 239 PIVA, Rui Carvalho. Bem ambiental. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 33-34. 240 MARCHESAN, A. M. M.; STEIGLEDER, A. M.; CAPELLI, S. Direito Ambienta. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2005. p. 22.

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transmitir esse patrimônio ambiental às gerações que nos sucedem e nas melhores condições do ponto de vista do equilíbrio ecológico.241

Trindade leciona em favor desta mesma idéia em que a preocupação com a

preservação ambiental deve transcender o plano das presentes gerações, atuando

também em favor das gerações futuras:

Cada geração é a um tempo usuária e guardiã de nosso patrimônio comum natural e cultural, e deveria assim deixá-lo para as gerações futuras em condições não piores do que recebeu (encorajamento da igualdade entre as gerações). Donde o princípio da eqüidade intergeneracional (conservação de opções, da qualidade, e do acesso), lucidamente desenvolvido por E. Brown Weiss, assim como a necessidade de proteger sistemas de sustentação da vida, processos ecológicos, condições ambientais e recursos culturais necessários à sobrevivência da espécie humana, e a necessidade de sustentar um meio-ambiente humano sadio. [...] aqueles que vivem hoje nada mais são do que um elemento de uma cadeia que não deve ser interrompida. Existe, assim, uma sociedade mundial não apenas no espaço entre os povos do mundo, mas também no tempo, entre as gerações que se sucedem.242

Tal característica dá ao direito ao meio ambiente equilibrado configuração

constitucional de indisponibilidade e de inalienabilidade, motivo pelo qual não pode

ser objeto de destinação e de mudança de destinação do uso público.243 Constitui-

se, desse modo, o princípio da equidade intergeracional:

[...] o pacto entre as gerações, firmado pela Constituição ao discorrer sobre os efeitos da positivação constitucional dos princípios ambientais, constitui-se no princípio da equidade intergeracional e as presentes gerações não podem deixar para as gerações do futuro um estoque de bens ambientais inferior aos que receberam das gerações passadas”.244

Diante disso, é possível afirmar que o direito ao ambiente ecologicamente

equilibrado compõe um sistema que visa à cooperação entre as gerações ao longo

do tempo histórico, daí a obrigação de “economizar” os recursos ambientais245- no

sentido de não utilizá-los além da capacidade de reposição da natureza.

241 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação civil pública e reparação do dano ao meio ambiente. 2. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. p. 58. 242 TRINDADE, Augusto Cançado. Direitos humanos e meio-ambiente: paralelo dos sistemas de proteção internacional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1993. p. 56-57. 243 BENJAMIN, Antônio Herman. Direito constitucional ambiental brasileiro. In: CANOTILHO, J. J. G.; LEITE, J. R. M. (Orgs). Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 105. 244 TEIXEIRA, Orci Paulino Bretanha. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental, porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 89. 245 Ibidem, p. 93.

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Destarte, o meio ambiente constitui patrimônio público a ser assegurado e

protegido pelos organismos sociais e pelas instituições estatais, qualificando-se

como encargo que se impõe, tanto ao Poder Público, quanto à coletividade, em

benefício das presentes e futuras gerações. Sob esse viés, propõe-se a análise do

Estudo Prévio de Impacto Ambiental, cujo caráter preventivo, se tornado efetivo pelo

Estado, pode vir a compor um instrumento capaz de proporcionar o tão almejado

desenvolvimento sustentável.

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3 O ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL COMO PRESSUP OSTO AO

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

3.1 O desafio da sustentabilidade frente à necessid ade de equilibrar economia

e ecologia

O homem está alterando sistematicamente o seu meio ambiente em virtude do

chamado “desenvolvimento”. O planeta está se tornando “insustentável” diante da

escassez dos recursos naturais, bem como da extinção de diversas espécies.

Adverte Rocha que “o problema tornou-se dramático a partir do desenvolvimento

industrial, do progresso tecnológico, da urbanização desenfreada, da explosão

demográfica, do consumo excessivo limitando os recursos do planeta”.246

A propósito, observa-se, com Bernardes e Ferreira:

A crise atual do modelo de desenvolvimento capitalista, a ameaça de esgotamento dos recursos naturais do planeta, o crescimento da população e do consumo, os elevados níveis de poluição da atmosfera e das águas referem-se ao abuso capitalista da ciência e da tecnologia, cuja utilização, se fosse correta, significaria a emancipação do homem. Portanto, existe uma forte contradição entre os princípios básicos de funcionamento do capitalismo e a preservação de um equilíbrio do meio ambiente. A ciência moderna, com seus métodos e conceitos, gerou um universo em que a dominação da natureza está estreitamente vinculada à dominação dos homens.247

Até a metade do século passado acreditava-se que o desenvolvimento deveria

estar acima do meio ambiente. A concepção existente à época era de que o

desenvolvimento industrial e econômico e a urbanização caracterizavam a “evolução

do homem” e que era a serviço deste que estaria a natureza. No entanto, a partir da

246 ROCHA, Vânia de Almeida Sieben. Constituição e meio ambiente. In: HAUSEN, E. C.; TEIXEIRA, O. P. B.; ÁLVARES, P. B. (Orgs.).Temas de direito ambiental: uma visão interdisciplinar. Porto Alegre: AEBA, APESP, 2000. p. 183. 247 BERNARDES, J. A.; FERREIRA, F, P. M. Sociedade e natureza. In: CUNHA, S. B.; GUERRA, A. J. T. (Orgs.). 3. ed. A questão ambiental: diferentes abordagens. São Paulo: Bertrand do Brasil, 2003. p. 40.

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década de 1970, houve a chamada “crise de percepção”, quando o homem se deu

conta de que os recursos naturais eram limitados e que a relação

sociedade/natureza,248 até então vigente, conduziria ao esgotamento das fontes.

Destarte, não existe uma solução imediata para os problemas decorrentes

dessa relação. A destruição do meio ambiente não será evitada com a simples

condenação da forma como a ciência e a tecnologia visualizaram o meio ambiente

no referido período. É necessário um novo contexto acerca da natureza que

proporcione uma relação sustentável entre economia e meio ambiente. Nesse

sentido, asseveram Bernardes e Ferreira:

Não existe uma solução final, e não é a simples condenação da ciência nem da tecnologia que evitará a autodestruição da espécie pela destruição da natureza. A salvação do planeta e dos homens depende, antes, das mudanças nas relações entre os homens, e só poderá ser eficaz, ou não, se constituir um cálculo consciente, resultante de uma inteligência crítica que descubra as reais formas de organização política da vida, que institua uma nova sociedade no processo de produção, na organização do trabalho, que se estabeleça em novas bases de cooperação.249

Diante dessa perspectiva, a idéia de “ecodesenvolvimento”250 seria o novo

paradigma da atual sociedade, que se caracteriza pela complexidade e pelo

multiculturalismo. A propósito:

248 Alertam Bernardes e Ferreira que “a compreensão tradicional das relações entre sociedade e a natureza desenvolvidas até o século XIX, vinculadas ao processo de produção capitalista, considerava o homem e a natureza como pólos excludentes, tendo subjacente a concepção de uma natureza objeto, fonte ilimitada de recursos à disposição do homem. Com base nessa concepção, desenvolveram-se práticas, por meio de um processo de industrialização, em que a acumulação se realizava por meio da exploração intensa dos recursos naturais, com efeitos perversos para a natureza e os homens. Até então se acreditava que o crescimento econômico não tinha limites e que o desenvolvimento significava dominar a natureza e os homens. Entretanto, nos anos 60/70 percebeu-se que os recursos naturais são esgotáveis e que o crescimento sem limites começava a se revelar insustentável. Nesse contexto, emerge a necessidade de se elegerem novos valores e paradigmas capazes de romper com a dicotomia sociedade/natureza”. BERNARDES, J. A.; FERREIRA, F, P. M. Sociedade e natureza. in. CUNHA, S. B.; GUERRA, A. J. T. (orgs.). 3. ed. A questão ambiental: diferentes abordagens. São Paulo: Bertrand do Brasil, 2003. p. 17. 249 Ibidem, p. 18. 250 O termo “ecodesenvolvimento” foi introduzido por Maurice Strong, secretário-geral da Conferência de Estocolmo-72, e legalmente difundido por Ignacy Sachs, a partir de 1974. Ele significa o desenvolvimento de um país ou região, baseado em suas próprias potencialidades, portanto endógeno, sem criar dependência externa, tendo por finalidade responder à problemática da harmonização dos objetivos sociais e econômicos do desenvolvimento com uma gestão ecologicamente prudente dos recursos e do meio. MONTIBELLER FILHO, Gilberto. O mito do desenvolvimento sustentável. Florianópolis: Editora da UFSC, 2001. p. 45.

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A construção de um novo conceito parte da critica à visão economicista e ao desenvolvimentismo, denunciando-os como reducionismo econômico e como responsáveis pela geração dos problemas sociais e ambientais. E o ecodesenvolvimento põe-se como resposta à crise da ciência até então estabelecida, nas abordagens de fenômenos sociais que se complexificam com o advento destas questões. Sem embargo, na ciência, o conceito em pauta, que veio a se constituir em novo paradigma ou padrão normativo, difunde-se em resposta aos limites das abordagens que não mais conseguem dar conta de compreender a realidade complexa e mutante, composta de fenômenos sociais que não tomavam lugar ativo no pensamento cientifico, tais como a exclusão social e a questão ambiental.251

Ressalta-se que, durante muito tempo, a idéia de desenvolvimento foi tratada

como sinônimo de crescimento econômico.252 Veiga afirma que há quem acredite

que o desenvolvimento “não passa de uma reles ilusão, crença, mito, ou

manipulação ideológica”.253

[...] até o início dos anos de 1960, não se sentiu muito a necessidade de distinguir desenvolvimento de crescimento econômico, pois as poucas nações desenvolvidas eram as que haviam se tornado ricas pela industrialização. De outro lado, os países que haviam permanecido subdesenvolvidos eram os pobres, nos quais o processo de industrialização era incipiente ou nem havia começado. Todavia, foram surgindo evidências de que o intenso crescimento econômico ocorrido durante a década de 1950 em diversos países semi-industrializados (entre os quais o Brasil) não se traduziu necessariamente em maior acesso de populações pobres a bens materiais e culturais, como ocorrera nos países considerados desenvolvidos. A começar pelo acesso à saúde e à educação. Foi assim que surgiu o intenso debate internacional sobre o sentido do vocabulário desenvolvimento. Uma controvérsia que não terminou, mas que sofreu um óbvio abalo esclarecedor desde que a ONU passou a divulgar anualmente um índice de desenvolvimento que não se resume à renda per capita ou à renda por trabalhador.254

251 MONTIBELLER FILHO, Gilberto. O mito do desenvolvimento sustentável. Florianópolis: Editora da UFSC, 2001. p. 43. 252 “Ninguém duvida que o crescimento seja um fator muito importante para o desenvolvimento. Mas não se deve esquecer que, no crescimento, a mudança é quantitativa, enquanto, no desenvolvimento, ela é qualitativa. Os dois estão intimamente ligados, mas não a mesma coisa. E sob vários prismas a expansão econômica chega a ser bem mais intrigante que o desenvolvimento”. VEIGA, José Eli. Meio ambiente e desenvolvimento. São Paulo: Editora Senac, 2006, p. 124. 253 Veiga afirma que, segundo Celso Furtado, quem escreveu, em 1974, que a idéia de desenvolvimento econômico é um simples mito em O mito do desenvolvimento econômico: “os mitos têm exercido uma negável influência sobre a mente dos homens que se empenham em compreender a realidade social. Os cientistas sociais têm sempre buscado apoio em algum postulado enraizado num sistema de valores que raramente chegam a explicitar. O mito congrega uma série de hipóteses que não podem ser testadas. [...] Assim, os mitos operam como faróis que iluminam o campo de percepção do cientista social, permitindo-lhe ter uma visão clara de certos problemas e nada ver de outros, ao mesmo tempo em que lhe proporciona conforto intelectual, pois as discriminações valorativas que realiza surgem ao seu espírito como um reflexo da realidade objetiva”. VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2005. p.29. 254 Ibidem, p.18-19.

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Importa salientar que a noção de desenvolvimento sustentável procura vincular

estreitamente a temática do crescimento econômico com a do meio ambiente, haja

vista que “a expressão desenvolvimento sustentável foi a que acabou se legitimando

para negar a incompatibilidade entre o crescimento econômico contínuo e a

conservação do meio ambiente”, ou até mesmo para tentar conciliar economia e

meio ambiente, ou seja, “crescer sem destruir”.255

Veiga afirma que a expressão “desenvolvimento sustentável” indica “a

extensão da tomada de consciência de boa parte das elites sobre a problemática

dos limites naturais”. Ele salienta que “começa a penetrar a idéia de que não se

deve perseguir o desenvolvimento tout court, mas que deve ser qualificado: precisa

ser ecologicamente sustentável”.256

Com a idéia de sustentabilidade, surge a noção de vida sustentável, a qual

depende da aceitação do dever de busca de harmonia com o próprio homem e com

a natureza. Diante dessa premissa, não é possível pensar na visão antropocêntrica

proposta pela economia tradicional, segundo a qual o homem é o centro do universo

e os recursos naturais são inesgotáveis.257

A noção básica de desenvolvimento sustentável difundida pela doutrina é que

os humanos devem compartilhar e cuidar do planeta, não tirando deste mais do que

pode ser reposto. Sob essa ótica, se haveria sempre de trabalhar de acordo com os

limites da natureza - algo que parece extremamente simples, mas é de difícil

aplicação. Afinal, isso implica na adoção de um novo estilo de vida pelas pessoas,

bem como pelas empresas. E é com base nessa idéia que surgem os princípios da

vida sustentável, quais sejam:

[...] o primeiro deles é cuidar e respeitar a comunidade dos seres vivos, melhorando a qualidade da vida humana, conservando a vitalidade e a diversidade do planeta Terra e minimizando o esgotamento dos recursos naturais não renováveis. Além disso, é importante permanecer nos limites da capacidade de suporte do planeta Terra. É exatamente esta necessária

255 VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2005. p. 188-189. 256 Ibidem, p. 192. 257 Idéia esta analisada no primeiro capítulo desta dissertação, momento no qual foram explicitadas as origens deste pensamento e a crítica que contra ele se insurgiu.

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relação entre ciências naturais e ciências sociais que vão permitir, a partir de um relacionamento dos sistemas e dos entornos dos sistemas, numa relação de sistema econômico, sistema jurídico e sistema ecológico, buscar quais são os limites de capacidade e suporte de um ecossistema. Todos devem regular suas vidas, sua postura, modificando atitudes e práticas pessoais para que esses limites de capacidade e suporte sejam respeitados. Surge a noção de que não há solução global sem uma ação local. [...] As pessoas vivem nas cidades e é justamente a partir desse novo pacto de cidadania que deve ordenar a vida sustentável e fazer com que as comunidades cuidem do sue próprio meio ambiente. É necessário gerar toda uma estrutura nacional para a integração do desenvolvimento e da conservação, constituindo uma aliança global. Partindo da cidade, chegando ao Estado, à União, a uma comunidade de nações.258

O conceito de desenvolvimento sustentável surgiu na década de 1980, no

âmbito da União Internacional pela Conservação da natureza e dos Recursos

Naturais (IUCN), organização não governamental voltada para a defesa do meio

ambiente. Em 1986, na Conferência Mundial sobre conservação e desenvolvimento

daquela entidade, em Ottawa, o conceito de desenvolvimento sustentável e justo foi

lançado como um novo paradigma do movimento ambiental, tendo como princípios:

(i) integrar a conservação da natureza e de desenvolvimento; (ii) satisfazer a necessidades humanas fundamentais; (iii) perseguir equidade e justiça social; (iv) buscar a autodeterminação social e respeitar a diversidade cultural; (v) manter a integridade ecológica.259

No ano seguinte, em, 1987, O Relatório de Brundtland, da Comissão Mundial

sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, definiu o desenvolvimento

sustentável como aquele que atende às necessidades do presente sem

comprometer a possibilidade de as gerações futuras satisfazerem as suas próprias

necessidades.

Todavia, o termo “desenvolvimento sustentável” se consolidou em 1992,

durante a ECO/92, realizada no Rio de Janeiro, evento no qual foi editada a Agenda

21.260 Após esse encontro, todas as convenções que trataram sobre o meio

ambiente discorreram sobre o tema. Bravo e González, a respeito, observam:

258 SOUZA, Paulo Roberto. Garantia de vida com qualidade. In: PILLIPI JR. A.; ALVES, A. C.; ROMÉRO, M. A.; BRUNA, G. C. Meio ambiente, direito e cidadania. São Paulo: Signus, 2002. p. 294. 259 FERREIRA, Gustavo Assed. Desenvolvimento sustentável. In: BARRAL, Weber. Direito e desenvolvimento: análise da ordem jurídica brasileira sob a ótica do desenvolvimento. São Paulo: Editora Singular, 2005. p. 82. 260 “O desenvolvimento sustentável é um componente social, da agenda 21, que se diferencia do desenvolvimento tradicional, uma vez que: 1, promove a Agenda 21, porque promove formas

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En la Cumbre de Río de Janeiro, en 1992, se consolidó el término Desarrollo Sostenible, que nasció de la Comisión Mundial del Medio Ambiente y el Desarrollo, creada por Naciones Unidas en 1983. Al frente de aquella comisión, la ONU colocó a la entonces Primera Ministra Noruega, Gro Harlem Brundtland, a quien se debe el celebrado término de Desarrollo Sostenible. [...] En la Cumbre mundial de Johannesburgo, agosto-septiembre 2002, el entonces ministro de Medio Ambiente, Jaume Matas señalo: “Es indudable la importancia de acercar las políticas de sostenibilidad a los ciudadanos. [...] El último día de la Cumbre de Juhannesburgo, 4 de setiembre de 2002, la iniciativa “Acción empresarial para el desarrollo Sostenible” mostró su agrado porque se había reconocido el importante papel que las empresas tienen que jugar en el desarrollo sostenible, y que estaban dispuestos a “remangar-se y poner-se a la acción”.261

A partir desse momento, graças à influência dos movimentos ecológicos, a

expressão “desenvolvimento sustentável” ganhou extrema força nos discursos

políticos do mundo e foi alvo de interpretações variadas. A Comissão Mundial de

Meio Ambiente Sustentável conceitua o termo da seguinte forma:

[...] aquele que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir as suas próprias necessidades. Viver de forma sustentável é aceitar o dever da busca da harmonia com as outras pessoas e com a natureza. Regras básicas: as pessoas devem compartilhar e cuidar do Planeta Terra; a humanidade não deve tomar da natureza mais do que a natureza pode repor. Isto, por sua vez, significa a adoção de estilos de vida e caminhos, para o desenvolvimento, que respeitem e funcionem dentro dos limites da natureza. Pode-se fazê-lo sem rejeitar os muitos benefícios trazidos pela tecnologia moderna, contanto que esta funcione dentro de limites.262

Esse modelo de desenvolvimento, o “desenvolvimento sustentável”, é aquele

que satisfaz as necessidades presentes sem que seja prejudicada a qualidade de

vida das futuras gerações. Tal modelo é também denominado como

“ecodesenvolvimento” ou “desenvolvimento durável”, em função de cuidar do

desenvolvimento sem destruir o meio ambiente e de fazê-lo com maior justiça social,

ou seja, é um desenvolvimento que garante a qualidade de vida. “Com esse objetivo,

participativas de gestão; 2. subsidia, incrementa e realiza as políticas públicas, dando-lhes sustento; 3, promove a construção e descoberta das parcerias”. LANFREDI, Geraldo Ferreira. Política ambiental: busca e efetividade de seus instrumentos. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 75. 261 BRAVO, A. S.; GONZÁLEZ, E. R. Coord. Derecho, medio ambiente y desarrollo sostenible – Actas del V seminario de criminologia y medio ambiente. Sevilla: Ayuntamento de Sevilla, 2006. p. 195. 262 FILHO, W. R; BERNARDO, C. Guia prático de direito ambiental. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2002. p. 7-8.

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é preciso aprender a participar, a usar a parceria, pois esta é decorrência do

processo participativo”.263

O desenvolvimento sustentável visa a promover a harmonia entre os seres

humanos e entre a humanidade e a natureza. No contexto específico das crises do

desenvolvimento e do meio ambiente surgidas desde os anos de 1980, a busca do

desenvolvimento sustentável requer:

(i) um sistema político que assegure a democracia representativa; (ii) um sistema econômico que possa gerar excedentes e desenvolvimento técnico em base constante; (iii) um sistema social que possa resolver as tensões causadas pela opção de crescimento a qualquer custo; (iv) e um sistema de produção que respeite a obrigação de preservar a base ecológica do desenvolvimento, evitando o agravamento do processo de entropia global.264

Ferreira, por sua vez, define desenvolvimento sustentável da seguinte forma:

[...] um sistema que visa integrar melhoria dos indicadores socioeconômicos e preservação ambiental. Este conceito inclui o problema de que o atual estágio da tecnologia e da organização social impõe limitações ao meio ambiente, impedindo-o de atender plenamente às necessidades presentes e futuras, o que implica na diminuição das liberdades de escolha de cada cidadão. Não é possível entender o desenvolvimento sustentável sem considerá-lo como um subsistema do desenvolvimento propriamente dito. Em verdade, o desenvolvimento sustentável é um modo peculiar de se atingir o desenvolvimento, que inclui o respeito à sustentabilidade do planeta.265

As principais preocupações com o tema desenvolvimento sustentável são

relacionadas aos interesses das gerações futuras e com a possibilidade de os temas

relativos ao meio ambiente causarem excessivas restrições à atividade humana. A

inquietação com relação ao padrão de vida das gerações futuras tem se agravado

263 VARELLA, Marcelo Dias. Direito internacional econômico ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 7. 264 FERREIRA, Gustavo Assed. Desenvolvimento sustentável. In: BARRAL, Weber. Direito e desenvolvimento: análise da ordem jurídica brasileira sob a ótica do desenvolvimento. São Paulo: Editora Singular, 2005. p. 83. 265 Ibidem, p. 83.

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com o aumento da entropia global,266 proveniente da revolução do desenvolvimento

tecnológico ocorrida nas últimas décadas.

As gerações futuras são os verdadeiros destinatários do movimento ambiental

que defende a idéia de desenvolvimento sustentável. Nesse viés, o discurso

ambientalista propõe a superação do que Castells define como tempo cronológico

em prol da adoção do tempo glacial, o que significa tomar atitudes observando o

passado e preocupando-se com as conseqüências para o futuro. Transcreve-se:

[...] o movimento ambientalista caracteriza-se justamente pelo projeto de introdução de uma perspectiva de “tempo glacial” em nossa temporalidade, nos planos da consciência individual e da política. [...] A idéia de utilizar única e exclusivamente recursos renováveis, crucial para o ambientalismo, está justificada precisamente pela noção de que qualquer alteração nos mecanismos básicos do planeta, e do universo, poderá, ao longo do tempo, desfazer um delicado equilíbrio ecológico, trazendo conseqüências desastrosas. [...] Em termos bem objetivos e pessoais, viver no tempo glacial significa estabelecer os parâmetros de nossas vidas a partir da vida de nossos filhos, e dos filhos de nossos filhos. Portanto, o modo de administrarmos nossas vidas e instituições em função deles, tanto quanto em nossa própria causa, não é um culto à Nova Era, mas sim uma velha e conhecida forma de cuidar de nossos descendentes, feitos de nossa própria carne e nosso próprio sangue. A proposta do desenvolvimento sustentável como forma de solidariedade entre gerações reúne um egoísmo saudável e um pensamento sistêmico dentro de uma perspectiva evolucionária. [...]267

No que tange às restrições, em especial as econômicas, às atividades

humanas, existe uma preocupação em relação à mitigação da liberdade de escolha

e da livre iniciativa, em favor da proteção do meio ambiente.

Isso demonstra a dificuldade de se alcançar a sustentabilidade sócio-ambiental naquilo que chama de relação entre a economia capitalista e o meio ambiente. A corrente teórica que procura demonstrar tal dificuldade afirma que tal relação sempre funciona em detrimento ao meio ambiente.

266 “Entropia global pode ser definida como a tendência que o planeta tem de caminhar em direção a um contínuo processo de deterioração. Este conceito baseia-se na clássica definição de entropia, para a qual em qualquer processo natural a entropia sempre aumenta (segunda lei da termodinâmica), ou seja, todo sistema físico, quando no estado natural, sempre evolui para situações de máxima desordem. O planeta não foge a esta realidade. Entretanto, a crescente exploração dos recursos renováveis e não renováveis que constituem não-mercadorias, para a produção de mercadorias, vem agravando o quadro de entropia global”. FERREIRA, Gustavo Assed. Desenvolvimento sustentável. In: BARRAL, Weber. Direito e desenvolvimento: análise da ordem jurídica brasileira sob a ótica do desenvolvimento. São Paulo: Editora Singular, 2005. p. 90. 267 CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. Vol. 2. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 158.

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Essa linha de pensamento entende o desenvolvimento sustentável como sendo um mito. 268

A economia parte da dominação e transformação da natureza, e por isto

dependente da disponibilidade de recursos naturais. Ademais, há que se notar:

Esta dominação/transformação está direcionada à obtenção de valor, que se materializa em forma de dinheiro, riqueza criada. Como equilibrar riqueza coletiva existente e esgotável com riqueza individual e criável é a grande questão para a conciliação entre economia e ecologia. Não há verdadeiro progresso com deterioração da qualidade de vida, e será ilusório qualquer desenvolvimento à custa da degradação ecológica.269

O crescimento econômico é necessário, porém não é suficiente para garantir o

desenvolvimento. Deve-se submeter às regras de uma distribuição social eqüitativa

e às imposições ecológicas. Não é possível continuar com um crescimento baseado

na utilização extensiva dos recursos naturais. Faz-se necessário pensar em um

crescimento intensivo que utilize de maneira cada vez mais eficaz os recursos. Urge

a necessidade de se remodelar as estruturas de consumo e de estilo de vida.270

Acerca do crescimento econômico a todo custo, assevera Ost:

Os economistas e políticos precisam conciliar a urgência de uma cessação rápida e controlada das emissões da queima de combustíveis fósseis com as necessidades humanas da civilização. O crescimento econômico é tão viciante para o corpo político como a heroína para um de nós. Talvez tenhamos que controlar a ânsia mediante um substituto mais seguro, uma metadona econômica.271 [Grifou-se]

Assumir a complexidade da relação entre economia e ecologia impõe a

imediata relativização da teoria dos preços a partir de uma série de medidas

jurídicas e políticas, no sentido de possibilitar o crescimento econômico com o direito

268 FERREIRA, Gustavo Assed. Desenvolvimento sustentável. In: BARRAL, Weber. Direito e desenvolvimento: análise da ordem jurídica brasileira sob a ótica do desenvolvimento. São Paulo: Editora Singular, 2005. p. 91. 269 DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2001. p. 122. 270 RAMPAZZO, Sônia Elisete. A questão ambiental no contexto do desenvolvimento econômico. In. Desenvolvimento sustentável: necessidade e/ou possibilidade? BECKER, Dinizar Fermiano. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 1999. p. 157. 271 OST, François. A natureza á margem da lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto Piaget, 1995. p. 142.

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ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,272 o que é denominado pela doutrina

como “economia ecológica”:

La economía ecológica se preocupa por la equidad intergeneracional, por los efectos que la actividad económica tiene sobre el medio natural y por las consecuencias que ello tendrá para el futuro. La economía se caracterizaría por la sustentabilidad, sino degradase el medio natural en sus diversas funciones.273

Outrossim, Derani afirma que a relação entre economia e meio ambiente é

complexa, e não de oposição, sendo que não se pode analisar o meio ambiente

como limitativo da ordem econômica.274 Refere a autora:

Tomando-se a contribuições da economia ambiental, sem fechar os olhos a suas limitações; verificando-se, mais detidamente, que o conflito sobre o qual ela trabalha, é conflito enquanto imerso na visão restrita e incorreta de que todos os elementos da produção podem ser inseridos na dinâmica reguladora do mercado (“marketable good”) é forçoso admitir que cabe à aplicação do direito a “justa medida”, na composição destas teorias, contextualizando e adaptando-as às condições e exigências sociais e sobretudo ratificando a complexidade – jamais oposição – da relação entre economia e ecologia. Daí chega-se, agora pela via deste pequeno apanhado econômico, à conclusão de que não se pode analisar o capítulo do meio ambiente como limitativo da ordem econômica, ou conflitante com suas normas, ou mesmo tomar ambos como refratários um ao outro.275

Segundo Ost, a produção de um ambiente é, a partir de agora, apresentada

como a pré-condição de um novo nascimento econômico. A palavra-chave desta

política “positiva” é a internacionalização: “as obrigações ambientais serão, de agora

em diante, assumidas por empresas responsáveis, largamente auto-reguladas, e

parceiras fiáveis de gestores políticos partilhando o mesmo espírito da empresa”.276

272 DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2001. p. 120. 273 ALIER, J. M.; JUSMET, J. R. Economia ecológica y política ambiental . México: Fondo de Cultura Económica, 2000. p. 364. 274 Sobre ordem econômica e a visão que têm dela os dois modelos paradigmáticos antagônicos lá discutidos (cartesiano-newtoniano e ecológico sistêmico), conferir o capítulo I, em especial o 1.3 do presente trabalho. 275 DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2001. p. 123. 276 OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto Piaget, 1995. p. 135.

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Grandes empresas passaram a incluir a questão do ambientalismo em sua

agenda. No entanto, grande parte dos problemas ambientais ainda persiste, isso

porque “seu tratamento requer uma transformação nos meios de produção e de

consumo, bem como de nossa organização social e de nossas vidas pessoais”.277

Faz-se necessária uma nova lógica econômica no sentido de que o “custo

ambiental” seja internacionalizado por aqueles que assumem os bônus da atividade

econômica, ou seja, não podem os produtores de bens que se utilizam dos recursos

naturais privatizarem os lucros e socializarem os prejuízos.

Com efeito, a poluição e a degradação da qualidade ambiental constituem, inegavelmente, alguns dos principais efeitos externos negativos da atividade produtiva. Como o sistema econômico é aberto a três processos básicos – extração de recursos, transformação e consumo – ele envolve necessariamente, em função do inafastável processo de degradação entrópica, a geração de rejeitos que acabam sendo lançados no ambiente: ar, água ou solo. E, sendo alguns dos recursos ambientais de livre acesso, os agentes econômicos tendem a impôr aos demais usuários um custo externo representado por uma perda incompensada em seu bem-estar (danos à saúde, aumento da mortalidade, diminuição das oportunidades de lazer, etc.).

Isso ocorre porque o processo produtivo não é um fim em si mesmo. Antes pelo contrario, a produção objetiva a troca de bens por dinheiro, gerando renda e riqueza. Porém, a produção de um determinado item não está isenta de custos, de tal modo que o produtor deve assegurar que a soma total de dinheiro recebido pelos bens produzidos exceda o volume de custos envolvidos, ou seja, ele deve maximizar a diferença residual entre preços e custo, para que se possa realizar lucros e continuar atuando em seu segmento de mercado. Dentro dessa lógica, haverá sempre uma forte motivação para que a empresa reduza o máximo seus custos e, portanto, maximize seus resultados, majorando suas oportunidades de ganho. Como, no entanto, os bens livres não são vendidos nos mercados, não há um preço a pagar pela utilização do meio ambiente e nem custos a serem por isso compensados, inexistindo uma razão econômica suficientemente forte para que o produtor execute investimentos e adote medidas destinadas a eliminar ou minimizar os impactos ambientais de seu empreendimento. [...] Agindo assim, alheio aos efeitos externos de sua atividade produtiva – a dizer, sem internalizar as suas externalidades -, o poluidor transfere para a sociedade um custo que deveria ser privado, ou seja, transforma um custo privado em custo social.278

Novamente percebe-se aquilo que já foi referido alhures: a recomposição da

relação entre economia e ecologia (e mais amplamente, entre homem e natureza)

envolve a discussão de valores e a modificação de paradigmas. Não basta a

277 CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. Vol. 2. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 141. 278 CARNEIRO, Ricardo. Direito Ambiental: uma abordagem econômica. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003. p. 66.

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inclusão de alguns elementos de cuidados com o ambiente se não forem alteradas

as bases de fundação do modo de produção, no sentido de se revisarem os

conceitos da economia à luz da necessidade de preservação dos bens ecológicos.

Como aponta Carneiro:

[...] a fragilidade conceitual da noção de desenvolvimento sustentável e a precariedade da tradução dos pressupostos da sustentabilidade em ações econômicas concretas. Na verdade, em um modelo econômico que privilegia e incentiva a concorrência para a produção de valor e onde conste pressão por modernização e eficiência tecnológica demanda crescentes níveis de apropriação da natureza somente uma total mudança social de valores, calcada num novo consenso ético sobre os objetivos da atividade produtiva pode direcionar a humanidade rumo a padrões sustentáveis de bem-estar econômico.279

Desse modo, o desenvolvimento sustentável demanda uma nova ordem

econômica. De certo modo, já se possuem elementos jurídicos constitucionais –

como já se abordou anteriormente – capazes de levar a cabo esse novo paradigma.

Todavia, resta a tarefa maior: colocar em prática a estrutura normativa. Nesse

sentido:

[...] o surgimento de uma sociedade do desenvolvimento sustentável representará paradigmas estruturantes de uma nova ordem econômica, que se quer humana e ambientalmente mais justa, projetada sobre princípios, diretrizes e pressupostos cuja compreensão parte da análise das dimensões econômica, tecnológica, humana e ambiental da utilização sustentável do estoque de capital natural do planeta, de acordo com algumas regras operacionais e ações determinantes básicas. [...]280

Frente a isso se observa o dilema existente entre os licenciamentos (os quais

são responsáveis pelo desenvolvimento econômico) e a preservação do meio

ambiente (que visa ao desenvolvimento sustentável). Com o intento de resolver essa

dicotomia, o Banco Mundial, a Unesco e outras entidades internacionais adotaram

uma nova filosofia do desenvolvimento que combina eficiência ecológica com justiça

social e prudência ecológica. Essa filosofia foi chamada por Bruseke de “tripé do

desenvolvimento sustentável”.281 Esta visão tridimensional do desenvolvimento

279 CARNEIRO, Ricardo. Direito Ambiental: uma abordagem econômica. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003. p. 56. 280 Ibidem, p. 58. 281 BRÜSEKE, Franz Josef. Desestruturação e desenvolvimento. In. VIOLA, E.; FERREIRA, L. C. (Orgs.). Incertezas da sustentabilidade na globalização. São Paulo: Editora da UNICAMP, 1996. p. 108.

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sustentável deverá estar presente no momento da elaboração do Estudo Prévio de

Impacto Ambiental para a instalação de novos empreendimentos, possibilitando,

desta forma, a harmonia entre o desenvolvimento sustentável e o desenvolvimento

econômico.

A Organização Mundial do Comércio deve se inserir nesse processo, eis que

possui a necessária legitimidade para tratar de questões que envolvem o comércio

mundial, no sentido de padronizar, em nível global, a ordem econômica capitalista

aos ditames do desenvolvimento sustentável:

No que se refere à OMC, esta organização deve enfrentar o desafio de trabalhar em prol do desenvolvimento sustentável compreendendo três questões fundamentais. Primeiramente, existe a máxima que afirma que a relação entre liberalização comercial e eficiência leva ao desenvolvimento sustentável, sendo que deve ser levado em conta que no que tange à questão ambiental, essa máxima é relativamente verdadeira, pois em muitos Estados a legislação ambiental e sua eficácia encontra-se distantes de patamares aceitáveis. [...] Em segundo lugar há que se compreender como o comércio pode promover a proteção ambiental, produzindo eqüitativamente o crescimento e a riqueza. O maior problema dessa análise está no fato de que há uma ligação clara entre riqueza e dano ambiental e entre riqueza e distribuição de riqueza. [...] para que os Estados menos desenvolvidos possam cumprir uma agenda em favor da preservação ambiental é necessário que, concomitantemente, sejam beneficiados por medidas de tratamento especial que assegurem prazos maiores para cumprimento de acordos e maior acesso a mercados e de transferência de tecnologia. A necessidade de prazo mais dilatados refere-se a dificuldade de arcar com os custos advindos as implementação desses acordos. O maior acesso a mercados e a transferência de tecnologia, por sua vez, atuam como fonte de geração de riqueza para estes países, o que contribui para a implementação dos acordos. [...] Em terceiro lugar, há que se compreender que as economias de escala não podem ser ilimitadamente utilizadas, pois a capacidade ambiental do planeta vem sendo exigida além do possível. É premente que se faça uma avaliação acerca da sustentabilidade de novas medidas de liberalização comercial que não esgotem os recursos naturais.282

Nesse sentido, há que se destacar também a postura de Ferreira, que apregoa

uma limitação da livre iniciativa (liberdade de mercado) em favor da sustentabilidade

ambiental, o qual constitui um direito de igual – ou mesmo superior –

fundamentalidade. Veja-se que, novamente, importa levar essa noção à comunidade

282 FERREIRA, Gustavo Assed. Desenvolvimento sustentável. In: BARRAL, Weber. Direito e desenvolvimento: análise da ordem jurídica brasileira sob a ótica do desenvolvimento. São Paulo: Editora Singular, 2005. p. 92-93.

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internacional, no sentido de criar um paradigma global de capitalismo

ambientalmente equilibrado:

O único caminho que resta em meio ao crescente desenvolvimento tecnológico, que gera o agravamento da entropia global, é a composição da liberdade de transação e mercados com o direito fundamental ao ambiente sadio. Este é, sem dúvida um desafio posto à comunidade internacional, que terá que fazer esforços no sentido de aproximar posicionamentos antagônicos em prol do desenvolvimento sustentável.283

Passar da teoria à ação parece mais urgente do que nunca. A degradação

ambiental está em níveis insuportáveis e a própria economia enfrenta uma crise

jamais vista. O momento é propício para que sejam executadas as noções básicas

do desenvolvimento sustentável:

Para se executar a sustentabilidade não se exige muito. Basta observar os seguintes critérios: para os recursos renováveis, a taxa de uso não deve exceder a taxa de regeneração e ter-se-á um rendimento sustentável; para os recursos não renováveis, as taxas de geração de recursos para o projeto não devem exceder a capacidade assimilativa do ambiente e o esgotamento dos recursos não renováveis deve requerer taxas compatíveis de substitutos renováveis para esses recursos. Abandonando aquela idéia de economia tradicional, que os recursos são infinitos e que têm infinita capacidade de renovação em razão do desenvolvimento tecnológico e das possibilidades geradas pelas ciências.284

Para que a diminuição do coeficiente de impacto ambiental seja possível, é

imperiosa a mudança nas relações entre causa e efeito, entre crescimento

econômico e impacto ambiental. Existe entre esses dois elementos uma série de

processos de transformação que, dependendo da forma como sejam gestados,

podem aumentar ou diminuir o conflito econômico e o impacto ecológico.285

A atuação do Estado e da sociedade em conjunto com o Mercado é

fundamental. O desenvolvimento sustentável depende de políticas públicas e de

ações de recomposição da ordem econômica nacional e mundial. Nesse viés,

Sanchs assevera: 283 FERREIRA, Gustavo Assed. Desenvolvimento sustentável. In: BARRAL, Weber. Direito e desenvolvimento: análise da ordem jurídica brasileira sob a ótica do desenvolvimento. São Paulo: Editora Singular, 2005. p. 93. 284 SOUZA, Paulo Roberto. Garantia de vida com qualidade. In: PILLIPI JR. A.; ALVES, A. C.; ROMÉRO, M. A.; BRUNA, G. C. Meio ambiente, direito e cidadania. São Paulo: Signus, 2002. p. 294. 285 LENZI, Cristiano Luis. Sociologia ambiental: risco e sustentabilidade na modernidade. Bauru, SP: Edusc, 2006. p. 68.

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Políticas públicas que estimulem e apóiem as iniciativas locais devem ocupar um papel muito importante no conjunto de políticas de desenvolvimento sustentável. Mas a globalização da economia mundial na era da informação torna possível conceber as estratégias de desenvolvimento em termos de mera justaposição de comunidades autocontidas e autocentradas.286

Nessa tarefa, os agentes sociais e políticos do tripé Mercado, Sociedade e

Estado podem contar com o apoio da intelectualidade, enquanto produtora de

conhecimento social e ambientalmente útil:

Nesse contexto, a universidade emerge como importante ator social do ecodesenvolvimento. Sua posição especifica permite-lhe atuar em conjunto com três atores principais. Contudo, para fazê-lo deverá transcender sua condição ora de “torre de marfim” ora de “fábrica de diplomas”, inscrevendo entre as funções da universidade aquela de “recurso para o desenvolvimento local”. [...] Além dessas tarefas educacionais, a universidade dispõe ainda de considerável potencial humano para assessorar e implementar projetos de desenvolvimento local e para responder às demandas especificas das associações civis. Atuando desse modo, criará para os alunos e para os jovens professores as condições adequadas para conduzirem pesquisas interdisciplinares.287

O planejamento para a sustentabilidade requer uma mudança no modo de

pensar o desenvolvimento, nesse sentido:

Há uma necessidade evidente para um pensamento mais estratégico, mais coeso, mais multidimensional, a fim de assegurar a compatibilidade dos interesses econômicos e ambientais. Localizo nesta descrição o “espírito” da Avaliação de Impacto Ambiental: um processo que comporta planejamento para a sustentabilidade das atividades econômicas, integrado por um conjunto de ações estratégicas visando uma melhoria e melhor distribuição da qualidade de vida. Isto faz com que investimentos empresariais retornem a uma base sólida, estendendo o horizonte de percepção para além dos elementos específicos que envolvem sua produção, procurando uma administração econômica que seja materialmente orientada (atenta aos recursos naturais utilizados) e não apenas monetariamente direcionada.288

O problema principal da falta de efetividade do direito ao desenvolvimento se

dá muitas vezes em função da falta de interesse político dos governantes, bem

como por falta de iniciativa da sociedade civil no controle dos atos públicos. Assim

286 SANCHS, Ignacy. Estratégias de transição para o século XXI – Desenvolvimento e meio ambiente. Tradução de Magda Lopes. São Paulo: Studio Nobel - Fundap, 1993. p. 39. 287 Ibidem, p. 39. 288 DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2001. p. 177.

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sendo, a adoção de políticas publicas conscientes aliadas à transparência na gestão

publica e ao controle exercido pelo Poder Judiciário, juntamente com outros

segmentos da sociedade civil, parece ser o elo que falta entre a positivação

constitucional e a efetivação do direito ao desenvolvimento sustentável. Nesse

contexto, o Estudo Prévio de Impacto Ambiental constitui instrumento fundamental

no equilíbrio entre crescimento da economia e preservação ecológica.

3.2 O Estudo Prévio de Impacto Ambiental como press uposto ao

desenvolvimento sustentável

Em face dos impactos causados ao meio ambiente, que vão das pequenas

atividades urbanas às grandes tragédias ambientais, tais como a extinção das

espécies, destruição de ecossistemas, utilização de materiais radioativos,

intoxicação pela utilização de agrotóxicos e alterações consideradas no clima, o

Estado se viu obrigado a adotar políticas voltadas para a proteção do meio ambiente

com o intuito de frear exploração desenfreada dos recursos naturais.289

Destarte, a consciência ambiental levou à consagração do direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado como direito humano fundamental. Em meio a

esse processo, o próprio paradigma epistemológico da modernidade cai por terra,

fazendo revisar os conceitos de todas as ciências e saberes. No campo da

economia, o paradigma exsurgente, ecológico-sistêmico, impõe uma série de

modificações, dentre as quais a mais importante é a reconciliação entre economia e

ecologia.

289 “Uma característica comum dos recursos naturais é a escassez. Se os recursos naturais fossem infindáveis, não haveria necessidade de intervenção governamental para regulá-los. Da escassez decorre o choque de interesses dos diversos setores da sociedade acerca de como utilizá-los. Como conseqüência, o planejamento racional por parte das autoridades governamentais é essencial para assegurar que as melhores decisões serão tomadas com vistas ao interesse da coletividade e do meio ambiente”. BELTRÃO, Antonio F. G. Aspectos jurídicos do estudo de impacto ambiental. São Paulo: MP Editora, 2007. p. 15

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Apesar disso, não basta uma mudança de paradigmas, não basta a inclusão

normativa do direito ao meio ambiente no texto constitucional e em documentos

internacionais. É preciso criar instrumentos concretos que possibilitem efetivar o

direito ao desenvolvimento com sustentabilidade ambiental.

Nesse sentido, foi muito feliz a Constituição Federal de 1988 ao prever uma

série de instrumentos de proteção ao direito fundamental que consagra. O §1º do art

225 assevera um amplo rol de deveres de incumbência do Poder Público

(compreendido como União, Estados, Municípios e Distrito Federal, no âmbito de

suas competências materiais e legislativas, já definidas no texto constitucional).

Desse rol, opta-se por uma responsabilidade que se entende a mais importante para

trabalhar com a complexa relação entre economia e ecologia: o Estudo Prévio de

Impacto Ambiental, que está previsto no art. 225, § 1°, IV, da Constituição Federal.

O referido estudo é uma das etapas do licenciamento ambiental, sendo o complexo

de etapas que compõem o procedimento administrativo que objetiva à concessão de

licença ambiental. Desse modo, “não há possibilidade de identificar isoladamente a

licença ambiental, porquanto essa é uma das fases do procedimento”.290

O licenciamento ambiental, o qual é exigido aos empreendimentos

potencialmente lesivos por força do poder de polícia da administração pública

(coletivo), visa a garantir o interesse ambiental (transindividual) no que concerne ao

direito particular de empreender (individual). Tal garantia surgiu como instrumento da

Política Nacional do meio ambiente, tendo sido conceituado pela Resolução n°

237/97 do CONAMA, a qual define licenciamento ambiental no art. 1º, inciso I, como

sendo:

Procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso.291

290 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco Filho. Curso de direito ambiental brasileiro. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 84. 291 BRASIL. Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) nº 237, de 19 de dezembro de 1997. “Dispõe sobre o Licenciamento Ambiental”. Disponível em: < http://www.mma. gov .br/port/conama/res/res97/res23797.html>. Acesso em: 20 out. 2008.

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A propósito, Marques pondera que a licença ambiental se apresenta como um

instrumento administrativo dotado de um poder de “estabelecer o diálogo entre o

direito de empreender e o dever de proteção ambiental”.292 Nesse sentido:

[…] muito mais que o reconhecimento de um direito subjetivo, a concessão de licença representa uma autorização por parte do Poder Público para o desenvolvimento de determinada atividade, cuja execução não deve acarretar prejuízos ambientais. Daí a importância do licenciamento, acompanhado do respectivo estudo de impacto, ser enxergado como um instrumento de prevenção, na medida em que a Administração possui legitimidade para impor determinadas condições quando da consecução da licença, momento em que livre iniciativa e a licença precisam se comunicar.293

O licenciamento ambiental é um instrumento de caráter preventivo de tutela ao

meio ambiente, conforme preceitua o art. 9º, IV, da Lei nº 6.938, de 1981 (Lei da

Política Nacional do Meio Ambiente),294 que ocorre em três fases, elucidadas pela

Resolução 237/97295 do CONAMA. São elas: a) licença prévia (LP); b) licença de

instalação (LI); c) licença de funcionamento (LF). Durante essas três fases,

dependendo do tipo de atividade a ser realizada no local, pode ser exigida a

elaboração do estudo prévio de impacto ambiental (EPIA)296 e do seu respectivo

relatório – EIA/RIMA, concomitantemente. O referido estudo está diretamente ligado

ao princípio da prevenção do dano ambiental, sendo que constitui um dos mais

importantes instrumentos de proteção do meio ambiente, como será explanado a

seguir.

As avaliações de impactos ambientais surgiram a partir do final dos anos 60 e

início dos 70, como instrumento da política ambiental de diversos países,

292 MARQUES, Clarissa. Estudo de impacto ambiental: instrumento constitucional de prevenção. In: BENJAMIN, A. H.; LECEY, E.; CAPRELLI, S. (Orgs.). Meio ambiente e acesso à justiça: flora, reserva legal e APP. v. 1. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2007. p. 191. 293 Ibidem, p. 191. 294 BRASIL. Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981. “Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências”. Disponível em:< http:// www.planalto. gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm>. Acesso em: 20 out. 2008. 295 BRASIL. Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) nº 237 , de 19 de dezembro de 1997. “Dispõe sobre o Licenciamento Ambiental”. Disponível em: < http://www.mma. gov.br/port/conama/res/res97/res23797.html>. Acesso em: 20 out. 2008. 296 “É importante consignar que o EPIA não está preso temporalmente. Ele deve ser realizado, a priori, a qualquer tempo que a atividade possa ser considerada lesiva, daí entra a importância da participação popular para impedir a prevaricação ambiental. […] A realização de um [estudo] não elide a necessidade de elaboração de outro no futuro, pois os conhecimentos na área ambiental estão em ebulição e novos equipamentos surgem para minimizar os danos ambientais”. SÉGIN, Elida. O direito ambiental: nossa casa planetária. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 194.

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demonstrando uma preocupação preventiva com relação aos problemas ambientais,

pois visava a avaliar os projetos antes da instalação dos empreendimentos.

O estudo de impacto ambiental foi inspirado no direito americano. Ele surgiu

nos Estados Unidos, em 1969, com a seguinte nomenclatura: National

Environmental Protection Act (NEPA). Na França o referido estudo passou a ser

obrigatório a partir 1976. Outros países, como México e Argélia, ao longo da década

de 1980, “também passaram a orientar suas ações, segundo a ótica da regulagem

do equilíbrio ecológico”.297

Já no Brasil, o estudo de impacto ambiental foi introduzido em nosso

ordenamento jurídico de forma tímida pela Lei 6.803, de 2 de julho de 1980, que, em

seu art. 10, § 3º,298 trouxe a primeira previsão expressa desse estudo, dispondo,

ademais, sobre as diretrizes básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas

de poluição.

Inicialmente, a idéia desse estudo era a criação de métodos obrigatórios que

levassem em consideração aspectos culturais, históricos e ecológicos para o

desenvolvimento de determinada atividade. Mas foi a partir da década de 1980 que

este instrumento ganhou força, pois passou a se tornar exigência do Banco Mundial

e de outras instituições para o financiamento de projetos nos países

subdesenvolvidos.299

297 BRESSAN, Delmar. Gestão racional da natureza. São Paulo: Hucitec, 1996. p. 93. 298 “Art . 10. Caberá aos Governos Estaduais, observado o disposto nesta Lei e em outras normas legais em vigor: [...] § 3º Além dos estudos normalmente exigíveis para o estabelecimento de zoneamento urbano, a aprovação das zonas a que se refere o parágrafo anterior, será precedida de estudos especiais de alternativas e de avaliações de impacto, que permitam estabelecer a confiabilidade da solução a ser adotada”. BRASIL. Lei 6.803, de 02 de julho de 1980. Dispõe sobre as diretrizes básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição, e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6803.htm>. Acesso em: 20 out. 2008. 299 DEMACHI, F. C.; TRENTINI, F. Estudo de impacto ambiental: apreciação sobre a sua efetividade. In: BEJNAMIN, A. H.; LECEY, E.; CAPELLI, S. Meio ambiente e acesso à justiça: flora, reserva legal e APP. v. 3. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2007. p. 613.

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A avaliação de impactos ambientais para projetos de grande porte foi inserida

pela Lei Federal 6.938, de 31 de agosto de 1981, a qual instituiu a Política Nacional

de Meio Ambiente.300 Assevera Milaré acerca da referida Lei:

Com efeito, nesse texto legal – considerado importante marco do ambientalismo brasileiro-, a AIA é erigida à categoria de instrumento da política nacional do meio ambiente, sem qualquer limitação ou condicionante, já que exigível tanto nos projetos públicos quanto particulares, industriais ou não industriais, urbanos ou rurais, em áreas consideradas críticas de poluição ou não.301

No entanto, na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente não havia

disposições que determinassem que o estudo fosse prévio ao desenvolvimento do

empreendimento. Diante dessa lacuna, a referida lei foi regulamentada pelo Decreto

n° 88.351, de 1° de junho de 1983, o qual foi poste riormente revogado e substituído

pelo Decreto n° 99.274, de 6 de junho de 1990, 302 que trouxe a solução para tal

problema, tornando este estudo o pressuposto para o licenciamento de obras que

pudessem causar degradação ambiental. Esse Decreto também disciplinou alguns

aspectos gerais do EIA e atribuiu ao CONAMA a competência para fixar critérios

quanto à exigência de estudo de impacto ambiental para fins de licenciamento

ambiental.303

Conforme o art. 48 do Decreto 99.274/90, o CONAMA passou a ter

competência para “fixar critérios básicos segundo os quais serão exigidos estudos

de impacto ambiental para fins de licenciamento”, com poderes, para tal fim, de

baixar as resoluções que entender necessárias.304

300 BRASIL. Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981. “Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências”. Disponível em: < http:// www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm>. Acesso em: 20 out. 2008. 301 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 356. 302 BRASIL. Decreto 9.274 de 06 de junho de 1990. "Regulamenta a Lei nº 6.902, de 27 de abril de 1981, e a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõem, respectivamente sobre a criação de Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental e sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, e dá outras providências”. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm? codlegi=328 >. Acesso em: 20 out. 2008. 303 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Impacto ambiental: aspectos da legislação brasileira. 4 ed. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2008. p. 10. 304 MILARÉ, op. cit., p. 356.

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Até então, a evolução do estudo de impacto ambiental havia sido de grande

relevância, mas ainda existia uma lacuna, em função da inexistência de previsão

acerca do tipo de obra que estaria sujeita ao referido estudo. Diante disso, adveio a

Resolução nº 1, de 23 de janeiro de 1986, do CONAMA, a qual estabelece os

critérios básicos para a realização do EIA, tornando este obrigatório nas situações

consideradas significativamente impactantes ao meio ambiente. O art. 2º desta

Resolução define claramente as hipóteses de exigência do EIA,305 e, além disso,

foram previstos outros instrumentos para que se tornasse efetivo o referido estudo.

Essa resolução foi alterada pela Resolução n° 11, d e 18 de março de 1986,306

a qual foi elaborada “ainda sob o regime constitucional anterior, isto é, o da Emenda

1/69, quando não havia ainda nenhuma disposição nomeada como ‘proteção

305 Artigo 2º - Dependerá de elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental - RIMA, a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e do IBAMA em caráter supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente, tais como: I - Estradas de rodagem com duas ou mais faixas de rolamento; II - Ferrovias; III - Portos e terminais de minério, petróleo e produtos químicos; IV - Aeroportos, conforme definidos pelo inciso 1, artigo 48, do Decreto-Lei nº 32, de 18.11.66; V - Oleodutos, gasodutos, minerodutos, troncos coletores e emissários de esgotos sanitários; VI - Linhas de transmissão de energia elétrica, acima de 230KV; VII - Obras hidráulicas para exploração de recursos hídricos, tais como: barragem para fins hidrelétricos, acima de 10MW, de saneamento ou de irrigação, abertura de canais para navegação, drenagem e irrigação, retificação de cursos d'água, abertura de barras e embocaduras, transposição de bacias, diques; VIII - Extração de combustível fóssil (petróleo, xisto, carvão); IX - Extração de minério, inclusive os da classe II, definidas no Código de Mineração; X - Aterros sanitários, processamento e destino final de resíduos tóxicos ou perigosos; Xl - Usinas de geração de eletricidade, qualquer que seja a fonte de energia primária, acima de 10MW; XII - Complexo e unidades industriais e agro-industriais (petroquímicos, siderúrgicos, cloroquímicos, destilarias de álcool, hulha, extração e cultivo de recursos hídricos); XIII - Distritos industriais e zonas estritamente industriais - ZEI; XIV - Exploração econômica de madeira ou de lenha, em áreas acima de 100 hectares ou menores, quando atingir áreas significativas em termos percentuais ou de importância do ponto de vista ambiental; XV - Projetos urbanísticos, acima de 100ha. ou em áreas consideradas de relevante interesse ambiental a critério da SEMA e dos órgãos municipais e estaduais competentes; XVI - Qualquer atividade que utilize carvão vegetal, em quantidade superior a dez toneladas por dia”. BRASIL. Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) n. 001, de 23 de janeiro de 1986. "Dispõe sobre critérios básicos e diretrizes gerais para o Relatório de Impacto Ambiental - RIMA". Disponível em: < http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res86/res0186.html>. Acesso em: 20 out. 2008. 306 BRASIL. Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) n. 11, de 18 de março de 1986. “Dispõe sobre alterações na Resolução n. 1/86”. Disponível em: < http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=34>.Acesso em: 20 out. 2008.

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ambiental’”.307 Assim, somente regulamentou a figura do Estudo de Impacto

Ambiental já prevista no art. 18 do Decreto 88.351, de 1983. No ano seguinte, foi

ainda editada a Resolução n° 9, de 3 de dezembro de 1987,308 que regulamentou a

realização de audiências públicas nas hipóteses em que o processo licitatório

envolver, como modalidade avaliação, o EIA/RIMA, conforme previsto no art. 11, §

2°, da Resolução do CONAMA n° 1, de 1986, e no art. 3°, caput, da Resolução do

CONAMA n° 237, de 1997.

Em que pese todo esse labor regulatório, o estudo prévio de impacto de

ambiental (EPIA) somente passou a ter força realmente quando da promulgação da

Constituição Federal de 1988, que, em seu art. 225 ,§ 1º, IV,309 o elencou dentre os

instrumentos para tornar efetivo o direito fundamental ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, determinando que esse estudo devesse ser elaborado

antes da instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa

degradação.310

Acerca desse dispositivo, leciona Milaré:

Com isso, a Lei Maior corrigiu o equívoco técnico cometido pela legislação infraconstitucional, consolidando o papel do EIA como modalidade de avaliação de obras ou atividades capazes de provocar significativo impacto, e não de obras ou atividades simplesmente modificadoras do meio ambiente (como falava a Resolução CONAMA 01/1986), até mesmo porque é impossível conceber uma atividade antrópica que não altere de alguma forma o ambiente. ‘Toda atividade humana pode causar danos ao meio

307 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 356. 308 BRASIL. Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) n. 9, de 3 de dezembro de 1987. “Dispõe sobre a questão de audiências Públicas". Disponível em:< http://www.mma.gov.br/ port/conama/legiabre.cfm?codlegi=60 >Acesso em: 20 out. 2008. 309 “Art. 225 [...]: § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incube ao Poder Público: [...] IV- exigir, na forma da lei, para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade”. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 20 out. 2008. 310 “O caráter prévio é tributo essencial e indeclinável dessa atividade, expressando, desta feita, a aplicação dos princípios da prevenção de da precaução. Não faria nenhum sentido, com efeito, cogitar-se de uma avaliação a posteriori, após a realização da atividade potencialmente lesiva ao meio ambiente e, quem sabe, após a consumação do dano. Nada impede, porém, que no curso de uma atividade surja oportunidade para (re)avaliar impactos ambientais, realizando-se o estudo correspondente”. COSTA NETO, N. D. C. Aspectos da tutela preventiva do meio ambiente: a avaliação de impacto ambiental e o licenciamento ambiental. In: LEITE, J. R. M.; FILHO, N. B. B.(Orgs). Direito ambiental contemporâneo. Barureri, SP: Manole, 2004. p. 180.

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ambiente; não há ‘poluição zero’, de forma que a idéia de natureza intocada é um mito moderno’.311

O EPIA constitui um importante instrumento da Política Nacional do Meio

Ambiente, haja vista se tratar de uma forma de ação preventiva à disposição do

Estado para que se possa dar efetividade ao desenvolvimento sustentável. Este

novo sistema de licenciamento adotado pelo Brasil como um instrumento da política

nacional do meio ambiente, com caráter preventivo, foi elaborado para auxiliar na

harmonização do desenvolvimento econômico sustentável com a proteção do meio

ambiente ao longo das três fases de implementação de uma política econômica ou

de infra-estrutura. Assim sendo, o licenciamento ambiental, conforme praticado no

Brasil, é praticamente único.

Assevera Milaré:

Como modalidade de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) é hoje considerado um dos mais notáveis instrumentos de compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente, já que deve ser elaborado antes da instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação, nos termos do art. 225, § 1°, IV, da CF/1988.312

A Constituição Federal de 1988 tratou o Estudo Prévio de Impacto Ambiental

de forma pioneira, porque impôs ao Poder Público a incumbência de exigir a

realização do estudo para somente então conceder, ou não, a licença ambiental.

Entretanto, conforme se depreende da redação do art. 225, § 1º, IV, da Constituição

Federal, o legislador constituinte passou a admitir a existência de atividades

impactantes que não necessitem realizar o EPIA. Conforme aduz Fiorillo:

A Constituição Federal, através do aludido dispositivo, passou a admitir a existência de atividades impactantes que não se sujeitam ao EIA/RIMA, porquanto o estudo somente será destinado àquelas atividades ou obras potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente. Além disso, a atividade de significativa impactação não foi definida, de forma que se criou um conceito jurídico indetermina do, o que, por evidência, dificulta a tarefa do operador da norma. Vale frisar ainda que a palavra obra também não foi definida, de modo a sugerir que qualquer uma pode estar sujeita à execução do EIA/RIMA. Assim, admitidos que o

311 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 358. 312 Ibidem, p. 362.

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EIA/RIMA nem sempre poderá ser exigido nas obras ou atividades que não forem de significativa impactação e que o conceito de obra ou atividade deverá ser compreendido de forma ampla. Na verdade, o referencial à exigência do estudo encontra-se vinculado ao efeito e à impactação que possa causar e não propriamente à natureza do empreendimento (obra, atividade, construção, etc.).313 [Grifou-se]

Dessa forma, o legislador constituinte estabeleceu a presunção de que toda

obra ou atividade é significativamente impactante ao meio ambiente, cabendo,

entretanto, àquele que deseja efetivar o projeto demonstrar o contrário. Destarte,

ficou para a legislação ordinária, através da Resolução n° 1, de 1986, do CONAMA,

referida alhures, a exemplificação dos casos concretos em que deverá

obrigatoriamente ser elaborado.314

Salienta-se que a referida resolução apresenta apenas um “rol exemplificativo”

de atividades em que o EPIA deve ser realizado, cabendo ao Poder Público analisar

o tipo de “impactação” gerada por cada caso concreto a fim de avaliar a necessidade

de exigência, ou não, de realização do estudo. Observa-se, com Milaré:

A Resolução 001 de 1986 do Conama, em seu art. 2°, apresentou um elenco “meramente exemplificativo das obras e atividades que, presumidas de maior potencial ofensivo, estariam a demandar a realização de prévio estudo de impacto ambiental. Vale dizer, esse elenco ‘não é numerus clausus’. É o que se depreende da expressão ‘tais como’, que precede a enunciação do referido art. 2°’ 315

O EPIA representa uma exigência constitucional em nome da sustentabilidade

e dos princípios da prevenção e da precaução. Diante disso, apesar da

indeterminação da expressão atividade potencialmente degradadora, a

discricionariedade administrativa não se pode afastar do dever constitucional de

prevenção ambiental, o que implica na verificação cautelosa quanto à exigibilidade,

ou não, do estudo prévio de impacto ambiental.

Assevera Marques que esse problema de interpretação “em algumas

situações, tem colocado em risco a defesa do meio ambiente tendo em vista a 313 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco Filho. Curso de direito ambiental brasileiro. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 90. 314 O rol exemplificativo dos casos em que deve ser exigida a elaboração do EPIA encontra-se na nota de rodapé n. 304 deste trabalho. 315 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 369-371.

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interpretação dada ao referido potencial”. Nos termos da Constituição Federal,

impacto ambiental não é qualquer alteração do meio ambiente, mas uma

degradação significativa deste. Isso implica dizer que “considera-se impacto

ambiental a alteração drástica e de natureza negativa da qualidade ambiental”. 316

Diante da dificuldade em definir o que vem a ser degradação “significativa”,

Mirra diz que “segundo nos parece, estamos diante daquilo que os publicistas

denominam de conceito impreciso, fluido, indeterminado”.317

Conceitos indeterminados, conforme preceitua Grau, “são aqueles cujos termos

são ambíguos ou imprecisos – especialmente imprecisos – razão pela qual

necessitam ser completados por quem os aplique”. Esse mesmo autor ainda afirma

que “são conceitos carentes de preenchimento com dados extraídos da

realidade”.318

Sustenta Mirra que diante dessa indeterminação cabe ao poder público

fundamentadamente determinar o que vem a ser atividade potencialmente

causadora de impacto ambiental:

[...] cabe inicialmente ao órgão público ambiental delimitar o conceito de degradação ambiental “significativa”, ao lhe ser submetido um projeto de atividade potencialmente causadora de degradação ambiental sujeita a licenciamento ambiental, para em relação a ela, por suas peculiaridades ou pelas características do meio afetado, exigir ou não o EIA.319

Veja-se, a propósito, a definição de impacto ambiental esculpida por Ségin:

Impacto Ambiental é qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do Meio Ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que direta ou indiretamente afetem à saúde, à segurança, ao bem-estar da população, às atividades

316 MARQUES, Clarissa. Estudo de impacto ambiental: instrumento constitucional de prevenção. In: BENJAMIN, A. H.; LECEY, E.; CAPRELLI, S. (Orgs.). Meio ambiente e acesso à justiça: flora, reserva legal e APP. v. 1. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2007. p. 190. 317 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Impacto ambiental: aspectos da legislação brasileira. 4 ed. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2008. p. 37. 318 GRAU, Eros Roberto. Direito, conceitos e normas jurídicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. p. 72. 319 MIRRA, op. cit., p. 37.

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sócio-econômicas, à biota, às condições estético-sanitárias, à qualidade dos recursos ambientais e às relações humanas.320

Importante asseverar que se a autoridade administrativa competente dispensa

a realização de EPIA para atividades entendidas como potencialmente causadoras

de significativa degradação ambiental e que não estejam incluídas no art. 2o, da

Resolução 001, de 1986, do CONAMA. Pode-se submeter essa decisão ao controle

do Poder Judiciário a fim garantir o direito fundamental ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado.321 Acerca da análise pelo Poder Judiciário, suscita

Beltrão:

O enfoque dos Tribunais quando da revisão judicial de um EIA não adentra no mérito da avaliação sobre que alternativa seria mais favorável ao meio ambiente, nem tampouco sobre o conteúdo dos estudos científicos eventualmente produzidos pela agência para respaldar sua decisão. Os tribunais examinam o processo que instrumentalizou o EIA no intuito de descobrir se a agência realmente analisou outras alternativas ou não.322

A obrigatoriedade do referido estudo significou um marco na evolução do

ambientalismo brasileiro, pois sua precípua finalidade é a obrigação de se levar em

conta o fator ambiental em qualquer ação ou decisão que possa sobre o meio

ambiente causar efeito negativo, tendo em vista os princípios da precaução e da

prevenção.323

Conforme aponta Beltrão, o EPIA se trata de um planejamento, pois consiste

num procedimento que “pretende gerar e colher informações do proponente do

projeto, dos consultores e do público em geral sobre um dado projeto para servir

como base para a decisão a ser tomada pelo ente governamental competente”.324

Séguin define o EPIA da seguinte forma:

O EPIA é um instrumento da política ambiental e se constitui num conjunto de procedimentos prévios que, preventivamente, tentam avaliar possíveis

320 SÉGIN, Elida. O direito ambiental: nossa casa planetária. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 190. 321 OLIVEIRA, F. P. M.; GUIMARÃES, F. R. Direito, Meio Ambiente e cidadania: uma abordagem interdisciplinar. São Paulo: Madras, 2004. p. 112. 322 BELTRÃO, Antonio F. G. Aspectos jurídicos do estudo de impacto ambiental (EIA). São Paulo: MP Editora, 2008. p. 98. 323 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 362. 324 Ibidem, p. 15.

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impactos de uma determinada ação humana, sopesando as alternativas, para escolha da menos gravosa. Consiste ainda no estudo das prováveis modificações nas diversas características sócio-econômicas e biofísicas do Meio Ambiente que podem resultar do projeto. Em verdade ele é uma vinculação à discricionariedade da Administração”.325

O EPIA dever ser realizado por uma equipe multidisciplinar, com profissionais

de diversas áreas que avaliarão os impactos ambientais positivos e negativos do

empreendimento pretendido. Este estudo (EIA) compreende o levantamento da

literatura científica e legal pertinente, bem como trabalhos de campo, análises de

laboratório e a própria redação do relatório de impacto ambiental (RIMA),

possibilitando, dessa forma, a elaboração de um estudo profundo acerca da

atividade a ser realizada com previsão dos possíveis danos que essa possa causar.

Esclarece Costa Neto que:

O estudo prévio de impacto ambiental é um dos instrumentos da avaliação de impacto ambiental em relação às atividades potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente. [...] O Epia consiste em um diagnóstico ambiental de caráter técnico-cientifico da área de influência do empreendimento, verificando-se os recursos ambientais que poderão ser modificados. Devem ser analisados o meio físico, o meio biológico, o meio socioeconômico, além de outros impactos ambientais do projeto. Devem ser apontadas, também, as medidas mitigadoras e compensatórias dos impactos negativos, bem como as propostas de elaboração de programas de acompanhamento e monitoramento dos impactos positivos e negativos.326

No Relatório de Impacto Ambiental (RIMA)327 irão constar os esclarecimentos

acerca das vantagens e das conseqüências do empreendimento, conforme

conclusões do Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Aponta Séguin que:

O relatório de impacto ambiental (RIMA) é um resumo do Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA), elaborado numa linguagem mais acessível, sem prejuízo da técnica, e que fica à disposição para consulta da população, das entidades governamentais e não-governamentais, em obediência ao

325 SÉGIN, Elida. O direito ambiental: nossa casa planetária. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 193-194. 326 Ibidem, p. 183. 327 “A existência de um relatório de impacto ambiental tem por finalidade tornar compreensível para o público o conteúdo do EIA, porquanto este é elaborado segundo critérios técnicos. Assim, em respeito ao princípio da informação ambiental, o RIMA deve ser claro e acessível, tratando fielmente o conteúdo do estudo, de modo compreensível e menos técnico. O relatório de impacto ambiental e seu correspondente estudo deverão ser encaminhados para o órgão competente para que se procedam análises sobre o licenciamento ou não da atividade”. FIORILLO, Celso Antônio Pacheco Filho. Curso de direito ambiental brasileiro. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 90.

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princípio da publicidade e da participação na tomada de decisões governamentais.328

O ponto determinante do procedimento de EIA consiste na análise das

alternativas, haja vista que as agências têm o dever de desenvolver e examinar, de

forma comparativa e objetiva, todas as alternativas admissíveis para um projeto.

Essa avaliação é objetiva e compreende todos os estudos e provas produzidas no

decorrer do EIA. Os resultados produzidos pela agência devem integrar o processo

que instrumentaliza a conclusão da análise, sendo que:

Se há várias alternativas razoáveis, todas devidamente identificadas e objetivamente avaliadas, a agência possui poder discricionário para escolher dentre elas. Contudo, se não há evidencias suficientes no processo de EIA de que a agencia tenha efetivamente analisado outras alternativas razoáveis, os tribunais determinam que essas outras alternativas também sejam analisadas e incluídas no EIA.329

Concluída essa etapa, o RIMA correspondente ao EIA deverá ser submetido à

analise do órgão ambiental competente, com a fim de aprovar, ou não, o

licenciamento da atividade. Beltrão alerta ao fato de que:

[...] a decisão governamental há de ser racional, realizada de acordo com as provas e informações científicas colhidas pelo EIA. [...] Logo, ao tempo que decorre da escassez dos recursos naturais o planejamento imposto pelo procedimento de EIA força transparência nas decisões governamentais.330

Costa Neto diz que o procedimento do EIA, conforme realizado no Brasil, pode

suscitar dúvidas acerca da idoneidade dos resultados constantes no RIMA, pois o

titular do empreendimento tem total liberdade para escolher, sendo que este

“escolhe, contrata e remunera” a equipe transdisciplinar, “estabelecendo um

excessivo grau de dependência jurídica e econômica entre empreendedor e os

profissionais responsáveis pela formulação do Epia”,331 o que pode produzir riscos

de comprometimento da autonomia da equipe contratada. Diante desse dilema, o

mesmo autor salienta que o empreendedor e os técnicos incumbidos da elaboração 328 SÉGIN, Elida. O direito ambiental: nossa casa planetária. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 193-194. 329 BELTRÃO, Antonio F. G. Aspectos jurídicos do estudo de impacto ambiental (EIA). São Paulo: MP Editora, 2008. p. 98. 330 Ibidem, p. 16-17. 331 COSTA NETO, N. D. C. Aspectos da tutela preventiva do meio ambiente: a avaliação de impacto ambiental e o licenciamento ambiental. In: LEITE, J. R. M.; FILHO, N. B. B.(Orgs). Direito ambiental contemporâneo. Barureri, SP: Manole, 2004. p.185.

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do estudo possuem responsabilidade solidária, sendo que também o próprio Estado

e seus agentes podem ser responsabilizados.332

Conquanto a elaboração do estudo seja delegada pelo empreendedor, inafastável é a responsabilidade solidaria do titular da obra e dos técnicos incumbidos da elaboração do Epia/Rima. De fato, sendo objetiva a responsabilidade civil em matéria ambiental, a atitude do empreendedor que sonega ou distorce informações sobre a natureza e finalidade da atividade pretendida, induzindo a erro os técnicos responsáveis pela confecção do estudo, integra a cadeia causal do ato danoso, atraindo a responsabilização civil. Ademais, não se olvide o fato de que o titular do empreendimento será beneficiado, em caráter derradeiro, pelos frutos da atividade a ser licenciada. Assim, tanto a equipe técnico - cientifica como o empreendedor respondem civilmente pelos efeitos do Epia/Rima, quando daí resultar atividade que a rigor não poderia ser licenciada. Tal conclusão não exclui a possibilidade de responsabilização do próprio Estado e de seus agentes, em decorrência do licenciamento indevido de atividade, baseado em Epia/Rima falho, lacunoso, imprestável, independentemente da verificação de culpa.333

Acerca disso, Costa Neto assevera:

Dessa forma, de lege ferenda, a forma de escolha da equipe técnica não deveria ficar adstrita à vontade do empreendedor, tampouco a definição do montante de sua remuneração. Sendo dever da administração velar pela regularidade do procedimento de licenciamento ambiental, devia caber a ela indicação dos profissionais existentes em seus cadastros, para a formação das equipes destinadas à elaboração dos estudos de impacto ambiental.334

O mesmo autor sugere, ainda, que:

[...] a administração ambiental deveria assumir o encargo de fixar os honorários da equipe técnica, determinando a forma de pagamento mediante depósito sujeito à liberação pelo órgão ambiental. Tais mecanismos poderiam contribuir, a nosso ver, para a garantia de

332 “Tal característica possui relevância no campo da responsabilização penal, ante a amplitude do conceito de funcionário público, previsto o art. 327 do Código Penal. Assim, os membros das equipes e até mesmo a própria pessoa jurídica poderão ser responsabilizados por crime contra a Administração Ambiental em face de, por exemplo, afirmação falsa ou enganosa, omissão da verdade, sonegação de informações ou dados técnico-científicos, quando da elaboração de documento integrante do procedimento ambiental (Lei n. 9.605/98, art. 66). De igual sorte, poderá haver, em tais circunstâncias, responsabilização por ato de improbidade, atentatório aos princípios regedores de boa Administração Ambiental, nos termos da Lei n. 8.429/92, arts. 1º e 2º, c/c art. 11”. COSTA NETO, N. D. C. Aspectos da tutela preventiva do meio ambiente: a avaliação de impacto ambiental e o licenciamento ambiental. In: LEITE, J. R. M.; FILHO, N. B. B.(Orgs). Direito ambiental contemporâneo. Barureri, SP: Manole, 2004. p. 187. 333 Ibidem, p. 184-185. 334 Ibidem, p. 186.

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independência e credibilidade dos estudos prévios de impacto ambiental, consolidando o aspecto substancial dessa importante atividade preventiva. Acrescente-se, mais, que a equipe técnica incumbida na elaboração do estudo prévio de impacto ambiental e respectivo relatório, embora não possua vínculo funcional com a Administração, desempenhe função pública no contexto do procedimento de licenciamento ambiental, sendo peça relevante a ser analisada pela autoridade no momento de licenciar. A natureza de sua atividade é pública, já que público é o procedimento do qual esse estudo faz parte.335

Fiorillo assevera que o EPIA não oferece uma resposta objetiva simples acerca

dos prejuízos ambientais que determinada obra ou atividade possa causar. Diante

disso, salienta que a parcimônia entre o meio ambiente equilibrado e o

desenvolvimento econômico deve ser objeto de análise no momento da concessão

da licença ambiental. Nesse sentido, o EPIA:

É um estudo amplo, que merece interpretação, em virtude de elencar os convenientes e incovenientes do empreendimento, bem como ofertar as medidas cabíveis à mitigação dos impactos ambientais negativos e também medidas compensatórias. Não se trata de formalismo simplório, sem teor ou conteúdo interpretativo. Com isso, será possível a outorga de licença ambiental ainda que o estudo prévio de impacto ambiental seja desfavorável. O justificador dessa possibilidade decorre do próprio Texto Constitucional, nos seus art. 170, V, e 225, ao aludirem à existência do desenvolvimento sustentável, a fim de permitir um equilíbrio entre a proteção ao meio ambiente e a livre concorrência, norteadores do desenvolvimento econômico. Sendo o EIA/RIMA desfavorável, o equilíbrio entre meio ambiente ecologicamente equilibrado e o desenvolvimento econômico será objeto de estudo da Administração para a concessão ou não de licença ambiental.336

Destarte, o EPIA permite à Administração analisar o âmbito de proteção da

livre iniciativa e seus benefícios econômicos, bem como permite a implementação de

um desenvolvimento sustentável, ou seja, “permite à Administração fazer do

licenciamento uma instância para o diálogo em nome da prevenção”.337 Visto desse

modo, o EPIA/RIMA favorável condiciona a autoridade à outorga da licença

ambiental, proporcionando ao empreendedor o direito de desenvolver a sua

335 COSTA NETO, N. D. C. Aspectos da tutela preventiva do meio ambiente: a avaliação de impacto ambiental e o licenciamento ambiental. In: LEITE, J. R. M.; FILHO, N. B. B.(Orgs). Direito ambiental contemporâneo. Barureri, SP: Manole, 2004. p. 186-187. 336 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco Filho. Curso de direito ambiental brasileiro. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 86. 337 MARQUES, Clarissa. Estudo de impacto ambiental: instrumento constitucional de prevenção. In: BENJAMIN, A. H.; LECEY, E.; CAPRELLI, S. (Orgs.). Meio ambiente e acesso à justiça: flora, reserva legal e APP. v. 1. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2007. p. 198.

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atividade econômica sem descuidar do meio ambiente. Diante disso, afirma Fiorillo

que:

[...] temos nessa hipótese o único caso de licença ambiental vinculada. De fato, se a defesa do meio ambiente é limitadora da livre iniciativa (art. 170, VI), e inexistem danos àquele, não haverá razão para que o empreendimento não seja desenvolvido.338

Tem-se, diante disso, que quando da decisão acerca da concessão, ou não, da

licença ambiental, a Administração Pública sempre deve ter o desenvolvimento

sustentável como princípio norteador para que seja garantido o meio ambiente

equilibrado. Assim sendo:

Se o EIA/RIMA mostra-se desfavorável, totalmente ou em parte, caberá à Administração, segundo critérios de conveniência e oportunidade, avaliar a concessão ou não da licença ambiental, porquanto, o desenvolvimento sustentável é o princípio norteador da preservação do meio ambiente e do desenvolvimento da ordem econômica. Essa possibilidade retrata uma discricionariedade sui generis. Evidentemente, a concessão da licença deverá ser fundamentada, atacando cada um dos pontos que se mostraram impactantes ao meio ambiente, sob pena de ferir o preceito contido no art. 37 da Constituição Federal.339

Ressalta-se que a previsão constitucional do estudo de impacto ambiental

adota o princípio da prevenção, conforme já referido, “haja vista a capacidade que o

referido estudo possui de antever futuros problemas decorrentes da atividade

empreendedora”, o que reforça o envolvimento da Constituição brasileira com o

princípio do desenvolvimento sustentável, conforme já se explanou no ponto 3.1

deste trabalho.

Marques destaca que esse comprometimento com o desenvolvimento

sustentável está muito claro no art. 225, § 1º, IV, pois o objetivo da licença ambiental

é de “permitir à administração pública o controle de empreendimentos, defendendo-

338 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco Filho. Curso de direito ambiental brasileiro. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 86. 339 Ibidem, p. 86.

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se, assim, o meio ambiente de novas agressões e solicitando alternativas capazes

de compatibilizar a idéia de desenvolvimento com a proteção ambiental”.340

Portanto, o referido estudo permite à Administração Pública colocar em prática

o exercício de uma atitude preventiva,341 o que significa evitar as conseqüências da

irreversibilidade de um dano ambiental ou o custo excessivo para tentativa de

recuperação do meio ambiente. Vive-se em uma sociedade de risco,342 e a

prevenção dos danos é o melhor caminho para que se possa desfrutar de um meio

ambiente saudável.

Os objetivos do EPIA são:

a) prevenção (e até precaução) do dano ambiental; b) transparência administrativa quanto aos efeitos ambientais de empreendimentos públicos

340 MARQUES, Clarissa. Estudo de impacto ambiental: instrumento constitucional de prevenção. In: BENJAMIN, A. H.; LECEY, E.; CAPRELLI, S. (orgs.). Meio ambiente e acesso à justiça : flora, reserva legal e APP. v. 1. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2007. p. 190. 341 “Prevenir a degradação do meio ambiente no plano nacional e internacional é concepção que passou a ser aceita no mundo jurídico especialmente nas últimas três décadas. Não se inventaram todas as regras de proteção ao ambiente humano e natural nesse período. A preocupação com a higiene urbana, um certo controle sobre as florestas e a caça já datam de séculos. Inovou-se no tratamento jurídico dessas questões, procurando interligá-las e sistematizá-las, evitando-se a fragmentação e até o antagonismo de leis, decretos e portarias. A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente no Brasil (Lei 6.938 de 31.8.1981) inseriu como objetivos dessa política a compatibilização de desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico e a preservação dos recursos ambientais, com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente (art. 4o, I e VI. Entre os instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente colocou-se a ‘avaliação dos impactos ambientais (art. 9o, III). A prevenção passa a ter fundamento no direito positivo nessa lei pioneira na América Latina. Incontestável tornou-se a obrigação de prevenir ou evitar o dano ambiental quando o mesmo pudesse ser detectado antecipadamente. Contudo, no Brasil, em 1981, ainda não havíamos chegado expressamente a introduzir o princípio da precaução”. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 12a ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 55-56. 342 “A sociedade de risco é aquela que, em função de seu crescimento econômico, pode sofrer a qualquer tempo as conseqüências de uma catástrofe ambiental, por exemplo, em função do crescimento econômico contínuo. Notáveis, portanto, a evolução e o agravamento dos problemas, seguidos de uma evolução da sociedade (da sociedade industrial para a sociedade de risco), sem, contudo, uma adequação dos mecanismos jurídicos de solução dos problemas dessa nova sociedade. Há consciência dos riscos, desacompanhada, contudo, de políticas de gestão – fenômeno denominado de “irresponsabilidade organizada”. O que se discute, nesse novo contexto, é a maneira pela qual podem ser distribuídos os malefícios que acompanham a produção de bens – ou seja, verifica-se a autolimitação desse tipo de desenvolvimento e a necessidade de redeterminar os padrões de responsabilidade, segurança, controle, limitação e conseqüências do dano. A isso tudo, porém, somam-se os limites científicos de previsibilidade, quantificação e determinação dos danos. Pode-se afirmar que a sociedade moderna criou um modelo de desenvolvimento tão complexo e avançado, que faltam meios capazes de controlar e disciplinar esse desenvolvimento”. LEITE, J. R. M.; PILATI, L. C.; JAMUNDÁ, W. Estado de Direito Ambiental no Brasil. In: KISHI, S. A. S.; SILVA, S. T.; SOARES, I. V. P. (Orgs.). Desafios do direito ambiental no século XXI: estudos em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 611-612.

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ou privados; c) consulta aos interessados; d) decisões administrativas informadas e motivadas. Noutros termos o estudo de impacto ambiental destina-se a auxiliar na decisão política de licenciar ou não determinado empreendimento.343

Séguin afirma que os princípios para elaboração do EPIA obedecem aos

princípios do Direito Ambiental, tais como a participação pública, a obrigatoriedade e

a transdiciplinariedade, bem como o formalismo e a instrumentalidade:

O princípio da participação pública visa evitar que a consulta seja seletiva e unilateral, com caráter não público. A transdisciplinaridade do Meio Ambiente impõe que do EPIA participem profissionais de várias áreas para que se possa obter a visão holística que deve caracterizar a tomada de decisão na matéria, com a maior angulação possível das prováveis conseqüências. O EPIA é um instrumento do planejamento ambiental, e não um fim em si mesmo, funcionando como verdadeira ferramenta de gerenciamento. O formalismo determina que as normas técnicas sejam obedecidas na elaboração do documento. 344

Os princípios da prevenção e a precaução se transformaram em eixos

fundamentais para a realização do EPIA, em face das características particulares

dos danos ao meio ambiente.

Os elementos preventivos e precaucionistas adotados pela Constituição ficam consignados no art. 255, em que fica clara a necessidade de o Poder Público exigir Estudo Prévio de Impacto Ambiental para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental, além da determinação de produção, comercialização e emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.345

O princípio da prevenção, no âmbito do licenciamento ambiental, representa

uma das formas de controle prévio, pois a atuação da Administração, através do

estudo prévio de impacto ambiental, ocorre antes do início das atividades

controladas, permitindo, dessa forma, que o meio ambiente não sofra novas

degradações.346

343 OLIVEIRA, F. P. M.; GUIMARÃES, F. R. Direito, Meio Ambiente e cidadania: uma abordagem interdisciplinar. São Paulo: Madras, 2004. p. 111. 344 SÉGIN, Elida. O direito ambiental: nossa casa planetária. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 194. 345 LEITE, J. R. M.; PILATI, L. C.; JAMUNDÁ, W. Estado de Direito Ambiental no Brasil. In: KISHI, S. A. S.; SILVA, S. T.; SOARES, I. V. P. (Orgs.). Desafios do direito ambiental no século XXI: estudos em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 626. 346 MARQUES, Clarissa. Estudo de impacto ambiental: instrumento constitucional de prevenção. In: BENJAMIN, A. H.; LECEY, E.; CAPRELLI, S. (Orgs.). Meio ambiente e acesso à justiça: flora, reserva legal e APP. v. 1. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2007. p. 191.

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De fato, a prevenção é preceito fundamental, uma vez que os danos ambientais , na maioria das vezes, são irreversíveis e irreparáveis. [...] Diante da impotência do sistema jurídico, incapaz de restabelecer, em igualdade de condições, uma situação idêntica à anterior, adota-se o princípio da prevenção do dano ao meio ambiente como sustentáculo do direito ambiental, consubstanciando-se como seu objetivo fundamental.347

Já a precaução não se trata de um princípio que visa a tudo impedir, mas de

um instrumento necessário à conservação ou à preservação do meio ambiente

diante do risco e da incerteza científica. Destaca Marques que “o princípio da

precaução impõe o dever de prevenção inclusive diante da incerteza científica, tendo

em vista que se refere ao perigo abstrato”. 348 Alerta Machado que:

A implementação do princípio da precaução não tem por finalidade imobilizar as atividades humanas. Não se trata da precaução que tudo impede ou que em tudo vê catástrofes ou males. O princípio da precaução visa à durabilidade da sadia qualidade de vida das gerações humanas e à continuidade da Natureza existente no Planeta.349

Destaca-se a possibilidade da participação popular no procedimento de estudo

prévio de impacto ambiental. Nos termos do art. 225 da Constituição Federal, o meio

ambiente é bem de uso comum do povo, sendo por isso considerado patrimônio da

humanidade. Diante disso, nada mais coerente do que conceder ao povo o acesso a

esse instrumento de proteção ao meio ambiente, fato que se concretiza por meio da

realização de audiência pública. Milaré explica que a audiência pública:

[...] visa expor aos interessados o conteúdo do projeto em análise e do RIMA, dirimindo dúvidas e recolhendo dos presentes críticas e sugestões a respeito – é o mecanismo que dá vida a dois princípios fundamentais do Direito Ambiental: o da publicidade e o da participação pública.350

A audiência pública é regulamentada pelas Resoluções do CONAMA n° 1, de

1986, e n° 9, de 1987, e não possui cunho obrigatór io. Ela somente ocorrerá nas

seguintes hipóteses: quando o órgão competente para a concessão da licença

entender necessário; quando cinqüenta ou mais cidadãos requererem ao órgão

ambiental a sua realização ou quando o Ministério Público requerer a sua realização.

347 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco Filho. Curso de direito ambiental brasileiro. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 35 348 MARQUES, op cit., p. 196; 349 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 12a ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 54. 350 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 358.

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Fiorillo destaca que “caso não seja realizada audiência pública, tendo havido

requerimento de alguns dos legitimados, a licença concedida será inválida”.351

Machado sustenta que tornar público não significa apenas tornar acessível ao

público o estudo. É necessário que o Poder Público leve o teor do estudo ao

conhecimento do público, pois “dar publicidade significa publicar uma síntese do

EIA, pelo menos em resumo, no órgão de comunicação adequado”.352

Importante salientar também que existe a possibilidade de realização do EPIA

em empreendimentos anteriores à edição da Resolução do CONAMA nº 1, de 1986:

[...] isso porque, quando da sua superveniência, a regulamentação do EIA pela Resolução n. 001/1986 encontrou muitos empreendimentos já instalados e alguns até em operação, que, por serem anteriores à referida norma, acabaram ficando imunes à prévia avaliação de seus impactos sobre o meio ambiente, embora fossem potencialmente causadoras de significativa degradação ambiental.353

Diante disso, foi criado um sistema de regularização dessas atividades que

ficaram sujeitas à elaboração EPIA mesmo depois de implantadas, sendo tal

procedimento chamado de “EIA a posteriori”,354 haja vista que o estudo normalmente

antecede a instalação do empreendimento.

Salienta-se que a Resolução do CONAMA nº 6, de 1987, prevê a realização de

EIA a posteriori para obras de grande porte, especialmente para as de fins

hidrelétricos, sendo que:

De acordo com essa norma, todo empreendimento instalado anteriormente a 1º de fevereiro de 1986 -, mas que entrou em operação após essa data, ficou sujeito à avaliação de impactos ambientais por intermédio da elaboração do EIA/RIMA a ser apresentado posteriormente ao início da operação da atividade (art. 12, §§ 3º e 4º). Excepcionaram-se, apenas, aqueles empreendimentos que entraram em operação antes mesmo da

351 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco Filho. Curso de direito ambiental brasileiro. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 96. 352 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 12a ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 189. 353 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Impacto ambiental: aspectos da legislação brasileira. 4 ed. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2008. p. 139. 354 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 26.

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entrada em vigor da Resolução n. 001/1986, em relação aos quais se dispensou EIA/RIMA (art. 12, § 5º).355

Destaca-se, ainda, a Lei nº 6.938, de 1981, art. 8º, II,356 bem como o Decreto

nº 99.274, de 1990, art. 7º, IV,357 “segundo os quais o CONAMA poderá determinar a

realização de EIA/RIMA no tocante a quaisquer atividades, sempre que julgar

necessário, inclusive, portanto, depois do início de uma obra ou atividade”.358

É mister consignar que diante de tal previsão não ocorre a violação de eventual

direito adquirido do empreendedor, devido à “precariedade das licenças

ambientais”,359 as quais podem ser revogadas a qualquer momento pelo Poder

Público, previsão dada pela Lei nº 6.938 de 1981, a qual, em seu art. 9º, prevê a

possibilidade de revisão do licenciamento.

Faz-se necessária também a realização de EIA em empreendimentos sujeitos

à licitação quando da elaboração do projeto básico. A Lei nº 8.666, de 1993,

estabelece as normas gerais das licitações, e dispõe no seu art. 7º, I e II, que “toda a

355 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Impacto ambiental: aspectos da legislação brasileira. 4 ed. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2008. p.140. 356 “Art. 8º Compete ao CONAMA: [...] II - determinar, quando julgar necessário, a realização de estudos das alternativas e das possíveis conseqüências ambientais de projetos públicos ou privados, requisitando aos órgãos federais, estaduais e municipais, bem assim a entidades privadas, as informações indispensáveis para apreciação dos estudos de impacto ambiental, e respectivos relatórios, no caso de obras ou atividades de significativa degradação ambiental, especialmente nas áreas consideradas patrimônio nacional”. BRASIL. Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981. “Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências”. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm>. Acesso em: 20 out. 2008. 357 “Art. 7o: Compete ao CONAMA: [...] IV - determinar, mediante representação do IBAMA, a perda ou restrição de benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público, em caráter geral ou condicional, e a perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito”. BRASIL. Decreto 9.274 de 06 de junho de 1990. "Regulamenta a Lei nº 6.902, de 27 de abril de 1981, e a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõem, respectivamente sobre a criação de Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental e sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, e dá outras providências”. Disponível em: < http://www.mma.gov.br/port/conama/ legiabre. cfm?codlegi=328 >. Acesso em: 20 out. 2008. 358 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Impacto ambiental: aspectos da legislação brasileira. 4 ed. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2008. p.140, 359 “O licenciamento, como medida decorrente do exercício do poder de polícia, não cria direitos para seu beneficiário e pode ser revogado ou modificado a qualquer tempo. Inexiste, assim, para o empreendedor direito adquirido ao exercício de sua atividade nas condições em que inicialmente licenciada. Reitere-se que a própria Lei n. 6. 938/1981, em seu art. 9 º, IV, prevê expressamente a possibilidade de revisão do licenciamento, entre outras hipóteses, segundo nosso juízo, em razão da mudança a na regulamentação da matéria, que imponha a adaptação da nova legislação do licenciamento, de ordem pública, a situações antigas que se desenvolvem continuamente ao longo do tempo”. MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Impacto ambiental: aspectos da legislação brasileira. 4 ed. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2008. p.141.

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licitação para a execução de obras públicas deverá ser realizada em etapas, as

quais abrange, genericamente, o projeto básico, o projeto executivo e a execução

das obras propriamente dita”.

Ainda foi determinado que “qualquer obra somente poderá ser licitada quando

houver ‘projeto básico’360 aprovado pela autoridade competente (art. 7º, § 2o, I), bem

como recursos orçamentários para sua realização”.361 Portanto, a referida Lei

considerou a avaliação de impacto ambiental como requisito indispensável para a

elaboração do projeto básico, conforme preceitua o art. 12, VII, “cuja aprovação é

essencial à realização de qualquer licitação de obra pública”.362 Dessa forma:

[...] nenhuma obra pública pode ser licitada sem prévia elaboração e aprovação de projeto básico, o qual deve assegurar adequado tratamento a eventuais impactos ambientais de empreendimento, sem dúvida nenhuma, por ocasião da abertura do procedimento licitatório, o estudo de impacto ambiental já deverá ter sido previamente realizado, discutido e aprovado, na fase própria do processo de licenciamento ambiental. Isso significa que sequer se pode pensar seriamente em dar início à licitação de uma obra pública potencialmente causadora de significativa degradação ambiental sem que antes se elabore e aprove o EIA/RIMA e sem que antes se obtenha, no mínimo, a licença ambiental prévia do empreendimento, sob pena de ilegalidade do procedimento licitatório.363

Destarte, o estudo prévio de impacto ambiental é um instrumento de controle

ambiental à disposição do Estado que, se exigido conforme prevê a legislação

constitucional e infraconstitucional, permite a harmonização entre o desenvolvimento

econômico e a preservação do meio ambiente. Diante da crise ambiental, na

urgência de novos paradigmas, faz-se necessária uma mudança de comportamento

tanto dos cidadãos quanto da Administração Pública.

360 “‘Projeto básico’, de acordo com o art. 6o., IX, do mesmo diploma legal, é o conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado para caracterizar a obra ou o complexo de obras objeto da licitação, elaborado com base nas indicações de estudos técnicos preliminares, que, entre outras exigências , sejam capazes de assegurar adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento. Trata-se, a bem dizer, de mecanismo que permite verificar e demonstrar a viabilidade e a conveniência da execução da obra a ser licitada, inclusive sob o prisma dos reflexos ambientais do projeto, daí resultando a necessidade da sua aprovação com pré-condicão para a licitação do empreendimento cuja realização se almeja”. MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Impacto ambiental: aspectos da legislação brasileira. 4 ed. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2008. p. 146. 361 Ibidem, p. 147. 362 Ibidem, p. 146. 363 Ibidem, p. 147.

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Diante do quadro exposto, convém ponderar que os Tribunais superiores

pátrios desenvolvem um importante papel no sentido de dar efetividade ao direito de

todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Essa é a razão pela qual se

propõe um terceiro ponto a este capítulo com o escopo de se proceder à análise de

alguns julgados acerca da temática trabalhada no decorrer deste trabalho.

3.3 O Estudo Prévio de Impacto Ambiental como instr umento de garantia ao

meio ambiente ecologicamente equilibrado na jurisdi ção constitucional

brasileira

O EPIA é um instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente que encontra

guarida na Constituição Federal de 1988, conforme explanado no decorrer deste

trabalho. Diante da precípua importância desse instrumento em nosso ordenamento

jurídico, entende-se pertinente uma análise acerca do EPIA na jurisdição brasileira,

nos níveis estadual e federal, haja vista a importância da atividade dos Tribunais

para a garantia ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado. As linhas que se esboçam a seguir têm, pois, por escopo conectar a

malha teórica até o momento abordada com a realidade das Cortes, como se passa

a expor.

Para tanto, analisar-se-á, inicialmente, alguns julgados do Supremo Tribunal

Federal (STF), o qual é o guardião da Constituição e tem sua competência aduzida

no art. 102 da Constituição Federal. O referido órgão tem com um dos seus

principais instrumentos a Ação Direta de Constitucionalidade (Adin), “cujos efeitos

não são restritos às partes que integram a relação processual, mas alcançam a

todos, erga omnes, e retroagem para anular, desde a origem, o ato declarado

inconstitucional ex tunc”,364 haja vista que o art. 28, parágrafo único, da Lei n° 9.868,

de 10 de novembro de 1999,365 prevê que a declaração de inconstitucionalidade em

364 BELTRÃO, Antonio F. G. Aspectos jurídicos do estudo de impacto ambiental (EIA). São Paulo: MP Editora, 2008. P. 55. 365 Art. 28 [...] Parágrafo único: “A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder

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uma Adin vincula todo o Judiciário e a Administração Pública nos níveis federal,

estadual e municipal.

Destaca-se a ADIn 1086-7,366 proposta pelo Procurador Geral da República

contra o Estado de Santa Catarina, requerendo, liminarmente, a suspensão do art.

182, § 3º, da Constituição do Estado de Santa Catarina, o qual previa o seguinte:

Art. 182. Incube ao Estado, na forma da Lei: (...) V – exigir, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudos prévios de impacto ambiental, a que dará publicidade; (...) § 3º - O disposto no inciso V não se aplica às áreas florestadas ou objeto de reflorestamento para fins empresariais, devendo ser inseridas normas disciplinando sua exploração no plano de manejo sustentado, visando à manutenção. [Grifou-se]367

O Tribunal Pleno deferiu a medida liminar para suspender até julgamento final

da ação a eficácia do referido artigo, baseando-se na tese de que a dispensa do

EPIA nos casos previstos no 182, § 3º, da Constituição do Estado de Santa Catarina

vão contra o disposto no art. 225, § 1º, IV, da Constituição Federal. Entendeu,

ademais, que, se fosse admissível a restrição prevista no referido artigo, a

competência seria do legislador federal. Transcreve-se a ementa:

CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA. LIMINAR. OBRA OU ATIVIDADE POTENCIALMENTE LESIVA AO MEIO AMBIENTE. ESTUDO PREVIO DE IMPACTO AMBIENTAL. Diante dos amplos termos do inc. IV do par. 1. do art. 225 da Carta Federal, revela-se juridicamente relevante a tese de inconstitucionalidade da norma estadual que dispensa o estudo prévio de impacto ambiental no caso de áreas de florestamento ou reflorestamento para fins empresariais. Mesmo que se admitisse a possibilidade de tal restrição, a lei que poderia viabilizá-la estaria inserida na competência do legislador federal, já que a este cabe disciplinar, através de normas gerais, a conservação da natureza e a proteção do meio ambiente (art. 24, inc. VI, da CF), não sendo possível, ademais, cogitar-se da competência legislativa a que se refere o par. 3. do art. 24 da Carta Federal, ja que esta busca suprir lacunas normativas para atender a peculiaridades locais, ausentes na espécie. Medida liminar deferida.

Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal”. BRASIL. Lei n. 9.868 de 10 de novembro de 1999. “Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal”. Disponível em: < http: // www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9868.htm>. Acesso em: 20 nov. 2008. 366 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1086-7, julgada em 10 de agosto de 2001. Ministro Ilmar Galvão (relator). Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 20 nov. de 2008. 367 Ibidem.

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(ADI 1086 MC, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, TRIBUNAL PLENO, julgado em 01/08/1994, DJ 16-09-1994 PP-42279 EMENT VOL-01758-02 PP-00435)368

Em decisão final da ADIn, ocorrida em 7 de junho de 2001, o Relator Ministro

Ilmar Galvão, em seu voto, entendeu que o § 3º da Constituição do Estado de Santa

Catarina cria uma exceção ao art. 225, § 1º, IV, da Constituição Federal, o qual

prevê a exigência de EPIA para as atividades potencialmente causadoras de danos

ao meio ambiente. O eminente Relator destaca:

Como ressaltei quando da apreciação da medida cautelar, a atividade de florestamento ou reflorestamento, ao contrário do que se poderia supor, não pode deixar de ser tida como eventualmente lesiva ao meio ambiente, quando, por exemplo, implique substituir determinada espécie de flora nativa, com as suas próprias especificidades, por outra, muitas vezes sem nenhuma identidade com o ecossistema local e escolhidas apenas em função de sua utilidade econômica, com ruptura, portanto, do equilíbrio e da diversidade da flora local. Dessa forma, ao excepcionar a exigência de prévio estudo de impacto ambiental nos casos de áreas florestadas ou objeto de reflorestamento, o § 3º do art. 182 da Constituição catarinense viola o previsto na Constituição Federal, que determina a realização de tal estudo para a instalação de qualquer atividade potencialmente causadora de degradação ao meio ambiente. 369

Ainda em seu voto, aduz que o Estado em questão não teria competência para

legislar sobre o tema, conforme dispõe o art. 24, inciso VI da Constituição Federal.

Nesse sentido, suscita:

[...] é certo que, pela lógica sistemática da distribuição de competência legislativa, apenas a lei federal seria apta a excluir hipóteses de incidência do aludido preceito geral, já que se trata de matéria nitidamente inserida no campo de abrangência das normas gerais sobre conservação da natureza e proteção do meio ambiente e, não, de normas complementares, que são da atribuição constitucional dos Estados-membros (art. 24, inc. Vi, da CF). Não é de ser invocada, igualmente, a competência legislativa plena dos Estados-membros (art. 24, § 3º, da CF), quanto menos porque não se compreende qual seja a peculiaridade local que se estaria atendendo com a edição de uma regra constitucional com tal conteúdo normativo.370

Assim sendo, o voto do eminente Relator foi pela procedência da Adin a fim de

declarar a inconstitucionalidade do art. 182, § 3º, da Constituição do Estado de

368 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1086-7, julgada em 10 de agosto de 2001. Ministro Ilmar Galvão (relator). Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 20 nov. de 2008. 369 Ibidem. 370 Ibidem.

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Santa Catarina. Os Ministros Sepúlvera Pertence e Marco Aurélio (Presidente)

acompanharam o Relator, sendo que este afirmou que a norma em discussão “é

uma norma que conflita com a manutenção da qualidade ambiental”.371

O Ministro Sepúlvera Pertence destacou, também, que não pode a Constituição

Estadual excetuar ou dispensar o disposto no art. 225, IV, da Magna Carta. Disse

em seu voto:

A Constituição Federal, no art. 225, IV, exigiu o estudo prévio de impacto ambiental, chamado RIMA, como uma norma absoluta. Não pode a Constituição Estadual, por conseguinte, excetuar ou dispensar nessa regra ainda que, dentro de sua competência supletiva, pudesse criar formas mais rígidas de controle. Não formas mais flexíveis ou permissivas.

Nesse esteio, de defesa do meio ambiente por meio do exercício do controle

concentrado372 e abstrato de constitucionalidade, destaca-se a Ação Direta de

Inconstitucionalidade n° 3.378-6, 373 proposta pela Confederação Nacional da

Indústria – CNI contra o art. 36, caput e §§ 1º, 2º e 3º, todos da Lei Federal nº 9.985,

de 18 de julho de 2000 (que regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I, II, III e VII da

Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da

Natureza e dá outras providências), os quais têm a seguinte redação:

Art. 36. Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório - EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei. § 1º O montante de recursos a ser destinado pelo empreendedor para esta finalidade não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento, sendo o percentual fixado pelo órgão ambiental licenciador, de acordo com o grau de impacto ambiental causado pelo empreendimento.

371 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1086-7, julgada em 10 de agosto de 2001. Ministro Ilmar Galvão (relator). Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 20 nov. de 2008. 372 “No sistema concentrado, o controle de constitucionalidade é exercido por um único órgão ou por um número limitado de órgãos criados especificamente para esse fim ou tendo nessa atividade sua função principal. É o modelo dos tribunais constitucionais europeus, também denominado sistema austríaco.” BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 46-47. 373 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.378-6, julgada em. 09 de abril de 2008. Ministro Carlos Ayres Britto (relator). Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 20 nov. de 2008.

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§ 2º Ao órgão ambiental licenciador compete definir as unidades de conservação a serem beneficiadas, considerando as propostas apresentadas no EIA/RIMA e ouvido o empreendedor, podendo inclusive ser contemplada a criação de novas unidades de conservação. § 3º Quando o empreendimento afetar unidade de conservação específica ou sua zona de amortecimento, o licenciamento a que se refere o caput deste artigo só poderá ser concedido mediante autorização do órgão responsável por sua administração, e a unidade afetada, mesmo que não pertencente ao Grupo de Proteção Integral, deverá ser uma das beneficiárias da compensação definida neste artigo.374

A autora sustentou que o texto em tese violaria os princípios da legalidade, da

harmonia e independência dos poderes, bem como os da razoabilidade e

proporcionalidade. Ainda, alegou que a indenização sem prévia mensuração e

comprovação do dano poderia acarretar enriquecimento ilícito do Estado. Nesse

viés, o Ministro Carlos Ayres Brito (Relator) destacou em seu voto que a Constituição

Federal tem o meio ambiente em “elevadíssima conta”:

O desvelo com o meio ambiente foi tanto que a Magna Lei Federal dele também cuidou, autonomamente, no Capítulo VI do Título VIII. E o fez para dizer que “meio ambiente ecologicamente equilibrado” é direito de todos, erigindo-o, ainda, à condição de bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida (art. 225, caput). Além disso, a nossa Carta Federal impôs ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, arrolando as competências-deveres que a esse Poder incube, minimamente (a guisa de exemplo, portanto, e não de modo taxativo ou exauriente). Não antes de fazer da “defesa do meio ambiente” um dos princípios da própria Ordem Econômica brasileira (inciso VI do art. 170).375

O eminente Ministro, ao interpretar o motivo pelo qual o legislador fixou o valor

mínimo da compensação ambiental em 0,5% dos custos totais previstos para a

implantação do empreendimento, destacou que “o legislador ordinário não poderia

antever o grau de impacto ambiental (e a conseqüente despesa pública) provocado

pela implantação desse ou daquele empreendimento físico”. Diante disso, sustentou

que o inciso IV, do art. 225, da Constituição Federal de 1988 “fez da elaboração do

estudo prévio de impacto ambiental uma intransigente condição de validade de toda

e qualquer obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação

ao meio ambiente”. Ainda, destacou a manifestação do Procurador da República,

quando este enfatizava o caráter preventivo do Estudo Prévio de Impacto Ambiental:

374 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.378-6, julgada em. 09 de abril de 2008. Ministro Carlos Ayres Britto (relator). Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 20 nov. de 2008. 375 Ibidem.

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[...] O EIA/RIMA possui caráter preventivo, de forma que visa evitar as possíveis conseqüências danosas ao meio ambiente ocasionadas por atividades públicas ou privadas. Busca-se, com isso, prevenir e evitar, de forma antecipada, por meio de avaliação dos prováveis impactos ambientais da atividade empreendedora, os riscos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Protege-se, portanto, não somente o dano causado ou iminente, mas também o simples risco de dano ecológico. Dessa forma, pelos estudos de impacto ambiental, toma-se conhecimento desses riscos, o que abrange ensejo à tomada de medidas acauteladoras para sua eliminação ou minimização.376

O Ministro Carlos Ayres Brito suscitou, ademais, que o dispositivo que está

sendo impugnado “densifica o princípio usuário-pagador, este a significar um

mecanismo de responsabilidade social pelos custos ambientais derivados da

atividade econômica”. Assevera, ainda, que “a Constituição realmente cuidou do

meio ambiente do modo mais cuidadoso possível, fazendo dele, inclusive, um

princípio de toda a ordem econômica”.377

Destarte, acordaram os Ministros do STF, por seu Tribunal Pleno, sob a

presidência do Ministro Gilmar Mendes, por maioria dos votos, em julgar

parcialmente procedente a Adin, declarando a inconstitucionalidade da expressão

“não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a

implantação do empreendimento” constante no § 1º do art. 36 da Lei nº 9.985/2000.

Foram vencidos no ponto o Ministro Marco Aurélio, o qual declarava a

inconstitucionalidade de todos os dispositivos impugnados, e o Ministro Joaquim

Barbosa, que propunha a interpretação conforme, nos termos de seu voto. Desse

modo, ficou definido que “o valor da compensação-compartilhamento é de ser fixado

proporcionalmente ao impacto ambiental, após estudo em que se assegurem o

contraditório e a ampla defesa. Prescindibilidade da fixação de percentual sobre os

custos do empreendimento”.378

Assim sendo, o julgado ficou com o seguinte teor, conforme ementa:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 36 E SEUS §§ 1º, 2º E 3º DA LEI Nº 9.985, DE 18 DE JULHO DE 2000.

376 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.378-6, julgada em. 09 de abril de 2008. Ministro Carlos Ayres Britto (relator). Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 20 nov. de 2008. 377 Ibidem. 378 Ibidem.

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CONSTITUCIONALIDADE DA COMPENSAÇÃO DEVIDA PELA IMPLANTAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS DE SIGNIFICATIVO IMPACTO AMBIENTAL. INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DO § 1º DO ART. 36. 1. O compartilhamento-compensação ambiental de que trata o art. 36 da Lei nº 9.985/2000 não ofende o princípio da legalidade, dado haver sido a própria lei que previu o modo de financiamento dos gastos com as unidades de conservação da natureza. De igual forma, não há violação ao princípio da separação dos Poderes, por não se tratar de delegação do Poder Legislativo para o Executivo impor deveres aos administrados. 2. Compete ao órgão licenciador fixar o quantum da compensação, de acordo com a compostura do impacto ambiental a ser dimensionado no relatório - EIA/RIMA. 3. O art. 36 da Lei nº 9.985/2000 densifica o princípio usuário-pagador, este a significar um mecanismo de assunção partilhada da responsabilidade social pelos custos ambientais derivados da atividade econômica. 4. Inexistente desrespeito ao postulado da razoabilidade. Compensação ambiental que se revela como instrumento adequado à defesa e preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações, não havendo outro meio eficaz para atingir essa finalidade constitucional. Medida amplamente compensada pelos benefícios que sempre resultam de um meio ambiente ecologicamente garantido em sua higidez. 5. Inconstitucionalidade da expressão "não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento", no § 1º do art. 36 da Lei nº 9.985/2000. O valor da compensação-compartilhamento é de ser fixado proporcionalmente ao impacto ambiental, após estudo em que se assegurem o contraditório e a ampla defesa. Prescindibilidade da fixação de percentual sobre os custos do empreendimento. 6. Ação parcialmente procedente. (ADI 3378, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 09/04/2008, DJe-112 DIVULG 19-06-2008 PUBLIC 20-06-2008 EMENT VOL-02324-02 PP-00242).379

Nessa senda de garantia ao direito fundamental ao meio ambiente

ecologicamente por meio da realização do EPIA, podemos trazer à discussão alguns

julgados da jurisdição ordinária pátria, no exercício do controle difuso380 de

constitucionalidade. Nessa tangente, merecem destaque dois julgados do Tribunal

de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, quais sejam: o Agravo de Instrumento nº

70024766248381 e o Recurso de Apelação nº 70025170341.382

379 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.378-6, julgada em. 09 de abril de 2008. Ministro Carlos Ayres Britto (relator). Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 20 nov. de 2008. 380 “Diz-se que o controle é difuso quando se permite a todo e qualquer juiz ou tribunal o reconhecimento da inconstitucionalidade de uma norma e, conseqüentemente, sua não-aplicação ao caso concreto levado ao conhecimento da corte.” BARROSO, Luís Roberto. op. cit., p. 46-47. 381 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento nº 70024766248, julgado em 10 de dezembro de 2008. Desembargador Carlos Roberto Lofego Caníbal (relator). Disponível em: < http://www.tj.rs.gov.br >. Acesso em: 20 nov. 2008. 382 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70025170341, julgada em 10 de dezembro de 2008. Desembargador Carlos Roberto Lofego Caníbal (relator). Disponível em: < http://www.tj.rs.gov.br> Acesso em: 20 nov. 2008.

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O referido Agravo de Instrumento, julgado pela Primeira Câmara Cível do

Tribunal de Justiça deste Estado, foi interposto pelo Ministério Público, tendo sido

agravadas a Copelmi Mineração Ltda. e a FEPAM, em face de decisão que, nos

autos de ação civil pública, indeferiu medida liminar. O objeto da ação civil pública foi

a nulidade de licença prévia expedida pela FEPAM à empresa agravada para

explorar o serviço de captação de água destinada a abastecer as populações de

Butiá e Minas do Leão. Argumentou-se que, com a concessão da liminar postulada,

seriam evitados graves danos ao meio ambiente, pois a empresa agravada

pretendia transformar o açude que abastece de água potável as cidades de Butiá e

Minas do Leão em área de mineração de carvão.383 A agravante, a seu turno,

afirmou que a empresa Copelmi obteve licença prévia sem que a FEPAM realizasse

Estudo Prévio de Impacto Ambiental. O pedido foi fundamentado no art. 225, §1º, IV,

da Constituição Federal e nas Resoluções do Conama nºs 01/86 e 237/97. 384

A Fepam, em resposta ao recurso, disse que a Resolução nº 237/97 do

CONAMA tornou mais flexível a regra prevista na Resolução nº 01/86. Referiu que o

art. 225, §1º, IV, da Constituição Federal, corrigiu o equívoco da Resolução nº 01/86,

limitando a exigência do Estudo de Impacto Ambiental às obras ou atividades

potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente.

Sustentou, ainda, que a administração ambiental poderia não exigir o EIA/RIMA

quando entendesse que a obra ou atividade a ser realizada não teria potencial de

causar significativa degradação do meio ambiente. Diz que o próprio parecer técnico

do Ministério Público aduziu que “o impacto ambiental provavelmente causado será

pequeno”.385

O Des. Carlos Roberto Lofego Canibal (Relator), em seu voto, com base no art.

225, §1º, IV, da Constituição Federal suscitou:

Ainda que, de fato, os atos administrativos gozem da presunção de legalidade, diante da ausência do necessário Estudo de Impacto Ambiental, que, pelo que se extrai dos autos, não foi levado a efeito

383 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70025170341, julgada em 10 de dezembro de 2008. Desembargador Carlos Roberto Lofego Caníbal (relator). Disponível em: < http://www.tj.rs.gov.br> Acesso em: 20 nov. 2008. 384 Ibidem. 385 Ibidem.

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pela FEPAM, por cautela, e a fim de evitar possíveis prejuízos ao meio ambiente, plausível a concessão da liminar para suspender os efeitos da licença prévia concedida pela FEPAM. [...] 386

O Relator destacou a importância do Estudo Prévio de Impacto Ambiental para

assegurar o equilíbrio ecológico do meio ambiente, o qual está expressamente

garantido na Constituição Federal de 1988, art. 225. Com base no direito de todos

ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o Desembargador afirmou que a

atividade que a empresa agravada pretendia executar não deixava dúvidas com

relação à significativa alteração que poderia ser causada ao meio ambiente,

conforme preceitua o art. 225, §1º, IV, tema este já discutido no item 3.2 deste

trabalho. Ele ainda asseverou que o poder discricionário da administração pública

não é absoluto, haja vista que o Poder Judiciário pode rever os atos praticados pelo

administrador quando eivados de irregularidades. Nesse viés, o Relator argumentou

que:

O argumento da FEPAM é que a Resolução nº 237/97 teria, juntamente com a Constituição Federal de 1988, alterado o que dispõe a Resolução nº 001/86 do CONAMA, quanto à (não) obrigatoriedade de tal estudo, deixando a cargo do poder discricionário da administração a sua exigência, quando entender pertinente, ou seja, quando houve iminente risco de efetivo dano ao meio ambiente, o que não seria a hipótese dos autos. De fato a Constituição Federal, em seu art. 225, fala em atividade potencialmente causadora de significativa degradaçã o do meio ambiente (§1º, IV). Ocorre que a atividade que se pretende executar - captação de água do Arroio Charrua destinada a abastecer as populações dos Municípios de Butiá e Minas do Leão, a fim de substituir o sistema atual captação de água – não deixa duvidas acerca da significativa alteração no meio ambiente e, quem sabe até, degrad ação ambiental, o que somente se poderá desconsiderar se realizado o Estudo de Impacto Ambiental de que se fala. Não se desconhece o poder discricionário da Administração Pública, todavia, tal não é absoluto , na medida em que pode-deve o Poder Judiciário rever os atos praticados pelo administrador. Não se permite que o juiz, por certo, substitua o administrador, mas, sem dúvida, que possa exercer um controle efetivo da discricionariedade administrativa.387 (Grifou-se)

Ainda, afirmou que o agravado se apegou ao fato de o parecer técnico do

Ministério Público ressaltar “a possível ocorrência de dano ao meio ambiente, ainda

que pequeno”. O Relator asseverou que, independente da intensidade do dano, o

386 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70025170341, julgada em 10 de dezembro de 2008. Desembargador Carlos Roberto Lofego Caníbal (relator). Disponível em: < http://www.tj.rs.gov.br> Acesso em: 20 nov. 2008. 387 Ibidem.

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EPIA é um instrumento que a administração pública tem a sua disposição e do qual

tem o dever de usufruir a fim de garantir o desenvolvimento sustentável.

O eminente desembargador foi contundente em sua crítica:

Ocorre que, pequeno ou não, nenhum dano ao meio ambiente pode ser tutelado, independente de sua extensão. E se o sistema nos dá instrumentos para evitar que tal degradação ambiental aconteça – Estudo de Impacto Ambiental – não vejo motivos para não nos utilizarmos deles. Mas, ao contrário, a Constituição Federal nos impõe o dever de assim proceder. Não há dúvida de que a intenção do legislador constitucional é prevenir todo e qualquer possível dano ao meio ambiente. E, se há qualquer possibilidade, por menor que seja, de que a atividade ou a obra a ser realizada possa degradar o meio ambiente, tem o Poder Público (e toda a coletividade, como refere a própria Constituição Federal) o dever de interferir.388

Ele destacou, ademais, que a Resolução nº 237/97 acentuou a necessidade

de exigência do Estudo de Impacto Ambiental pela Administração Pública,

cumprindo, assim, a imposição da Constituição Federa de 1988, ao referir que:

Cumpre observar, ainda, que a Resolução nº 237/97 a que se refere a FEPAM, que teria substituído as determinações da Resolução nº 001/1986, também do CONAMA, apenas revoga os artigos 3º e 7ª desta última, conforme dispõe expressamente a própria Resolução nº 237/97. De toda a sorte, tal não afasta a necessidade do Estudo de Impacto Ambiental, mas apenas acentua o poder discricionário da administração pública em exigi-lo, ou não. E, então, retornamos ao ponto anterior: controle, pelo Poder judiciário, dos atos praticados pela Administração Pública. Como se extrai, a Resolução nº 237/97 apenas cumpriu com o que já determinava a Constituição Federal de 1988, ou seja, a exigência do Estudo de Impacto Ambiental apenas quando a atividade ou obra a ser realizada puder ocasionar, efetiva ou potencialmente, dano significativo ao meio ambiente.389

Diante do exposto, chegou à conclusão de que o dano que poderia vir a ser

causado ao meio ambiente era significativo sim, razão pela qual foi suspensa a

licença concedida sem a realização do Estudo Prévio de Impacto Ambiental. Foi

dado parcial provimento ao agravo, por unanimidade, nos seguintes termos:

388 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70025170341, julgada em 10 de dezembro de 2008. Desembargador Carlos Roberto Lofego Caníbal (relator). Disponível em: < http://www.tj.rs.gov.br> Acesso em: 20 nov. 2008. 389 Ibidem.

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O ponto, então, que discordamos, é se o dano que poderá vir a ser causado ao meio ambiente, no caso dos autos, é significativo, ou não. A FEPAM entende que não e, no exercício de seu poder discricionário, deixa de exigir o referido Estudo de Impacto Ambiental. Este Julgador entende que sim e, no exercício do seu direito de controlar os atos discricionários praticados pela Administração Pública, suspende a licença concedida sem o prévio EIA/RIMA. [,,,]ISSO POSTO, provejo em parte para conceder a liminar requerida na ação civil pública, para o fim de suspender a licença prévia nº 735/07 – DL, pena de multa de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) ao dia.390

Por derradeiro, ainda merece destaque a Apelação Cível nº 70025170341,

também julgada pela Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio

Grande do Sul.

Trata-se de apelação de sentença que julgou improcedentes pedidos das

ações cautelar e principal, ajuizadas pelo Município de Porto Alegre, o

Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) e o Município de Gravataí

contra a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM). Na cautelar,

postularam a concessão de liminar para poder explorar aterro de lixo localizado no

Município de Gravataí, a fim de atender aos municípios de Porto Alegre, Gravataí,

Esteio e Cachoeirinha. Na principal, requereram a expedição de licença de operação

definitiva para a ampliação desse aterro. Os autores alegaram a ilegalidade de

exigência de Estudo de Impacto Ambiental para a concessão da licença, devido ao

fato de não se tratar de criação de aterro, mas de ampliação de aterro já existente.

Requereram o provimento do apelo para que fosse concedida a licença de

operação, sem a exigência de apresentação do EIA/RIMA.

O julgado foi Relatado pelo Desembargador Carlos Roberto Lofego Caníbal, o

qual argumentou o seu voto de forma semelhante ao julgado referido alhures, forte

no art. 225, §1º, IV, da Constituição Federal e nas Resoluções do Conama nºs

001/86 e nº 237/97, bem como na Lei Estadual nº 11.520/2000 (Código Estadual do

Meio Ambiente), artigos 73, 75 e 78, os quais tratam do Estudo de Impacto

Ambiental. O Relator afirmou que a atividade que os apelantes pretendiam exercer

no local não deixava dúvidas acerca da significativa alteração no meio ambiente e

possível degradação ambiental, o que somente se poderia desconsiderar com a

390 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70025170341, julgada em 10 de dezembro de 2008. Desembargador Carlos Roberto Lofego Caníbal (relator). Disponível em: < http://www.tj.rs.gov.br> Acesso em: 20 nov. 2008.

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realização do Estudo de Impacto Ambiental. Asseverou que, de acordo com o

Código Estadual de Meio Ambiente, quando se tratasse de criação de aterro seria

obrigatória a exigência de EPIA, contudo, ao se postular a ampliação do espaço, a

exigência seria facultativa. O Desembargador enfatizou, ainda, que, no caso em tela,

a ampliação do aterro iria atender a uma população de mais de um milhão de

pessoas. Nesse sentido, disse que:

Equivocam-se os apelantes quando dizem que a sentença tratou da questão como se fosse criação de um aterro, e não ampliação de aterro já existente. Ocorre que há norma técnica da FEPAM, editada de acordo com a Lei Estadual nº 10.330/94 no sentido de que, quando se tratar de criação de aterro, o Relatório de Estudo de Impacto Ambiental é obrigatório; quando a hipótese for, como no caso dos autos, de ampliação de aterro já existente, tal exigência fica a critério da FEPAM, ou seja, a lei lhe faculta exigência de tal. Prevalece, aqui, portanto, o poder discricionário da Administração Pública, que, no caso, entendeu pela necessidade de tal Estudo. Aliás, como os próprios apelantes referem, tal ampliação do aterro irá atender a uma população de mais de hum milhão de habitantes, pois alcança Porto Alegre, Gravataí, Cachoeirinha e Esteio. E o argumento de que, com a liminar que fora deferida nos autos da cautelar, e o início das atividades, não se tem como restabelecer o status quo, basta que os apelantes cessem, por ora, a exploração do referido local e providenciem, com a maior brevidade possível, o Estudo de Impacto Ambiental cuja exigência lhes foi informada lá no ano de 2003. Tiveram, portanto, cinco anos para tal providência; optaram por não atendê-la, e agora se socorrem do Poder Judiciário.391

O referido Desembargador deu ênfase ao disposto na Lei Estadual nº

11.520/00 (Código Estadual do Meio Ambiente), bem como à Norma Técnica 003/95

da Fepam:

Com efeito, a Lei nº 11.520/00, que instituiu o Código Estadual do Meio Ambiente, em seu art. 55 prevê que “a construção, instalação, ampliação, reforma, recuperação, alteração, operação e desativação de estabelecimentos, obras e atividades utilizadoras de recursos ambientais ou consideradas efetivas ou potencialmente poluidoras, bem como capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento do órgão ambiental competente, sem prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis”. E, em seu art. 71, §2º, diz: “Baseado nos critérios a que se refere o caput deste artigo, o órgão ambiental competente deverá realizar uma avaliação preliminar dos dados e informações exigidos do interessado para caracterização do empreendimento ou atividade, a qual determinará, mediante parecer técnico, a necessidade ou não da elaboração do EIA/RIMA, que deverá fazer parte do corpo da decisão”.

391 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70025170341, julgada em 10 de dezembro de 2008. Desembargador Carlos Roberto Lofego Caníbal (relator). Disponível em: < http://www.tj.rs.gov.br> Acesso em: 20 nov. 2008.

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Nesta linha, a Norma Técnica nº 003/95, da FEPAM, criada com base no art. 9º, XXVI, da Lei nº 10.330/94, exige o EIA/RIMA para a concessão de licença de exploração de aterros sanitários de resíduos sólidos urbanos quando os municípios atendidos tenham população superior a cem mil habitantes.392

Com base na legislação constitucional e infraconstitucional disposta, bem

como no direito a todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o apelo foi

desprovido, por unanimidade, a fim de manter a sentença que exigiu a elaboração

do Estudo Prévio de Impacto Ambiental. Assim concluiu o Eminente Relator:

No caso concreto, em que se está a tratar de ampliação de aterro já em atividade, prevê a Norma Técnica nº 003/95, a exigência do EIA/RIMA a critério da FEPAM. Vale dizer: não há obrigatoriedade, como quando se trata de criação de aterro. Contudo, prevê a referida norma a possibilidade de a FEPAM exigir o Estudo de Impacto Ambiental se entender pela sua imprescindibilidade. E, no caso específico, assim entendeu o órgão ambiental, cuja decisão, decorrente do poder discricionário da administração, deve ser respeitada, até mesmo porque baseada na lógica e razoabilidade, tendo como amparo não apenas a legislação infraconstitucional, mas também a Constituição Federal de 1988, que garante aos cidadãos o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Nada há retocar na sentença, portanto. ISSO POSTO, desprovejo.393

Pode-se notar desses julgados dos Tribunais Pátrios uma preocupação na

efetivação do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,

utilizando o EPIA como instrumento primordial do equilíbrio entre economia e

ecologia. Essa postura dos nossos tribunais, na efetivação de uma jurisdição

constitucional preocupada com a defesa ecológica se coaduna com o momento

hodierno, o qual, como salientado ao longo deste trabalho, se caracteriza pela crise

de paradigmas e de desordem ecológica, o que coloca o planeta em risco.

A fim de procurar ao menos “amenizar” a situação em que o meio ambiente se

encontra, o Poder Público e a coletividade devem pensá-lo como um todo integrado,

com a integração de todas as ciências, conforme propõe o paradigma ecológico-

sistêmico, desenvolvido no primeiro capítulo deste trabalho.

392 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70025170341, julgada em 10 de dezembro de 2008. Desembargador Carlos Roberto Lofego Caníbal (relator). Disponível em: < http://www.tj.rs.gov.br> Acesso em: 20 nov. 2008. 393 Ibidem.

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A atividade jurisdicional do Estado, especialmente no âmbito da defesa da

Constituição, pode ser um importante locus de garantia do desenvolvimento

sustentável, compreendido como aquele que integra as ciências econômicas e

biológicas, ou seja, calcado na idéia de “ecodesenvolvimento”. Conforme bem

sintetiza Diniz:

Urge uma conscientização de todos quanto aos grandes riscos decorrentes dessa desordem ecológica, dando preponderância ao ecodesenvolvimento, ou melhor, ao desenvolvimento sustentável, na busca de uma conciliação entre desenvolvimento, a preservação ecológica e a melhoria da qualidade de vida humana [...]. Para tanto, bastaria uma política ambiental direcionada à gestão racional e planejada dos recursos da natureza, evitando seu uso predatório, preservando as biodiversidades. É preciso dentro da capacidade de suporte dos ecossistemas, adotar medidas, sem rejeitar o avanços tecnológicos, que tragam benefícios para uma sadia qualidade de vida das gerações presentes e futuras.[...] Para que haja equilíbrio e higidez do meio ambiente, sem alteração dos ecossistemas, o ser humano, a sociedade e o Estado deverão enfrentar o desafio ecológico, impondo padrões de comportamento que sejam cogentes para que haja maior preservação da natureza por ocasião da exploração de seus recursos, e menos riscos às gerações do presente ou do futuro.394

Sabe-se que a solução para os problemas ambientais ocorridos hoje no mundo

são resultantes do pensamento mecanicista e reducionista que dominou o mundo

durante muito tempo. Como suscita Lovelock: “Gaia está doente, precisa de ajuda”.

A iniciativa para transformar o mundo em que vivemos hoje em um “mundo

sustentável” deve partir de cada um de nós, sempre tendo em mente que, por menor

que possa ser o ato, ele pode repercutir em outra parte do mundo, como apregoa a

Teoria do Caos, sobre o chamado “Efeito Borboleta”.395 Ademais, essa é a forma

394 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 709. 395 “Efeito borboleta é um termo que se refere às condições iniciais dentro da teoria do caos. Este efeito foi analisado pela primeira vez em 1963 por Edward Lorenz. Segundo a cultura popular, a teoria apresentada, o bater de asas de uma simples borboleta poderia influenciar o curso natural das coisas e, assim, talvez provocar um tufão do outro lado do mundo. Porém isso se mostra apenas como uma interpretação alegórica do fato. O que acontece é que quando movimentos caóticos são analisados através de gráficos, sua representação passa de aleatória para padronizada depois de uma série de marcações onde o gráfico depois de analisado passa a ter o formato de borboleta. O efeito borboleta faz parte da teoria do caos, a qual encontra aplicações em qualquer área das ciências: exatas (engenharia, física, etc), médicas (medicina, veterinária, etc), biológicas (biologia, zoologia, botânica, etc) ou humanas (psicologia, sociologia, etc), na arte ou religião, entre outras aplicações, seja em áreas convencionais e não convencionais. Assim, o Efeito Borboleta encontra também espaço em qualquer sistema natural, ou seja, em qualquer sistema que seja dinâmico, complexo e adaptativo.” In. WIKIPEDIA. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Efeito_borboleta>. Acesso em: 25 nov. 2008.

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mais coerente de se garantir o meio ambiente ecologicamente equilibrado às

gerações futuras.

Diante disso, afirma Capra que a transição para um mundo sustentável não é

impossível. No entanto, precisa-se de uma grande revolução:

É verdade que a transição para um mundo sustentável não será fácil. Mudanças graduais não serão suficientes para virar o jogo, vamos precisar também de algumas grandes revoluções. A tarefa parece sobre-humana, mas, na verdade, não é impossível. Nossa nova concepção dos sistemas biológicos e sociais complexos nos mostrou que perturbações significativas podem desencadear múltiplos processos de realimentação que podem produzir rapidamente o surgimento de uma nova ordem. A história recente nos deu alguns exemplos marcantes dessas transformações dramáticas – da queda do Muro de Berlim e da Revolução de Veludo, na Europa, até o fim do Apartheid na África do Sul”.396

A “revolução” aduzida por Capra é a transição do pensamento reducionista,

mecanicista e antropocêntrico, que enxergava a natureza como um objeto a serviço

do homem, para o pensamento “ecocêntrico” (a ecologia profunda, conforme

denomina Arne Neess), a partir do qual devemos enxergar o meio ambiente como

um todo integrado, do qual o homem faz parte e ao qual deve tratar com igualdade

entre todos os seres - humanos e não humanos.

É com fundamento nesse pensamento que deve caminhar o desenvolvimento

econômico brasileiro, sempre procurando encontrar alternativas sustentáveis a fim

de conciliar economia e meio ambiente. Este trabalho foi desenvolvido com o

objetivo de demonstrar que existe um aparato legislativo constitucional e

infraconstitucional, que, conforme aduzido alhures pelo eminente Ministro Carlos

Ayres Brito, “tem o ambiente em elevadíssima conta”.

Nessa esteira, tem-se o EPIA, que é o instrumento de maior importância que a

Política Nacional do Meio Ambiente dispõe para a garantia do direito fundamental ao

meio ambiente ecologicamente equilibrado. Assim sendo, a Administração Pública

tem esse importante instrumento em suas mãos, eis que se der efetividade, sempre

396 CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. Tradução de Newton Roberval Eichenberg. 9. ed. Cultrix, 2004. p. 272.

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exigindo a realização deste quando a obra ou atividade puder representar algum

dano ao meio ambiente, por menor que seja, em nome dos princípios ambientais da

precaução e da prevenção, estaremos caminhando em direção ao tão almejado

desenvolvimento sustentável!

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os níveis de degradação ambiental demandam soluções. Contudo, as

respostas não virão de apenas uma ciência ou instituição. A mudança mais urgente

é a de paradigmas. Essa transição paradigmática atinge a todos os campos do

sistema social.

O paradigma da modernidade está ruindo e o novo ainda não foi totalmente

construído. Ao longo deste trabalho, observaram-se alguns aspectos importantes do

“velho paradigma” e da necessidade de sua rápida substituição.

Epistemologicamente, a visão cartesiano-newtoniana, que foi forjada nos

séculos XVI e XVII (revolução científica) entrou em colapso no século XX. A visão de

universo como máquina e da natureza como algo exterior ao ser pensante (homem),

a percepção de sociedade como competição, de crescimento desenfreado como

desenvolvimento foram radicalmente revistas e contestadas.

A dominação da natureza, promessa primordial da modernidade, baseou-se

num modelo teórico dualista. Essa construção epistemológica remonta a Renè

Descartes, quando advoga a distinção entre res cogitans de res extensa, o que, ao

fim e ao cabo, significa cindir homem e natureza.

A proeminência do homem sobre a natureza é a característica primordial do

antropocentrismo, que passa a ser o paradigma ético de relação homem-natureza

na modernidade. Trata-se de uma teoria utilitarista que, contudo, vem perdendo

espaço para uma nova forma de ética: a ecologia profunda.

A substituição do velho paradigma, no âmbito da teoria científica, tem

variados elementos, como o fim da certeza matemática (teoria da relatividade), o

surgimento da mecânica quântica (modificação da relação sujeito-objeto), e,

principalmente, o progresso no conhecimento da microfísica, da química e da

biologia, nos últimos trinta anos.

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A modificação nas ciências da vida foi o embrião do novo paradigma, do qual

se depreende que seja ecológico-sistêmico, por trazer elementos capazes de

abordar a ecologia num contexto “sistêmico”, haja vista que revoluciona a relação

parte-todo na epistemologia e, por conseqüência, nas ciências.

É sistêmico porque principia um novo modo de pensar em termos de

conexões, relações e contexto. A visão sistêmica, ao contrário da reducionista (do

paradigma cartesiano), percebe que as propriedades do todo são distintas da soma

das partes.

Ao mesmo tempo, o pensamento sistêmico é um pensamento ambientalista,

pois entende o planeta como um todo integrado que não pode ser reduzido à mera

soma de suas partes.

Ficou claro, portanto, que ecologia e visão sistêmica se fundem na construção

do novo paradigma – razão pela qual se fala em paradigma ecológico-sistêmico.

Isso implica assumir o discurso de que os problemas ambientais por que passa o

planeta não podem ser vistos de forma isolada, como problemas tópicos, mas sim

como uma unidade sistêmica, daí porque a própria ecologia passa a ser sistêmica e

a própria “sistemia”, enquanto paradigma epistemológico, passa a ser ecológica.

Como referido, o princípio desse processo se dá na biologia. Deve-se muito à

teoria da cognição de Santiago, desenvolvida por Maturana e Varela. As noções de

autopoiése que hoje se aplicam a diversos sistemas, inclusive o jurídico, surgem na

biologia. Esse conceito é capaz de lidar com a complexidade de um sistema que é

simultaneamente aberto e fechado. É essa a principal característica dos sistemas

vivos. Aliado a essa tendência, Fritjof Capra é o pensador que consegue

sistematizar todas essas mudanças de forma clara e inteligível àqueles alheios às

ciências da vida. Boaventura de Sousa Santos, a seu turno, contribui sobremaneira

ao novo paradigma, ao repensar o nosso tempo como poucos. Edgar Morin é outro

pilar desse novo paradigma epistemológico. A complexidade sistêmica é conceito

primordial do autor francês.

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O que se pode vislumbrar, de imediato, é que o novo paradigma que surge

está fundado em esforços de autores e pensadores das mais variadas ciências,

demonstrando que a transdisciplinariedade não é somente retórica, mas também

práxis.

Ademais, esse movimento teórico ocorre ao mesmo tempo em que o meio

ambiente perpassa uma forte crise. Isso é de fundamental importância, pois há uma

fusão entre epistemologia e ecologia, haja vista que os movimentos ambientalistas

ou ecologistas encontram substrato teórico nesses pensadores para criar uma nova

relação homem-natureza: por isso a concepção ecológico-sistêmica.

Desse modo, são indissociáveis o paradigma epistemológico (sistêmico e

complexo) e o movimento de defesa do meio ambiente (ecologia). Entende-se que o

paradigma de ecologia adequado ao paradigma ecológico-sistêmico é a chamada

ecologia profunda.

A ecologia profunda de Arne Naess substituiu o paradigma liberal utilitarista e

a própria ecologia clássica, tendo a vantagem de surgir num contexto teórico

propício e num momento de degradação ambiental jamais visto. Ciência e natureza

estavam como que a pedir uma nova postura ética, uma nova ecologia: do

antropocentrismo (estrito ou alargado) parte-se para um verdadeiro ecocentrismo.

Mas não basta reformular a ecologia. É necessário que ela penetre na

economia, ou melhor, na ordem econômica vigente. Todavia, é necessário perceber

que existem duas visões paradigmáticas possíveis de economia: (a) a cartesiano-

newtoniana que está baseada em padrões de consumo e acumulação incompatíveis

com a preservação ambiental, sendo, inclusive, razão da crise ambiental, e a (b)

ecológico-sistêmica, a partir de uma rediscussão de valores no âmbito econômico,

no sentido de adequar o modo de produção ao necessário equilíbrio ecológico,

tendo como sustentáculo a ecologia profunda e a hipótese Gaia.

As alternativas colocadas são essas. No que se refere ao sistema econômico,

vislumbramos que o capitalismo liberal não é condizente com a preservação

ambiental, pois o modelo econômico liberal-burguês mercantilista que surge na

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modernidade como fruto do paradigma cartesiano-newtoniano e que se perpetua até

hoje não leva em conta certos valores e procura ser “científico” como se isso fosse

sinônimo de superioridade em relação aos demais sistemas sociais.

Ecologia e economia devem, portanto, ser refundadas, no sentido de

aprofundar a proteção ambiental percebendo a importância de se repensar a relação

do ser humano com a natureza.

No sistema jurídico, essa discussão se transporta à ordem econômica

constitucional. No Brasil pós 1988, no seio da Carta Magna, são encontrados vários

elementos, no capítulo sobre a ordem econômica, atinentes à defesa do meio

ambiente. Note-se que a necessidade de proteção ao meio ambiente está, portanto,

consagrada em âmbito constitucional, no âmbito da ordem econômica.

A leitura conjugada do art. 170, inciso VI, com o art. 225 da Constituição

Federal de 1988 conduz a um amplo rol de direitos vinculados ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado no que se refere à produção de bens e serviços que

envolvem a exploração da natureza: consagra-se o princípio do desenvolvimento

sustentável.

Essa evolução legislativa é fruto de uma longa caminhada. O

desenvolvimento da consciência global sobre meio ambiente foi um processo lento e

gradual, apresentando diversas fases.

Foi somente na década de 1970 que se percebeu a importância do tema,

surgindo uma consciência global em torno das conseqüências nocivas da sociedade

de consumo ao meio ambiente. Foi nesse período, a propósito, que iniciou a

internacionalização do direito ambiental. Pode-se aduzir que os marcos principais

desse período foram a conferência de Estocolmo (1972), e os estudos do Clube de

Roma (1972-1976), além do relatório intitulado Global Report 2000.

Na Declaração de Estocolmo foram lançadas as bases para o

reconhecimento do direito humano ao meio ambiente.

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Na década de 1980 surgiram os conceitos de ecodesenvolvimento e

desenvolvimento sustentável. O evento de maior importância do período foi, sem

dúvida, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,

conhecida como ECO 92, realizada no Rio de Janeiro, em 14 de junho de 1992.

Essa Conferência foi a grande marca da internacionalização da proteção ambiental e

das questões ligadas ao desenvolvimento. Resultaram dessa conferência, além da

Agenda 21, outros documentos internacionais que são referências fundamentais ao

Direito Ambiental Internacional, quais sejam: “A Declaração do Rio sobre Meio

Ambiente e Desenvolvimento” o “Fundo Global para o Meio Ambiente”, do Banco

Mundial, a “Declaração de Princípios das Florestas” e a “Convenção-Quadro sobre

Mudanças Climáticas”, sendo que esta última procurou estabelecer regras para a

proteção da atmosfera e a contenção da emissão de gases poluentes. Esses

importantes documentos consagram, internacionalmente, o direito humano ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado. Todavia, é no âmbito interno dos países que

começam a ser positivados os elementos basilares do direito fundamental ao meio

ambiente.

No texto constitucional brasileiro de 1988, o artigo 225 representou

importantíssimo avanço na consagração do meio ambiente como direito humano

fundamental de terceira geração, transindividual e intergeracional. Nas positivações

legislativas anteriores à consagração constitucional do direito fundamental ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado, o bem ambiental era tratado como um

“macrobem”, jurídico, incorpóreo, inapropriável, indisponível e indivisível, cuja

qualidade deveria ser mantida íntegra para propiciar a fruição coletiva. Já com a

redação do art. 225 da CF, a autonomia jurídica do bem ambiental resultou

consolidada com a sua qualificação como “bem de uso comum do povo”, refletindo o

interesse público primário na conservação da qualidade ambiental.

Assim, e considerando que o Estado tem o dever de agir para assegurar a

consecução de tal direito fundamental, é possível concluir que ele o fará por meio de

políticas públicas de defesa ambiental, haja vista a própria dicção constitucional que

assevera a imposição ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e

preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.

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O Estudo Prévio de Impacto Ambiental, objeto maior deste trabalho, e

elemento motivador das análises realizadas, é um dos instrumentos que a própria

Constituição Federal outorgou ao Estado para a proteção dos direitos cidadãos ao

meio ambiente ecologicamente equilibrado hoje e no futuro. Eis um importante

mecanismo resguardado pelo constituinte à Administração Pública para permitir a

ação e a salvaguarda deste direito fundamental.

Tendo-se em conta todas as perspectivas abordadas, é possível lançar o

ponto central dessas considerações finais, o qual busca, por fim, dar resposta ao

problema da pesquisa: o Estudo Prévio de Impacto Ambiental é uma garantia do

desenvolvimento sustentável ou um obstáculo ao desenvolvimento econômico? Para

chegar à resposta e testar as duas hipóteses aventadas na introdução (o Estudo

Prévio de Impacto Ambiental representaria um obstáculo ao desenvolvimento

econômico em decorrência das exigências legais previstas na legislação; ou com o

Estudo Prévio de Impacto Ambiental existe a possibilidade do meio ambiente

ecologicamente equilibrado previsto em âmbito constitucional ser efetivado, sem

comprometer o desenvolvimento econômico do país) foram dados os seguintes

passos:

(a) entender o que é desenvolvimento sustentável;

(b) dissecar o instituto do Estudo Prévio de Impacto Ambiental;

(c) Avaliar, no âmbito da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, as

conseqüências e aplicações práticas do instituto em apreço.

Isso foi realizado no capítulo terceiro do presente trabalho, no qual se

constatou, primeiro, que o desenvolvimento sustentável é um desafio do século XXI,

pois pretende ser o caminho de equilíbrio entre economia e ecologia.

Desenvolvimento não pode mais ser visto como sinônimo de crescimento

econômico, tão-somente. Assim, devem ser levadas em conta as necessidades

presentes, sem dificultar ou impossibilitar as das futuras gerações. É preciso

perceber que se as demandas econômicas são ilimitadas, mas os recursos naturais

são limitados.

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No que se refere à construção doutrinária e legislativa do Estudo Prévio de

Impacto Ambiental, foi possível observar que este se trata de um instrumento amplo

na defesa do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,

sendo uma etapa fundamental do licenciamento ambiental de atividades econômicas

potencialmente lesivas, estando no campo de atuação do ente estatal na defesa

desse direito.

As jurisprudências analisadas, revelaram a importância do EPIA, sendo que

os julgados colacionados deixaram evidente que este é indispensável. Com base

nas decisões analisadas deu-se provas de que o estudo prévio é requisito do

licenciamento e não pode, de maneira alguma, ser mitigado sob o argumento do

crescimento econômico e dos seus consectários.

Assim, pode-se responder ao problema de pesquisa, concluindo o presente

trabalho, no sentido de que o Estudo Prévio de Impacto Ambiental é uma garantia do

desenvolvimento sustentável, sendo elemento primordial na consolidação do direito

fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado previsto, sem

comprometer o desenvolvimento econômico do país.

.

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