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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA COMPARADA O CHOQUE DO PETRÓLEO de 1973: Estados Unidos, OPAEP e a Segurança Energética André Figueiredo Nunes Rio de Janeiro 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA COMPARADA

O CHOQUE DO PETRÓLEO de 1973:

Estados Unidos, OPAEP e a Segurança Energética

André Figueiredo Nunes

Rio de Janeiro

2016

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ANDRÉ FIGUEIREDO NUNES

O CHOQUE DO PETRÓLEO de 1973:

Estados Unidos, OPAEP e a Segurança Energética

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em História

Comparada, Instituto de Filosofia e Ciências

Sociais, UFRJ, como parte dos requisitos

necessários à obtenção do título de Mestre em

História Comparada.

Orientador: Profa. Dra. Sabrina Evangelista Medeiros

Rio de Janeiro

Março – 2016

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O CHOQUE DO PETRÓLEO de 1973:

Estados Unidos, OPAEP e a Segurança Energética

ANDRÉ FIGUEIREDO NUNES

Dissertação de Mestrado entregue ao Programa de Pós-

Graduação em História Comparada, Instituto de

História, da Universidade Federal do Rio de Janeiro,

como parte dos requisitos necessários à obtenção do

título de Mestre em História Comparada.

Aprovado em: 30/03/2016

Banca Examinadora:

______________________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Sabrina Evangelista Medeiros (Orientadora)

______________________________________________________________________

Prof. Dr. Murilo Sebe Bon Meihy (PPGHC – UFRJ)

______________________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Monique Sochaczewski Goldfeld (ECEME)

______________________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Alexander Zhebit (PPGHC – UFRJ) (Suplente interno)

______________________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Verônica Moreira dos Santos Pires (UVA) (Suplente externo)

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iv

A minha esposa, Nathália, que em todos os

momentos me apoiou para que este trabalho se

tornasse possível.

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Agradecimentos

Agradeço a Deus que me concedeu saúde e perseverança para concluir o curso de

mestrado.

A minha família que muito me incentivou nesta caminhada.

A minha orientadora Profa. Dra. Sabrina Medeiros pelo incentivo, delicadeza e

sensibilidade para ouvir todas as minhas propostas e ponderações acerca do tema desta

dissertação.

A Soledad pelo carinho pessoal, pelo incentivo e que muitas vezes, no início desta

caminhada, abriu mão da minha presença no ambiente de trabalho para que eu pudesse conduzir

o andamento da pesquisa.

Ao Laboratório de Simulações e Cenários e a Escola de Guerra Naval por me acolherem

como pesquisador voluntário e acreditarem em mim durante todo o período do curso de

mestrado.

A todos os amigos do grupo Geocorrente, do Núcleo de Análise da Conjuntura, e seu

coordenador Leonardo Mattos pelo apoio e estímulo.

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Resumo

O Choque do Petróleo foi um dos eventos da década de 1970 que contribuiu com a visão

de um mundo interdependente no que diz respeito ao comércio e à política internacional do

petróleo e inseriu a preocupação com a segurança da energia na agenda internacional para os

Estados produtores, consumidores e mais as grandes companhias ocidentais que exploravam

que exploravam o recurso no Oriente Médio e no Norte da África através dos regimes de

concessão estabelecidos no início do século XX.

A Organização dos Países Árabes Exportadores de Petróleo (OPAEP) foi fundada em

1968 por Arábia Saudita, Kuwait e Líbia, e até 1973 já contava com 10 países árabes associados.

A entidade foi criada com o intuito de estabelecer diretrizes de cooperação regional e

intragovernamental entre os seus membros, buscando políticas comuns para o melhor

desenvolvimento da indústria petrolífera dos países associados. A instituição da OPAEP, na

época, foi a concretização de uma política pan-árabe para coordenação do petróleo dos países

da região, pois tais Estados buscavam estabelecer diretrizes independentes das empresas

estrangeiras que atuavam na região.

A OPAEP desempenhou um papel relevante na Guerra do Yom Kippur, em outubro de

1973 (a quarta guerra árabe-israelense desde a fundação de Israel em 1948), quando determinou

cortes progressivos de produção de petróleo para os países neutros no conflito e impôs um

embargo total sobre os aliados de Israel no conflito, em especial para os Estados Unidos da

América (EUA), considerado pelos árabes como um dos principais parceiros do Estado

israelense. Além da interrupção do fornecimento, os produtores de petróleo estabeleceram um

preço muito mais alto do que a média histórica até aquele momento alterando

significativamente as condições do mercado petrolífero mundial.

O Choque do Petróleo de 1973, derivado da Guerra árabe-israelense, trouxe a discussão

sobre a segurança da energia para o âmbito internacional tanto para os países dependentes da

importação do recurso quanto para aqueles produtores e exportadores do mesmo, posto que,

enquanto um procura manter a segurança da oferta o outro busca a manutenção da segurança

da demanda, configurando, desta forma, uma situação de reponsabilidade compartilhada para

que a continuidade do fluxo do petróleo, enquanto suprimento para a energia e a indústria, seja

mantido.

Palavras-chave: Petróleo, EUA, OPAEP, Embargo, Energia.

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Abstract

The Oil Shock was one of the events of 1970´s that contributed to the vision of an

interdependent world with regard to trade and international oil politics and inserted the concern

about energy security on the international agenda for the producing states, consumers and most

Western major companies that exploited the oil resource in the Middle East and North Africa

through the concession regimes established in the early twentieth century.

The Organization of Arab Petroleum Exporting Countries (OAPEC) was founded in

1968 by Saudi Arabia, Kuwait and Libya, and until 1973 had grown to 10 Arab members. The

entity was created with the aim of establishing regional cooperation and intra-governmental

guidelines among its members, seeking common policies for better development of the oil

industry in the associated countries. The institution of OAPEC, at the period, was the realization

of a Pan-Arab policy for coordination of oil produced by the countries in the region, such States

sought to establish guidelines independent from the foreign companies operating in the region.

OAPEC has played an important role in the Yom Kippur War in October 1973 (the

fourth Arab-Israeli war since Israel's founding in 1948), when determined progressive cuts on

their oil production for the neutral countries in conflict, and imposed a total embargo on Israel's

allies, especially to the United States of America (USA), considered by Arabs as a major partner

of the Israeli state. In addition to the disruption of supply, oil producers have established a much

higher price than the historical average until that time, changing significantly the conditions of

the world oil market.

The 1973 Oil Shock, derived from the Arab-Israeli War, has converted the discussion

about energy security to the international level for both dependent on oil importing and for

those producers and exporters countries. While the first group seeks to maintain safety of the

supply, the other tries to maintain the security of demand, configuring, in this way, a situation

of shared responsibly to the continuity of oil flow, as an important supply to the energy and

industrial sectors to be maintained.

Keywords: Oil, USA, OAPEC, Embargo, Energy.

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Sumário

Lista de abreviações ........................................................................................................... x

Introdução ........................................................................................................................ 11

Capítulo I – O desenvolvimento das crises do petróleo até 1973

Considerações iniciais: uma breve história do petróleo ............................................... 19

1. Os regimes de concessão ...................................................................................... 23

2. A crise iraniana 1950-53 ....................................................................................... 27

3. Disputa pelo controle do Canal de Suez ................................................................ 30

4. Nasce a OPEP ...................................................................................................... 35

5. A Guerra dos Seis Dias e o primeiro embargo árabe do petróleo ........................... 38

6. A criação da OPAEP ............................................................................................ 42

Considerações finais ................................................................................................... 45

Capítulo II – O Choque do Petróleo

Considerações iniciais ................................................................................................ 49

1. A Guerra do Yom Kippur ..................................................................................... 51

2. Comunicado árabe ................................................................................................ 53

3. Choque do Petróleo .............................................................................................. 56

4. O aumento do preço do petróleo ........................................................................... 64

4.1 Trípoli e Teerã: A OPEP negocia como um bloco ............................................ 64

4.2 O fim do padrão ouro-dólar e a interferência do câmbio flutuante sobre o preço do

petróleo ............................................................................................................ 68

4.3 Uma reunião “secreta” na Suécia...................................................................... 71

Considerações finais ................................................................................................... 78

Capítulo III – Aspectos da segurança energética

Considerações iniciais ................................................................................................ 82

1. A reciclagem dos Petrodólares: Uma estratégia econômica para assegurar o controle

sobre o comércio internacional de petróleo ........................................................... 84

2. O peso do Choque e a criação da AIE e seus mecanismos emergenciais ............... 90

3. Conceituando segurança energética ...................................................................... 95

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4. Riscos geopolíticos da segurança energética ....................................................... 101

5. Políticas de gerenciamento dos riscos da segurança energética ........................... 107

Considerações finais ................................................................................................. 110

Conclusão ..................................................................................................................... 113

Bibliografa .................................................................................................................... 119

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Lista de Abreviações

AIE Agência Internacional de Energia

AIOC Anglo-Iranian Oil Company

APOC Anglo-Persian Oil Company

ARAMCO Arabian American Oil Company

BIRD Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento

BP British Petroleum

bpd Barris por dia

CE Comunidade Europeia

CIA Central Intelligence Agency

CIJ Corte Internacional de Justiça

DES Direito Especial de Saque

EAU Emirados Árabes Unidos

EUA Estados Unidos da América

FMI Fundo Monetário Internacional

GNL Gás Natural Liquefeito

MI6 Military Intelligence Section 6

ONU Organização das Nações Unidas

OPAEP Organização dos Países Árabes Exportadores de Petróleo

OPEP Organização dos Países Exportadores de Petróleo

PEC Política Europeia de Cooperação

PIB Produto Interno Bruto

SOCAL Standard Oil of California

SONJ Standard Oil of New Jersey

SONY Standard Oil of New York

SDR Special Drawing Rights

URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

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Introdução

Esta dissertação tem por objetivo examinar as causas e os efeitos do Choque do Petróleo

de 1973 a partir de uma análise comparativa das estratégias políticas adotadas pelos Estados

Unidos da América (EUA), pelas grandes companhias de petróleo e pelos países membros da

Organização dos Países Árabes Exportadores de Petróleo (OPAEP). Nesse período, o interesse

desses atores e a necessidade de assegurar o acesso ao petróleo estabeleceram uma relação de

dependência em relação ao mesmo pelas partes aqui propostas. Desse modo, o estudo

comparativo levará em consideração a importância que o petróleo assumiu como elemento de

estratégia política e como o mesmo influenciou o comportamento dos atores envolvidos na

questão do petróleo.

O acesso ao petróleo tornou-se importante tanto por sua capacidade de gerar energia

através de seus derivados, por meio da queima de combustíveis em caldeiras, turbinas e motores

de combustão interna, quanto pela sua capacidade industrial para a fabricação de diversos

produtos, como plástico, sintéticos, remédios, fertilizantes e uma gama de outros que podem

ser produzidos através do petróleo. Por conta de sua capacidade de geração de riquezas e ao

mesmo tempo seu condicionante geográfico – Já que as grandes reservas de petróleo não se

encontram disponíveis em todas as regiões do planeta – o recurso também recebeu o epíteto de

“ouro negro”.

O método comparativo elaborado pelo historiador alemão Jürgen Kocka em sua obra

Comparision and Beyond, que preconiza o estudo de processos de influência mútua entre os

atores envolvidos na comparação, será utilizado como metodologia comparativa no

desenvolvimento deste trabalho. A discussão da pesquisa ocorre considerando o petróleo como

o centro ora de disputas, ora de cooperação entre as partes, que por sua vez são atores que

gravitam em torno do “ouro negro” com interesses distintos que se cruzam e entram em conflito

à medida que um ou outro ator procura controlar a política internacional do petróleo. Dessa

forma, serão considerados para o desenvolvimento e resultado deste trabalho as querelas entre

as partes aqui comparadas pela autonomia e legalidade sobre a produção, sobre a influência na

determinação dos preços e sobre o controle das grandes reservas da OPAEP e da OPEP; os

interesses em jogo na questão do petróleo; e o conceito de segurança energética sob o ponto de

vista dos atores securitizadores: companhias, países consumidores e produtores do recurso.

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Em Comparision and Beyond é possível perceber que os processos de influência de um

ator sobre o outro resultam de disputas baseadas no poder, que de acordo com o filósofo,

sociólogo e cientista político francês Raymond Aron pode ser definido como:

“(...) A capacidade de fazer, mas, antes de tudo, é a capacidade de influir sobre

a conduta ou os sentimentos dos outros indivíduos. No campo das relações

internacionais, poder é a capacidade que tem uma unidade política de impor

sua vontade às demais. Em poucas palavras, o poder político não é um valor

absoluto, mas uma relação entre os homens”. (ARON. 2002, p. 99).

A imposição da vontade de uma unidade política sobre outra, partiria, de acordo com o

autor da capacidade de empreender os recursos que a unidade detém. No que tange ao termo

“unidade política”, esta pesquisa o compreenderá como sendo um ator ou grupo de atores que

detém políticas em comum relacionadas ao controle do petróleo, sendo eles Estados, empresas

ou um bloco de Estados ou de empresas. Por outro lado, os recursos de poder empreendidos

pela “unidade política” para atingir seus objetivos podem ser de natureza bélica, política,

econômica, ou outra que seja capaz de atender os interesses do Estado que os aplica.

Dentro da perspectiva comparada elaborada por Kocka proposta nesta pesquisa, será

inserida uma preocupação com a questão da soberania. Para o autor neoclássico da doutrina

Realista das Relações Internacionais, Hans Morgenthau, a soberania representa a

impenetrabilidade da nação, ou seja, em um determinado território só uma nação pode exercer

a autoridade suprema e nenhum outro Estado tem o direito de realizar atos governamentais

nesse território sem seu consentimento (MORGENTHAU. 2003, p. 571,572). A abordagem de

tal premissa poderá ser observada a partir das disputas pelo controle da produção ou das

reservas de petróleo dos países árabes e pela insatisfação destes países que haviam outorgado

parte significativa de seus territórios à exploração de companhias petrolíferas ocidentais através

dos regimes de concessão. Tais regimes englobavam pagamentos de impostos e arrendamento

de terras nas quais os Estados hospedeiros tinham acesso restrito e não exerciam e abriam mão

de sua soberania por consentimento. Nesse contexto, os países do Oriente Médio (árabes e o

Irã) passaram a criar mecanismos de caráter nacionalista para se apossarem das reservas de

petróleo em seus territórios e garantir o total controle de sua capacidade produtiva interna e dos

preços de mercado, já que as exportações do recurso respondiam por parte expressiva de suas

receitas internas.

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A doutrina Realista foca na segurança do Estado e no seu poder acima de tudo. Os

interesses nacionais são estabelecidos a partir de avaliações concretas levando em consideração

a capacidade real de cada Estado, sua posição relativa de poder, sua situação e a da conjuntura

internacional, suas limitações e as limitações dos outros Estados, de modo que suas decisões

serão sempre formuladas a partir de necessidades concretas de poder e sobrevivência no

ambiente internacional. Nesse sentido, no que se refere à participação da OPAEP no embargo

do petróleo de 1973, vale ressaltar que embora esta seja uma organização de cooperação

internacional, cada Estado-membro, ao utilizar o recurso do petróleo como instrumento de

poder, tinha por finalidade alimentar seus próprios interesses e maximizar suas conquistas,

mesmo agindo em bloco em nome de um objetivo comum.

De acordo com o Realismo, para manter a integridade de sua soberania os Estados

devem pensar em estratégias de segurança para conter ameaças, e para assegurar sua

sobrevivência. Dessa forma, Morgenthau (2003, p. 783) define segurança como uma concepção

relativa a cada Estado, isto é, cada Estado tem uma percepção particular da sua insegurança e

consequentemente dos mecanismos que deve utilizar para combatê-la. Numa perspectiva da

segurança energética, de igual modo, cada ator securitizador envolvido adotará mecanismos de

segurança conforme sua percepção de vulnerabilidade. No entanto, todos os atores reconhecem

uma necessidade em comum que dinamiza as relações de segurança energética entre eles: a

manutenção da ininterrupção do fluxo de recursos energéticos (principalmente o petróleo) no

ambiente internacional. É este um dos principais interesses que molda a geopolítica do petróleo

e que também modelou os desdobramentos e as consequências do Choque do petróleo de 1973.

O propósito desta pesquisa é demonstrar que o Choque do Petróleo não foi um evento

isolado, mas sim erigido a partir de disputas pelo controle das reservas, da produção e dos

preços do petróleo nos países árabes, bem como pelas guerras árabe-israelenses e pelas crises

regionais delas derivadas. As hipóteses para a construção da base argumentativa deste trabalho

são:

As principais causas do embargo de fornecimento de petróleo imposto pela OPAEP aos

EUA e a outros países considerados aliados de Israel na Guerra do Yom Kippur foram

os conflitos árabe-israelenses; a causa palestina; e o interesse em controlar os preços e

a produção de petróleo que antes do Choque estava sob o domínio das companhias

estrangeiras ocidentais.

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O Choque do Petróleo de 1973 foi um evento histórico que consolidou uma nova ordem

no comércio de petróleo, antes controlado apenas pelas companhias ocidentais e a partir

de então também pelos países produtores que passaram a decidir quantidade de

produção e preços;

O Choque concedeu ao petróleo o status não somente de matéria-prima essencial à

indústria contemporânea, mas principalmente de recurso estratégico a nível

internacional e de instrumento de política externa;

O sucesso político e econômico do embargo foi decorrente do seu curto período de

duração;

O primeiro capítulo desta dissertação de mestrado tem como objetivo traçar um

panorama histórico da evolução das crises envolvendo petróleo no Oriente Médio. Tal capítulo

possui o desígnio de permitir ao leitor a compreensão do objeto principal da pesquisa a partir

da abordagem de três crises regionais que abrangem situações de disputas e interesse pelo

controle do petróleo por parte dos países de dentro e de fora da região, respectivamente

produtores e consumidores, bem como das companhias estrangeiras, representantes das

potências externas. Destacam-se no referido capítulo a crise iraniana de 1950-1953, derivada

de uma disputa entre a Grã-Bretanha e o Irã pelo domínio sobre o petróleo iraniano; a crise do

Suez de 1956, marcada pelo conflito de interesses relacionado à posse do Canal de Suez,

principal rota marítima de comercialização do petróleo para o Ocidente no período; a criação

da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), como representação internacional

dos interesses dos países produtores; a Guerra dos Seis Dias de 1967, na qual pela primeira vez

os países árabes coordenaram um embargo de petróleo contra os aliados de Israel, mas que não

atendeu seus objetivos políticos; e, por fim, a criação da Organização dos Países Árabes

Exportadores de Petróleo (OPAEP) como resultado da tentativa frustrada do embargo de 1967,

com o intento de coordenar políticas de interesse comum aos produtores árabes do Oriente

Médio e do Norte da África.

O segundo capítulo trata sobre a Guerra do Yom Kippur ou Guerra de Outubro,

nomenclaturas pelas quais o Ocidente e os árabes se referem à quarta Guerra árabe-israelense

em 1973; examina o texto do comunicado da OPAEP que anunciou o Choque do Petróleo e se

os objetivos nele expressos foram alcançados durante e depois do levantamento do embargo.

Page 16: André Figueiredo Nunes - ppghc.historia.ufrj.br

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Ainda neste capítulo são analisados os desdobramentos do Choque, suas consequências sobre

os Estados embargados, o aumento do preço do petróleo e que medidas os EUA adotaram para

amenizar o impacto do mesmo sobre sua economia e política para com a OPAEP. Por fim, serão

levantados três motivos anteriores ao Choque que respondem o porquê do aumento dos preços

do petróleo durante o embargo promovido pelos países árabes.

No terceiro capítulo são trabalhados aspectos ligados à segurança da energia dos atores

submetidos à comparação por esta pesquisa. O primeiro deles é a reciclagem de petrodólares,

mecanismo instituído pelos EUA em conjunto com grandes produtores de petróleo da OPEP e

da OPAEP com o desígnio de sustentar o dólar como principal moeda de transação no comércio

internacional e de manter a hegemonia norte-americana na economia mundial. Será também

abordada a criação da Agência Internacional de Energia (AIE), suas medidas emergenciais em

casos de interrupção do fluxo de energia, seu papel inicial como contrapeso à influência

exercida pelos países produtores e a importância do diálogo entre os dois lados. Ademais, ainda

neste capítulo, o conceito de segurança energética será adequado aos pontos de vista dos atores

securitizadores e também tratará sobre os riscos e o gerenciamento dos riscos inerentes à

segurança energética em suas dimensões política, econômica e geopolítica.

A abordagem do tema e dos dados apresentados nesta dissertação de mestrado têm por

base as análises de especialistas e historiadores norte-americanos, europeus e árabes e é

respaldada por documentos e estatísticas oficiais de governos, empresas e organizações

internacionais como:

Os documentos oficiais do Departamento de Estado dos Estados Unidos da América

que contém registros relevantes para a pesquisa como correspondências, relatórios de

inteligência e memorandos de conversações entre agentes. Todos disponíveis no website

http://history.state.gov/ com os seguintes títulos:

o Foreign Relations of the United States, 1969–1976. Arab-Israeli Crisis and War, 1973.

Volume XXV;

o Foreign Relations of the United States, 1969–1976. Energy crisis, 1969–1974. Volume

XXXVI;

o Foreign Relations of the United States, 1969–1976. Energy crisis, 1974–1980. Volume

XXXVII;

Page 17: André Figueiredo Nunes - ppghc.historia.ufrj.br

16

Dois discursos públicos do presidente estadunidense Richard Nixon de 1971 e 1973,

sobre o fim do sistema de paridade ouro-dólar, estabelecido em 1945 na Conferência de

Bretton Woods, e sobre as medidas emergenciais de salvaguarda de energia durante o

período do embargo de petróleo.

o NIXON, Richard. Address to the Nation About Policies To Deal With the Energy

Shortages. The American presidency project. White House, Washington D.C, 7 de

novembro de 1973. Disponibilizado na íntegra em:

http://www.presidency.ucsb.edu/ws/?pid=4034

o NIXON, Richard. Address to the Nation Outlining a New Economic Policy: "The

Challenge of Peace". The American presidency project. White House, Washington D.C,

August 15th 1971. Disponibilizado na íntegra em:

http://www.presidency.ucsb.edu/ws/?pid=3115

O documento da Conferência do Grupo Bilderberg de maio de 1973, na Suécia, que tem

o propósito de explicar determinados motivos para a valorização do valor do barril de

petróleo e o papel dos petrodólares durante e depois do Choque, intitulado

BILDERBERG MEETINGS. Saltsjöbaden Conference, Sweden, 11-13 de maio de

1973. Disponibilizado em

http://www.bibliotecapleyades.net/sociopolitica/bilderbergfile/contents.htm

O julgamento do caso da Anglo-Iranian Oil Company contra o governo do Irã em 1952

pela Corte Internacional de Justiça acessível em http://www.icj-

cij.org/docket/index.php?sum=82&p1=3&p2=3&case=16&p3=5

As resoluções no 338 e 339 de 22 e 23 de outubro de 1973 do Conselho de Segurança

das Nações Unidas disponíveis em http://www.un.org/en/sc/documents/resolutions/

Os comunicados da OPAEP anunciando o embargo de petróleo aos aliados de Israel

relatados na íntegra no apêndice X do livro The case of the Arab Oil Embargo do autor

palestino Ibrahim Shihata, ex-diretor do Banco mundial.

O comunicado pró-árabe da Comunidade Europeia, de 6 de novembro de 1973, que

contribuiu para o relaxamento das sanções impostas pela OPAEP aos países membros

Page 18: André Figueiredo Nunes - ppghc.historia.ufrj.br

17

do bloco. Acessível em:

http://www.cvce.eu/obj/joint_statement_by_the_governments_of_the_eec_6_novembe

r_1973-en-a08b36bc-6d29-475c-aadb-0f71c59dbc3e.html

Duas entrevistas concedidas pelo xeque Ahmed Zaki Yamani, ex-ministro do petróleo

saudita, na qual Yamani afirma a possibilidade de o Choque do Petróleo ter ido ao

encontro de determinados interesses do governo dos EUA:

o OPEC will play a different role in the future, says Sheikh Yamani. Business

Intelligence: Middle East. 17 de outubro de 2010. Disponível em: http://www.bi-

me.com/main.php?id=48966&t=1&c=38&cg=4&mset=1011 Acessado no dia 5 de

novembro de 2015.

o Sheikh Zaki Yamani, former Saudi oil minister denounces speculation: Different Role

for OPEC in the Future. Global Research. 17 de outubro de 2010. Disponível em:

http://www.globalresearch.ca/sheikh-zaki-yamani-former-saudi-oil-minister-

denounces-speculation-different-role-for-opec-in-the-future/21496 Acessado no dia 5

de novembro de 2015.

No que se refere aos dados estatísticos as fontes oficias consultadas foram o banco de

dados da OPAEP, da OPEP, da British Petroleum Oil Company e da Agência nacional

de energia dos EUA (The U.S. Energy Information Administration – EIA). Acessíveis

em:

o Organization of the Petroleum Exporting Countries – OPEC – Annual Statistical

Bulletin 2014. Disponível em:

http://www.opec.org/library/Annual%20Statistical%20Bulletin/interactive/current/File

Z/Main.htm

o Organization of Arab Petroleum Exporting Countries. OAPEC Energy Databank

disponível em http://oapecdbsys.oapecorg.org:8090/ords/f?p=112:8:::NO:::

o The British Petroleum Company – BP – British Petroil Statistical Review of World

Energy 2015 workbook – Disponível em: http://www.bp.com/statisticalreview

O objeto deste trabalho é substancialmente histórico e político e que em determinados

momentos transita por aspectos geopolíticos e econômicos do período em análise para permitir

ao leitor uma melhor compreensão dos fatos aqui abordados, sendo as relações entre os EUA

Page 19: André Figueiredo Nunes - ppghc.historia.ufrj.br

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(e em determinados momentos seus aliados como a Grã-Bretanha, França e Japão) e a OPAEP

(mais a OPEP e o Irã em casos específicos) a principal matéria de estudo da pesquisa.

Page 20: André Figueiredo Nunes - ppghc.historia.ufrj.br

19

Capítulo I

O desenvolvimento das crises do petróleo no Oriente Médio

Considerações Iniciais: uma breve história do petróleo

A busca por recursos energéticos é algo inerente ao ser humano desde a antiguidade.

Durante muitos séculos o homem tem recorrido à natureza para adquirir fontes energéticas para

facilitar sua vida cotidiana. Existem indícios de que o primeiro recurso energético ao qual o

homem recorreu foi a madeira em forma de lenha, que era utilizada para fazer o fogo que

serviria tanto para protegê-lo do frio e afugentar predadores e inimigos, quanto para o

aquecimento e cozimento de alimentos estocados. Em um segundo momento, quando o homem

começou a produzir seu próprio alimento através do cultivo da agricultura, ele passou a

construir estruturas que auxiliariam o seu trabalho, entre elas o moinho de água que pelo seu

formato e meio de funcionamento se aproveitava da energia cinética do movimento da água

para moer grãos, irrigar grandes plantações, drenar terras alagadas e até mesmo gerar

eletricidade.

A partir da Revolução industrial no século XVIII teve início o processo de utilização de

combustível fóssil para colaborar com a produção em grande escala. O principal combustível

desse período era o carvão mineral que era utilizado em máquinas à vapor para produção de

bens em massa e para distribuição dos mesmos por terra e mar através das locomotivas que

viajavam pelas estradas de ferro e dos navios à vapor que cruzavam os oceanos em busca de

mercados. O carvão tornou-se uma das mais importantes fontes de energia para a humanidade

pela sua capacidade de gerar energia de forma barata. Além de ser utilizado para produção, o

carvão também passou a ser utilizado para produzir eletricidade para indústrias e residências.

A abundância relativa e os baixos custos do uso deste recurso como fonte energética tornaram-

no a primeira escolha de combustível para a construção de usinas no mundo.

Em 1859 Edwin Laurantine Drake, considerado o pai da indústria petrolífera, perfurou

o primeiro poço de petróleo no Estado da Pensilvânia, nos EUA. Desde então, o petróleo passou

gradualmente a substituir o óleo de baleia que era o principal produto utilizado para iluminação

doméstica e na lubrificação de máquinas no século XIX. Vinte anos depois da descoberta de

Drake, a Standard Oil Company1 fundada por John D. Rockfeller, foi a primeira companhia do

1 Empresa fundada por John D. Rockfeller em 1870. Chegou a deter cerca de 90% da produção mundial até 1911,

quando o congresso americano votou uma lei contra o monopólio que atingiu a companhia que levou à sua divisão

em 34 empresas concorrentes.

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mercado de petróleo que comercializou o recurso de maneira padronizada, integrando todas as

etapas do ciclo comercial do petróleo (basicamente extração, refino, transporte e

comercialização). Além disso, a Standard Oil Company expandiu seu mercado tanto dentro dos

EUA quanto no exterior. A companhia chegou a deter cerca de 90% da produção mundial até

1911, quando o congresso americano votou uma lei contra o monopólio que atingiu a

companhia que levou a sua fragmentação em 34 empresas concorrentes. Além dos EUA, a

região do Mar Cáspio também conheceu um grande boom do mercado de petróleo desde as

últimas décadas do século XIX até a Revolução Bolchevique na Rússia em 1917. Em Baku, no

atual Azerbaijão, houve grande investimento de homens como Zaynalabadin Taghiyev e

Ludvig Nobel que contribuíram para o desenvolvimento do setor na região.

É importante acrescentar que antes da perfuração do primeiro poço por Drake o petróleo

não era desconhecido pelo homem que, aliás, contava com a utilização do mesmo desde a

antiguidade como recurso para construção, impermeabilização e pavimentação de estradas. No

que diz respeito ao uso do petróleo como impermeabilizante, é possível encontrar no Antigo

Testamento bíblico referências do uso do betume ou piche na construção da arca de Noé; da

torre de Babel; e no cesto em que Moisés, ainda um bebê, foi encontrado no rio Nilo pela filha

do faraó. Além disso, existe uma passagem do livro do profeta Isaías, indicada como

escatológica por alguns teólogos, que relata a destruição da terra de Edom (região que abrange

o atual sul da Jordânia e parte do norte da Arábia Saudita) com um incêndio contínuo dos

campos de petróleo do local.2 No sítio arqueológico de Mohenjo Daro, uma das cidades da

antiga Suméria, que está localizado no vale de Sidin no atual Paquistão, foram descobertos

tanques públicos revestidos com betume, assim como estradas pavimentadas com o mesmo

instrumento. Na região da Babilônia, que abrange o atual Iraque, além da construção de

estradas, os jardins suspensos – uma das sete maravilhas do mundo antigo – eram sustentados

por tijolos revestidos de betume e chumbo para mantê-los secos da água irrigada e prevenir que

a água escapasse, atuando como um isolante.3

A complexidade da indústria do petróleo e os diferentes e múltiplos usos deste recurso

aumentaram a demanda internacional tornando-o essencial para a sociedade industrial a partir

do último quarto do século XIX. Porém, é possível que tal demanda por petróleo não viesse

assumir o caráter essencial que possui atualmente se não fosse pela ação de dois homens no

2 As referências bíblicas podem ser encontradas no livro do Gênesis 6:14 e 11:3, Êxodo 2:3 e Isaías 34:8-10.

3 The Shell bitumen handbook 5th edition, p. 3.

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início do século XX, a saber: Henry Ford e Winston Churchill. O primeiro lançou o automóvel

movido a motor de combustão interna em 1908. Pode-se dizer que antes de Ford havia os

cavalos e as charretes, depois dele, havia o automóvel (PHILBIN. 2006, p. 63). Já Churchill,

enquanto primeiro lorde do almirantado britânico tomou uma decisão estratégica ao substituir

o carvão produzido nas ilhas britânicas (principalmente no País de Gales) por combustível

derivado de petróleo para abastecer a Royal Navy. O lorde britânico havia percebido que se os

navios fossem abastecidos com tal combustível a Marinha Real se manteria superior técnica e

estrategicamente à marinha do Império Alemão que passava por um rápido desenvolvimento.

Conforme retratado pelo próprio Churchill, o petróleo era um recurso de extrema importância

para a modernização da força naval britânica no que se referia à velocidade, abastecimento,

poder de fogo e maior manobrabilidade dos navios:

As vantagens conferidas por combustíveis líquidos foram

inestimáveis. Primeiro, a velocidade. Em navios iguais o petróleo conferiu um

grande excesso de velocidade sobre carvão. Permitiu que a velocidade fosse

alcançada com muito mais rapidez. Deu um raio de ação quarenta por cento

maior para o mesmo peso em carvão. Permitiu o reabastecimento da esquadra

no mar com grande facilidade (...). Com o petróleo, alguns tubos ficavam

ligados com a terra ou com um navio-tanque e o navio sugava seu combustível

quase sem que um homem tivesse que levantar um dedo. Havia necessidade de

menos de metade do número de fogueiros para cuidar e limpar os fornos de

petróleo. O petróleo poderia ser armazenado em lugares vagos em um navio a

partir do qual seria impossível carregar carvão. Quando um navio movido a

carvão esgotava seu carvão, um grande número de homens tinha de ser

remanejado, se necessário, das armas, para recolher o carvão de bunkers

remotos e inconvenientes para bunkers mais próximos dos fornos ou para os

próprios fornos, enfraquecendo assim a eficiência de batalha do navio talvez

no momento mais crítico da batalha (...). O uso de petróleo tornou possível em

cada tipo de navio obter maior poder de fogo e mais velocidade por menor

tamanho ou menos custo. Tornou possível alcançar alta velocidade de uma

forma vital para o seu propósito tático. Todas essas vantagens foram obtidas

simplesmente pelo petróleo ao invés da queima de carvão sob as caldeiras.

Deveria se tornar possível em algum momento abolir completamente as

caldeiras e explodir o óleo nos cilindros dos motores de combustão interna,

cada vantagem seria multiplicada dez vezes. (CHURCHILL. 2013, p.117,118.

Tradução minha).

A decisão de Churchill inseriu os países ricos em petróleo do Oriente Médio no escopo

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de interesse das potências ocidentais. A Grã-Bretanha que precisava do recurso para o

funcionamento de sua Marinha, um dos símbolos de seu poder hegemônico no período,

assegurou o acesso aos recursos petrolíferos da região com acordos de concessão estabelecidos

com a Pérsia, atual Irã, e com Iraque. Os EUA, por sua vez, garantiram acesso ao petróleo do

Oriente Médio ao selarem um acordo em 1945 com a Arábia Saudita, através do qual se

comprometiam a defender a família real deste país fornecendo-lhes armamentos em troca do

direito exclusivo de desenvolver a exploração do petróleo saudita. Outros Estados europeus e

de outros continentes também passaram a desenvolver seus sistemas de defesa, transportes e

indústria baseados no petróleo produzido fora de seus territórios e que, até meados da década

de 1960, esteve em grande parte sob controle do grupo de empresas que formavam o “Cartel

das Sete Irmãs”.4 A dependência da importação do petróleo externo contribuiu para que um

sistema internacional e transnacional fosse estabelecido a fim de que o ciclo de produção

energética atendesse a crescente demanda em diversão regiões do globo.

A corrida pelo petróleo do Oriente Médio e os interesses políticos externos à região

moveram diversas crises envolvendo os países do local. É importante considerar que no início

do século XX a maioria dos Estados da região eram ou colônias europeias ou, após a Primeira

Guerra Mundial, protetorados sob o mandato da Liga das Nações, a exemplo do Líbano, Síria,

Jordânia e Palestina. No entanto, gradativamente a partir da década de 1950, devido ao processo

de descolonização, aos movimentos de independência, ao pan-arabismo nasserista e ao

sentimento nacionalista, foi gerada uma consciência regional de que o domínio sobre o petróleo,

bem como o controle do mercado e dos preços deveriam pertencer às nações produtoras e não

às companhias estrangeiras ocidentais que operavam na região, ou seja, os países da região

passaram a criar uma consciência de soberania sobre seus próprios recursos. Esse processo

levou a quatro grandes crises internacionais de petróleo num espaço temporal de vinte anos

entre 1953 a 1973.

O foco deste primeiro capítulo será a abordagem dos aspectos históricos relacionados

aos regimes de concessão de exploração de petróleo nos países do Oriente Médio, das crises

regionais derivadas da insatisfação deste regime e das Guerras árabe-israelenses e seus

desdobramentos na geopolítica do petróleo. Assim, aqui são tratadas a Crise Iraniana (1950-

4 Grandes companhias petrolíferas que acordaram dividir a exploração de hidrocarbonetos em contexto global,

definindo preços e produção. A saber: Royal Dutch Shell; Anglo Persian Oil Company, atual British Petroil;

Standard Oil of New Jersey, depois EXXON; Standard Oil of New York, depois MOBIL (Estas duas últimas

empresas atualmente fundidas formam a atual EXXON-MOBIL); TEXACO; Standard Oil of California, tornou-

se mais tarde Chevron e funidiu-se com a TEXACO; e Gulf Oil, absorvida pelo grupo Chevron – TEXACO.

Atualmente as sete irmãs são apenas quatro: EXXON-MOBIL; Chevron-TEXACO; Shell; e British Petroil.

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1953), a Crise do Canal de Suez (1956), e a Guerra dos Seis Dias (1967). Também são

discutidos tópicos relacionados a criação de duas organizações internacionais intensamente

atuantes nas crises do petróleo, a saber a Organização dos Países Exportadores de Petróleo

(OPEP) e a Organização dos Países Árabes Exportadores de Petróleo (OPAEP).

O estudo das crises que antecederam 1973 é considerado indispensável para o

desenvolvimento desta pesquisa, pois a análise das mesmas é importante para elucidar como o

petróleo se tornou uma questão de interesse político, econômico e de poder para os EUA, as

grandes companhias petrolíferas ocidentais e para os Estados árabes. Todavia, a chance da

existência de tais crises provavelmente não seria possível se não existissem os regimes de

concessão.

1. Os regimes de concessão

Até 1970, os países de economia industrializada tais como os EUA, a Grã-Bretanha e a

França tinham certa facilidade em obter o petróleo produzido no Oriente Médio, pois a

exploração de petróleo ocorria através dos regimes de concessão, pelo qual o país produtor

vendia o direito de exploração de uma parte de seu território às grandes companhias do setor

que eram, sobretudo, originárias e representativas dos países industrializados ou até mesmo

consideradas como agentes ou instrumentos do imperialismo ocidental (AL-SOWAYEGH.

1984, p. 95). Uma vez que a concessão havia sido obtida, o governo do país concessionário não

tinha nenhum controle sobre como os recursos deveriam ser desenvolvidos, sobre a quantidade

de petróleo prospectada, ou o a que preço o mesmo deveria ser comercializado.

A incursão das companhias ocidentais na região ocorreu basicamente após a primeira

descoberta significativa de petróleo do Oriente Médio na Pérsia (que passou a ser conhecida

como Irã a partir de 1934) na margem leste do Golfo Pérsico em 1908, onde o governo britânico

e um grupo de investidores estabeleceram uma companhia nacional de capital aberto, a Anglo-

Persian Oil Company (APOC), com a finalidade de obter o controle sobre a exploração de

hidrocarbonetos no local. Pouco tempo depois da fundação da Anglo-Persian, no ano de 1911,

Winston Churchill anunciaria a substituição do carvão mineral por combustível derivado de

petróleo para abastecer a Royal Navy, o que incluiu de fato o Irã na órbita dos interesses

britânicos.

Desde o primeiro ano de exploração em terras persas os resultados da APOC

mostraram-se promissores, pois além de abastecer a Grã-Bretanha, seus barris de petróleo eram

comercializados com outros países europeus e até mesmo com a longínqua Austrália. Somado

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a isto, em 1912 a APOC financiou a construção da maior refinaria de petróleo de seu tempo em

Abadã, com o intuito de transportar o petróleo produzido no irã já refinado para seus diversos

destinos comerciais no exterior (KINZER. 2003, p. 49).

Nos anos anteriores a Segunda Guerra Mundial, a Grã-Bretanha mantinha tratados com

alguns países (como Irã, Iraque, Kuwait, Bahrein e Arábia Saudita) com uma cláusula de

nacionalidade que determinava a preferência britânica para concessões de exploração de

petróleo na região. A intenção original era manter a Alemanha afastada do desenvolvimento de

recursos petrolíferos do Golfo Pérsico, mas na década de 1930 o principal efeito foi o de limitar

a penetração dos EUA na região. Embora nem o governo britânico, nem a APOC (futura Anglo-

Iranian Oil Company que mais tarde seria rebatizada de British Petroleum Oil Company)

acreditassem que a Península Arábica tivesse boas perspectivas de petróleo, eles ainda queriam

manter os concorrentes fora do que eles consideravam como esfera de influência da APOC e

sobretudo da própria Grã-Bretanha.

A primeira descoberta de petróleo em terras árabes aconteceu no Bahrein em 1920, no

entanto, o primeiro campo de petróleo de grandes proporções foi encontrado em Kirkuk no

Iraque em 1927. Esse achado, vinte e um anos após os britânicos se estabelecerem no Irã, gerou

grandes expectativas quanto à exploração de territórios do mundo árabe. A exploração na

Arábia Saudita, um dos principais produtores de petróleo do Oriente Médio atualmente, só foi

iniciada em 1933 após rei Ibn Saud conceder os direitos de prospecção a companhia norte-

americana Standard Oil of California (SOCAL). As perfurações tiveram início no ano de 1935

e só passaram a produzir petróleo em escala comercial a partir de 1938 (SIMONS. 2005,

p.24,27,28).

A SOCAL enfrentou dificuldades de naturezas diferentes para trabalhar no reino

saudita. A primeira foi a cláusula de nacionalidade que favorecia aos interesses britânicos, a

segunda foi a indisponibilidade de capital o suficiente para explorar sozinha a vasta extensão

do terreno arenoso do deserto saudita, o que levou a empresa a vender parte dos seus direitos

de concessão para viabilizar o andamento do negócio.5 Um outro obstáculo para a aprovação

da concessão aprovada por Ibn Saud estava ligada a orientação religiosa dos clérigos locais

5 Em 1936 a companhia da Califórnia vendeu 50 por cento dos direitos de concessão a também norte-americana

Texas Company, atual TEXACO, e em 1944, a empresa foi rebatizada como Arabian American Oil Company, ou

ARAMCO. Em 1948 a Standard Oil of New Jersey (SONJ) e a Standard Oil of New York (SONY) – precursoras

da EXXON e da MOBIL que em 1999 se fundiram formando a atual EXXON-MOBIL – passaram a fazer parte

do grupo de companhias com direitos de prospecção de petróleo em território saudita. Essa sociedade anônima foi

dividida em quatro partes: A SOCAL, a TEXACO e a SONJ com 30 por cento dos direitos de concessão, cada

uma, e a SONY com 10 por cento.

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rigidamente religiosos com base nos preceitos islâmicos do sunismo wahabbista6. Empreender

uma negociação com uma empresa secular ocidental estadunidense requereria uma justificativa

religiosa por parte da monarquia saudita para fundamentar a legitimidade das negociações com

os “infiéis”. A justificativa veio através da citação pública, durante o período de orações diárias,

da surata corânica 1097 que trata sobre os “incrédulos” (AL-RASHEED. 2010, p.87,88).

Alnasrawi (1991, p. 13,14) chama a atenção para quatro fatores fundamentais

relacionados ao regime de concessões: O primeiro é que os governos dos Estados

concessionários recebiam uma espécie de royalties, de aproximadamente vinte e quatro

centavos por barril de petróleo, nas décadas anteriores a 1950, independentemente do valor que

o mesmo era comercializado no mercado.8 O segundo refere-se a extensão dos territórios

comprados. De acordo com o autor, nos casos do Iraque e do Kuwait, as empresas ocidentais

conseguiram o direito de explorar qualquer parte do país, já na Arábia Saudita, as empresas

poderiam explorar em quase todo território, salvo algumas áreas. O terceiro fator está

relacionado com a criação de companhias de propriedade conjunta para exploração local que

eram gerenciadas pelas empresas que obtiveram a concessão dos governos da região. Por fim,

o último fator importante era a extensão da estimativa da duração das concessões – o que

incluía até mesmo o Irã, que mesmo não sendo um Estado árabe estava sujeito às mesmas

condições para exploração de petróleo em seu território – como pode ser visualizado no quadro

abaixo:

6 O wahabismo foi um movimento político-religioso iniciado no século XVIII defendido por Muhammad Ibn Abd

al-Wahhab, que tinha por objetivo construir um Estado sunita sob os preceitos de um islã renovado. O wahabismo

não somente reconhece a existência de um único Deus, mas também faz aplicar estritamente as prescrições que

ele fez conhecer através das suas revelações por meio do alcorão (SOURDEL, Janine; SOURDEL, Dominique.

1996, p. 847,848).

7 Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso. 1 Dize: Ó incrédulos,

2 Não adoro o que adorais,

3 Nem vós adorais o que adoro.

4 E jamais adorarei o que adorais,

5 Nem vós adorareis o que adoro.

6 Vós tendes a vossa religião e eu tenho a minha. (Alcorão surata 109).

8 Entre 1908 e 1950 o maior valor de venda do barril de petróleo foi US$ 3,07 em 1920 e o menor foi US$ 0,61

em 1910 e 1911. A média do referido período ficou em US$ 1,26. Ver The British Petroleum Company – BP –

British Petroil Statistical Review of World Energy 2015 workbook – Disponível em:

http://www.bp.com/statisticalreview – Acessado no dia 21 de setembro de 2015.

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Fontes: (ALNASRAWI. 1991, p. 13-14) e (KINZER. 2003, p.48;51).

É de suma importância ressaltar que os governantes da região não tinham um

conhecimento aprofundado do potencial da indústria petrolífera quando concederam às

companhias ocidentais o direito de exploração de recursos minerais em seus territórios, até

porque, com exceção do que acontecia nos EUA e em Baku, o setor pouco havia se

desenvolvido em outras regiões do mundo no início do século XX. A exclusividade de

exploração e comercialização permitiu às grandes companhias desenvolver, acelerar ou

desacelerar o desenvolvimento do setor petrolífero nos países árabes produtores sem

necessidade de consultar os interesses dos governos da região. Por outro lado, os acordos de

concessão foram inicialmente vantajosos para os governos concessionários, já que o pagamento

dos royalties representava uma fonte de receitas sem a necessidade de políticas de empenho

direto por parte dos governantes.

Foi pouco tempo depois da Segunda Guerra Mundial que as concessões despertaram

uma série de descontentamentos por parte dos países concessionários, que pretendiam ter

participação mais ativa na produção de petróleo em seus territórios e consequentemente na

definição do preço do barril de petróleo, e sobretudo, tinham interesse em receber uma

compensação financeira equivalente ao lucro obtido pelas empresas estrangeiras que era

superior ao pagamento dos royalties praticado na época. Após uma série de negociações entre

governos e empresas a divisão de lucros em alguns países ficou em 50% para os dois lados. Isto

ocorreu na Arábia Saudita e no Kuwait em 1950 (espelhado no acordo 50/50 obtido pela

Venezuela em 1943) e no Iraque em 1952.

País

Estimativa de

duração da

concessão (em

anos)

Iraque 1925-2000

Catar 1925-2000

Arábia

Saudita1933-1993

Kuwait 1933-2008

Emirados

Árabes

Unidos

1925-2000

Irã

1901-1961 e

após revisado até

1993

Anglo-Iranian Oil Company controlada pela BP

BP, Exxon Mobil, Shell e CFP

Acordos de concessão no Oriente Médio

Companhias de petróleo

Iraqi Petroleum Oil Company (IPOC). Consórcio formado pelas empresas: British

Petroleum (BP), Exxon, Mobil, Shell e Compagnie Française de Pétrole (CFP)

BP, Exxon Mobil, Shell e CFP

Arabian-American Oil Company (ARAMCO). Consórcio formado pelas

empresas: Standard Oil of California (SOCAL), Texaco, Exxon e Mobil

BP e Gulf

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Os acordos 50/50 foram o primeiro passo para que os países do Oriente Médio,

especialmente os árabes, tivessem uma maior participação nos negócios envolvendo petróleo

em seus territórios. Todavia, a utilização do petróleo como instrumento político na região

ocorreria pela primeira vez não em um país árabe, mas no solo persa do Irã.

1. Crise iraniana 1950-53

A primeira grande crise internacional de petróleo no Oriente Médio ocorreu no Irã entre

1950-53. O principal motivo da tensão que se instalou no país foi a disputa entre os governos

iraniano e britânico pelo controle da Anglo-Iranian Oil Company (AIOC), uma companhia de

petróleo britânica de economia mista, controlada majoritariamente pelo Estado, que operava no

país e que era responsável por grande parte da produção de petróleo no Irã.

Nesse período o Irã era governado pelo Xá Mohammed Reza Pahlavi que se encontrava

pressionado politicamente de diversas formas, sendo o principal motivo para tal pressão a

influência britânica na economia iraniana, já que a principal fonte de receitas da nação, o

petróleo, estava sob controle da AIOC, que representava os interesses britânicos. Somado a isto,

a conjuntura política do Irã encontrava-se fragmentada: havia o partido Tudeh, comunista e

ligado a Moscou; os reformistas; os republicanos; e o clero muçulmano xiita comandado pelo

aiatolá Seyed Kashani. Para os opositores do Xá “Os britânicos eram considerados quase como

demônios sobrenaturais, controlando e manipulando uma nação inteira”. (YERGIN. 2010, p.

508).

Em 1949 o governo do Irã tomou a iniciativa de renegociar as condições da concessão

de exploração de petróleo junto a AIOC que vigorava desde 1933. No mesmo ano a presidência

da companhia ofereceu ao Irã diversas melhorias como a garantia de um pagamento anual de

royalties superior a £ 4 milhões; a área de perfuração de poços seria reduzida; e prometeu que

mais iranianos seriam treinados para cargos administrativos, até então exclusivos para

britânicos. Apesar da aceitação de tal proposta pelo Xá, o documento levou quase um ano para

ser submetido ao parlamento que, através da maioria de seus membros, pretendia nacionalizar

a empresa, pois além de não concordar com as cláusulas dispostas tencionava discutir um

contrato de divisão de lucros em 50/50 para as partes.

Em 26 de abril de 1951, pressionado pelo parlamento, o Xá Reza nomeou Mohammed

Mossadegh como Primeiro-Ministro. No dia seguinte a sua nomeação Mossadegh conduziu

uma votação para nacionalizar a AIOC e com aprovação parlamentar a nacionalização foi

concretizada. O caso da nacionalização da AIOC chegou inclusive a ser submetido pela Grã-

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Bretanha à Corte Internacional de Justiça (CIJ) em maio de 1951, e em julho de 1952 a CIJ

legitimou a petição inglesa,9 porém Mossadegh retorquiu à decisão argumentando que esta não

era legítima e que atitude de nacionalizar a AIOC era uma deliberação soberana e interna do

Estado iraniano.10

Após a nacionalização da AIOC o governo britânico chegou a considerar uma

intervenção armada em Abadã, na fronteira sudoeste com o Iraque onde operava uma das

maiores refinarias de petróleo do mundo na época, mas a resposta britânica foi dada no campo

econômico. Um embargo total foi aplicado à importação de petróleo proveniente do Irã; o

Banco da Inglaterra suspendeu recursos financeiros e congelou bens e ativos iranianos em posse

de instituições financeiras britânicas. Ademais, os portos iranianos foram bloqueados de forma

que quaisquer petroleiros que saíssem do Golfo Pérsico seriam presos, impedindo assim que o

Irã pudesse comercializar seu principal produto e ao mesmo tempo sufocando a economia local.

A resposta enérgica dada por parte do governo britânico não estava ligada somente a sua

necessidade de petróleo ou aos prejuízos financeiros da empresa, mas principalmente porque a

nacionalização da AIOC ameaçava diretamente a saúde da economia britânica ainda em fase

de recuperação menos de uma década após o fim da Segunda Guerra Mundial. Além disso,

havia também a necessidade de evitar que a ação do governo iraniano estabelecesse precedente

para os outros países da região onde a Grã-Bretanha encontrava-se presente (YERGIN. 2010,

p. 516-520).

Enquanto os britânicos possuíam interesses baseados na posição estratégica do Irã como

importante fornecedor de petróleo para abastecer a economia e a marinha britânica, os EUA por

sua vez percebiam a crise pelo viés da Guerra Fria. Seu principal objetivo era agir de modo a

evitar que o Irã fosse submetido aos interesses soviéticos, principalmente por conta da

proximidade do partido Tudeh com Moscou. Os interesses comerciais também se faziam

presentes, visto que os americanos estavam cientes da abundância de petróleo existente na

região do Oriente Médio, o que incluía o Irã na órbita de interesse tanto do governo quanto das

companhias petrolíferas norte-americanas. Para os EUA a preocupação de nível político se

sobrepunha aos interesses econômicos, visto que a contenção à União da Repúblicas Socialista

Soviéticas (URSS) era o foco principal da política externa de Washington. O interesse chave

9 International Court of Justice: Anglo-Iranian Oil Co. (United Kingdom v. Iran), 22 de julho de 1952. Disponível

em: http://www.icj-cij.org/docket/index.php?sum=82&p1=3&p2=3&case=16&p3=5 Acessado em 18 de julho de

2014.

10 Documentário The Epic of Black Gold: Oil Nationalism. Entre os minutos 17:20 – 17:40. disponível em

http://www.youtube.com/watch?v=RjeDe1WDKsk Acessado no dia 17 de julho de 2014.

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era salvar o Irã da esfera de influência comunista, pois se o Irã sucumbisse a tal ideologia, outros

países do Oriente Médio poderiam seguir pelo mesmo caminho e ficar concentrados na órbita

de influência soviética. Os EUA procuravam se comportar como uma nação anti-imperialista e

acreditavam que os britânicos deveriam enfatizar menos e restringir mais suas políticas desse

tipo para evitar o colapso do Irã. Além disso, os norte-americanos acreditavam que Mossadegh

representava no Oriente Médio um bastião de suma importância na luta contra a difusão da

ideologia comunista na região (BYRNE. In: MÖCKLI, Daniel; MAUER, Victor. 2011, p. 145).

Diante da pressão dos negociadores estrangeiros representantes da AIOC e dos

governos britânico e estadunidense, Mossadegh mostrara-se irredutível a qualquer concessão

ligada a desnacionalização da Anglo-Iranian e em outubro de 1951 expulsou do país todos os

britânicos remanescentes que ainda trabalhavam em Abadã. Até então, o Primeiro-Ministro

iraniano tinha força o suficiente para colocar a opinião pública contra a influência estrangeira

na exploração dos recursos do país, além disso, Mossadegh demonstrava indiferença perante o

embargo imposto pela Grã-Bretanha à comercialização do petróleo iraniano e dizia que “até

onde sabia, o petróleo poderia permanecer no solo para o uso das gerações futuras” (YERGIN.

2010, p. 525). Apesar do menosprezo demonstrado por Mossadegh o embargo britânico causou

um período de sérias dificuldades para o Irã, pois o país dependia das receitas provenientes do

petróleo para movimentar sua economia. Ademais, a instabilidade econômica encaminhava o

país à desordem social e ao enfraquecimento do capital político do Primeiro-Ministro que

passou a enfrentar a pressão de seus opositores internos. Para se assegurar no poder, Mossadegh

usava de prerrogativas autoritárias, devido ao enfraquecimento de sua liderança em âmbito

nacional.

Com o intuito de conservar a todo custo a nacionalização da AIOC, Mossadegh iniciou

uma aproximação com o partido Tudeh, e isto passou a preocupar a administração do presidente

Harry Truman dos EUA, que acreditava que as ações do líder iraniano consequentemente

conduziriam o Irã a uma aliança com a URSS. Foi neste contexto que a CIA (Central

Intelligence Agency) e o MI6 (Military Intelligence Section 6) 11 conduziram a operação Ajax

entre julho e agosto de 1953 com finalidade de destituir Mossadegh do poder. Ao final de

agosto, Mossadegh foi exonerado, o Xá retomou o poder e nomeou o general Fazlollah Zahedi

como o novo Primeiro-ministro do Irã. A recondução do Xá ao poder representou a instalação

11 Agências de inteligência e espionagem dos EUA e da Grã-Bretanha.

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de um governo pró-ocidental no país, contornando desse modo a crise instaurada em 1951 e

culminando no levantamento do embargo pelos britânicos.

Para os EUA, a crise iraniana foi fundamental para estender sua influência sobre a região

com o ingresso de empresas norte-americanas do ramo do petróleo no país. Desgastada pela

crise, a AIOC que era exclusiva da Grã-Bretanha, foi compartilhada com outras seis

companhias estrangeiras – cinco americanas e uma francesa – através de um acordo que criou

um consórcio internacional. No entanto, os britânicos ainda se mantiveram como sócios

majoritários com 40% do total da nova parceria. Apesar da participação de empresas não

britânicas, o nome Anglo Iranian Oil Company foi mantido para preservar o aspecto da

nacionalização até 1954, quando foi rebatizada de British Petroleum Oil Company. Além disso,

coube ao Irã através da Companhia de Petróleo Iraniana, estatal nacional, se apropriar dos

recursos e instalações de petróleo do país, antes controlados somente pela AIOC. Foi também

acordado que os lucros do petróleo seriam divididos no formato 50/50 com o Irã, porém os

auditores nativos não teriam acesso aos livros de balanços econômicos e nem ao conselho de

diretores da companhia (KINZER. 2003, p. 195,196).

O novo governo iraniano percebeu que o plano de controlar todo o processo de

produção do petróleo sozinho posto em prática por Mohammed Mossadegh era inviável tanto

no campo econômico quanto no técnico, pois o país não possuía recursos nem dispunha de

capacidade técnica o suficiente para tanto. A Crise Iraniana, apesar do aparente fracasso de

Mossadegh, abriria precedente para uma nova crise no Oriente Médio: a Crise do Canal de

Suez, envolvendo o controle da principal rota de navegação para entrada e saída da região

apenas três anos mais tarde e que demonstraria uma vez mais a importância do papel do petróleo

na geopolítica mundial.

4. Disputa pelo controle do Canal de Suez

No ano de 1859 foi iniciada a construção do Canal de Suez pela Companhia do Canal

de Suez. Com profundidade de cerca de 8m, área de seção transversal em torno de 304m2,

capacidade de permitir a navegação de navios com até 5000 toneladas (peso típico das

embarcações da época de inauguração) e comprimento total de 164 km, o Canal de Suez foi

aberto para navegação em 17 de novembro de 1869 como o principal e mais curto trajeto entre

a Europa e a Ásia ligando o porto de Port Said no Mar Mediterrâneo ao Golfo de Suez no Mar

Vermelho. Sua construção permitiu a redução dos custos de navegação e o barateamento das

mercadorias comercializadas pelo fato de diminuir consideravelmente o tempo de percurso

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31

entre um e outro continente.12 Inicialmente o Canal foi concebido como um empreendimento

franco-egípcio, porém alguns anos mais tarde a parte egípcia foi adquirida pela Grã-Bretanha

que passou a utilizar a rota marítima como caminho mais curto para chegar até a Índia.

Além da questão comercial, o Canal possuía importância estratégica para que Grã-

Bretanha e França tivessem acesso facilitado às suas colônias no Oriente. No entanto, com a

independência de alguns países, como o Egito em 1922 e a Índia em 1948, o Canal de Suez

assumiu um novo papel estratégico transformando-se na principal rota comercial de transporte

de petróleo para a Europa. A Grã-Bretanha, que havia perdido influência política sobre algumas

de suas ex-colônias, mantinha forte influência militar na região para garantir a segurança do

Canal. Uma das prioridades da política externa de Londres.

Em 1936 a Grã-Bretanha pôs fim oficialmente ao controle sobre o Egito, porém

continuou exercendo influência sobre o governo local onde o rei Faruk I exerceu o comando

até 1952, quando um golpe de Estado empreendido por militares pertencentes à sociedade dos

"Oficiais Livres" derrubou o monarca do poder. O alto comando militar egípcio encontrava-se

insatisfeito com a situação política interna e estava descontente com a derrota na guerra de

independência de Israel em 1948. Aliado a isto, considerava o rei Faruk I simpatizante dos

interesses britânicos no país. Em 1953 Muhammad Naguib assumiu o poder como o primeiro

presidente do Egito e em 1956 o coronel Gamal Abdel Nasser o sucedeu no cargo.

Um dos principais interesses do Egito no início da década de 1950 era a construção de

uma barragem no rio Nilo, na região de Assuã, no sul do Egito. A construção da barragem era

entendida pelo governo egípcio como interesse vital que proporcionaria o desenvolvimento

agrícola e consequentemente colaboraria para o desenvolvimento nacional. Além de contribuir

para a produção alimentícia nacional o projeto seria útil para proporcionar uma melhor

distribuição de energia a dezenas de aldeias egípcias. Sem a barragem as perspectivas do

governo eram de certo modo cercadas de negativismo, pois o espectro de uma fome

generalizada assombrava a nação. Ademais o custo da barragem não poderia ser arcado pelo

governo que não possuía verba o suficiente para construí-la sem auxílio externo. Desse modo,

12 As dimensões do Canal tiveram que ser ampliadas ao longo dos anos até 1956. Em agosto de 2015 o Canal foi

reinaugurado após passar por nova reforma para se adequar ao desenvolvimento dos navios que por ele trafegam.

Suez Canal Authority. Disponível em: http://www.suezcanal.gov.eg/

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32

a solução mais adequada para construir a barragem era buscar um empréstimo internacional

junto aos países desenvolvidos.13

Inicialmente os EUA e a Grã-Bretanha se comprometeram a financiar a construção da

barragem, porém em julho de 1956 ambos os países rejeitaram conceder auxílio financeiro por

considerarem a aproximação do Egito com o bloco soviético contrária ao objetivo de conter o

avanço comunista sobre o Norte da África e o Oriente Médio, já que o Estado africano detinha

um alto nível de influência política na região. No ano anterior o Egito havia fechado diversos

acordos com países de regime comunista como um pacto de comércio de armas com a

Tchecoslováquia e a URSS, bem como um acordo de exportação de algodão para a China. A

rejeição anglo-americana contribuiu para que os laços entre Egito e URSS se estreitassem.

Em julho de 1956, como retaliação ao compromisso não cumprido por parte dos

americanos e britânicos, Nasser anunciou a nacionalização da Companhia do Canal de Suez.

Yergin (2010, p.542) explica que este não foi o único motivo para a nacionalização da

administradora da passagem marítima, pois o Canal de Suez era uma rota pela qual diariamente

trafegava uma quantidade imensurável de riquezas a qual o Egito não tinha acesso. Assim, no

início de 1956 o governo egípcio chegou a pleitear junto à Companhia do Canal de Suez um

pacto de divisão de lucros no molde dos pactos 50/50 entre empresas do setor de petróleo e

Estados produtores do recurso, porém o pleito não foi atendido pelos administradores do Canal.

Para os britânicos, a atitude do governo egípcio traria prejuízos financeiros no que se

referia ao comércio com os países da região e impactaria no preço do petróleo importado dos

campos da BP no Irã, visto que os navios petroleiros levariam mais tempo no mar antes de

chegar a Europa para abastecer o mercado local, pois precisariam passar pelo sul da África para

chegar até o continente. Já os franceses acirraram a animosidade existente com o Egito no

período, pois percebiam em Nasser um líder que se opunha ao controle francês sobre a Argélia.

Para o governo da França, Nasser era um dos principais responsáveis por instigar os argelinos

pela busca de sua independência.

A primeira atitude tomada pela Grã-Bretanha foi o congelamento dos ativos financeiros

egípcios nos bancos do país. Além disso, considerava como providencial a execução de uma

intervenção armada na zona do Canal como resposta imediata ao desafio imposto pelo

presidente do país africano. Uma atitude similar havia ocorrido três anos antes após a

nacionalização da AIOC no Irã.

13 Documentário Modern Marvels: Suez Canal. Entre os minutos 32:40 – 34:10. Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=joDHHrWRL6E Acessado no dia 13 de agosto de 2014.

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O governo dos EUA, cujo presidente era Dwight Eisenhower, um ex-general que havia

servido seu país na Segunda Guerra Mundial, embora reprovasse a aproximação entre o Egito

e a URSS, se mostrou contrário a uma intervenção militar conforme pretendiam seus aliados

europeus, pois julgava que tal ação poderia inflamar todo o Oriente Médio e enfraquecer a

posição norte-americana na região, o que possibilitaria ganhos políticos para URSS e resultaria

no possível crescimento do radicalismo árabe alimentando a pregação pan-arabista de Nasser.

Além disso, os americanos preocupavam-se em não atrelar sua política externa aos interesses

imperialistas das potências europeias. Os EUA entendiam que uma intervenção armada no

Egito renderia ganhos políticos para os soviéticos e concentraram seus esforços em resolver a

crise por vias diplomáticas, se posicionando de forma contrária a qualquer tipo de intervenção

armada no país.

A nacionalização do Canal de Suez aproximou diplomaticamente Grã-Bretanha, França

e Israel. Entre os dias 22 e 24 de outubro de 1956 representantes do alto escalão dos governos

britânico, francês e israelense se reuniram em Sèvres, na França, a fim de discutir um pretexto

para desencadear um ataque sobre o Egito com a pretensão de retomar o controle sobre o Canal

e derrubar Nasser do poder. França e Israel já possuíam um acordo militar desde 1954 através

do qual o país europeu fornecia armamento aos israelenses em troca de auxílio na questão

argelina. Para Israel, o acordo trilateral era conveniente porque este país se sentia ameaçado

pela ascensão do regime nasserista e o comando militar israelense acreditava que a melhor

opção era iniciar uma guerra preventiva contra o país africano atraindo-o para um conflito

armado antes que tal nação estivesse militarmente preparada. Já a relação anglo-israelense

encontrava-se bastante tensa no início dos anos 1950. O ponto principal da inquietação

diplomática entre os dois países eram as discordâncias em relação à questão árabe-israelense,

de modo que os britânicos só aceitaram participar da operação conjunta com Israel porque este

último poderia providenciar o pretexto necessário para uma intervenção militar na região do

canal de Suez (CAMARGO. In: MAGNOLLI, Demétrio. 2008, p. 436).

No dia 29 de outubro de 1956 Israel atacou a região do Sinai, no dia seguinte a Grã-

Bretanha e a França lançaram um ultimato às duas partes do conflito e no dia 31 iniciaram suas

próprias campanhas militares. A intervenção no Egito provocou reação dos EUA e de parte da

comunidade internacional que reagiu convocando uma reunião extraordinária da Assembleia

Geral da Organização da Nações Unidas (ONU) para pressionar por um cessar-fogo imediato.

No dia 5 de novembro as forças israelenses asseguraram controle sobre o Sinai e

fecharam o estreito de Tiran na saída do golfo de Ácaba para o Mar Vermelho. As forças

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europeias, por sua vez, assumiram o controle de Port Said e Port Fuad próximo ao Mar

Mediterrâneo, cercando as partes norte e sul do Canal, no entanto, encurralado em ambas as

extremidades, Nasser impediu o tráfego marítimo por Suez afundando dezenas de navios

carregados de materiais pesados como pedras e cimento interrompendo o escoamento de

petróleo para a Europa (YERGIN. 2010, p. 552).

Durante a crise do Suez e a interdição do Canal pelo presidente Nasser, a situação foi

agravada porque ocorreram reações de apoio a causa egípcia em outros Estados árabes como

no Kuwait e na Síria. No primeiro ocorreram sabotagens nos dutos que transportavam petróleo

para os portos no Golfo Pérsico e no segundo houve explosões de oleodutos que levavam

petróleo do Iraque para o Mediterrâneo. Já a Arábia Saudita, apesar das diferenças políticas

com o regime nasserista aplicou um embargo dos seus carregamentos de petróleo para a Grã-

Bretanha e a França e cortou relações com ambos os países.

“A maioria dos sauditas foram surpreendidos quando Saud apoiou a

nacionalização do Canal de Suez pelo presidente Nasser, e que levou à crise

do Suez em 1956, enquanto a ARAMCO ainda era responsável pelo pleno

controle do petróleo saudita (...) A Arábia Saudita rompeu relações

diplomáticas com a Grã-Bretanha após a crise. A influência britânica na Arábia

Saudita já havia afundado a seu nível mais baixo. ” (AL-RASHEED. 2010,

p.111).

Com a crise no Egito e o fechamento da hidrovia no Suez, britânicos e franceses

recorreram ao petróleo produzido no Ocidente pelos EUA para abastecer suas demandas

internas. De acordo com um memorando de discussão do Conselho Nacional de Segurança dos

EUA, antes dos norte-americanos assumirem o programa de abastecimento para a Europa,

houve discordância entre algumas companhias petrolíferas sobre se deveriam ou não auxiliar.

Muitos acreditavam que o Governo estadunidense não deveria agir em favor dos países

europeus até que a situação no Egito fosse resolvida. Outros estavam preocupados se a

participação do governo dos EUA seria considerada pelos demais países árabes como apoio à

agressão contra o Egito.14

14“Memorandum of Discussion at the 303d Meeting of the National Security Council, Washington, November 8”.

In: Foreign Relations of the United States, 1955–1957, Suez Crisis, July 26–December 31, 1956, p. 1833-

1834.Volume XVI.

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35

Os EUA assumiram o fornecimento de petróleo para as potências europeias, e exerceram

forte pressão para a retirada das mesmas do Egito, ameaçando aplicar sanções econômicas e

interromper o fornecimento de petróleo, pois entendiam que a atitude destes países poderia

proporcionar o avanço do comunismo na região. Sem o apoio americano, Grã-Bretanha e

França anunciaram no fim de novembro a retirada das tropas até o fim de 1956, enquanto Israel

se retirou apenas em março do ano posterior. Em abril de 1957 o Canal foi totalmente reaberto

e operado exclusivamente pelo Egito.

A campanha no Egito foi um divisor de águas na balança de poder no Ocidente e no

Oriente Médio, diminuindo a capacidade de influência de ambos na região. Já os EUA

ocuparam o vácuo de poder deixado pelos europeus e assumiram a responsabilidade de defender

os interesses ocidentais no Golfo Pérsico (PETERSEN. In: MÖCKLI, Daniel; MAUER, Victor.

2011, p. 19).

A nacionalização do Canal não possibilitou que Estados árabes utilizassem o petróleo

como instrumento político por um longo período de tempo por dois motivos: o primeiro é que

os EUA detinham um excedente de petróleo capaz de abastecer a Europa em tempos de escassez

e o segundo era a impossibilidade dos países árabes produtores traduzirem vontade política em

habilidade de interrupção de fornecimento efetivo, já que a estrutura produtiva do Oriente

Médio estava concentrada sob o controle das companhias estrangeiras que haviam adquirido

concessões legais para explorar o petróleo da região, ou seja, para elevar o petróleo ao nível de

instrumento de política externa (como a Arábia Saudita tentou apesar de sua produção encontra-

se sob domínio da ARAMCO) os produtores deveriam em primeiro lugar se organizar em torno

de doutrinas comuns com o intuito de controlar seus próprios recursos.

A possibilidade da escassez de petróleo gerou uma inquietação que não poderia ser

ignorada pelos países industrializados do Ocidente. Além disso, embora o Egito tivesse sido

derrotado no campo militar, o modo como ocorreu a retirada anglo-francesa do país

proporcionou o desenvolvimento de políticas de caráter nacionalista por parte dos Estados

árabes. A nacionalização da Companhia do Canal de Suez inspirou os governos regionais a

projetarem sua soberania sobre a exploração de petróleo em seus territórios em detrimento dos

regimes de concessão conferidos às companhias ocidentais no início do século.

5. Nasce a OPEP

As crises no Irã e no Egito podem ser consideradas como dois exemplos de

contrariedade dos governos de países do Oriente Médio em relação à presença de companhias

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estrangeiras em atividades vitais da economia dos países da região. Somado a isto, percebe-se

em ambas as ocasiões que o regime de concessões gerou uma série de descontentamentos por

parte dos países concessionários que pretendiam rever contratos previamente firmados, ter uma

participação mais ativa na produção de petróleo bruto, influenciar na definição do preço do

petróleo e, sobretudo, receber uma compensação financeira equivalente ao lucro obtido pelas

empresas estrangeiras.

Após uma série de negociações entre governos e empresas a divisão de lucros em alguns

países ficou em 50% para os dois lados. Os acordos 50/50 foram o primeiro passo para que os

países do Oriente Médio, especialmente os árabes tivessem uma maior participação nos

negócios envolvendo petróleo (YERGIN. 2010, p. 504-507). O princípio 50/50 contribuiu com

o aumento das receitas internas dos países do Oriente Médio, todavia não lhes assegurava poder

de decisão capaz de influenciar na definição do preço do barril de petróleo no mercado

internacional.

No dia 10 de setembro de 1960, representantes da Arábia Saudita, Venezuela, Irã,

Iraque, Kuwait e Catar (na qualidade de observador)15 reuniram-se em Bagdá para encontrar

soluções com o intuito de impedir a redução unilateral do preço do petróleo provocada pelas

grandes companhias. Estes países, com exceção do Catar, detinham um peso político muito

grande pelo fato de suas reservas de petróleo em conjunto representarem o equivalente a 72%

das reservas mundiais no período16. Quatro dias depois da reunião na capital iraquiana foi

anunciada a criação da OPEP, a primeira organização internacional com o objetivo de coordenar

e unificar as políticas de petróleo dos seus membros e de determinar os melhores meios de

salvaguarda dos seus interesses individuais e coletivos. Segundo al-Sowayegh (1984, p. 32-33)

a criação da OPEP está diretamente ligada aos cortes unilaterais do preço do petróleo praticado

pelas grandes companhias internacionais em 1959 e nos primeiros meses de 1960, resultando

em prejuízo financeiro para os países produtores, que desde a primeira redução haviam

advertido às empresas ocidentais a não fazerem alterações sem consulta prévia aos países onde

operavam.

15 O Catar viria a se tornar membro efetivo em 1961. Outros Estados que se tornaram membros da OPEP foram:

Líbia (1962) Indonésia (1962-2009), Emirados Árabes Unidos (1967), Argélia (1969), Nigéria (1971), Equador

(1973-1992, retornando em 2007), Gabão (1975-1994).

16 Organization of the Petroleum Exporting Countries – OPEC – Annual Statistical Bulletin 2014. Disponível em:

http://www.opec.org/library/Annual%20Statistical%20Bulletin/interactive/current/FileZ/Main.htm Acessado no

dia 11 de dezembro de 2015.

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Os cortes de preços pelas empresas tiveram quatro motivos principais: o primeiro foi a

entrada da URSS no mercado petrolífero como uma importante fornecedora do recurso para o

Ocidente, especialmente para a Europa ocidental; seguido por novas descobertas na África,

particularmente na Nigéria, Argélia, Egito e Líbia; o terceiro motivo foi a política protecionista

adotada pelo governo norte-americano impondo, a partir de 1959, cotas para a importação de

petróleo a fim de proteger os produtores nacionais; e por fim, o repasse dos prejuízos de um

mercado saturado de petróleo das companhias para os países produtores. Yergin (2010, p.579-

581) explica que no período em discussão a maioria dos países produtores procurava aumentar

seus lucros através do aumento do volume das vendas. Desta forma, “havia mais petróleo à

procura de mercados do que mercados à procura de petróleo”, o que obrigava as companhias a

oferecer descontos em cima do preço formalmente fixado para garantir a venda do produto,

diminuindo, consequentemente, sua margem de lucro correspondente aos seus 50% de

participação, pois a metade pertencente aos países produtores não era afetada pelos descontos.

A OPEP em pouco tempo se tornaria uma organização com ambição de derrubar o

legado imperialista e exploratório dos contratos de concessão (uma visão de alguns dos próprios

países produtores sobre tais contratos), das esferas de influência coloniais e do controle e

dominação ocidental desenfreado da vida política e económica dos países produtores de

petróleo, visando afirmar a soberania sobre os seus próprios recursos. O Ocidente, porém, não

deu credibilidade a fundação da organização. Para os EUA, por exemplo, a OPEP havia nascido

como um organismo descreditado e desacreditado. Poucos dias depois do anúncio do

estabelecimento da organização foi a vez do jornal norte-americano The Washington Post

qualifica-la como “um briguento conglomerado de emirados, jóqueis de camelo e repúblicas de

banana”. (PUSHKALA. 1997, p.296).

De acordo com Maugeri (2006, p.86), A luta por uma maior produção se tornou um

problema real para a OPEP (e em determinadas ocasiões ainda continua sendo) e tomou forma

a partir do antagonismo político existente entre os seus membros, o que por sua vez alimentou

a indisciplina básica que se tornaria sua norma em muitas ocasiões. Se por um lado existia um

interesse de cooperação no âmbito internacional, por outro existia rivalidade e competição por

mercados e investimento estrangeiro entre os principais membros da entidade. A Arábia Saudita

e o Irã, por exemplo, por motivos culturais, religiosos e comerciais concorriam pela posição de

maior produtor do Oriente Médio e pelo status especial de mais importante aliado do Ocidente

no Golfo Pérsico, o que lhes propiciaria maiores receitas internas. As disputas entre alguns

membros da OPEP passaram a causar um efeito negativo a todos os outros, posto que o aumento

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da produção de petróleo empurrava os preços para baixo e consequentemente feria os principais

objetivos da entidade que preconizava “a coordenação e unificação das políticas de petróleo

dos países membros” e “a estabilização dos preços nos mercados internacionais do petróleo,

com vista a eliminar flutuações nocivas e desnecessárias”17.

A criação da OPEP, apesar das disputas internas, foi uma virada na relação entre os

Estados hospedeiros e as empresas detentoras de concessões. A nova entidade tornou-se um

obstáculo contra qualquer tipo de redução de preços de forma unilateral promovida pelas

grandes companhias, mesmo que nos primeiros anos de sua existência a OPEP não pudesse

tomar medidas arriscadas, já que as reservas de petróleo do subsolo da maioria dos países

membros pertenciam, por contrato, às multinacionais. Além disso, os associados da organização

tinham que se adaptar a um mercado internacional com excedente de petróleo durante toda a

década de 1960 e ao fato de serem concorrentes neste mesmo mercado.

6. A guerra dos Seis Dias e o primeiro embargo árabe do petróleo

A Guerra dos Seis Dias representou um marco para a história das crises do petróleo.

Durante o conflito um grupo de Estados árabes estabeleceu um embargo de petróleo àqueles

que apoiavam Israel. Para fundamentar a importância deste conflito, que foi a terceira guerra

árabe-israelense, é importante verificarmos os fatores que levaram a sua ocorrência, suas

consequências e, sobretudo, sua influência no desenvolvimento do Choque do Petróleo de 1973.

Após a crise de Suez houve um período de armistício entre Israel e seus vizinhos até

meados de 1960. A situação de relativa paz começou a ser desestabilizada com um golpe de

Estado que colocou o partido Baath no poder na Síria em fevereiro de 1966. O partido não era

popular dentro da Síria, e como resultado ele foi confrontado com uma tentação, talvez até

mesmo uma necessidade, para prosseguir uma política externa que iria reforçar a sua posição

doméstica. A hostilidade em relação a Israel e o estreitamento de laços com o Egito eram

aspectos importantes de tal política externa (MARTIN. In: MÖCKLI, Daniel; MAUER, Victor.

2011, p. 64). Em abril de 1967 as forças de defesa israelenses responderam a bombardeios e

morteiros sírios que alvejavam as zonas desmilitarizadas e as comunidades da fronteira norte

com a Síria. A força aérea israelense respondeu aos ataques abatendo seis aeronaves Mig-21

sírias, duas sobre Quneitra nas colinas de Golã e quatro sobre Damasco, capital da Síria.

17 Organization of the Petroleum Exporting Countries Statute. Disponível em:

http://www.opec.org/opec_web/static_files_project/media/downloads/publications/OPEC_Statute.pdf Acessado

no dia 2 de julho de 2015.

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O contra-ataque de Israel inseriu o Egito diretamente no conflito após um desconforto

diplomático envolvendo o presidente Nasser e o rei Hussein da Jordânia, que acusava o Egito

de não socorrer a Síria, visto que os três países possuíam um acordo de ajuda mútua em caso

de guerras envolvendo tais países. Pressionado pelos sírios e jordanianos, Nasser, para preservar

sua liderança no mundo árabe, enviou tropas para o deserto do Sinai e exigiu a retirada das

forças internacionais de paz que ocupavam o local desde a crise do Suez em 1956. Nasser ainda

tomou outras medidas com intenção de encurralar Israel fechando o estreito de Tiran e

bloqueando a navegação israelense no Golfo de Áqaba. Além disso, tornou a fechar a navegação

pelo Canal de Suez como fizera em 1956. A finalidade de Nasser em bloquear a navegação

israelense para Áqaba era “sufocar” o suprimento de petróleo para Israel, pois o porto de Eilat,

no Golfo, era a principal porta de entrada do petróleo iraniano para o país. Na época, o principal

fornecedor de petróleo para Israel era o Irã do Xá Mohammed Reza Pahlavi, aliado ocidental

indispensável na região, conforme abordado no tópico sobre a crise iraniana de 1950-53

(PAINTER. 2012, p. 32).

Os EUA julgavam o fechamento dos estreitos como ilegal e desastroso para a paz

regional e esperava que Israel não desse início a uma ofensiva militar unilateral até que todos

os meios diplomáticos fossem completamente esgotados. Ademais, o governo norte-americano

solicitou ao Egito e à Síria que cooperassem com a ONU e não ameaçassem a estabilidade

regional. Diante das circunstâncias e da constante ameaça em suas fronteiras terrestres e

marítimas, Israel deu início a um conflito preventivo que em apenas seis dias alteraria a balança

de poder regional a seu favor.

No primeiro dia de embate, em 5 de junho de 1967, Israel desferiu um ataque aéreo

contra o Egito no qual sua força aérea destruiu quase todos os aviões de combate do país

africano em solo (cerca de 309 de 340 aeronaves), sem contar as aeronaves sírias e jordanianas

que foram abatidas no ar no mesmo dia. Estima-se que apenas no primeiro dia de conflito a

força aérea israelense tenha destruído cerca de 400 aviões de guerra inimigos, o que lhe permitiu

conquistar a supremacia aérea sobre todos os outros Estados beligerantes reunidos

(CAMARGO. In: MAGNOLLI, Demetrio. 2008, p. 440). No sexto dia de junho, o exército

israelense avançou pelo Sinai e derrotou as tropas egípcias forçando-as a recuar. No terceiro

dia de guerra, paraquedistas israelenses conquistaram Jerusalém oriental que estava sob

ocupação da Jordânia desde a guerra de independência israelense de 1948-1949. Além disso,

outras brigadas saltaram sobre o estreito de Tiran e desfizeram o bloqueio, reabrindo-o à

navegação. Nos dois dias seguintes, Israel ocupou as colinas de Golã na fronteira norte com a

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Síria, onde se encontra a nascente do rio Jordão, uma das principais fontes hídricas da região

do Levante e conquistou definitivamente o Sinai, até que no dia 10 de junho de 1967 todos os

Estados beligerantes assinaram um acordo de cessar-fogo que pôs fim ao conflito. Dessa forma,

Israel provou-se militarmente superior aos seus vizinhos pelo fato de ter conseguido reverter,

em menos de uma semana, uma situação de autodefesa para uma situação de expansão, já que

anexou os territórios conquistados a sua soberania.

A Guerra dos Seis Dias, no entanto, vai além de ser mais uma conflagração entre árabes

e israelenses, mais do que isto, foi um conflito importante na história do petróleo onde pela

primeira vez os Estados árabes produtores do recurso utilizaram-no como instrumento de

política externa. Em junho de 1967, Egito, Jordânia e Síria não eram os únicos países envolvidos

no conflito. Outras nações como Iraque, Kuwait, Arábia Saudita, Líbia e Argélia também

estavam indiretamente envolvidos na guerra colaborando com os países que batalhavam contra

Israel. A crise do petróleo de 1967 foi provocada por estes Estados no dia 6 de junho (segundo

dia de guerra) quando decidiram suspender todos os carregamentos de petróleo para as nações

que davam suporte a Israel, como os EUA, a Grã-Bretanha e em menor grau a Alemanha

Ocidental. Os sauditas inclusive chegaram a suspender as operações da Trans-Arabian Pipeline,

também conhecida como Tapline, um oleoduto com mais de 1.700 quilômetros que

transportava a produção de Dhahran, na costa do Golfo Pérsico, ao porto de Sidom, no Líbano.18

A decisão dos países árabes de interromper o fornecimento do petróleo, sua principal

fonte de rendimentos, além da motivação política pan-arabista, foi influenciada por distúrbios

dentro de suas próprias fronteiras com a ocorrência de greves de trabalhadores dos campos de

petróleo, motins e sabotagens de oleodutos. Até a refinaria de Abadã, no Irã (que não é um país

árabe), foi fechada pela recusa iraquiana de continuar operando navios no canal de Shatt-al-

Arab, linha de fronteira entre os dois países, que escoava a produção da refinaria para o Golfo

pérsico (YERGIN. 2010, p. 626,627). O embargo ainda ganharia um contorno mais alarmante

com a guerra civil nigeriana no mesmo período do conflito árabe-israelense, pois apesar de a

Nigéria não fazer parte do Oriente Médio, o país detinha a posição de terceiro maior produtor

de petróleo do continente africano atrás apenas da Líbia e da Argélia que, como já visto,

estavam indiretamente envolvidas na guerra contra Israel.

O embargo de petróleo imposto pelos países árabes aos aliados de Israel não foi uma

decisão tomada por conta da guerra, mas em circunstância dela. Essa ideia de utilizar o petróleo

18 A capacidade máxima de transferência do oleoduto era de 480.000 de barris por dia, e em seu pico a Tapline

podia transportar cerca de 30 por cento do total da produção de petróleo saudita. (Kaufman 2014, p. 100).

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em favor dos interesses dos Estados produtores da região, já havia sido elaborada desde 1959,

quando a Liga Árabe patrocinou o primeiro Congresso Árabe de Petróleo no Cairo. No entanto

a utilização do petróleo como instrumento de retaliação só ganhou força a partir do quinto

Congresso Árabe de Petróleo que também ocorreu no Cairo, em 1965, quando foi amplamente

considerada a utilização do petróleo como um instrumento político que pudesse causar prejuízos

tanto às grandes companhias do setor quanto aos Estados dependentes de importação (AL-

SOWAYEGH. 1984, p. 89).

A interrupção da produção e do fornecimento de petróleo pelos países árabes, somado

ao fechamento do Canal de Suez e de oleodutos que ligavam o Oriente Médio até o Mar

Mediterrâneo pela segunda vez em pouco mais de uma década, proporcionou que o embargo

de 1967 estruturalmente tomasse uma proporção até então desconhecida para os países

importadores, e assim como em 1956 os europeus foram os mais atingidos pelo embargo. Com

menor disponibilização de petróleo no mercado e sem a possibilidade utilizar o Canal de Suez,

a demanda pelos navios superpetroleiros cresceu a fim de baratear o preço do barril de petróleo,

que em decorrência do conflito árabe-israelense teria que utilizar o Cabo da Boa Esperança, no

sul do continente africano, como principal rota marítima para alcançar a Europa. Os EUA, por

sua vez, eram autossuficientes em petróleo e sua produção doméstica atendia a demanda

interna, ademais, dispunham de estoques suficientes para fornecer uma margem de segurança a

si próprio e a seus aliados europeus em médio prazo.

O embargo promovido pelos países árabes não surtiu o efeito desejado por dois motivos

principais nos campos político e no econômico. No campo político fracassou porque os aliados

de Israel do Ocidente não deixaram de apoiá-lo. Além disso, a suspensão de carregamentos de

petróleo não alterou a balança de poder do Oriente Médio em favor dos países árabes, muito

pelo contrário, em 1967 a vitória militar conferiu a Israel o status de maior potência militar da

região. No campo econômico a utilização do petróleo como instrumento de poder não foi

sentida porque o excedente de petróleo norte-americano disponibilizado no mercado e o

aumento da produção em outros grandes produtores membros da OPEP, como o Irã e a

Venezuela, permitiram que o suprimento fosse restituído em curtíssimo prazo gerando liquidez

de mercado e consequentemente impedindo que os preços subissem. Desse modo, se o embargo

fosse mantido os países árabes acumulariam mais prejuízos do que lucros, tornando suas

balanças comerciais negativas e perdendo receitas, já que o petróleo respondia como o principal

produto de exportação destes países. Nesse sentido, embora alguns países como o Iraque

pretendessem manter as sanções, os governos do Kuwait e da Arábia Saudita, através do seu

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Ministro do Petróleo Ahmed Zaki Yamani, começaram a se conscientizar da ineficácia da

interrupção do fornecimento de petróleo e no dia 29 de agosto de 1967 o embargo foi

interrompido.

Em suma, a Guerra dos Seis Dias foi um conflito que consolidou Israel como a principal

potência militar do Oriente Médio. A vitória rápida e devastadora e a consequente anexação de

territórios pelo Estado israelense alteraram a natureza dos conflitos árabe-israelenses. Somado

a isto, o triunfo israelense resultou num nível maior de envolvimento das potências externas à

região e contribuiu para que novos laços fossem cultivados no relacionamento entre o país e os

EUA. Para os Estados árabes, embora a tentativa de utilizar o petróleo como arma não tenha

atingido seu objetivo, a possibilidade de utilizá-lo em outro caso não havia sido esgotada pelo

conflito e no ano seguinte se reuniram para formar uma organização internacional capaz de

coordenar políticas comuns relacionadas ao petróleo dos países árabes do Oriente Médio e do

Norte da África.

7. A criação da OPAEP

Cerca de seis meses depois da Guerra dos Seis Dias, em 9 de janeiro de 1968, a Arábia

Saudita, o Kuwait e a Líbia fundaram a Organização dos Países Árabes Exportadores de

Petróleo (OPAEP) estabelecendo sua sede na Cidade do Kuwait. Porém, a finalidade inicial,

diferentemente do embargo promovido em 1967, era manter o petróleo fora do plano político.

“O principal objetivo da OPAEP, mas não exclusivo, era promover a

cooperação entre seus membros fundadores nos diversos ramos das atividades

relacionadas ao petróleo. O objetivo era desenvolver um novo quadro diferente

daquele da Liga dos Estados Árabes e liberar o petróleo do crescente

estrangulamento da politização e removê-lo da sempre presente tentação de

usá-lo na arena política. ” (MAACHOU. 1982, p.17).

A criação da OPAEP foi motivada à época pelo nacionalismo árabe, pelo espírito do

pan-arabismo nasserista, pelo nacionalismo árabe e pelo interesse desses países em deter o

controle da sua produção de petróleo em detrimento de companhias internacionais do setor.

Além disso, o insucesso em usar o petróleo como instrumento de política externa durante a

Guerra dos Seis Dias impulsionou os Estados árabes a procurarem coordenar suas políticas

ligadas ao petróleo de forma coesa entre eles. Desse modo, outros países árabes do Oriente

Médio e do Norte da África se juntaram a OPAEP nos anos conseguintes somando um total de

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43

11 membros na organização com a adesão de Argélia, Bahrain, Catar e Emirados Árabes Unidos

(EAU) em 197019; Iraque e Síria em 1972; Egito no ano de 1973 e Tunísia em 1982.20 Do ponto

de vista estratégico o bloco se encontra uma posição geográfica privilegiada ocupando uma

forma de cinturão alongado passando por estreitos desde o Oceano Atlântico no Ocidente até o

Golfo Árabe no Oriente, bem como do Oceano Índico através do Mar Vermelho ao

Mediterrâneo, ocupando espaços importantes dos continentes da África e da Ásia. As condições

geográficas conferiram aos países árabes na geopolítica do petróleo a posição de centro de

produção e distribuição para o Ocidente e para o Oriente (MAACHOU. 1982, p. 95).

Para Mingst (1977, p. 97), além da intenção de cooperação no que tange a política do

petróleo, o estabelecimento da OPAEP foi visto como uma necessidade entre os países árabes

se os mesmos pretendessem futuramente aproveitar sua capacidade de produção para fins

políticos, já que no âmbito da OPEP provavelmente isto não ocorreria, visto que os Estados não

árabes como a Venezuela, a Indonésia e até mesmo o Irã preferiam não se envolver nos conflitos

árabe-israelenses.

Os adeptos da OPAEP, sabendo que o petróleo era a sua fonte básica e principal de

recursos e receitas nacionais, declararam como objetivo principal da organização:

“(...) A cooperação entre os membros em várias formas de atividades

econômicas na indústria do petróleo, o estreitamento dos laços entre eles neste

setor, a determinação de modos e meios de salvaguardar os interesses legítimos

dos membros nesta indústria, individual e coletivamente, a unificação de

esforços para assegurar o fluxo de petróleo para os seus mercados

consumidores em condições razoáveis e equitativas, e a criação de um clima

adequado para o capital e experiência investidos na indústria do petróleo nos

países membros.” (Agreement of the Organization of the Arab Petroleum

Exporting Countries. In: MAACHOU. 1982, p. 154. Tradução minha).

É importante mencionar que no acordo de fundação da OPAEP havia sido estabelecida

uma cláusula que determinava que o ingresso de novos membros na entidade deveria ter como

princípio a necessidade de o aspirante à adesão ter o petróleo como fonte principal e essencial

de suas receitas nacionais. Foi com base neste artigo que a organização aceitou as solicitações

19 À época representados por Abu Dhabi, Dubai e outros emirados independentes. A unificação ocorreria apenas

em dezembro de 1971.

20 Como a Tunísia entrou na OPAEP apenas em 1982 e se retirou quatro anos depois, não serão contabilizadas as

informações referentes a este país quando neste trabalho forem contabilizados quaisquer dados referentes à

organização árabe.

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44

de associação dos Estados que nela adentraram como membros em 1970. Em 1971, Mingst

(1977, p.102) e Maachou (1982, p. 45) explicam que o acordo da OPAEP foi alterado e que o

petróleo não precisava mais ser a fonte básica e principal das receitas dos membros, mas que a

partir de então o petróleo deveria apenas providenciar parte das receitas de exportação, o que

permitiu a entrada do Egito e da Síria.21

O Egito e a Síria, embora não fossem grandes produtores ou exportadores de petróleo

desempenhavam um papel relevante na relação de interdependência no mercado regional como

importantes países de trânsito. A Síria, por exemplo, está localizada em posição privilegiada

para escoar a produção do Oriente Médio para a Europa através dos oleodutos que atravessavam

(e ainda atravessam) o país, como o Kirkuk–Baniyas que foi aberto em 1952 e escoa a produção

do norte do Iraque para o Mar Mediterrâneo22. O Egito, por sua vez, o terceiro maior produtor

de petróleo da África no início da década de 1970 – atrás apenas de Líbia, Nigéria e Argélia –

além de controlar o tráfego marítimo do Canal de Suez desde a crise de 1956, a rota mais rápida

e barata para a passagem dos petroleiros que saem do Golfo Pérsico em direção ao continente

europeu e americano, exercia desde meados da década de 1950 um papel de liderança e

influência política significativa sobre os demais Estados árabes em diversos campos, dentre os

quais o setor petrolífero.

O pedido de ingresso mais controverso da OPAEP, no entanto, foi o iraquiano, pois

países contrários à sua entrada na entidade como a Arábia Saudita, Bahrein, Catar e EAU

temiam que a influência de organizações esquerdistas em atividade no Iraque, principalmente

do partido socialista Baath, no poder desde 1968, ameaçasse os objetivos de integração

estritamente econômica e de mercado comum entre os países árabes produtores de petróleo. Por

outro lado, Líbia, Kuwait e Argélia por afinidade política davam suporte à adesão iraquiana e

decidiram não enviar representantes para reuniões da entidade enquanto houvesse oposição ao

Iraque, até que em 1972 o país foi aceito formalmente como membro do grupo. Estes três países

mais o Iraque eram vistos como “radicais” pelos outros membros pelo fato de defenderem o

uso político do petróleo como instrumento dissuasório contra os parceiros ocidentais de Israel

(MINGST. 1977, p.102).

Segundo Ahrari (1979, p.12) um dos motivos da oposição das monarquias do Golfo

Pérsico em relação ao uso do petróleo para fins políticos tinha relação com a sensação de

21 Ver também Agreement of the Organization of Arab Petroleum Exporting Countries. In: Maachou, 1982.

22 Atualmente o oleoduto Kirkuk–Baniyas não opera de forma integral visto que o mesmo foi danificado em

território iraquiano durante a invasão norte-americana no país em 2003.

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insegurança causada pelos movimentos antimonarquistas que havia derrubado os reis do Egito

(1952), Iraque (1958) e Líbia (1969). Em sua visão, o autor argumenta que até a década de 1970

parecia haver uma relação de troca de favores entre os reinos do Golfo e os EUA. Tal

relacionamento acontecia de modo que os EUA desempenhavam um papel de garantidor da

sobrevivência destes Estados – isto é, dos regimes governamentais dos mesmos – enquanto eles

serviam como canais de segurança para os norte-americanos, Europa Ocidental e Japão. Desse

modo, de acordo com a concepção do autor, este tipo de envolvimento entre as partes pesava

em favor dos EUA e impedia que os governos da região, dependentes da proteção providenciada

por uma potência externa, influenciassem a política norte-americana a se posicionar contra os

interesses de Israel.

O interesse de usar o petróleo como plataforma de política internacional, por outro lado,

segundo Maachou (1982, p. 43,44) se sobrepunha aos objetivos de criação da OPAEP que

visavam essencialmente “providenciar um aparato institucional para um grupo de países árabes

que não haviam aprovado nem o processo de politização crescente do petróleo, nem as novas

direções em que as ações da OPEP pareciam cada vez mais estar se movendo”. Porém,

conforme afirmação de Mingst (1977, p.103), sob a influência dos novos membros, as políticas

com direcionamento para as aplicações internas entre os membros da organização passaram a

ser suprimidas por outras orientadas para o exterior, de modo a garantir os interesses de parte

dos membros fazendo uso do petróleo como “arma” em situações consideradas propícias para

esse fim.

O início dos anos 1970 propiciaria o momento oportuno para a utilização do petróleo

como arma política para a OPAEP. A queda da capacidade produtiva dos EUA, a

desvalorização do dólar e mais uma guerra entre árabes e israelenses ofereceriam a

oportunidade prática de ação estratégica por parte dos países árabes produtores do recurso.

Considerações Finais

As crises do petróleo anteriores a 1973 foram o resultado da insatisfação dos países

produtores de petróleo do Oriente Médio com os regimes de concessão acordados com as

grandes companhias estrangeiras, consideradas como representantes dos interesses ocidentais

na região. No entanto, pode-se concluir que tais regimes possuíam legalidade relativa para

vigorar nos países árabes e no Irã, pois por um lado os governos da região haviam permitido a

presença das empresas em seus territórios e, por outro, estes mesmos governos, por serem

colônias ou ex-colônias europeias no período em que as Sete Irmãs descobriram e passaram a

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explorar reservas em suas terras não possuíam autonomia o suficiente para requerer jurisdição

sobre as áreas ocupadas antes de sua independência.

A crise no Irã, no início da década de 1950, foi importante para o desenvolvimento das

crises do petróleo e consequentemente do Choque do Petróleo porque mesmo em não se

tratando de um Estado árabe, foi o primeiro caso em que um país da região desafiou os

interesses de uma companhia estrangeira e, por conseguinte, de seu país-sede: a Grã-Bretanha.

Embora Mossadegh não tivesse condições econômicas para manter a nacionalização da AIOC

em prol dos interesses iranianos, sua atitude foi concebida por seus vizinhos como um

precedente motivador para a condução de políticas de cunho nacionalista no que se referia à

questão do petróleo para os principais produtores da região.

A Crise do Canal de Suez foi a primeira crise genuinamente árabe que causou impacto

no mercado do petróleo. O fechamento da principal rota marítima da região para a transportação

do petróleo produzido no Oriente Médio com destino ao Ocidente, em conjunto com a invasão

militar tripartite de Grã-Bretanha, França e Israel para recuperar o Canal de Suez, causaram

uma crise de abastecimento na Europa e consequentemente causou um princípio de valorização

dos preços do barril de petróleo. Sem apoio dos EUA e sob ameaça de intervenção soviética no

Egito, os países belicistas recuaram e se retiraram do país. Nesse período, os EUA assumiram

o papel de principais fornecedores de petróleo para França, Grã-Bretanha e outros países

europeus que dependiam da importação da commodity produzida no Golfo Pérsico. Dessa

forma, além da tensão natural entre norte-americanos e soviéticos na época da Guerra Fria, a

ameaça de suspensão do fornecimento de petróleo por parte do governo norte-americano para

os aliados europeus em caso de manutenção da campanha militar em território egípcio, aliado

ao temor das companhias estadunidenses de serem consideradas coniventes com a agressão ao

Egito e sofrerem restrições de outros países árabes, levaram os invasores a se retirarem e

concedeu a Nasser e ao pan-arabismo uma importante vitória política.

Na alvorada da década de 1960 grandes produtores do mundo árabe mais o Irã e a

Venezuela fundaram a OPEP, a primeira organização intercontinental de países do Terceiro

Mundo com o objetivo de fazer frente aos interesses das companhias petrolíferas e seus Estados

representantes relacionados à questão do petróleo. O principal interesse da OPEP era controlar

o nível de produção dos seus afiliados e, sobretudo, definir os preços finais de comercialização

do petróleo. Não foram encontrados indícios que a entidade pretendia utilizar o recurso como

instrumento de política externa, sua principal vontade no período em que foi fundada era

aumentar sua margem de lucros e que seus membros assumissem o comando das atividades

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internas do setor petrolífero, sem a necessidade de exclusão da participação das empresas

estrangeiras.

A crise decorrente da Guerra dos Seis Dias, embora tenha tido a participação de

produtores árabes de peso do ramo do petróleo, a exemplo do Iraque, Kuwait, Arábia Saudita,

Líbia e Argélia, não atendeu os objetivos árabes por três motivos: o excedente de petróleo no

mercado que possibilitou uma rápida recuperação do mesmo; a capacidade dos EUA de

abastecerem seus aliados em caso de interrupção de fornecimento advinda do Oriente Médio; e

a falta de coordenação centralizada por parte dos Estados árabes que se solidarizaram com o

Egito, Síria e Jordânia na Guerra.

A fundação da OPAEP em 1968 concedeu uma nova dinâmica às relações entre os

países árabes no que tange ao petróleo. Ao ocupar áreas próximas aos Oceanos Índico e

Atlântico, além do Mar Mediterrâneo, a entidade, com objetivos comuns para seus membros,

concebeu uma nova capacidade de projeção de poder tanto no que se refere aos países

produtores quanto aos países de trânsito marítimo e terrestre. Embora houvesse rusgas de

naturezas diferentes entre os afiliados da OPAEP, a organização desempenharia um papel

fundamental na coordenação das políticas do petróleo dos países árabes na quarta Guerra árabe-

israelense, ocasionando a maior crise do petróleo orquestrada por Estados produtores do

Terceiro Mundo.

Por fim, conclui-se que as crises do petróleo que antecederam o Choque de 1973

assumiram três níveis distintos e hierárquicos, dentre os quais, o primeiro com o menor impacto

no ambiente internacional e o último com maior, sendo dois anteriores a fundação da OPEP e

um anterior ao estabelecimento da OPAEP. O primeiro nível, correspondente à crise iraniana,

foi um caso de nacionalização de empresa estrangeira no Oriente Médio, ligada a uma dinâmica

de relação trilateral entre um Estado produtor, um consumidor e uma grande companhia

petrolífera, a saber: Irã, AIOC (atual BP) e Grã-Bretanha respectivamente. O segundo nível, a

Crise do Suez, se sobrepõe ao primeiro porque ultrapassa a questão apenas da nacionalização

de uma empresa estrangeira, neste caso a Companhia do Canal de Suez, e envolve uma guerra

entre árabes e israelenses mais a intervenção de duas potências europeias para defender seus

interesses na região. A insatisfação dos EUA com a união tripartite e a retirada dos belicistas

do Egito concedeu aos norte-americanos o status de principal potência estrangeira na região,

inserindo, assim, os Estados produtores de petróleo do Oriente Médio e do Norte da África em

sua órbita de interesses. Por último, o terceiro nível, envolve um conflito árabe-israelense, o

fechamento de rotas de carregamento para transportar o petróleo para o Ocidente, além da

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interrupção de fornecimento de petróleo por exportadores árabes de grande porte. Embora o

embargo de 1967 não tenha surtido o efeito esperado, a criação da OPAEP e as condições

internacionais, permitiriam aos Estados árabes um resultado diferente em 1973.

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49

Capítulo II

O Choque do Petróleo

Considerações Iniciais

As Guerras Árabes-Israelenses e a utilização do petróleo como arma estão

subjetivamente ligadas à Questão Palestina, que desde a criação do Estado de Israel tem gerado

animosidade entre os dois povos. Para Al-Sowayegh, (1984, p.51).

“A Questão Palestina é a causa fundamental da utilização do petróleo como instrumento

político”, pois “A crise do petróleo está enraizada na questão mais ampla do conflito árabe-

israelense. O conflito é por sua vez uma consequência da mais fundamental Questão Palestina”.

Até 1973 haviam ocorrido quatro conflitos entre árabes e israelenses. O primeiro foi em

1948, ano de independência e criação do Estado israelense; o segundo em 1956 durante a crise

do Canal de Suez, nacionalizado pelo Egito e que teve impacto direto no mercado de petróleo,

já que com o fechamento do Canal o preço do barril sofreu alteração no valor, posto que no

período da crise os petroleiros tiveram que contornar o sul do continente africano, via Cabo da

Boa Esperança, para abastecer o mercado ocidental. Mas a utilização do petróleo como

instrumento político se consolidaria após o terceiro conflito em 1967.

A Guerra dos Seis Dias representou um marco para a história do petróleo. Durante o

conflito entre os países envolvidos, um grupo de Estados árabes estabeleceu um embargo de

petróleo contra os aliados de Israel, que diante de constante ameaça em suas fronteiras terrestres

e marítimas por parte do Egito, da Jordânia e da Síria, empreendeu uma ofensiva (considerada

pelo alto comando israelense como preventiva) que em apenas seis dias impôs uma derrota

esmagadora sobre os três países e alterou a balança de poder regional em seu favor. No segundo

dia de guerra, no entanto, outros países indiretamente envolvidos no conflito como Iraque,

Kuwait, Arábia Saudita, Líbia e Argélia, decidiram suspender todos os carregamentos de

petróleo para os aliados israelenses, dentre as quais os EUA, a Grã-Bretanha e em menor grau

a Alemanha Ocidental.

Cerca de seis meses depois da Guerra dos Seis Dias, em 9 de janeiro de 1968, a Arábia

Saudita, o Kuwait e a Líbia fundaram a OPAEP motivados pelo nacionalismo árabe, pelos

resultados dos congressos árabes de petróleo promovidos pela Liga Árabe e pelo interesse

desses países em deter o controle da sua produção de petróleo. Porém, a finalidade inicial,

diferentemente do embargo promovido em 1967, era manter o petróleo fora do plano político.

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Pode-se considerar, no entanto, que o quarto conflito árabe-israelense, a Guerra do Yom

Kippur23, também conhecida como Guerra de Outubro ou de Ramadã (nomenclatura adotada

por alguns analistas árabes), reavivou o interesse em usar o petróleo como instrumento de

política externa. Um dos principais motivos que levaram à guerra foi a reivindicação de Egito,

Síria e Jordânia para que Israel devolvesse os territórios destes países (a península do Sinai, as

colinas de Golã, Jerusalém Oriental e Cisjordânia) que haviam sido conquistados na guerra de

1967. No entanto, Israel não tinha interesse em ceder à pressão, visto que não considerava as

fronteiras pré-1967 seguras para sua soberania nacional. A superioridade militar do Estado

israelense acarretou em um sentimento de que o país não poderia ser derrotado em um conflito

armado pelos seus vizinhos e que a probabilidade da alteração do status quo da região era

praticamente nula.

Dado o contexto em que se insere o Choque do Petróleo, este capítulo tem como

pressuposto analisar as motivações que levaram os Estados árabes não envolvidos na Guerra

do Yom Kippur a se envolverem de forma indireta promovendo um embargo de petróleo em

nome de um apoio regional político pró-árabe e dos direitos do povo palestino, além de verificar

as causas que contribuíram para que os preços da referida commodity disparassem no mercado

internacional.

Este capítulo encontra-se estruturado em quatro tópicos da seguinte maneira: o primeiro

versa sobre as principais causas da quarta guerra árabe-israelense desde 1948 e as características

do conflito que levaram os membros da OPAEP a adotarem um embargo de petróleo como

instrumento de política externa para pressionar os aliados de Israel a aderirem a causa árabe; o

tópico seguinte apresenta o texto do comunicado oficial da OPAEP que expressa um sentido de

cooperação e de solidariedade para com a causa sírio-egípcia em um plano inferior e com a pan-

arabista em uma conjunção superior. O terceiro aborda o Choque como evento histórico

discutindo as causas que levaram a sua ocorrência, as consequências e medidas emergenciais

para os aliados de Israel, principalmente os EUA, e os resultados decorrentes do corte de

fornecimento do recurso por parte da OPAEP.

No final, o último item do capítulo, versa sobre outras razões, anteriores ao embargo

árabe, que contribuíram para que o valor de mercado do barril de petróleo tivesse um aumento

exorbitante em poucos meses. Os eventos que contribuíram para tal, aqui analisados, são os

23 O Yom Kippur é um dos mais importantes feriados sagrados para os judeus do calendário judaico. Instituído

em Levítico 23:26-32 por ordem divina expressa ao profeta Moisés, o costume neste dia é abster-se de atividades

ligadas ao trabalho.

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51

acordos de Trípoli e Teerã firmados entre países produtores da OPEP e as grandes companhias

de petróleo ocidentais que atuavam em seus territórios desde as concessões outorgadas pelos

Estados hospedeiros nas primeiras décadas do século XX; o impacto do término do padrão

ouro-dólar adotado em Bretton Woods em 1944; e a última razão abordada, porém não menos

importante, diz respeito a uma reunião do grupo Bilderberg organizada de forma confidencial

envolvendo representantes de governos, petrolíferas, banqueiros e de outros importantes

setores, norte-americanos e europeus, onde foi discutida a necessidade da valorização do preço

do petróleo no mercado internacional com finalidade de viabilizar a exploração de reservas em

locais de difícil acesso e com alto custo de produção, bem como diminuir seus níveis de

dependência para com o petróleo produzido nos países árabes.

1. A guerra do Yom Kippur – 1973

No dia 28 de setembro de 1970 o presidente egípcio Gamal Abdel Nasser faleceu e em

seu lugar assumiu o também militar Anwar Sadat. Em seus anos como chefe de Estado, Nasser

se dedicou a promoção de uma aproximação ideológica entre os países árabes e liderou o

movimento pan-arabista e a luta anti-imperialista nas regiões do Oriente Médio e do Norte da

África. A ascensão de Sadat ao poder representava uma expectativa de mudança na condução

da política externa egípcia – principalmente após a derrota vexatória na Guerra dos Seis Dias –

que levasse o país a buscar um acordo com Israel em conformidade com a resolução 242

baixada pelo Conselho de Segurança da ONU em novembro de 1967. O teor da resolução

expressava a contínua preocupação com a gravidade da situação no Oriente Médio e os termos

versavam sobre a retirada das forças israelenses dos territórios ocupados e sobre o

estabelecimento de uma paz duradoura na região.24

Em fevereiro de 1971 Sadat se comprometeu a reabrir o Canal de Suez, fechado desde

a Guerra dos Seis Dias, se Israel iniciasse a retirada de suas tropas da margem leste do Canal,

o que foi amplamente rejeitado pela Primeira-Ministra israelense Golda Meier. Em julho de

1972, Sadat decidiu expulsar conselheiros militares soviéticos do Egito e em fevereiro de 1973,

Hafiz Isma‘il conselheiro de segurança nacional egípcio se reuniu com o secretário de Estado

norte-americano Henry Kissinger, e informou que o Egito estaria disposto a assinar um acordo

de paz em separado com Israel, mas para que tal situação tivesse um desfecho positivo, Israel

teria que se retirar de todos os territórios conquistados em 1967. Os israelenses responderam

24 Conselho de Segurança das Nações Unidas. Resolução n. 242, de 22 de novembro de 1967. Disponível em

http://www.un.org/en/sc/documents/resolutions/ Acessado no dia 2 de outubro de 2014.

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52

com hesitação, e Nixon e Kissinger empreenderam pouco esforço para levar a proposta adiante,

frustrando o esforço diplomático por parte do Egito25.

No dia 6 de outubro de 1973, no feriado israelense do Yom Kippur, Egito e Síria

desencadearam uma ofensiva contra Israel. Apesar de sua inferioridade militar, sírios e egípcios

procuravam criar uma situação política que permitisse forçar Israel à mesa de negociações, pois

como o Estado judeu não aceitava negociar um acordo que o fizesse se retirar dos territórios

conquistados Sadat e Hafez al-Assad, presidente sírio, entenderam que o empreendimento de

uma nova guerra era a forma mais adequada para perseguir seus objetivos políticos e

reincorporar os territórios perdidos em 1967 às suas fronteiras.

De acordo com Kissinger (1982, p. 221), a primeira-ministra Golda Meier acreditava

que Israel era militarmente inexpugnável e que após a vitória avassaladora na Guerra dos Seis

Dias a balança de poder da região pendia a favor do Estado judeu. Dessa forma, o governo

israelense acreditava que nenhum Estado hostil da região seria capaz de impor perdas

consideráveis a Israel. Meier estava disposta a iniciar conversas, embora não se comprometesse

a um resultado. Quanto ao Egito, ela estava disposta a fazer um acordo de desengajamento ao

longo do Canal de Suez como um primeiro passo em direção a uma solução definitiva. Mas ela

não iria concordar com um arranjo final de fronteiras antes do início das negociações.

A penetração das forças sírias e egípcias nas colinas de Golã e no Sinai, respectivamente,

teve suporte indireto da URSS que era um importante parceiro na venda de armamentos para

ambos os países. A URSS possuía interesses no local como a expansão de seu alcance naval e

militar através dos portos e bases da região, seu principal objetivo era ter acesso às águas

quentes do Oceano Índico e ao petróleo produzido no Golfo Pérsico. Com este fim, Moscou

buscava exportar sua ideologia ao Oriente Médio estimulando movimentos de caráter

comunista na região e bajulando regimes nacionalistas anti-israelenses. Mas, as ambições

hegemônicas soviéticas iam de encontro às americanas, que procuravam impedir a difusão dos

ideais soviéticos no local. Para tanto, mediar a paz entre árabes e israelenses era interesse

estratégico para Washington, que tinha Israel como um aliado de extrema importância para

conter o avanço do comunismo e preservar o acesso irrestrito ao petróleo da região.26

25 U.S Depatment of State: Office of the Historian. MILESTONES: 1969–1976. The 1973 Arab-Israeli War.

Disponível em https://history.state.gov/milestones/1969-1976/arab-israeli-war-1973 Acessado no dia 2 de

outubro de 2014.

26 ASHLEY, Sean Paul. Cold War Politics in the Middle East. E-International Relations, maio 2012. Disponível

em http://www.e-ir.info/2012/08/30/cold-war-politics-in-the-middle-east/ Acessado em 30 de setembro de 2014.

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53

Israel, embora possuísse superioridade militar em relação aos países vizinhos deparou-

se com uma grave situação por conta dos reveses no início do conflito. Um destacamento

conjunto de tanques sírios, jordanianos e iraquianos atacou Israel ao norte através das colinas

de Golã. Ao sul, o exército egípcio atravessou o Canal de Suez e destruiu a linha Bar Lev, onde

Israel havia edificado posições de defesa para assegurar sua posição na região do Canal. Com

a perda de cerca de 500 tanques e 49 aviões de combate Israel solicitou auxílio militar aos EUA.

No dia 9 de outubro Washington deu luz verde para que o fornecimento de armamentos

americanos para o conflito entrasse em vigor.27

Yergin (2010, p. 685) aponta que ao governo estadunidense era interessante prestar

auxílio militar de forma sigilosa para que seus parceiros comerciais árabes não fossem

insultados. Os aviões cargueiros C-5A responsáveis pela entrega suprimento bélico – com

capacidade de transportar caças e tanques de guerra – deveriam chegar em solo israelense na

madrugada do dia 13 de outubro, porém devido às más condições climáticas pousaram na

manhã do dia 14. Os árabes, embora reconhecessem a parceria estratégica entre ambos países,

decidiram reprimir a ajuda americana impondo um embargo de petróleo sobre os EUA e outros

países que apoiavam Israel. Ainda no dia 14 as forças israelenses contiveram o avanço egípcio

no Sinai e no dia 16 penetraram no território do país. A partir de então as forças israelenses

passaram a ganhar terreno também no norte, forçando o exército sírio a se retirar de suas

fronteiras e avançando rumo a Damasco.

As batalhas continuaram por mais alguns dias até que no último decêndio de outubro o

Conselho de Segurança da ONU baixou as resoluções 338 e 339 requerendo que as partes

envolvidas na guerra interrompessem o conflito, buscando força-los à mesa de negociações.28

2. O comunicado árabe

No dia 17 de outubro de 1973, onze dias após o ataque que deu início a quarta guerra

árabe-israelense, os membros da OPAEP anunciaram cortes de produção e um embargo de

fornecimento aos aliados de Israel, numa reunião realizada no Kuwait, até que os direitos do

27 Henry Kissinger. “Memorandum of conversation between Henry A. Kissinger, Secretary of State; Ambassador

Simcha Dinitz of Israel; Military Attaché General Mordechai Gur; General Brent Scowcroft, Deputy Assistant to

the President for National Security Affairs and Peter W. Rodman, NSC Staff.” In : Foreign Relations of the

United States, 1969–1976. Arab-Israeli Crisis and War, 1973, p. 392-396. Volume XXV.

28 Conselho de Segurança das Nações Unidas. Resoluções n. 338 e 339 de 22 e 23 de outubro de 1973

respectivamente. Disponível em http://www.un.org/en/sc/documents/resolutions/ Acessado no dia 8 de outubro

de 2014.

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54

povo palestino fossem respeitados e os territórios conquistados por Israel seis anos antes fossem

completamente liberados.

Entre as delegações presentes na reunião, a do Iraque tinha interesse em tomar as

atitudes mais radicais contra os norte-americanos, principais aliados de Israel, como estatizar

todas as suas companhias de petróleo instaladas nos territórios dos países membros da OPAEP,

sacar todo capital árabe dos fundos financeiros norte-americanos e estabelecer um embargo

total de petróleo contra os EUA e todos os países que davam suporte a Israel. No entanto, do

ponto de vista das outras delegações presentes no encontro, tal atitude poderia trazer

consequências incertas aos Estados árabes e por isso dispensaram tomar medidas ultrarradicais.

Com a rejeição do plano iraquiano a delegação que representava o país se retirou e não

participou da elaboração do documento árabe que comunicava sobre os cortes na produção de

petróleo, que pode ser lido abaixo na íntegra:

Os países árabes exportadores de petróleo contribuem para a

prosperidade do mundo e para o crescimento da sua economia através de suas

exportações deste recurso natural. Apesar do fato de que a produção de muitos

desses países tenha ultrapassado os níveis exigidos pela sua economia interna

e as necessidades de energia e receita de suas futuras gerações, eles

continuaram a aumentar a sua produção, sacrificar seus próprios interesses ao

serviço da cooperação internacional e do interesse dos consumidores.

Sabe-se que grandes partes dos territórios de três Estados árabes

foram forçadamente ocupados por Israel na guerra de junho de 1967. Israel

continuou a ocupá-los desafiando às resoluções da ONU e várias chamadas

para a paz dos países árabes e das nações amantes da paz.

Embora a comunidade internacional esteja sob uma obrigação de

implementar as resoluções da ONU e prevenir o agressor de colher os frutos

de sua agressão e ocupação dos territórios de outros pela força, a maioria dos

países industrializados que são consumidores do petróleo árabe falharam em

tomar medidas ou agir de uma forma que poderia indicar sua consciência desta

obrigação internacional pública. De fato, as ações de alguns países tendem a

apoiar e reforçar a ocupação.

Antes e durante a guerra atual, os EUA têm sido ativos em fornecer a

Israel todos os meios de poder que tem servido para agravar sua arrogância e

habilitá-lo a desafiar os direitos legítimos de terceiros e os princípios

inequívocos de direito internacional público.

Em 1967, Israel foi instrumental para fechar o Canal de Suez e

sobrecarregar a economia europeia com as consequências dessa ação. Na

guerra atual, Israel atacou os terminais de exportação de petróleo do

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55

mediterrâneo oriental, causando a Europa outro déficit no suprimento. Esta é a

terceira ocorrência resultante do desrespeito de Israel dos nossos direitos

legítimos com o apoio dos EUA. Os árabes foram, portanto, induzidos a tomar

uma decisão de descontinuar os seus sacrifícios econômicos na produção de

quantidades de seus ativos de petróleo em excesso do que seria justificado por

considerações econômicas domésticas, a menos que a comunidade

internacional se apresse a retificar matérias para convencer Israel a se retirar

de nossos territórios ocupados, bem como deixando os EUA saberem o alto

preço que os grandes países industriais estão tendo que pagar como resultado

do suporte cego e ilimitado para com Israel.

Por isso, a reunião dos Ministros do petróleo árabes no Kuwait hoje

decidiu reduzir sua produção de petróleo mais rapidamente possível por não

inferior a 5 por cento do nível de produção do mês de Setembro (1973) em

cada país árabe exportador de petróleo, com uma redução similar será aplicada

sucessivamente a cada mês, calculada com base na produção do mês anterior,

até o momento em que a evacuação total das forças israelenses de todos os

territórios árabes ocupados durante a guerra de junho de 1967 seja concluída e

os direitos legítimos do povo palestino sejam restaurados.

Os conferencistas tiveram o cuidado de garantir que as reduções na

produção não devem afetar qualquer Estado amigável que tenha entendido ou

que no futuro venham prestar assistência concreta aos árabes. O fornecimento

de petróleo para qualquer desses Estados será mantido na mesma quantidade

que eles estavam recebendo antes da redução. O mesmo tratamento

excepcional será estendido a qualquer Estado que tome medidas significativas

contra Israel com vista a obriga-lo a terminar sua ocupação dos territórios

árabes usurpados.

Os ministros árabes apelam a todos os povos do mundo e,

particularmente, para o povo americano, para apoiar a nação árabe na sua luta

contra o imperialismo e a ocupação israelense. Reafirmamos a eles o desejo

sincero da nação árabe em cooperar plenamente com todos os povos do mundo

e sua disponibilidade de abastecer o mundo com suas necessidades de petróleo,

assim que o mundo demonstre sua simpatia conosco e denuncie a agressão

contra nós.29

29 Communiqué issued by the Conference of Arab Oil Ministers, Kuwait, October 17, 1973. In: SHIHATA,

Ibrahim. The case of the Arab Oil Embargo, p 75-77. O comunicado foi assinado por representantes da Arábia

Saudita, Kuwait, Líbia, Argélia, Egito, Síria, Abu Dhabi, Bahrein e Qatar. O Iraque recusou a assinar o

documento por entender que os países árabes deveriam praticar um embargo de 100% das exportações de

petróleo para os EUA.

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56

O comunicado emitido pela OPAEP foi o documento oficial que deu início ao Choque

do Petróleo. al-Sowayegh (1984, p. 103) explica que a “guerra do petróleo” foi lutada pelos

países da OPAEP em três frontes distintas e complementares: redução da produção; embargo

seletivo aos países que manifestaram apoio direto a Israel intervindo diretamente na guerra

árabe israelense com ajuda logística, militar ou financeira; e aumento unilateral de preços sem

participação direta das grandes companhias petrolíferas estrangeiras que atuavam em seus

territórios. O autor ainda considera a possibilidade de abertura de um quarto “fronte de batalha”

que incluiria a nacionalização das companhias estrangeiras, mas que foi considerada de forma

particular pelos países árabes e não no âmbito da OPAEP.

3. Choque do Petróleo

O comunicado apresentado no tópico anterior expressa um sentimento de nacionalismo

e cooperação em tempos de guerra que permeava as relações entre os países árabes durante as

décadas de 1960 e 1970. Nesse sentido, a providência tomada por eles em relação ao uso do

petróleo como “arma” foi simbólica e significativa. Os membros da OPAEP anunciaram que

cortariam a produção petrolífera em 5% ao nível do mês de setembro de 1973 e continuariam

cortando a mesma porcentagem nos meses seguintes. Mas os cortes para os EUA seriam de

10%, até que Israel se retirasse dos territórios ocupados.

A determinação da interrupção gradativa da produção de petróleo ganhou maior

relevância do que os cortes mensais por si próprios, visto que no dia anterior, a cúpula dos

ministros do petróleo reunida no Kuwait anunciou o aumento unilateral dos preços de

comercialização do barril de petróleo de US$ 3,01 para US$ 5,12, o que proporcionou uma

valorização do preço do barril de cerca de 70% de valorização em único dia. Vale ressaltar que

o preço do barril era comercializado há mais de vinte anos a cerca de US$ 2,00, de forma que

tal aumento teve um sentido dramático para a época.

Mas a utilização do petróleo como instrumento político assumiria uma dimensão ainda

maior quando no dia 19 de outubro o presidente Richard Nixon anunciou um pacote de ajuda

de US$ 2,2 bilhões a Israel para pagar o equipamento militar transportado pela força aérea

americana. Segundo Kissinger (1982, p. 873), o pedido submetido ao congresso foi apresentado

“como uma rotina, em grande parte orçamental, de decisões”. Além disso, o então Secretário

de Estado norte-americano afirma não ter tomado conhecimento de nenhuma preocupação de

qualquer membro do alto escalão do governo em relação a uma reação árabe quanto ao pacote

de ajuda financeira. A reação árabe, no entanto, aconteceu rapidamente. No mesmo dia a Líbia

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57

anunciou um embargo total de petróleo aos EUA. A decisão do país africano foi seguida por

Argélia e Arábia Saudita no dia 20, Kuwait, Catar e Iraque – que havia se retirado da reunião

do dia 17 – no dia 21 e por Omã (que nem mesmo era membro da OPAEP) no dia 25. O embargo

total era dirigido aos EUA pelo envolvimento no conflito ao lado de Israel e à Holanda “por

sua atitude hostil para com os direitos árabes e seu viés pró-Israel”. O Iraque chegou a anunciar

a nacionalização da parte holandesa da participação da Shell na Basrah Petroleum Company,

como “medida punitiva ao seu posicionamento hostil para com as nações árabes. O embargo

também foi estendido a outros países como Portugal, África do Sul e Rodésia, atual Zimbábue

(SHIHATA. 1975, p.7).

É importante destacar que tal decisão teve consequências enormes para o mercado

petrolífero dos EUA e da Europa, que dependia do recurso mais ainda que os norte-americanos.

Os EUA, que até 1967 tinham suprido seus aliados nos casos de interrupção de fornecimento

de petróleo das crises anteriores (crise iraniana de 1953, crise do Suez 1956 e Guerra dos Seis

Dias 1967) não possuíam mais capacidade de complementar o mercado quando o mesmo

estivesse desabastecido por qualquer motivo, pois em 1970 o país havia alcançado seu pico de

produção. Além disso, sua demanda interna havia ultrapassado sua capacidade produtiva,

gerando dessa forma uma relação de dependência com o petróleo externo, sendo seus principais

fornecedores os países árabes produtores do Oriente Médio e do Norte da África que produziam

petróleo com um custo de produção mais barato (YERGIN. 2010, p. 666-668).

O demanda interna norte-americana foi atingida pelo embargo árabe porque em 1972 os

EUA detinham um PIB (Produto Interno Bruto) de aproximadamente 1.282 trilhões de dólares,

cerca de 33% do PIB mundial de aproximadamente 3.761 trilhões30, o que lhe tornava em um

país altamente dependente do petróleo para movimentar sua economia interna. Em 1973 os

EUA consumiam em média 17.318 milhões de barris por dia (bpd), dos quais 10.946 eram

produzidos internamente e mais de 7 milhões eram importados do exterior (inclusive para

formar estoques), sendo que em torno de 2.992 milhões eram comprados da OPEP, 1 milhão só

da OPAEP, e 3.263 milhões de outros países. A parte da OPAEP, cerca de 6% do consumo total

diário ou de 14% do total das importações por dia, pode parecer bastante pequena em relação

ao todo, mas era o suficiente para abastecer pouco menos metade da demanda euroasiática e

latino-americana no mesmo ano, ou quase um terço da energia elétrica gerada por petróleo nos

30 Dados disponibilizados por Open Knowledge. Country, Regional and World GDP (Gross Domestic Product).

Disponível em: http://data.okfn.org/data/core/gdp#data; e The World Bank Group. GDP at market prices (current

US$). Disponível em: http://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.MKTP.CD . Acessados no dia 21 de

dezembro de 2015

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EUA em 1973.31 Somado a isto, o embargo ainda acarretaria em uma escalada de preços até

então sem precedentes que permitiu que o preço fixado do barril fosse drasticamente valorizado

de US$2,90 até o início outubro de 1973, para US$11,65 em 1 janeiro de 1974, ou seja, um

aumento de 400% em apenas três meses (YERGIN. 2010, p. 708).

Nos dias 4 e 5 de novembro ocorreu uma nova reunião entre os representantes da

OPAEP na capital do Kuwait onde foi anunciado um novo corte de produção de 25%, em

relação a setembro:

“Os Ministros Árabes de Petróleo (...) decidiram, entre outras coisas,

que a redução na produção de petróleo em cada país árabe (...) deve ser de 25

por cento da produção de setembro, incluindo as quantidades deduzidas como

resultado do embargo sobre o fornecimento de petróleo para os EUA, e o

mercado holandês. Uma redução adicional no valor de 5 por cento da produção

de novembro seguirá em dezembro desde que esta redução não afete a parcela

que algum Estado amigável esteja importando a partir de qualquer país árabe

exportador durante os primeiros nove meses de 1973”. (SHIHATA. 1975,

p.83).

No dia 7 de novembro o presidente Nixon fez um pronunciamento em rede nacional

alertando os norte-americanos sobre as condições energéticas do país para o inverno. De acordo

com o presidente estadunidense o fornecimento para este período ficaria entre 10 e 17% aquém

da demanda prevista. Ademais, a população foi aconselhada a utilizar menos combustível

derivado de petróleo do que costumavam utilizar nas fábricas, nos carros e nos seus lares.

“No curto prazo, isso significa, naturalmente, que devemos usar

menos energia - o que significa menos calor, menos eletricidade, menos

gasolina. No longo prazo, isso significa que temos de desenvolver novas fontes

de energia que nos darão a capacidade de atender as nossas necessidades sem

depender de qualquer nação estrangeira.

A escassez imediata vai afetar a vida de todos e de cada um de nós.

Em nossas fábricas, nossos carros, nossas casas, nossos escritórios, teremos de

usar menos combustível do que estamos acostumados a usar. Alguns horários

31 Dados disponíveis em The British Petroleum Company – BP – British Petroil Statistical Review of World

Energy 2015 workbook – Disponível em: http://www.bp.com/statisticalreview ; e The U.S. Energy Information

Administration – EIA. Total Energy Data, Petroleum. Disponível em:

http://www.eia.gov/beta/MER/index.cfm?tbl=T03.01#/?f=A&start=200001 Acessados no dia 22 de dezembro de

2015.

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escolares e de fábrica devem ser realinhados, e alguns voos de avião a jato

serão cancelados”.32

O presidente dos EUA também recomendou medidas de limitação de velocidade nas

ruas do país e enfatizou a necessidade de que os automóveis deveriam ser usados por um grupo

de pessoas para resolverem seus problemas e não apenas por uma pessoa. O objetivo era

simples: evitar o desperdício de gasolina.

“Quantas vezes você passa por uma estrada ou autoestrada, onde quer

que seja, e vê centenas e centenas de carros com apenas um indivíduo neste

carro? Isso todos nós devemos cooperar para mudar.

Consistente com a segurança e as considerações económicas, eu

também estou pedindo aos governadores que tomem medidas para reduzir os

limites de velocidade das estradas a 50 milhas por hora. Esta ação por si só, se

for aprovada em âmbito nacional, poderia salvar mais de 200 mil barris de

petróleo por dia - apenas reduzindo o limite de velocidade a 50 milhas por hora.

Agora, todas essas ações irão resultar em economias substanciais de

energia. Mais do que isso, a maioria delas são ações que podemos tomar agora

- sem mais demora”.33

No entanto, se mesmo com os programas de redução de energia a indisponibilidade de

petróleo persistisse seria necessário que fossem aprovadas medidas de conservação energética

mais duras, como cortar o consumo de derivados de petróleo, como a gasolina, e estabelecer

um sistema justo de tributação sobre tais produtos. Mas, apesar das providências consideradas

como necessárias, em seu discurso o presidente estava ciente de que tal situação poderia

comprometer a capacidade do país de gerar empregos; afetar a produção agrícola nacional;

comprometer o sistema de transportes; e enfraquecer a liderança norte-americana no cenário

internacional. Um outro fator que contribuiu para que a crise ganhasse uma dimensão

atemorizante foi a publicação de uma projeção elaborada pelo Clube de Roma34 em 1972 em

32 NIXON, Richard. Address to the Nation About Policies to Deal with the Energy Shortages. The American

presidency project. White House, Washington D.C, November 7th 1973. Disponível em:

http://www.presidency.ucsb.edu/ws/?pid=4034 Acessado no dia 15 de dezembro de 2014.

33 Idem. 34 O Clube de Roma foi fundado em 1968 como uma associação informal de personalidades independentes da

política, economia e ciência. O Clube trabalha com projeções de longo prazo de forma interdisciplinar e

holística. Em seus primeiros anos, o grupo centrou-se no debate sobre a natureza dos problemas globais, a

"problemática", sobre os "limites ao crescimento" e sobre novos caminhos para o desenvolvimento mundial. Ver

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The Limits to Growth (Os Limites do Crescimento), que indicava que o número de reservas

internacionais de petróleo conhecidas até então duraria por aproximadamente mais trinta e um

anos (MEADOWS et al. 1972, p. 55,58).

A França, a exemplo dos EUA, também lançou campanha popular de economia de

energia conhecida como chasse au gaspi (caça ao desperdício) com o intuito de conscientizar

a população a não desperdiçar energia aumentando os termostatos de suas casas no inverno,

reduzir a velocidade dos automóveis nas autoestradas, apagar as lâmpadas que não estivessem

sendo utilizadas, entre outros gestos simples que marcariam a campanha. Além disso, o país

europeu passou a investir maciçamente em centrais de energia nuclear para que pudesse ser

responsável pela geração de sua própria energia em médio prazo, sem necessidade do

abastecimento internacional.35

Nixon em seu pronunciamento no dia 7 de novembro anunciou um plano para atingir a

independência energética até 1980 que poderia ser executado com autorização legislativa para

explorar as reservas de petróleo na Baía de Prudhoe, no Alasca, e encorajar a exploração de

grandes quantidades de gás natural, considerada uma das mais limpas fontes de energia do

período. O plano foi batizado pelo próprio presidente de “projeto independência” e visava tornar

o país independente em energia, ou pelo menos do petróleo produzido no Oriente Médio, em

sete anos. De acordo com Yergin (2010, p. 699) “chamar esse plano de ambicioso era pouco;

seriam necessários inúmeros avanços tecnológicos, vasta soma de dinheiro e um desvio

significativo na nova tendência do ambientalismo”. Um outro fator que enfraquecia a pretensão

de Nixon era o escândalo de Watergate.36 Até mesmo os assessores do presidente reconheciam

que o “projeto independência” estava fadado ao fracasso:

Essa promessa audaciosa espantou seus próprios assessores, que não

viam como ela poderia ser cumprida. “Cortei a referência a ‘independência’

Club of Rome. About the Club of Rome. Disponível em http://www.clubofrome.org/?p=324 acessado no dia 11

de fevereiro de 2016.

35 Documentário The Epic of Black Gold: Oil Nationalism. Entre os minutos 18:18 – 19:24. Disponível em

https://www.youtube.com/watch?v=ey9hxKD0vCw Acessado no dia 17 de julho de 2014.

36 Watergate foi a invasão aos escritórios do Partido Democrata em Washington e a instalação de escutas ocultas

para espionar os planos do partido no conjunto de edifícios Watergate. O incidente aconteceu em 1972 e, após dois

anos de investigação, culminou com a renúncia do presidente Nixon agosto de 1974. A invasão ocorreu durante a

campanha eleitoral e, mesmo com evidências ligando o episódio ao comitê de Nixon, o presidente foi reeleito com

larga margem de votos. O escândalo provocou nos cidadãos americanos uma visão do poder como sinônimo de

impunidade, já que quando o vice Gerald Ford assumiu o governo concedeu perdão por qualquer crime cometido

por seu antecessor.

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três vezes dos rascunhos”, recordou um de seus redatores de discursos, “mas a

palavra era sempre colocada de volta. Finalmente, desisti, e me disseram que

a decisão viera do próprio presidente. ” (YERGIN. 2014, p. 280).

Mas os EUA não foram o país mais atingido pelo Choque do Petróleo, a crise de

energia que ele gerou teve alcance a nível global. O Japão, por exemplo, país industrializado

que mais dependia do petróleo como fonte de energia havia entrado na lista dos países

considerados hostis. Além disso, o governo japonês recebeu um comunicado do xeque saudita

Ahmed Zaki Yamani, ministro do petróleo da Arábia Saudita, para que se posicionasse a favor

dos Estados árabes no conflito contra Israel para que continuassem recebendo o fornecimento

normal de petróleo, caso contrário não teriam acesso ao recurso. No dia 22 de novembro o

primeiro-ministro japonês Kakuei Tanaka anunciou apoio à causa árabe e quatro dias depois os

cortes de fornecimento endereçados ao Japão foram suspensos.

As medidas de cortes de produção e embargo foram acompanhadas por uma

classificação dos países importadores do petróleo árabe nos seguintes grupos: (1) preferidos:

países que continuariam recebendo 100 por cento de suas importações em relação ao mês de

setembro de 1973. (2) neutros: países que receberiam importações reduzidas conforme os cortes

na produção anunciados pela OPAEP. (3) embargados: países a quem foi negado a venda de

petróleo como os EUA, a Holanda, Portugal, África do Sul e Rodésia (ALNASRAWI 1991, p.

92).

No que tange a Europa, a OPAEP obteve êxito em classificar os países do continente

em categorias diferentes. Esse fator contribuiu para dificultar a união dos mesmos em torno da

elaboração de programas de redistribuição de petróleo. A reação ao Choque, no entanto se daria

no âmbito da Comunidade Europeia (CE)37 através do projeto denominado Política Europeia

de Cooperação (PEC), lançado previamente pela CE em 1970. No dia 6 de novembro de 1973

os formuladores da PEC emitiram a Declaration on Midlle East, que declarava em seu texto

que as conversações de paz da guerra árabe-israelense deveriam ser conduzidas pela ONU.

Além disso, indicava que garantias internacionais e o envio de tropas de paz a zonas

desmilitarizadas eram mais promissoras à segurança de Israel do que uma política de ocupação

por parte deste país. Também solicitava a retirada das tropas israelenses dos territórios ocupados

em 1967 por não admitirem a aquisição de territórios através do uso da força e ligavam uma

37 A CE era formada pela França, Itália, Alemanha Ocidental, Holanda, Luxemburgo, Bélgica, Grã-Bretanha,

Irlanda e Dinamarca. Os últimos três aderiram à Comunidade em 1972.

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justa e duradoura paz à legitimação dos direitos dos palestinos, mas sem mencionar a criação

de um Estado próprio para eles.38

A Declaration on Midlle East foi um documento notável pelo qual os Estados europeus

buscaram desempenhar uma política mais enérgica direcionada ao Oriente Médio com o intuito

de proteger seus interesses e acentuar seu papel na política regional, já que as potências do

continente haviam sido alijadas das conversações de paz do conflito que envolveu apenas os

EUA e a URSS como potências externas. A não consideração dos interesses dos membros da

CE levou os Estados do continente a tomarem providências em bloco. Os europeus ainda

procuraram estabelecer uma política energética comum. Para eles, ao contrário dos EUA que

percebiam o conflito árabe-israelense sobre o prisma da Guerra Fria, a guerra no Oriente Médio

tinha um potencial de implicações a nível global, sendo a principal ameaça uma crise de energia

generalizada. Como eram extremamente dependentes do petróleo da região, os europeus ao

emitirem a Declaração estavam interessados em um fim rápido e uma solução duradoura para

o conflito, além de fazer os Estados árabes cessarem a arma do petróleo. O ministro das

Relações Exteriores britânico Alec Douglas-Home chegou a declarar que “A Europa é tão

grande e seus interesses tão proximamente envolvidos nisso que não cabe sentar calada

enquanto grandes eventos ocorrem sobre a cabeça de seus líderes” (MÖCKLI. In: MÖCKLI,

Daniel; MAUER, Victor. 2011, p. 81,82). Em resposta a Declaração europeia a OPAEP

transmitiu em 18 de novembro uma notificação informando a decisão de “não implementar a

redução de 5% marcada para o mês de dezembro somente para a Europa”, isto é, para os

membros da CE. (SHIHATA. 1975, p.85).

O embargo promovido pela OPAEP durou até 18 de março de 1974 quando os países

árabes, com exceção da Síria e da Líbia, retomaram sua produção normal de petróleo. O Choque

do Petróleo marcou uma alteração no panorama no mercado de petróleo internacional, pois pela

primeira vez os países produtores deste recurso tomaram medidas unilaterais em relação ao

aumento dos preços do barril de petróleo sem a intervenção das grandes companhias

internacionais e dessa forma, assumindo de fato o controle sobre seus próprios recursos. Aliado

a isto, o embargo permitiu que os grandes produtores de petróleo (incluindo aqui a OPEP e seus

membros não árabes) alcançassem a capacidade de ditar os preços do petróleo através do seu

nível de produção sem necessidade de consentimento das empresas ocidentais de petróleo.

38 Joint statement by the Governments of the EEC. 6 de novembro de 1973. Disponível em:

http://www.cvce.eu/obj/joint_statement_by_the_governments_of_the_eec_6_november_1973-en-a08b36bc-

6d29-475c-aadb-0f71c59dbc3e.html Acessado no dia 10 de dezembro de 2014.

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63

Apesar do resultado positivo no campo econômico com o aumento da arrecadação de

receitas provenientes do lucro de exportação do petróleo, Alnasrawi (1991, p. 93) explica que

a utilização da “arma do petróleo” não surtiu o efeito esperado nas exigências políticas dos

países árabes, pois os EUA não deixaram de apoiar Israel e a causa sobre os “direitos legítimos

do povo palestino” não foi levada adiante. Aliás, ao contrário da pretensão do comunicado

emitido no dia 17 de outubro de 1973, o petróleo como instrumento de política externa não

alcançou sua finalidade porque a OPAEP adotou medidas de relaxamento nos cortes de

produção em quatro ocasiões: A primeira foi no dia 17 de novembro com a suspensão do corte

de 5% para a CE pela manifestação de apoio direcionada aos árabes na Declaration on Midlle

East; a segunda, entre 26 e 28 do mesmo mês, a exemplo da anterior, foi a suspensão do corte

de 5% para o Japão e as Filipinas por conta de seu posicionamento internacional pró-árabe; a

terceira foi a resolução de 8 de dezembro que prometia o levantamento do embargo sobre os

EUA caso os norte-americanos garantissem a retirada, mesmo que gradual, das tropas

israelenses dos territórios ocupados em 1967; por último, em uma reunião da OPAEP em 24 e

25 de dezembro, no Kuwait, foi decidido elevar o nível de produção de petróleo em 10% a partir

de 1 de janeiro de 1974, reprimindo a redução global das exportações de sua taxa de 25% em

dezembro para 15%, calculado com base na produção de setembro 1973.

“A mudança mais séria e significativa na estratégia petróleo árabe foi

a resolução de 8 de dezembro pelos ministros do petróleo que, como

mencionado anteriormente, comprometeram os países produtores de petróleo

a levantar as medidas de embargo em troca de um programa anunciado de

retirada das forças israelenses dos territórios árabes ocupados. A resolução, em

outras palavras, deixou claro que a restauração dos direitos nacionais do povo

palestino deixou de ser um dos objetivos da estratégia do petróleo (...) Mesmo

a retirada não precisou acontecer para que as medidas de petróleo fossem

removidas. Ao invés disso, os governos árabes ficariam satisfeitos com a

garantia dos EUA de uma retirada gradual das forças israelenses. ”

(ALNASRAWI. 1991, p. 94).

Segundo o autor “Era totalmente incoerente dos governos árabes pedir aos EUA para

mediar um acordo com Israel e, ao mesmo tempo exercer pressões econômicas contra o

"mediador”. Ao contrário, eles deveriam decidir entre a mediação estadunidense e a

manutenção das sanções. Em janeiro de 1974, o governo dos EUA conseguiu que Egito e Israel

chegassem a um acordo de desengajamento de suas respectivas tropas. Este acordo foi visto por

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muitos países árabes como prova de que os EUA tinham alterado sua política de apoio a Israel,

o que justificaria a remoção das sanções. A percepção do fracasso dos objetivos políticos do

embargo foi seu levantamento em março de 1974 com a pendência de um acordo de

desengajamento entre Síria e Israel. Esse foi o principal motivo que os governos da Síria e da

Líbia mantiveram o embargo além de março de 1974.

Com o fim do embargo, esperava-se que os preços tornassem a cair, mas não foi

exatamente isto que ocorreu, muito pelo contrário, os preços do barril oscilaram entre US$11,00

e U$15,00 até 1979, quando os preços tornaram a disparar por conta da Revolução Iraniana e

da guerra entre o Irã e o Iraque no início dos anos 1980. Para explicar este fenômeno, no tópico

seguinte serão analisados outros motivos, além do embargo árabe, que impactaram os preços

da comercialização do petróleo e consequentemente levaram a um aumento substancial do seu

valor de mercado.

4. O aumento do preço do petróleo

A alta dos preços do petróleo foi o resultado imediato da escassez do recurso provocada

pelo embargo imposto pelos países árabes. Todavia, o corte de produção promovido pela

OPAEP e o interesse dos Estados produtores da entidade árabe e da OPEP em controlar os

preços do petróleo e de assegurar a soberania dos seus membros sobre os seus recursos minerais

(explorados por empresas estrangeiras pelo regime de concessões acordados nas primeiras

décadas do século XX) não podem ser considerados os únicos motivos para a acentuada

elevação dos preços do petróleo a partir do Choque do Petróleo de 1973. Nesta seção, serão

discutidos outros três fatores determinantes, além do embargo, que contribuíram para o aumento

dos preços. São estes: os acordos de Trípoli e Teerã em 1971; o fim do padrão ouro-dólar em

agosto do mesmo ano, que havia sido estabelecido na conferência de Bretton Woods em 1944;

e o encontro “secreto” que reuniu influentes políticos, empresários e banqueiros em maio de

1973 na Suécia para debater questões ligadas à energia. Os dois primeiros estão ligados

majoritariamente ao interesse dos países produtores, já o terceiro tem a ver com o interesse das

empresas em praticar um preço mais alto no mercado petrolífero.

4.1 Trípoli e Teerã: A OPEP negocia como um bloco

Desde a formação da OPEP em 1960, cada país membro da organização buscava

negociar de forma particular os valores de mercado do petróleo com as companhias detentoras

de concessões que atuavam em seus territórios, ao invés de o fazerem como um bloco coeso.

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Isto ocorria porque mesmo com a existência da entidade como um foro multilateral formado

pelos países produtores, estes países preferiam buscar meios próprios de maximizar seus

interesses e riquezas ao invés de cooperar com seus consorciados, que ao mesmo tempo eram

parceiros e concorrentes no comércio mundial.

Alnasrawi (1991, p.76) comenta que embora os membros fundadores da OPEP

declarassem que já não podiam ficar indiferentes ao poder unilateral das empresas em efetuar

mudanças de preços pelos seus motivos corporativos, a organização falhou em tomar decisões

políticas e econômicas que fizessem valer seus objetivos iniciais. Ao contrário de tentarem

impor na prática as políticas declaradas do bloco, os membros afiliados à OPEP buscavam

maximizar seus lucros sem se coordenarem em grupo. Esta situação perdurou até 12 de janeiro

de 1971, quando a organização internacional dos Estados produtores de petróleo, em Teerã,

capital do Irã, pela primeira vez em quase onze anos de existência foi à mesa de negociações

em bloco com as companhias de petróleo. O motivo era a necessidade de reajustar os preços da

commodity.

Um ano antes do encontro na capital iraniana, porém, um evento de grande importância

para os países produtores aconteceu na Líbia, cuja “emergência nos anos 1960 como grande

produtora de petróleo (...) era vista pelos estrategistas ocidentais como uma alternativa para o

ambiente politicamente instável que caracterizava o mundo árabe nos anos 1950 e 1960” (AL-

SOWAYEGH. 1984, p. 103). Liderada pelo coronel Muammar al-Kadaffi, que havia assumido

o governo após um golpe militar que derrubara a monarquia local em 1969, o país adotou uma

política de pressão sobre as petroleiras estrangeiras que lá operavam para que cortassem parte

de sua produção com finalidade de forçar para cima os preços do petróleo.

O interesse líbio de valorizar o petróleo estava ligado à sua posição estratégica tanto no

aspecto geográfico quanto mercadológico. No aspecto geográfico porque apesar do clima

desértico, o território da Líbia ocupa uma posição privilegiada no norte da África, separada da

Europa apenas pelo Mar Mediterrâneo, por onde escoa (até hoje em dia) sua produção de

petróleo para os países europeus; e mercadológico porque, na época, era o país membro da

OPEP e da OPAEP com as maiores reservas de petróleo da África, respondendo por mais de

50% do total comprovado do continente.39 Mas além dos aspectos geopolíticos e comerciais a

política do governo líbio tinha um outro fator muito importante a seu favor: o momento.

39 Detinha reservas de aproximadamente 27.655 milhões de barris de um total de 51.107 milhões comprovadas

em todo o continente africano. Organization of the Petroleum Exporting Countries – OPEC – Annual Statistical

Bulletin 2014. Disponível em:

http://www.opec.org/library/Annual%20Statistical%20Bulletin/interactive/current/FileZ/Main.htm Acessado no

dia 11 de dezembro de 2015.

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“O regime de Kadaffi havia escolhido uma ocasião muito propícia para

iniciar sua campanha. A Líbia estava abastecendo 30% do petróleo da Europa.

O Canal de Suez ainda estava fechado [desde a Guerra dos Seis Dias em 1967],

mantendo pressão no transporte. Em maio de 1970, um trator rompeu o

oleoduto de Tapline [Trans-Arabian Pipeline] num ponto de junção em

território sírio, impedindo a exportação de 500 mil barris/dia do petróleo da

Arábia Saudita, através desse oleoduto, para o Mediterrâneo. As tarifas dos

navios-tanques imediatamente triplicaram. Não havia falta de petróleo, mas

sim falta de transporte. A Líbia e Kadaffi ganhavam, assim, uma posição

estratégica: tinham petróleo disponível do outro lado do Mediterrâneo vis-à-

vis dos mercados europeus” (YERGIN. 2010, p. 653).

Até o mês de setembro de 1970 o governo Kadaffi conseguiu que fossem retirados do

mercado cerca de 800 mil bpd, além disso, o governo da Síria se alinhou com Trípoli e se

recusou a permitir que a empresa responsável pela Tapline fizesse as reparações necessárias no

oleoduto em território sírio. O resultado da pressão líbia sobre o mercado foi que o país

conquistou um novo acordo de divisão de lucros de 50% para 55%, houve um aumento real de

US$0,30 no preço do petróleo com o barril sendo vendido a US$ 2,55 em janeiro de 1971 (o

preço do início de 1970, cerca de um ano antes, era US$ 1,80), sem contar que até o final de

1970 as companhias ocidentais concederam 55% das receitas de petróleo para todos os outros

associados a OPEP, suplantando desse modo o modelo 50/50.

“Para os países produtores de petróleo a vitória dos líbios era

estimulante; não apenas reverteu abruptamente o declínio do preço real, mas

também trouxe de volta a reivindicação dos exportadores pela supremacia e

pelo controle dos seus próprios recursos petrolíferos, que se havia iniciado uma

década antes com a criação da OPEP” (YERGIN. 2010, p. 655).

A conquista da Líbia e o novo modelo de divisão dos lucros 55/45 entusiasmou a OPEP

a negociar com as empresas estrangeiras em bloco ao invés de cada governo fazê-lo sozinho, já

que unidos os consorciados teriam maiores condições de barganha. Em dezembro de 1970 a

organização designou uma estratégia de conversações com as grandes companhias em três

grupos regionais: Um com os países do Golfo Pérsico, outro com os do Mediterrâneo e o último

com Venezuela e Indonésia. O desejo de negociar como entidade única era também interesse

das empresas, que preferiam proceder dessa forma do que fazê-lo individualmente com os

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produtores, mas ao contrário da OPEP, que pretendia trabalhar com subgrupos, as petrolíferas

pretendiam manter uma frente unida e tratar com a organização como um todo. O plano das

empresas não foi adiante, pois o Xá do Irã era contrário a tal iniciativa argumentando que os

produtores “mais moderados não poderiam conter os radicais” como a Líbia, o Iraque e em

certa medida a Venezuela.

A primeira rodada de negociações entre as partes ocorreu em janeiro de 1971 na capital

do Irã envolvendo exclusivamente uma comissão de três países do Golfo Pérsico: Irã, Iraque e

Arábia Saudita mais as petrolíferas que possuíam concessões para trabalhar nestes países, a

exemplo da Shell, BP, Exxon e ARAMCO. Aos países produtores interessava aumentar sua

participação no negócio do petróleo bem como os preços do barril, pois o “ouro negro” havia

se tornado sua principal fonte de receitas em pouco mais de duas décadas. As petrolíferas

estavam pressionadas pelos governos dos Estados do Golfo, principalmente pela possibilidade

de embargo anunciada pelo Xá Reza Pahlavi. De acordo com (AL-SOWAYEGH. 1984, p. 109),

no dia 14 de fevereiro de 1971 chegou-se a um consenso e o Acordo de Teerã foi assinado com

as seguintes condições:

Estabelecimento de um novo acordo de participação nos rendimentos de 55% para os

governos e 45% para as petroleiras;

Aumento do preço do barril de petróleo em US$ 0,35;

Aumento imediato na receita dos governos para um total de US$ 0,27 por barril a partir

da média de 1 dólar por barril (praticada no período), além de um aumento contínuo até

atingir US$ 0,54 por barril em 1975;

Estabilidade fiscal e preços básicos afixados para um período de 5 anos.

Apenas quatro dias depois foram iniciadas as negociações em Trípoli com o comitê do

Mediterrâneo composto por Líbia, Argélia, Arábia Saudita e Iraque (os dois últimos, embora

geograficamente não tivessem acesso ao Mar, escoavam parte considerável de sua produção

para o Mediterrâneo através de oleodutos que passavam pela Síria). A Líbia e seus parceiros

barganhavam com as empresas usando ameaças de nacionalização, embargo e suspensão de

carregamentos para navios petroleiros. Para as corporações não era interessante conceder maior

participação nos lucros para os países, pois perderiam o lucro da parte cedida, por outro lado

esta era uma opção melhor do que perder suas concessões nos países produtores. No que se

refere à valorização do preço do barril, havia o temor de perder o mercado para o petróleo

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soviético e da queda das vendas pela incerteza dos preços praticados. No entanto, diante das

advertências anunciadas pelos produtores, as petroleiras endossaram o Acordo de Trípoli que

foi anunciado no dia 2 de abril de 1971, consagrando a divisão 55/45 e concedendo um aumento

de US$ 0,90 por barril para os cinco anos seguintes.

Teerã e Trípoli foram importantes porque pela primeira vez em onze anos de existência

a OPEP, mesmo subdividida em grupos, trabalhou como entidade única e foi reconhecida como

tal pelos empresários ocidentais. Além disso, pode-se concluir que os acordos firmados no Irã

e na Líbia contribuíram para uma política de intensificação de demanda por controle dos

recursos minerais dos membros da OPEP. Sobre isto, Yergin (2010, p. 659) argumenta que o

propósito dos países produtores “não era apenas uma questão de acumular mais rendas. Para os

exportadores, a questão mais importante era a soberania sobre seus recursos naturais. Tudo o

mais avaliado em face desse objetivo”.

4.2 O fim do padrão ouro-dólar e a interferência do câmbio flutuante sobre o preço do

petróleo

Um outro fator que contribuiu para o aumento dos preços foi o fim do sistema de Bretton

Woods que atrelava o ouro ao dólar. O padrão ouro-dólar foi um mecanismo criado na

Conferência de Bretton Woods em julho de 1944 no Estado de New Hampshire, EUA, e tinha

como pretexto estabelecer a estrutura de regência do sistema financeiro internacional após o

término da Segunda Guerra Mundial. Nesta conferência foram acordadas a criação de

instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional para

Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), atual Banco Mundial. O FMI foi fundado com

objetivos de promover a cooperação econômica, o comércio internacional, o emprego e a

estabilidade cambial, disponibilizando, inclusive, recursos financeiros como empréstimo para

os países membros. Já o BIRD foi erigido para atender as necessidades de financiamento da

reconstrução dos países devastados pela guerra.

A Conferência reuniu representantes de nações parceiras dos Aliados e estabeleceu o

dólar como moeda internacional. Gilpin (2000, p. 87) explica que para lograr ao mesmo tempo

autonomia e estabilidade, o sistema baseava-se nos princípios de taxas de câmbio fixas ou

vinculadas ao ouro a US$ 35,00 a onça (equivalente a 28,35 gramas), com flexibilidade

suficiente para os Estados poderem tomar medidas econômicas próprias para enfrentar

situações extraordinárias; de reservas de créditos para eventuais problemas internacionais;

aprovação do FMI aos ajustes de taxas de câmbio; e reservas monetárias passíveis de serem

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usadas por países deficitários. Esse sistema baseado no dólar foi construído alicerçado na

influência da hegemonia da moeda norte-americana frente às economias europeias

enfraquecidas pela guerra e pelo fato de os EUA emergirem como a grande potência

hegemônica mundial no final do conflito.

“Os EUA não haviam sofrido as destruições de infraestrutura e

mesmo de populações civis da Segunda Guerra Mundial, tinham uma

economia poderosa e fortemente alavancada pela própria guerra, pois

enriqueceram vendendo armas e emprestando dinheiro aos aliados (...) em

1945, o país produzia metade de todo o carvão mundial, dois terços do petróleo,

mais da metade da eletricidade e imensas quantidades de navios, aviões,

automóveis, armamentos, máquinas e produtos químicos. Finalmente detinha

80% das reservas mundiais de ouro e, não menos importante, a bomba

atômica” (SCHWARTZ, Gilson. In: MAGNOLLI, Demétrio. 2008, p. 245).

No dia 15 de agosto de 1971, o presidente estadunidense Richard Nixon anunciou o fim

do padrão ouro-dólar com o intuito de proteger a estabilidade da moeda americana como um

pilar da estabilidade monetária mundial. Segundo Engdahl (2004, p. 127) em 1971, as reservas

oficiais de ouro dos EUA representavam menos de um quarto de suas responsabilidades oficiais,

de modo que se todos os detentores de dólares no estrangeiro exigissem ouro ao invés da moeda

norte-americana, Washington teria sido incapaz de cumprir a demanda internacional.

A decisão tomada de forma unilateral pelo governo dos EUA e sem consulta aos

parceiros do FMI, levou ao colapso o sistema de taxas de câmbio fixas estabelecidas havia vinte

e sete anos e deu espaço a um sistema especulativo de taxas flexíveis e de capital flutuante. A

proposta inicial de Nixon era suspender temporariamente a conversibilidade do dólar em ativos

de ouro, garantindo que os EUA continuariam sendo parceiros comerciais confiáveis e

trabalhariam em parceria com o FMI para a criação de um novo modelo de sistema monetário

internacional. Somado a isto, Nixon também anunciou uma taxação de 10% sobre bens

importados para garantir a competitividade dos produtos americanos e protegê-los contra taxas

de câmbio desleais praticadas no exterior.40

A suspensão da paridade do dólar com o ouro e consequentemente do câmbio fixo

impactou significativamente o comércio mundial de petróleo. Até 1970 os contratos eram

40 NIXON, Richard. Address to the Nation Outlining a New Economic Policy: "The Challenge of Peace". The

American presidency project. White House, Washington D.C, August 15th 1971. Disponível em:

http://www.presidency.ucsb.edu/ws/?pid=3115 Acessado no dia 16 de dezembro de 2015.

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estipulados em dólares e as moedas de muitos países se baseavam no padrão ouro-dólar. Um

novo sistema financeiro internacional menos estável por conta da flutuação da moeda americana

geraria inflação de preços e logo afetaria o mercado petrolífero.

HAMMES e WILLS (2005, p. 503) traçam a visão dos exportadores de petróleo durante

e depois do fim do sistema de Bretton Woods. Da segunda metade da década de 1940 a 1971,

com os proventos de suas exportações os vendedores adquiriam bens e serviços dos países

industrializados da Europa Ocidental e dos EUA. Com baixa inflação e a estabilidade das

relações monetárias, os preços dos produtos do exterior poderiam ser computados facilmente

independentemente de onde fossem comprados. No entanto, a alteração do sistema mudaria

substancialmente a situação, já que sem a equivalência do dólar com o ouro importaria bastante

a origem dos bens produzidos no exterior. Os autores explicam que se os contratos tivessem

sido fechados em libras esterlinas, em outubro de 1973 os membros da OPEP receberiam dos

compradores norte-americanos US$ 4,32 por barril, apenas um centavo a mais do que o preço

praticado na época (US$ 4,31). Se tivessem sido fechados em ienes a OPEP receberia cerca de

US$ 5,32; e se tivessem sido acordados em ouro a OPEP embolsaria US$11,83,

coincidentemente um valor muito próximo do estipulado pela organização no dia 1 de janeiro

de 1974 de US$ 11,65, ou seja, os países produtores estavam perdendo receitas da exportação

do petróleo com a desvalorização do dólar.

A depreciação do dólar levou países e companhias de petróleo à mesa de negociações

em Genebra no início de 1972, onde foi tratada uma revisão do Acordo de Teerã para compensar

a desvalorização do dólar em relação a outras moedas e foi instituído um aumento de 8,4% nos

preços do barril. Um percentual próximo do que era necessário para compensar a perda de valor

do dólar em relação ao ouro. Nos primeiros seis meses de 1973 o Acordo de Genebra foi

rediscutido porque em fevereiro do mesmo ano o dólar havia sido desvalorizado em 10% e a

inflação prejudicaria as receitas da OPEP e das companhias. Assim foi estabelecido um novo

aumento que totalizou 11,9% sobre os preços anteriormente fixados e que tinha previsão para

vigorar até 1975 (AL-SOWAYEGH. 1984, p. 111).

Para Alnasrawi (1991, p. 77) o aumento dos preços não era suficiente para compensar a

desvalorização do dólar e consequentemente o déficit histórico dos produtores, já que a receita

de produção de petróleo manteve-se constante e em alguns casos diminuiu no período 1950-

1970, enquanto vigorava o padrão ouro-dólar, devido a prática de reduções de preços pelas

empresas petrolíferas a fim de expandir seus mercados. Em contrapartida, o preço de bens

importados aumentou durante o mesmo período, sem contar que a capacidade de refino dos

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associados da OPEP e da OPAEP era muito inferior em relação a dos países industrializados da

Europa Ocidental, dos EUA e em menor grau do Canadá, o que significa que parte significativa

do óleo cru vendido pelos países exportadores voltava para eles em forma de produtos

manufaturados muito mais caros. Isto fica muito claro quando é feita uma relação de produção

e refino de petróleo, pois em 1972 o Oriente Médio refinava menos de 15% de sua produção

total.41

Dessa forma, pode-se concluir que o desmantelamento da paridade da moeda norte-

americana com o ouro não foi conveniente aos países produtores no que se refere a

contabilização das suas receitas provenientes da exportação de petróleo, de modo que foi

necessário que os mesmos pressionassem os preços para cima com o intuito de recuperar as

perdas e estabilizar os rendimentos financeiros nacionais. A alta dos preços foi também

importante para as companhias que por motivos semelhantes procuravam equilibrar o preço do

petróleo com a desvalorização do dólar para manter no mínimo uma horizontalidade aceitável

dos lucros.

4.3 Uma reunião “secreta” na Suécia

Em outubro de 2010, o xeque saudita Zaki Yamani, ex-ministro de petróleo de seu país

de 1962 a 1986 e que esteve diretamente envolvido no Choque do Petróleo de 1973, concedeu

uma entrevista ao repórter e cientista político John Defterios, da rede CNN, onde declarou que

o aumento do preço do petróleo durante a Guerra árabe-israelense de 1973 não aconteceu

somente em decorrência do próprio conflito ou mesmo pela ambição da OPEP e da OPAEP.

Para Yamani a súbita valorização do petróleo também estava ligada aos interesses do governo

e de petrolíferas norte-americanas, bem como de alguns de seus aliados, como pode ser

observado no trecho abaixo:

JD: 1973, o embargo árabe do petróleo que você era um jogador-chave durante esse processo. O ex-secretário de

Estado americano Henry Kissinger disse que foi chantagem política o que a Arábia Saudita e a OPEP estavam

fazendo para o resto do mundo. Em retrospecto como você vê isso?

SY: (...) não foi uma chantagem, a necessidade de aumentar o preço do petróleo, mesmo antes disso. Há um livro

chamado A Century of War que conta uma história de uma reunião em uma ilha na Suécia, com a participação de

Henry Kissinger em que foi decidido aumentar o preço do petróleo em 400% e este é um incidente muito

41 Produção total = 18.186 milhares de barris/dia; capacidade de refino = 2.597. Dados disponíveis em: The British

Petroleum Company – BP – British Petroil Statistical Review of World Energy 2015 workbook – Disponível em:

http://www.bp.com/statisticalreview Acessado no dia 22 de dezembro de 2015.

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importante. Eles precisavam e essa é uma das reações da América, é ajudar as companhias de petróleo para investir

fora da OPEP, no México, no Mar do Norte e assim por diante; e isto não aconteceria sem um alto preço do

petróleo. E é assim que eles privaram a OPEP de seu poder estratégico e eu realmente respeito muito Henry

Kissinger, ele é realmente um planejador e estrategicamente ele é um homem a ser respeitado.

JD: Então você está sugerindo que não foi o embargo do petróleo árabe que foi chantagem política, mas esse era

um plano da indústria do petróleo dos EUA para empurrar os preços para cima.

SY: Não realmente muito, mas o plano estava lá e eu separo entre os dois. O embargo de petróleo árabe foi feito

e eu estava por trás dele, não para prejudicar a economia, apenas para atrair a opinião pública nacional que há um

problema entre os palestinos e os israelenses, essa é a única coisa e nós estávamos contra o que aconteceu depois

disso. Infelizmente dinheiro é muito atraente, números na OPEP, eles amam o dinheiro e receitas e é por isso que

eles empurraram os preços para cima o mais rápido possível e eles pagaram o preço pelo que fizeram.42 (tradução

minha).

O trecho da entrevista acima não foi a primeira vez que o xeque Yamani declarou que

os EUA estariam envolvidos no Choque do Petróleo. Antes disso, em 2001 o xeque havia

declarado ao jornal britânico The Guardian, um dos periódicos de língua inglesa mais lidos no

mundo, que estava convicto da participação norte-americana na elevação dos preços do petróleo

durante a crise de 1973. Um fragmento do texto publicado pode ser lido abaixo:

"Eu tenho 100 por cento de certeza de que os americanos estavam por

trás do aumento do preço do petróleo. As companhias de petróleo estavam com

um problema real na época, eles tinham emprestado um monte de dinheiro e

precisavam de um alto preço do petróleo para salvá-los. "

Ele diz que foi convencido disso pela atitude do Xá do Irã, que em um

dia decisivo, em 1974 adotou um ponto de vista diferente do saudita, que a

caminhada seria perigosa para a OPEP porque alienaria os EUA, para defender

preços mais elevados.

'O rei Faisal me mandou para o Xá do Irã, que disse: "Por que você é

contra o aumento do preço do petróleo? Isso é o que eles querem? Pergunte

Henry Kissinger - ele é quem quer um preço mais elevado".

Yamani alega que a prova de sua antiga crença surgiu recentemente

na ata da uma reunião secreta em uma ilha sueca, onde as autoridades do Reino

42 OPEC will play a different role in the future, says Sheikh Yamani. Business Intelligence Middle East. Disponível

em: http://www.bi-me.com/main.php?id=48966&t=1&c=38&cg=4&mset=1011 Acessado no dia 5 de novembro

de 2015.

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73

Unido e dos EUA determinaram orquestrar um aumento de 400 por cento no

preço do petróleo.43 (tradução minha).

Nas declarações de Yamani apresentadas acima chama a atenção o fato de o xeque

mencionar uma reunião em uma ilha na Suécia onde foi proposto um aumento de 400 por cento

no preço do petróleo. Essa informação, aliás, pode ser encontrada no livro indicado pelo xeque

A Century of War: Anglo-American Oil Politics and the New World Order, cujo autor é o norte-

americano especialista em geopolítica do petróleo William Engdahl.

O encontro na Suécia mencionado por Yamani e Engdahl (2004) foi uma conferência

do grupo Bilderberg que ocorreu em uma propriedade da família Wallenberg, de banqueiros

suecos, na cidade de Saltsjöbaden entre os dias 11 e 13 de maio de 1973. A propósito, a

Conferência Bilderberg é um encontro anual de três dias para banqueiros, economistas, políticos

e funcionários de governos europeus e da América do Norte anglo saxônica, realizado em

grande segredo com o intuito de fornecer um fórum para a livre discussão de problemas comuns,

porém nem a identidade nem a filiação dos oradores e nem de qualquer outro participante pode

ser revelada. A conferência leva o nome do Hotel De Bilderberg em Oosterbeek, na Holanda,

onde a primeira reunião ocorreu maio 1954.44

Saltsjöbaden reuniu 84 nomes de importantes políticos, banqueiros, instituições

financeiras transnacionais e executivos de companhias de petróleo de 14 países45. Entre os

políticos destacam-se Henry Kissinger, Conselheiro Nacional de Segurança da Casa Branca,

Zbignew Brzezinski, que ocuparia o mesmo cargo na gestão do presidente Jimmy Carter na

década de 1980; James Akins, expert em assuntos ligados à energia; Olof Palm, Primeiro-

Ministro sueco; Helmut Schmidt, Ministro de Finanças da Alemanha Ocidental; e membros dos

parlamentos britânico e estadunidense. No que se refere aos interesses das empresas petrolíferas

nomes como Sir Eric Drake da BP; René Granier de Lilliac da CFP; e o vice-presidente

executivo da Exxon Emilio G. Collado também estavam presentes. Entre os que representavam

os interesses financeiros estavam o Barão Edmond de Rotschild; Marcus Wallenberg; e outros

banqueiros de outras nacionalidades.

43 Saudi dove in the oil slick. The Guardian. Disponível em:

http://www.theguardian.com/business/2001/jan/14/globalrecession.oilandpetrol Acessado no dia 6 de novembro

de 2015.

44 Disponível em: http://www.bilderbergmeetings.org/index.php Acessado no dia 7 de novembro de 2015.

45 Itália, EUA, França, Grã-Bretanha, Suécia, Turquia, Canadá, Alemanha Ocidental, Islândia, Dinamarca,

Canadá, Bélgica, Noruega e Suíça.

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74

Segundo Zalloum (2011, p.123), o encontro em Saltsjöbaden “foi uma oportunidade

bem-cronometrada para trabalhar os detalhes políticos e financeiros do aumento do preço do

petróleo sugerida por Walter Levy”. Seu trabalho chegou a ser elogiado por Kissinger, que

aparentemente não estava presente especificamente em sua exposição, que lhe disse “você fez

um papel destacado na Conferência Bilderberg. Eu poderia ter aprendido muito”.46

Levy foi o autor de um documento de trabalho apresentado na conferência com o título

de An Atlantic-Japanese Energy Policy, onde traçou um cenário prospectivo de um aumento no

consumo de petróleo norte-americano, japonês e europeu em larga quantidade em cerca de 10

anos, projetando um aumento significativo das receitas dos países exportadores de petróleo a

exemplo da Arábia Saudita e de Abu Dhabi (emirado que atualmente faz parte dos EAU), onde

ficariam concentradas a maior parte da renda. Levy argumenta que os países exportadores e

suas economias internas seriam incapazes de absorver uma quantidade de recursos tão grande

e que a dependência de países instáveis por parte dos EUA colocaria em risco a sua própria

segurança e a dos seus aliados. Os EUA, todavia, teriam uma alternativa prática: o

desenvolvimento acelerado do seu grande potencial de recursos internos para hidrocarbonetos

convencionais e sintéticos e energia nuclear.47 Evidentemente o desenvolvimento acelerado de

praças alternativas de exploração de reservas de petróleo e o investimento em outras fontes de

energia como a nuclear deveriam ser legitimados e ter aceitação de diversos setores internos

nos EUA, como por exemplo os setores comercial, industrial e de transportes, para que fossem

implementados. Além disso, havia um outro fator: o custo. Com o barril do petróleo sendo

comercializado a US$ 2,48 no início de 1973, a viabilização de desvincular os laços de

dependência do Oriente Médio e explorar outras regiões e fontes energéticas só seria possível

se o preço do barril fosse valorizado, mas para isto deveriam ser criados mecanismos de redução

da demanda, pois havia excedente de petróleo no mercado, o que contribuía para que a margem

do preço deste recurso não ultrapassasse US$ 5,00. Dois campos de petróleo alternativos, mas

com alto custo de produção foram descobertos no Mar do Norte, território marítimo da Grã-

Bretanha, e no Alasca, EUA.

“Em 1970, a BP descobriu o campo Forties no norte de Aberdeen, e,

em 1971, a Exxon e a Shell conjuntamente descobriram o campo Brent gigante

46 Memorandum of Conversation. In: Foreign Relations of the United States, 1969–1976. Energy Crisis,

1969–1974, p. 503.

47 Idem, p. 24.

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75

de Shetlands. A tecnologia provou ser capaz de conquistar as duras condições

no Mar do Norte, mas os custos de produção eram elevados -

significativamente maiores do que o preço do petróleo bruto.

O Alaska foi um projeto em uma escala totalmente diferente. Em 1967

uma joint venture ARCO-Humble descobriu em 26 de dezembro o poço de

petróleo número um de Prudhoe Bay State. Outro poço perfurado há cerca de

6 milhas do primeiro foi confirmado como o maior campo já descoberto na

América do Norte e o terceiro do mundo, depois do saudita Ghawar e o Burgan,

do Kuwait. Prudhoe poderia entregar até 2 milhões de barris por dia.

(...) O ambiente do Alasca e a temperatura, impunham sérios desafios

tecnológicos como as temperaturas que lá poderiam cair abaixo de 60 graus

Farenheit negativos [aproximadamente -51 graus Celsius]. O Transporte era

outra questão. Um oleoduto foi debatido, mas além do custo, a medida exigiria

muitas inovações de engenharia. As objeções de ambientalistas eram outro

obstáculo a ser superado. (ZALLOUM. 2011, p.116).

Uma das medidas para colocar em prática a o aumento do preço do petróleo era a

redução da demanda do recurso. Sobre esse assunto, um participante sueco em Saltsjöbaden

disse que a redução da curva de demanda era em grande parte uma questão de vontade política

e que:

“O mercado tinha que ser manipulado por um mecanismo de preços -

impostos ou outros - e certas restrições físicas e investimentos em

infraestrutura, como nos transportes públicos. Se as soluções não fossem

encontradas, a indústria seria o primeiro setor a ser gravemente afetado pela

escassez de energia. Era, portanto, do interesse dos industrialistas aceitarem

uma determinada dose de intervenção política”.48

Um representante americano acreditava que a redução da demanda poderia ser feita

através da cooperação internacional se houvessem programas de governo fortes para promovê-

la, pois com a procura vinha junto o desperdício. O norte-americano constatou que “o

desperdício de energia extravagante nos EUA era assustador; per capita o consumo era três

vezes maior do que na Europa, mas a qualidade de vida não era proporcionalmente melhor”.

Diminuir a demanda e evitar o desperdício eram duas medidas importantes que foram

levantadas na Conferência dos Bilderberg para aumentar o preço do petróleo. De acordo com

48 Ibidem, p. 55-56.

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76

um participante da Dinamarca “as pessoas estariam desejando sofrer as dificuldades e restrições

se elas entendessem as razões para elas”.49

Mas a dimensão da força de mercado que os exportadores da OPEP e da OPAEP, a

necessidade de reduzir a demanda e as intervenções políticas não eram suficientes para

alavancar o preço do petróleo. Para que houvesse um aumento no preço de comercialização do

petróleo e para alimentar os interesses de todas as instituições envolvidas em Saltsjöbaden era

importante que houvesse o temor de uma crise internacional para criar um cenário de escassez

do recurso.

“Um participante americano sentiu que a redução da demanda em seu

país seria auxiliada por uma nova declaração de crise de energia da

administração, sugerindo ações e atitudes específicas dos consumidores que

iriam reduzir o consumo. A mudança de orientação em publicidade pela

indústria da energia em geral também seria útil. ” 50

O preço do petróleo a ser aplicado foi também debatido:

“Um orador americano apontou que uma estimativa oficial norte-

americano do futuro do preço tinha sido tão elevada quanto US$5,00 por barril

(...), mas que determinados fatores reduziriam o retorno líquido aos países

produtores em cerca de US$1,00. Outros dois participantes norte-americanos

informaram que o autor da estimativa referida - o Sr. James Akins - tinha dito

posteriormente que US$5,00 viria a ser muito baixo, e poderia, de fato variar

até US$10-12,50 por barril. ”51

Engdahl (2004, p. 130, 135) explica que o objetivo central da reunião em Saltsjöbaden

não era evitar um possível choque do preço do petróleo, mas, ao invés disso, era planejar como

gerenciar a inundação de dólares do petróleo prestes a ser criada, um processo que mais tarde

o secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger chamaria de reciclagem de

petrodólares (que será abordado no próximo capítulo). Um aumento súbito do preço mundial

do petróleo em mais de 400%, visto que o preço praticado em meados de 1973 era de

49 Idem, p. 56-57. 50 Idem, p. 57.

51 Idem, p. 63.

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77

aproximadamente US$2,9052 e o proposto por Akins girava em torno de US$10-12,50

significaria um aumento igualmente dramático na demanda mundial por dólares norte-

americanos para pagar pelo petróleo necessário.

A elevação do preço do petróleo para US$11,65 entrou em vigor no dia 1 de janeiro

de 1974 após uma reunião entre os ministros da OPEP em dezembro do ano anterior. Os

sauditas, mais moderados, eram a favor de trabalhar com um máximo de US$8,00, um valor

suficiente para evitar uma depressão por conta da alta dos preços. O rei Faisal também adotou

o discurso de que desejava manter o “caráter político” do embargo promovido pela OPAEP,

evitando que o mesmo parecesse pretexto para obter mais dinheiro (Yergin. 2010, p. 707-708).

No entanto, como visto no tópico anterior, adotar o valor anunciado era uma medida de certa

forma necessária para corrigir a inflação da desvalorização do dólar após o fim da paridade com

o ouro.

A adoção de um preço oficial do petróleo era necessária por parte da OPEP para

promover a coesão entre seus associados, pois em meio a escassez de petróleo gerada pelo

embargo dos países árabes alguns Estados e empresas importadoras de petróleo passaram a

oferecer valores acima do preço do mercado para obter petróleo a qualquer custo. Yergin (2010,

p.696) demonstra que em novembro de 1973 o Irã decidiu promover um grande leilão para

testar o mercado, à época, o preço do petróleo iraniano valia US$5,00 e as ofertas para obtê-lo

chegaram a 600% acima do valor padrão. Houve uma ocorrência semelhante na Nigéria onde

uma trading japonesa chegou a oferecer mais de US$22,00 por um barril de petróleo. Vale

ressaltar que o Irã e Nigéria não haviam adotado o embargo e nem mesmo eram membros da

OPAEP.

Os leilões por petróleo deram um capital político significante para os exportadores não

árabes. Nesse sentido, o Irã exerceu um papel fundamental para propor a OPEP o exercício de

um preço oficial que desse aos membros da organização o maior retorno possível. No entanto,

como Yamani declarou ao The Guardian, o Xá Reza Pahlavi havia sido influenciado pelo

Departamento de Estado dos EUA a brigar por US$11,65 em detrimento das propostas de países

mais moderados como os sauditas.

“Após uma reunião em Teerã em 1 de janeiro de 1974, um segundo

aumento de preços de mais de 100 por cento resultou em um aumento nos

preços de referência do petróleo da OPEP para US$ 11,65. Isso foi feito sob a

demanda surpreendente do Xá do Irã, que havia sido levantada secretamente a

52 Yergin 2010, p. 708.

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78

ele por Henry Kissinger. Apenas alguns meses antes, o Xá havia se oposto ao

aumento da OPEP para US$3,01 por medo de que isso forçasse os exportadores

ocidentais a cobrar mais pelo equipamento industrial que o Xá procurava

importar para a ambiciosa industrialização do Irã. O apoio de Washington e do

Ocidente a Israel na Guerra de Outubro tinha alimentado a raiva da OPEP nas

reuniões. Mesmo o próprio Departamento de Estado de Kissinger não tinha

sido informado de suas maquinações secretas com o Xá. ” (ENGDAHL. 2004,

p. 138).

No dia 1 de janeiro de 1974 passou a vigorar o valor de US$11,65 como preço oficial

definido pela maioria dos membros da OPEP. Deste montante US$7,00 ficava como receita

para os governos dos países produtores e os US$4,65 restantes eram o lucro das companhias de

petróleo. A Líbia seguiu seu própria caminho e anunciou um preço recorde de US$18,76 por

barril que também entraria em vigor no primeiro dia de 1974. A Nigéria de forma similar, porém

com valores mais baixos que o da Líbia, anunciou o preço de US$14,76 por barril (AL-

SOWAYEGH. 1984, p.136).

O aumento dos preços beneficiou os países exportadores porque a grandeza do retorno

em rendimentos era algo inédito para estes Estados, sem contar que pela primeira vez desde a

fundação da OPEP os países produtores passaram a definir o preço de forma unilateral sem

necessidade de consultar ou negociar com as empresas estrangeiras que atuavam em seus

territórios. Mas as grandes companhias petrolíferas estrangeiras também tiveram benefícios

com o aumento dos preços. Seus lucros nunca haviam sido tão altos, além disso, conseguiram

verba o suficiente para aplicar em novas tecnologias a fim de explorar novos campos de

petróleo, a exemplo dos campos do Alasca e do Mar do Norte, para equilibrar a dependência

dos recursos provenientes dos países da OPEP e da OPAEP concretizando, assim, um dos

propósitos do encontro em Saltsjöbaden, na Suécia. Os governos ocidentais, em especial o dos

EUA também tiveram vantagens após o Choque do Petróleo, pois buscaram investir em novas

matrizes energéticas, a exemplo da energia nuclear, e buscaram manter sua hegemonia no

sistema financeiro internacional através de uma estratégia capaz de substituir o padrão ouro-

dólar, o sistema de reciclagem dos petrodólares

Considerações finais

O Choque do Petróleo de 1973 foi o ápice das crises do petróleo provocadas

intencionalmente por países produtores de petróleo. Cabe ressaltar que os cortes de produção

foram efetuados pelos países árabes membros da OPAEP e por Omã, que não é ligado à

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79

instituição, mas que por solidariedade à causa árabe na quarta Guerra árabe-israelense

suspendeu seus carregamentos de petróleo para os aliados declarados de Israel. A OPEP, em

seu turno, não adotou o embargo promovido por seus afiliados árabes, por outro lado, durante

a crise, grandes produtores da organização como o Irã, a Nigéria e a Venezuela mantiveram seu

nível de produção no mesmo patamar de antes da Guerra do Yom Kippur entre outubro de 1973

e março de 1974. No entanto, a OPEP em sua totalidade foi decisiva na elaboração de um preço

de mercado, acima da média dos anos anteriores, que favoreceu aos objetivos iniciais da

organização no que se referia ao aumento de sua margem de lucros no comércio do petróleo e

ao controle de produção e de preços por parte de seus membros, especialmente por

representarem os Estados hospedeiros de companhias estrangeiras.

Ademais, a utilização da “arma do petróleo” redirecionou o alinhamento político da

OPAEP e de outros Estados da região do Oriente Médio transformando as relações entre

produtores e consumidores e remodelando o plano econômico internacional. Aliado a isso, o

Choque de 1973 marcou uma alteração no panorama do mercado petrolífero internacional, pois

pela primeira vez os países produtores do recurso tomaram medidas unilaterais em relação ao

aumento dos preços do barril sem a intervenção das grandes companhias internacionais que

atuavam em seus territórios assegurando, dessa forma, a soberania sobre seu principal produto,

além de conseguirem utilizá-lo como instrumento político de modo eficaz, o que lhes

proporcionou ganhos tanto no campo político quanto no econômico.

A utilização do petróleo como instrumento de poder e de barganha elevou a condição

do recurso para um assunto de nível estratégico e de competência estatal, tanto para os

importadores quanto para os exportadores, de modo que a preocupação com o fluxo do petróleo

que era preferencialmente atribuição das empresas se tornou, de fato, uma questão de Estado.

Ademais, o Choque ganhou um contorno mais marcante do que as crises predecessoras por

conta, em parte, de dois motivos destacados ao longo do capítulo: o cenário negativo propagado

pela pesquisa patrocinada pelo Clube de Roma e publicado em The Limits to the Growth de que

as reservas de petróleo conhecidas na época durariam cerca de trinta e um anos, mais a

incapacidade de os EUA suprirem a demanda internacional em casos de suspensão de

carregamentos de petróleo para a Europa, de modo que os norte-americanos passaram a fazer

parte do mercado mundial por terem alcançado seu pico produtivo e parte dos consumidores

nacionais buscarem alternativas de suprimentos com custo mais baixo.

O Choque do Petróleo representou um marco relevante na história do petróleo porque

através dele os interesses dos países exportadores se concretizaram, pois pela primeira vez os

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80

cortes de produção praticados por eles, países do terceiro mundo dependentes da exportação de

petróleo, tiveram efeito real na economia internacional com o encarecimento do barril do

petróleo em cerca de 400% em relação ao valor praticado antes da interrupção de fornecimento

aos aliados de Israel em outubro de 1973. A propósito, também pela primeira vez os próprios

Estados produtores definiram o preço de comercialização do petróleo de forma unilateral, uma

decisão cercada de simbolismo que lhes revestiu da capacidade de efetuar determinações

relacionadas ao seu próprio petróleo sem consulta prévia às empresas que operavam em seus

territórios desde que lhes fora outorgado concessões para explorações de jazidas nas primeiras

décadas do século XX.

Embora o embargo tenha rendido ganhos econômicos para os produtores, no campo

político os países árabes não tiveram muitos ganhos significativos, pois os EUA não deixaram

de ser aliados de Israel e os territórios anexados pelas forças israelenses 1967 não foram

devolvidos ao Egito, Síria e Jordânia até o levantamento do embargo, sem contar que os direitos

do povo palestino parecem ter sido deixados em segundo plano após determinadas

manifestações de apoio aos árabes declaradas por europeus e japoneses.

No que diz respeito ao aumento dos preços do petróleo, percebe-se que não foi somente

o embargo da OPAEP que transformou o valor do barril. Os três outros fatores apresentados no

capítulo, a saber, as negociações dos acordos de Teerã e Trípoli; o Fim do sistema de Bretton

Woods de conversão do ouro em dólar; e o os projetos definidos pelos líderes ocidentais na

reunião confidencial do grupo Bilderberg, influenciaram de igual modo a valorização do custo

do petróleo no mercado internacional. Em suma, o primeiro fator foi apresentado como o

esforço político da OPEP em expandir sua margem de lucros e o entendimento da urgência de

reajuste dos preços de acordo com a inflação registrada no período; o segundo reflete o impacto

da anulação unilateral do sistema de paridade ouro-dólar por parte do governo estadunidense e

as consequências para o mercado petrolífero; e o terceiro versa sobre os interesses de dirigentes

de governos e de petrolíferas (e representantes de outros setores) do Ocidente no agigantamento

dos preços internacionais do petróleo com finalidade estratégica de transmutar reservas

conhecidas em regiões de difícil acesso e com alto custo de produção em jazidas viáveis para

exploração com o intuito de diminuir a dependência do recurso produzido no Oriente Próximo.

Por último, O Choque levou os países afetados a adotarem medidas de emergência para

estancar os prejuízos provocados pela suspensão de fornecimento por parte dos membros da

OPAEP. Durante a crise, governos como o dos EUA e a França empregaram mecanismo para

evitar o desperdício de energia. Após o fim da crise em março de 1974 e o fluxo de fornecimento

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ter retornado ao nível de setembro de 1973, os países dependentes de importação de petróleo

fundaram a Agência Internacional de Energia (AIE) e estabeleceram medidas de alcance

intercontinental para conter a ocorrência de possíveis novos casos de interrupção do fluxo de

petróleo, independente do motivo ou circunstância da qual pudesse acontecer. Assim, pode-se

concluir que o Choque do Petróleo foi um dos principais eventos que colaboraram com a

preocupação de segurança energética a nível internacional de forma que tal preocupação foi

estendida tanto para os países consumidores e empresas do setor, quanto para os países

produtores, conforme poderá ser observado na terceira parte desta pesquisa.

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82

Capítulo III

Aspectos da segurança energética

Considerações iniciais

A ocorrência do Choque do Petróleo resultou em ações unilaterais e multilaterais de

muitos Estados para ajustarem suas agendas com a preocupação pela segurança energética. Nos

anos posteriores ao Choque muitos países passaram a investir em fontes alternativas de energia

para alcançarem sua independência nesse setor.

Ainda na década de 1970, países como os EUA, o Japão e a França, por exemplo,

altamente dependentes da produção e da profusão do fluxo de petróleo internacional, passaram

a investir maciçamente na energia nuclear como alternativa para reduzir a dependência do

petróleo da OPAEP. Até o fim da década de 1970, os EUA haviam construído 49 usinas

nucleares53, a França 1654 e o Japão 755. Embora algumas das plantas nucleares já tivessem sido

edificadas e operassem desde o final da década de 1950, como no caso francês, a partir de 1973

a energia nuclear se tornaria uma fonte estratégica para a manutenção da segurança energética

desses países. Além da nuclear, houve investimento em outras fontes de energia que poderiam

ser aproveitadas de forma alternativa ao petróleo como a eólica, a solar, outros combustíveis

fósseis como o próprio carvão e o gás natural, além da energia produzida a partir de fontes

orgânicas como os biocombustíveis. Sobre este último, o Brasil, ao lançar o Programa Nacional

do Álcool (Proálcool) em 1975, foi um dos pioneiros em substituir combustíveis derivados de

petróleo para automóveis por álcool produzido a partir da cana-de-açúcar.

Curiosamente, apesar da ocorrência do cenário negativo causado pelos efeitos

provenientes da crise provocada pelo embargo promovido pelos países árabes exportadores de

petróleo, o consumo de petróleo manteve certa estabilidade no mercado estadunidense durante

o restante da década de 1970. Em julho de 1974 os EUA importavam cerca de 3,335.300

milhões bpd da OPEP, quase 700 mil a mais do que em março de do mesmo ano, quando os

produtores árabes suspenderam o embargo e o petróleo voltou a fluir sem impedimento de

53 Datas de inauguração, expiração e nomes das usinas disponível em http://www.nrc.gov/info-finder/reactor/

Acessado no dia 27 de agosto de 2015.

54 Datas de inauguração, expiração e nomes das usinas disponível em: http://energie-nucleaire.net/ Acessado no

dia 27 de agosto de 2015.

55 Datas de inauguração, expiração e nomes das usinas disponível em: http://www.world-

nuclear.org/info/Country-Profiles/Countries-G-N/Japan/ Acessado no dia 27 de agosto de 2015.

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83

natureza política. Em 1977, os EUA atingiram o maior pico de importação da década chegando

a comprar cerca de 6,630 milhões bpd da mesma entidade. Nos anos seguintes ocorreram leves

reduções na importação de petróleo até que em janeiro de 1980, os norte-americanos passaram

a consumir em média aproximadamente 5,467 milhões bpd. Os principais fornecedores da

OPEP para os EUA nos anos 1970 foram (não necessariamente em ordem de volume de

exportação) Venezuela, Arábia Saudita, Nigéria, Argélia, Irã e Líbia.56

Nesta parte da pesquisa são tratados alguns aspectos ligados à segurança energética

tanto para os países consumidores quanto para os produtores de petróleo. Estruturalmente, este

terceiro capítulo está organizado em cinco tópicos onde são abordadas questões relacionadas

ao assunto nos campos da economia, da política e da geopolítica do petróleo. No tópico inicial

é discutido como o governo norte-americano se aproveitou do aumento do preço do petróleo

pós Choque de 1973 para levar a cabo uma estratégia de vinculação do dólar ao petróleo

produzido pelos membros da OPEP e como tal fato se tornou em um mecanismo de segurança

nacional para os EUA no que se refere ao setor energético e econômico. Nele serão tratados o

que é o sistema de reciclagem de petrodólares, a aproximação dos EUA com os produtores da

OPEP e como se deu sua implementação no cenário internacional.

No segundo tópico, é trabalhada a fundação da Agência Internacional de Energia como

resultado da cooperação de países consumidores de petróleo para fazer frente ao poder dos

grandes produtores de petróleo. Neste item são abordados o peso político e econômico dos

exportadores árabes no mercado petrolífero com base em estatísticas e dados do início da

década de 1970; a motivação para a criação da AIE; as medidas emergenciais da agência em

casos de interrupção do fornecimento de energia, independente da natureza da causa; e o

interesse de cooperação entre consumidores e produtores para a manutenção do fluxo do

petróleo. No tópico seguinte, é realizada uma discussão sobre o que é a segurança energética e

como conceituá-la de forma a abranger as necessidades e exigências comerciais e políticas dos

atores securitizadores – Estados produtores e consumidores, organizações internacionais e

empresas públicas ou privadas. O quarto item deste capítulo aborda a preocupação com os

riscos geopolíticos que podem interromper o fluxo da cadeia de comercialização do petróleo

por vias marítimas e terrestres e as possíveis implicações que tal fato pode causar no cenário

internacional.

56 The U.S. Energy Information Administration – EIA. Total Energy reports. Petroleum Trade: Import from

OPEC Countries. Disponível em:

http://www.eia.gov/beta/MER/index.cfm?tbl=T03.03C#/?f=M&start=197301&end=198001&charted=10

Acessado no dia 15 de fevereiro de 2016.

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84

O quinto e último tópico do terceiro capítulo desta dissertação versa sobre as políticas

de gerenciamento dos riscos à segurança energética a partir de uma análise da proteção da

cadeia de comercialização que compõe o ciclo energético (basicamente extração, refino,

transporte e comercialização) e as possíveis respostas a casos de ameaças a interrupção do fluxo

de energia.

1. A reciclagem dos Petrodólares: Uma estratégia econômica para assegurar o

controle sobre o comércio internacional de petróleo

O sistema de reciclagem de petrodólares é um mecanismo que permite aos EUA

ocuparem uma situação vantajosa no sistema financeiro internacional em relação aos outros

países e que ocorre da seguinte forma: desde o aumento do preço do petróleo depois do Choque

de 1973 e o consequente aumento do poder de compra dos grandes produtores de petróleo de

bens e serviços oriundos dos países industrializados, o governo norte-americano buscou

acordos com estes países para garantir que a comercialização do petróleo fosse feita apenas em

dólares, estimulando os exportadores do recurso a fazerem investimentos de longo-prazo na

economia estadunidense com o excedente de receitas providenciado pela valorização do barril

(ROBINSON. 2012, p. 3). Com isto, os EUA mantêm o dólar como principal moeda mundial,

pois como o petróleo era (e ainda é) um recurso essencial para o desenvolvimento da indústria

internacional, todos os outros países do mundo são forçados a obter dólares para adquirir o

petróleo produzido pela OPEP; e para adquirir tais dólares é necessário que comercializem seus

produtos com os EUA.

Este sistema de reciclagem de petrodólares foi possível porque desde o fim da Segunda

Guerra Mundial o petróleo tem sido comercializado essencialmente em dólares por conta do

acordo de Bretton Woods, que autenticou o dólar americano como a principal moeda de

reservas do mundo para trocas comerciais. Este sistema, como visto no capítulo anterior,

baseava-se nos princípios de taxas de câmbio fixas com lastro em ouro. Com o rompimento

unilateral do sistema de vinculação do ouro com o dólar em agosto de 1971 pela administração

do presidente Richard Nixon, entrou em vigor um sistema de câmbio flutuante que contribuiu

para inflacionar os preços dos produtos industrializados e das commodities, entre as quais o

petróleo e seus derivados.

Durante 1973-1974 secretário do Tesouro americano William Simon começou

negociações com o governo saudita em uma tentativa de reforçar as vendas globais de petróleo

apenas em dólares, e, assim, frustrar as discussões da época de transição para o comércio de

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petróleo através de um sistema de cesta de moedas, fator que ameaçaria a confiança

internacional na moeda norte-americana (CLARCK. 2005, p 30). Segundo Spiro (1999, p.122),

alguns membros da OPEP começaram a perceber as vantagens de atrelar o preço do petróleo a

uma cesta de moedas com a depreciação do dólar durante a década de 1970. Em junho de 1975

a organização chegou a um consenso de atrelar o preço do dólar em Special Drawing Rights

(SDR), ou Direito Especial de Saque (DES), em português.57O interesse em geral era simples,

com a desconfiança internacional e rápida desvalorização do dólar, a OPEP queria um rápido

ajuste da inflação aumentando os preços do petróleo e ao mesmo tempo diminuir a dependência

da moeda norte-americana comercializando petróleo e gás em moedas europeias e ienes. Isto

fica latente em um memorando de conversação do xeque Yamani, então Ministro do Petróleo e

Recursos Minerais da Arábia Saudita, com Charles Robinson, Subsecretário de Assuntos

Econômicos dos EUA, em outubro de 1975, onde o xeque saudita informa o seguinte:

“Os argelinos já estão pressionando bastante para que haja uma outra

reunião da OPEP no final deste mês. Eles estão preocupados com o declínio

dos seus lucros. Eles enviaram um cabo para países da OPEP pedindo para que

vinculemos os preços do petróleo a SDRs ou a uma cesta de moedas. Isso na

verdade é uma coisa justa, mas eu sei que este é apenas um primeiro passo para

aumentar os preços. (...) seus amigos no Irã também estão muito interessados

em ter um outro aumento de preços. Eles querem um rápido, uma vez que eles

acham que a inflação está crescendo. Eles querem um novo aumento neste ano.

”58

O governo norte-americano era contrário à adoção de uma cesta de moedas para

comercializar o petróleo. Em setembro de 1978 o Conselho de Segurança Nacional dos EUA

concluiu que os mercados reagiriam mal aos preços do petróleo da OPEP com base em uma

cesta de moedas. Os investidores ficariam nervosos e a adoção da cesta causaria uma evasão do

dólar, o que claramente ia contra os interesses de reciclagem dos petrodólares. Em todo caso, a

adoção de uma cesta de moedas só seria interessante quando o dólar não estivesse mais sob

pressão, o que poderia melhorar a posição competitiva dos EUA quando a situação estivesse

controlada, já que como o comércio do petróleo é feito através da moeda estadunidense, com o

57 Ativo de reserva internacional criado pelo Fundo Monetário Internacional a partir de 1969 no contexto do

sistema de taxa de câmbio fixa Bretton Woods. Após o colapso do sistema de Bretton Woods a SDR foi redefinida,

em 1974, como uma cesta de 16 moedas amplamente utilizadas. Em 1981 a SDR foi simplificada para 5 moedas.

58 Memorandum of Conversation Preparatory Conference II, April 1975–October 1975. In: Foreign Relations of

the United States 1969–1976, Energy Crisis, 1974–1980. Volume XXXVII, p. 192.

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86

dólar em baixa, o custo de produção de outros países diminui e sua posição competitiva ganha

força em relação aos EUA.59

Como resultado da Guerra do Yom Kippur e do embargo de petróleo estipulado pela

OPAEP o preço do petróleo já havia alcançado o valor de US$11,65, uma valorização de 400

por cento em menos de três meses – entre outubro de 1973 e janeiro de1974. Este valor,

conforme abordado no último capítulo não foi resultado somente da recusa de produção e venda

do petróleo árabe, mas estava ligado também ao reajuste da inflação do novo sistema de câmbio

flutuante adotado após o fim do padrão ouro-dólar e de interesses de governos e companhias

ocidentais para diminuir a dependência do petróleo do Oriente Médio, viabilizar

economicamente a exploração de campos de petróleo com alto custo de produção e investir em

fontes alternativas de energia.

O reajuste do preço do petróleo efetuado pela OPEP em janeiro de 1974, de 400% em

relação a setembro de 1973, afetou diversos setores da economia estadunidense como o

comércio, a indústria, o de energia e consequentemente a população local, já que com

necessidade de gastar mais para manter o nível de produção e a economia não desacelerar, era

necessário que estes segmentos repassassem os custos para o consumidor em forma de ajustes

nos preços de bens e serviços oferecidos. Todavia, as grandes companhias petrolíferas não

tiveram perdas significativas, ao contrário dos setores previamente citados, as empresas de

petróleo aumentaram significativamente sua margem de lucro, pois, apesar do Choque, o

consumo de petróleo se manteve estável até 1979, além disso, passaram a investir em outras

praças de exploração de petróleo como a Baía de Prudhoe no Alasca e no Mar do Norte.

O governo norte-americano também tirou proveito do aumento do preço do petróleo e

incentivou os países produtores da OPEP a comercializarem seu petróleo somente em dólares

e a investirem o excedente de suas receitas nos EUA com depósitos em bancos nos EUA e em

títulos de dívida do governo dos EUA. Este foi um dos primeiros mecanismos de segurança em

relação a energia empreendido pelos EUA após Choque do Petróleo, porque mesmo após o

embargo promovido pela OPAEP e o consequente investimento em fontes alternativas de

energia, havia o conhecimento de que o petróleo continuaria sendo a principal commodity

utilizada tanto para a geração da energia quanto para a movimentação da indústria mundial.

Sobre isto Zalloum (2011) argumenta o seguinte:

59Summary of Conclusions of Ad Hoc National Security Council Meeting. In: Foreign Relations of the United

States 1969–1976, Energy Crisis, 1974–1980. Volume XXXVII, p. 516-518.

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87

“Após a produção mais baixa de petróleo nos EUA atingir o pico

como previsto, o que coincidiu com a incapacidade dos EUA de honrar o seu

compromisso Bretton Woods no que tange a conversão do dólar em ouro a uma

taxa fixa, tornou-se imperativo e imperial para os EUA garantirem reservas de

petróleo para manter seu complexo industrial militar e a hegemonia global. O

primeiro passo foi transformar as enormes reservas economicamente inviáveis

do Alasca e do Mar do Norte em reservas econômicas, algo que foi garantido

através do aumento do preço do petróleo que foi feito teatralmente através da

Guerra do Yom Kippur em outubro de 1973. Foi também necessário assegurar

que o influxo de petrodólares para os países produtores fosse controlado por

aquilo que passou a ser conhecido como a reciclagem dos produtores para

bancos ocidentais. O dinheiro nunca deixou os bancos ocidentais enquanto era

transferido de uma conta para outra. Um filete de dinheiro, praticamente não

mais do que o interesse foi autorizado a ir para as nações produtoras para

consumir a produtividade do Ocidente e comprar suas armas obsoletas.

Através de acordos secretos com os seus principais clientes

produtores de petróleo, tais como o Xá do Irã, a OPEP foi seduzida a precificar

o petróleo apenas em dólares, criando enorme demanda sobre o dólar e na

impressão de papéis de menos cinco centavos como notas de 100 dólares. Este

foi mais um motivo para os EUA aumentarem o seu interesse nos campos de

petróleo de apenas controle para ocupação pura e simples. ” (ZALLOUM.

2011, p. 125,126).

Para analisar a declaração de Zalloum devemos fazê-lo por partes. Em primeiro lugar,

quando o autor argumenta que o aumento dos preços foi teatralmente manipulado durante a

Guerra do Yom Kippur, tal afirmação não pode ser considerada verossímil, pois conforme

abordado no capítulo anterior, havia o interesse estratégico tanto dos países produtores tanto de

nomes influentes do governo e de petrolíferas dos EUA, assim como de seus aliados do Canadá

e da Europa Ocidental, em favor da escalada dos preços. Pode-se dizer, no entanto que o apoio

norte-americano a Israel com transferência de armamentos e auxílio financeiro tenha

estimulado os países da OPAEP a promoverem o embargo de petróleo e consequentemente a

valorização dos preços da commodity determinado pela OPEP no início de 1974.

Em segundo lugar, quando o autor trata da reciclagem dos petrodólares, pode-se afirmar

que este já era um plano ocidental anterior ao Choque e que deveria ser acionado após uma

crise relacionada ao petróleo com o aumento dos preços e das receitas dos países árabes

exportadores do recurso. Este plano foi exposto na reunião do grupo Bilderberg em

Saltsjöbaden, na Suécia, em maio de 1973. O principal interesse manifesto na conferência era

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88

atrair investimentos de longo prazo dos países árabes para os EUA e a Europa, pois segundo

um participante norte-americano na conferência, os árabes preferiam fazer investimentos

líquidos de curto prazo, principalmente depois que o dólar americano deixou de ser lastreado

em ouro. Dessa forma, considerou-se importante limitar a imprevisibilidade e a volatilidade dos

fluxos de capitais da OPEP em relação aos Estados industrializados que possuíam um interesse

comum em encontrar maneiras para fazer os árabes efetuarem investimentos seguros e de longo

prazo, de alto rendimento e protegidos contra a instabilidade monetária.

A receita para atrair o investimento do excedente da receita do petróleo era os EUA e a

Europa se apresentarem como parceiros comerciais naturais, muito mais do que apenas

compradores de petróleo, a fim de explorar o desejo de diversificação da economia dos

produtores árabes. Nesse sentido, um participante holandês na reunião da Suécia chegou a

declarar o seguinte: “seria particularmente útil se pudéssemos aconselhá-los sobre as estratégias

de investimento” e complementou “a melhor filosofia era simplesmente que eles tinham muito

o que fazer em seus próprios países e nós poderíamos ajudá-los”.60

Após o Choque do Petróleo os rendimentos dos exportadores aumentaram de 23 bilhões

de dólares, em 1972, para 140 bilhões dólares em 1977. Os excedentes que foram atribuídos à

revolução dos preços do petróleo no início de 1974 passaram a ser conhecidos como “o

excedente da OPEP” ou “os petrodólares da OPEP”, embora a maioria desses fundos tenham

sido acumulados pela Arábia Saudita e Kuwait e, em menor medida, pelos EAU e Qatar

(ALNASRAWI. 1991, p.102). Este súbito acúmulo de riqueza, inesperado antes de 1974, levou

os produtores de petróleo a embarcarem em um vertiginoso programa de gastos em artigos de

luxo, infraestrutura interna, serviços e industrialização. A disposição do excedente tomou várias

formas, sendo a mais importante delas a colocação de fundos nos mercados de capitais dos

países industrializados.

“Não é surpreendente que aproximadamente 84 por cento do

excedente encontrou seu caminho em economias industriais na forma de

investimentos financeiros em euromoeda, depósitos bancários e títulos de

governos. Outro 13 por cento do excedente foram para países em

desenvolvimento sob a forma de empréstimos e subvenções, com o saldo a ser

canalizados para o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI)

60 BILDERBERG MEETINGS. Saltsjöbaden Conference, Sweden, 11-13 de maio de 1973, p. 67-69. Disponível

em: http://www.bibliotecapleyades.net/sociopolitica/bilderbergfile/contents.htm Acessado no dia 5 de novembro

de 2015.

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89

para ser usado nas operações de crédito dessas instituições”. (ALNASRAWI.

1991, p.103).

Os EUA também costuraram acordos com a Arábia Saudita e o Irã, que se destacavam

como detentores das maiores reservas e capacidade de produção no Oriente Médio, para que

estes continuassem comercializando seu petróleo exclusivamente em dólares em troca da venda

de armamentos e proteção militar que poderiam ser comprados com o excedente do lucro do

petróleo.

“Os EUA forneceram 51 por cento das importações de armas da Arábia

Saudita durante o período de 1970-1974, quando as importações de armas

sauditas chegavam em média a apenas US$3 bilhões. Os EUA aumentaram sua

participação no mercado de importação de armas da Arábia Saudita para 79

por cento durante o período de 1975-1979, quando as importações ficaram em

média em US$2.8 bilhões por ano. O aumento de importação de armas pelos

sauditas junto com o aumento de importação de armas pelos iranianos elevou

a participação dos EUA nas importações de armas no Oriente Médio de 34 por

cento no período 1970-1974 para 61 por cento no período 1975-1979. ”

(ALNASRAWI. 1991, p.103).

Com o aumento dos preços do petróleo e o estimulo da comercialização do recurso com base

na moeda estadunidense, quem mais acumulou prejuízos foram os países em desenvolvimento

que dependiam da importação do petróleo da OPEP para atender suas demandas internas. O

aumento dos preços prejudicou a balança de pagamentos dessas nações, constrangendo sua

capacidade de crescer ou inibindo por completo seu crescimento. A saída para estes países foi

recorrer a empréstimos e, assim, uma grande parte desse superávit em dólares da OPEP foi

“reciclada” através do sistema bancário para os países em desenvolvimento, ou seja, estes países

reuniram volumosas dívidas lidando com o Choque do Petróleo (YERGIN. 2010, p. 720).

Muitos países em desenvolvimento, a exemplo do Brasil, mergulharam em uma

profunda crise que estourou na década de 1980 em parte por conta do Choque do Petróleo de

1973 (e de 1979 com a Revolução islâmica no Irã) e do sistema de reciclagem dos petrodólares.

O processo acontecia da seguinte maneira: os países da OPEP com os dólares da venda do

petróleo a preços mais elevados investiam nos EUA que por sua vez emprestavam dinheiro para

os países em desenvolvimento. Como os Estado mais pobres não tinham condições de pagar

pelos empréstimos então acionavam o FMI que, em seu turno, os aconselhava a adotar medidas

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90

de austeridade, privatizações de estatais e outras medidas que lhes permitissem honrar seus

compromissos financeiros internacionais.

O sistema dos petrodólares é importante como mecanismo de segurança nacional para

os EUA porque enquanto o mundo precisar de petróleo, e enquanto tal commodity for vendida

apenas em dólares haverá sempre uma demanda para adquiri-los, de forma que esta é uma das

principais condicionantes que dá a moeda estadunidense seu valor. Segundo Robinson (2012,

p. 10), com uma grande circulação de dólares ao redor do globo, os preços dos ativos norte-

americanos naturalmente aumentaram a manutenção de uma demanda mundial por dólares e

tornou-se vital para "ilusão de prosperidade” nacional e “segurança nacional” para os EUA.

Quando o sistema dos petrodólares colapsar o governo terá que parar de imprimir dólares e

ficará suscetível a uma situação de hiperinflação de modo que a proporção de dólares em

existência será muito superiores à demanda real, levando a um aumento generalizado dos preços

de bens e serviços.

Apesar do sistema de reciclagem dos petrodólares visar a manutenção da hegemonia

norte-americana na economia mundial, era necessário que se investisse em mecanismos de

segurança para cooperação internacional em casos de futuras interrupções do fluxo de petróleo,

o que levou a criação de agências nacionais e internacionais para o gerenciamento da questão

energética.

2. O peso do Choque e a criação da AIE e seus mecanismos emergenciais.

A partir da eventualidade do Choque do Petróleo estabeleceu-se a necessidade dos

governos dos países importadores, dependentes desse importante recurso para a movimentação

de suas economias, se organizarem em torno de organizações internacionais com a finalidade

de investirem em novas fontes de energia e evitar a ocorrência de novas crises de abastecimento

que os deixassem reféns do petróleo produzido pela OPEP e principalmente da OPAEP.

Para que o peso do petróleo árabe no mercado mundial durante o período de escassez

provocado pelo embargo seja melhor compreendido, faz-se necessário recorrer às estatísticas

do período em questão: Em 1973, a OPAEP era responsável por pouco mais de 912,9 de um

total de 2871,3 milhões de toneladas de petróleo produzidas no mundo, representando quase

32% da produção global. Se considerarmos apenas o Oriente Médio e o norte da África, com

uma eficiência produtiva por volta de 1058,9 milhões de toneladas de petróleo, a OPAEP

produzia o equivalente a pouco mais de 85% da produção total da região. Por fim, ao levarmos

em consideração a produção total da OPEP no período de 1489,1 milhões de toneladas de

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91

petróleo, verificaremos que só os países árabes respondiam por 61% da produtividade desse

órgão inter-regional. Essas demonstrações numéricas demonstram o quão pesado foi o jogo do

embargo de petróleo árabe vide o peso da participação da OPAEP na produção de petróleo

mundial da época61.

Fonte: BP Statistical Review of World Energy June 2015

A Arábia Saudita pode ser considerada o principal ator da OPAEP, cuja participação no

embargo foi decisiva para o sucesso do mesmo. Só em 1973 os sauditas detinham uma reserva

mensurada em 140,750 bilhões de barris de petróleo62, equivalente a pouco mais de 22% das

reservas mundiais de cerca de 635 bilhões de barris, sendo 401 bilhões destas reservas da OPEP

e 317 bilhões da OPAEP, ou seja, praticamente a metade do total da organização árabe. Além

disso, os sauditas dispunham de uma produção de 384 milhões de toneladas de petróleo, o

correspondente a pouco mais de 13% da produção mundial, 26% da OPEP e mais de 42% da

OPAEP.63 A Arábia Saudita, dessa forma, teve um papel de extrema importância no embargo

61 The British Petroleum Company – BP – British Petroil Statistical Review of World Energy 2015 workbook –

Disponível em: http://www.bp.com/statisticalreview – Acessado no dia 21 de Agosto de 2015. Os dados utilizados

incluem petróleo bruto, óleo compacto ou de xisto, areias betuminosas e o conteúdo líquido de gás natural, onde

este é recuperado separadamente do gás per se.

Nessa estatística foram adicionados os dados do Bahrein (indisponíveis no BP Statistical Review of World Energy

2015 workbook) do banco de dados do OAPEC Energy Databank disponível em

http://oapecdbsys.oapecorg.org:8090/ords/f?p=112:8:::NO::: – Acessado no dia 26 de Agosto de 2015. 62 Organization of Araba Petroleum Exporting Countries – OAPEC – OAPEC Energy Databank – Disponível

em: http://oapecdbsys.oapecorg.org:8090/ords/f?p=112:8:::NO::: Acessado no dia 27 de agosto de 2015.

63 Ibidem

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que resultou no Choque do Petróleo, já que sem este país, o impacto resultado por ele poderia

ser bem menos significativo do que o esperado ou até mesmo inviabilizar a proposta política

do mesmo.

Fonte: BP Statistical Review of World Energy June 2015

Cabe mencionar que a Arábia Saudita era considerada um aliado estratégico dos EUA,

que contava com o país para ter acesso às reservas de petróleo fora do seu próprio território. Os

sauditas também consideravam sua aliança com a principal potência do Ocidente como

estratégica no que se referia a sua defesa e segurança nacional garantidas pelo poderio militar

norte-americano. O acordo de aliança entre ambos os Estados foi estabelecido a bordo do

cruzador norte-americano Quincy pelo então presidente Franklin D. Roosevelt e o rei Abd al-

Aziz Al Saud, mais conhecido como Ibn Saud, em 1945, e foi influenciado por funcionários do

alto escalão da ARAMCO como relata a historiadora Madawi al-Rasheed:

Os funcionários da ARAMCO permaneceram como a principal força

motriz por trás de relações sauditas-americano durante os últimos anos da

Segunda Guerra Mundial (...) os funcionários da ARAMCO convenceram

Washington de que as reservas de petróleo da Arábia Saudita haviam sido

elevadas a 20 bilhões de barris, o que era igual a todos os depósitos explorados

nos EUA.

A reunião resultou no estabelecimento de relações mais fortes com os

EUA, em detrimento da Grã-Bretanha. Ibn Saud concordou em permitir que os

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navios americanos utilizassem os portos sauditas e a construção de uma grande

base da força aérea americana. Uma área foi alugada para o exército dos EUA

por um período de cinco anos; depois disso ela seria devolvida a Arábia Saudita

com todas as estruturas erguidas sobre ela. Ibn Saud confirmou que a

concessão de petróleo de 1933 para a ARAMCO ainda era válida e concedeu

o seu consentimento para a construção da Trans-Arabian Pipeline entre Hasa

e o Mediterrâneo. Washington enviou uma missão militar para investigar a

construção de aeroportos militares em Dhahran. Para Ibn Saud, a reunião teve

um grande significado já que ele viajou além de suas fronteiras em busca de

um aliado para garantir a independência de seu recém-criado reino. Os EUA

estavam em busca de depósitos de petróleo e bases aéreas. (AL-RASHEED.

2010. p.100).

O peso da dependência do petróleo produzido no mundo árabe e o aumento dos preços

do óleo cru e dos seus derivados, levaram os países dependentes do recurso a investirem em

energias alternativas para não ficarem à mercê de novas crises ou choques. Houve também uma

mudança de posicionamento político em relação à energia com a criação de pastas ministeriais

que ficariam responsáveis pelo gerenciamento dos negócios energéticos desses países. No

Reino Unido, do Department of Trade and Industry foi estabelecido o Department of Energy

como um ramo independente exclusivo para gerenciar questões ligadas ao setor energético em

janeiro de 1974. Já o United States Department of Energy foi criado em agosto de 1977 na

administração do então presidente Jimmy Carter a partir do The Department of Energy

Organization Act of 1977 com o objetivo principal de criar mecanismos e programas internos

para encarar a escassez de recursos energéticos não renováveis e a crescente demanda por

matéria-prima energética do exterior, situação, a qual era entendida como uma grave ameaça à

segurança nacional, além de estabelecer dispositivos eficientes para estocar suprimentos

energéticos suficientes para sustentar a demanda interna em caso de futuras crises

internacionais.

O enfrentamento à “arma do petróleo” também resultou em atitudes

intergovernamentais que levaram à criação de organizações de cooperação multilateral como a

Agência Internacional de Energia (AIE), fundada em novembro de 1974 com o propósito de

ser um órgão internacional de cooperação no ramo da energia entre os países industrializados

dependentes da importação de recursos energéticos do exterior para atender suas demandas

internas. Os principais desígnios da AIE eram garantir o acesso a um amplo e confiável

fornecimento de petróleo e estabelecer e manter mecanismo capazes de promover respostas

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94

rápidas e eficientes em casos de emergência. Para este fim foi estabelecido o compromisso de

reservas emergenciais para que em casos de futuras crises, as necessidades dos países da AIE

fossem satisfeitas através da criação de estoques emergenciais de petróleo e da capacidade de

comutação dos combustíveis (SCOTT. 1994, p. 360,361).

Sobre os estoques emergenciais, o artigo 2 do International Energy Treaty, tratado que

deu origem a AIE, define como compromisso dos seus membros que os países mantenham

provisões de petróleo com suficiência para sustentar o consumo interno por 90 dias, sem

importações líquidas de petróleo (SCOTT. 1994, p. 361). Três vezes em sua história, a AIE

recorreu aos estoques de emergência para aliviar restrições de oferta que ameaçavam a

economia global: a primeira foi durante a Guerra do Golfo de 1991; a segunda foi após furacões

Katrina e Rita em 2005 terem danificado refinarias de petróleo no Golfo do México; e a terceira

vez foi em resposta à interrupção prolongada do fornecimento de petróleo da Líbia em 2011

(YERGIN. 2014, p. 285,286). O uso precipitado das reservas emergenciais pode contribuir para

a queda do preço do petróleo, no entanto, gerenciar preços não é o objetivo das ações coletivas

da AIE, pois ao se recorrer a tal tentativa através medidas de emergência, existe o risco de que

sinais importantes de mercado sejam mascarados, como a necessidade de investimento em

infraestrutura de provimento de combustível em tecnologias mais eficientes, que são essenciais

para garantir a segurança do abastecimento no futuro (YOUNG. In: EL-BADRI et al. 2014, p.

16,17).

Além das reservas estratégicas a AIE possui três outros mecanismos emergenciais que

são a contenção da demanda; a substituição de derivados do petróleo por outros combustíveis;

e o aumento da produção nacional de petróleo. No que tange ao primeiro, reduções de curto

prazo no uso do petróleo são uma parte importante de qualquer resposta a uma perturbação do

aprovisionamento externo. Esse tipo de medida foi usado durante o Choque de 1973 quando o

presidente Nixon anunciou em discurso à nação a necessidade de economizar energia e

combustível para conter a crise (portanto é anterior à fundação da AIE). As propagandas de

redução de consumo e de conscientização populacional exercem um papel fundamental na

implementação desta medida. A substituição do petróleo por outros combustíveis foi uma

consequência do embargo árabe para diminuir a dependência do petróleo da OPAEP e que

requer investimentos de médio e longo prazo e podem depender de alterações na legislação

(incluindo leis ambientais) e nas estruturas de distribuição de energia. Utilizar o gás natural e o

álcool como combustíveis alternativos à gasolina é um exemplo desta medida. Um outro

exemplo é a redução da dependência do petróleo para geração de eletricidade através do uso do

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carvão e do gás ou até mesmo da construção de hidroelétricas. Em terceiro lugar, a medida de

aumento de produção é um esforço restrito aos países exportadores da AIE como o Canadá, por

exemplo, para atender às necessidades internas e de aliados (YOUNG. In: EL-BADRI et al.

2014, p. 17). Antes da criação da Agência (conforme abordado previamente no capítulo 1) os

EUA exerceram função similar ao assumirem o papel de principal fornecedor para países da

Europa durante a Crise Iraniana de 1953, do Suez em 1956 e na Guerra dos Seis Dias em 1967.

Embora a AIE tenha sido criada com a determinação de reduzir a dependência da

importação do petróleo estrangeiro dos seus adeptos, ao mesmo tempo a organização tinha

interesse em envidar esforços para promover relações de cooperação com os países produtores

de petróleo através de um diálogo construtivo, bem como através de outras formas de

cooperação para promover as oportunidades de uma melhor compreensão dos interesses

comuns relacionados a estas duas classes de atores do setor petrolífero (SCOTT. 1994, p. 48).

Inicialmente o relacionamento entre a AIE e a OPEP e OPAEP foi de desconfiança e cautela,

contudo, há alguns anos houve uma aproximação e um entendimento de que, em muitos

aspectos os interesses dessas organizações, em particular no que diz respeito à estabilidade do

mercado, são, se não idênticas, pelo menos semelhantes. Nesse sentido, a interação entre

produtores e consumidores pode ajudar a enfrentar os desafios do mercado de energia e é

importante para a manutenção da estabilidade dos mercados globais (EL-BADRI. 2014, p. 7).

O diálogo entre consumidores e produtores é importante porque ambos os lados têm

interesse na continuidade do fluxo de energia para movimentar suas economias e atender as

demandas internas. Diante disto, pode-se conjecturar que tanto um quanto outro são

responsáveis por adotar medidas que garantam sua própria segurança energética e a da

contraparte a partir da manutenção de um fluxo contínuo de energia.

3. Conceituando segurança energética

Segurança energética é um conceito que aceita tipos diversos de definição, pois a visão

que se tem desse conceito depende do ponto de vista dos atores securitizadores que procuram

adequar suas necessidades energéticas à própria demanda. Conforme previamente abordado,

podem ser entendidos como atores securitizadores todas as entidades envolvidas em questões

de securitização de energia, como por exemplo, os Estados produtores, Estados consumidores,

organizações internacionais e companhias públicas ou privadas que operam ligadas ao setor

energético.

O Choque do Petróleo de 1973 pela dimensão que alcançou, pode ser considerado um

dos principais eventos internacionais que inseriu a preocupação com a segurança da energia na

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96

agenda dos atores citados acima. Assim, sob uma perspectiva um pouco mais generalista pode-

se deduzir que o conceito de segurança energética esteja intrinsicamente ligado à preocupação

com a interrupção ou o desvio da distribuição de recursos energéticos; ao aumento de preços

provocado pela escassez dos mesmos no mercado; e à disponibilidade deles no comércio

internacional para que o acesso a estes recursos não seja prejudicado colocando em risco a

segurança nacional. Dessa forma, pode-se inferir que a principal preocupação refletida pelo

conceito de segurança energética, tendo por pressuposto uma visão macro do assunto, seria a

continuidade da provisão de suprimentos energéticos ininterruptos no âmbito internacional,

pois sem acesso a grandes quantidades de energia para processos de produção, transporte e

consumo doméstico, nenhuma economia industrializada poderia existir e os atuais níveis de

bem-estar seriam inimagináveis.

O Choque de 1973 tornou o petróleo no principal objeto de discussão sobre segurança

energética. Todavia, antes mesmo de sua ocorrência, a energia tem desempenhado um papel

fundamental para a humanidade desde a antiguidade. A madeira e o fogo, por exemplo, por

muito tempo têm sido utilizados com a finalidade de aquecer as pessoas, realizar queimadas a

fim de “limpar” a terra para o cultivo de plantações ou formação de pastos, e até mesmo como

técnica para subjugar inimigos queimando seus vilarejos e cidades em situações de guerras entre

os povos. No caso da água, faz séculos que se tornou em um elemento fundamental para a

geração de energia. Nas sociedades agrárias, por exemplo, ela facilitava o trabalho da

agricultura através dos moinhos, que eram importantes para o desenvolvimento da estrutura do

trabalho dos agricultores porque aproveitavam a força cinética do movimento e da queda d´água

para facilitar a moedura dos grãos cultivados, irrigar grandes plantações e drenar terrenos

alagados. Nos séculos XIX e XX a água se tornou o componente principal da matriz energética

de países como o Brasil, onde a produção da eletricidade é majoritariamente gerada pelas

hidroelétricas.

O carvão mineral, por sua vez, é um recurso que foi inserido em grande escala no

contexto internacional a partir da Revolução Industrial. Esse elemento junto com o ferro

cumpriu um papel primordial na economia, nos transportes e na indústria. Durante grande parte

dos séculos XVIII e XIX o carvão forneceu a energia necessária para acionar as máquinas à

vapor e para a fabricação do ferro, que por sua vez era utilizado para aperfeiçoar o próprio

maquinário e os diversos tipos de ferramentas, bem como na construção de pontes, estradas de

ferro e navios, concedendo à siderurgia um papel de destaque no desenvolvimento industrial.

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No primeiro quarto do século XX, com o desenvolvimento do motor à combustão

interna por Henry Ford, assim como decisão de Churchill em investir em combustíveis

derivados de petróleo para atender a marinha britânica e a descoberta de grandes jazidas nos

EUA, no Cáucaso e no Oriente Médio, o petróleo – e em menor escala o gás natural – superaram

o carvão e passaram a ser os principais itens da matriz energética global. Entretanto, a

ocorrência do Choque de 1973 instigaria os atores securitizadores a investirem em outras fontes

de geração de energia, a exemplo da nuclear, solar, eólica e até mesmo um retorno à utilização

do carvão. Acontece que tais fontes não substituem o petróleo em todas as áreas, pois seu uso

está basicamente ligado à geração de energia elétrica, não competindo significativamente com

o recurso nos setores industrial e de transportes. Os biocombustíveis, por sua vez, se tornaram

competidores da gasolina no setor de transporte, o etanol produzido a partir da cana-de-açúcar

e do milho contribuíram com o desejo de renovação das fontes energéticas no pós-1973 e se

mantém como alternativa à gasolina até o presente. Uma outra fonte de energia importante é o

gás natural. Nos EUA, por exemplo, desde o Choque do Petróleo, o gás tem sido utilizado

fundamentalmente para abastecer as demandas dos setores industrial e residencial e em menor

escala para geração de eletricidade, quanto ao seu uso como opção para o segmento dos

transportes, o mesmo tem sido constantemente superado pela gasolina.64

Conforme considerado no final do tópico anterior, pode-se conjecturar que a busca pela

segurança energética tanto para os países produtores quanto para os consumidores está

relacionada à manutenção do fluxo de energia (neste caso o petróleo), de forma que ambos os

lados buscam criar mecanismos para garantir a continuidade do mesmo a fim de evitar qualquer

tipo de interrupção ou embargo por parte do exportador ou do importador. O exportador pode

suspender a comercialização do petróleo por motivos políticos ou econômicos, diminuir sua

produção, ou exercer venda seletiva para aliados ou para quem lhes der suporte político, militar

ou econômico em determinada situação. O importador ou consumidor, por sua vez, pode deixar

de comprar de determinado fornecedor também por motivos políticos e estratégicos, ou

procurar outras fontes de energia para atender suas necessidades internas de forma a reduzir a

dependência de um determinado grupo de produtores.

Para alguns autores como Deese (1979, p. 140), o conceito de segurança energética

pode ser entendido como uma condição na qual uma nação percebe uma alta probabilidade de

que ela terá o abastecimento de energia adequado (incluindo fontes tradicionais, como a lenha,

64 The U.S. Energy Information Administration – EIA. Total Energy reports. Disponível em:

http://www.eia.gov/totalenergy/reports.cfm Acessado no dia 23 de novembro de 2015.

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98

e resíduos vegetais e animais que muitas vezes não são negociados no mercado) a preços

acessíveis, sendo os preços definidos como acessíveis quando eles não são passivos de causar

uma perturbação grave da atividade econômica e social normal. Debrower (2008, p. 2-3) por

sua vez, entende que o conceito pode ser tradicionalmente invocado para designar três tipos

distintos de preocupações:

O primeiro diz respeito a todas às questões relacionadas com a segurança do

aprovisionamento energético. Todos os Estados, que possuam ou não recursos

energéticos fósseis, centrais nucleares, capacidade hidrelétrica ou energia renovável, é

confrontado com a necessidade de garantir o fornecimento estável e contínuo de seus

hidrocarbonetos e de eletricidade. Tudo se revela, portanto, dependente do exterior -

embora em proporções muito diferentes - seja em termos de importação de energia

primária ou final. A estabilidade de preços e o desempenho econômico são entendidos

aqui como variáveis dependentes da segurança do abastecimento.

O segundo reúne as questões de segurança ambiental, a proteção do ambiente, a

preservação de habitats, a luta contra as alterações climáticas.

O terceiro tipo inclui todas as preocupações relacionadas com a eficiência energética,

que consiste na redução do consumo de energia e diminuição, a níveis de produtividade

equivalentes, os custos ambientais e as questões econômicas e sociais relacionadas com

a produção e o consumo de energia.

Nesta pesquisa, no entanto, pretende-se que o conceito se segurança energética seja

considerado a partir da perspectiva dos dois pontos de vista: dos produtores e dos consumidores.

Dessa forma, a definição mais próxima de segurança energética de acordo com o propósito da

pesquisa é a seguinte:

“Embora no mundo desenvolvido a definição usual da segurança

energética seja simplesmente a disponibilidade de um abastecimento suficiente

a preços acessíveis, diferentes países interpretam o que o conceito significa

para eles de maneiras diferentes. Os países exportadores de energia se

concentram em manter a "segurança da demanda" para as suas exportações,

que, afinal, geram a parcela esmagadora de suas receitas de governo.

(YERGIN. 2011, p. 70,71).

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99

E em seu livro A Busca, Yergin (2014) dedicou um capítulo à discussão do tema e em

linhas gerais abordou o pensamento da seguinte forma:

“Os países importadores de petróleo pensam em termos de segurança

da oferta. Já os países produtores de energia pensam de modo inverso. Falam

na “segurança da demanda” para suas exportações de petróleo e gás, das quais

dependem para gerar o crescimento econômico e uma grande porção de sua

receita governamental – e para manter a estabilidade social. Querem saber se

os mercados estarão lá para poderem planejar seus orçamentos e justificar

níveis futuros de investimento”. (YERGIN. 2014, p. 279).

No que se refere às características econômicas, a disponibilidade de energia é um dos

fatores que mais afetam o desenvolvimento de um país nessa área. Dessa forma, a criação de

condições para as empresas e cidadãos terem acesso à energia de que necessitam é um dos

principais objetivos de toda política econômica. Se for levada em consideração a lei da oferta e

da demanda, se tornará evidente que a importância do desimpedimento no acesso à energia é

refletida nos preços. A interrupção do fornecimento pelos países árabes em 1973 e o acentuado

aumento dos preços ocasionado pela escassez de petróleo no mercado tornou-se em um

exemplo clássico disto. O mesmo pode se dizer da queda dos preços nos anos 1980 e a mais

recente queda em 2015 após uma alta que levou o barril de petróleo a custar aproximadamente

US$ 112,00 em 2011 e 2012.

Um outro fator que pode induzir no aumento ou na queda dos preços do petróleo, além

da questão do acesso à energia, é o avanço tecnológico. Na época de Edwin Laurentine Drake,

nos anos 1860, o custo de produção para extrair petróleo do subsolo era alto e o preço do barril

seguia o mesmo caminho até chegar a um patamar de comercialização barato e se manter assim

até o Choque do Petróleo. Pouco antes de 1973 existia tecnologia capaz de explorar petróleo

em áreas de difícil, porém os custos de produção eram mais caros que o preço de

comercialização da commodity, de modo que o aumento dos preços decorrente do embargo da

OPAEP foi o impulso necessário para que a tecnologia fosse utilizada para compensar a

dependência do Ocidente para com o petróleo produzido no Oriente Médio.

Sobre a questão do avanço tecnológico, Bardi (2011, p. 69), que entende que a curva

dos preços do petróleo pode ser descrita como "em forma de U" devido a sua volatilidade

histórica de altas e quedas (ver figura abaixo), explica que no início do ciclo de extração, os

avanços na tecnologia e economias de escala levam a um declínio de preços, seguido por uma

fase de preços quase constantes onde a tecnologia continua melhorando e as economias de

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escala crescendo, mas os resultados só podem compensar os custos mais elevados de um

esgotamento gradual. Em algum momento, os preços começam a subir novamente com o

aumento das dificuldades de processamento de cada vez mais recursos, não podendo, assim,

tais dificuldades, ser compensada por melhorias tecnológicas ou economias de escala. A mesma

leitura para esta explanação pode ser utilizada para compreender, em parte, a queda dos preços

a partir dos anos 1980 e 1990, o disparo da primeira década dos anos 2000 e o subsequente

declínio a partir do fim de 2014, quando a tecnologia para exploração de praças não tradicionais

em águas ultraprofundas e o óleo de xisto – shale oil – levaram alguns dos países grandes

produtores de petróleo a aumentarem sua produção para baixar os preços no mercado a fim de

dificultar o investimento nestas praças.

Fonte: BP Statiscal Review of World Energy 2015, “Oil. Crude oil prices (1861-2014).

Para Flaherty e Leal Filho (2013, p.13), em um sentido estritamente econômico o

conceito de segurança energética pode ser “a capacidade de um país para satisfazer todas as

suas necessidades de energia com a energia que produz a si mesmo ou a energia que ele pode

obter de forma confiável de parceiros”. A afirmação dos autores, no entanto, considera

primordialmente o ponto de vista dos países consumidores. Por outro lado, se enquadramos o

ponto de vista dos Estados produtores de recursos como o petróleo, podemos transformar a

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101

alegação dos autores em “a capacidade de um país para satisfazer todas as suas necessidades de

energia com a energia que produz a si mesmo ou os recursos que ele pode garantidamente

vender no mercado”. Trataremos mais adiante, no tópico de gerenciamento dos riscos, os meios

que os dois lados procuram atender suas respectivas necessidades energéticas.

Conforme levantado anteriormente, os países produtores pensam a segurança energética

como a segurança do mercado e da demanda. Essa é uma constatação não somente do período

do Choque do Petróleo, mas que se mantém na atualidade. Recentemente, em uma conferência

que tratou sobre o fortalecimento político e dos negócios entre a Europa e os países árabes em

2014 na Grécia, o Secretário-Geral da OPAEP Abbas Ali al-Naqi definiu o conceito como “a

segurança do abastecimento e da demanda” e acrescentou “ a segurança reside na estabilidade

de todo o mercado, para o benefício dos países produtores e consumidores”. Para ele “a

necessidade de reforçar a segurança energética tem que ser vista tanto do ponto de vista da

oferta quanto da demanda, que deveriam apoiar-se mutuamente”.65 Alguns anos antes em 2007,

o então Secretário-Geral da OPEP Mohammed Barkindo, em um discurso sobre a perspectiva

global da segurança energética, proferiu que “(...) A segurança energética deve ser recíproca. É

uma via de mão dupla. A segurança da procura é tão importante para os produtores, como a

segurança do abastecimento é para os consumidores (...)”.66

Ao considerarmos que tanto consumidores quanto produtores possuem interesse em

securitizar o mercado, pode-se induzir que uma definição aceitável para o conceito de segurança

energética poderia ser: a preocupação em evitar a interrupção do fluxo contínuo de energia, a

fim de manter estável o ciclo energético (basicamente extração, refino, transporte e

comercialização), e consequentemente os mercados e os preços. Dessa forma, para manter o

fluxo ininterrupto é necessário atentar a determinados aspectos da segurança energética como

os riscos e desafios que podem ser encontrados na geopolítica da energia.

4. Riscos geopolíticos da segurança energética

Os riscos inerentes à segurança energética podem ser compreendidos como uma séria

de fatores que afetam as etapas do ciclo causando interrupção dos suprimentos. Essas etapas

são compostas de fases que vão desde o conhecimento da existência de recursos e reservas de

65 Disponível em: http://www.oapecorg.org/Home/Media/Official-Speaches/OfficialSpeechDetail?id=a4826721-

6321-4d4b-8c2d-8a8fed05a639 e

http://www.hazliseconomist.com/uploads/speeches/2014/Arab%202014/Day%201/12_HE%20Abbas%20Ali%2

0Al-Naqi%20Speech.pdf Acessado no dia 10 de julho de 2015.

66 Disponível em: http://www.opec.org/opec_web/en/996.htm Acessado no dia 8 de junho de 2015.

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um recurso em determinado local até a fase de consumo. Como a questão da segurança

energética ganhou dimensão de questão internacional após 1973, privilegiaremos aqui as

ameaças concernentes a geopolítica do petróleo em relação aos produtores e consumidores.

A cadeia de comercialização do petróleo é formada basicamente por três estágios:

exploração, transporte e aquisição, que aqui tem por definição a compra do recurso por um

agente estatal ou privado para comercialização em determinado território até que o mesmo

alcance o consumidor final. De forma bastante simplista, no primeiro estágio podemos levar

em conta a pesquisa geológica da área e o estabelecimento de estruturas para a prospecção e

armazenamento; no segundo estão incluídos as rotas e os meios de transportação que conduzem

os recursos da área de exploração até o destino final; o terceiro está ligado à distribuição do

petróleo na forma de energia para o consumidor através do mercado em forma de combustíveis

como a gasolina e o diesel, ou por linhas de transmissão como no caso da geração de eletricidade

por meio das termoelétricas. O refino pode se encaixar no primeiro ou terceiro estágios, pois o

petróleo pode ser vendido em seu estado bruto ou refinado conforme o contrato de compra

firmado entre os atores negociantes.

Verda (2011, p. 6) distingue os principais campos plausíveis de ocorrência de riscos na

cadeia energética. São eles: o técnico, que abrange a infraestrutura de exploração (campos de

petróleo), refino, distribuição, armazenamento (estoques de reservas) e operacionalidade dos

navios; o criminal ou terrorista, que compreende ataques às estruturas e às linhas de

transmissão; e por fim o campo do transporte, que envolve os oleodutos, gasodutos, rotas

marítimas e os chokepoints (estreitos e segurança dos estreitos).

No campo técnico as ameaças à interrupção do ciclo podem acontecer por meio da falha

humana por imperícia, imprudência ou negligência; falha técnica; padrões inadequados de

prospecção e estocagem; e de desastres naturais, como ocorreu na usina nuclear de Fukushima,

no Japão em 2011, e com a passagem dos furacões Katrina e Rita no litoral sul dos EUA em

2005. Na esfera criminal/terrorista, podem ocorrer destruições planejadas das estruturas através

de atentados físicos a oleodutos e outras linhas de transmissão, bem como atentados virtuais.

Nesse sentido, Yergin (2014, p. 290-291) afirma que nesse segundo caso “os saqueadores

podem ser hackers que só querem se divertir”, ou seja, sem qualquer ativismo político ou

ideológico, “cibercriminosos que tentam roubar dinheiro ou propriedade intelectual, obter

vantagem comercial ou criar situações nas quais possam lucrar”, podem ser também “governos

envolvidos em espionagem” ou mesmo “terroristas ou outros agentes não ligados ao Estado

usando ferramentas digitais para provocar danos e destruir seus inimigos confessos”. Segundo

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o especialista norte-americano “para todos eles, a malha elétrica é um alvo muito óbvio, pois

sua interrupção pode imobilizar um grande segmento de um país e causar enormes prejuízos”.

No campo dos transportes, quando falamos de petróleo, o meio dominante de

transportação de recursos de um país produtor para um comprador são os navios petroleiros.

Atualmente cerca de 63% do comércio petrolífero é realizado pelo mar. Nesse sentido, o

principal risco desse campo seria a navegação pelos chokepoints, que segundo a U.S. Energy

Information Administration são definidos como canais estreitos ao longo das rotas marítimas

globais amplamente utilizadas, alguns tão estreitos que são impostas restrições sobre o tamanho

dos navios que podem navegar por eles. Esses chokepoints são uma parte crítica da segurança

energética global, devido ao elevado volume de petróleo e outros líquidos transportados através

de seus estreitos.67 Se houver impedimento de trânsito por essas rotas marítimas estratégicas

por motivos políticos, desastres naturais, pirataria, ou mesmo de guerras, pode ocorrer no curto

prazo uma disparada no preço do barril de petróleo e no longo prazo uma situação de

desabastecimento. Em Ensuring Energy Security, Daniel Yergin expressa preocupação e

identifica a localização de alguns desse” pontos de estrangulamento”:

Há muitos chokepoints ao longo das rotas de transporte de petróleo

por via marítima e, em muitos casos, do gás natural liquefeito (GNL) que criam

vulnerabilidades particulares: o Estreito de Hormuz, que fica na entrada do

Golfo Pérsico; o Canal de Suez, que liga o Mar Vermelho e o Mediterrâneo; o

estreito de Bab el Mandeb, que fornece entrada do Mar Vermelho; o estreito

de Bósforo, que é um grande canal de exportação de petróleo russo e do Mar

Cáspio; e o Estreito de Malaca, por onde passa cerca de 80% do petróleo do

Japão e Coréia do Sul e cerca de metade do petróleo da China (...). Proteger

oleodutos e chokepoints exige monitoramento aumentado, bem como o

desenvolvimento de capacidades de respostas multilaterais rápidas. (YERGIN.

2011, 78-79).

67 The U.S. Energy Information Administration – EIA. World Oil Transit Chokepoints, 10 de novembro de

2014. Disponível em: http://www.eia.gov/beta/international/regions-topics.cfm?RegionTopicID=WOTC

Acessado no dia 28 de setembro de 2015.

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Fonte: Disponível em: http://danielyergin.com/choke-points/ Acessado no dia 8 de junho de 2015.

Geograficamente, o nível de importância dos “pontos de estrangulamento” é medido

pela quantidade de petróleo que trafega por eles. Dessa forma, assim como em 1973, o Golfo

Pérsico se destaca como a maior região produtora de petróleo do globo. Somente no ano de

2014 a produção total da região ficou com uma média de aproximadamente 28,555 milhões de

barris diários, mais de 9 milhões a mais que a do que a América do Norte, segunda maior região

produtora do mundo, representando pouco mais de 32% da produção mundial. No quesito

consumo, o destaque vai para a Ásia e para a América do Norte, que em conjunto consumiram

cerca de 59% do petróleo mundial diariamente no ano de 2014.68Assim, podemos considerar

Hormuz, Bab el Mandeb, Suez e Malaca como os principais chokepoints a nível global, já que

por conta da posição geográfica dos países do Golfo sua produção deve necessariamente passar

por “pontos de estrangulamento” para alcançar os principais mercados de destino.

No caso do transporte terrestre, os oleodutos e gasodutos promovem o escoamento do

petróleo e do gás natural através grandes distâncias por meio dos países de trânsito. Mesmo que

o alcance das rotas terrestres em determinados casos seja menor e menos eficiente do que o do

transporte marítimo, elas são importantes para a geopolítica do petróleo porque conduzem a

produção por caminhos alternativos aos chokepoints. Os oleodutos, no entanto, exigem

constantes investimentos em manutenção, pois parte de sua estrutura pode se deteriorar com o

tempo e também podem se tornar alvos de sabotagem, terrorismo, guerras, ou até mesmo se

68 The British Petroleum Company – BP – British Petroil Statistical Review of World Energy 2015 workbook –

Disponível em: http://www.bp.com/statisticalreview – Acessado no dia 28 de setembro de 2015.

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tornar vítima de catástrofes naturais como terremotos. Além disso, as relações internacionais

também interferem no sistema de transportação de recursos energéticos por dutos, pois não é

de interesse de governos ou companhias que eles passem por territórios de países considerados

hostis ou instáveis. No Oriente Médio existem condutos transnacionais que transmovem a

produção dos países árabes para o Mar Mediterrâneo sem a necessidade de a mesma passar pelo

chokepoint do Canal de Suez. Logo abaixo serão levantados três casos delicados que se

enquadram na questão da vulnerabilidade dos oleodutos na região do Oriente Médio.

O primeiro caso da delicadeza dos dutos no Oriente Médio é a extinta Trans-Arabian

Pipeline, ou Tapline, que com mais de 1.700 quilômetros ligava Dhahran, na Arábia Saudita, a

Sidom, no Líbano, através dos desertos do norte saudita para a Jordânia e, em seguida, a

noroeste pelo sul da Síria e do Líbano.69 O projeto da Tapline foi concebido pela ARAMCO e

pelos EUA que pretendiam encontrar uma maneira barata e eficiente de transportar o petróleo

saudita para o Ocidente, sem a necessidade de contratar os serviços caros de navios-tanque, e

satisfazer a crescente necessidade de petróleo da Europa sem esgotar as reservas de petróleo

estadunidenses. Os EUA também aspiravam aumentar as receitas do petróleo do Oriente Médio,

a fim de contribuir para a modernização da região sem a utilização de capital norte-americano.

Politicamente a Tapline passou por seu momento mais delicado durante a Guerra do

Seis Dias quando Israel ocupou as colinas de Golã, na Síria, e manteve o oleoduto sob sua

soberania. Nesse contexto, a Arábia Saudita suspendeu as atividades do empreendimento e

impactou significativamente o mercado europeu. Curiosamente, durante a guerra de 1973, o

petróleo nunca parou totalmente de fluir. Israel inclusive chegou a solicitar à ARAMCO que

reduzisse o fluxo pela metade para que o duto não fosse danificado durante os combates e a

empresa aceitou com o total apoio do governo dos EUA. Em 1975 as atividades da Tapline

foram suspensas por não serem mais economicamente viáveis, pois as companhias petrolíferas

passaram a transportar o petróleo bruto da Arábia em superpetroleiros (mais econômicos)

diretamente do Golfo Pérsico, usando o reaberto Canal de Suez, ao invés de pagarem a tarifa

de transportamento do oleoduto. (KAUFMAN. 2014, p. 98, 109-110).

Um outro oleoduto importante para a região foi o Kirkuk-Baniyas que transportava

petróleo extraído de campos iraquianos até a costa da Síria e que se encontra sem uso desde a

invasão dos EUA ao Iraque em 2003 quando a força aérea norte-americana bombardeou parte

de sua estrutura em território iraquiano. O Kirkuk-Baniyas, porém, possui um largo histórico

69 Trans-Arabian Pipeline. In: Encyclopædia Britannica, Inc. Disponível em:

http://www.britannica.com/topic/Trans-Arabian-Pipeline Acessado no dia 2 de dezembro de 2015.

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de interrupção de suas atividades antes mesmo de 2003. Em 1956, o oleoduto foi seriamente

danificado pelo exército sírio em resposta à invasão anglo-francesa no Canal de Suez; em 1976,

o Iraque deixou de bombear petróleo pelo duto devido a rixas políticas com o governo sírio,

retomando o fluxo em fevereiro de 1979, mas o governo iraquiano o fechou novamente após o

início da guerra contra o Irã em setembro de 1980. Em março de 1981 o Iraque retomou o

bombeamento de petróleo, todavia, quando a Síria concluiu um acordo com o Irã para importar

volumes significativos de petróleo bruto, o oleoduto foi fechado em 1982.70 Atualmente o

futuro do conduto permanece indefinido. No fim de 2010 os governos de Síria e Iraque

acenaram sobre a possibilidade de um acordo para sua reparação, mas a guerra civil síria

iniciada em 2011 impediu definições concretas sobre o assunto.

A terceira situação emblemática na geopolítica dos oleodutos é o caso do Baku-Tbilisi-

Ceyhan, que leva a produção de petróleo da capital do Azerbaijão, contorna a Armênia, entra

na capital da Geórgia e dirige-se para o sul, pela Turquia, até o porto de Ceyhan de onde saem

os petroleiros para a Europa e América. O trajeto escolhido pelo consórcio administrador levou

em conta a desconfiança das companhias e governos europeus e dos EUA em relação a

passagem do duto pelos territórios do Irã e da Rússia (países não considerados aliados na

geopolítica do petróleo) ao mesmo tempo que o governo da Geórgia não pretendia ceder espaço

ao governo armênio com quem possui rivalidade histórica. Somado a isto, um possível conflito

entre os países de trânsito pode levar à interrupção do escoamento da produção oriunda de

Baku.

Analisados os principais campos plausíveis de ocorrência de riscos na cadeia energética

propostos por Verda (2011, p. 6), é possível afirmar que quando há interrupção em uma das

etapas do ciclo energético há o perigo de suspensão da transmissão e escassez de energia, que,

por sua vez, pode levar ao aumento dos preços e ao desaceleramento econômico dependendo

do tempo que a interrupção durar. Assim, a descontinuidade do ciclo se torna prejudicial para

produtores e consumidores, cujas perspectivas de segurança energética estão ligadas,

respectivamente, tanto à continuidade da oferta bem como à continuidade da demanda.

Lyne Chester (2011, p. 891) destaca os efeitos do fator temporal como riscos ou ameaças

à segurança energética. Segundo a autora, os riscos em curto prazo incluiriam as “condições

meteorológicas extremas, acidentes, ataques terroristas, ou falhas técnicas”. Já os de longo

prazo dizem respeito à “adequação da oferta para atender à demanda e à adequação da

70 The Kirkuk – Banias Pipeline. Pipelines International, March 2011. Disponível em:

http://pipelinesinternational.com/news/the_kirkuk_banias_pipeline/055366/ Acessado no dia 3 de dezembro de

2015.

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infraestrutura para oferecer abastecimento dos mercados que, por sua vez, dependem dos níveis

de investimento e de contratação, do desenvolvimento de tecnologia e da disponibilidade de

fontes de energia primária”. Portanto, o significado atribuído à segurança energética será

diferente ao longo do tempo porque a probabilidade e as consequências dos diferentes riscos ou

ameaças à oferta irão variar dependendo do período de duração da interrupção.

5. Políticas de gerenciamento dos riscos da segurança energética

No tópico anterior foram abordados alguns exemplos de ameaças à segurança da

energia. Os riscos no âmbito internacional podem gerar problemas econômicos e políticos

dentro das nações que dependem da energia para o seu crescimento e desenvolvimento de

setores internos da economia. O estabelecimento de mecanismos de gerenciamento dos riscos

seria uma maneira de atenuar os efeitos de possíveis interrupções do ciclo da energia do ponto

de vista dos atores securitizadores, tanto os demandantes quanto os ofertantes. Para Yergin

(2014, p. 293) “A segurança energética deve ser pensada não apenas em termos de

aprovisionamento de energia isoladamente, mas também em termos de proteção da cadeia

inteira por meio da qual o produto sai da produção inicial e chega ao consumidor final” e

completa afirmando que “À medida que o comércio de energia assume uma escala global e

atravessa um número cada vez maior de fronteiras, (...) a segurança das cadeias de

abastecimento se torna mais urgente. Garanti-la exige cada vez mais colaboração entre

produtores e consumidores”.

Bohi e Toman (1993, p. 1107) sugerem uma hierarquia de respostas potenciais por parte

dos governos para os casos em que os riscos se tornam em uma realidade a serem encaradas,

mesmo assim, enfatizam que as incertezas que cercam as magnitudes das externalidades evitam

uma recomendação sobre intensidade da aplicação das medidas que devam ser tomadas. No

topo da hierarquia os autores apontam o apoio à pesquisa e desenvolvimento, que teriam a

capacidade de lidar com inúmeras falhas de mercado, simultaneamente, com menos riscos de

deterioração. Mais abaixo estão as reservas estratégicas de petróleo, que poderiam ser um

mecanismo útil para a estabilização dos preços da energia, mas apenas no contexto da

cooperação internacional. A AIE chancelou essa ideia em seu acordo de fundação em 1974

quando declarou que os Estados-membros deveriam estabelecer um sistema emergencial

comum no abastecimento de petróleo. Para este fim, cada país ficou incumbido de manter um

compromisso de reservas de urgência suficientes para sustentar o consumo durante pelo menos

90 dias, sem importações líquidas de petróleo. Em terceiro lugar os autores tratam da reforma

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da regulamentação dos serviços de utilidade pública para melhorar a capacidade de resposta

dos mercados para mudanças nas condições econômicas. Mais abaixo na hierarquia encontra-

se o uso de impostos para reduzir o consumo de energia e por fim os controles de importação

de petróleo, que segundo os autores seria uma providência a ser tomada com cautela, dadas as

incertezas sobre o poder de mercado e as perspectivas de retaliação por parte dos fornecedores.

Uma outra visão para administrar os riscos é apresentada por Deese (1979, p. 144-145)

que sugere cinco principais grupos de respostas políticas que os países importadores podem dar

para reduzir a sua vulnerabilidade à interrupção do fornecimento de energia: redução da procura

e reestruturação; criação e disponibilização de estoques e planos de compartilhamento para

situações de emergência; desenvolvimento de fontes alternativas domésticas; diversificação de

fornecedores do exterior; e por último medidas diplomáticas, industriais e militares. Os custos

e eficácia dessas medidas variam para diferentes tipos de países e também diferem no contexto.

Eles também variam muito em importância ao longo de prazos diferentes.

Embora a argumentação acima tenha sido construída sob o ponto de vista dos importadores, os

exportadores devem costurar relações diplomáticas com os consumidores, diversificando seus

parceiros comerciais, para garantir o destino de sua produção ou mesmo firmar um

compromisso duradouro com um parceiro estratégico que supra os interesses de ambos os lados,

como o caso da relação entre a Arábia Saudita e os EUA que formalizaram, respectivamente,

um acordo de fornecimento de energia por garantia de integridade territorial.

Verda (2011, p. 10-14) considera que as opções de segurança energética que os

decisores políticos têm de fazer são complexas porque têm que lidar com pelo menos três

dimensões: técnica, econômica e política. No que se refere à primeira dimensão o autor

argumenta que “salvaguardar a segurança energética a partir de um meio técnico significa

garantir a resiliência de um sistema energético em relação aos possíveis riscos de interrupção

dos fluxos no curto prazo. Trata-se, na prática, de garantir que não haja consequências imediatas

para os consumidores finais e para a economia em geral”. Para Verda, um nível adequado de

capacidade de resistência é fundamental, porque oferece aos atores securitizadores certa

quantidade de tempo para lidar com qualquer crise, para que, quando elas ocorram, seus efeitos

tenham um impacto limitado sobre o bem-estar dos consumidores e da economia nacional.

A dimensão econômica para o autor se baseia em uma premissa simples: “a segurança

tem um custo” e esse custo não significa a garantia de um nível de segurança que não possa ser

superado.

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“Qualquer ação para diminuir o risco de interrupção do fornecimento

ou para atenuar os efeitos das flutuações de preços, de fato, envolve um custo.

Uma vez que os recursos disponíveis não são infinitos, isto significa que o

montante gasto para garantir um maior nível de segurança já não pode ser gasto

em mais um outro objetivo e, é claro, deve ser pago por alguém. Para tornar o

quadro ainda mais complexo, há o fato de que nenhuma medida pode oferecer

a garantia de segurança: O máximo que se pode alcançar é um maior nível de

redução de riscos. Como resultado, os decisores políticos precisam escolher o

nível de segurança que eles querem atingir e lidar com os custos. Na verdade,

isso resulta em ter que decidir também como esses custos serão partilhados

entre as empresas, os consumidores e a tributação geral, com consequências

políticas claras”. (VERDA. 2011, p. 11).

Um elemento não tratado pelo autor que pode ser enquadrado no plano econômico é

sem dúvidas o caso dos Swing Producers, isto é, o caso dos atores que detém a capacidade de

exercer influência sobre os preços do mercado através do seu desempenho quantitativo de

produção (que sempre deve ser maior do que o consumo interno). No início dessa pesquisa

verificamos que até o Choque do Petróleo de 1973 as grandes companhias que compunham o

Cartel das Sete Irmãs, assim como países como os EUA, com sua aptidão de preencher as

lacunas do mercado em períodos de escassez, tinham competência em estabilizar os preços no

mercado internacional, através dos níveis de produção, para atender seus interesses particulares

e garantir a estabilidade de seus parceiros. Essa capacidade foi invertida para o lado dos Estados

produtores após o embargo árabe promovido pela OPAEP, que desde os contratos de concessão

lutavam pela soberania de exploração de seus próprios recursos.

Atualmente os Swing Producers, como a Arábia Saudita, o Kuwait e os EAU (que

diferentemente de grandes produtores como a Venezuela e a Líbia detêm certa estabilidade

política interna), têm exercido o papel de manipuladores do mercado, não por meio da

politização do petróleo como ocorreu em 1973, mas sim para garantir sua segurança energética,

ou seja, para garantir a demanda do que produzem. Um dos motivos da queda brusca dos preços

do barril de petróleo que em agosto de 2014 custava cerca de US$ 100,00 e que cinco meses

depois caiu para US$ 45,00, além da voracidade da crescente demanda de países em

desenvolvimento como a Índia e a China, foi o aumento da produção dos Swing Producers para

inibir o investimento em fontes alternativas de energia e inviabilizar a exploração de reservas

de petróleo com alto custo de produção, a exemplo do óleo e do gás de xisto nos EUA e do pré-

sal brasileiro, respectivamente.

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A dimensão política, a terceira proposta por Verda, está ligada às questões de relações

internacionais, política ambiental e política social.

“O quadro então se torna ainda mais complexo pelo fato de que as

decisões políticas têm um impacto direto sobre diversos assuntos diferentes

(cidadãos, empresas, países estrangeiros), cada um com seus próprios

interesses específicos. O resultado é uma contínua procura por compromissos,

que permitem aos políticos satisfazerem - tanto quanto possível – exigências

mais amplas do que as de pura eficiência econômica. Isso inevitavelmente leva

a escolhas que, do ponto de vista técnico e econômico não são ideais, mas que

são racionais se forem mantidas em mente a necessidade de mediar entre os

assuntos e sujeitos diversos”. (VERDA. 2011, p. 13).

Como pode ser observado, as medidas que os atores securitizadores podem aplicar para

gerenciar os riscos e as ameaças são baseadas em seus interesses de promover sua segurança

energética de um modo que, mesmo incapazes de proporcionar uma garantia total de segurança,

tais medidas possam amenizar os efeitos das interrupções de fornecimento por parte dos

compradores e da involução da demanda por parte dos produtores.

Considerações finais

A consequência imediata do Choque do Petróleo de 1973 foi a busca pela garantia da

segurança energética pelos países consumidores e pouco tempo depois pelos produtores.

Ambos, como os demais atores securitizadores apresentados neste capítulo, procuram

estabelecer medidas de segurança para atender e fazer valer seus interesses tanto no ambiente

doméstico de cada nação quanto no externo, no cenário internacional. Os Estados

consumidores, dependentes do petróleo produzido no exterior procuram assegurar o acesso aos

recursos energéticos a um preço acessível, enquanto os Estados produtores, muitos dos quais

dependentes da exportação de petróleo (e de outros produtos energéticos), procuram assegurar

a demanda externa para conseguir recursos financeiros. Dentro desse contexto, não é de

interesse nem de um nem de outro lado que haja interrupção em nenhuma das etapas do ciclo,

a não ser em casos em que o petróleo se torne em um instrumento de poder para a política

externa de determinado país com o intuito de forçar alguma das partes a se curvar às suas

exigências e/ou interesses em dada situação. Assim, os casos de embargo podem partir tanto do

ofertante, que pode suspender seus carregamentos de petróleo para determinados consumidores,

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111

ou do demandante, que pode deixar de comprar de algum ou alguns produtores para adquirir de

seu concorrente ou investir em fontes alternativas de energia.

No primeiro tópico do capítulo percebeu-se que o sistema de reciclagem dos

petrodólares discutido na Conferência do grupo Bilderberg em maio de 1973 e estabelecido

depois do embargo da OPAEP e do aumento dos preços da commodity no início de 1974, foi

criado com o intuito de reestabelecer a confiança internacional na moeda estadunidense após o

rompimento da estrutura de câmbio fixo de Bretton Woods. Pode-se afirmar que tal sistema foi

estabelecido como um mecanismo de segurança nacional e energética para os EUA porque, em

tese, passou a garantir acesso facilitado ao petróleo produzido pela OPEP, em especial pelos

produtores do Oriente Médio, principalmente a Arábia Saudita, em troca de proteção militar

contra ameaças externas.

O sistema de reciclagem de petrodólares permitiu aos EUA importarem petróleo dos

países árabes a um custo relativamente mais baixo do que de outros consumidores por dois

motivos principais: em primeiro lugar porque como o recurso passou a ser necessariamente

comercializado em dólares, todos os países devem forçosamente manter comércio bilateral com

os EUA para adquirir a moeda norte-americana e assim obterem o petróleo vendido pelos

árabes. Em segundo lugar, como os acordos de proteção militar previam que o excedente da

receita dos produtores deveria ser investido nos EUA, pode-se inferir que quando os EUA

importavam o recurso da OPEP, o preço do petróleo reduzia significativamente, pois o dinheiro

utilizado para comprar o produto retornava aos bancos norte-americanos em forma de

investimento.

A AIE foi fundada como uma organização internacional para cooperação entre países

consumidores dependentes de importação de petróleo produzido fora de suas fronteiras. O

ocasionamento do embargo imposto pela OPAEP aos aliados e parceiros de Israel durante a

Guerra do Yom Kippur foi a razão crucial para sua criação, de forma que “a aliança entre os

Estados consumidores proporcionava coordenação entre os países industrializados no caso de

interrupções de abastecimento e encoraja o paralelismo e a colaboração entre suas políticas

energéticas. Ao mesmo tempo, deveria servir como freio contra qualquer uso futuro do

“petróleo como arma” pelos exportadores” (YERGIN. 2014, p. 282). A AIE se colocou como

uma frente comum para os países industrializados contrabalancearem o peso de mercado dos

produtores da OPEP e da OPAEP, cujos membros passaram a controlar a própria produção de

petróleo em detrimento das grandes companhias do setor que previamente controlavam as

atividades petrolíferas em seus territórios desde os regimes de concessão.

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Dentro da perspectiva de segurança energética, foi possível concluir que o conceito

que lhe dá o nome pode ser entendido de duas formas: pelo lado do consumidor e pelo lado do

produtor. Enquanto um procurar ter acesso ao petróleo a um preço acessível o outro persegue a

manutenção da estabilidade da demanda com o intuito de garantir a venda do seu produto.

Assim, foi possível concluir que uma definição mais plausível para o conceito de segurança

energética poderia ser: a preocupação em evitar a interrupção do fluxo contínuo de energia, a

fim de manter a estabilidade do ciclo energético e consequentemente dos mercados e preços.

Foi também possível deduzir ao longo do capítulo que os riscos e o gerenciamento dos

riscos geopolíticos da segurança da energia são fatores presentes na administração do ciclo

energético. Desse modo, as medidas tomadas com o intuito de proteger as etapas da cadeia de

comércio internacional, seja por vias marítimas ou terrestres, dependem da cooperação entre

produtores e consumidores, pois nenhum ator securitizador possui a capacidade de protegê-la

sozinho. Ademais, observou-se que as medidas de controle sobre a movimentação do ciclo

energético não podem garantir a sua completa segurança, podendo apenas reduzir a incidência

de riscos em suas etapas. Logo, constata-se que para que o maior nível de segurança seja

alcançado, tanto os atores securitizadores, produtores e consumidores, devem preconizar os

investimentos em fontes de energia alternativas, a diversificação de mercados e de parceiros

comerciais e, sobretudo, a cooperação, a fim de que o fluxo de energia não corra graves riscos

de interrupção.

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113

Conclusão

Trabalhar a geopolítica do petróleo durante o início da década de 1970 envolve questões

complexas relacionadas ao comércio do petróleo e as guerras árabe-israelenses que

predominavam o cenário de tensões do Oriente Médio durante o período. Antes de mais nada,

faz-se necessário colocar que o petróleo não é um produto de característica puramente

comercial, mas sim um produto que abrange aspectos econômicos, políticos e de planejamento

estratégico governamental. Nesse sentido, o propósito da pesquisa foi destacar como objeto de

sua análise, com base no modelo comparativo elaborado por Jürgen Kocka, as políticas

adotadas pelos atores envolvidos no Choque do Petróleo de 1973, a saber os EUA, a OPAEP e

as grandes companhias de petróleo ocidentais que atuavam na região, durante o período de crise

que se abateu na política internacional devido ao embargo imposto pelos países árabes.

No primeiro capítulo da pesquisa, que abrange o período entre o início dos regimes de

concessão até a fundação da OPAEP, foi possível perceber que o petróleo sofreu um processo

de alteração de sua importância do ponto de vista das empresas petrolíferas, dos Estados

produtores e dos Estados consumidores do recurso, deixando de ser apenas uma commodity

para geração de energia e de abastecimento da indústria, para se tornar em um recurso

energético e vital para os todos os atores envolvidos na geopolítica do Oriente Médio.

Para as empresas, se tornou um recurso estratégico porque inicialmente detinham

concessões legais outorgadas pelos países da região para exploração dos recursos naturais de

seus subsolos através da montagem de estruturas e de uma logística capaz de transportar o que

era dali extraído para os consumidores de outros continentes. Por isso tinham o controle sobre

o ciclo energético, a produção e os preços, sendo o principal determinante deste último a

concorrência e não somente a quantidade de petróleo produzido. Com o passar dos anos, os

Estados concessionários passaram a contestar os regimes de concessão e a requerer uma maior

participação nos lucros das companhias estrangeiras, ameaçando a regularidade do fluxo do

ciclo energético através de nacionalizações, sabotagens e embargos, levando as petrolíferas a

procurarem uma base de apoio em seus países de origem em nome do interesse nacional destes

Estados. Mas a continuidade do fluxo teve sua ameaça maior por um outro motivo: as guerras

árabe-israelenses, que envolveram de uma única vez os interesses sobre o petróleo das

empresas, dos países árabes produtores e dos países consumidores industrializados do Ocidente,

especialmente a Grã-Bretanha, a França e os EUA, países de origem de grande parte das

companhias que atuavam na região.

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O capítulo I desta dissertação analisou os efeitos das ameaças do ciclo energético para

os três lados da comparação aqui proposta. Nele foi possível observar as crises do petróleo pré-

1973 e verificar que elas tiveram diferentes impactos no ambiente internacional de forma

crescente, sendo a crise iraniana a de menor peso e a originária da Guerra dos Seis Dias a de

maior. Ademais, a criação das organizações para os países produtores com extensão

intercontinental no caso da OPEP e regional como a OPAEP, proveram a estes Estados um

fórum multilateral para contestarem o modelo até então em vigor dos contratos de concessão e

ampliarem sua participação e lucro na renda do negócio do petróleo.

O capítulo II da dissertação examinou as causas, o impacto e as consequências do

Choque do Petróleo. A partir da análise nele efetuada, concluiu-se que as principais causas que

levaram os países árabes a adotarem medidas de corte de produção progressivos e depois

instituírem um embargo total contra determinados países foram: a anexação feita por Israel de

territórios do Egito, Síria e Jordânia durante a Guerra dos Seis Dias; a reivindicação pelos

direitos do povo Palestino como nação; a solidariedade para com os Estados árabes beligerantes

na Guerra do Yom Kippur; e o desafio às companhias ocidentais em determinar o volume de

produção sem a obrigação de solicitar qualquer tipo de permissão às mesmas.

No tocante aos impactos decorrentes da “arma do petróleo” destacam-se a capacidade

dos países árabes de decidirem soberanamente sobre seus próprios recursos naturais e o

aumento unilateral dos preços primeiro pela OPAEP, em 17 de outubro de 1973, e depois pela

OPEP em 1 de janeiro de 1974. Porém, como visto, o aumento dos preços não foi um fator

decorrente somente do Choque, pois houveram três outras razões para que isto acontecesse. A

primeira delas foi a renegociação dos contratos de participação nos lucros por parte dos

produtores junto às petrolíferas e a vontade da OPEP de reajustar os valores de venda do barril

de acordo com a inflação dos primeiros meses de 1971 através dos acordos de Trípoli e Teerã.

A segunda foi o rompimento da ordem monetária de câmbio fixo de Bretton Woods que atrelava

o dólar ao ouro e o início de uma era de volatilidade cambial que levou os produtores a buscarem

novos reajustes junto às companhias ocidentais de forma a compensar a desvalorização do dólar

em relação a outras moedas e a queda de rendimentos financeiros dos exportadores. A última

razão para o aumento dos preços abordado no capítulo II foram os interesses de parceiros da

Europa ocidental e da América do Norte anglo-saxônica expostos na Conferência do grupo

Bilderberg em maio de 1973, realizada na Suécia, onde foram apresentados exemplos de

medidas para aplicação futura e planejamentos para que uma valorização do preço do petróleo

minimizasse a dependência do recurso produzido pelos países árabes e possibilitasse a

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exploração de regiões de difícil acesso, com o intuito de tornar o custo de produção destas áreas

viáveis do ponto de vista financeiro.

O capítulo III trouxe uma discussão sobre alguns aspectos da segurança energética e

sobre o próprio conceito do objeto em questão. Nesta parte da pesquisa averiguou-se que das

consequências do Choque de 1973 originaram-se mecanismos de cunho particular para os EUA

e de natureza cooperativa para os parceiros internacionais, somado a isto aventou-se a ideia de

que cada ator securitizador concebe sua definição de segurança energética conforme suas

condições internas e de sua dependência do fluxo da energia no cenário internacional.

O projeto de reciclagem dos petrodólares criado pelos EUA foi uma das principais

medidas do país no que se refere a economia, política e geopolítica do petróleo. Este sistema de

transação comercial atrelou o petróleo à moeda estadunidense e de certa forma reparou a

desconfiança dos produtores árabes em relação ao dólar, pois após a suspensão do sistema de

câmbio fixo de Bretton Woods e do aumento dos preços do petróleo durante a Guerra do Yom

Kippur, os membros da OPAEP e da OPEP passaram a conjecturar sobre a possibilidade de

vender seu principal produto com base em uma cesta de moedas. Faz-se necessário, aliás,

elucidar que desde a Conferência de Bretton Woods os contratos de comercialização de petróleo

eram fundamentalmente firmados em dólares, contudo, a dúvida que pairava sobre o sistema

de flutuação do dólar levou o governo norte-americano a fechar acordos com os grandes

exportadores do recurso com o intuito de impedir que o dólar entrasse em descrédito no

importante mercado do petróleo.

Acerca da cooperação internacional, para assegurar a segurança energética, foram

criadas organizações como a Agência Internacional de Energia que colaborou para o

estabelecimento de normas comuns para lidar com interrupções no fluxo energético. Uma das

principais medidas para tal, foi a criação do sistema de padronização dos estoques emergenciais

da AIE para que tivessem suficiência de sustentar o consumo interno dos membros da AIE por

90 dias. Apesar disso, a aposta no diálogo com organizações multilaterais de produtores tem

sido de suma importância para a manutenção do fluxo.

Consumidores e produtores, apesar dos diferentes interesses que têm em relação ao

petróleo buscam praticamente a mesma coisa: a continuidade do fluxo energético. Conforme

abordado na pesquisa, enquanto os primeiros buscam a disponibilidade de um abastecimento

suficiente às suas necessidades internas a preços acessíveis, o outro lado se concentra em

assegurar a continuidade da demanda para as suas exportações, que são responsáveis por uma

parcela significativa de suas receitas governamentais. Para que os objetivos de ambos os lados

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sejam alcançados, as duas partes precisam combater, gerenciar e assumir os riscos existentes

nesse importante setor da economia mundial, independentemente de sua natureza. Por isso

pode-se concluir que a segurança energética não é somente dever de uma ou outra parte, mas é

um dever compartilhado de todos os atores securitizadores, inclusive das petroleiras, pois

quando o petróleo é extraído do solo todos tem a obrigação de fazê-lo chegar ao seu destino

final. Essa não é uma obrigação no sentido moral da palavra, mas sim um dever político e

econômico, porque nela estão envolvidas questões como concorrência, prestígio e dinheiro.

Experimentadas as hipóteses apresentadas na introdução da dissertação, o

desenvolvimento da pesquisa permitiu que se concluísse o seguinte:

(1) as principais causas que levaram a OPAEP e promover o embargo de petróleo contra os

aliados de Israel na Guerra do Yom Kippur, ou Guerra de Outubro, foram os conflitos

árabe-israelenses, devido a inimizade entre os dois povos desde a fundação do Estado

israelense na região da Palestina; a própria causa em prol da criação de um Estado

palestino; a solidariedade ao Egito, Síria e Jordânia (que não participou da Guerra de

1973) que tiveram território anexados por Israel após a derrota na Guerra dos Seis Dias

em 1967; e o interesse em exercer o controle sobre a produção e por conseguinte dos

preços do petróleo, já que o volume produzido influencia na modulação dos preços do

recurso, possibilitando que os árabes instituíssem regras de mercado para o setor;

(2) O Choque do Petróleo de 1973 foi um evento histórico que consolidou uma nova ordem

no comércio mundial de petróleo, até então controlado apenas pelas companhias

ocidentais detentoras de concessões e que representavam os interesses dos seus países

de origem no Oriente Médio e Norte da África. Pode-se dizer que a partir de 1973 os

produtores da OPAEP consolidaram poder de decisão em relação a produção de seus

membros.

(3) O Choque de 1973, apesar do seu impacto na época, não foi o evento que concedeu ao

petróleo o status de matéria-prima essencial à indústria contemporânea, de recurso

estratégico a nível internacional ou mesmo de instrumento de política externa. Antes do

embargo da OPAEP em 1973, ou mesmo antes da crise iraniana nos primeiros anos da

década de 1950, a commodity já havia tido um papel fundamental no ingresso dos EUA

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na Segunda Guerra Mundial contra o Japão, assumindo as características anteriormente

citadas.

(4) É possível determinar que o sucesso político e econômico do embargo foi decorrente do

seu curto período de duração. Porém, para analisar tal afirmativa, faz-se necessário

dividi-la em duas partes: a primeira o sucesso político e econômico do embargo e a

segunda o seu período de duração. No que diz respeito a primeira parte, pode-se inferir

que os ganhos econômicos foram maiores do que os políticos, pois embora os produtores

tenham assegurado o controle sobre seus próprios recursos determinado o volume da

produção e os preços, não conseguiram arranjar um desfecho favorável à Síria e ao Egito

no que tange aos territórios perdido em 1967 e muito menos para a Palestina, já que o

clamor pela garantia dos seus diretos como povo não foi levado adiante após a

sinalização da CE, do Japão e dos EUA em prol do diálogo e da causa árabe. Ademais,

a OPAEP falhou em relação aos EUA porque embargou o principal intermediário da

guerra reconhecido, inclusive, por parte considerável dos membros da organização. Em

segundo lugar, o sucesso da pressão feita pelo Choque do petróleo estar ligado ao seu

curto tempo de duração (seis meses), tem a ver com o próprio ajuste do mercado e com

a concorrência com outros produtores que não tinham nenhum tipo de ligação com o

petróleo árabe. Assim, “à medida que o embargo se prolongava, cada vez mais petróleo

vazava de volta ao mercado e os cortes [de produção] eram cada vez menos efetivos”

(YERGIN. 2010, p. 715).

(5) O Choque do Petróleo não teria tido peso e nem ganhado a dimensão que recebeu na

época se o cenário internacional não fosse favorável, posto que, diferentemente das

crises anteriores, os EUA não podiam mais abastecer o mercado internacional pelo fato

de seu consumo interno ter excedido sua capacidade produtiva (mesmo recorrendo aos

estoques) e dessa forma ter que se voltar para o mercado externo para garantir a

estabilidade da demanda interna. Nesse contexto, ultima-se que sem a participação

saudita dificilmente haveria referência ao evento de 1973 como uma crise internacional

de petróleo, isto porque somente a Arábia Saudita era responsável, respectivamente, por

pouco mais de 13% da produção e 22% das reservas mundiais. Dentro da OPAEP os

sauditas tinham um peso ainda maior representando 42% da produtividade da

organização.

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Para finalizar, pode-se concluir que quando se trata da análise da geopolítica do petróleo

nos primeiros anos da década de 1970, os aspectos políticos se sobrepõem aos econômicos e

comerciais, como pode ser observado durante o embargo árabe, pois a regulação do fluxo do

petróleo entre as nações era objeto de responsabilidade dos governos. Apesar disso, nem sempre

é interessante que o petróleo seja utilizado como instrumento de poder para submeter um Estado

ou nação à vontade do outro – a não ser em situações específicas como o caso das guerras árabe-

israelenses, por exemplo – dado que o principal objetivo de exportadores, produtores e

companhias, isto é, dos atores securitizadores, é a manutenção do fluxo contínuo de energia

com a finalidade de manter estáveis as etapas do ciclo energético para que os objetivos de todos

os atores envolvidos na política do petróleo sejam alcançados.

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