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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE PSICOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA ANDRÉA MATOS OLIVEIRA TOURINHO Binding objeto-localização na memória operacional na Doença de Alzheimer e no Comprometimento Cognitivo Leve amnéstico SALVADOR 2014

ANDRÉA MATOS OLIVEIRA TOURINHO - pospsi.ufba.br · neuropsicológicas foi realizada através da Dementia Rating Scale, do Teste de Cubos de Corsi e do Teste de Arrumação do Armário

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  • i

    UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

    INSTITUTO DE PSICOLOGIA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PSICOLOGIA

    ANDRA MATOS OLIVEIRA TOURINHO

    Binding objeto-localizao na memria operacional na

    Doena de Alzheimer e no Comprometimento

    Cognitivo Leve amnstico

    SALVADOR

    2014

  • ii

    ANDRA MATOS OLIVEIRA TOURINHO

    Binding objeto-localizao na memria operacional na

    doena de Alzheimer e no comprometimento cognitivo

    leve amnstico

    Dissertao apresentada ao Instituto de Psicologia

    da Universidade Federal da Bahia, como parte dos

    requisitos para obteno do grau de Mestre em

    Psicologia.

    rea de concentrao: Psicologia do

    Desenvolvimento.

    Orientador: Prof. Dr. Neander Abreu

    SALVADOR

    2014

  • iii

    Nome: Andra Matos Oliveira Tourinho

    Ttulo: Binding objeto-localizao na memria operacional na doena de

    Alzheimer e no comprometimento cognitivo leve amnstico.

    Dissertao apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade

    Federal da Bahia, como parte dos requisitos para obteno do grau de

    Mestre em Psicologia.

    Aprovado em:

    COMISSO EXAMINADORA

    Prof. Dr. Neander Abreu

    Instituio: Universidade Federal da Bahia

    Assinatura: ________________________________________________

    Prof. Dr. Jonas Jardim de Paula

    Instituio: Faculdade de Cincias Mdicas de Minas Gerais

    Assinatura: ________________________________________________

    Prof. Dra. Elvira Barbosa Quadros Crtes

    Instituio: Universidade Federal da Bahia

    Assinatura: ________________________________________________

  • iv

    Tourinho,Andra Matos Oliveira T727 Binding objeto-localizao na memria operacional na Doena de

    Alzheimer e no Comprometimento Cognitivo Leve amnstico. 2014.

    142 f.

    Orientador: Prof. Dr. Neander Abreu

    Dissertao (mestrado) Universidade Federal da Bahia. Instituto

    de Psicologia, Salvador, 2014.

    1. Alzheimer, Doena de. 2. Cognio e envelhecimento.3.

    Memria operacional. 4. Binding objeto-localizao.5.

    Neuropsicologia. I. Abreu, Neander. II. Universidade Federal da Bahia.

    Instituto de Psicologia. III. Ttulo.

    CDD: 155.6

  • v

    Para minha av Benedita, que alm de tudo, sabe envelhecer.

  • vi

    AGRADECIMENTOS

    A hora de agradecer tambm a hora de perceber o quanto a experincia do

    mestrado ultrapassa a elaborao de uma dissertao e quantas pessoas so necessrias

    construo de um trabalho como esse. Comeo agradecendo, ento, por essas pessoas

    existirem, por t-las encontrado e por terem contribudo para que o projeto idealizado se

    tornasse uma realidade.

    Primeiro, queles que idealizam meus sonhos antes mesmo do que eu: pai e me,

    no h trajetria sem motivao e no h motivao sem vocs.

    A meus irmos, obrigada pelo carinho e admirao mtua que me alimentam em

    todos os desafios.

    A tia Ramona e tio Carlos, pela nova famlia que ganhei nesse perodo.

    A meu marido, pelo companheirismo, compreenso e amizade.

    Aos amigos e mestres que formam o Laboratrio de Pesquisa em

    Neuropsicologia Clnica e Cognitiva Neuroclic, obrigada pelo apoio, pelas conversas

    e por todas as trocas dos ltimos 2 anos; cresci muito com vocs. Agradeo em especial

    a nosso orientador e lder, Neander Abreu, pela confiana e pela inspirao profissional

    que para mim. Aos amigos da ps-graduao, Chrissie, Gustavo, Carla, Ana, Nara,

    Natalia e Janana, a convivncia com vocs enriqueceu minha vida e este trabalho. Ao

    grupo de bolsistas e voluntrios guerreiros que trabalharam diretamente no projeto, meu

    reconhecimento ao esforo e dedicao de vocs: Gabi, Paulo, Jon, Yuri, Thay,

    Andressa, Aline, Bruna, esse trabalho nosso. Agradeo tambm a Ivana pela

    disponibilidade para resolver os processos burocrticos da ps-graduao, no menos

    importantes nessa caminhada.

    Minha gratido aos profissionais de sade que receberam nossa equipe em seu

    ambiente de trabalho, em especial Dra. Manuela e Dra. Cristiane, do Ambulatrio

    Magalhes Neto do Hospital Universitrio Edgar Santos; Marilu, Mildred, Viviane,

    Velsia, no Ambulatrio de Demncias do Centro de Referncia Estadual de Ateno

    Sade do Idoso; e a Dr. Leonardo, s enfermeiras Martha e Joelma e s estagirias de

    enfermagem Ana e Potira que fizeram o possvel para facilitar o acesso aos pacientes no

    Ambulatrio de Memria do Hospital Santo Antonio Obras Sociais Irm Dulce.

    Sou grata Faculdade Livre da Maturidade, nas pessoas de Graa e Clcia, por

    terem aberto as portas e disponibilizado espao para que os alunos participassem da

    pesquisa. E coordenao da Universidade da Terceira Idade da Universidade Estadual

    da Bahia (Uneb) por ter cedido espao e viabilizado as entrevistas com os estudantes.

    Agradeo aos colegas de trabalho do IFBA e, sobretudo, a Andra e a Marcos,

    que com compreenso e flexibilidade apoiaram a realizao desse trabalho.

    psicloga Samira, obrigada por ter me ajudou a aproveitar essa fase com mais

    equilbrio.

    Por fim, dedico esse trabalho aos participantes da pesquisa e a seus familiares

    que disponibilizaram seu tempo e informaes sobre sua vida em prol do conhecimento

    cientfico sobre o envelhecimento e da solidariedade s milhares de pessoas e familiares

    que convivem com sintomas demenciais.

    A empolgao e as expectativas do incio. O aprendizado, as dificuldades, as

    amizades e as incertezas do meio. A ansiedade, o alvio e a satisfao do final... Tudo

    valeu a pena, tudo me fez uma pessoa melhor.

  • vii

    Olha estas velhas rvores, mais belas

    Do que as rvores moas, mais amigas,

    Tanto mais belas quanto mais antigas,

    Vencedoras da idade e das procelas...

    (Olavo Bilac)

  • viii

    RESUMO

    Tourinho, A. M. O. (2014). Binding objeto-localizao na memria operacional na

    Doena de Alzheimer e no Comprometimento cognitivo leve amnstico.

    Dissertao de Mestrado, Instituto de Psicologia. Universidade Federal da

    Bahia, Salvador.

    Introduo: O binding um efeito da memria operacional (MO) capaz de manter

    informaes integradas temporariamente, como associaes entre objetos e sua

    localizao no espao. Esse processo de integrao de informaes multimodais na MO

    dependente do retentor episdico, componente que parece estar comprometido j nos

    estgios iniciais da doena de Alzheimer (DA). Objetivos: O presente trabalho a)

    revisou a produo cientfica sobre o funcionamento da memria para bindings na DA;

    b) investigou de forma emprica se a capacidade da MO para bindings objeto-

    localizao est comprometida pela DA e se a medida dessa funo neuropsicolgica

    capaz de diferenciar essa condio clnica do Comprometimento Cognitivo Leve

    amnstico (CCLa) e do envelhecimento sem queixas cognitivas. Materiais e Mtodos:

    Para o primeiro estudo, de reviso, foi realizada busca nas bases eletrnicas Pubmed,

    Biblioteca Virtual de Sade (BVS), Scielo e Psychinfo em janeiro de 2014 com os

    descritores Memory, Binding e Alzheimer e de 1237 artigos encontrados, 9 foram

    includos para anlise. O segundo estudo consistiu em uma comparao entre grupos,

    cujos participantes foram 15 idosos com DA provvel, 9 mulheres, idade mdia 73

    anos, 15 com CCLa, 12 mulheres, idade mdia 70 anos, recrutados em centros pblicos

    de atendimento especializado em demncia da cidade de Salvador-BA, e 26 controles,

    12 mulheres, idade mdia 71 anos, voluntrios da comunidade. A avaliao das funes

    neuropsicolgicas foi realizada atravs da Dementia Rating Scale, do Teste de Cubos de

    Corsi e do Teste de Arrumao do Armrio (TAA), teste computadorizado com

    caractersticas ecolgicas, desenvolvido para verificar a capacidade de MO para

    bindings objeto-localizao em idosos. Resultados: No estudo de reviso, os 9 artigos

    analisados investigaram a capacidade para bindings visuais ou visuoespaciais na DA, 6

    na memria de curto prazo e 3 na memria de longo prazo.Os resultados sugerem que a

    DA compromete a capacidade para evocao de bindings, e esse prejuzo independe do

    tipo de memria envolvido, da tarefa utilizada para avaliao e da natureza dos

    estmulos envolvidos. Os achados da reviso sugerem que a capacidade de memria

    para bindings tem potencial para ser um marcador neuropsicolgico sensvel e

    especfico para a DA. No estudo emprico, as anlises comparativas entre os grupos

    revelaram que a DA compromete a capacidade de MO para evocao de bindings

    objeto-localizao de maneira mais intensa que o CCL e o envelhecimento saudvel,

    mas esta funo aparece prejudicada em todos os grupos. O Teste de Arrumao do

    Armrio atingiu sensibilidade de 80% para DA e para CCLa e especificidade de 58% e

    54% respectivamente. Conclui-se que a incluso do TAA em protocolos de avaliao

    neuropsicolgica pode ampliar a probabilidade de identificar casos positivos para a DA

    provvel e CCLa. Passa a ser fundamental a normatizao de instrumentos de memria

    para bindings visuoespaciais para inclu-los como prioridade em avaliaes

    neuropsicolgicas para idosos com suspeita de demncia.

    Palavras-chave: Doena de Alzheimer; Comprometimento cognitivo leve amnstico;

    memria operacional; Binding objeto-localizao.

  • ix

    ABSTRACT

    Tourinho, A. M. O. (2014). Object-location binding in working memory in Alzheimer

    disease and in amnestic Mild Cognitive Impairment. Dissertao de

    Mestrado, Instituto de Psicologia. Universidade Federal da Bahia, Salvador.

    Introduction: The binding is an effect of working memory (WM) witch enables

    temporarily maintenance of integrated information in memory, as the associations

    between objects and their location in space. This process seems to be dependent on

    episodic buffer, a component of WM multicomponent model that appears to be

    compromised in the early stages of Alzheimer's disease (AD). Objectives: The present

    study had as main objectives to review the scientific literature on the relationship

    between AD and memory for bindings and empirically investigate the capacity of WM

    for object-location bindings are compromised by the AD and cognitive performance in

    this role is able to differentiate AD from amnestic Mild Cognitive Impairment (aMCI)

    and elderly controls. Materials and Methods: To the review, search was conducted in

    electronic databases Pubmed, Biblioteca Virtual de Sade (BVS), Scielo and PsychInfo

    in January of 2014 with Memory, Binding and Alzheimer as descriptors and 1237

    articles were found, and 9 included for analysis. The empirical study consisted of a

    comparison between groups, whose participants were 15 individuals with probable AD,

    73 years, 9 women, 15 with aMCI, 70 years, 12 women, all recruited in public centers

    of dementia in Salvador, Bahia, Brazil, and 26 controls, 71 years, 12 women, all

    community volunteers. Participants answered a sociodemographic and economic

    questionnaire and were underwent to neuropsychological assessment using the

    Dementia Rating Scale, the Corsi Block Test and Teste de Arrumao do Armrio

    (TAA), computerized test with ecological features, designed to verify the ability of WM

    for object-location bindings in the elderly. Results: In the review, the 9 articles found

    investigated memory for visual or visuospatial bindings in AD, 6 in short-term memory

    and 3 in long-term memory, and after analysis it was concluded that AD appears to

    compromise the ability to recall bindings, and that damage seems to be independent of

    the type of memory involved, the task used and the nature of the stimuli involved in

    tasks. Results also suggest that the memory capacity for binding has the potential to

    function as a sensitive and specific neuropsychological marker for AD. In the empirical

    study, comparative analyzes between groups revealed that AD compromises the ability

    of WM to recall bindings object-locations more than aMCI and healthy aging, but this

    function appeared to be impaired in all groups. The TAA reached 80% of sensitivity for

    probable AD and for aMCI and 58% and 54% of specificity, respectively. It is

    concluded that the inclusion of TAA in a neuropsychological assessment protocol can

    extend the probability to identify positive cases for probable AD or aMCI. It becomes

    crucial the standardization of instruments for visuospatial memory binding and the

    inclusion of this kind of testes such as priority in neuropsychological protocols for

    elderly people with suspected dementia.

    Keywords: Alzheimer disease; amnestic Mild Cognitive Impairment; working memory;

    object-location binding.

  • x

    LISTA DE TABELAS

    Captulo 3

    Tabela 1 - Extrao dos dados dos artigos revisados, incluindo objetivo central,

    caractersticas das amostras, tipo de memria e de binding testados e principais

    resultados........................................................................................................................ 37

    Captulo 4

    Tabela 2 - Dados descritivos das caractersticas demogrficas dos

    grupos............................................................................................................................. 71

    Tabela 3 - Dados neuropsicolgicos dos trs grupos de participantes........................... 81

    Tabela 4 - Desempenho dos participantes no Teste de Arrumao do Armrio

    apresentados em forma de mdia de acertos, Span e ndice de Eficcia para bindings

    objeto-localizao........................................................................................................... 82

    Tabela 5 - Correlaes entre o desempenho mdio da memria operacional para

    bindings objeto-localizao e as caractersticas sociodemogrficas dos participantes.. 84

    Tabela 6 - Correlaes entre o desempenho mdio da memria operacional para

    bindings objeto-localizao e os domnios neuropsicolgicos avaliados pelo Cubos de

    Corsi e pela DRS............................................................................................................ 85

  • xi

    LISTA DE FIGURAS

    Captulo 1

    Figura 1 Algoritmo para caracterizao do Comprometimento Cognitivo Leve,

    adaptado de Petersen (2011)........................................................................................... 13

    Captulo 2

    Figura 2 Esquema representativo do Modelo original de Memria Operacional

    elaborado por Baddeley & Hitch (1974). Adaptado de Baddeley (2012)...................... 23

    Figura 3 Modelo multicomponente de Memria Operacional adaptado de Baddeley

    (2000, 2011).................................................................................................................... 24

    Captulo 3

    Figura 4 Fluxograma com as etapas de busca e seleo dos artigos........................... 35

    Captulo 4

    Figura 5 Desenho esquemtico do Teste de Arrumao do Armrio com exemplos de

    telas originais do teste em tamanho reduzido contemplando as etapas de exposio dos

    objetos e suas localizaes, do intervalo de reteno e de reconhecimento dos bindings

    objeto-localizao........................................................................................................... 75

    Figura 6. Grfico comparativo da capacidade mdia de memria operacional para

    recordao de objetos entre os grupos, nas etapas de 3, 4 e 5 objetos do Teste de

    Arrumao do Armrio....................................................................................................83

    Figura 7. Grfico comparativo da capacidade mdia de memria operacional para

    recordao de localizaes entre os grupos, nas etapas de 3, 4 e 5 localizaes do Teste

    de Arrumao do Armrio...............................................................................................83

    Figura 8 Curva ROC com sensibilidade e especificidade para Doena de Alzheimer

    dos escores extrados do Teste de Arrumao do Armrio de memria operacional para

    Bindings objeto-localizao com 3, 4 e 5 itens.............................................................. 86

    Figura 9 Curva ROC com sensibilidade e especificidade para Comprometimento

    Cognitivo Leve amnstico dos escores extrados do Teste de Arrumao do Armrio de

    memria operacional para bindings objeto-localizao com 3, 4 e 5 itens.................... 86

  • xii

    LISTA DE SIGLAS

    ABEP Associao Brasileira de Empresa de Pesquisas

    CCL Comprometimento Cognitivo Leve

    CCLa Comprometimento Cognitivo Leve amnstico

    CCLna Comprometimento Cognitivo Leve no amnstico

    DA Doena de Alzheimer

    DRS Dementia Rating Scale

    IAPS International Affective Picture System

    LLT Location Learning Test

    MO Memria operacional

    NINCDS-

    ADRDA

    National Institute of Neurological and Communicative disorders and

    the Alzheimer's Disease and Related disorders Association

    RAVLT Rey Auditory Verbal Learning Test

    RM Ressonncia Magntica

    ROC Receiver Operator Curve

    TAA Teste de Arrumao do Armrio

    TPT The Placing Test

    WTAR Wechsler Test of Adult Reading

  • 1

    SUMRIO

    INTRODUO ................................................................................................................ 1

    PROBLEMA DE PESQUISA .......................................................................................... 5

    OBJETIVO GERAL ......................................................................................................... 6

    Objetivos Especficos .................................................................................................... 6

    HIPTESES ..................................................................................................................... 7

    CAPTULO 1 ASPECTOS DESCRITIVOS E NEUROPSICOLGICOS DA

    DOENA DE ALZHEIMER E DO COMPROMETIMENTO COGNITIVO LEVE .... 8

    CAPTULO 2 REFERENCIAL TERICO: MODELO MULTICOMPONENTE DA

    MEMRIA OPERACIONAL E EFEITO BINDING VISUOESPACIAL .................... 18

    Memria Operacional, Envelhecimento e Doena de Alzheimer............................... 27

    CAPTULO 3 - MEMRIA PARA BINDINGS E DOENA DE ALZHEIMER: UM

    ESTUDO DE REVISO ................................................................................................ 31

    Introduo .................................................................................................................. 31

    Materiais e Mtodos ................................................................................................... 32

    TIPO DE ESTUDO ............................................................................................................. 32

    AMOSTRA ......................................................................................................................... 32

    QUESTO NORTEADORA................................................................................................... 33

    DESCRITORES .................................................................................................................. 33

    CRITRIOS DE EXCLUSO................................................................................................. 33

    SELEO E EXTRAO DE DADOS ..................................................................................... 34

    Resultados ................................................................................................................... 34

    TIPOS DE ESTUDO ............................................................................................................ 35

    TIPOS DE BINDING E MTODOS DE AVALIAO ................................................................ 39

    CAPACIDADE DE MEMRIA PARA BINDINGS E DOENA DE ALZHEIMER ............................. 48

    BINDING VISUOESPACIAL E EMOES .............................................................................. 55

    Discusso .................................................................................................................... 58

    Consideraes finais .................................................................................................. 61

    CAPTULO 4 - ESTUDO EMPRICO: BINDING OBJETO-LOCALIZAO NA

    MEMRIA OPERACIONAL NA DOENA DE ALZHEIMER E NO

    COMPROMETIMENTO COGNITIVO LEVE AMNSTICO..................................... 63

    Introduo .................................................................................................................. 63

    Mtodo ........................................................................................................................ 73

    PARTICIPANTES ................................................................................................................ 73

    QUESTES TICAS ............................................................................................................ 74

    INSTRUMENTOS ................................................................................................................ 75

    PROCEDIMENTO .............................................................................................................. 78

    ANLISE DE DADOS .......................................................................................................... 79

  • 2

    Resultados ................................................................................................................... 79

    AVALIAO DAS FUNES COGNITIVAS ............................................................................ 81

    ANLISES DE CORRELAO .............................................................................................. 87

    ANLISES DE CLASSIFICAO ........................................................................................... 88

    Discusso .................................................................................................................... 90

    Consideraes finais .................................................................................................. 96

    CONCLUSES .............................................................................................................. 98

    REFERNCIAS ........................................................................................................... 101

    ANEXOS ...................................................................................................................... 124

    Anexo I ...................................................................................................................... 124

    Anexo II..................................................................................................................... 126

    Anexo III ................................................................................................................... 127

  • 1

    INTRODUO

    Embora os seres humanos apreendam informaes visuais e espaciais do

    ambiente rotineiramente, permanece intrigante a forma como o crebro associa

    corretamente objetos s suas caractersticas, especialmente quando se trata de

    informaes processadas em regies corticais distintas e altamente especializadas

    (DeYoe & van Essen, 1988), como acontece na associao entre objetos e suas

    localizaes no espao. H evidncias de que nas primeiras etapas do processamento

    visual, os estmulos so verificados em suas mltiplas dimenses e chegam

    conscincia, percepo e memria como unidades integradas (Treisman & Gelade,

    1980).

    O binding um efeito cognitivo responsvel pela integrao das caractersticas

    de estmulos ou eventos para formao de memrias complexas e ocorre em diferentes

    nveis cognitivos (Zimmer, Mecklinger, & Lindenberger, 2006): perceptual, na memria

    de curto prazo e na memria de longo prazo (Baddeley, 2000). O efeito binding em

    nvel perceptual est preservado no envelhecimento saudvel (Parra, Abrahams, Logie,

    & Della Sala, 2009a), desde que os mtodos de avaliao considerem as limitaes

    sensoriais e a reduo da velocidade de processamento, que se agravam com o aumento

    da idade. Na memria de longo prazo, os mecanismos de binding parecem ser afetados

    pela idade, o que costuma aparecer funcionalmente como queixas de memria

    episdica, evidenciadas por dificuldades para recordar informaes integradas, como

    objetos e suas localizaes (Chalfonte & Johnson, 1996; Puglisi, Park, Smith & Hill,

    1985) rostos e seus nomes (Naveh-Benjamin, Guez, Kilb & Reedy, 2004; Sperlin et al.,

    2003) e pares de palavras (Castel & Craik, 2003; Naveh-Benjamin, 2000). O efeito do

    envelhecimento saudvel sobre a reduo da capacidade da memria de longo prazo

    para evocao de bindings para objeto-localizao foi relatado em estudos que

    compararam grupos de adultos mais velhos e mais jovens (Cowan, Naveh-Benjamin,

    Kilb, & Saults, 2006) e estudos de imagem sugeriram que esse declnio pode estar

    associado a alteraes hipocampais (Mitchell, Johnson, Raye, & DEsposito, 2000;

    Mitchell, Raye, Johnson, & Greene, 2006).

    Os processos de armazenamento e evocao de bindings temporrios na

    memria operacional (MO), no envolvem aprendizagem e esto relacionados a

    mecanismos cognitivos diferentes daqueles responsveis pela formao do bindings de

  • 2

    longa durao (Logie, Brockmole & Vandenbroucke, 2008). A capacidade para evocar

    corretamente bindings temporrios, na MO, parece ser menos afetada pelo

    envelhecimento, sobretudo quando as caractersticas ou estmulos a serem integrados

    so de uma mesma natureza, como cor-cor ou cor-forma (Della Sala, Parra, Fabi, Luzzi,

    & Abrahams, 2012; Olson et al., 2004; Parra et al., 2009a). Quando alm de informao

    visual, h envolvimento de informaes espaciais, a capacidade para evocar bindings na

    MO parece declinar com a idade (Mitchell et al, 2000, 2006). Cowan et al. (2006)

    verificaram que idosos tem desempenho similar ao de jovens no reconhecimento de

    mudanas em arranjos visuais de blocos coloridos, mas inferior quando testados na

    condio de binding, em que alm das mudanas de cor, tambm havia mudanas de

    localizao dos estmulos.

    Quando a formao de bindings na MO envolve processos ativos, e portanto

    mais custos em termos atencionais e executivos (Elsley & Parmentier, 2009; Fougnie &

    Marois, 2009; Wheeler & Treisman, 2002), a capacidade para evocao de bindings

    visuoespaciais tende a ser inferior capacidade para evocao de informaes isoladas,

    em todas as idades. Parra et al. (2009a) verificaram que a capacidade de MO para

    recordar associaes corretas entre objetos e duas cores significativamente menor que

    a capacidade para recordar objetos associados a uma nica cor, independente da idade

    dos participantes. Os resultados, porm, no so consensuais e parecem diferir em

    funo da diversidade das tarefas usadas para investigar o efeito binding, algumas

    solicitando a conexo entre dimenses de natureza diferente e outras, a conexo entre

    caractersticas dentro de uma mesma dimenso ou de um mesmo objeto (Grady &

    Craik, 2000; Olson & Jiang, 2002).

    Pesquisas sobre binding visuoespacial na MO sugerem que esta pode ser uma

    funo cognitiva sensvel a disfunes ou leses cerebrais decorrentes de doenas e

    transtornos (Parra, Abrahams, Fabi, Logie, Luzzi, & Della Sala, 2009b; Parra,

    Abrahams, Logie, Mndez, Lopera, & Della Salla, 2010a). A literatura sugere que

    prejuzos no binding visuoespacial sejam responsveis por algumas dificuldades

    funcionais presentes em transtornos do desenvolvimento, como autismo (Brock, Brown,

    Boucher & Rippon, 2002) e em processos degenerativos, como a Doena de Alzheimer

    (DA) (Parra et al., 2010a; Parra, Abrahams, Logie, & Della Sala, 2010b). Estudos

    clnicos indicam que o binding visuoespacial na memria de curto prazo no afetado

  • 3

    pelo envelhecimento saudvel, nem pela depresso crnica, mas est comprometido na

    DA (Parra et al., 2010a). Pacientes com DA apresentam dificuldades para recordar

    figuras coloridas previamente estudadas, manter uma conversa com um nmero

    crescente de participantes (Della Salla, Kinnear, Spinnler & Stangalio, 2000),

    reconhecer de forma integrada faces e nomes (Hodges & Greene, 1998), objetos e suas

    partes (Tippett, Blackwood & Farah, 2003) e pares de palavras (Gallo, Sullivan,

    Daffner, Schacter & Budson, 2004).

    Por muito tempo o desempenho em memria episdica foi considerado o

    marcador mais seguro para caracterizar a DA (Dubois et al., 2007; Perry, Watson &

    Hodges, 2000), porm uma funo cognitiva que aparece comprometida tambm na

    Depresso Maior (Parra et al., 2010a) mostrando que os testes para memria episdica

    so sensveis, porm no especficos para DA.

    O Comprometimento Cognitivo Leve (CCL) representa um estgio prodrmico

    das demncias, que pode ser decorrente do esquecimento benigno da senescncia ou

    representar um estgio sindrmico pr-clnico da DA, no qual os sintomas

    caractersticos da doena ainda no esto bem estabelecidos (Petersen et al., 2009; 2001;

    Petersen et al., 1999). O Comprometimento Cognitivo Leve amnstico (CCLa), quando

    h comprometimento da memria, tem sido associado ao risco aumentado para

    desenvolvimento da DA (Petersen, 2011).

    Embora exista quantidade razovel de pesquisas evidenciando informaes

    sobre o binding na memria de longa durao na DA (Kessels, Rijken, Joosten-Weyn

    Banningh, Schuylenborgh-Van Es, & Olde Rikkert, 2010; Nashiro & Mather, 2011),

    poucos estudos verificaram o efeito do binding na MO visuoespacial e particularmente

    nenhum identificado sobre binding objeto-localizao comparando indivduos com DA,

    CCLa e indivduos saudveis. Este trabalho tem como objetivo estudar a capacidade da

    MO para evocao de bindings objeto-localizao em idosos com DA, com CCLa e

    controles. O objetivo central da pesquisa foi verificar o quanto a MO para bindings

    objeto-localizao capaz de diferenciar pessoas com DA, daquelas com CCLa e de

    controles, e se essa funo cognitiva pode ser considerada um marcador

    neuropsicolgico sensvel e especfico para a DA em seus estgios iniciais, funcionando

    como uma ferramenta para auxiliar diagnsticos precoces e diagnsticos diferenciais.

    Estudo semelhante foi realizado por Kessels et al. (2010), testando a capacidade

  • 4

    de memria de longo prazo para evocao de bindings entre fotografias de objetos e

    localizaes. Os pesquisadores verificaram que o desempenho dos participantes com

    DA na tarefa de binding objeto-localizao foi significativamente inferior ao dos

    participantes com CCLa, e essa medida foi mais sensvel e especfica para o grupo com

    DA que os testes de memria verbal tradicionais, sugerindo que medidas de memria

    visual podem ter maior valor diagnstico para essa condio. Espera-se encontrar um

    padro de desempenho de memria para bindings diferente entre os grupos, uma vez

    que as habilidades visuoespaciais, o controle atencional e a memria operacional, em

    especial o retentor episdico, engajados no processamento de bindings, parecem estar

    comprometidos precocemente na DA (Filgueiras, Landeira-Fernandez, & Charchat-

    Fichman, 2013; Iachini, Iavarone, Senese, Ruotolo, & Ruggiero, 2009).

    No presente trabalho foram utilizados testes neuropsicolgicos de uso tradicional

    na clnica e na pesquisa brasileira para avaliao cognitiva global e avaliao da MO

    dos idosos e, para avaliar a capacidade de MO para evocao de bindings, um teste

    ecolgico, novo, o Teste de Arrumao do Armrio (TAA), que est em fase de

    validao, e foi utilizado em carter exploratrio (Abreu, Menezes, Siquara, Villa &

    Villa, 2014). O estudo tem relevncia na medida em que utiliza uma proposta nova de

    avaliao da capacidade de MO para bindings visuoespaciais, construto da

    neuropsicologia cognitiva, ainda pouco estudada no Brasil. A investigao desse

    aspecto cognitivo em pessoas que esto envelhecendo sem queixas cognitivas

    clinicamente relevantes, em pessoas com quadro sindrmico de CCLa e com

    diagnstico de DA pode acrescentar informaes acerca dos prejuzos executivos,

    atencionais e de memria frequentemente associados ao envelhecimento natural e em

    maior intensidade DA, problema de sade que atinge parcela significativa da

    populao brasileira e desperta preocupao com a preveno e com a qualidade de vida

    no envelhecimento.

  • 5

    PROBLEMA DE PESQUISA

    O processo natural de envelhecimento parece promover um declnio na memria

    operacional visuoespacial e a Doena de Alzheimer pode potencializar esse prejuzo em

    seus estgios iniciais. A capacidade de memria operacional para bindings objeto-

    localizao, que envolve o armazenamento e a recuperao temporrios de informaes

    visuais e espaciais de forma integrada, parece estar especialmente prejudicada em

    idosos com DA, podendo funcionar como um marcador neuropsicolgico sensvel e

    especfico para diferenci-los de idosos com CCLa e de idosos sem sintomas mnsticos.

    Tomadas essas consideraes, foi formulado o problema de pesquisa:

    1. possvel diferenciar idosos com Doena de Alzheimer de idosos com

    Comprometimento Cognitivo Leve amnstico e controles atravs do

    desempenho em memria operacional para bindings objeto-localizao?

  • 6

    OBJETIVO GERAL

    Comparar a capacidade da memria operacional para evocao de bindings

    objeto-localizao entre idosos com DA provvel, com CCLa e controles.

    Objetivos Especficos

    1. Revisar principais estudos publicados em revistas indexadas sobre capacidade de

    memria para bindings na DA.

    2. Verificar a capacidade discriminativa da memria operacional para evocao de

    bindings objeto-localizao entre idosos com DA provvel, com CCLa e controles.

    3. Verificar sensibilidade e especificidade do efeito binding objeto-localizao na

    memria operacional para DA provvel e CCLa.

    4. Verificar as relaes entre a capacidade de memria operacional para evocao de

    bindings objeto-localizao, e demais funes cognitivas nos trs grupos.

  • 7

    HIPTESES

    H1: A capacidade de MO para bindings objeto-localizao inferior entre idosos com

    DA provvel quando comparados a idosos com CCLa e controles.

    H2: O efeito binding para objeto-localizao na memria operacional marcador

    cognitivo sensvel e especfico para a populao com DA provvel.

    H3: H correlaes positivas entre a capacidade de MO para evocar bindings objeto-

    localizao e o desempenho em tarefas de memria e demais funes cognitivas nos

    trs grupos clnicos.

  • 8

    CAPTULO 1 ASPECTOS DESCRITIVOS E

    NEUROPSICOLGICOS DA DOENA DE ALZHEIMER E DO

    COMPROMETIMENTO COGNITIVO LEVE

    O envelhecimento da populao brasileira est causando modificaes na

    estrutura etria do pas, havendo previses de que em 2025 o Brasil seja o sexto pas do

    mundo em nmero de pessoas idosas (World Health Organization, 2005). Em 2010, a

    expectativa de vida do brasileiro era de 73,48 (IBGE, 2012), com tendncia de aumento

    de 3,3% ao ano para pessoas com mais de 60 anos (Rosset, Pedrazzi, Roriz-Cruz,

    Morais, & Rodriguez, 2011). Entre os 60 e 65 anos esperado que os idosos apresentem

    sade fsica e mental preservada, sendo mais comum que mudanas no desempenho

    global e acelerao do declnio fsico e cognitivo ocorram a partir dos 75 anos

    (Argimon, Wendt, & De Souza, 2006). Como consequncia desse envelhecimento, tem

    crescido a incidncia de doenas crnico-degenerativas, como as demncias

    (Aprahamian, Martinelli & Yasuda, 2009).

    A Doena de Alzheimer (DA) a etiologia mais frequente das demncias e seu

    quadro clnico tpico caracteriza-se inicialmente por declnio acentuado da memria

    episdica recente, observados pela repetio de informaes e perguntas, pela

    dificuldade de novos aprendizados (Caixeta, Pinto, Soares & Soares, 2014). Na

    testagem formal das funes cognitivas, outros domnios podem apresentar prejuzos,

    como linguagem, com dificuldades para nomeao e acesso ao lxico, funes

    executivas e funes visuoespaciais. Mecanismos atencionais, sobretudo de ateno

    dividida e controle inibitrio podem estar comprometidos, erros de intruso so comuns

    em testes de memria e os pacientes costumam se beneficiar da evocao por

    reconhecimento, em detrimento da evocao espontnea (Caixeta et al., 2014). Nos

    estgios mais avanados da doena, o agravamento dos sintomas cognitivos aparece

    acompanhado por transtornos psicoafetivos, alteraes no humor, de personalidade,

    comprometimento do senso moral, aparecimento de sintomas psicticos,

    comprometendo o funcionamento social e laboral do indivduo (Fontaine, 2010).

    At o final da dcada de 60, a DA era considerada uma forma de demncia rara,

    passando a ser mais conhecida em 1976 aps a fuso com a classificao nosolgica de

  • 9

    Demncia senil, pela similaridade histopatolgica e sintomtica (Caixeta, 2012). O

    nmero de publicaes sobre o tema cresceu, saltando de 18 artigos na dcada de 60

    para 52.045 em 2010 em revistas indexadas no Pubmed (Caixeta, 2012).

    A DA responsvel por 55,1% dos casos de demncia diagnosticados no Brasil

    (Herrera, Caramelli, Silveira, et al., 2002). A prevalncia de 1 a 2% entre os

    indivduos na faixa etria de 60 a 65 anos, aumentando para cerca de 20% aos 80 anos,

    podendo chegar a 40% entre os nonagenrios (Azambuja, 2007). No Brasil, a maioria

    dos estudos de prevalncia de DA foram realizados no estado de So Paulo, com

    exceo de um, realizado por Godinho, Gorczevski, Heisler, Cerveira e Chaves (2010)

    no Hospital Universitrio de Porto Alegre. Esse vis de amostragem dos estudos, ainda

    restritos a dois estados de um pas extenso e diverso socioculturalmente precisa ser

    considerado, reconhecendo-se a necessidade de ampliar as pesquisas para obter dados

    mais conclusivos (Vieira & Caixeta, 2012).

    A DA tem sido a causa mais frequente de demncia em quase todos as

    pesquisas, aparecendo atrs da Demncia Vascular ou tendo frequncia equivalente a

    ela, em apenas dois estudos (Silva & Damasceno, 2002; Scazufca et al., 2008). Ainda

    que os estudos tenham sido realizados em um mesmo estado, a frequncia de DA sofreu

    variao de 23,7% a 62,8%. Essas diferenas podem refletir diferenas locais,

    socioculturais ou mesmo populacionais, em funo, por exemplo, das diferentes taxas

    de mortalidade ou de vieses metodolgicos (Vieira & Caixeta, 2012).

    Nitrini et al. (1995) verificaram em um estudo epidemiolgico que a DA foi

    responsvel por 54% dos casos, no tendo sido encontradas diferenas de prevalncia

    por grupo socioeconmico ou escolaridade. Vale e Miranda (2002) observaram tambm

    que a DA foi a etiologia mais frequente para demncia, bem como Takada et al. (2003),

    que verificaram que 59% dos casos de demncia registrados entre 1991 e 2001 em um

    Hospital Universitrio Pblico de So Paulo foram diagnosticados como DA. Em outros

    estudos a DA apareceu ainda como diagnstico mais frequente, respondendo por 62,8%

    dos casos numa populao de 113 pacientes de idade mdia de 74 anos no ambulatrio

    de demncia do Instituto de Psiquiatria da Universidade de So Paulo (Tascone,

    Marques, Pereira & Bottino, 2008) e 60% casos de uma populao de 105 pacientes,

    com idade mdia de 79 anos, atendidos na clnica de demncia do Hospital das Clnicas

    do Rio Grande do Sul (Godinho et al., 2010).

  • 10

    Alm desses estudos que mapearam os registros de casos atendidos em

    ambulatrios especializados, estudos populacionais vm sendo desenvolvidos no Brasil,

    para verificar a prevalncia da DA na populao em geral. Herrera et al. (2002)

    encontrou incidncia de 4,9% para DA e de 7,1% para demncias em geral, entre

    indivduos com idade igual ou superior a 65 anos na regio de Catanduva-SP. Nesse

    mesmo estudo, houve associao da idade com a prevalncia de demncias, do sexo

    feminino com a prevalncia de DA e o fator nvel de escolaridade apareceu como

    protetor para desenvolvimento de DA.

    Scazufca et al. (2008) encontrou prevalncia de 1,6% para DA na populao

    com mais de 65 anos na cidade de Botucatu-SP, dado que apareceu associado

    positivamente aos indicadores socioeconmicos no incio da vida. Na cidade de So

    Paulo, um estudo com indivduos com mais de 60 anos encontrou prevalncia de 6,8%

    de demncia na populao sendo DA a causa de 59,8% dos casos, e o analfabetismo e a

    idade como fatores de risco para desenvolvimento da doena (Tascone et al., 2008).

    So considerados fatores de risco para desenvolvimento de DA: a idade, a baixa

    escolaridade, a presena do alelo 4 do gene ApoE, histria de traumatismo craniano

    com perda de conscincia, problemas cardiovasculares no controlados, sedentarismo e

    baixa demanda cognitiva ao longo da vida (American Psychiatric Association, 2002).

    Alm disso, outros fatores de risco para desenvolver a doena so: histria de DA na

    famlia, que pode aumentar at quatro vezes a chance de desenvolver a doena e a

    presena de trissomia do cromossomo 21, caracterstica da Sndrome de Down (Visser,

    Verhey, Ponds, Kester & Jolles, 2000).

    Por outro lado, o grau de escolarizao pode ser responsvel pelo aumento da

    densidade sinptica de regies corticais e por maior neuroplasticidade funcionando

    como fatores protetores para o desenvolvimento da DA (Sattler, Toro, Schnknecht, &

    Schrder, 2012). Quanto maior a quantidade de anos de escolarizao formal, melhor

    tende a ser o desempenho em testes de rastreio cognitivo e em testes neuropsicolgicos

    especficos, e menor tende a ser a prevalncia de demncias. Para um grupo de pessoas

    que frequentou a escola por 8 anos ou mais foram encontradas taxas de prevalncia de

    3,5% enquanto entre analfabetos, de 12,2% (Aprahamian et al., 2009). A correlao

    com a escolaridade tem se mostrado to vlida para demncia quanto para CCL

    (Ylikoski et al., 1999).

  • 11

    Com o objetivo de analisar as modificaes cognitivas de idosos em idade

    avanada, Argimon e Stein (2005) desenvolveram um estudo longitudinal de trs anos,

    com uma amostra aleatria de 66 participantes em 1998 e de 46 em 2001, no qual

    verificaram pequeno declnio no desempenho cognitivo, no suficiente para ocasionar

    mudanas significativas no padro de funcionamento cognitivo global. Concluram

    ainda que atividades de lazer e a quantidade de anos de escolaridade minimizam o

    declnio desse desempenho cognitivo.

    A idade, e consequentemente o envelhecimento neuronal nas regies do crtex e

    subcrtex, indicada como fator preponderante para demncia, pois a prevalncia dobra

    a cada cinco anos de vida acrescidos a partir dos 60 anos. Alteraes genticas e

    hereditariedade tambm tm sido investigadas como possveis fatores de risco para a

    DA, havendo concordncia significativa entre gmeos idnticos (Lucatelli, Barros,

    Maluf, & Andrade, 2009; Samaia & Vallada Filho, 2000). A relao de outros fatores

    com o aumento do risco para desenvolver DA ainda controversa na literatura, como

    traumas cranioenceflicos, sexo feminino, adeso a terapias de reposio hormonal,

    etnia caucasiana, alumnio e a aterosclerose (Aprahamian et al., 2009).

    Achados neuropatolgicos da DA indicam um padro de leses cerebrais

    crescentes medida que progridem os sintomas da doena. As leses extracelulares so

    causadas pelo acmulo de placas neurticas senis, cujo principal componente a

    protena amiloide 42. So identificados tambm emaranhados neurofibrilares,

    compostos em sua maioria pela protena tau hiperfosforilada, responsveis pelas leses

    intracelulares (Vieira & Caixeta, 2012). Estudos com Ressonncia Magntica Funcional

    encontram reduo do volume cerebral, sobretudo da substncia cinzenta. Os achados

    mais consistentes so de atrofia no lobo temporal medial, atingindo hipocampo,

    amgdala, crtex entorrinal e giro para-hipocampal, alargamento dos ventrculos e

    reduo do volume cerebral global (Hsu, Du, Schuff & Weiner, 2001; McDonald et al,

    2009). H evidncias de reduo da substncia cinzenta em algumas estruturas do lobo

    temporal medial entre pacientes com CCLa, e esse parece ser um preditor importante

    para evoluo desse estgio para a demncia (Ferreira, Diniz, Forlenza, Busatto, &

    Zanetti, 2009). Outros estudos encontraram padres cerebrais estruturais e funcionais

    em pessoas com CCL semelhantes ao esperado para a DA, como hipometabolismo nas

    regies temporoparietais (Perroco, 2013).

    http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol27/n2/art104.htm#autor
  • 12

    Atualmente h uma preocupao em tornar mais precoce o diagnstico de DA,

    para ampliar as possibilidades de retardar o curso da doena, estabilizar os sintomas ou

    proporcionar melhor qualidade de vida aos pacientes (Aprahamian et al., 2009). Esse

    interesse crescente pelas fases pr-demenciais se deve possibilidade de identificar as

    caractersticas clnicas das doenas antes que os comprometimentos funcionais sejam

    evidentes (Petersen et al., 2009b), momento considerado por pesquisadores como tardio

    para o tratamento da doena de base (Gauthier et al., 2006). Este interesse reforado

    pelas evidncias de que os prejuzos cognitivos e neurodegenerativos tem incio, na

    verdade, anos antes do diagnstico (Small, Gagnon, & Robinson, 2007).

    O Comprometimento Cognitivo Leve (CCL) representa um estgio prodrmico

    das demncias, que pode ser decorrente do esquecimento benigno da senescncia ou

    representar um estgio sindrmico pr-clnico da DA, no qual os sintomas

    caractersticos da doena ainda no esto bem estabelecidos (Petersen et al., 2009b,

    2001, 1999). O termo CCL foi proposto inicialmente (Reisberg et al., 1988) para

    pacientes que tivessem desempenho correspondente ao estgio 3 da Escala de

    Deteriorao Global, mas a pouca sensibilidade de escalas globais para diferenciar o

    CCL dos estgios iniciais de demncia impulsionou a busca por critrios diagnsticos

    mais precisos. Em 1999, um estudo do Mayo Clinic Institute sugeriu novos critrios

    diagnsticos para o CCL e enfatizando o prognstico de evoluo para DA (Petersen et

    al., 1999). Evidncias clnicas de que parte dos casos de CCL evolua para outros tipos

    de demncia promoveram alteraes classificao original. O CCL passou a ser

    caracterizado em subtipos clnicos amnstico (CCLa) e no amnstico (CCLna), ambos

    comportando a possibilidade de comprometimento cognitivo em apenas um ou em

    mltiplos domnios (Petersen et al., 2009a). Oficialmente, a incluso de uma

    classificao para estagios pr-demenciais apareceu pela primeira vez como CCL nos

    manuais diagnsticos CID-10 (Organizao Mundial de Sade, 1993) e no DSM-IV

    (American Psychiatric Association, 2002).

    http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=GauthierS%5BAuthor%5D&cauthor=true&cauthor_uid=16631882http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=PetersenRC%5BAuthor%5D&cauthor=true&cauthor_uid=20042704
  • 13

    Figura 1. Algoritmo para caracterizao do Comprometimento Cognitivo Leve, adaptado de

    Petersen et al. (2011).

    O CCL caracterizado pela presena de queixa subjetiva de declnio cognitivo,

    evidncias objetivas de prejuzos cognitivos leves em testes neuropsicolgicos,

    preservao da funcionalidade, no havendo impactos significativos na realizao de

    atividades da vida diria, e no preenchendo critrios diagnsticos para demncia

    (Figura 1, Petersen et al. 2011). Embora se estime que no mais que 50% dos indivduos

    com CCL evoluam para DA, essa condio um dos preditores mais confiveis para o

    diagnstico precoce (Wagner, Brando, & Parente, 2006). Charchat-Fichman et al.

    (2005) encontraram taxa de converso de CCL para DA de 10 a 15% ao ano,

    reafirmando o alto risco desse subgrupo para esse tipo de demncia. O CCLa tem sido

    associado ao risco aumentado para desenvolvimento da DA, enquanto o CCLna de

    domnio nico parece aumentar o risco de Demncia fronto-temporal ou Afasia

    progressiva primria e o CCLna de mltiplos domnios sugere maior probabilidade para

    desenvolver outras demncias (Charchat-Fichman et al., 2005; Petersen et al., 2011).

    Os percentuais de converso de CCL para DA diferem em funo de mtodos

    amostrais (Petersen et al., 2009b). Em geral, as taxas de converso encontradas na

    populao com CCL recrutada em centros especializados variam entre 10 a 15% ao ano

  • 14

    (Farias, Mungas, Reed, Harvey, DeCarli, 2009), enquanto em estudos epidemiolgicos,

    com amostras populacionais aleatrias, as taxas so de 6 e 10% ao ano (Fischer et al.,

    2007). Essas diferenas se devem provavelmente maior heterogeneidade dos casos

    selecionados aleatoriamente na populao em geral, considerando que as pessoas que

    buscam atendimento em centros especializados j experimentam sintomas cognitivos

    mais proeminentes. Mesmo com essas amplas variaes de resultados, a probabilidade

    de desenvolver DA no perodo de um ano entre as pessoas que tem CCL supera em

    muito as taxas encontra para prevalncia de DA na populao em geral todos os anos,

    estimada em torno de 1% a 2% (Petersen et al., 1999).

    Uma vez atendidos os critrios para CCL, o maior risco de evoluo para DA

    parece estar relacionado ao grau de comprometimento da memria ou de outros

    domnios cognitivos, o que parece estar associado tambm maior extenso da

    patologia no crebro (Visser et al., 1999). Outros fatores, como a presena de patologias

    sistmicas, de fatores genticos (como presena do alelo E4, considerado fator de risco

    para DA), exposio a situaes de estresse, maus hbitos de sade mediam essa relao

    e ajudam a compreender a variabilidade cognitiva do processo de envelhecimento

    (Deary et al., 2009). Menor idade, maior grau de escolaridade formal e

    desenvolvimento, preservao de habilidades sensoriais prvias e envolvimento em

    atividades sociais e de lazer (Sattler, Toro, Schnknecht, & Schrder, 2012) so fatores

    associados progresso mais lenta de declnio cognitivo, a menor atrofia cerebral e ao

    adiamento na incidncia de demncias. Esses fatores, considerados protetores para

    desenvolvimento de demncias, parecem estar relacionados constituio de uma maior

    reserva cognitiva, fundamental para os processos de neuroplasticidade e resilincia s

    mudanas cognitivas (Drag & Bieliauskas, 2010). A reserva cerebral, que pode ser

    inferida por medidas como o volume cerebral ou a quantidade de neurnios e conexes,

    parece estar associada tambm ao aparecimento de menos sintomas nos estgios iniciais

    de DA (Jellinger, & Attems, 2013).

    Petersen et al. (2009b) atualiza as contribuies das diversas tcnicas de

    (ressonncia magntica, tomografia por emisso de psitrons, volumetria de regies

    corticais, tcnicas de imagem molecular, exame do lquor, dados genticos) disponveis

    para verificar biomarcadores da DA em pacientes com CCL e considera que

    possivelmente o melhor modelo para predizer as chances de converso de CCL para DA

  • 15

    seja a combinao de neuroimagem e biomarcadores qumicos, ressaltando que

    nenhuma medida isoladamente ser eficaz como preditor. Embora a testagem

    neuropsicolgica seja fundamental para a avaliao objetiva da cognio do paciente

    nesse contexto, h uma discusso importante em relao ao uso de dados normativos e

    pontos de corte para os instrumentos neuropsicolgicos, sendo necessrio considerar

    no apenas dados cognitivos no processo diagnstico (Petersen et al., 2009b). A

    identificao do CCL e a classificao em subtipos clnicos muitas vezes no possvel

    apenas a partir do exame clnico e de instrumentos de triagem (Diniz et al., 2008), e

    avaliao neuropsicolgica nesse caso aumenta a sensibilidade da avaliao clnica para

    verificar alteraes cognitivas leves. Atualmente so considerados como parmetros

    para classificao de CCL entre -1 e -1,5 desvios-padro em relao aos pontos de corte

    (Petersen, 2011).

    Em uma reviso sobre marcadores utilizados em pesquisa e em clnica para

    predizer a evoluo de CCL para demncia Modrego (2006) encontrou desde a tarefa de

    recordao simples do Mini Exame do Estado Mental at tcnicas radiolgicas

    sofisticadas. Constatou que testes neuropsicolgicos raramente ultrapassam 70% de

    sensibilidade e especificidade, enquanto marcadores genticos apresentam baixa

    sensibilidade e marcadores bioqumicos carecem ainda de mais estudos para verificar

    sua especificidade. As medidas de atrofia de hipocampo ou entorrinal, embora

    utilizados, so marcadores radiolgicos pouco precisos pelas variaes das ferramentas

    e da anatomia. A maior acurcia para predio da progresso de CCL para DA parece

    provir da combinao de medidas de tomografia por emisso de psitrons com

    desempenho em memria ou com o gentipo APOE4, mas Modrego (2006) ressalta que

    so necessrios mais estudos e ampliao das amostras.

    Estudos em neuropsicologia clnica e experimental tem identificado que o

    desempenho em testes especficos e em baterias de rastreio cognitivo pode ser til para

    identificao precoce de perfis de risco para desenvolver DA, para diagnstico

    diferencial ou mesmo para estabelecer grau de comprometimento cognitivo, permitindo

    a definio do estgio ou severidade da patologia. A heterogeneidade das manifestaes

    clnicas da DA dificulta a identificao de padres, sendo que a diversidade de perfis

    neuropsicolgicos parece associada a diferentes processos de difuso da patologia no

    crebro e a diferentes taxas de progresso da doena (Musicco et al., 2010). Em um

  • 16

    estudo que acompanhou ao longo de 2 anos 154 idosos recentemente diagnosticados

    com DA, maioria mulheres e com idade mdia de 73 anos, pacientes com

    funcionamento executivo mais comprometido tiveram pior prognstico, o que parece

    estar relacionado ao comprometimento neuropatolgico do crtex pr-frontal (Musicco

    et al., 2010).

    Em termos de marcadores neuropsicolgicos, o prejuzo cognitivo mais

    proeminente na DA na memria episdica, caracterizado pela inabilidade de adquirir,

    codificar e recuperar memrias para eventos. Esse comprometimento aparece logo nos

    primeiros estgios da doena e progressivo (Aggarwal, Wilson, Beck, Bienias &

    Bennett, 2005) e vem sendo considerado na literatura como funo cognitiva preditora

    da converso de CCL para DA (Landau et al., 2010). No entanto, embora seja uma

    medida considerada sensvel para o diagnstico precoce, a identificao de prejuzos em

    memria episdica no garante especificidade para DA (Parra et al., 2010a) pois est

    presente tambm em outras doenas degenerativas.

    Charchat-Fichman et al. (2001) estudaram o desempenho de 40 pacientes com

    provvel DA em testes computadorizados de memria episdica, memria de curto

    prazo e registro de tempo de reao e compararam-nos com 73 idosos controles. Os

    pacientes com DA tiveram percentual de acertos menor e latncia de resposta maior em

    ambos os testes quando comparados aos controles e ambos os testes foram sensveis e

    especficos para a DA, funcionando como marcadores clnicos para os estgios iniciais

    da DA. Charchat-Fichman et al. (2005) consideram relevante a investigao de novos

    marcadores neuropsicolgicos para a prtica ambulatorial e de pesquisa, a fim de

    caracterizar grupos clnicos com maior preciso, para que idosos possam ser

    beneficiados por tratamentos em estgios pr-clnicos da doena.

    Os esforos so crescentes no sentido de compreender como outros processos

    cognitivos so afetados nos primeiros estgios da DA (Charchat-Fichman, Nitrini,

    Caramelli & Sameshima, 2001) como, por exemplo, a memria operacional (MO),

    funo complexa que envolve aspectos atencionais, mnsticos e de controle executivo e

    recrutada para realizao de inmeras tarefas cognitivas simples e complexas (Huntley

    & Howard, 2010; Armentano, Porto, Nitrini & Brucki, 2012). H evidncias na

    literatura de que a DA impacta na recordao temporria de informaes relativas

    localizao espacial quando a codificao intencional (Parra et al., 2009a), funo que

  • 17

    estaria associada ao funcionamento dos subcomponentes da MO, principalmente o

    retentor episdico, esboo visuoespacial e executivo central (Baddeley, 2000). O

    investimento em estudos sobre preditores neuropsicolgicos para a DA, potencialmente

    promissores como os subcomponentes da MO, poder facilitar o diagnstico precoce, a

    preveno e a interveno antecipada, promovendo benefcios como: a diminuio dos

    nveis de estresse familiar, dos riscos de acidentes, o prolongamento da autonomia e o

    adiamento do incio do processo demencial (Charchat-Fichman et al., 2005).

    Funes cognitivas atribudas MO, como controle atencional, sustentao e

    manipulao de informaes, so implcitas realizao de tarefas cotidianas que

    aparecem comprometidas na DA inicial como, por exemplo, conversar enquanto se

    desloca para um destino, conversar com um grupo de pessoas simultaneamente ou

    organizar uma mala para viagem (Alberoni et al., 1992; Camicioli et al., 1997 apud

    Huntley & Howard, 2010). A MO engloba simultaneamente componentes atencionais,

    executivos e mnsicos, o que torna sua investigao difcil e ambgua (Baddeley,

    2012). Estudos de reviso constataram que a DA e o CCLa causam prejuzos em

    subcomponentes especficos da MO (Huntley & Howard, 2010; Filgueiras et al., 2013),

    e que esses prejuzos so generalizados com o agravamento da doena. Os

    subcomponentes da MO esto descritos no captulo II deste trabalho. Investigar as

    relaes entre MO e DA ultrapassa a necessidade de verificar e descrever prejuzos

    cognitivos, sendo relevante para a compreenso dos impactos cognitivos e funcionais

    da doena na vida cotidiana e para a realizao do diagnstico precoce (Huntley &

    Howard, 2010).

  • 18

    CAPTULO 2 REFERENCIAL TERICO: MODELO

    MULTICOMPONENTE DA MEMRIA OPERACIONAL E EFEITO

    BINDING VISUOESPACIAL

    Os estudos cientficos sobre memria obtiveram grande ateno na dcada de

    50, com foco na dicotomia clssica entre uma memria de curto prazo, efmera e

    limitada e uma memria de longo prazo, duradoura e de capacidade ilimitada (Bueno &

    De Oliveira, 2004). O modelo modal de memria de curto prazo desenvolvido por

    Atkinson e Shiffrin ao final da dcada de 60 foi bastante influente e teorizou acerca das

    etapas do fluxo que a informao seguia at se tornar consolidada, enquanto memria de

    longo prazo. Nesse modelo, as informaes sensoriais seriam armazenadas

    temporariamente em depsitos especficos e de l seguiriam para um depsito de

    informaes cognitivas de curto prazo e este ento se comunicaria com um depsito de

    longo prazo (Atkinson & Shiffrin, 1968). Nessa perspectiva, para se tornar memria de

    longo prazo, uma informao precisaria necessariamente passar pelo estgio de curto

    prazo, que seria tambm caminho de retorno das memrias de longo prazo para a

    conscincia, funcionando como abrigo da atividade mental consciente.

    Baddeley e Hitch (1974) questionaram o modelo modal de memria de curto

    prazo e propuseram um modelo estrutural multicomponente de memria operacional

    (MO), que alm do armazenamento temporrio, inclui a propriedade de manipulao

    simultnea ao armazenamento e manuteno da informao, fundamental para o

    desenvolvimento de tarefas cognitivas simples e complexas. Os autores da nova

    proposta haviam percebido que ao tentar sobrecarregar a memria de curto prazo com

    tarefas de manipulao de estmulos simultaneamente, a quantidade de erros no

    aumentava, havendo apenas dilatao no tempo de resposta, o que denunciava lacunas

    no modelo de curto prazo. Outras evidncias advieram de estudos como o de Shallice e

    Warrington (1970), que verificaram que pacientes poderiam ter prejuzos na

    memorizao em curto prazo e apresentarem memria de longo prazo preservada,

    colocando em questo a ideia de que para se tornar memria de longo prazo

    necessrio passar pela memria de curto prazo.

  • 19

    O conceito de MO foi apresentado pela primeira vez em 1960 no livro Plans

    and the Structure of Behavior (Baddeley, 2002) e mais tarde consolidado na literatura

    atravs do trabalho de Baddeley e Hitch de 1974 (Baddeley, 2012). A ideia surgiu como

    uma derivao do modelo de memria de curto prazo de Atkinson e Shiffrin (1968), a

    partir de crticas hiptese de que a mera manuteno da informao na memria de

    curto prazo garantiria a transferncia da informao para a memria de longo prazo e de

    que a passagem da informao pela memria de curto prazo seria indispensvel para o

    armazenamento na memria de longo prazo (Baddeley, 2012). Embora ainda sejam

    citadas como sinnimos por alguns autores, a memria de curto prazo se refere a uma

    classificao genrica de memria responsvel pelo armazenamento temporrio da

    informao, enquanto a memria operacional responderia pelos processos simultneos

    de armazenamento e manipulao dos estmulos, comunicando-se com a memria de

    longo prazo (Baddeley, 2012) e agregando funes cognitivas mltiplas, como ateno,

    funes executivas e mnsticas (Malloy-Diniz, de Paula, Loschiavo-Alvares, Fuentes, &

    Leite, 2010).

    A MO exerce papel fundamental nos processos cognitivos complexos,

    solicitados em tarefas cotidianas como durante a leitura de um artigo no jornal, no

    clculo da conta de um jantar no restaurante, na reorganizao mental dos moveis na

    sala para abrir espao a um novo sof ou ao comparar as caractersticas de imveis para

    decidir qual alugar (Miyake & Shah, 1999). na verdade o construto usado em

    neurocincia cognitiva para se referir ao mecanismo que est por trs da manuteno de

    informaes relevantes durante a realizao de uma tarefa (Baddeley & Hitch, 1974).

    importante ressaltar que diferentes modelos tericos tm sido propostos para

    explicar o funcionamento da MO. Alguns tericos tm trabalhado com a hiptese de

    que a MO resultante de representaes ativas da memria de longo prazo e que teria

    capacidade limitada (Ruchkin, Grafman, Cameron & Berndt, 2003; Cowan, 1995). O

    referencial terico adotado para o desenvolvimento deste trabalho a verso atualizada

    do modelo multicomponente memria operacional (Baddeley, 2000) derivado dos

    modelos de memria de curto prazo. Este modelo fornece uma estrutura multimodal que

    tem se mostrado til para identificao de evidncias de comprometimento da MO na

    DA (Huntley & Howard, 2010) pois a separao dos componentes tem evidenciado que

    os prejuzos no incio da DA podem ser especficos, envolvendo principalmente os

  • 20

    subcomponentes mais ativos e de comunicao com a memria de longo prazo e, a

    medida que a doena evolui, a MO vai sendo comprometida tambm nos seus aspectos

    de armazenamento mais passivo (Filgueiras et al., 2013). Alm disto, um modelo

    construdo com base em evidncias de estudos experimentais, que vem sendo revisado

    ao longo de trs dcadas e ainda se apresenta dinmico e aberto (Baddeley, 2012).

    O modelo foi elaborado a partir de resultados de estudos da dcada de 60 que

    evidenciaram o efeito de similaridade na aprendizagem verbal, a independncia da

    memria de longo prazo em relao memria de curto prazo (Shallice & Warrington,

    1970), e a no obrigatoriedade de processos em srie na memria de curto prazo para

    consolidao de memrias de longo prazo. Tambm foi atravs de evidncias empricas

    que os autores propuseram a separao entre o controle atencional e o armazenamento

    temporrio de informaes sensoriais e separando o armazenamento em dois

    subsistemas, de acordo com a natureza dos estmulos, um fonolgico e outro

    visuoespacial, ambos funcionando com capacidades limitadas (Baddeley, 2012). Com o

    estabelecimento de subdivises especializadas, o modelo refutou a ideia de sistema

    nico do modelo modal de memria de curto prazo (Atkinson e Shiffrin, 1968) e trouxe

    a perspectiva de um sistema dinmico no qual diferentes processos acontecem em

    paralelo.

    O primeiro desenho do modelo multicomponente de memria operacional

    (Baddeley & Hitch, 1974) foi formado por trs componentes, funcionando como

    mdulos interconectados, com funes complementares (Figura 2). O executivo central

    foi estabelecido como uma central ativa de controle atencional e de processamento de

    informaes que opera com capacidade limitada, responsvel pela realizao de tarefas

    cognitivas, atravs da manipulao, organizao e transformao mental de estmulos de

    armazenados temporariamente nos outros dois subcomponentes passivos do modelo, a

    ala articulatria e o esboo visuoespacial. A ala articulatria, responsvel pelo sistema

    verbal, um componente que nas verses atualizadas do modelo passou a ser nomeada

    de ala fonolgica para que o foco sasse da funo de ensaio subvocal (Baddeley,

    2012), mecanismo secundrio do componente, identificado como necessrio para

    manuteno da informao verbal durante o tempo de realizao de tarefas, atravs da

    repetio, silenciosa ou no, dos estmulos. especializada na codificao e

    manuteno de sequncias acsticas ou itens baseados na fala, como palavras e fonemas

  • 21

    (Baddeley & Hitch, 2006; Baddeley & Logie, 1999; Baddeley, 2012).

    O esboo visuoespacial, refere-se a um ncleo para armazenamento de

    informaes de natureza visual ou espacial, assim configurado pela incerteza emprica

    da existncia ou no de dissociao no processamento e armazenamento temporrio de

    estmulos visuais e espaciais na dcada de 70 (Baddeley, 2012). O esboo visuoespacial

    pode ser considerado como uma espcie de paralelo visuoespacial da ala fonolgica,

    que permite armazenar e manipular informaes de natureza visual e espacial (Canrio

    & Nunes, 2012). Sua principal funo est relacionada s habilidades de orientao em

    relao aos estmulos visuais, como cor, forma, tamanho e s dimenses e

    posicionamento no espao, bem como resoluo de problemas visuoespaciais

    (Baddeley, 2002). Esses dois subcomponentes passivos trabalham em interao com o

    executivo central, que coordena o funcionamento da MO, utilizando as informaes

    armazenadas para transform-las em respostas a problemas prticos. Um trabalho

    realizado por Phillips em 1974 foi inspirao para conceito inicial do esboo

    visuoespacial do modelo multicomponente de memria operacional (Baddeley, 2012).

    Ele investigou a capacidade de armazenamento da memria visual usando uma matriz

    de estmulos, e observou que a acurcia da recordao declina sistematicamente quando

    o nmero de clulas a ser lembrado aumenta, sugerindo a ideia de capacidade limitada

    da memria visuoespacial de curta durao. A capacidade de armazenamento

    temporrio do esboo visuoespacial limitada ao span, que pode ser definido como a

    sequncia mais longa de informaes visuais ou espaciais que um indivduo consegue

    reter e manipular de forma confivel (Maylor, 2005). Embora o modelo de memria

    operacional mais recente ainda considere o armazenamento temporrio das informaes

    visuais e espaciais ocorra dentro de um mesmo esboo visuoespacial, h evidncias de

    que haja separao dos processamentos visual e espacial (Baddeley, 2012; Darling,

    Della Sala, Logie, & Cantagallo, 2006).

    Durante os primeiros anos o esboo visuoespacial foi pouco estudado e uma

    maior nfase era atribuda ala fonolgica, em parte por os processos verbais serem

    mais acessveis investigao e pelo volume de conhecimento cientfico que j havia

    sido produzido sobre memria verbal de curto prazo na poca (Baddeley, 2012). Uma

    das dificuldades para investigar caractersticas do esboo visuoespacial que seu

    desempenho pode ser mascarado pelo uso do ensaio subvocal da ala fonolgica, que

  • 22

    facilita a manuteno do estmulo e transfere o armazenamento da informao do

    esboo visuoespacial para a ala fonolgica. Estudos de Kroll et al. da dcada de 70

    utilizando supresso articulatria interromperam a subvocalizao dos nomes dos

    cdigos no julgamento de letras e chegaram a concluso de que o cdigo fonolgico

    suplanta o visual (Baddeley, 2012). Outros autores apontam ainda que a dificuldade

    para acessar o esboo visuoespacial pode ser justificada pelo envolvimento de dois

    processos distintos, o visual e o espacial, o que o torna bastante complexo (Huntley &

    Howard, 2010). Alm disto, as tarefas propostas para mensurar esses dois

    subcomponentes ainda so escassas e implicam o envolvimento simultneo de outros

    componentes da memria operacional, como a ala fonolgica e o executivo central,

    havendo dificuldade para isol-lo por completo (Huntley & Howard, 2010).

    O teste mais utilizado em pesquisas para mensurar desempenho em MO

    visuoespacial o Teste Cubos de Corsi (Milner, 1971; Iachini, Ivarone, Senese,

    Ruotolo, & Ruggiero, 2009). Della Sala, Gray, Baddeley, Allamano & Wilson (1999),

    verificaram que o padro de span visual est dissociado do span espacial no Corsi, com

    alguns pacientes apresentando comprometimento em um enquanto a capacidade do

    outro estava preservada. No mesmo estudo percebeu-se que a extenso de span visual

    pode ser impactada por uma demanda de processamento visual simultnea, enquanto o

    desempenho em tarefas predominantemente espaciais, como o Corsi, est mais

    suscetvel interferncia espacial.

    Um modelo de dissociao do processamento neural das informaes visual e

    espacial foi inicialmente proposto considerando a existncia de dois circuitos neurais

    centrais, especializados e independentes (Ungerleider & Mishkin, 1982). As

    informaes visuais como cor, forma, tamanho, luminosidade, necessrios ao

    reconhecimento de objetos seriam processados pelo circuito ventral, do crtex

    occiptotemporal at o crtex pr-frontal ventral, passando pela regio temporal anterior,

    chamado de What pathway, ou caminho do o qu. Os dados espaciais seriam

    processados pelo circuito dorsal, denominado de Where pathway, que partiria

    tambm do crtex occiptotemporal, mas tomaria curso pelo lobo parietal at chegar ao

    crtex pr-frontal dorsolateral. Esta via estaria envolvida no processamento de

    informaes espaciais, como localizao, distncia, profundidade, e de navegao,

    relativas movimentao do corpo ou de objetos no espao (Ianchini, Iavarone, Senese,

  • 23

    Ruotolo, & Ruggiero, 2009; Milner & Goodale, 2008). Esses circuitos foram

    originalmente identificados em macacos como duas vias anatomicamente e

    funcionalmente distintas, aps leses nos fluxos ventral e dorsal produzirem prejuzos

    seletivos na viso para objetos e na viso espacial, respectivamente. Em 2011, Kravitz,

    Saleem, Baker e Mishkin propuseram uma atualizao da estrutura neural para

    processamento visuospatial na qual o componente parietal do original circuito dorsal

    funciona como um nexo neural da funo visuospatial, inserindo um conjunto de vias de

    mediadoras da percepo espacial e da ao guiada pela viso, que envolve mltiplas

    reas corticais dos lobos frontais, temporais e regies lmbicas. Essa atualizao alterou

    fundamentalmente a caracterizao do sistema dorsal, de finalidade nica, que passa a

    ser um sistema multifacetado. Essas novas evidncias neurofuncionais no desfazem a

    hiptese de especificidade do armazenamento de informaes visuais e espaciais no

    esboo visuoespacial. No entanto, vm apresentar substratos orgnicos que podem

    explicar como ocorre a integrao das informaes visuais e espaciais, mecanismo

    subjacente formao de memrias complexas como a sustentao temporria da

    localizao de objetos e pessoas em um ambiente.

    Figura 2. Esquema representativo do Modelo original de Memria Operacional

    elaborado Baddeley & Hitch (1974). Adaptado de Baddeley (2012).

    Ao longo dos anos, o modelo de MO inicialmente proposto tambm precisou

    passar por modificaes e atualizaes (Baddeley, 2012) passando a incorporar

    fenmenos como a comunicao da MO com a memria de longo prazo, o

    funcionamento interdependente dos subcomponentes passivos, como na

  • 24

    correspondncia do som de uma letra (informao fonolgica) com a identificao

    visual do smbolo (informao visual) e sua localizao em uma pgina (informao

    espacial), os quais sugeriam a existncia de integrao entre as informaes de fontes

    diferentes (Logie, Della Sala, Wynn & Baddeley, 2000). As atualizaes do modelo

    buscaram explicar tambm porque havia aumento significativo na capacidade de

    recordao de estmulos integrados a um contexto, como palavras apresentadas em

    frases, em relao capacidade de recordao de estmulos isolados, como palavras no

    relacionadas, o que sugeria que a agregao de informaes parecia aumentar a

    capacidade limitada de armazenamento na MO (Baddeley, 2002; Canrio & Nunes,

    2012).

    A verso atual do modelo (Baddeley, 2000) introduziu um quarto

    subcomponente, denominado retentor episdico, que funciona como um armazenador

    temporrio de representaes integradas de informaes multimodais, de natureza

    fonolgica, visual, espacial e, possivelmente, provenientes de outras fontes sensoriais,

    no cobertas pelos sistemas passivos (Figura 3). O retentor episdico tambm

    responsvel pelas associaes entre informaes atuais da MO e a memria de longo

    prazo (Baddeley, 2000). Essas funes de integrao e armazenamento de informaes

    provenientes de diferentes fontes no formato de cdigos multidimensionais e de

    associao com conhecimentos cristalizados (Baddeley, 2012, 2000; Baddeley,

    Eyesenck & Anderson, 2011) possibilitam que a vivncia de mundo seja experimentada

    como episdios unificados, complexos e permanentemente atualizados. O retentor

    episdico tem capacidade limitada e dependente do funcionamento do executivo

    central, sobretudo quando a integrao dos estmulos um processo consciente,

    dependente de recursos atencionais (Canrio & Nunes, 2012).

  • 25

    Figura 3. Modelo multicomponente de Memria Operacional adaptado de Baddeley

    (2000, 2011).

    O retentor episdico desempenha seu papel por meio de dois processos

    cognitivos principais: o chunking e o binding (Baddeley, 2012). O chunking descrito

    como processo atravs do qual os estmulos so agrupados em unidades maiores de

    informao, como na sucesso de palavras para produo de frases, ou na sequenciao

    de dgitos para formar nmeros com vrias casas decimais (Baddeley, 2002; Canrio &

    Nunes, 2012). Essa integrao de dados ocorre com maior frequncia por efeito

    semntico (Germano, Kinsella, Storey, Ong & Ams, 2008). O agrupamento dessas

    informaes em unidades maiores potencializa a capacidade de armazenamento,

    tornando a codificao mais econmica em termos de recursos atencionais e executivos.

    O chunking seria o mecanismo que explicaria o fato da amplitude de MO (span) verbal

    ou visuoespacial aumentar medida que os estmulos esto interligados, dependentes

    um do outro para formao de um novo dado, com significado prprio (Logie et al.,

    2000).

    O binding o efeito responsvel pela representao conjugada de diferentes

    elementos, unindo partes, que podem ser objetos ou eventos, em contedos unificados,

    como acontece quando percebemos uma cor vinculada a uma forma ou um nome

    associado a um rosto. (Zimmer et al., 2006; Treisman & Gelade, 1980). O binding como

    efeito do retentor episdico o recurso cognitivo responsvel pela sustentao

  • 26

    temporria de uma conexo entre informaes de natureza semelhante ou diferente, o

    que acontece, no cotidiano quando preciso recordar em que local um objeto foi

    guardado ou recordar o nome de algum ao reconhecer seu rosto ou ao ouvir sua voz

    (Corder, Vasques, Garcia, & Galera, 2012). Essa vinculao pode ocorrer entre

    informaes temporrias da MO com dados da memria de longo prazo, processo

    necessria para o reconhecimento de objetos, nomeao e demais associaes que

    podem ser estabelecidas em funo de aprendizagens prvias, j cristalizadas, como

    aquisio da linguagem e a familiaridade com objetos, lugares e eventos.

    O efeito binding na MO pode ocorrer em diferentes nveis cognitivos, desde o

    nvel perceptual at a elaborao de agrupamentos complexos na memria (Murre,

    Wolters & Raffone, 2006; Tulving, 2002; Treisman & Gelade, 1980). Em nvel

    perceptual, ocorre de forma menos consciente e com menor demanda de recursos

    atencionais, so automticos e mais frequentes para contedos j consolidados nas

    memrias de longo prazo. Porm, para a elaborao de agrupamentos complexos e

    inditos na memria operacional, que dependem do funcionamento do executivo central

    (Treisman & Gelade, 1980; Parra et al., 2009a), o efeito binding no ocorre de maneira

    automtica, envolve esforo consciente, controle atencional e parece demandar mais

    espao da MO, reduzindo a amplitude da capacidade de armazenamento, manipulao e

    recordao (Allen, Baddeley, & Hitch, 2006).

    A noo de que o binding um processo dependente de recursos atencionais foi

    investigada adicionando tarefas concorrentes, como contagem de nmeros, durante a

    apresentao dos estmulos, com o intuito de reduzir os recursos executivos disponveis

    para a realizao da tarefa de memorizao dos bindings. O impacto dessa sobrecarga

    de processamento nas tarefas de recordao de itens integrados de forma e cor parece

    no ser maior que sobre a memria para itens isolados (Allen et al. 2006; Allen, Hitch,

    Mate, & Baddeley, 2012; Brown & Brockmole, 2010). Baddeley, Allen, e Hitch (2011)

    acreditam que no h envolvimento atencional no processo de formao de bindings na

    MO quando as conjunes so realizadas de forma automtica, em nvel perceptual,

    envolvendo processamento passivo, dependente do retentor episdico, mas que esse

    processo no excluiria a existncia do binding como um processo ativo, dependente de

    esforo cognitivo. H a hiptese de existncia de um binding intrnseco, entre elementos

    que fazem parte de uma mesma unidade, como um objeto, e de um binding extrnseco,

  • 27

    no automtico, responsvel pela conjuno entre elementos contextuais distintos que

    juntos formariam um episdio complexo (Ecker, Maybery, & Zimmer, 2012). Moses e

    Ryan (2006) utilizaram anteriormente outra nomenclatura para essa mesma

    classificao, chamando de bindings conjuntivos aqueles que resultam em

    representaes integradas de caractersticas que s podem ser acessados em conjunto,

    como um objeto ou uma unidade, e de bindings relacionais, aqueles que representam

    informaes que podem ser recordadas em conjunto ou separadas, como objetos e suas

    localizaes. Alm do processo de formao dos bindings, o processo de sustentao da

    informao integrada na MO tambm parece depender de recursos atencionais, uma vez

    que informaes visuais como cor, forma e localizao so armazenadas em diferentes

    locais (Brown & Brockmole, 2010; Fougnie & Marois, 2009). Diante da complexidade

    e diversidade de formas de binding no possvel generalizar resultados de pesquisas

    para todas as condies, sendo necessrio cautela para separao de dados relativos a

    bindings entre identidade e localizao, entre caractersticas dentro de uma mesma

    dimenso, como associao de cor com cor, entre diferentes objetos e dados do

    contexto, pois eles parecem repousar em processos cognitivos distintos (Ecker,

    Maybery, & Zimmer, 2012).

    Memria Operacional, Envelhecimento e Doena de Alzheimer

    A capacidade de MO para informaes visuais vem sendo estimada e discutida

    ao longo dos anos. Embora haja divergncia em relao quantidade de objetos ou de

    informaes que uma pessoa capaz de reter simultaneamente na memria em um curto

    espao de tempo, parece consensual que tanto o processamento da informao visual e o

    nmero de informaes visuais impem limites capacidade da MO visual. Verificou-

    se que essa capacidade de reteno seria restrita a algo em torno de quatro objetos ou

    cores de uma s vez (Luck & Vogel, 1997; Cowan, 2001), o que parece se aplicar para a

    sustentao de informaes integradas, como informaes de cor e orientao de objetos

    (Luck & Vogel, 1997), sugerindo que a capacidade de MO visual deve ser

    compreendida e estudada em termos de representaes integradas mais do que em

    termos de objetos e caractersticas individualizadas. Alvarez & Cavanagh (2004)

    afirmam que embora estudos prvios tenham fixado a capacidade de MO visual em

  • 28

    quatro objetos, h uma variabilidade grande dessa capacidade em funo da natureza

    dos estmulos que so processados, encontrando-se uma mdia de 1,6 para cubos e 4,4

    para cores, chegando concluso de que quanto maior for a demanda de processamento

    da informao, menor ser a quantidade de itens que sero retidos na MO, sugerindo

    portanto que quanto mais complexo o estmulos visual, menor a capacidade de MO.

    Cowan et al. (2006) relataram resultados de estudos longitudinais realizados na

    dcada de 80 sobre a MO ao longo da vida adulta utilizando testes neuropsicolgicos

    clssicos. Em um deles, Parkinson, Inhman e Dannenbaum (1985) encontraram queda

    de 6,6 dgitos para 5,8 ao longo da vida adulta, utilizando o Span de Dgitos direto. Em

    outro estudo, Spinnler, Della Salla, Bandera e Baddeley (1988) utilizaram o teste Cubos

    de Corsi e encontraram uma diminuio span visuoespacial de 5,1 para 4,7 blocos

    durante a vida adulta, perdas consideradas relativamente pequenas. Esse declnio pode

    estar associado diminuio da capacidade para inibir estmulos concorrentes ou

    irrelevantes com a idade, o que traz menor concentrao e menor potencial para

    recuperar informaes essenciais (Baddeley, Eyesenck & Anderson, 2011). O

    desempenho inferior pode ainda refletir uma dificuldade para dividir a ateno entre

    processamentos mltiplos ou uma sobrecarga na quantidade de estmulos de uma tarefa,

    que ultrapassa o span mximo, ou pode ser causado pela diminuio da velocidade de

    processamento, pois h evidncias de que, quando o tempo levado em considerao

    em tarefas que requerem manipulao de informaes, os resultados podem ser

    atenuados (Maylor, 1999; Salthouse, 1996b).

    Todas essas hipteses sugerem um declnio na eficincia do executivo central,

    responsvel pelo processamento ativo das informaes na MO (Mayr, Kliegl, &

    Krampe, 1997) e no exatamente uma diminuio na capacidade de armazenamento

    passivo. As diferenas no desempenho de adultos jovens e idosos em tarefas

    visuoespaciais mais ativas corroboram a ideia de que o envelhecimento traz uma

    reduo da capacidade de manipular e transformar a informao visuoespacial para

    realizar tarefas (Iachini, Poderico, Ruggiero, & Iavarone, 2005). Essas perdas em

    eficincia atencional e de memria operacional visuoespacial com a idade foram

    observadas em prejuzos significativos em tarefas de rotao mental de imagens visuais,

    de sequncia temporal-espacial inversa e de inferncia de novas informaes espaciais

    (Iachini, Ruggiero, Ruotolo, & Pizza, 2008).

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    Iachini et al. (2005) compararam duas hipteses gerais sobre o declnio

    cognitivo associado ao envelhecimento saudvel: a viso da Lentificao e viso da

    Diminuio de Recursos. De acordo com a primeira, a velocidade de processamento

    cognitivo o principal mediador do envelhecimento cognitivo, desencadeando efeitos

    globais e uniformes sobre o funcionamento cognitivo (Salthouse, 1996a). De acordo

    com a segunda viso, o declnio cognitivo associado idade consequncia da reduo

    de recursos bsicos de processamento, tais como ateno e memria operacional (Light,

    1991). Esta hiptese prev efeitos mais seletivos da idade sobre o desempenho

    cognitivo, dependentes da complexidade das tarefas.

    Esses prejuzos executivos em tarefas de MO, como dividir a ateno e

    manipular informaes, aparecem mais pronunciados na DA, impactando na realizao

    de tarefas cotidianas, como andar e conversar simultaneamente, manter uma

    conversao com mltiplos interlocutores ou arrumar a mala para viagem, j nos

    estgios iniciais da doena (Huntley & Howard, 2010). Embora pesquisas j tenham

    identificado pequena reduo na capacidade de armazenamento passivo da ala

    fonolgica e do esboo visuoespacial associada DA (Filgueiras et al., 2013), o que

    parece declinar nas fases mais avanadas da doena, o executivo central e

    principalmente o retentor episdico parecem ficar estar prejudicados precocemente na

    doena, mas ainda no possvel afirmar em que fase da doena esses prejuzos se

    estabelecem, sobretudo pela diversidade das amostras e mtodos dos estudos.

    Alm disso, MO para informaes visuoespaciais est associada construo e

    evocao de imagens mentais e processos complexos no verbais que exigem

    associaes com a memria episdica, vulnervel ao processo de envelhecimento, e,

    sobretudo DA. Esta uma memria contextual que norteia as lembranas e as

    narrativas de eventos vividos e conhecidos, situando-os em um contnuo temporal e

    espacial, dependendo, portanto da integridade das habilidades visuoespaciais para estar

    intacta (Ianchini et al., 2009; Tulving, 1972) Estudos sugerirem que a idade afeta em

    maior proporo as informaes contextuais de memrias episdicas que o contedo da

    mensagem