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INTRODUO

A Educao Infantil, nos ltimos anos, apresenta-se cada vez mais em destaque no cenrio educacional. Esta importncia observa-se no crescente interesse em estudos acerca da temtica, na legislao e tambm na promoo de polticas pblicas para esse segmento da Educao Bsica. Exemplo disso emerge na mais recente alterao da LDB 9394/96 que versa sobre a obrigatoriedade da matrcula de crianas de 04 e 05 anos nas instituies de Educao Infantil.

O trabalho com as crianas pequenas de 0 a 5 anos e 11 meses - nas instituies de Educao Infantil tem suas singularidades e necessita de conhecimentos e orientaes especficas a essa faixa etria. Sendo assim, o entendimento de conceitos importantes como os de criana, de infncia e do brincar devem estar presentes na formao dos profissionais que trabalham com esses pequenos, para a promoo de uma Educao Infantil verdadeiramente de qualidade.

O tema da brincadeira livre insurge na discusso acerca de uma Educao Infantil de qualidade, na medida em que proporciona criana expresso da espontaneidade e a imerso no mundo do faz de conta prprio desta faixa etria, contribuindo significativamente para o desenvolvimento infantil.

Quando pensamos em brincadeira, imediatamente nossa memria nos remete a nossa infncia. A criana e o brincar so elementos intrinsecamente ligados, cujas concepes envolvendo o seu entendimento e significado se transformaram, ao longo do tempo, e refletem sempre o pensamento e a ideologia de sua poca.

O brincar sempre esteve presente na minha infncia. Fui uma criana feliz, que aproveitou essa etapa to importante da vida. Acredito que essas vivncias da infncia foram de suma importncia no s na minha vida pessoal e na minha formao profissional, mas tambm para a minha compreenso de que o brincar imprescindvel no desenvolvimento infantil.

Durante a formao do Magistrio e todo o curso de Pedagogia trabalhei com crianas, principalmente no Ensino Fundamental, e apesar da Educao Infantil estar pouco presente neste perodo, sempre teve de mim uma ateno especial.

Ao participar do Proinfantil (Programa de Formao Inicial para Professores em Exerccio na Educao Infantil) como tutora, foi que meu encantamento e paixo pela Educao Infantil se consolidaram, pois neste programa pude dedicar-me mais aos conhecimentos relacionados criana e infncia, conhecer pessoas interessadas e tambm apaixonadas por este segmento, alm de conhecer instituies onde a Educao Infantil era vivenciada na sua essncia.

Dessa forma, a partir da comecei a validar cada vez mais a importncia da Educao Infantil na formao do indivduo, o quanto a participao da criana efetivamente, como sujeito de direitos, nesta etapa educacional fundamental na promoo da infncia e o quanto o brincar se torna uma experincia significativa neste processo.

Nesse sentido, surgiu o interesse em direcionar minha formao acadmica para o trabalho com as crianas pequenas, vendo neste curso de especializao em docncia na Educao Infantil a oportunidade de ampliar, aprofundar meus conhecimentos e poder dedicar-me integralmente a este segmento da educao bsica.

Considero a Educao Infantil importante no s para o sucesso na continuidade dos estudos das crianas, mas para sua formao integral para a vida e o brincar como experincia essencial para essa formao. Por isso, a brincadeira, em especial a brincadeira livre, foi escolhida como temtica central desta pesquisa.

O brincar livre despertou minha ateno desde a visita s creches e as observaes das prticas das cursistas (professoras de creches comunitrias) que participavam do Proinfantil, as quais eram de minha responsabilidade como tutora neste programa. A espontnea alegria das crianas, alm das interaes, expresses e falas das mesmas expressas naqueles momentos me deixavam encantada.

Todavia, foi acompanhando a rotina das turmas de Educao Infantil da escola onde trabalho como Coordenadora Pedaggica, na qual a forma como a brincadeira livre estava presente despertou o meu interesse para esta pesquisa, pois percebi que a mesma era percebida de forma diferenciada pelas professoras e no era valorizada por todas elas, sendo utilizada muitas vezes para passar o tempo, no sendo reconhecida como um momento de aprendizado. Sabemos que os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educao Infantil (1998) em seu volume de introduo ressaltam a importncia da brincadeira, citando diversas contribuies desta ao para o desenvolvimento da criana, como, por exemplo, quando indica como um dos princpios que devem embasar as experincias de Educao Infantil o direito das crianas a brincar, como forma particular de expresso, pensamento, interao e comunicao infantil (p.13). Tanto os Referenciais como outros documentos (Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Infantil, Parmetros Nacionais de Qualidade da Educao Infantil), relacionados Educao Infantil do nfase ao brincar, demonstrando dessa forma o destaque que esta atividade deve ter neste segmento da Educao Bsica. Com as orientaes dos Referenciais Nacionais e a divulgao de diversos estudos acerca dessa temtica, observo que a brincadeira est cada vez mais presente nas escolas, mas se percebe que em algumas prticas de sala de aula essas brincadeiras geralmente esto muito direcionadas pelo adulto, limitadas no seu espao, nos seus recursos, no seu movimento.Outro fato importante, que deve ser ressaltado, que muitas vezes em que a brincadeira livre est presente na rotina da escola o cuidado referente aos desentendimentos entre as crianas ou aos possveis acidentes revelam-se mais preocupantes para a professora, deixando de lado uma observao importante em relao ao desenvolvimento dos alunos ou at mesmo na participao dela nessa brincadeira, nesse faz de conta que pudesse ampli-lo, enriquec-lo no seu significado.

Nesse sentido, torna-se necessrio que o professor conhea e reconhea a importncia da brincadeira livre na Educao Infantil para poder proporcionar aos seus alunos momentos prazerosos e ricos de aprendizagem e interao.Considerando a importncia do brincar livre para o desenvolvimento da criana e sabendo que este deve estar presente nos CMEIs (Centro Municipais de Educao Infantil) e nas escolas que ofertam Educao Infantil, esta pesquisa pretendeu analisar a importncia atribuda por crianas e professoras brincadeira livre na Educao Infantil. E, para tanto, os objetivos especficos foram:

reconhecer a importncia da brincadeira livre para crianas na Educao Infantil;

compreender como o brincar livre est presente no cotidiano de quatro turmas da Educao Infantil, grupo 4 e 5; diferenciar a brincadeira livre das outras formas de brincar;

conhecer e analisar as concepes dos docentes a respeito da brincadeira livre na Educao Infantil.Vale ressaltar que o brincar algo inerente infncia e deve estar tambm presente na escola de Educao Infantil, pois sua contribuio ao desenvolvimento da criana evidente e est divulgada em diversos trabalhos referentes a esta temtica. Sabemos que o brincar proporciona sensaes e experincias nicas, singulares que permitem criana vivenciar situaes diversas cotidianas, alm de propiciar o entretenimento e a explorao do mundo que a cerca.O papel da Educao Infantil no desenvolvimento da criana e consequentemente na sua vida escolar tm sido ao longo dos tempos alvo de muitas discusses no cenrio educacional. O resgate histrico envolvendo os cuidados com a criana pequena evidencia os diferentes enfoques dados funo deste segmento, que perpassa pelo assistencialismo, pela ao compensatria e pela escolarizao antecipada.

Esse caminho percorrido pelo entendimento acerca do propsito da Educao Infantil transformou-se com o passar do tempo, de acordo com as vivncias e pensamentos vigentes da poca. Contudo, infelizmente, na atualidade, presenciamos instituies e professores que contribuem para que essas prticas ultrapassadas ainda coexistam com prticas mais contemporneas.

Atualmente, mesmo com a nova legislao, os documentos orientadores e os reconhecidos avanos a respeito das pesquisas e estudos mostrando a riqueza de aprendizagens em torno do brincar e da efetiva vivncia da infncia, ainda encontramos nas instituies que ofertam a Educao Infantil trabalhos com nfase nos cuidados e na assistncia ou limitado a trabalhos repetitivos, voltados para a alfabetizao e a antecipao da escolarizao.A questo em relao antecipao da escolarizao e o foco na alfabetizao fica ainda mais evidente no grupo 5, que representa o ltimo ano da Educao Infantil e etapa anterior entrada no Ensino Fundamental de 9 anos, restringindo mais as atividades que envolvem a brincadeira, principalmente a brincadeira livre que parece no ter muito sentido para alguns professores.Alm disso, inicialmente, para investigar o que pensam os professores da Educao Infantil em relao brincadeira livre, comecei a buscar pesquisas envolvendo o brincar, e percebi que a maioria dos trabalhos acadmicos referentes a este tema so da rea da Psicologia ou ento relacionadas ao trabalho com crianas com deficincias. Da emerge a necessidade de um olhar pedaggico, principalmente relacionado brincadeira livre, o qual pouco aparece nas pesquisas relacionadas ao tema explicitamente.

Em muitas pesquisas e estudos referentes Educao Infantil, os termos brincar e brincadeira esto presentes relacionados ao desenvolvimento infantil, isso devido relao direta da ao do brincar com a criana pequena. Como destaca os Referenciais: As crianas possuem uma natureza singular, que as caracteriza como seres que sentem e pensam o mundo de um jeito muito prprio. (BRASIL, 1998, p.21)

Na produo do seu trabalho Carvalho (2005) citando Wajskop (1996) afirma que se as instituies fossem organizadas em torno do brincar infantil, elas poderiam cumprir suas funes pedaggicas, privilegiando a educao da criana em uma perspectiva criadora, voluntria e consciente.

Ainda em seu artigo denominado Brincar e educao: concepes e possibilidades Carvalho (2005) apresenta uma pesquisa onde analisou as relaes existentes entre o contexto das instituies educativas e o comportamento de brincar de seus educandos e, dentre outros achados, verificou-se que existia uma dicotomia, em relao ao brincar, entre a viso e a prtica dos profissionais. Isso demonstra que ainda a prtica no corresponde ao que os professores pensam e conhecem sobre a importncia do brincar.

Investigando o lugar do brincar nos programas contemporneos de Educao Infantil, Veale (2001 apud CARVALHO, 2005) observou que nas prticas educativas atuais no se encontra tempo para a realizao de um aprendizado pelo brincar, j que o processo de escolarizao e a preparao para a vida devem acontecer rapidamente. Ainda destaca que enquanto, na viso da criana, o brincar nunca desaparece, na documentao escrita presente nas instituies educativas a palavra brincar praticamente inexiste.

Dessa forma, vemos a divergncia no entendimento e interesse em relao ao brincar, onde as crianas priorizam o brincar sempre fazendo referncia a esta atividade diferindo das instituies educativas que quase a ignoram no registro dos seus documentos.

No artigo O brincar como portador de significados e prticas sociais Silva (2005) aborda as concepes sobre o brincar de trs professores da pr-escola, de uma instituio pblica, que lecionam para crianas na faixa etria de cinco anos. A partir de relatos dos docentes constata-se o (...) paradoxo nas narrativas no que diz respeito s concepes do brincar como espao de criao, de liberdade, fantasia e imaginao e, ao mesmo tempo, a ideia do brincar como estratgia pedaggica.

Estas concepes supracitadas demonstram que a compreenso dos professores necessita associar teoria e prtica, pensamento e ao, pois se fala e sabe que o brincar incentiva criao, a imaginao, a liberdade, mas as brincadeiras presentes nas suas prticas pedaggicas tm um planejamento determinado e o objetivo de trabalhar com certo contedo.

Infelizmente ainda encontramos essa valorizao equivocada acerca da escolarizao antecipada na Educao Infantil observada tambm por Veale (2001 apud CARVALHO, 2005) na sua investigao, onde o direito a infncia desrespeitado e o brincar deixado para segundo plano. Ainda no artigo Brincar e educao: concepes e possibilidades de Carvalho (2005) outros autores Jorge e De Vasconcellos (2000) enfatizam uma ambivalncia nas instituies educacionais. De um lado, tem-se o universo da brincadeira e, de outro lado, o universo do estudo, do trabalho e da seriedade. Assim, ou se estuda ou se brinca, havendo pouca interao entre estes dois aspectos.

Na pesquisa da Sommerhalder e Alves (2012) as anlises apontaram que os professores concebem o ldico como recreao ou instrumento pedaggico, sendo que quando recreao visto como passatempo, sem valor educativo. J como instrumento didtico para ensino de determinado contedo este sistematizado, racionalizado, valorizado.

Na maioria dos trabalhos observados, o brincar livre quase no aparece como temtica central, aparecendo apenas nas anlises e consideraes referentes ao brincar na Educao Infantil. Outro fato que chama a ateno a pouca ou quase nenhuma referncia a como as crianas veem a brincadeira na escola, pois na maioria das pesquisas s levado em considerao concepo das professoras.

Um dos trabalhos em que a fala das crianas merece destaque da pesquisadora a tese de doutorado de Martins (2009): A participao de crianas e professora na constituio da brincadeira na Educao Infantil, na qual a mesma analisou como a brincadeira acontece na escola e quais as concepes que crianas e professora tem sobre o brincar observando tambm como essas concepes interagem entre si.

Assim como a pesquisa citada anteriormente, esta ltima tambm revelou na anlise dos dados que a professora valoriza apenas aquela brincadeira planejada e dirigida por ela objetivando a aprendizagem e o treino de habilidades e a brincadeira livre tida como baguna. De acordo com a pesquisadora, as crianas brincam clandestinamente na sala quando possvel e, negam que a instituio um lugar que se brinca enquanto a professora afirma.

Dessa forma, observando as pesquisas, percebemos que a brincadeira livre tem cada vez menos espao na Educao Infantil, muitas vezes restringindo-se a momentos pontuais como no recreio, isso quando at este no , tambm direcionado.

Nesse sentido, revela-se a importncia da presente pesquisa na observao e verificao do lugar da brincadeira livre na rotina da Educao Infantil e de como os professores e as crianas concebem esta atividade. Por isso, pretendo com esta pesquisa responder a seguinte indagao: como a brincadeira livre percebida e valorizada pelas crianas e professoras nas turmas do grupo 4 e 5 de uma escola municipal de Salvador?

Para tanto, foi realizada uma pesquisa qualitativa inspirada na etnopesquisa crtica e multirreferencial nas turmas de Educao Infantil numa escola da Rede Municipal da periferia de Salvador, onde atuo como Coordenadora Pedaggica. Como instrumentos de coleta de dados foram realizadas observaes participantes do tipo completa (Macedo, 2004), entrevistas abertas e registros fotogrficos com as professoras e as crianas dos grupos 4 e 5.

Fundamentando teoricamente este trabalho, apresento trs captulos que subsidiaram as reflexes em relao temtica em questo: o brincar livre na Educao Infantil. No primeiro captulo, A criana, a infncia e o brincar, abordo os principais conceitos que fundamentam o presente trabalho: a criana, a infncia e o brincar falando da relao entre os mesmos historicamente, at os dias atuais.

O segundo captulo intitulado O brincar na Educao Infantil trata de como o brincar aparece ou pode ser vivenciado neste segmento da educao bsica, tendo como base os Referenciais Curriculares Nacionais da Educao Infantil. E o terceiro captulo Brincar livre: desenvolvimento e aprendizagem - o enfoque est na brincadeira livre e na importncia desta para o desenvolvimento e aprendizagem das crianas.

No captulo quatro falo da metodologia e da coleta de dados, destacando elementos considerados relevantes para a minha pesquisa e no ltimo captulo analiso os dados reunidos no contexto da pesquisa para, enfim concluir com as consideraes finais do trabalho.

1. A CRIANA, A INFNCIA E O BRINCARA criana, a infncia e o brincar so elementos essenciais para serem compreendidos ao estudarmos a brincadeira livre na Educao Infantil, pois as concepes destes elementos acabam subsidiando o entendimento sobre a Educao Infantil e como o brincar apresenta-se neste segmento da educao.

Os conceitos construdos sobre a infncia pela cultura interferem diretamente no comportamento das crianas, atuando como modelos nas formas de ser e agir, por isso a relao infncia, criana e o brincar refletem sempre o momento social e histrico vivenciado pela sociedade.

Kramer (2006), citando Aris, afirma que ... as vises sobre a infncia so construdas social e historicamente (p.14). E ainda que ... a insero concreta das crianas e seus papis variam com as formas de organizao da sociedade. Assim, a ideia de infncia no existiu sempre e da mesma maneira (p.14). Por isso, torna-se necessrio entendermos que viso permeia a ideia de infncia presente na Educao Infantil, para observarmos como a criana percebida neste contexto.

Alguns autores que falam da infncia iniciam suas produes apresentando a etimologia da palavra infncia (in-fans) com o sentido da no--fala para explicar historicamente como se refere a este conceito na sua origem. Como o caso de Pagni (2010): A origem etimolgica da palavra infncia proveniente do latim infantia: do verbo fari, falar especificamente, de seu particpio presente fan, falante e de sua negao in. O infans aquele que, como diz Gagnebin (1997, p. 87), ainda no adquiriu o meio de expresso prprio de sua espcie: a linguagem articulada. (p.100)

Nesse sentido, Oliveira (2011) em seu livro convida o leitor para uma reflexo com o seguinte questionamento: Infncia refere-se, ento, aos primeiros anos de vida, em que, mesmo quando a criana fala, sua fala no conta?(p.44). Assim parece que o significado da palavra faz sentido na atualidade quando, na maioria das vezes, a infncia ainda no escutada e a voz das crianas no levada em considerao nas proposies das aulas dos professores e, muito menos, na elaborao dos projetos polticos pedaggicos das instituies que ofertam a Educao Infantil.

Essa desvalorizao da fala da criana nos remete a viso desta h algum tempo, quando a mesma no era percebida nas suas particularidades e sim, vista como um adulto em miniatura, revelando dessa forma, como ressalta Kishimoto (2006), ... uma viso negativa: a criana um ser inacabado, sem nada especfico e original, sem valor positivo (p.19).

Voltemos aos estudos de ries, agora citado por Nascimento (2006), que destaca a existncia de infncias e no de um nico conceito de infncia devido aos diversos aspectos culturais, sociais, polticos e econmicos que abrangem essa etapa da vida e indicam a necessidade do rompimento com os padres relacionados concepo burguesa de infncia.

A ideia de infncia moderna foi universalizada com base em um padro de crianas das classes mdias, a partir de critrios de idade e de dependncia do adulto (...) (KRAMER, 2006, p.15). Dessa forma podemos pensar que com a diversidade de fatores que interferem na compreenso dessas vises sobre a infncia podemos reconhecer uma variedade de maneiras de perceber e vivenciar esta fase da vida.

Todavia, faz-se necessrio ns termos cincia de que vivemos numa sociedade desigual, na qual preciso atentar-se a diversidade de aspectos sociais, culturais e polticos existentes, principalmente no Brasil, um pas de dimenses continentais, em que as crianas vivem e desempenham papis diversos nos diferentes contextos.

Oliveira (2011) mostra que diferentes culturas apresentam ocupaes diversificadas para suas crianas pequenas, indicando que em certas culturas elas dedicam-se apenas ao jogo livre infantil, outras em ajudar a famlia nas tarefas domsticas, ou trabalhando para contribuir com o sustento da casa, pedindo esmolas na rua ou, precocemente, realizando atividades escolares em nveis mais adiantados (p.127).

Nesse sentido, concordo com Kramer (2006) quando diz que: Vivemos o paradoxo de possuir um conhecimento terico complexo sobre a infncia e de ter muita dificuldade de lidar com populaes infantis e juvenis (p.14). E, por que ser que isso acontece? Considero que a viso adultocntrica ainda prevalea, estando muito presente na maneira como conduzimos nossas aes e prticas relacionadas s crianas.

Contudo, vemos que, desde muito tempo, a compreenso do conceito de infncia vem se modernizando. J no sculo XVIII, Rosseau revolucionou a educao de seu tempo ao afirmar que a infncia no era apenas uma via de acesso, um perodo de preparao para a vida adulta, mas tinha valor em si mesmo (OLIVEIRA, 2011, p.65).

Assim devemos reconhecer a infncia com seu prprio valor, suas caractersticas e habilidades peculiares, reconhecendo, como destaca Kramer (2006):

... O que especfico da infncia: seu poder de imaginao, a fantasia, a criao, a brincadeira entendida como experincia de cultura. Crianas so cidads, pessoas detentoras de direitos, que produzem cultura e so nela produzidas. Esse modo de ver as crianas favorece entend-las e tambm ver o mundo a partir do seu ponto de vista (p.15).

Outros aspectos vm, ao longo do tempo, influenciando as explicaes sobre o desenvolvimento humano, sobretudo os aspectos polticos, que de acordo com Oliveira (2011) influenciaram as orientaes relacionadas como cuidar e educar as crianas.

A questo da moralidade religiosa j inspirou a educao infantil h tempos, sendo depois substituda por discursos mdicos que se utilizavam de prticas sanitrias, principalmente envolvendo a populao de baixa renda, para orientar as prticas educativas e depois da II Guerra Mundial foram as ideias da psicologia e da psicanlise que estiveram em evidncia.H que reconhecer, no entanto, que, apesar de as teorias psicolgicas serem extremamente teis para descrever e explicar o desenvolvimento humano, elas no do conta de orientar diretamente questes pedaggicas em creches e pr-escolas. (OLIVEIRA, 2011, p.128).

Vale ressaltar que tambm aspectos sociais, culturais e econmicos interferem no modo como compreendemos o desenvolvimento humano e, por conseguinte, a forma como educamos nossas crianas.

Agora falando das contribuies da psicologia acerca do entendimento do desenvolvimento humano, sabemos que duas correntes se destacaram nesta explicao: a inatista, onde os fatores hereditrios so decisivos no desenvolvimento; e a ambientalista, cujo principal elemento de determinao do desenvolvimento humano o ambiente. Ambas as correntes citadas influenciaram e ainda influenciam diretamente a Educao Infantil, mas a vertente que est mais presente nas propostas pedaggicas atuais a corrente interacionista.

De acordo com Oliveira (2011), o interacionismo surgiu devido ao impasse entre as posies anteriores, defendendo a existncia de uma relao de recproca constituio entre indivduo e meio, em que: (...) O desenvolvimento humano no decorre da ao isolada de fatores genticos que buscam condies para o seu amadurecimento, nem de fatores ambientais que agem sobre o organismo, controlando seu comportamento. Decorre, antes, das trocas recprocas que se estabelecem durante toda a vida entre indivduo e meio, cada aspecto influindo sobre o outro. (p.130) Vygotsky e Wallon foram dois pesquisadores interacionistas que se destacaram com trabalhos na linha scio-histrica e apresentaram grandes contribuies compreenso referente forma de ser e se modificar da criana, influenciando significativamente os atuais pesquisadores da rea de Educao Infantil.

Conforme Vygotsky: (...) a construo do pensamento e da subjetividade um processo cultural, e no uma formao natural e universal da espcie humana. Ela se d graas ao uso de signos e ao emprego de instrumentos elaborados atravs da histria humana em um contexto social determinado. (OLIVEIRA, 2011, p.131) E de acordo com Wallon:

(...) toda pessoa constitui um sistema especfico e timo de trocas com o meio. Tal sistema integra suas aes num processo de equilbrio funcional que envolve motricidade, afeto e cognio, mas no qual, em cada estgio de desenvolvimento, uma forma particular de ao predomina sobre as outras (OLIVEIRA, 2011, p.134).

Assim como as teorias psicolgicas influenciaram o pensamento relativo educao como um todo e, por conseguinte, a Educao Infantil, aquelas tambm validaram a importncia do brincar nesse contexto, principalmente no que diz respeito educao das crianas pequenas.

Para falar dessa validao, importante antes fazer um breve resgate histrico do papel da brincadeira na Educao Infantil, comeando pela Antiguidade, onde ries, (apud WAJSKOP, 1995) revela que crianas e adultos participavam das mesmas festas, dos mesmos ritos e das mesmas brincadeiras como forma de divertimento e aproximao, unio da sociedade.

Durante a Idade Mdia, segundo Kishimoto (2006), o jogo foi considerado, por alguns, como algo no-srio, pela sua relao com o jogo de azar sendo proibidos e recriminados pelos moralistas e pela igreja. Ainda de acordo com essa autora, j durante o Renascimento, a brincadeira passou a ser vista como conduta livre que favorece o desenvolvimento da inteligncia e facilita o estudo (p.28). Tal forma de perceber o jogo est relacionada com a nova percepo da infncia que comea a constituir-se no Renascimento: a criana dotada de valor positivo, de uma natureza boa, que se expressa espontaneamente por meio do jogo, perspectiva que ir fixar-se com o Romantismo. (KISHIMOTO, 2006, p. 29)Aps o Romantismo, pressupostos biolgicos e psicolgicos influenciaram o pensamento de muitos estudiosos como Groos, Claparde, Frobel, Montessori, Dcroly, Dewey e Piaget dentre outros, que tiveram no movimento da Escola Nova suas ideias mais difundidas na Educao Infantil do Brasil nas dcadas de 20 e 30 contribuindo para (...) a constituio de uma criana que se define socialmente pelo no-trabalho e pelo brincar ativo. (WAJSKOP, 1995, p.64)Wajskop (1995) ainda destaca que depois dos anos 70, os pensamentos desses autores transformaram-se em meros instrumentos didticos devido a priorizao dos programas de educao compensatria da poca e diz ainda que:

Podemos observar, mais recentemente, uma tendncia das pr-escolas brasileiras a utilizar materiais didticos, brinquedos pedaggicos e mtodos ldicos de ensino e alfabetizao, cujos fins encontram-se no prprio material (...).

Assim, a maioria das escolas tem didatizado a atividade ldica das crianas, restringindo-a a exerccios repetidos de discriminao visomotora e auditiva, mediante o uso de brinquedos, desenhos coloridos e mimeografados e msicas ritmadas. Ao fazer isso, bloqueia a organizao independente das crianas para a brincadeira, infantilizando-as, como se sua ao simblica servisse apenas para exercitar e facilitar (para o professor) a transmisso de determinada viso do mundo, definida a priori pela escola. (WAJSKOP, 1995, p.64) Dessa forma, vemos com este resgate histrico que, apesar dos avanos significativos nos estudos acerca da Educao Infantil, ainda convivemos com ideias e prticas que no correspondem s demandas reais necessrias a criana de hoje. E, que realmente no devemos falar de uma infncia nica pautada somente numa determinada poca, cultura e sociedade, e sim de infncias. 2. O BRINCAR NA EDUCAO INFANTILNa maioria das vezes, quando se fala em Educao Infantil, o brincar est sempre presente; isso porque a brincadeira uma ao prioritariamente da infncia e inerente ao processo de desenvolvimento das crianas.Por isso, Brougre (1998) na introduo do seu livro Jogo e educao sinaliza:

Atualmente, temos o hbito de associar as noes de educao e jogo e isso, para ns, parece fazer sentido. Normalmente dizemos que o jogo um meio pedaggico, que todo brinquedo educativo, que a escola maternal uma escola onde se brinca. (p.9)

Nesse sentido, ao pesquisar o brincar, atualmente, nos deparamos com uma diversidade de trabalhos acadmicos, publicaes e documentos referentes a esta temtica, com variedade de enfoques relacionados importncia desta atividade na formao da criana, principalmente no que diz respeito Educao Infantil.

Historicamente, este segmento da educao passou por diversas mudanas, sendo que, at meados do sculo XIX, praticamente inexistiam instituies para o atendimento de crianas pequenas no Brasil. S a partir da Constituio de 1988, com o reconhecimento da educao em creches e pr-escolas como direito da criana e dever do estado, e da aprovao da LDB 9394/96, que estabelece a Educao Infantil como etapa inicial da Educao Bsica, (Oliveira, 2011) foi que a educao de crianas pequenas comeou a ter uma maior ateno por parte da sociedade.

Segundo Oliveira (2011), a criao de creches, asilos e internatos, vistos na poca como instituies assemelhadas e destinadas a cuidar das crianas pobres. surgiram inicialmente no Brasil para acolher as crianas abandonadas. Depois o Movimento das Escolas Novas trouxe o jardim de infncia que dividiu opinies na poca, pois muitos o criticavam, afirmando que eram locais de mera guarda das crianas e outros defendiam pois trariam vantagens para o desenvolvimento infantil. (p.92) Assim, o carter assistencialista e compensatrio perdurou por algum tempo na funcionalidade das instituies que atendiam s crianas pequenas.

Depois da promulgao da LDB 9394/96, as discusses acerca da Educao Infantil intensificaram-se com a criao de fruns estaduais e regionais sobre o tema e, geraram mudanas e novas concepes. Assim, surgiu a necessidade da definio do Referencial Curricular Nacional e das Diretrizes Nacionais para a Educao Infantil, com o intuito de orientar os planejamentos e as propostas pedaggicas das instituies educacionais.Os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educao Infantil (1998) RCNEI - apresentam-se como uma das principais referncias, tratando-se dessa primeira etapa da Educao Bsica e tiveram no mago da sua construo a pretenso de indicar metas de qualidade, buscando uma ao integrada entre as brincadeiras, as atividades educativas e os cuidados com as crianas, colaborando para que elas tenham um desenvolvimento integral e os direitos infncia respeitados.

Alis, a LDB 9394/96, em seu Artigo 29, j preconizava, o desenvolvimento integral da criana em seus aspectos fsico, psicolgico, intelectual e social como finalidade da Educao Infantil, complementando a ao da famlia e da comunidade, demonstrando assim uma preocupao na qualificao deste segmento.

De acordo com os Referenciais, por meio das brincadeiras que as crianas demonstram as condies de vida a que esto submetidas, alm de seus anseios, desejos. E a instituio de Educao Infantil constitui-se um espao privilegiado para oferecer a essas crianas condies apropriadas para as aprendizagens que ocorrem nas brincadeiras e tambm aquelas relacionadas s situaes pedaggicas intencionais ou orientadas pelos adultos. Ao brincar, as crianas recriam e repensam aes, atitudes e acontecimentos expressivos para elas, dando significados diferenciados a gestos, falas, espaos e objetos que lhes so familiares, cientes de que esto realmente brincando. Citando os prprios referenciais essas significaes atribudas ao brincar transformam-no em um espao singular de constituio infantil. (BRASIL, 1998, p.27).

Os RCNEI (1998) ainda conferem destaque ao brincar como importante linguagem infantil e a sua contribuio no desenvolvimento da criana, principalmente no que se refere funo simblica, como segue:

A brincadeira uma linguagem infantil que mantm um vnculo essencial com aquilo que o no-brincar. Se a brincadeira uma ao que ocorre no plano da imaginao isto implica que aquele que brinca tenha o domnio da linguagem simblica. Isto quer dizer que preciso haver conscincia da diferena existente entre a brincadeira e a realidade imediata que lhe forneceu contedo para realizar-se. Nesse sentido, para brincar preciso apropriar-se de elementos da realidade imediata de tal forma a atribuir-lhes novos significados. Essa peculiaridade da brincadeira ocorre por meio da articulao entre a imaginao e a imitao da realidade. Toda brincadeira uma imitao transformada, no plano das emoes e das idias, de uma realidade anteriormente vivenciada. (BRASIL,1998, p.27)

Assim, o momento da brincadeira torna-se o momento em que as crianas podem experimentar o mundo e internalizar uma compreenso particular sobre as pessoas, os sentimentos e os diversos conhecimentos. (BRASIL, 1998, p. 28) E, dessa forma, conhecendo as contribuies do brincar, percebemos o quanto o mesmo vem ganhando espao e sendo cada vez mais valorizado nas rotinas da Educao Infantil.

A brincadeira acontece de diversas formas nas instituies de Educao Infantil de acordo com o espao, o tempo e os recursos disponveis, tambm conforme o pensamento que a escola e o educador tm acerca do brincar. Vale destacar que o projeto poltico pedaggico que revela esse pensamento da escola acerca da brincadeira e outras concepes e, nem sempre a prtica pedaggica das professoras esto em consonncia com o mesmo. importante salientar que, de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Infantil (BRASIL, 2010): As prticas pedaggicas que compem a proposta curricular da Educao Infantil devem ter como eixos norteadores as interaes e as brincadeiras (...) (p.25) Nos RCNEI (1998) as brincadeiras podem ser agrupadas em trs modalidades bsicas: o brincar de faz-de-conta ou com papis, o brincar com materiais de construo e o brincar com regras. Nesse caso o brincar relacionado ao faz-de-conta considerado por este documento como atividade fundamental da qual se originam as outras.

J Kishimoto (2006), no seu artigo O jogo e a educao infantil, elege como modalidades de brincadeiras presentes na Educao Infantil, alm da brincadeira de faz-de-conta e brincadeira de construo, o brinquedo educativo e as brincadeiras tradicionais infantis.Em todas essas modalidades o papel do professor essencial na estruturao e no desenvolvimento das brincadeiras, pois ele quem organiza e dispe dos recursos que faro parte e enriquecero a atividade objetos diversos, brinquedos, roupas, fantasias, jogos alm da proposio do espao e do tempo em que acontecer a brincadeira. Sendo assim, alm de participar da efetivao da brincadeira, o professor tem outro papel de fundamental importncia: o de observador, pois:

(...) por meio das brincadeiras os professores podem observar e constituir uma viso dos processos de desenvolvimento das crianas em conjunto e de cada uma em particular, registrando suas capacidades de uso das linguagens, assim como de suas capacidades sociais e dos recursos afetivos e emocionais que dispem. (BRASIL, 1998, p.28).

necessrio que o professor tenha conscincia do quo importante o seu papel tanto na proposio e planejamento das brincadeiras, como na observao e no acompanhamento destas, alm do conhecimento ou reconhecimento (...) que na brincadeira as crianas recriam e estabilizam aquilo que sabem sobre as mais diversas esferas do conhecimento, em uma atividade espontnea e imaginativa. (BRASIL, 1998, p.29).Vale ressaltar que tanto as brincadeiras dirigidas como as brincadeiras mais livres do faz-de-conta so significativas e colaboram com o desenvolvimento das crianas, mas possuem diferenas nas suas situaes de aprendizagem que no devem se sobrepor, nem substituir ou valorizar mais uma em detrimento da outra. Ambas devem estar presentes enriquecendo o cotidiano das turmas de Educao Infantil.

Nesse sentido, torna-se cada vez mais importante a valorizao da brincadeira no cotidiano da Educao Infantil, pois como destaca Oliveira (2011):

Ao brincar, afeto, motricidade, linguagem, percepo, representao, memria e outras funes cognitivas esto profundamente interligados. A brincadeira favorece o equilbrio afetivo da criana e contribui para o processo de apropriao de signos sociais. Cria condies para uma transformao significativa da conscincia infantil, por exigir das crianas formas mais complexa de relacionamento com o mundo. (p.164)Assim, percebe-se quo relevante para o desenvolvimento integral da criana a ao do brincar, sendo este um recurso bastante privilegiado que nos interfere diversos aspectos da sua constituio, contribuindo para a formao plena desse ser e por isso os docentes no devem desvalorizar esse importante aliado da sua rotina de trabalho na Educao Infantil.

Da a necessidade de conhecer mais os aspectos legais e as orientaes mais recentes relativas Educao Infantil, ressaltando o papel da brincadeira nesse contexto para ento poder reconhecer a importncia do brincar livre, que o objeto de estudo deste trabalho.

3. BRINCAR LIVRE: DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEMAtualmente, muitas propostas pedaggicas de instituies que atendem a Educao Infantil fundamentam-se na brincadeira e ressaltam a importncia da mesma como um recurso significativo para o desenvolvimento e a aprendizagem da criana pequena, principalmente a partir da divulgao das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Infantil (2010), que trazem a brincadeira como um dos eixos norteadores do currculo deste segmento.

Entretanto, apesar da crescente valorizao da brincadeira nos documentos, propostas e nas prticas dos espaos educativos infantis, ainda perceptvel equvocos na forma como a brincadeira compreendida e vivenciada em algumas instituies e por alguns professores. Ora vemos a brincadeira apresentada de maneira restrita, com limitao exagerada do tempo, do espao e dos recursos; ora como uma ao totalmente espontnea, para ocupar um tempo qualquer, ou ento sempre supervisionada e controlada por um adulto.

Sabemos que essas diversas formas de como as brincadeiras apresentam-se nas creches e pr-escolas tem a ver, como j foi abordado em captulos anteriores, com a viso que a instituio tem de criana, de infncia e do brincar. Assim, vale ressaltar a necessidade das prticas educativas estarem em consonncia com a proposta pedaggica vigente da escola e estar coerente com os documentos que regem a Educao Infantil.

Em relao ao brincar, alm da perspectiva histrica exposta no primeiro captulo deste trabalho, o conceito propriamente dito da palavra pode conter variedade de entendimentos que influenciam nas aes relacionadas, como ressalta Kishimoto (2006): Toda denominao pressupe um quadro sociocultural transmitido pela linguagem e aplicado ao real. (p.16).

Nesse sentido, a autora acima citada ainda afirma que (...) dependendo do lugar e da poca, os jogos assumem significaes distintas, (p.17) e, particularmente, no Brasil, termos como jogo, brinquedo e brincadeira ainda so empregados de forma indistinta, demonstrando um nvel baixo de conceituao deste campo. (p.17)

Assim, considero necessrio esclarecer a relao entre jogo e brincadeira, jogar e brincar, no intuito de evidenciar que em algumas leituras estes conceitos se aproximam, revelando-se at mesmo sinnimos enquanto em outros momentos se diferenciam, apresentando-se como termos diferentes.Dessa forma, priorizarei a utilizao do brincar e da brincadeira, contudo usarei jogo, jogo infantil respeitando o uso desses termos por determinados autores. Denominando jogo infantil, Kishimoto (2006) apresenta no primeiro captulo do livro do qual organizadora, Jogo, brinquedo, brincadeira e educao, trs concepes referentes relao entre o jogo infantil e a educao, presentes antes da revoluo romntica: (...) a recreao, o uso do jogo para favorecer o ensino de contedos escolares e diagnstico da personalidade infantil e recurso para ajustar o ensino s necessidades infantis. (p. 28)Ainda de acordo com esta autora e como j foi dito no primeiro captulo deste trabalho, desde a antiguidade o jogo percebido como recreao, (...) como relaxamento necessrio a atividades que exigem esforo fsico, intelectual e escolar. (p. 28). Nos dias de hoje, presenciamos esta concepo em muitas instituies educacionais que utilizam o brincar, principalmente o brincar livre, como momento apenas de divertimento, contrrio ou separado da aprendizagem, que seria o esforo escolar e intelectual, com horrio e espao delimitado no recreio.

J com o Renascimento, sabemos que (...) o jogo infantil torna-se forma adequada para a aprendizagem de contedos escolares. (KISHIMOTO, 2006, p.28). Dessa forma tambm acontece atualmente em algumas escolas ou centros de Educao Infantil: a brincadeira aparece somente como recurso para aprendizagem de determinados contedos, sempre orientada por um adulto a professora - e com um objetivo determinado.Aps uma nova concepo de infncia, que surge ainda no Renascimento e se consolida no Romantismo, onde a criana reconhecida possuindo uma natureza boa, que o jogo passa a ser considerado como forma de expresso espontnea, livre e tpica da infncia. (KISHIMOTO, 2006), como j foi exposto no primeiro captulo. E a partir do sculo XIX, a biologia e a psicologia passam a influenciar os estudos relacionados criana, infncia e ao jogo.

Kishimoto (2006) resume:

(...) os paradigmas sobre o jogo infantil parecem equiparar o jogo ao espontneo, no-srio, futilidade ou reivindicar o srio e associ-lo utilidade educativa, em sua grande maioria, referenciais dos tempos do Romantismo. O aparecimento de novos paradigmas como os de Bruner e de Vygotsky, partindo de pressupostos sociais e da lingstica, oferece novos fundamentos tericos ao papel dos brinquedos e brincadeiras na educao pr-escolar. (p. 35)

Mesmo com o aparecimento de novos paradigmas alusivos ao papel do jogo infantil, como citado por Kishimoto acima, acredito que atualmente ainda prevalea essa dicotomia no cenrio educacional entre a idia referente a estudar e trabalhar como sendo atividades srias, valorizadas; e o brincar como no sendo srio, portanto, sem muita importncia. Por isso, muitas vezes vemos a brincadeira margem das atividades pedaggicas na sala de aula, apesar de serem, s vezes, validadas nas propostas pedaggicas.

Muitas propostas pedaggicas para creches e pr-escolas baseiam-se na brincadeira. O jogo infantil tem sido defendido na Educao Infantil como recurso para a aprendizagem e o desenvolvimento das crianas. O modo como ele concebido e apropriado pelos professores infantis, todavia, revela alguns equvocos. (OLIVEIRA, 2011, p. 234)Esses equvocos citados por Oliveira (2011) geralmente dizem respeito ao tempo e principalmente forma como a brincadeira se apresenta no cotidiano dos CMEIs e das escolas que ofertam Educao Infantil, onde o brincar, na maioria das vezes, limita-se ao recreio ou est sempre sob o controle das professoras.

Existem amplas evidncias desta dificuldade nas escolas de Educao Infantil e de Ensino Fundamental onde o brincar frequentemente relegado a atividades, brinquedos e jogos que as crianas podem escolher depois de terminarem seu trabalho. (...)

A dicotomia para os professores muito real: por um lado, a implicao de que as crianas aprendem muito pouco sem a direo da professora, e, por outro, o brincar auto-iniciado pela criana defendido (Tamburrini, 1982) como proporcionador de um melhor contexto de aprendizagem. (Moyles, 2002, p.18)

Assim, a brincadeira livre e a dirigida dividem opinies e apresentam-se de diferentes maneiras no cotidiano das instituies que atendem a Educao Infantil.

Em relao ao brincar livre sabemos que ele favorece, sobretudo nos grupos 4 e 5 da Educao Infantil, o faz de conta, o jogo simblico e alguns autores importantes destacam o papel do brincar nesse sentido, como Piaget:Para Piaget (1971), quando brinca, a criana assimila o mundo sua maneira, sem compromisso com a realidade, pois sua interao com o objeto no depende da natureza do objeto, mas da funo que a criana lhe atribui. o que Piaget chama de jogo simblico, o qual se apresenta inicialmente solitrio, evoluindo para o estgio de jogo sociodramtico, isto , para a representao de papis, como brincar de mdico, de casinha, de me, etc. (Bomtempo, 2006, p. 59)

E Vygotsky (1984) pontua:(...) a criana em idade pr-escolar envolve-se num mundo ilusrio e imaginrio onde os desejos no realizveis podem ser realizados, e esse mundo o que chamamos de brinquedo. A imaginao um processo psicolgico novo para a criana; representa uma forma especificamente humana de atividade consciente, no est presente na conscincia de crianas muito pequenas e est totalmente ausente em animais. Como todas as funes da conscincia, ela surge originalmente da ao. O velho adgio de que o brincar da criana imaginao em ao deve ser invertido podemos dizer que a imaginao, nos adolescentes e nas crianas em idade pr-escolar, o brinquedo sem ao. (p. 64)

Dessa forma, seja qual for a linha de pensamento educacional, a brincadeira, principalmente a relacionada ao faz de conta, comprovadamente benfica para o trabalho com as crianas pequenas e contribui significativamente para o seu desenvolvimento. E quando esta acontece de maneira apropriada, com materiais adequados e variados, tempo suficiente e respeito vontade das crianas, os benefcios podem ser ainda maiores, como ressalta Oliveira (2011):

O jogo simblico ou de faz de conta, particularmente, ferramenta para criao da fantasia, necessria a leituras no convencionais do mundo. Abre caminho para a autonomia, a criatividade, a explorao de significados e sentidos. Atua tambm sobre a capacidade da criana de imaginar e de representar, articulada com outras formas de expresso. So os jogos, ainda, instrumentos para aprendizagem de regras sociais. (p.163)

Apoiada em Bruner, Kishimoto (2011) destaca que:

O jogo livre oferece criana a oportunidade inicial e a mais importante para atrever-se a pensar, a falar e ser ela mesma. Combinar momentos de brincadeira livre e atividades orientadas parece ser estratgia recomendada pelo autor. (p. 149)

Ento, o brincar livre e dirigido devem estar presentes na rotina da Educao Infantil, contribuindo de igual forma para o enriquecimento das vivncias das crianas no contexto das instituies educativas.

4. METODOLOGIA4.1 A etnopesquisa crticaA pesquisa qualitativa inspirada na etnopesquisa crtica e multirreferencial preocupa-se em compreender o comportamento humano, suas relaes, referncias, o universo simblico em que esto inseridos, como diz Macedo (2004), e mostra-se bastante adequada ao trabalho aqui apresentado, por ser uma pesquisa relacionada ao campo educacional que pretende investigar a brincadeira livre na Educao Infantil.

Parafraseando Macedo (2004), considero tambm que ... a tarefa do estudo cientfico deve, acima de tudo, levantar compreensivamente o vu que cobre a rea ou a vida das pessoas e dos grupos que algum se prope a estudar. (p.144) Assim, a pesquisa cientfica ajuda a esclarecer e compreender fatos, aes da nossa vida que nos intrigam, despertam nossa ateno.

No caso da pesquisa voltada para a educao, a pesquisa qualitativa permite evidenciar, mostrar a realidade e os fatos a serem investigados, levando em considerao os sujeitos envolvidos, seus contextos e suas relaes, para buscar entender a complexidade dessas vivncias, principalmente quando esta pesquisa envolve um contexto sociocultural especfico. A pesquisa de cunho quantitativo no se adqua, no caso, a este trabalho devido essa complexidade.

Desse modo, podemos afirmar que a etnopesquisa crtica e multirreferencial nos oferece a possibilidade de investigar levando em considerao as diversas referncias, preocupando-se essencialmente com os processos que constituem o homem em sociedade. E nesse processo de produo cientfica acredita na necessidade de construir junto trazendo, como explica Macedo (2004), ... a voz do ator social para o corpus emprico analisado, e para a prpria composio conclusiva do estudo, at porque a linguagem assume aqui um papel co-constitutivo central. (p.30)

Nesse sentido, a linguagem no processo da etnopesquisa, apresenta-se como recurso imprescindvel, pois atravs dela que no s o pesquisador, mas todos os sujeitos envolvidos na pesquisa podem perceber-se e compreender a realidade que pela mesma descrita, exposta.

Assim, a etnopesquisa crtica e multirreferencial se destacam e ganham validade nos trabalhos que investigam a vida social, principalmente os relacionados educao, pelo seu carter formativo, principalmente quando prope o mtodo como ao refletida explicitando uma preocupao cientfico-formativa.Atualmente, a participao infantil ativa nos discursos cientficos acerca da infncia apresenta-se como emergente nos processos de pesquisa, por isso envolver as crianas torna Em suma, trata-se de considerar e reivindicar as crianas como seres competentes, racionais, no fundo, trata-se de considerar que a criana parceira na investigao, partilha de todo o processo, integra um espao intersubjectivo, de forma genuna, efectiva e tica. O que por si s uma contra-tendncia face ao que Becker (1967) denominou por reaco fetichista, a tendncia e atitude de alguns investigadores e correntes cientficas permanecerem ancorados a velhas teorias que no explicam novos fenmenos. (SOARES, SARMENTO e TOMS, 2005, p.63)

4.2 Instrumentos de coleta

Para realizao desta pesquisa foram escolhidos os seguintes instrumentos de coleta: a observao participante completa, a entrevista e a imagem, por serem considerados os mais adequados e coerentes com os objetivos propostos.

A observao torna-se um instrumento quase que obrigatrio na etnopesquisa, pois prope o contato direto do pesquisador com seu objeto de pesquisa, exigindo deste ... estar junto s pessoas, vivenciando suas vidas, ao mesmo tempo vivendo a prpria vida e relatando. (Junker apud Macedo, 2004, p.146).

Como diz Macedo (2004) ... o processo de observao no se consubstancia num ato mecnico de registro. (p.151) Sendo assim o papel do pesquisador na observao de uma pesquisa de cunho qualitativo amplia-se na medida em que pressupe um processo de interao, onde os atores envolvidos e seus contextos so significativos e por isso valorizados.

A observao participante se constitui, de acordo com Macedo (2004), uma das bases fundamentais da etnopesquisa devido a sua importncia como instrumento de investigao, pois segundo o mesmo autor o engajamento e o envolvimento dos sujeitos pertencentes ao processo so necessrios e percebidos como vantagem na realizao da pesquisa.

Macedo (2004) tambm chama a ateno para que esse engajamento citado no pargrafo anterior no seja unilateral; pesquisadores e pesquisados devem estar envolvidos na pesquisa formando ... um corpus interessado na busca do conhecimento: o conhecimento gerado na prtica participativa que a interao possibilita. (Macedo, 2004, p.154)

Para tanto, utilizando os estudos de Adler e Adler, Macedo explicita a distino de trs tipos de observao participante no que diz respeito ao campo de pesquisa: participao perifrica, participao ativa e participao completa.

No caso desta pesquisa trabalharei com a observao participante completa em que ... o pesquisador emerge dos prprios quadros da instituio e dos segmentos da comunidade, recebendo destes a autorizao para realizar estudos em que a realidade comum o prprio objeto de pesquisa. (Macedo, 2004, p.157) Portanto eu, Coordenadora Pedaggica, realizarei minha pesquisa na escola em que trabalho na rede municipal de Salvador.

Ainda dialogando com Macedo, concordo quando ele diz que: Faz-se necessrio um trabalho hbil, honesto e franco de persuaso e de relao de confiana onde, em geral, problemas ticos esto envolvidos e devero, com cuidado, ser abordados por pesquisadores e pesquisados. (Macedo, 2004, p.158) Por isso, tanto o acesso bem como a relao com o campo de pesquisa e todos os sujeitos nela envolvidos deve ser feita de forma respeitosa e flexvel favorecendo assim o xito do processo reflexivo da observao participante.

Para a etnopesquisa a entrevista tambm se configura um importante recurso metodolgico que no serve apenas para fornecer dados, mas sim apreender representaes e sentidos que revelam os sujeitos pertinentes pesquisa. Como declara Macedo (2004):

De fato, a entrevista um rico e pertinente recurso metodolgico na apreenso de sentidos e significados e na compreenso das realidades humanas, na medida em que toma como premissa irremedivel que o real sempre resultante de uma conceituao; o mundo aquilo que pode ser dito, um conjunto ordenado de tudo que tem nome, e as coisas existem atravs das denominaes que lhe so emprestadas. (p. 165)

Dessa forma, a linguagem revela-se como um ... fator de mediao para apreenso da realidade e no se restringe apenas a noo de verbalizao. (Macedo, 2004, p.164) e, sendo assim passvel de anlise do pesquisador.

Por isso no s o que falado levado em considerao, mas as expresses, os gestos, o que est implcito tambm devem ter a ateno do etnopesquisador para que este possa melhor compreender a realidade que lhe apresentada.

Para esta pesquisa foi optado trabalhar com a entrevista semi-estruturada por ser ao mesmo tempo flexvel, aberta, porm coordenada, direcionada pelo pesquisador que tem uma inteno, um objetivo com este instrumento metodolgico.

Em relao ao uso de imagem sabemos que:

O no verbal no substitui o verbal, bom que se diga, mas convive com ele, ou seja, as palavras ou frases que nele podem aglomerar-se perdem sua hegemonia logocntrica para apoiar-se ou compor-se com o visual, sonoro, numa nivelao e transformao de todos os cdigos. (Macedo, 2004, p. 182)

Dessa forma o recurso visual pode enriquecer, apoiar, exemplificar, compor com o que dito e escrito na pesquisa, ampliando a percepo, o olhar, a compreenso da realidade apresentada pela mesma.

Nesse sentido, o pesquisador escolhe e registra fatos e momentos atravs das imagens que, por sua vez, so descritas, interpretadas pelo prprio pesquisador dando-lhes significado, sentidos e inseridos na pesquisa.

4.3 Conhecendo o lugar e os sujeitos da pesquisa

A escola da Rede Municipal onde foi realizada a presente pesquisa est localizada no Subrbio Ferrovirio de Salvador e considerada pela SMED (Secretaria Municipal de Educao) como porte especial, por atender um nmero grande de turmas nos trs turnos. Nesta escola atuo como Coordenadora Pedaggica nos turnos matutino e vespertino.

Alm da Educao Infantil com as turmas dos Grupos 4 e 5, a instituio atende o Ensino Fundamental 1 (1 ao 5 ano), Ensino Fundamental 2 (6 ao 9 ano) no diurno e Educao de Jovens e Adultos (TAP I, II, III e IV) no noturno.

Em sua estrutura fsica a escola tem 16 salas distribudas em trs pavilhes, alm de secretaria, sala de leitura, coordenao, sala do AEE (Atendimento Educacional Especializado), sala dos professores, auditrio, arquivo, depsito, cozinha, banheiros para professores, para alunos e os especficos da Educao Infantil. No temos ptio destinado s atividades recreativas e esportivas, apenas uma rea, na frente da cozinha, que as crianas utilizam no recreio.

uma estrutura bastante antiga e debilitada, que h mais de dez anos vem necessitando de uma reforma. Apresenta muitos problemas, principalmente quando chove, com alagamentos e infiltraes ocasionando muitas vezes suspenso das aulas e, por conseguinte, cancelamento de matrculas e evaso de alunos.

Temos quatro turmas da Educao Infantil dos Grupos 4 e 5 nos turnos matutino e vespertino, que ocupam duas salas destinadas e organizadas para receb-las. Por ser uma escola que atende prioritariamente o Ensino Fundamental, no temos um espao externo com parque e equipamentos adequados ao trabalho com crianas pequenas.

As salas da Educao Infantil so coloridas, decoradas com motivos infantis pelas professoras e, seguindo as orientaes da SMED, esto organizadas em cantinhos. Cantinho do lar, cantinho da beleza, cantinho da leitura, cantinho dos jogos, cantinho das artes e cantinho da fantasia esto espalhados pelas salas com diversos brinquedos e objetos disponveis para a explorao das crianas.

Aproximadamente 70 crianas de 4 e 5 anos - grupo 4 A 14, grupo 4 B 18, grupo 5 A 18 e grupo 5 B 21 - esto matriculadas, atualmente, nas turmas de Educao Infantil da escola, contudo, nestes ltimos meses, que ocorreram efetivamente a pesquisa, vrios acontecimentos como paralisaes, greve de nibus e chuvas contriburam para uma frequncia bastante irregular neste perodo.

As crianas matriculadas nestas turmas, em sua maioria, so irms ou primas de alunos do Ensino Fundamental e residem nas proximidades da escola. As turmas do Grupo 4 tm professoras diferentes nos turnos matutino e vespertino e uma funcionria adaptada na funo de ADI (Auxiliar de Desenvolvimento Infantil) que preferiu no participar da pesquisa. A professora da manh uma estagiria que est cursando o 5 semestre do curso de Pedagogia e tem experincia com turmas de Educao Infantil, pois j trabalhou por algum tempo numa creche comunitria. No turno vespertino a professora efetiva da Rede Municipal, pedagoga, com ps-graduao em Neuropsicologia, tem 15 anos de profisso, com experincias em Educao Infantil e Ensino Fundamental.

Nas turmas do Grupo 5, a mesma professora e ADI atuam por 40h nos dois turnos. A ADI est cursando o 2 semestre de Pedagogia, j trabalhou em creche e foi encaminhada pela SMED para exercer esta funo na escola. A professora tem 32 anos de carreira, sendo a maioria deles dedicados Educao Infantil, fez Magistrio e h dois anos concluiu o curso de Pedagogia.

4.4 A minha experincia como Coordenadora Pedaggica-Pesquisadora

Quando iniciei, efetivamente, minha pesquisa, neste ano letivo, logo pensei que iria ser bem complicado, pois foram observaes de anos anteriores das turmas de Educao Infantil da escola em que trabalho que me fizeram escolher o meu objeto de estudo: o brincar livre. E neste ano temos outro contexto com alguns professores e crianas diferentes, mas tentarei utilizar destas informaes do ano anterior, alm das experincias que j vivenciei em outros lugares e at mesmo aqui na escola ao longo da minha trajetria profissional para subsidiar a pesquisa.Desde o ano de 2005 sou Coordenadora Pedaggica desta escola, inicialmente trabalhando em um turno com as turmas do Ensino Fundamental 1, e depois ampliando a carga horria para 40h, assumindo o matutino e o vespertino e tambm as turmas da Educao Infantil e Ensino Fundamental 2. No fcil coordenar uma escola deste porte com tantas turmas de segmentos diferentes, por isso, considero que o meu trabalho no to eficiente como eu desejava devido a grande responsabilidade trabalhando numa escola to grande e sendo a nica Coordenadora do diurno.

Vale informar que neste perodo fiquei por quase trs anos afastada da escola a servio do Proinfantil (Programa de Formao Inicial para Professores em Exerccio na Educao Infantil) onde, como j mencionado, me envolvi inteiramente com a Educao Infantil.

Especialmente neste ano letivo temos, nas turmas de Educao Infantil, professoras que gostam e se identificam com este segmento da educao bsica, alm de apresentarem experincia no trabalho com crianas de 4 e 5 anos e serem profissionais comprometidas com o seu trabalho e com o que se refere aos direitos da infncia.

Considero que esse fato acima descrito, aliado relao de confiana entre professoras e coordenadora, que temos na escola, facilitou o trabalho e contribuiu para o xito da coleta de dados, mesmo com tantos percalos ocorridos no perodo da pesquisa.

Um dos principais problemas encontrado foi a questo do tempo. Como j foi relatado, o trabalho de uma Coordenadora Pedaggica que assume trs segmentos diferentes numa escola de grande porte no fcil e as demandas dirias no geral me tomam bastante tempo.

Ento, infelizmente, por esse motivo, as observaes no ocorreram como planejadas. A cada dia que agendava a observao, problemas e eventos da escola solicitavam a minha presena e eu acabava adiando ou reduzindo o tempo dedicado a isso. Assim tambm aconteceu com as entrevistas.

O tempo e a irregularidade da frequncia das crianas foram os principais problemas que interferiram num melhor aproveitamento do processo da pesquisa. Mesmo assim, com muitas dificuldades encontradas no percurso do trabalho, acredito que o mesmo foi bastante produtivo e consegui coletar os dados necessrios a minha pesquisa.

Outro fato importante a ser destacado neste meu trabalho como Coordenadora Pedaggica-Pesquisadora foi em relao oportunidade de uma maior proximidade e dedicao da minha parte s turmas de Educao Infantil, que, por serem em menor nmero na escola, s vezes acabavam no tendo de mim a ateno necessria, pois os outros segmentos com maior nmero de turmas tomam maior parte do meu tempo.

E, mais ainda, a ateno dada a estas turmas, neste perodo de coleta de dados, me proporcionou olhar com outros olhos o trabalho realizado pelas professoras, valoriz-lo muito mais e validar tambm as vivncias das crianas em nossa escola. Ou seja, estranhar o cotidiano habitual e olhar realmente como pesquisadora.O olhar do pesquisador um olhar atencioso, detalhista e crtico, o que faz descobrir, revelar aes, momentos e sentimentos carregados de contedo, informaes que no cotidiano no so perceptveis pelos afazeres e pela correria do dia-a-dia. Da a importncia de observarmos, revermos e analisarmos nossa prtica, refletindo sobre a mesma e, dessa forma, nos formando como prope Macedo (2004) com a etnopesquisa crtica e multirreferencial.

4.5 Coleta de dados: reconhecimento, descobertas e validaes

A receptividade em relao ao trabalho na escola relacionado pesquisa foi excelente por parte de todos os sujeitos envolvidos. Gesto, professoras, as crianas e suas famlias acolheram sem qualquer resistncia as aes desenvolvidas no processo de pesquisa.

As entrevistas com as professoras foram as primeiras a comearem a ser realizadas e aconteceram, paralelamente, com as entrevistas das crianas e as observaes. Inicialmente as professoras disseram estar um pouco inseguras para participar da entrevista, porm no demonstraram isso durante as mesmas, ocorrendo todas elas com tranquilidade.

No comeo foi planejado entrevistar apenas as trs professoras das quatro turmas de Educao Infantil da escola, contudo, considerei necessrio ouvir a ADI, j que esta tambm participa da rotina diria da turma.Vale mencionar que s a ADI efetiva do Grupo 5 foi entrevistada, pois a ADI do Grupo 4 uma funcionria de apoio adaptada a essa funo, que optou por no participar da pesquisa.

Inicialmente as observaes e os registros de imagens foram planejados para acontecerem sistematicamente em dois ou trs momentos com cada turma em horrios diferenciados. Depois de conversar com as professoras das turmas, como aconteceriam as observaes, fiz o primeiro agendamento com elas que acabou no se confirmando. Outros agendamentos aconteceram e minha angstia foi aumentando, pois sempre tinha um fato (greves, chuvas, ausncia de alunos, demandas da minha atuao como coordenadora) que impediam ou dificultavam que a ao acontecesse.As observaes e registros fotogrficos acabaram acontecendo de uma forma menos sistematizada, nas minhas visitas dirias s salas de Educao Infantil. Na minha rotina de Coordenadora Pedaggica, j tenho como hbito visitar as salas, conversar com as professoras e as crianas, ento, aproveitei estes momentos para fazer esses registros como pesquisadora. Foram duas ou trs observaes, em cada turma, que aconteceram geralmente no incio da manh ou da tarde e duraram em mdia uma hora.Analisando depois este fato, percebi que em vez de consider-lo um ponto negativo na minha pesquisa, considero que foi enriquecedor para a mesma, pois, como as observaes e registros fotogrficos aconteceram sem aviso prvio e sem acordo de horrio, foram mais espontneos, mais fiis realidade cotidiana das turmas.

E assim aconteceram as observaes e os registros de imagem sem qualquer problema, porque professoras e crianas j estavam acostumadas com a minha presena na sala, o que visivelmente no interferiu em nada nas atividades de pesquisa que estavam sendo realizadas.

O celular, que foi o recurso utilizado para captar as imagens e, s vezes, realizar algumas filmagens, no causou muito estranhamento por parte das crianas, at porque costumava us-lo para registro de algumas atividades das turmas antes da pesquisa. No incio, aps tirar as fotos, as crianas queriam ver como tinham ficado, ento combinei com elas que depois traria o data show para sala e eles veriam todas as fotografias. Claro que de vez em quando tinha uma exceo!

Enfim, com esta etapa da pesquisa pude me aproximar mais das rotinas das turmas, acompanhar mais de perto o trabalho das professoras, observar e participar mais das brincadeiras das crianas, propiciando reconhecimentos, validaes e descobertas que enriqueceram com certeza este trabalho.

4.6 As entrevistas com as crianas... Um captulo parte Muitas foram as expectativas para este momento: como iria acontecer? Como seria recebida pelas crianas? De que forma eu teria que fazer para deix-las vontade? Estes e outros questionamentos pairavam antes de decidir como se realizariam estas entrevistas.

importante informar que, logo no incio da concepo desta pesquisa, eu no tinha pensado em entrevistar as crianas. Porm, depois de ler a tese de doutorado de Martins (2009) A participao de crianas e professora na constituio da brincadeira na Educao Infantil e o artigo Investigao da infncia e crianas como investigadoras: metodologias participativas dos mundos sociais das crianas de Soares, Sarmento e Toms (2005) percebi a necessidade de ouvir as vozes das crianas e analis-las para uma melhor compreenso do meu objeto de pesquisa o brincar livre.

Bem, depois de muito pensar, resolvi que seria melhor chamar uma ou duas crianas de cada vez em minha sala e explicar para elas que iria fazer algumas perguntas e teria que gravar no celular para no esquecer o que disseram para mim. Depois mostrei como funcionava a gravao, testando, perguntando o nome delas e deixando-as ouvirem.

Todos foram bem receptivos com a atividade a ser realizada, em nenhum momento demonstraram qualquer tipo de resistncia. Era possvel ver nos rostinhos deles quando ouviam suas vozes gravadas bastante emoo. Tais como: surpresa, admirao, alegria, entusiasmo que ficavam ntidas em seus semblantes e tornavam o momento da entrevista bastante agradvel e prazeroso.

Dessa forma transcorreram as entrevistas com as crianas, que no comeo seriam apenas duas de cada turma e, em seguida, ampliamos para cinco de cada totalizando 20 crianas ouvidas. As crianas eram escolhidas pela professora pelo critrio da desinibio, dentre as que estavam presentes nos dias que foram realizadas as entrevistas.

As perguntas da entrevista buscaram saber se as crianas reconheciam a brincadeira como ao presente na escola, onde e quando aconteciam, quem escolhia a brincadeira, de que mais gostava de brincar e com quem e se a professora brincava com elas.

Onde e quando aconteciam s brincadeiras foram as perguntas mais complicadas para responderem, certamente por causa da idade deles e da subjetividade da informao e, da entrevista ter acontecido fora da sala deles, portanto distante de onde aconteciam as brincadeiras. J as outras perguntas foram respondidas sem qualquer dificuldade.

5. O BRINCAR LIVRE NUMA ESCOLA DO SUBRBIO FERROVIRIO DE SALVADOR As turmas de Educao Infantil da escola municipal pesquisada j eram conhecidas por mim, Coordenadora Pedaggica, desde o incio deste ano letivo. Contudo, para o presente trabalho foi necessrio desprender mais ateno e conhecer com mais detalhes como ocorria o brincar livre na rotina destas turmas e qual a importncia atribuda por professoras e crianas a esta atividade. Em sntese, era preciso um olhar diferente, o olhar de pesquisadora. importante lembrar que se trata de uma pesquisa de inspirao etnogrfica que se utilizou da observao participante completa onde, segundo Macedo (2004), o pesquisador faz parte da instituio e autorizado pela mesma para estudar esta realidade comum. Com isso, considero pertinente ao processo de pesquisa o fato dessas observaes terem ocorrido sem um agendamento prvio.

As fotografias tambm foram registradas nos momentos das observaes que, no geral, transcorreram sem qualquer problema ou resistncia por parte dos sujeitos participantes e teve como enfoque principal o brincar livre das crianas: quando e como esses momentos acontecem? De que forma as crianas se envolvem nessa brincadeira? Qual a funo da professora nesse momento?

Tambm as entrevistas, tanto com as crianas como com as professoras, buscaram responder a esses questionamentos, dentre outros, como: se crianas e professoras reconhecem a brincadeira livre na escola? Qual a importncia dada a este momento?

Com o processo de coleta de dados concludo e com as informaes em mos, a anlise e as reflexes acerca da pesquisa foram iniciadas. E, para uma apreciao mais minuciosa e criteriosa da mesma, definimos alguns elementos essenciais a serem analisados como: a escola como lugar da brincadeira livre, Cantinhos espao privilegiado da brincadeira livre, O papel da professora na brincadeira livre e a brincadeira livre e suas possibilidades.

5.1 A escola como lugar da brincadeira livre O brincar como eixo norteador das prticas pedaggicas na Educao Infantil deve estar presente nas propostas pedaggicas, segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Infantil, e principalmente na rotina das salas de crianas pequenas. E assim foi constatado nas turmas observadas. A organizao das salas, o trabalho das professoras e as aes das crianas revelando que o brincar livre estava presente no cotidiano daquele ambiente.Todas as observaes realizadas com o propsito da pesquisa demonstram que a brincadeira e, em especial a brincadeira livre apresenta-se no cotidiano das turmas da Educao Infantil da escola. As falas das crianas nas entrevistas realizadas tambm revelam e certificam que o brincar faz parte da rotina da sala de aula e elas percebem isto sem qualquer dvida, pois ao serem questionadas se brincam na escola, todas elas, sem hesitar, responderam: Brinco!.

Vale destacar a importncia da unanimidade das respostas das crianas ao afirmarem que brincam na escola por se tratar da percepo genuna delas em relao brincadeira, mostrando que vivenciam realmente este acontecimento. Ao contrrio de Martins (2009) que em sua pesquisa revelou que ao relacionar as concepes da professora e crianas de uma determinada turma disse que as crianas negavam e a professora afirmava que a escola um lugar onde se brinca.

Todos os dias, impreterivelmente, as turmas de Educao Infantil, tanto do turno matutino como do vespertino, iniciam a sua rotina acolhendo as crianas com o brincar livre na sala. Ao chegar escola os meninos e meninas se dirigiam as suas salas, acomodavam os seus pertences nas cadeiras e logo se encaminhavam aos cantinhos dispostos em vrios espaos da sala.

Figura 1 Crianas brincando no cantinho do lar e no cantinho da beleza.

Fonte: elaborado pela autora

Como vemos na Figura1, os cantinhos so espaos organizados nas salas com diferentes temticas, contendo brinquedos e objetos variados para a explorao livre das crianas. Cantinho do lar, cantinho da beleza, cantinho dos jogos, cantinho da leitura, cantinho da fantasia e cantinho da arte so os cantinhos expostos neste semestre, nas turmas dos grupos 4 e 5 desta escola.

A presena da brincadeira livre na rotina destas turmas confirmada tambm nas entrevistas com as professoras e podem ser vistas nas suas falas quando perguntei se o brincar livre estava presente na rotina de trabalho delas: Sim, todos os dias. (...) sempre no incio do dia, logo quando eles chegam sempre pegam brinquedos nas estantes. (Ana)Sim, a brincadeira livre est presente na minha prtica no momento da recepo das crianas. Elas tm o momento livre de brincadeira nos cantinhos diversificados, onde cada grupo se entrosa e escolhe os cantinhos que eles gostam mais de estar (...) (Gisele)Sim, geralmente eu costumo colocar a brincadeira livre na chegada utilizando os cantinhos. Na minha sala tem diversos cantinhos, onde cada criana ao chegar se direciona ao cantinho que ela quer. (Telma)

Analisando as respostas, podemos perceber a consonncia entre as falas das professoras, demonstrando sintonia no trabalho realizado com as turmas de Educao Infantil da escola, pois todas confirmam a presena da brincadeira livre na rotina de suas turmas, e tambm que a mesma planejada para ocorrer no comeo da aula quando as crianas chegam e, no apenas para passar o tempo esperando todos chegarem para comear a aula propriamente dita como em outros casos. Percebe-se que a presena do brincar livre na rotina destas turmas revela a importncia que dispensada a este tipo de atividade pelas professoras e que a turma est to habituada a ela que, como informa uma das professoras, no precisa da indicao nem orientao por parte de um adulto para que acontea a brincadeira; as prprias crianas chegam e j vo para os cantinhos brincar: (...) S que meus alunos j esto acostumados a isso. Quando eles chegam (eles) j se direcionam aos cantinhos. (Telma)Outro fato que sobressai nessa conformidade entre as rotinas das turmas o trabalho desenvolvido pelas professoras, que demonstram a interligao e a cumplicidade do trabalho delas entre si e delas com a coordenao. O que enfatiza, dentre outros fatores, a importncia do meu papel de Coordenadora Pedaggica que apoia, acredita e valida o brincar livre na sala. E fica muito orgulhosa de ver este trabalho sendo concretizado.Vale ressaltar tambm que nas entrevistas todas as crianas, alm de afirmarem que brincam na escola, ainda confirmam que elas mesmas escolhem suas prprias brincadeiras. Todas disseram: Eu! quando indagadas: Quem escolhe as brincadeiras?Nesse sentido, percebe-se que se trata do brincar livre propriamente dito, onde a criana tem autonomia para escolher sua brincadeira e conduzir a mesma de acordo com as suas preferncias e criatividade.

Assim como as crianas, as professoras tambm confirmam que a brincadeira livre acontecia na sala e destacam a livre escolha das crianas neste momento como primordial para que ela acontea, como vemos nas falas a seguir:Brincadeira livre para mim o momento em que a criana escolhe a brincadeira que ela quer fazer na hora. (Telma)

Brincadeira livre quando a criana chega sala e eles vo para os cantinhos brincar ou ento eles mesmos criam as prprias brincadeiras. (Maria)

A professora Telma e sua ADI, Maria, mesmo realizando entrevistas em perodos diferentes, convergem no entendimento em relao definio do brincar livre, demonstrando, desse jeito, concordncia referente ao trabalho realizado.A outra professora destaca tambm o brincar livre como um momento de descontrao, onde as crianas se organizam e criam suas prprias regras.

um momento de descontrao das crianas, onde eles vo estar envolvidas entre si com o prprio brincar. O brincar mesmo propriamente dito. a brincadeira em que eles vo estar direcionados, eles mesmos vo se organizar, eles mesmos vo brincar, vo ditar as prprias regras. (Gisele)

Em relao criao das regras pelas crianas no momento da brincadeira livre, Brougre (2010) apresenta as seguintes consideraes sobre a regra e a livre escolha:

Para brincar, existe um acordo sobre as regras (...) ou uma construo de regras. o caso das brincadeiras simblicas, que supem um acordo sobre os papis e os atos. As regras no preexistem brincadeira, mas so produzidas medida que se desenvolve a brincadeira. Vygotsky mostrou, claramente, que o imaginrio da brincadeira era produzido pela regra. No existe jogo sem regra. Contudo, preciso ver que a regra no a lei, nem mesmo a regra social que imposta de fora. Uma regra da brincadeira s tem valor se for aceita por aqueles que brincam e s vale durante a brincadeira. (p.107)

Nesse sentido, as regras presentes no brincar livre referem-se s combinaes e acordos consentidos entre os envolvidos na brincadeira, que surgem no decorrer da mesma e no interferem na conduo desta, no sentido de deix-la mais direcionada, menos livre. Pelo contrrio, a cada brincadeira nova, novas regras so criadas e, como disse Brougre (2010), s sero vlidas durante aquela brincadeira.

Nota-se que fato o acontecimento da brincadeira livre na rotina das turmas de Educao Infantil da escola e que a mesma reconhecida pelas crianas e professoras, alm de presenciada todos os dias no incio das manhs e tardes nestas salas.5.2 Cantinhos Espao privilegiado para a brincadeira livre

Um elemento que logo chamou a ateno nas entrevistas com as professoras foi a relao que todas elas fizeram entre o acontecimento da brincadeira livre e os cantinhos dispostos nas suas salas, demonstrando o quanto consideram relevantes a organizao do ambiente e os recursos materiais que ficam disponveis para a explorao das crianas.Podemos verificar esse fato nas respostas delas em relao ao situao em que perguntei para uma das professoras se havia outro momento, alm do horrio da chegada, onde ocorria a brincadeira livre:

Telma: Na chegada dos alunos e geralmente no final da aula, porque s vezes nem sempre d tempo para brincar em todos os cantinhos; e a, no final, os que no brincaram digamos no cantinho de jogos, j vai ter oportunidade de escolher brincar no cantinho de jogos, sendo que eles que escolhem o cantinho que devem brincar.

A valorizao da brincadeira livre explorando os cantinhos da sala percebida principalmente durante as observaes realizadas, na qual quase a totalidade do tempo destinado a esse brincar livre acontece no interior da sala nesses cantinhos. As crianas ficam to entretidas com os brinquedos e outros objetos diversos que tem a sua disposio, que pouco solicitam a ateno das professoras e ADIs.Figura 2 Crianas brincando com a variedade de brinquedos.

Fonte: Elaborada pela autoraNa Figura 2 vemos trs crianas envolvidas totalmente nas suas brincadeiras. Enquanto uma das meninas est entretida brincando de cozinhar no cantinho do lar, a outra, com uma boneca nos braos, conversa com um coleguinha. como relata Oliveira (2011):

O professor organiza um espao semiaberto de atividades, que garante a possibilidade de a criana v-lo e, ao mesmo tempo, interagir com um ou mais parceiros (...). Entretidas, as crianas produzem conhecimentos e significaes partilhadas, num clima de tranqilidade e concentrao. Essas reas podem concretizar determinados cenrios favorveis brincadeira simblica ou a atividades exploratrias ou expressivas. (p. 200)

Esse envolvimento das crianas com as brincadeiras nos cantinhos acontece em todas as turmas, tanto as do grupo 4 como do grupo 5, e realmente observa-se que favorece a interao, produo de conhecimentos e significaes. E, mesmo sozinhos, em duplas ou em pequenos grupos, elas criam, imaginam, se divertem contribuindo para o seu desenvolvimento.

Os RCNEI (1998) no seu primeiro volume fala sobre a importncia do espao fsico e dos recursos materiais para a aprendizagem e como estes podem refletir o pensamento educacional da instituio.

Espao fsico, materiais, brinquedos, instrumentos sonoros e mobilirios no devem ser vistos como elementos passivos, mas como componentes ativos do processo educacional que refletem a concepo de educao assumida pela instituio. Constituem-se em poderosos auxiliares da aprendizagem. (p. 68)

Sendo assim, uma sala organizada por cantinhos com brinquedos variados: carrinhos, bonecas, panelas, pentes, roupas, dentre outros objetos disponveis na sala para serem explorados e de fcil acesso s crianas, demonstra a valorizao do brincar e a crena na contribuio deste para a aprendizagem e desenvolvimento infantil.

Em alguns casos, vemos que em certas escolas os materiais ldicos, como brinquedos, jogos, fantasias, fantoches, ficam escondidos, guardados, fora do alcance das crianas e s podem ser utilizados sob a superviso atenta da professora, que, geralmente, quando disponibiliza esses recursos, limita o tempo, o espao e quais sero usados, deixando de proporcionar momentos prazerosos e ricos em aprendizagens para seus alunos.

Nas turmas envolvidas na pesquisa observou-se que os recursos disponibilizados e o tempo destinado a esse brincar livre nos cantinhos so satisfatrios para professoras e crianas, pois as professoras efetivam seu planejamento atendendo aos objetivos propostos, e as crianas, sabendo que tm diariamente esse momento na sua rotina, realizam tranquilamente as demais atividades, sem qualquer fuga para os cantinhos em outros momentos.

Dessa forma Moyles (2002) avalia:

Se todo o brincar estruturado pelos materiais e recursos disponveis, a qualidade de qualquer brincar depender em parte da qualidade e talvez da quantidade e da variedade controladas do que oferecido. (...) (p.25)

Figura 3 A variedade de brinquedos enriquece a brincadeira

Fonte: Elaborada pela autoraNa Figura 3 acima vemos, em parte, a variedade, quantidade e qualidade de objetos pertencentes a alguns cantinhos e o quanto estes esto enriquecendo a brincadeira das duas crianas. A menina seca o cabelo da boneca depois de ter dado banho na mesma e o menino arruma a mesa e limpa o cho aps cozinhar usando as panelinhas.

O trabalho com as atividades diversificadas para receber os alunos nas turmas dos Grupos 4 e 5 da Educao Infantil uma sugesto da Coordenadoria de Apoio Pedaggico (CENAP) da Secretaria Municipal de Educao de Salvador, porm proposto um limite de apenas meia hora para este momento, com indicao de trs atividades que devem ocorrer simultaneamente: jogos de construo, artes e leitura.

Todavia, a escola por meio das professoras optou por ampliar este momento de acolhimento com atividades diversificadas, concedendo um tempo maior do que os trinta minutos e utilizando, alm das atividades propostas, a explorao dos cantinhos, o que favoreceu um melhor aproveitamento deste momento e oportunizou efetivamente o brincar livre.

Na entrevista, ao perguntar s crianas onde brincavam na escola, diferentes respostas foram dadas: Na sala, no brinquedo, dentro da sala, no cantinho, no Municipal, na minha escola - foram algumas das respostas, que mostram o que tambm foi reconhecido nas observaes, que a brincadeira nas turmas de Educao Infantil da escola acontece prioritariamente no interior das salas.

A pouca utilizao de alguns espaos da escola externos sala de aula se justifica primeiro pelo fato do mesmo no ser apropriado brincadeira de crianas to pequenas, sem qualquer segurana ou atrativo como, por exemplo, um parque, talvez porque a escola majoritariamente atenda ao Ensino Fundamental 1 e 2. Alm disso, o ptio em frente cantina, que o espao utilizado nos recreios, dividido em dois horrios para atender demanda de alunos maiores e aulas de Educao Fsica; por isso as crianas dos grupos 4 e 5 brincam nesta rea esporadicamente, sem horrio regular.

Mesmo com o espao das crianas limitado mais s salas de aulas com as brincadeiras observadas prioritariamente no interior destas e no na rea externa, pouco utilizada pelas crianas por diversos fatores, o brincar livre apresenta-se efetivamente presente na escola e professoras e crianas parecem satisfeitas por acontecer dessa forma.

5.3 O papel da professora na brincadeira livre

A organizao do ambiente e a quantidade e qualidade dos recursos oferecidos s crianas no so suficientes para garantir o acontecimento da brincadeira, principalmente da brincadeira livre; necessrio que os sujeitos envolvidos neste processo acreditem e valorizem esse brincar. Assim, o cotidiano com as crianas na sala de aula e como acontece a explorao desse ambiente deve revelar a convico e o fazer pedaggico do professor.

Todo ambiente, sem exceo, um espao organizado segundo certa concepo educacional, que espera determinados resultados. H sempre um arranjo ambiental (...).

O que se deve perguntar se o arranjo existente condiz com a proposta pedaggica da instituio e vice-versa. No basta organizar a sala em cantinhos, se nela persistir uma pedagogia centrada nas instrues do professor. Muitas vezes o espao busca impedir a movimentao das crianas e a interao entre elas. (...) (Oliveira, 2011, p. 197)

Por isso, as atitudes do professor na sua prtica pedaggica, atrelada forma como planeja sua rotina, organiza o espao da sala de aula e dispe os recursos que tem, evidenciam o que pensa sobre como a criana aprende e qual a importncia do brincar neste desenvolvimento.

Infelizmente, ainda encontramos professores da Educao Infantil que demonstram em sua prtica pouca valorizao em relao ao brincar, principalmente o brincar livre e acabam subestimando o potencial de brinquedos e outros materiais ldicos como importantes recursos motivadores de aprendizagens.

E foi a partir da observao de uma prtica assim que surgiu o projeto de pesquisa que subsidiou este trabalho monogrfico: havia nesta escola uma turma considerada pela professora como bastante agitada e ela afirmava que as crianas no sabiam brincar direito; alguns alunos de vez em quando fugiam da sala para correr na rea ou ir para os fundos da escola.Quando brincavam dentro da sala, as crianas quebravam os brinquedos e desorganizavam todo o ambiente. Tambm no tinham qualquer ateno da professora nesse momento; geralmente ela ficava preparando atividades no caderno e ainda usava a retirada dos brinquedos da sala como punio ao comportamento da turma.Da podemos ver o quanto importante o papel da professora na promoo da brincadeira livre que mesmo tendo a sala organizada em cantinhos e recursos ldicos a sua disposio para as crianas brincarem a brincadeira no validada nem aproveitada positivamente.

Nas entrevistas com as professoras, foi perguntado se elas consideravam que todos os professores valorizavam o momento de brincar livre e Gisele respondeu:

Gisele: No. Acredito que poucos ainda valorizam. No segmento da Educao Infantil acho que a conscincia maior em relao brincadeira livre; a partir do Fundamental 1 que os professores ainda precisam ler mais, participarem mais com as turmas de Educao Infantil de alguns momentos ldicos, de brincadeira, mas acho que estamos evoluindo.

A fala da professora Gisele expe sua atual condio de vice-diretora do turno matutino que tem duas turmas de Educao Infantil e outras dez do Ensino Fundamental 1 e professora do grupo 4 no turno vespertino, que verifica a presena e validao do brincar livre na Educao Infantil e no v o mesmo acontecer no Ensino Fundamental. Nesse sentido, expe a necessidade da leitura e da participao em momentos ldicos para mudana deste panorama.

J a resposta da professora Ana valida a formao inicial atual dos professores que, segundo ela, veem nesta formao a importncia do brincar na escola e ainda ressalta contribuies desta ao para a criana.

Eu acredito que no (porque assim). Eu acredito assim que os professores mais antigos, pelo que eu vejo no gostam. Agora os novos professores, os professores que esto se formando agora tem visto que muito importante a hora de brincar na escola. porque brincando a criana ela aprende, ela interage, ela aprende a dividir, a somar, a compartilhar (...) (Ana)

Contudo, a prtica pedaggica e a resposta mesma pergunta da professora Telma, que a professora mais experiente, com 32 anos de carreira, na sua maioria com Educao Infantil, demonstra que mesmo as professoras mais antigas, como diz Ana, so capazes de valorizar o brincar livre.

Nem todos. Alguns ainda precisam passar pela experincia que eu passei, porque realmente eu nem sempre trabalhei dessa forma. Eu trabalhava de uma forma em que eu conversava com meus alunos pouco, aplicava atividades, mas pouco eu brincava com eles, no achava muito importante. Mas, agora eu comecei a trabalhar, depois de uns anos, depois de vrios cursos que eu fiz e eu comecei a escolher colocar meus meninos para brincar. E a o que aconteceu: houve uma mudana de aprendizagem, meus alunos hoje aprendem brincando. Eles no decoram, eles no falam aquilo que eu quero que eles falem. Eles falam aquilo que eles gostam de falar e do sugestes. (Telma)

O relato da professora Telma mostra que a experincia pode ser um fator favorvel mudana deste paradigma, pois ela reconhece essa mudana e reitera que foi devido participao em cursos, aliado ao seu interesse em se reciclar, se atualizar, que comeou a investir mais no brincar, e assegura que hoje seus alunos aprendem brincando e se expressam de acordo com a sua vontade.

Vale salientar a relevncia que ambas as professoras Ana e Telma depositam na questo da formao; a primeira na formao inicial e a outra na formao continuada, demonstrando desse jeito que o conhecimento, a atualizao tornam-se um elemento importante na efetivao de uma prtica pedaggica coerente. Evidente que apenas a participao em formaes e cursos no mudam nenhum pensamento educacional por acaso, mas com certeza contribuir significativamente para sua transformao.

Outro trecho da fala de Telma que merece destaque quando ela confessa: Eles (as crianas) no decoram, eles no falam aquilo que eu quero que eles falem. Eles falam aquilo que eles gostam de falar e do sugestes., revelando que o brincar livre contribuiu para a desinibio e autonomia das crianas