Andrea Nicotti

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/24/2019 Andrea Nicotti

    1/42

    HARMONIZAO DE ANTINOMIAS ENTRE O CDIGO DE DEFESA DOCONSUMIDOR E O CDIGO CIVIL DE 2002 ATRAVS DO DILOGO DAS

    FONTES1

    Andra Nicotti Gomes Ferreira

    RESUMOA entrada em vigor do Cdigo Civil de 2002 estabeleceu uma concorrncia de normas

    incidentes sobre algumas relaes jurdicas obrigacionais com relao ao Cdigo de Defesado Consumidor, lei 8078/90, uma vez que a lei geral passou a regular, por vezes, tambm asrelaes de consumo. De acordo com parte da doutrina, a superao para essas eventuaisantinomias se daria atravs do princpio lex posterior generalis non derogat priori speciali,que se baseia na prevalncia do critrio de especialidade sobre o de anterioridade nos casosem que ambas as leis sejam ordinrias. Essa deciso, no entanto, seria paradoxal nas hiptesesem que o Cdigo Civil de 2002 pudesse ser mais favorvel proteo do consumidor. Odilogo entre essas fontes, vivel em razo de suas congruncias principiolgicas, a soluoque integraria os dois diplomas, alcanando, atravs da utilizao complementar e subsidiriadas normas do Cdigo Civil, sempre o resultado mais favorvel ao consumidor, satisfazendo,assim, no apenas o mandamento constitucional de proteo a esse sujeito de direitosfundamentais, como tambm a justia no caso concreto.Palavras-chave: Cdigo de Defesa do Consumidor. Cdigo Civil de 2002. Princpios.

    Antinomias. Hermenutica. Dilogo. Harmonizao.

    INTRODUO

    O presente estudo tem por objetivo buscar uma forma de harmonizao para asaparentes antinomias que possam vir a surgir nas relaes sistmicas entre o Cdigo deDefesa do Consumidor e o Cdigo Civil de 2002. Mais especificamente, pretende aprofundara pesquisa sobre o dilogo das fontes como mtodo de superao dessas antinomias, visando aum resultado mais justo do que aquele que poderia ser produzido atravs dos critriostradicionais apontados pela doutrina.

    O Cdigo de Defesa do Consumidor, alm de ter se apresentado como um diplomalegal especfico para a regncia das relaes de consumo, se mostrou inovador, poca de sua

    edio, tambm por inserir uma srie de regras e princpios em nosso Direito. Ao identificar ocarter de hipossuficincia do consumidor na relao contratual de consumo e reconhecer anecessidade de proteo a este, rompeu com antigas noes clssicas do Direito Civil.

    O Cdigo Civil de 2002, editado posteriormente ao Cdigo de Defesa do Consumidor,sob a gide de uma nova realidade social, trouxe em seu texto normas por vezes mais

    benficas do que as previstas no CDC e aplicveis inclusive s relaes de consumo. Nestesentido, caber aos operadores do Direito solver este possvel conflito de normas, existenteentre as regulamentaes do Cdigo de Defesa do Consumidor e as do novo Cdigo Civil, a

    partir de critrios hermenuticos apropriados. Por outro lado, deve-se levar em conta que oCdigo Civil de 2002, ao contrrio de revogar o microssistema principiolgico do diploma

    1 Artigo extrado do Trabalho de Concluso de Curso orientado pelo professor Adalberto Pasqualotto eapresentado banca examinadora constituda ainda pelas professoras Lvia Pittan e Maria Alice Hofmaister em25 de junho de 2007, cujo grau obtido foi dez.

  • 7/24/2019 Andrea Nicotti

    2/42

    2

    consumerista, tem se apresentado como uma novel fonte que reafirma valores j insertos naLei 8.078/90, tais como a boa-f objetiva, a funo social do contrato e o equilbrioeconmico. Desta forma, mister que os mecanismos de interpretao sejam utilizados na

    busca de uma harmonizao no s possvel, mas necessria, entre o Cdigo de Defesa do

    Consumidor e o Cdigo Civil de 2002, a partir do entendimento de que o ordenamentojurdico merece ser compreendido e utilizado no como um sistema fechado, em que aaplicao de uma norma signifique a negao de outra, mas como um sistema aberto edinmico, onde os dois diplomas possam coexistir e complementar-se, de modo a cumpriremsuas finalidades.

    Com essa percepo, prpria anlise de um direito social, e atravs do auxlio decritrios hermenuticos apropriados realidade de um direito ps-moderno, que nos

    propomos a estabelecer um equilbrio entre o Cdigo de Defesa do Consumidor e o novoCdigo Civil, solucionando os eventuais conflitos existentes atravs da comunicao entre osdois diplomas.

    O atual ordenamento fornece todos os subsdios para a prtica de um Direito mais

    justo, basta no se aceitar a cmoda e, por vezes, ilgica utilizao de clssicas regras desolues conflitivas e buscar interpretaes construtivas mais condizentes com os princpiosconstitucionais ps-modernos. Os operadores do Direito tm crucial relevncia nesse contextoe devem dedicar-se com seriedade e profundidade anlise das antinomias entre diplomaslegislativos, a fim de encontrar o real sentido de cada norma, considerando sempre que se vivehoje uma realidade com pilares na eticidade, socialidade e operacionalidade2.

    A Constituio Federal impe um novo enfoque ao direito atual, em que imprescindvel ateno dignidade humana, solidariedade e aos direitos diferenciadosdedicados aos consumidores. A interpretao das normas sob a nova perspectiva propostano nosso trabalho, com o reconhecimento das diferenas de status jurdicos e a integraode todo o sistema privado, constitucional e infraconstitucional, atravs de uma hermenuticainspirada diretamente nos vetores axiolgicos que formam o esprito das normas integrantesde cada diploma, tem a expectativa de chegar a instrumentos mais eficientes para arealizao de uma harmonizao entre o Cdigo de Defesa do Consumidor e o Cdigo Civilde 2002.

    O mtodo de abordagem a ser utilizado no trabalho ser, predominantemente, oindutivo, fundamentando-se em pesquisas bibliogrficas e jurisprudenciais. No procedimento,utilizaremos o modelo monogrfico. Outrossim, a tcnica de pesquisa ser documental, tantona fonte primria judicial e legislativa, na medida em que nos valeremos do estudo de leis e

    jurisprudncias, como tambm na fonte secundria - bibliogrfica -, atravs de pesquisas emlivros e revistas para averiguar os estudos j realizados a respeito do tema proposto.

    A fim de facilitar a compreenso do trabalho ora apresentado, foram esquematizadosquatro captulos: Inicialmente, para o desenvolvimento da pesquisa, estudar-se- o cartersistemtico do ordenamento jurdico, para, aps, analisar-se a conjuntura da hermenutica

    ps-moderna, enquadrada em um contexto de abertura do sistema jurdico, bem como seudinamismo. No mesmo captulo, abordar-se-o os critrios hermenuticos tradicionais, luzdeste quadro atual em que se encontra inserida a ordem jurdica. Por fim, examinar-se- o

    papel do juiz diante desta nova realidade, que deflagra uma relevncia cada vez maior para ainterpretao da lei na busca pela justia social.

    No segundo captulo, sero analisados aspectos fundamentais das relaes sistmicasdo Cdigo de Defesa do Consumidor e do Cdigo Civil de 2002, tais como a evoluohistrica dos dois diplomas, suas convergncias principiolgicas e limites de aplicao.

    2REALE, Miguel. O projeto do novo cdigo civil:situao aps a aprovao pelo Senado Federal. 2.ed. SoPaulo: Saraiva, 1999, p. 7-12.

  • 7/24/2019 Andrea Nicotti

    3/42

    3

    Ainda, verificar-se-, como produto do estudo obtido no captulo, se houve ou no arevogao do Cdigo de Defesa do Consumidor pelo Cdigo Civil de 2002.

    No terceiro captulo proceder-se- a um estudo aprofundado das antinomias jurdicas,tratando-se de aspectos gerais e fundamentais sobre a matria, em tpicos como conceito,

    histria e classificao. Por fim, dissertar-se- acerca dos critrios tradicionalmente apontadospela doutrina de superao dos conflitos de normas, para que se possa concluir que, no casode conflitos entre o Cdigo de Defesa do Consumidor e o Cdigo Civil de 2002, nem sempreesses critrios encaminhariam a uma soluo justa.

    Finalmente, no ltimo captulo, desenvolvendo o objeto especfico deste trabalho, serapresentada e estudada a proposta da soluo de antinomias entre o Cdigo de Defesa doConsumidor e do Cdigo Civil de 2002 atravs do dilogo das fontes, que sugere acomunicao e a coordenao entre os dois diplomas objetivando-se encontrar o sentido danorma mais favorvel ao consumidor, na busca de conceder s leis uma maior efetividadesocial. Observar-se-, tambm, neste captulo, exemplos de antinomias entre o Cdigo deDefesa do Consumidor e o Cdigo Civil de 2002 e a possvel soluo atravs do dilogo

    sugerido, alm da anlise de alguns julgados utilizando-se dele.Frisa-se, por derradeiro, que o tema, abordado sob as ticas jurdica e social, no tem a

    pretenso de exaurir todas as formas de dilogos possveis entre o Cdigo de Defesa doConsumidor e o Cdigo Civil de 2002, mas sugerir o dilogo sistemtico de complementaoe subsidiariedade3 como alternativa de superao de antinomias entre os dois diplomas,atravs da utilizao auxiliar da lei geral s relaes de consumo, no que essas puderem sermais favorveis ao consumidor.

    1 A HERMENUTICA NO SISTEMA JURDICO PS-MODERNO

    1.1 SISTEMA JURDICO ABERTO E DINMICO

    Neste primeiro momento do trabalho, importante que estudemos um ponto de extremarelevncia para o alcance da harmonizao de antinomias entre o Cdigo de Defesa doConsumidor e o Cdigo Civil de 2002, qual seja, a interpretao das normas luz do sistema

    ps-moderno: dinmico e aberto.A questo do conflito normativo , eminentemente, sistemtica, razo pela qual

    convm apresentar uma noo de sistema. Para Trcio Sampaio Ferraz Jnior, sistema umcomplexo que se compe de um conjunto de relaes, que forma sua estrutura, fornecido porum conjunto de elementos, que representa seu repertrio.4

    Desta forma, segundo o autor, a ordem jurdica, composta por elementos normativos eno normativos - repertrio -, cuja disposio e relao entre si permitem identificar umaestrutura, pelo que se depreende de sua capacidade de determinar as regras para a criao ereproduo de suas normas, estabelecer sua validade e indicar sua aplicao, pode ser pensadacomo umsistema.

    Na mesma linha, a definio de Juarez Freitas, que entende ser o sistema jurdicoconstitudo por contedo, e no apenas uma aglutinao de normas que guardam entre siseno uma relao de forma:

    3 Expresso usada por Cludia Lima Marques. (MARQUES, Cludia Lima. Dilogos entre o CDC e o CC/2002.

    In: PFEFFEIR, Roberto A. C.; PASQUALOTTO, Adalberto (Coords.). Cdigo de Defesa do Consumidor e oCdigo Civil de 2002:convergncias e assimetrias. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2005, p. 18).

    4 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introduo ao Estudo do Direito: tcnica, deciso, dominao. 4.ed.So Paulo: Atlas. 2003, p. 176.

  • 7/24/2019 Andrea Nicotti

    4/42

    4

    O sistema jurdico uma rede axiolgica e hierarquizada topicamente de princpiosfundamentais, de normas estritas (regras) e de valores jurdicos cuja funo a de,evitando ou superando antinomias em sentido lato, dar cumprimento aos objetivos

    justificadores do Estado Democrtico, assim como se encontram consubstanciados,

    expressa ou implicitamente, na Constituio5.

    O sistema jurdico, para Canaris, dotado de dois lados, quais sejam, o objetivo e ocientfico, ambos em processo constante de abertura. O primeiro representa a ordem jurdicaassente na idia de codificao, enquanto o segundo pode ser entendido como as proposiesdoutrinrias da cincia do direito. A abertura do sistema objetivo se d como conseqncia damodificabilidade dos valores fundamentais da ordem jurdica, pois o direito positivo suscetvel de aperfeioamento, resultado de sua essncia dinmica, como fenmeno colocadono processo da Histria, e, por isso, mutvel6 . Essas modificaes do sistema objetivoreportam-se, no essencial, a modificaes legislativas, a novas formaes consuetudinrias, e,subsidiariamente, s clusulas gerais carecidas de preenchimento com valoraes e erupo

    de princpios gerais de Direito extralegais. Com relao ao sistema cientfico, a abertura sedeve em razo do carter de incompletude e provisoriedade do conhecimento cientfico, queacaba por tornar cada sistema cientfico apenas "projetos de sistemas", tendo em vista a

    possibilidade de reelaborao e progresso constante dos valores fundamentais do Direitovigente, atravs da obteno de novos e mais exatos conhecimentos.

    H que se considerar, portanto, diante deste quadro, a idia de um sistema jurdicoaberto, que acompanha as evolues das relaes sociais e termina por retratar uma realsuperao de paradigmas no que se refere matria jurdica. Esta abertura pode sercompreendida atravs da possibilidade de o sistema sofrer a influncia de valores externos,metajurdicos ou extrajurdicos, que atuam diretamente sobre ele, alterando, internamente, seucontedo normativo.

    Alm disso, a abertura do sistema jurdico prope uma estrutura dialgica inclusiveinterdisciplinar7, de forma a partilhar desta interconectividade com outros mundo-sistemas, na

    busca de uma maior dimenso da justia no seio da complexidade social8.Deste modo, conclui-se que se torna invivel a percepo de um conceito de sistema

    jurdico perfeito e fechado, base de definies alheias ao mundo exterior, porquanto a ordemjurdica, para pretender-se vlida, no pode explicar-se, meramente, atravs de parmetrosformais. Nesse sentido, o sistema jurdico compreendido, felizmente, como inacabado einacabvel.

    Ademais, atravs desta idia de reorganizao de normas, decorrente da contnuatransformao da realidade, assume o sistema jurdico tambm um carter dinmico. Nesse

    processo, normas so editadas, subsistem ao tempo, atuam, se defasem, so substitudas poroutras ou perdem sua atualidade em decorrncia de alteraes nas situaes reguladas. 9Esta noo aberta e dinmica do sistema pode tambm ser constatada atravs da

    coexistncia de regras e princpios, que permite uma relativa descodificao da estruturasistmica, como explica Canotilho:

    Um modelo ou sistema constitudo exclusivamente por regras conduzir-nos-ia a umsistema jurdico de limitada racionalidade prtica. Exigiria uma disciplinalegislativa exaustiva e completa - legalismo - do mundo e da vida, fixando, em

    5 FREITAS, Juarez. A interpretao sistemtica do direito.4.ed. So Paulo: Malheiros, 2004, p. 54.6 CANARIS, 2002, p. 110.7Ibid., p. 109-110.8 CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituio. 7.ed. Coimbra:

    Almedina, 2003, p. 1454.9 FERRAZ JUNIOR, 2003, p. 178.

  • 7/24/2019 Andrea Nicotti

    5/42

    5

    termos definitivos, as premissas e os resultados das regras jurdicas. Conseguir-se-ia um sistema de segurana, mas no haveria qualquer espao livre para acomplementao e desenvolvimento de um sistema, como o constitucional, que necessariamente um sistema aberto. Por outro lado, um legalismo estrito de regrasno permitiria a introduo dos conflitos, das concordncias, do balanceamento de

    valores e interesses, de uma sociedade pluralista e aberta. Corresponderia a umaorganizao poltica monodimensional. O modelo ou sistema baseadoexclusivamente em princpios levar-nos-ia a conseqncias tambm inaceitveis. Aindeterminao, a inexistncia de regras precisas, a coexistncia de princpiosconflituantes, a dependncia do possvel ftico e jurdico, s poderiam conduzir aum sistema falho de segurana jurdica e tendencialmente incapaz de reduzir acomplexidade do prprio sistema.10

    Assim, podemos compreender que nosso sistema jurdico por se apresentar como umsistema dinmico de normas, e aberto porque tem uma estrutura dialgica de regras e

    princpios, traduzida na disponibilidade e na capacidade de aprendizagem das normas, paracaptarem a mudana da realidade e estarem abertas s concepes cambiantes da verdade e da

    justia11

    . Esse sistema aberto e dinmico torna-se exigvel, sobretudo, na busca de umaigualdade no apenas formal, mas material, na medida em que possibilita, cada vez mais, aarticulao da lei com o caso concreto.

    1.2 NOES GERAIS DE HERMENUTICA

    Esta nova concepo de sistema jurdico acarreta conseqncias particularmenterelevantes no que respeita interpretao das normas, considerando-se, diante deste contextoque cria cada vez mais mecanismos para a adaptao da lei realidade, a importnciacrescente da interpretao das leis.

    Segundo Trcio Sampaio Ferraz Jnior, toda hermenutica legislativa deve atender a

    trs critrios bsicos, em decorrncia dos quais torna-se possvel a esquematizao demtodos de interpretao. Esses critrios so a correo (ou coerncia), o consenso e a justia.A coerncia, ao buscar uma significao correta da lei, exige um sistema hierrquico denormas e contedos normativos. O consenso, por sua vez, exige respaldo social, na busca deum sentido funcional da lei. J a justia, ao procurar a finalidade justa da norma, exige que seatinjam os objetivos axiolgicos do direito. Em funo destes critrios, a doutrina sistematizaos mtodos lgico-sistemtico, histrico-sociolgico e teleolgico-axiolgico12 deinterpretao das leis, atravs dos quais se pretende atingir uma hermenutica coerente,fundada na razo social da lei e que vise justia.

    Para isso, a conjugao destes critrios interpretativos deve conduzir ratio legis, querepresenta o sentido, esprito ou razo da lei, fator decisivo para se fazer uma interpretao

    justa. Ser, pois, a ratio legisque nos permitir, enfim, iluminar os pontos obscuros e chegar norma que se encerra na fonte13. A propsito, vale lembrar que no h varias espciesdistintas de interpretao. Esta nica: os diversos meios possveis de serem empregadosajudam-se uns aos outros, combinam-se e controlam-se reciprocamente, e, assim, todoscontribuem para a averiguao do sentido legislativo14.

    A partir da, o resultado que se pode alcanar atravs da interpretao poder ser:declarativo, quando a interpretao feita da lei coincide com seu texto; restritivo, quando

    10CANOTILHO, 2003, p. 1126.11CANOTILHO, 2003, p. 1123.12 FERRAZ JUNIOR, 2003, p. 286.13 ASCENSO, Jos de Oliveira. Introduo cincia do direito. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 396.14FERRARA, Francesco. Como aplicar e interpretar as leis.Belo Horizonte: Lider, 2002, p. 23.

  • 7/24/2019 Andrea Nicotti

    6/42

    6

    preciso limitar o sentido de uma norma, no obstante a amplitude do texto da lei; ouextensivo, se necessrio ampliar-se o sentido de uma lei para alm do contido em sua letra15.

    Analisemos, ento, os parmetros interpretativos coerentes com um sistema jurdicops-moderno apontados pela doutrina.

    1.2.1 Interpretao sistemtica

    A interpretao sistemtica acompanha a idia de um sistema jurdico aberto edinmico. Para Canaris, longe de tornarem invivel a formao do sistema, a incompletude doconhecimento cientfico e a modificabilidade da prpria ordem jurdica, caractersticas dosistema ps-moderno, justamente possibilitam sua determinao a partir da realidade:

    abertura como incompleitude(sic) do conhecimento cientfico acresce assim aabertura como modificabilidade da prpria ordem jurdica. Ambas as formas deabertura so essencialmente prprias do sistema jurdico e nada seria mais erradodo que utilizar a abertura do sistema como objeo contra o significado daformao do sistema na Cincia do Direito ou, at, caracterizar um sistema abertocomo uma contradio em si. A abertura do sistema cientfico resulta, alis, doscondicionamentos bsicos do trabalho cientfico que sempre e apenas pode produzir

    projectos(sic) provisrios, enquanto, no mbito questionado, ainda for possvel umprogresso, e, portanto, o trabalho cientfico fizer sentido.16

    Assim, parte-se para uma interpretao sistemtica das normas, com base nopressuposto de abertura e unidade do ordenamento, para alcanar uma viso em conjunto dosistema consonante com a atual pluralidade de funes do Direito Positivo, sobremodo emface das mudanas em curso na denominada sociedade ps-industrial. Rejeita-se, com isso,qualquer espcie de solipsismo hermenutico, unilateralismos ou simplificaes reducionistas

    e conjuga-se cada norma com todo o sistema, aplicando-se o Direito em sua totalidadevalorativa, para alm do estritamente contido na letra da lei, empregando-se o sentido maisjusto, dentre os vrios possveis, aos princpios e s regras.

    Na viso de Norberto Bobbio, a interpretao sistemtica pode ser entendida como

    aquela forma de hermenutica que tira seus argumentos do pressuposto de que asnormas de um ordenamento, ou, mais exatamente, de uma parte do ordenamento -como o Direito privado - constituam uma totalidade ordenada, e, portanto, sejalcito esclarecer uma norma obscura ou diretamente integrar uma norma deficienterecorrendo-se ao que ele denomina de esprito do sistema17.

    Com relao ao mtodo sistemtico de interpretao, considera-se que a letra da

    norma apenas o limite inicial da atividade interpretativa, e que a conexo lgica de umaexpresso normativa com as demais do contexto indispensvel para a obteno dosignificado da lei. 18

    A interpretao sistemtica, assim, no se contrape ou incompatvel interpretaogramatical - lingstica ou literal - da lei: no se trata de operaes separadas, porque alm deterem o mesmo fim, realizam-se conjuntamente - so as partes conexas de uma una eindivisvel atividade, a interpretao19. Muito antes pelo contrrio: no h nenhumainterpretao sistemtica que se separe do exame do texto20. A anlise da letra normativa o

    15 FERRAZ JUNIOR, 2003, p. 294-297.16 CANARIS, 2002, p. 109.17BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurdico.10.ed. Braslia: UnB, 1999, p. 76.18JUSEFOVICZ, Eliseu. Contratos:proteo contra clusulas abusivas. Curitiba: Juru, 2005, p. 202.19 FERRARA, 2002, p. 33.20 ASCENSAO, 2005, p. 387.

  • 7/24/2019 Andrea Nicotti

    7/42

    7

    ponto de partida para o exerccio hermenutico, visto que fornece a percepo sobre suaconvergncia ou no com o esprito da lei. Este mtodo de interpretao utilizado parasolver questes lxicas, partindo-se do pressuposto de que a ordem das palavras e o modocomo elas esto conectadas so importantes para obter-se o correto significado da norma21. O

    sentido legislativo, no entanto, pode no se identificar com o que, literalmente, se expe.Afinal, o texto da lei apenas um meio de comunicao: as palavras so smbolos eportadoras de pensamento, mas podem ser defeituosas. Nestas condies, percebe-se aimportncia de uma viso sistemtica da lei em conjunto com seu sentido literal. No fundo,

    pois, a anlise lxica funciona apenas como meio para demonstrar um problema a serinterpretado, e no como um mtodo de solucion-lo. S nos sistemas jurdicos primitivos ainterpretao literal era decisiva, tendo um valor mstico e sacramental. Em tendnciacontrria, com o desenvolvimento da civilizao, esta concepo abandonada e procura-se ainteno legislativa. Relevante o elemento espiritual, a voluntas legis, embora deduzidaatravs das palavras do legislador. 22

    Nas palavras de Franscesco Ferrara,

    A interpretao literal o primeiro estgio da interpretao. Efetivamente, o textoda lei forma o substrato de que deve partir e em que deve repousar o intrprete.Uma vez que a lei est expressa em palavras, o interprete h de comear a extrair osignificado verbal que delas resulta, segundo a sua conexo e as regras gramaticais.[...] As palavras ho de entender-se na sua conexo, isto , o pensamento da leideve inferir-se do complexo das palavras usadas e no de fragmentos destacados,deixando-se no escuro uma parte da disposio. Deve-se partir do conceito de quetodas as palavras tm no discurso uma funo e um sentido prprio, [...] e por isso osentido literal h de surgir da compreenso harmnica de todo o contexto.23

    O autor conclui, ento, que a simples utilizao da interpretao literal no capaz de

    remediar situaes em que as palavras empregadas so equvocas ou indeterminadas, serestam princpios obscuros ou se resultam conseqncias contraditrias, havendo-se querecorrer a uma interpretao sistemtica da lei. E acrescenta:

    De resto, mesmo quando o sentido claro, no pode haver logo a segurana de queele corresponde exatamente vontade legislativa, pois bem possvel que as

    palavras sejam defeituosas ou imperfeitas, que no reproduzam em extenso ocontedo do princpio ou, pelo contrrio, sejam demasiado gerais e faam entenderum princpio mais lato do que o real, assim como, por ltimo, no excludo oemprego de termos errneos que falseiem abertamente a vontade legislativa. Osentido literal incerto, hipottico, equvoco24.

    O exemplo fornecido por Trcio Sampaio Ferraz Jnior ilustra este entendimento:Se a norma prescreve: "a investigao de um delito que ocorreu num pasestrangeiro no deve levar-se em considerao pelo juiz brasileiro", o pronome queno deixa claro se est se reportando investigaoou a delito. [...] bvio que asexigncias gramaticais da lngua, por si, no resolvem essas dvidas. A anlise dasconexes lxicas, por uma interpretao dita gramatical, no se reduz, pois, a merasregras de concordncia, mas exige regras de decidibilidade25.

    21 FERRAZ JUNIOR, 2003, p. 287.22 FERRARA, 2002, p. 24.23Ibid., p. 33-34.24FERRARA, 2002, p. 35.25FERRAZ JUNIOR, 2003, p. 287.

  • 7/24/2019 Andrea Nicotti

    8/42

    8

    Assim, deduz-se que a anlise gramatical ou literal da norma possui valor na medidaem que obriga o jurista a tomar conscincia da letra da lei e estar atento s equivocidades

    proporcionadas pelo uso das lnguas naturais e imperfeitas regras de conexo lxica26.A interpretao lgica, assim como a gramatical, no exclui a necessidade conjunta de

    uma anlise sistemtica da lei. Cuida-se, tambm aqui, de um instrumento tcnico que, aosolver questes lgicas referentes legislao, tem sua razo a servio da identificao deinconsistncias normativas. Exemplo do caso ocorre quando, em um mesmo diploma legal,utiliza-se termo idntico em normas distintas com conseqncias diferentes27. Chega-se concluso, ento, de que o princpio lgico da identidade (A=A), assim como o estudogramatical da letra da lei, tambm permite ao jurista to-somente mostrar a questo, mas noresolv-la. Com isto, torna-se necessrio tomar por base a noo de que o sentido de cada

    parte condicionado pelo todo em que se integra, procedendo-se a uma interpretaosistemtica do direito.

    Disso resulta que toda lei s revelar o seu verdadeiro preceito a partir do dilogo comas demais. O melhor significado normativo h de ser recolhido da alteridade jurdica

    resultante do encontro finalstico das partes com a inteireza do sistema: "the intencion of thewhole will control interpretation of parties". Dessa forma, o direito posto, na interpretaosistemtica, como permevel unidade ou centro de sentido em que esto ordenados ecoordenados todos os seus fragmentos. Sistema e norma so, originria e funcionalmente,correlatos, e s nessa correlatividade tm razo e voz: o todo esclarece a parte, e a partereflete o todo. 28

    Uma anlise luz da interpretao sistemtica voltada para a soluo de antinomiasentre o Cdigo de Defesa do Consumidor e o Cdigo Civil de 2002 exigiria, pois, umaavaliao conjunta dos dois diplomas, bem como da Constituio Federal.

    1.2.2 Interpretao histrico-sociolgica

    As interpretaes histrica e sociolgica levam em considerao o tempo e ascondies em que ocorreu a gnese de uma norma para melhor compreender seu significado efuno no contexto social vigente.

    Sabe-se que o direito, em especial o direito privado, produto de uma lenta evoluo,resultado de um desenvolvimento histrico muito longo que remonta ao direito romano edepois, atravs da elaborao medieval, em que confluem correntes de direito comum, pelotrmite do direito francs, entra no nosso ordenamento. Compreende-se que precioso auxlio

    para a plena inteligncia de um texto resulta de se descobrir a sua origem histrica e seguir oseu desenvolvimento e as suas transformaes, at o arranjo definitivo do assunto no presente.

    Frmulas e princpios, que considerados s pelo lado racional parecem verdadeiros enigmas,encontram a chave da soluo em uma razo histrica, no rememorar de condies econcepes de um tempo longnquo que lhes deram uma fisionomia especial29.

    O conjunto de circunstncias que marcaram efetivamente o surgimento de uma lei denominado occasio legis, que pode ser levantado atravs dos precedentes normativos -normas que vigoraram no passado e antecederam nova disciplina para, por comparao,entender os motivos da origem - ou, quando existentes, atravs dos trabalhos preparatrios-

    26Ibid., 2003, p. 287.27 FERRAZ JUNIOR, 2003, p. 287.28PASQUALINI, Alexandre. Hermenutica e sistema jurdico: uma introduo interpretao sistemtica do

    direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 90.29FERRARA, 2002, p. 38.

  • 7/24/2019 Andrea Nicotti

    9/42

    9

    ilustraes de carter cientfico que refletem debates internos, de modos de ver dos diversosrelatores ou preopinantes30, discusses parlamentares, emendas preteridas, etc.

    A anlise histrica, por sua vez, permite a compreenso da interpretao sociolgicadas leis, na medida em que facilita o entendimento de sua razo no ordenamento. A

    interpretao sociolgica diz respeito ao levantamento das condies atuais onde vige umanorma, que deve levar o intrprete a verificar as funes do comportamento e as instituiessociais no contexto em que ocorrem. Assim pode-se, por exemplo, chegar concluso de quedeterminada lei atendeu a uma situao de emergncia, cujas condies tpicas no maiscorrespondem poca atual e, portanto, devem ser restringidas para o entendimento dasnormas31.

    Com isso conclui-se que, para uma efetiva hermenutica que intencione superareventuais conflitos entre o Cdigo de Defesa do Consumidor e o Cdigo Civil de 2002, torna-se imprescindvel uma anlise histrica e exame das razes sociolgicas de ambos osdiplomas.

    1.2.3 Interpretao axiolgico-teleolgica

    Por fim, pode-se falar em uma interpretao axiolgico-teleolgica da lei, isto , emque se postulam fins e valorizam situaes na inteno de, a partir de seu enquadramento naordem social, se alcanar o real sentido da norma.

    No direito brasileiro, a prpria Lei de Introduo ao Cdigo Civil, em seu artigo 5,contm uma exigncia teleolgica, ao dispor que "na aplicao da lei, o juiz atender aos finssociais a que ela se dirige e s exigncias do bem comum". Sua meno pressupe umaunidade de objetivos do comportamento social do homem32. O bem comum consiste em umasntese tica de condies sociais necessrias plena realizao das pessoas, sendo, tambm,o bem da comunidade, formando uma considerao extralegal, genericamente vinculante,enquanto por fins sociais devem ser compreendidos os da lei especificamente analisada33.

    Assim, o jurista deve atender sempre finalidade da lei, o resultado que quer alcanarna sua atuao prtica; a lei um ordenamento de proteo que pretende satisfazer certasnecessidades, e deve ser interpretada no sentido que melhor responda a este fim, e, portanto,em toda a plenitude que assegure tal tutela34.

    Para se determinar esta finalidade prtica da norma, preciso atender s relaes davida, para cuja regulamentao a norma foi criada. Devemos partir do conceito de que a leiquer dar satisfao s exigncias econmicas e sociais e, portanto, ocorre em primeiro lugarum estudo atento e profundo, no s do mecanismo tcnico das relaes, como tambm dasexigncias que derivam daquelas situaes, procedendo-se apreciao dos interesses em

    causa. A interpretao no pura arte dialtica, no se desenvolve com mtodos geomtricosem um crculo de abstraes, mas prescruta as necessidades prticas da vida e a realidadesocial35.

    No se confunde, porm, o elemento teleolgico da interpretao com sua ratio.Enquanto aquele pode ser concebido como motivo de poltica legislativa que ditou a regra, aratio legisse separa daquelas consideraes para dar a razo ou sentido intrnseco da lei36,numa relao de meio e fim.

    30Ibid., 2002, p. 39.31FERRAZ JUNIOR, 2003, p. 291.32FERRAZ JUNIOR, 2003, p. 293.33ASCENO, 2005, p. 390.34FERRARA, 2002, p. 26.35FERRARA, 2002, p. 36.36ASCENSO, 2005, p.396.

  • 7/24/2019 Andrea Nicotti

    10/42

    10

    A esse propsito, imperativo reexaminar a prpria tarefa da exegese, sob o prisma dealcanar o irrenuncivel melhor significado a partir de uma dada escolha axiolgica, lidandocom princpios e regras, devidamente hierarquizveis, estando o intrprete presumivelmenteatento s demandas concomitantes de segurana e de justia, inextricavelmente

    consideradas37

    .Com relao hierarquizao axiolgica como mtodo interpretativo, vem ganhandofora na doutrina do direito privado uma concepo de hermenutica conforme o sistema comaptido para subordinar a matria sob exame, sempre com respeito primordial aos princpios

    jurdicos. Neste rumo, ganham importncia tanto os princpios gerais da legislao civil quantoprincpios fundamentais da constituio. Alm disso, aviva-se a noo de que os valoresfundamentais constitucionais devem servir como critrio permanente para a fundamentao dadeciso judicial38.

    Portanto, ainda mais relevante do que a voluntas legitoris, na utilizao dos mtodosteleolgico e axiolgico de interpretao est

    a vontade axiolgica do sistema, que se pode reconhecer aps a interao dialticaentre ordenamento e intrprete, consubstanciando insofismvel ultrapassagem do

    paradigma da subsuno formal, adotando, com srias e fundas implicaes, omodelo da ponderao ou da axiolgica hierarquizao39.

    Em sntese, doravante, toda exegese, bem como todo sistema jurdico, s podero sercompreendidos enquanto busca do esprito legislativo, que se dar atravs da anlisesistemtica do ordenamento, considerando-se seus aspectos histricos e sociolgicos esobrepesando-se valores que melhores assentam o real sentido da lei.

    1.3 O PAPEL DO JUIZ

    Se a interpretao ganha importncia fundamental em um contexto de abertura edinamismo da ordem jurdica, o intrprete aparece no centro desta nova realidade. Caber aele conferir sistematicidade s normas, vale dizer, harmoniz-las formal e substancialmente,garantindo a salutar e democrtica coexistncia das liberdades e igualdades no presente emque ocorre a hermenutica. Logo, sem comungar com a escravido mental - no abolida

    pelo originalismo extremado nem pelo textualismo radical -, o intrprete contemporneodeve guardar vnculo com a excelncia ou com a otimizao mxima da efetividade dodiscurso normativo. Deve faz-lo, entretanto, naquilo que este possuir de eticamentesuperior, relevante e universalizvel, conferindo-lhe, simultaneamente, a devida eficcia

    jurdica e a no menos devida eficcia tico-social40. Atravs da conjuno das posies

    crtica e hermenutica, a tarefa do exegeta ou aplicador do direito , eternamente, a derealizar, diante do caso concreto, "a mxima justia sistemtica possvel 41.Tomando como meta a incansvel busca pela justia no caso concreto e

    estabelecendo como limite o sistema jurdico em que est inserido, dentro do qual deveencontrar a legitimao para a sua deciso, ainda que utilizando as janelas que o sistemaaberto contm, o juiz atua. Nos dizeres de Ruy Rosado:

    O Juiz no servo da lei, nem escravo de sua vontade, mas submetido aoordenamento jurdico vigente, que um sistema aberto afeioado aos fins e valoresque a sociedade quer atingir e preservar, no pressuposto indeclinvel de que essa

    37FREITAS, 2004, p. 64.38JUSEFOVICZ, 2005, p. 195.39FREITAS, op. cit., p. 26.40FREITAS, 2004, p. 68-69.41PASQUALINNI, 1999, p. 121.

  • 7/24/2019 Andrea Nicotti

    11/42

    11

    ordem aspira justia. O primeiro compromisso do julgador com a justia;estando ele convencido de ser injusto o sistema, trazendo-lhe sua sujeioinconcilivel conflito de conscincia, no h como exercer a atividade operativa,

    porque toda aplicao que fizer ser sempre um modo de efetivao do sistema. Ointrprete no um ser solto no espao, liberto de todas as peias, capaz de pr a

    ordem jurdica entre parnteses. Ele atua com a ordem jurdica, fazendo-a viva nocaso concreto. Inserido no ambiente social onde vive, tem o dever de perceber e

    preservar os valores sociais imanentes dessa comunidade, tratando de realiz-los.No pode fazer prevalecer a sua vontade a esses valores.42

    No obstante a multiplicidade de mtodos interpretativos de que dispe o aplicador dalei e a diversidade de contedos adaptveis aos conceitos abertos das normas, a naturezadecisria de sua atividade lhe impe uma nica escolha, e esta deve estar sempre vinculada

    justia.

    2 O CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E O CDIGO CIVIL DE 20022.1 EVOLUO HISTRICA

    No contexto de uma ordem jurdica aberta e dinmica, o direito privado, inserido nestesistema mutvel e, necessariamente, adaptvel s mudanas da realidade, deve evoluir, ao

    passo que acompanha os acontecimentos sociais.Assim podemos entender a defasagem do Cdigo Civil de 1916. De ndole liberal e

    forte na liberdade e na igualdade dos indivduos, vigoravam, no cdigo, os princpios dopacta sunt servanda e da intangibilidade do contrato. Com fundamento na autonomia davontade, acreditava-se que cada indivduo era livre para escolher o parceiro, o objeto e as

    condies contratuais. Tendo optado, livremente, pela sua celebrao, deveria cumpri-lo.Neste panorama, destacava-se o papel absentesta do Estado e, conseqentemente, dostribunais, em tudo o que dissesse respeito interveno em atividades econmicas. A eles, eradado to-somente o dever de resguardar a liberdade dos particulares e zelar para que avontade desses fosse preservada43.

    As transformaes advindas da segunda metade do sculo XX acabaram por tornar,porm, este quadro insustentvel. O crescimento da economia, a sofisticao das relaes deconsumo, o desenvolvimento de tcnicas de Marketing, o advento dos contratos de adeso, astecnologias modernas, a desproporcionalidade das partes contratuais, os abusos e aconcentrao de renda cada vez maiores denotavam o surgimento de uma sociedademassificada ps-industrial, que j no mais poderia ser regulada pelo Cdigo Civil de 1916.

    Adalberto Pasqualotto sublinha dois grandes desgastes no Cdigo Civil de 1916,acentuados pelas modificaes polticas, econmicas e sociais havidas no sculo XX:

    De um lado, matrias que eram objeto de sua regulao foram transformadas emleis especiais, dando lugar aos chamados microssistemas, para cuja existnciaOrlando Gomes alertava em 1983.1 A primeira grande migrao foi a das leistrabalhistas, ainda na dcada de 40. O direito de famlia refletiu a mudana doscostumes. A concentrao urbana ditou a necessidade de sucessivas leis especiaisde inquilinato. Um sistema foi estruturado para proporcionar acesso casa prpria,com articulao de diversos negcios jurdicos, desde a incorporao imobiliria

    42 AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Interpretao. Ajuris. Porto Alegre, v. 16, n. 45, mar. 1989, p. 17.43 OLIVEIRA, Amanda Flvio de. O juiz e o novo contrato: consideraes sobre o contrato luz do Cdigo de

    Defesa do Consumidor e do Cdigo Civil de 2002. In: PFEFFEIR, Roberto A. C.; PASQUALOTTO,Adalberto (Coords.). Cdigo de Defesa do Consumidor e o Cdigo Civil de 2002: convergncias eassimetrias. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2005, p. 327-328.

  • 7/24/2019 Andrea Nicotti

    12/42

    12

    at o financiamento aquisitivo atravs de mtuo bancrio, alm dos seguros comfuno de garantia do mutuante e de quitao em favor dos beneficirios domuturio. Tudo isso levou a um desprestgio do Cdigo Civil como lei bsicareguladora da vida do cidado, abalando a idia de hegemonia legislativa,dominante no conceito de codificao. Por outro lado, parte principiolgica do

    direito das obrigaes carecia substituir os princpios do individualismo e dovoluntarismo, consectrios do liberalismo, por outros que refletissem a realidadedesigual emergente da sociedade massificada, que, merc da concentrao de podereconmico nas grandes empresas, derrotou a idia de liberdade contratual,colocando em seu lugar a indefectibilidade dos contratos de adeso44.

    A jurisprudncia refletia a necessidade de atualizao legislativa, introduzindo,lentamente, novos paradigmas nas relaes contratuais. Assim, princpios inspirados nasolidariedade, na boa-f objetiva e no equilbrio das prestaes comearam a fundamentar

    julgados jurisprudenciais, margem dos pressupostos de liberdade contratual e igualdadeplena entre os contratantes, que ainda imperavam no Cdigo Civil de 191645.

    O precedente que segue, de 1987, ilustra o entendimento:

    CONTRATO. REVISO. ALTERACAO DA BASE DO NEGOCIO. DIREITODE O CONTRATANTE PEDIR A REVISAO DA CLAUSULA CONTRATUALFACE A MODIFICACAO DAS BASES DO NEGOCIO. CONTRATO DEFINANCIAMENTO REALIZADO AO TEMPO DO PLANO CRUZADO, CUJASPRESTACOES HOJE SE TORNAM EXCESSIVAMENTE ONEROSAS PARA ODEVEDOR. MANDADO DE SEGURANCA CONTRA O ATO QUE DEFERIULIMINAR EM PROCESSO CAUTELAR, PARA IMPEDIR A PRATICA DEQUALQUER ATO DE EXECUCAO DA DIVIDA. DEFERIMENTO EM PARTEDA ORDEM, PARA PERMITIR AO CREDOR A COBRANCA DO PRINCIPALCORRIGIDO, MAIS JUROS LEGAIS. (Mandado de Segurana N 587050220,Quinta Cmara Cvel, Tribunal de Justia do RS, Relator: Ruy Rosado de AguiarJnior, Julgado em 15/12/1987).

    A sobrevinda da Constituio Cidad de 1988, eminentemente democrtica, instituiu,de vez, o Estado Social (Welfare State), estabelecendo os pilares para um cdigo de defesaaos consumidores, ao reconhec-los como sujeitos de direito subjetivo pblico frente aoestado (artigo 5, inciso XXXII da CF/88), consider-los princpio impostergvel da atividadeeconmica (artigo 170, inciso V da CF/88) e, por fim, ao prever a organizao de um Cdigoespecial para tutel-los (artigo 48 ADCT/CF/88), reestruturando, com isto, o Direito Privado

    brasileiro com uma diviso trplice: Direito Civil, Comercial e de proteo do consumidor46.Surge, ento, em 1990, o Cdigo de Defesa do Consumidor, como primeiro passo

    rumo a um contrato mais justo. Superando antigos e ultrapassados dogmas individualistas

    tpicos da ideologia liberal, atravs de inovaes como a modificao ou reviso de clusulascontratuais excessivamente onerosas, a possibilidade de se decretar nulas clusulas abusivas eo reconhecimento e tutela do contrato de adeso, o CDC instaurava uma nova tendncia socialno Direito Privado47.

    O Estado, antes neutro e distante, agora assume um papel intervencionista, que busca ajustia entre as partes envolvidas no contrato e para isso concede novos direitos aoconsumidor, identificando-os como vulnerveis. Assim, surge a chamada "socializao da

    44 PASQUALOTTO. A. S. O Cdigo de Defesa do Consumidor em face do Cdigo Civil de 2002, In:PFEFFEIR, Roberto A. C.; PASQUALOTTO, Adalberto (Coords.). Cdigo de Defesa do Consumidor e o

    Cdigo Civil de 2002:convergncias e assimetrias. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2005, p. 131-132.45Ibid., p. 132.46MARQUES, 2005, p. 58.47OLIVEIRA, 2005, p. 239.

  • 7/24/2019 Andrea Nicotti

    13/42

    13

    teoria contratual" ou "dirigismo contratual", na tentativa de "realcanar" o equilbrio entre oscontratantes, embora essa situao praticamente nunca tenha existido.

    Equipado com normas abertas e clusulas gerais, que conferem ao magistrado poderespara manter o direito sempre atualizado, o Cdigo de Defesa do Consumidor se revelou uma

    lei moderna, flexvel e pronta para dar resposta ao dinamismo da nova realidade econmicabrasileira48. O novo papel conferido ao julgador pode ser ilustrado pelo art. 51 do CDC, queestabelece um rol exemplificativo de clusulas abusivas, utilizando-se da expresso "entreoutras", no caput do dispositivo legal, para manter aberto o intercmbio do juiz com arealidade.

    No entanto, a estrutura normativa instituda pelo Cdigo de Defesa do Consumidorrestringia-se s relaes de consumo, mostrando-se insuficiente para reger, de forma plena, odireito privado, na medida em que no incorporava contratos civis, que haviam passado,tambm, por um processo de modificao.

    Neste sentido, travou-se uma polmica com relao ao campo de aplicao do Cdigode Defesa do Consumidor e seus limites, sobre o que poderia se compreender por relao de

    consumo e a extenso do conceito de consumidor.Em 2002 foi promulgado o novo Cdigo Civil, que, influenciado pelo carter

    solidarista do Cdigo de Defesa do Consumidor, figurou muitas alteraes em relao aoregime anterior, demonstrando preocupao em acompanhar as mudanas ocorridas narealidade49.

    Nos dizeres do coordenador da comisso de redao do anteprojeto, Miguel Reale, oCdigo Civil de 2002 foi orientado pelos pilares da eticidade, socialidade eoperabilidade50.

    A eticidade surge em substituio ao tecnicismo e formalismo jurdico presentes noCdigo Civil de 1916, atravs de valores ticos como a boa-f, os bons costumes e a funosocial dos direitos subjetivos51, que ensejam a participao ativa do intrprete por viashermenuticas para se verificar a ocorrncia ou no destes princpios.

    Nas palavras de Miguel Reale:

    No acreditamos na geral plenitude da norma jurdica positiva, sendo prefervel, emcertos casos, prever o recurso a critrios tico-jurdicos que permita chegar-se "concreo jurdica", conferindo-se maior poder ao juiz para encontrar-se a soluomais justa e eqitativa52.

    A socialidade, por sua vez, vem a superar o antigo individualismo jurdicocaracterstico do antigo regime. Este princpio, que sobrepe os interesses sociais ao

    patrimonialismo que impregnava o Cdigo Civil de 1916, atua

    temperando a liberdade contratual com a funo social do contrato, estatuindo oprincpio da interpretao mais favorvel ao aderente nos contratos de adeso,reduzindo os prazos de usucapio, valorizando a natureza social da posse esubmetendo o direito de propriedade sua funo social e econmica53.

    Miguel Reale assevera, sobre o princpio, que se no houve a vitria do socialismo,houve o triunfo da socialidade, fazendo prevalecer os valores coletivos sobre os individuais,sem perda, porm, do valor fundante da pessoa humana54.

    48OLIVEIRA, 2005, p. 330.49Ibid., p. 331.50REALE, 1999, p. 7-12.51PASQUALOTTO, 2005, p. 145.52REALE, 1999, p. 8.53PASQUALOTTO, 2005, p. 145.54REALE, op. cit., p. 7.

  • 7/24/2019 Andrea Nicotti

    14/42

    14

    A operabilidade, por fim, surge visando prtica e efetividade das normas, atravsde solues normativas que facilitem sua interpretao e aplicao, tais quais a clareza e adistino entre prescrio e decadncia, a disciplina apartada das associaes e sociedades, autilizao de clusulas gerais (como a boa-f) e de preceitos de contedo indeterminado

    (como a onerosidade excessiva)55

    .Este novo quadro principiolgico, declaradamente de ndole social, passa, finalmente,a nortear tambm as relaes civis. Consagra-se a interveno estatal, agora no maisexclusivamente nas relaes de consumo, e o julgador cumpre a funo fundamental de

    buscar a justia no caso concerto em todo o direito privado.Embora a crtica que aponta a desatualizao, desde seu nascimento, do Cdigo de

    2002, em razo da desconsiderao de temas atuais, como a fertilizao, a clonagem e ocomrcio eletrnico56, o novel diploma consolidou avanos significativos, atravs daconsagrao de princpios como a funo social do contrato (artigo 421) e a boa-f objetiva(artigo 422). Com relao ao Cdigo de Defesa do Consumidor, o Cdigo Civil de 2002 pode,no obstante, representar um retrocesso a respeito de certas matrias, ao passo que disciplina

    institutos j previstos na lei 8078/90, como a leso (artigo 157), os contratos de adeso(artigos 423 e 424) e a resoluo por onerosidade excessiva (artigos 478 a 480), porm comuma conformao mais restrita, em regra ainda vinculada a uma concepo voluntarista eabstrata do fenmeno contratual57. Por outro lado, h que se salientar tambm a ocorrncia desituaes em que o diploma geral prev disposies mais benficas ao consumidor do que o

    prprio CDC, cabendo, nestes casos, uma anlise aprofundada do campo de aplicaorespectivo de cada cdigo, para que o consumidor possa valer-se, tambm, dos direitosadquiridos no Cdigo Civil.

    2.2 LIMITES DE APLICAO

    Pelo que se pode depreender do carter especial da lei 8078/90, que regula as relaesespecficas de consumo, entre fornecedor e consumidor, enquanto ao Cdigo Civil de 2002,lei geral das relaes do direito privado, compete todas as relaes no privilegiadas por umalei especial, no h coliso possvel entre seus campos de aplicao, como explica CludiaLima Marques:

    O CDC um microssistema especial, um cdigo para agentes diferentes dasociedade, ou consumidores, em relao entre diferentes (um vulnervel, oconsumidor, e um expert, o fornecedor). J o CC/2002 um cdigo geral, umcdigo para os iguais, para relaes entre iguais, civis e empresariais, puras58.

    Assim, a constatao da existncia de um direito subjetivo tpico de consumo frente aum ou mais fornecedores decorrer da anlise do sujeito da relao jurdica, para se descobrirse se trata de um consumidor frente a um fornecedor, e de seu prprio ato/finalidade, do qualse verifica a ocorrncia, ou no, da relao de consumo59.

    Cabe analisar, pois, a definio de consumidor e seus alcances.Como se pode constatar no artigo 1 da lei 8078/90, o consumidor o sujeito ativo da

    relao jurdica de consumo, a quem se destinam os meios de proteo e defesa institudos.Ele vem conceituado no artigo 2 do mesmo estatuto, que estabelece que consumidor toda

    pessoa fsica ou jurdica que adquire ou utiliza produto ou servio como destinatrio final".

    55PASQUALOTTO, op. cit., p. 145.56 PASQUALOTTO, 2005, p. 144.57NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato:novos paradigmas. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 316.58 MARQUES, 2005, p. 22.59Ibid., p. 23-24.

  • 7/24/2019 Andrea Nicotti

    15/42

    15

    Essa definio denominada pela doutrina como padro, standardousrticto sensu. Ressalte-se, a priori, que o Cdigo de Defesa do Consumidor ainda estende a proteo a outras figurasextraconsumo, consumidores equiparados por fora da lei (bystandard), nos artigos 2,

    pargrafo nico, 17 e 29.

    O pargrafo nico do artigo 2 equipara a consumidor "a coletividade de pessoas,ainda que indeterminveis, que haja intervindo nas relaes de consumo".O artigo 17, por sua vez, estende a proteo legal dos consumidores, para efeito de

    responsabilidade civil do fornecedor, a todas as vtimas de acidentes causados por defeito deum produto ou servio.

    Por fim, o artigo 29 amplia o conceito de consumidor a todas as pessoas,determinveis ou no, expostas s prticas comerciais e contratuais.

    O mago da questo da definio de consumidor, no entanto, estabelecer at ondevai o conceito de destinatrio final, elemento crucial na delimitao da abrangncia dasfiguras protegidas pelo cdigo. O tema levantou polmicas jurisprudenciais e doutrinrias, dasquais se pode identificar duas correntes principais: os maximalistas e os finalistas.

    A teoria maximalista leva em conta a vulnerabilidade e a hipossuficincia doadquirente profissional do produto ou servio, propondo uma interpretao ampliada doconceito de consumidor. Para esta corrente, a meno feita pelo artigo 2 do CDC aodestinatrio final diz respeito destinao final fticaque dada quele produto ou servio.Assim, basta que a pessoa retire o bem do mercado de consumo para que seja consideradaconsumidora, sem que se perquira sobre a finalidade que dar a esse bem60. Seriamconsiderados consumidores, portanto, para esta teoria, aqueles que adquirissem um bem paraalien-lo no mesmo estado (atividade tpica do comerciante), para transform-lo e incorpor-lo em outro bem, recolocando-o, posteriormente, ao mercado (como, por exemplo, atividadesindustriais), para us-lo instrumentalmente em uma atividade-fim ( o caso de computadoresem uma lan-house) e aquele que utiliza, como destinatrio final, o produto ou servio61.

    Em sntese, para os maximalistas, seria consumidor o adquirente ou o usurio queretira o bem de circulao, independentemente da finalidade que vai atribuir-lhe, mesmo queo praticante seja uma empresa que venha a utilizar o produto como insumo de sua produo62.

    A corrente finalista, por outro lado, sustenta que o sentido de "destinatrio final" devemanter-se restrito ao consumidor literalmente descrito no artigo 2 do CDC, a fim de que nose banalize a tutela proposta pelo cdigo, que existe justamente para proteger uma minoriavulnervel e hipossuficiente. Destarte, vale-se de conceitos da teoria econmica, segundo aqual as atividades econmicas compreendem produo, circulao, distribuio e consumo,

    para delimitar e esclarecer a definio de consumidor, considerando-o, portanto, apenas odestinatrio final, que adquire o produto ou servio para uso estritamente prprio ou de sua

    famlia.Na concepo finalista, portanto, no basta que o consumidor adquira, por destinaoftica, o produto ou servio, sendo necessrio, ademais, que ele se configure comodestinatrio final econmicodo bem.

    Ser destinatrio final econmico do bem significa no us-lo para atividadesprofissionais que gerem novos benefcios econmicos, mas sim para satisfaoparticular, pessoal ou familiar; isso significa que a expresso "destinatrio final"deve ser entendida no em seu sentido literal, mas sim em seu sentido teleolgico63.

    60 BARLETTA, Fabiana Rodrigues. A reviso contratual no cdigo civil e no cdigo de defesa do

    consumidor.So Paulo: Saraiva, 2002, p. 104-105.61 PASQUALOTTO, 2005, p. 134.62Ibid., p. 135.63 BARLETTA, 2002, p. 104.

  • 7/24/2019 Andrea Nicotti

    16/42

    16

    No mesmo sentido, a opinio de Cludia Lima Marques, adepta da corrente finalista:

    no basta ser destinatrio final ftico do produto, retir-lo da cadeia de produo,lev-lo para o escritrio ou residncia, necessrio ser o destinatrio final eeconmico do bem, no adquiri-lo para revenda, no adquiri-lo para uso

    profissional, pois bem seria novamente um instrumento de produo cujo preoser no preo final do profissional que o adquiriu. Neste caso no haveria a exigida"destinao final" do produto ou do servio64.

    Com relao possibilidade de a pessoa jurdica ser considerada destinatria final naconcepo finalista, elucida Jos Geraldo Brito Filomeno:

    [...] prevaleceu, entretanto, a incluso das pessoas jurdicas como "consumidores"de produtos e servios, embora com ressalva de que assim so entendidas aquelascomo destinatrias finais dos produtos e servios que adquirem, e no comoinsumos necessrios ao desempenho de sua atividade lucrativa 65.

    Uma interpretao sistemtica da questo leva concluso de que este pensamento correto, pois o esprito do Cdigo de Defesa do Consumidor privilegiar a parte fraca darelao contratual de consumo, concedendo-lhe tratamento diferenciado66. Concorda-se,assim, com Maria Antonieta Zanardo Donato:

    [...] conquanto o conceito de consumidor disposto no art. 2 do CDC possa serinterpretado de forma ampla, como pretendem os maximalistas, entendemos queno seria esta a interpretao apta a coadunar-se com a sistemtica adotada pela lei,vez que abrangeria, indistintamente, todas as pessoas jurdicas, mesmo aquelas queno se apresentassem vulnerveis e, simultaneamente, conferiria tutela a situaesque, por sua prpria natureza, j estariam sendo tutelveis pelo Direito Comercial.67

    A jurisprudncia, por algum tempo, refletiu a polmica, posicionando-se ora pelateoria maximalista, ora pela finalista.

    As decises do Rio Grande do Sul demonstravam uma tendncia maximalista,admitindo, majoritariamente, um conceito amplo de consumidor. Nesse sentido, a

    jurisprudncia que admitiu a Incidncia do Cdigo de Defesa do Consumidor a contratoscomo o entabulado entre as partes (compra e venda com reserva de domnio), mesmo que aconsumidora (pessoa fsica ou jurdica) utilize o bem em sua atividade comercial.68

    Em orientao oposta pareciam estar os tribunais do resto do pas, que demonstravamconcordar com a teoria finalista.

    Nesse sentido, o julgado de So Paulo:

    PROVA - nus - Inverso - Monitria - Inadmissibilidade - Co-embargante que indstria e utiliza os servios bancrios como instrumento e fomento no exerccio dasua atividade empresarial - Cdigo de Defesa do Consumidor - No incidncia -Adoo da Teoria Finalista, cuja aplicao abrandada apenas diante da

    64 MARQUES, Cludia Lima. Contratos no cdigo de defesa do consumidor: o novo regime das relaescontratuais. 5.ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 100.

    65FILOMENO, Jos Geraldo Brito. Cdigo brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores doanteprojeto. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 1993, p. 27.

    66 BARLETTA, 2002, p. 106.67 DONATO, Maria Antonieta Zanardo. Proteo ao consumidor:conceito e extenso. So Paulo: Revista dos

    Tribunais, 1994, p. 107.68 Agravo de Instrumento N 70018698092, Dcima Quarta Cmara Cvel, Tribunal de Justia do RS, Relator:

    Sejalmo Sebastio de Paula Nery, Julgado em 22/02/2007.

  • 7/24/2019 Andrea Nicotti

    17/42

    17

    comprovao da vulnerabilidade da pessoa jurdica - Embargante que sociedadeempresria, conta com prstimos de profissional da contabilidade, no se revelandohipossuficiente - Impossibilidade quando a inverso se opera no intuito apenas detransferir o custo da prova - Precedentes do Superior Tribunal de Justia - Decisomantida - Recurso no provido. (Agravo de Instrumento n. 7.072.838-0 - So Paulo

    - 12 Cmara de Direito Privado - Relator: Amado de Faria - 13.09.06 - V.U. - Voton. 5.393)

    O tema mereceu igual tratamento no tribunal do Rio de Janeiro:

    AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXCEO DE INCOMPETNCIA. CDC.FORO DE DOMICLIO DO AUTOR. INAPLICABILIDADE. INCIDNCIA DATEORIA FINALISTA. NO SENDO O EXCEPTO DESTINATRIO FINAL DOPRODUTO OU SERVIO, NO E COMPETENTE O JUZO DO FORO DO SEUDOMICILIO, DEVENDO INCIDIR A REGRA GERAL PROCESSUAL QUEFIXA A COMPETNCIA DO JUIZO DO FORO DO DOMICILIO DO RU, QUESENDO PESSOA JURDICA, CORRESPONDE AO DA SEDE DA EMPRESA.DESPROVIMENTO DO RECURSO. (agravo de instrumento n. 2005.002.18651 -Rio de Janeiro - DECIMA CAMARA CVEL - DES. SYLVIO CAPANEMA -Julgamento: 11/10/2005)

    A jurisprudncia de Minas Gerais tambm apresentava uma interpretao no sentidoeconmico de consumidor, exemplo o julgado que decidiu que a pessoa fsica que adquireveculo para desenvolver sua atividade profissional com objetivo de lucro no pode serenquadrada no conceito de destinatrio final.69

    O Supremo Tribunal Federal demonstrou tendncia finalista no julgado sintetizado porAdalberto Pasqualotto:

    A empresa brasileira "T", fabricante de toalhas e produtos afins, foi vencida pela

    exportadora irlandesa de algodo, "A", em demanda contratual decidida porarbitragem no exterior. A vencedora ingressou no STF com pedido de homologaode sentena estrangeira, que foi contestado pela vencida. Um dos argumentos

    principais da empresa brasileira era que a arbitragem fora convencionada emcontrato de adeso, sem a cautela de redao da clusula compromissria emnegrito. O STF decidiu que o contrato no era de adeso e que o laudo exarado [nadeciso arbitral] nada tem a ver com o Cdigo Nacional de Defesa do Consumidor,

    para escusar-se a devedora da obrigao assumida, por no se aplicar empresaimportadora de produto destinado a consumidor final, conforme prev o art. 2, quedefine o consumidor como toda "pessoa fsica ou jurdica que adquire ou utiliza

    produto ou servio como destinatrio final (grifo do acrdo). Induvidosamente, acorte suprema interpretou o conceito de consumidor em sentido econmico, segundoa teoria finalista, afastando a hiptese de que um insumo caracterize objeto de

    relao de consumo.70

    O STJ, que adotava, at recentemente, os argumentos mais moderados da teoriamaximalista, segue, atualmente, uma posio mais coerente com a teoria finalista e harmnicacom o STF, como ilustra o precedente que segue:

    69 AO REVISIONAL - CONTRATO DE ABERTURA DE CRDITO - PESSOA FSICA QUE ADQUIREVECULO PARA O DESENVOLVIMENTO DE SUA ATIVIDADE ECONMICA - NO-ENQUADRAMENTO NO CONCEITO DE DESTINATRIO FINAL - INAPLICABILIDADE DOCODECON - COMISSO DE PERMANNCIA - TAXA DE MERCADO - VEDAO - MULTACONTRATUAL - INTELIGNCIA DO ART. 413 DO CDIGO CIVIL - HONORRIOS

    ADVOCATCIOS FIXADOS EM SALRIOS MNIMOS - SMULA 201 DO STJ. (Ao Revisional n.2.0000.00.447921-2/000(1), Data do acordo: 21/09/2004, Data da publicao: 23/10/2004, Relator:TARCISIO MARTINS COSTA).

    70 PASQUALOTTO, 2005, p. 141-142.

  • 7/24/2019 Andrea Nicotti

    18/42

    18

    COMPETNCIA. RELAO DE CONSUMO. UTILIZAO DEEQUIPAMENTO E DE SERVIOS DE CRDITO PRESTADO POR EMPRESAADMINISTRADORA DE CARTO DE CRDITO. DESTINAO FINALINEXISTENTE.- A aquisio de bens ou a utilizao de servios, por pessoa natural ou jurdica, com

    o escopo de implementar ou incrementar a sua atividade negocial, no se reputacomo relao de consumo e, sim, como uma atividade de consumo intermediria.Recurso especial conhecido e provido para reconhecer a incompetncia absoluta daVara Especializada de Defesa do Consumidor, para decretar a nulidade dos atos

    praticados e, por conseguinte, para determinar a remessa do feito a uma das VarasCveis da Comarca. (Recurso Especial n.541867, Segunda Seo, Min. Antnio dePdua Ribeiro, Data do Julgamento 10/11/2004, Data da Publicao/Fonte DJ16.05.2005 p. 227, RDR vol. 31 p. 349, RSTJ vol. 200 p. 260).

    Contudo, como assevera Adalberto Pasqualotto71, a discusso entre finalistas emaximalistas parece ter encontrado um fim com a definio de empresrio, no artigo 966 doCdigo Civil de 2002. A lei assim dispe: Art. 966: Considera-se empresrio quem exerce

    profissionalmente atividade organizada para a produo ou circulao de bens ou deservios.Desta forma, o Cdigo Civil considera atividades prprias do fornecedor a

    transformao, a produo, a distribuio e a comercializao de bens e de produtos, conceitoque converge com o pensamento finalista, bem como com a teoria econmica de destinatriofinal.

    Nas palavras do autor:

    O conceito harmnico com o CDC, que define fornecedor no caput do art. 3 comoquem desenvolve atividades de produo, montagem, criao, construo,transformao, importao, exportao, distribuio ou comercializao de

    produtos ou presta servios. interessante notar que a celeuma entre maximalismoe finalismo parece ter ignorado esse texto, que expresso em considerar atransformao como atividade prpria de fornecedor, alm de consignar todas asetapas do processo econmico, antecedentes ao consumo: produo, distribuio ecomercializao, alm de algumas derivaes (montagem, criao e construo,equivalentes produo; importao e exportao), correspectivas dacomercializao72.

    O Cdigo Civil de 2002 tambm traz outra contribuio importante na delimitao doconceito de consumidor no pargrafo nico do j citado artigo 966:

    Pargrafo nico: No se considera empresrio quem exerce profisso intelectual, denatureza cientfica, literria ou artstica, ainda com o concurso de auxiliares ou

    colaboradores, salvo se o exerccio da profisso constituir elemento da empresa.

    O caput do artigo 966 do Cdigo civil determina sua aplicao ao empresrio contigona regra geral, incluindo-se, por conseguinte, a lei especial aos excludos dessa categoria, quevm conceituados no pargrafo nico do dispositivo legal. Assim, os que exercem profissointelectual, de natureza cientfica, literria ou artstica, embora possuam atividade de naturezaeconmica, sero regulados pelo Cdigo de Defesa do Consumidor, desde que no estejamorganizados empresarialmente73.

    71 Ibid., p. 146.72PASQUALOTTO, 2005, p. 146.73 Ser o caso de profissionais liberais que trabalhem por conta prpria, como pesquisadores, escritores e artistas

    (PASQUALOTTO, 2005, p. 147).

  • 7/24/2019 Andrea Nicotti

    19/42

    19

    Parece restar dirimida, com isso, a questo sobre os campos de aplicao do Cdigo deDefesa do Consumidor e do Cdigo Civil de 2002, regulando, este, as relaes entre civis e asrelaes entre empresrios, e, aquele, as relaes entre consumidores e fornecedores.

    2.3 PRINCIPIOLOGIA

    No captulo anterior, destacamos a relevncia dos princpios na concretizao de umaaplicao justa do direito, por representarem, na ordem jurdica contempornea, a baseaxiolgica de qualquer interpretao, formando o corao da noo de sistema normativoaberto e dinmico74. Ressaltando a importncia dos princpios no direito contemporneo,Humberto vila afirma que "[...] at mesmo plausvel afirmar que a doutrina constitucionalvive, hoje, a euforia do que se convencionou chamar deEstado Principiolgico".75

    Relevante, portanto, analisar os princpios presentes no Cdigo de Defesa doConsumidor e no Cdigo Civil de 2002, a fim de constatar se existe ou no, no aspecto

    principiolgico, congruncia entre os dois diplomas, fator indispensvel para a compreenso

    do real esprito normativo destas duas leis, bem como para a busca de uma harmonizao deantinomias atravs do dilogo entre elas.76

    2.3.1 Distino entre princpios e regras

    Nesta primeira parte do estudo sobre a principiologia do Cdigo de Defesa doConsumidor e do Cdigo Civil, importante examinarmos a definio de princpio. Para issoconvm, ainda preliminarmente, apresentar as principais distines entre princpios e regras.

    Em substituio teoria clssica, a nova concepo opera uma discusso entre regras eprincpios como duas espcies de normas jurdicas. A literatura sobre o modo de entender adiferena entre os princpios e as regras jurdicas extensssima e demonstra no somente ocarter problemtico, como tambm a relevncia dessa distino a qual se presta uma atenocrescente77. A inteno deste estudo no investigar todas as concepes acerca da distinoentre princpios e regras, mas trazer ao trabalho as principais contribuies e os critriosevidenciados pela teoria contempornea com relao ao tema.

    Para Josef Esser, os princpios so normas que estabelecem fundamentos para quedeterminado mandamento seja encontrado. Assim, a diferena entre os princpios e as regrasseria uma distino qualitativa. O critrio distintivo dos princpios em relao s regras seria,

    portanto, a funo de fundamento normativo para a tomada de deciso78.Canaris entende que os princpios se diferenciam das regras em razo de seu contedo

    axiolgico e do modo de interao com outras normas: Em primeiro lugar, os princpios, ao

    contrrio das regras, possuem um contedo axiolgico explcito, e carecem, por isso, deregras para sua concretizao. Em segundo lugar, com relao ao modo de interao comoutras normas do ordenamento, os princpios, diferentemente das regras, receberiam seucontedo somente por meio de um processo dialtico de complementao e limitao79.

    Porm, foi atravs dos estudos de Ronald Dworkin e, posteriormente, Robert Alexy,que a definio de princpio recebeu decisiva contribuio.

    74 JUSEFOVICZ, 2005, p. 306.75VILA, Humberto. Teoria dos Princpios.3.ed. So Paulo: Malheiros, 2004, p. 15.76 No mesmo sentido, Cludia Lima Marques: A convergncia de campos de aplicao pode levar ao

    "conflito", j a convergncia de princpios o caminho para o dilogo de fontes (PASQUALOTTO, 2005, p.

    21).77 JUSEFOVICZ, 2005, p. 288.78 ESSER apudVILA, 2004, p. 27.79CANARIS, 2002, p. 88-99.

  • 7/24/2019 Andrea Nicotti

    20/42

    20

    Para Dworkin, a distino entre regras e princpios no consiste em uma distino degrau, mas em uma diferenciao quanto estrutura lgica:

    La diferencia entre principios jurdicos y normas jurdicas es uma distincin lgica.

    Ambos conjuntos de estndares apuntam a decisiones particulares referentes a laobligacin jurdica en determinadas circunstancias, pero diferen en el carcter de laorientacin que dan. Las normas son aplicables a la manera de disyuntivas. Si loshechos que estipula uma norma estn dados, entonces o bien la norma es vlida, emcuyo caso la respuesta que da debe ser aceptada, o bien no lo es, y entonces noaporta nada a la decisin.80

    Assim, o autor sugere que, no caso de coliso de regras, uma delas deve serconsiderada invlida. J os princpios, em sentido inverso, podem ser conjugados entre simantendo sua validade, pois contm uma caracterstica que falta s normas: a dimenso de

    peso ou importncia. Deste modo, em caso de coliso, quien debe resolver el conflicto tieneque tener en cuenta el peso relativo de cada uno81.

    Robert Alexy prope uma distino qualitativa entre regras e princpios, no sentido deque os princpios so comandos de otimizao, ou seja, normas que ordenam que algo sejarealizado na maior medida possvel, dentro das possibilidades fticas e jurdicas existentes.Assim, nos casos de coliso de princpios, aps a ponderao entre eles, dever prevalecer oque apresenta, diante do caso concreto, maior peso e relevncia, a depender dascircunstncias. J no caso de um conflito de regras, a soluo se dar atravs da declarao deinvalidade de uma delas ou abertura de uma exceo que exclua a antinomia. Nas palavras doautor:

    [...] os principios son mandatos de optimizacin, que estn caracterizados por elhecho de que pueden ser cumplidos em diferente grado y que la medida debida de sucumplimiento no slo depende de las posibilidades reales sino tambin de las

    jurdicas. El mbito de las posibilidades jurdicas es determinado por los principios ereglas opuestos. Em cambio, las reglasson normas que solo pueden ser cumplidas ono. Si uma regla es vlida, entonces de hacerse exactamente lo que ella exige, ni msni menos. Por lo tanto, las reglas contienen determinaciones en el mbito de lofctica y jurdicamente posible. Esto significa que la diferencia entre reglas e

    principios es cualitativa y no de grado. 82

    Sintetizando as principais teorias doutrinrias, Humberto vila aponta os quatrocritrios usualmente empregados para a distino entre princpios e regras83:

    O critrio do carter hipottico-condicional se fundamenta no fato de as regraspossurem uma hiptese e uma conseqncia que predeterminam a deciso, sendo aplicadas

    ao modo se, ento, ao passo que os princpios apenas indicam o fundamento a ser utilizadopelo aplicador para futuramente encontrar a regra para o caso concreto. Em seguida, o critriodo modo final de aplicaose baseia no fato de as regras serem aplicadas de modo absoluto(tudo ou nada), enquanto os princpios so aplicados de modo gradual. O critrio dorelacionamento normativo, por sua vez, se fundamenta no fato de que o conflito entre regrasapenas pode ser resolvido atravs da declarao de invalidade de uma das regras ou com acriao de uma exceo, enquanto em casos de coliso de princpios a soluo poder se daratravs da ponderao, pela qual se atribui uma dimenso de peso a cada princpio. E, por fim,

    80DWORKIN, Ronald. Los derechos en serio.Barcelona: Ariel, 1997, p. 74-75.81Ibid., p. 77.82 ALEXY, Robert. Teora de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales,

    1997, p. 86-87.83 VILA, 2004, p. 30-31.

  • 7/24/2019 Andrea Nicotti

    21/42

    21

    o critrio dofundamento axiolgicoconsidera os princpios, diferentemente das regras, comofundamentos axiolgicos para a deciso a ser tomada.

    Essa breve abordagem sobre as principais distines entre regras e princpios jurdicosser de fundamental importncia para o trabalho, na medida em que o papel dos princpios na

    interpretao das leis cada vez mais relevante, desempenhando uma funo constitutiva detodo o ordenamento jurdico, alm de ser necessrio, para o alcance de um equilbrio entre oCdigo de Defesa do Consumidor e o Cdigo Civil de 2002, uma verdadeira interao entreas regras e os princpios de ambos os diplomas.

    2.3.2 Boa-f

    A expresso "boa-f" remonta ao Direito Romano, que, a princpio, fazia refernciaapenas afides, posteriormente adquirindo a significao da expresso "bona fides84. Com odecorrer dos sculos, a boa-f renovou-se e difundiu-se, encontrando-se, hoje, impregnada emtodos os aspectos na nossa legislao.

    Para Teresa Negreiros,

    A fundamentao constitucional do princpio da boa-f assenta na clusula geral detutela da pessoa humana - em que esta se presume parte integrante de umacomunidade, e no um ser isolado, cuja vontade em si mesma fosse absolutamentesoberana, embora sujeita a limites externos. Mais especificamente, possvelreconduzir o princpio da boa-f ao ditame constitucional que determina comoobjetivo fundamental da Repblica a construo de uma sociedade solidria, na qualo respeito pelo prximo seja um elemento essencial de toda e qualquer relao

    jurdica. Neste sentido, a incidncia da boa-f objetiva sobre a disciplinaobrigacional determina uma valorizao da dignidade da pessoa, em substituio autonomia do indivduo, na medida em que se passa a encarar as relaesobrigacionais como um espao de cooperao e solidariedade entre as partes e,sobretudo, de desenvolvimento da personalidade humana. 85

    Hodiernamente, a doutrina distingue boa-f objetiva e boa-f subjetiva. A boa-fsubjetiva pode ser entendida como o "estado psquico de conhecimento ou desconhecimento,de inteno ou falta de inteno da parte da relao"86, enquanto a boa-f objetiva impe umdever de conduta. Nas palavras de Judith Martins-Costa, boa-f objetiva significa um

    modelo de conduta social, arqutipo ou standard jurdico, segundo o qual "cadapessoa deve ajustar a prpria conduta a esse arqtipo, obrando como obraria umhomem reto: com honestidade, lealdade, probidade". Por este modelo objetivo deconduta levam-se em considerao os fatores concretos do caso, tais como o status

    pessoal e cultural dos envolvidos, no se admitindo uma aplicao mecnica dostandard, de tipo meramente subjuntivo 87.

    Teresa Negreiros ressalta que a abrangncia do princpio da boa-f objetiva contornada mediante uma tripartio das funes, quais sejam: cnon interpretativo-integrativo; norma de criao de deveres jurdicos; e norma de limitao ao exerccio dedireitos subjetivos. Em comum, estas trs funes atribudas boa-f compartilham uma

    84 BARLETTA, 2002, p. 116.85 NEGREIROS, 2006, p. 118.86 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Responsabilidade pr-contratual no Cdigo de Defesa do Consumidor:

    estudo comparativo com a responsabilidade contratual no direito comum. Revista de Direito doConsumidor. v. 18, abr./jun. 1996, p. 25.

    87MARTINS-COSTA, Judith. Boa-F no Direito Privado.So Paulo. Revista dos Tribunais, 2000, p. 411.

  • 7/24/2019 Andrea Nicotti

    22/42

    22

    mesma concepo acerca da relao contratual como sendo uma relao de cooperao e derespeito mtuo, e no de perseguio egosta da satisfao individual88.

    Foi nesse sentido objetivo que a boa-f, sob a forma de uma clusula geral, foiexpressamente consagrada no Cdigo de Defesa do Consumidor, como fundamento para a

    declarao de nulidade da clusula contratual que a transgrida:

    Art. 51. So nulas de pleno direito, entre outras, as clusulas contratuais relativas aofornecimento de produtos e servios que [...] IV - estabeleam obrigaesconsideradas inquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagemexagerada, ou sejam incompatveis com a boa-f ou a eqidade; [...]

    Alm do mais, o artigo 4, inciso III do Cdigo de Defesa do Consumidor, que dispesobre a Poltica Nacional de Relaes de Consumo, estabelece como uma de suas diretrizes o

    princpio da boa-f:

    Art. 4. A Poltica Nacional das Relaes de Consumo tem por objetivo o

    atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito sua dignidade, sade esegurana, a proteo de seus interesses econmicos, a melhoria da sua qualidade devida, bem como a transparncia e harmonia das relaes de consumo, atendidos osseguintes princpios:[...]III - harmonizao dos interesses dos participantes das relaes de consumo ecompatibilizao da proteo do consumidor com a necessidade de desenvolvimentoeconmico e tecnolgico, de modo a viabilizar os princpios nos quais se funda aordem econmica (art. 170, da Constituio Federal), sempre com base na boa-f eequilbrio nas relaes entre consumidores e fornecedores; [...].

    No novo Cdigo Civil, a boa-f tambm est presente, definida no somente comocritrio de interpretao da declarao de vontade nos negcios jurdicos (artigo 113) e devalorao da abusividade no exerccio de direitos subjetivos (artigo 187)89, mas, igualmente,como uma regra de conduta imposta aos contratantes, como expressamente objetiva o artigo422: "Os contraentes so obrigados a guardar, assim na concluso do contrato, como em suaexecuo, os princpios da probidade e da boa-f"90.

    Pode-se concluir, pois, que as disposies do Cdigo Civil sobre a boa-f completamas que constavam no Cdigo de Defesa do Consumidor. Por isso, a clusula geral da boa-fno Cdigo de Defesa do Consumidor e as clusulas gerais sobre boa-f no Cdigo Civil

    podem ser aplicadas complementarmente91.Por fim, vale ressaltar que a boa-f no direito privado brasileiro se coaduna com a

    Constituio Federal, que positiva o princpio da solidariedade ao estabelecer, como objetivos

    da Repblica, a construo de uma sociedade livre, justa e solidria. Logo, o princpio daboa-f deve estar presente em toda relao jurdica, na medida em que significa a honestidadee ajustianas condies gerais estabelecidas92.

    2.3.3 Equilbrio econmico

    88 NEGREIROS, 2006, p. 118-119.89

    In verbis: Art.113: Os negcios jurdicos devem ser interpretados conforme a boa-f e os usos do lugar de suacelebrao;Art. 187: Comete ato ilcito o titular de um direito que, ao exerc-lo, excede manifestamente os limitesimpostos pelo seu fim econmico ou social, pela boa-f ou pelos bons costumes.

    90 NEGREIROS, 2006, p. 128.91 AGUIAR JNIOR, Ruy Rosado de. O novo cdigo civil e o cdigo de defesa do consumidor: pontos deconvergncia. Revista de Direito do Consumidor. So Paulo, p. 55-68, n. 48, 2004, p. 60-61.

    92 NEGREIROS, op. cit., p. 159.

  • 7/24/2019 Andrea Nicotti

    23/42

    23

    Assim como o princpio da boa-f, o princpio do equilbrio econmico tambmencontra fundamento na Constituio Federal. A vedao a que as prestaes contratuaisapresentem um desequilbrio real e injustificvel entre as vantagens obtidas por um e poroutro dos contratantes, ou seja, a vedao a que se desconsidere o sinalagma contratual em

    seu perfil funcional, constitui expresso do princpio da igualdade substancial, consagrado noartigo 3, inciso III, da Constituio Federal, pressuposto da justia social que probe autilizao do contrato como um meio, sob a capa de um equilbrio meramente formal, paraque as prestaes em favor de um contratante lhe acarretem um lucro exagerado emdetrimento da outra parte93.

    Para Teresa Negreiros, em idia oposta liberdade consagrada no Cdigo de 1916, oprincpio do equilbrio econmico representa a interveno do estado nas relaes contratuais,avaliando seu contedo e resultado, mediante a comparao das vantagens e encargosatribudos a cada um dos contratantes e expressando a preocupao da teoria contratualcontempornea com o contratante vulnervel. Nas palavras da autora:

    [...] o princpio do equilbrio do contrato, postulando que os contratantes, mediante oestabelecimento de prestaes recprocas, se mantenham em um certo nvel de

    paridade, se configura como uma ponte entre o justo e o jurdico no domnio dasrelaes contratuais.94

    O princpio vem disposto no j citado artigo 4, inciso III do Cdigo de Defesa doConsumidor, que o define, juntamente com a boa-f, como base para a concretizao dosditames da Constituio Federal sobre a ordem econmica.

    Alm do mais, dispe ainda o Cdigo de Defesa do Consumidor, com base naproteo do sinalagma contratual, sobre a reviso por onerosidade excessiva:

    Art. 6: So direitos bsicos do consumidor: [...]V - a modificao das clusulas contratuais que estabeleam prestaesdesproporcionais ou sua reviso em razo de fatos supervenientes que as tornemexcessivamente onerosas.

    Ainda, o artigo 51, inciso IV, do Cdigo de Defesa do Consumidor estabelece que sonulas de pleno direito as clusulas que estabeleam obrigaes consideradas inquas, abusivas,que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou sejam incompatveis com a boa-fou a eqidade. Outrossim, presume-se exagerada, nos termos do pargrafo primeiro do artigo51, incisos II e III do CDC, a vantagem que ameace o equilbrio contratual, ou que sejaexcessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e contedo docontrato, o interesse das partes e outras circunstncias peculiares ao caso.

    O novo Cdigo Civil tambm apresenta dispositivos que visam ao restabelecimento doequilbrio econmico entre as partes contratantes. Os artigos 478 e 479, por exemplo,permitem a resoluo do contrato ou a modificao de seus termos na hiptese desupervenincia de acontecimentos extraordinrios que tornem a prestao excessivamenteonerosa para uma das partes em decorrncia de vantagem para a outra parte. Alm disso, ocdigo consagra o instituto da leso como defeito no negcio jurdico no artigo 157, quedispe:

    Art. 157. Ocorre leso quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou porinexperincia, se obriga a prestao manifestamente desproporcional ao valor da

    prestao oposta.

    93NEGREIROS, 2006, p. 157-158.94Ibid., p. 168.

  • 7/24/2019 Andrea Nicotti

    24/42

    24

    1. Aprecia-se a desproporo das prestaes segundo os valores vigentes ao tempoem que foi celebrado o negcio jurdico. 2. No se decretar a anulao do negcio, se for oferecido suplemento suficiente,ou se a parte favorecida concordar com a reduo do proveito.

    2.3.4 Funo social do contrato

    A funo social do contrato surge, na legislao brasileira, como meio para se evitarque a liberdade contratual prejudique as partes envolvidas. Assim, pode-se dizer que a funosocial "relativiza o clssico princpio contratual da relatividade entre os contratantes", umavez que vincula a anlise do contrato ao contexto social, levando-se em considerao,sobretudo, sua importncia na sociedade. Nas palavras de Teresa Negreiros:

    [...] a funo social do contrato, quando concebida como um princpio, antes dequalquer outro sentido e alcance que se lhe possa atribuir, significa muitosimplesmente que o contrato no deve ser concebido como uma relao jurdica

    que s interessa s partes contratantes, impermevel s condicionantes sociais queo cercam e que so por ele prprio afetadas.95

    A constatao do princpio no Cdigo Civil de 2002 clara. Dispe o artigo 421 que"a liberdade de contratar ser exercida em razo e nos limites da funo social". A dvida, noentanto, pode surgir quando busca-se algum dispositivo que se refira ao princpio no Cdigode Defesa do Consumidor. Teria o CDC adotado o princpio da funo social do contrato?

    A pergunta esclarecida ao se analisar o princpio bsico e definidor do Cdigo deDefesa do Consumidor, a vulnerabilidade96. Reconhecida no artigo 4, que dispe sobre os"princpios da poltica nacional das relaes de consumo", a vulnerabilidade fornece a razode ser do diploma: um cdigo protetivo. Assim, identificando os consumidores comoindivduos vulnerveis, toda a estrutura do Cdigo de Defesa do Consumidor estabelecidano sentido de tutelar, desigualmente, estes "desiguais" - diferentemente do que ocorre com oCdigo Civil, que regula as relaes entre empresrios e entre civis, a partir do pressupostode igualdade. Os reflexos da proteo especial destinada ao consumidor em razo de suacondio vulnervel podem ser percebidos, por exemplo, no artigo 6, que estipula osdireitos bsicos do consumidor. Nesse sentido, a possibilidade de inverso do nus da provano processo civil, prevista no inciso VII do referido artigo. Jos Reinaldo de Lima Lopesdispe sobre a importncia do princpio:

    [...] um princpio de carter estritamente normativo. Ele pode ser consideradoum princpio geral de interpretao, mais do que uma presuno, uma definioconstrutiva do consumidor: o consumidor , por definio, vulnervel e, por isso,

    todas as polticas (as aes concretas, os planos, a legislao e a adjudicao dosconflitos de consumo) devem presumir (postular) esta vulnerabilidade. 97

    Assim, se o Cdigo de Defesa do Consumidor no dispe explicitamente, em seutexto, sobre a funo social do contrato, pode-se entender, a partir da anlise da estrutura dodiploma, que, materialmente, a lei 8078/90 traz nsita a idia do princpio. Verifica-se, comisso, mais uma convergncia principiolgica entre os diplomas.

    95NEGREIROS, 2006, p. 208.96 Cludia Lima Marques salienta que a vulnerabilidade do consumidor pode ser tcnica, ftica (ou scio-

    econmica) ou jurdica, ressaltando as diversas formas como podem se manifestar as despropores entre as

    partes de uma relao de consumo (MARQUES, 2006, p. 147-149).97 LOPES, Jos Reinaldo de Lima. Direito Civil e Direito do Consumidor: Princpios. In: PFEFFEIR, RobertoA. C.; PASQUALOTTO, Adalberto (Coords.). Cdigo de Defesa do Consumidor e o Cdigo Civil de 2002:convergncias e assimetrias. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2005, p. 100.

  • 7/24/2019 Andrea Nicotti

    25/42

    25

    Pode-se concluir, a partir do exame elaborado, que o Cdigo Civil de 2002 no apenasno revogou a principiologia do diploma consumerista, como reafirmou os valores alicontidos. Dessa forma, ambos os cdigos trazem, em seu corpo, princpios como a boa-fobjetiva, o equilbrio econmico e a funo social do contrato. , indubitavelmente, um ponto

    de grande relevncia na possibilidade de harmonizao dessas leis.

    2.4 A NO REVOGAO DO CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR PELOCDIGO CIVIL DE 2002

    O pargrafo segundo do artigo 2 da Lei de Introduo ao Cdigo Civil dispe que alei nova que estabelea disposies gerais a par das j existentes, como o Cdigo Civil de2002, no revoga nem modifica a lei anterior, no caso, o Cdigo de Defesa do Consumidor.O pargrafo primeiro do artigo 2 da LICC estabelece, por sua vez, que a lei posteriorrevogar a anterior quando: expressamente o declare; regule inteiramente a matria de quetratava a anterior; ou seja com ela incompatvel.

    Vale lembrar que o artigo 2045 do Cdigo Civil, que revogou expressamente o Cdigocivil de 1916 e parte do Cdigo Comercial de 1850, foi silente com relao ao Cdigo deDefesa do Consumidor. Disps assim a lei: Art. 2045: Revogam-se a Lei 3071, de 1. de

    janeiro de 1916 - Cdigo Civil e a Parte Primeira do Cdigo Comercial, Lei 556, de 25 dejunho de 1850.

    O artigo 2043, sobre o mesmo assunto, ao preservar apenas as normas penais,administrativas e processuais, indica a existncia de uma revogao tcita das leis especiaisincorporadas expressamente no texto do Cdigo Civil de 2002:98

    Art. 2043. At que por outra forma se disciplinem, continuam em vigor asdisposies de natureza processual, administrativa ou penal, constantes de leis

    cujos preceitos de natureza civil hajam sido incorporados a este cdigo.

    Considerando que o Cdigo Civil de 2002 nada menciona sobre "consumidores", emnenhum artigo de seu diploma, conclui-se que o tema da proteo aos consumidores no foiincorporado ao novo cdigo. Assim, tambm o artigo 2043 do Cdigo Civil no pode seraplicado ao Cdigo de Defesa do Consumidor.

    Ademais, do estudado neste captulo, pode-se deduzir que, com campos de aplicaodistintos e diferena com relao s matrias tuteladas, o Cdigo Civil de 2002 no regulouinteiramente a matria de que trata o Cdigo de Defesa do Consumidor. Por fim, da anliseora elaborada, constata-se a convergncia de princpios entre os dois diplomas, o que resultana inexistncia de incompatibilidade. Conclui-se, com isso, que o Cdigo de Defesa do

    Consumidor no pode ser enquadrado em nenhum dos itens previstos no pargrafo primeirodo artigo 2 da LICC, no ocorrendo, portanto, sua revogao pelo novel diploma.

    3 ANTINOMIAS JURDICAS

    3.1 CONCEITO

    Questo particularmente relevante na coexistncia entre o Cdigo Civil de 2002 e oCdigo de Defesa do Consumidor se firmou no plano das antinomias jurdicas, j que, aps aentrada em vigor do novo diploma, em 1 de janeiro de 2003, estabeleceu-se umaconcorrncia de normas incidentes sobre algumas relaes jurdicas obrigacionais, uma vez

    98MARQUES, 2005, p. 26.

  • 7/24/2019 Andrea Nicotti

    26/42

    26

    que o Cdigo de Defesa do Consumidor, em vigncia desde 13 de maro de 1991, trata, emalguns dispositivos, sobre relaes de consumo. Em razo de ambas as leis serem ordinrias,colocou-se a questo de qual seria o critrio adequado para a superao de eventuais conflitossurgidos entre os dois diplomas.

    Primeiramente, imperioso conceituar o tema. De acordo com Trcio Sampaio FerrazJnior, antinomia jurdica aquela

    posio que ocorre entre duas normas contraditrias (total ou parcialmente),emanadas de autoridades competentes num mesmo mbito normativo, que colocamo sujeito em posio insustentvel pela ausncia de inconsistncia de critrios aptosa permitirem-lhe uma sada nos quadros de um ordenamento jurdico dado99.

    Norberto Bobbio, por sua vez, concebe antinomia jurdica como a situao que severifica entre duas normas incompatveis, desde que presentes os requisitos de pertencerem aomesmo ordenamento e possurem o mesmo mbito de validade (temporal, espacial, pessoal ematerial)100.

    Situando-nos em uma breve abordagem da evoluo histrica dos conflitosnormativos, tem-se que as antinomias se tornaram um problema terico-jurdico apenas nosculo XIX, com o advento do positivismo e da conseqente concepo do direito comosistema, que propiciaram o surgimento de condies imprescindveis para os problemas dacoerncia lgica do sistema jurdico e da existncia de conflitos de normas, como explicaMaria Helena Diniz:

    O vocbulo antinomiasurgiu na Antigidade nas lies de Plutarco e Quintiliano,este ltimo chegou at a escrever que numquam lex legi contraria iure sed eae casucolliduntur atque eventu, mas s atingiu certa relevncia jurdica no sculo XVII,com Goclenius, que, em sua obraLex philosophicum quotanquan clave philosophiae

    fores aperiuntur, de 1613, distinguiu a antinomia em sentido amplo, que ocorriaentre as sentenas e proposies, e a em sentido estrito, existente entre leispugnantia legum inter se. Esta acepo estrita foi adotada anos depois, em 1660, porEckolt, no seu livro De a