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Trabalho de Pesquisa MedveP - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2003, Curitiba, 1(4):273-81 Anemia Hemolítica em Cães Associada a Protozoários Protozoon-associated Hemolytic Anemia in Dogs Cristina Krauspenhar 1 Rafael Almeida Fighera 2 Dominguita Lühers Graça 3 Krauspenhar C, Fighera RA, Graça DL. Anemia hemolítica em cães associada a protozoários. Medvep – Rev Cientif Med Vet Pequenos Anim Anim Estim 2003, Curitiba, out/dez; 1(4):273-81. São descritos onze casos de anemia hemolítica em cães associada a protozoários intracitoplasmáticos em células endoteliais, diagnosticados no Setor de Patologia Veterinária da Universidade Federal de Santa Maria, de 1985 a 2003. Os animais acometidos eram machos e fêmeas, com idades que variavam de 6 meses a 10 anos. Os aspectos clínicos incluíam anorexia, apatia, vômito, emagrecimento, linfadenopatia e icterícia, presente em todos os casos. Na avaliação hematológica, realizada em seis dos onze casos, havia anemia hemolítica grave, caracterizada por intensa regeneração eritróide. Uma grande quantidade de esferócitos em quatro dos seis casos revelou uma provável origem imunomediada do processo. Na necropsia, os principais achados macroscópicos eram icterícia de intensidade variável, linfadenopatia, hepatomegalia e esplenomegalia. Na histologia, em todos os casos, podiam ser notados microorganismos morfologicamente compatíveis com protozoários no citoplasma de células endoteliais. Hematopoese extramedular, necrose de coagulação centrolobular no fígado e infiltrado inflamatório linfoistioplasmocitário nos órgãos parasitados eram achados freqüentes. Os dados clínicos, hematológicos, de necropsia e histopatológicos observados nos cães deste estudo sugerem que a doença trata-se de uma anemia hemolítica, possivelmente de fundo auto-imune, associada a um protozoário com características morfológicas e biológicas compatíveis com Rangelia vitalii. PALAVRAS-CHAVE: Infecções protozoárias em animais; Anemia hemolítica; Patologia veterinária; Patologia clínica; Hematologia. 1 Médica Veterinária; Mestranda – Departamento de Patologia – UFSM. Rua André Marques 402/102 – CEP 97010-041, Santa Maria, RS; e-mail: [email protected] 2 Médico Veterinário; Mestrando – Departamento de Patologia – UFSM; e-mail: [email protected] 3 Médica Veterinária; PhD; Professora Titular – Departamento de Patologia – UFSM; e-mail: [email protected]

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Trabalho de Pesquisa

MedveP - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animaise Animais de Estimação 2003, Curitiba, 1(4):273-81

Anemia Hemolítica em Cães Associada aProtozoários

Protozoon-associated Hemolytic Anemia in

Dogs

Cristina Krauspenhar1

Rafael Almeida Fighera2

Dominguita Lühers Graça3

Krauspenhar C, Fighera RA, Graça DL. Anemia hemolítica em cães associada a protozoários. Medvep – Rev Cientif Med VetPequenos Anim Anim Estim 2003, Curitiba, out/dez; 1(4):273-81.

São descritos onze casos de anemia hemolítica em cães associada a protozoáriosintracitoplasmáticos em células endoteliais, diagnosticados no Setor de Patologia Veterinária daUniversidade Federal de Santa Maria, de 1985 a 2003. Os animais acometidos eram machos efêmeas, com idades que variavam de 6 meses a 10 anos. Os aspectos clínicos incluíam anorexia,apatia, vômito, emagrecimento, linfadenopatia e icterícia, presente em todos os casos. Naavaliação hematológica, realizada em seis dos onze casos, havia anemia hemolítica grave,caracterizada por intensa regeneração eritróide. Uma grande quantidade de esferócitos emquatro dos seis casos revelou uma provável origem imunomediada do processo. Na necropsia,os principais achados macroscópicos eram icterícia de intensidade variável, linfadenopatia,hepatomegalia e esplenomegalia. Na histologia, em todos os casos, podiam ser notadosmicroorganismos morfologicamente compatíveis com protozoários no citoplasma de célulasendoteliais. Hematopoese extramedular, necrose de coagulação centrolobular no fígado einfiltrado inflamatório linfoistioplasmocitário nos órgãos parasitados eram achados freqüentes.Os dados clínicos, hematológicos, de necropsia e histopatológicos observados nos cães desteestudo sugerem que a doença trata-se de uma anemia hemolítica, possivelmente de fundoauto-imune, associada a um protozoário com características morfológicas e biológicas compatíveiscom Rangelia vitalii.

PALAVRAS-CHAVE: Infecções protozoárias em animais; Anemia hemolítica; Patologia veterinária;Patologia clínica; Hematologia.

1 Médica Veterinária; Mestranda – Departamento de Patologia – UFSM. Rua André Marques 402/102 –CEP 97010-041, Santa Maria, RS; e-mail: [email protected]

2 Médico Veterinário; Mestrando – Departamento de Patologia – UFSM; e-mail: [email protected] Médica Veterinária; PhD; Professora Titular – Departamento de Patologia – UFSM;

e-mail: [email protected]

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Anemia Hemolítica em Cães Associada a Protozoários

INTRODUÇÃODesde 1985, vem sendo diagnosticada uma

enfermidade em cães necropsiados no Setor dePatologia Veterinária da Universidade Federal deSanta Maria, caracterizada por icterícia e ane-mia. Os animais afetados desenvolvem quadroshemolíticos graves que, quando não tratados,culminam em morte. Em todos os casos necrop-siados, observaram-se, ao exame histológico oucitológico, microorganismos no citoplasma decélulas endoteliais de diversos órgãos. Essesmicroorganismos eram morfologicamentecompatíveis com protozoários. Os achadosclínicos e laboratoriais indicaram que a doençaé uma entidade específica e que o protozoárioestá associado à etiopatogênese.

Este trabalho descreve os achados clínicos,hematológicos, citológicos, epidemiológicos, denecropsia e histopatológicos dessa enfermidadeem onze cães; relata os estudos realizados até opresente momento para estabelecer a naturezaexata do agente etiológico, sugerindo sua carac-terização e apresenta dados da reprodução expe-rimental da doença em um cão jovem suscetível.

MATERIAL E MÉTODOSDados referentes à epidemiologia, sinais clí-

nicos, patologia clínica, achados de necropsia ehistopatológicos dos casos aqui descritos foramobtidos através de levantamento dos arquivos doSetor de Patologia Veterinária da UniversidadeFederal de Santa Maria, no período de 1985 a2003. Os materiais armazenados em formol e blo-cos de parafina foram processados para histologiae corados pela hematoxilina e eosina.

De seis cães doentes, foi colhido sanguecom anticoagulante (ácido etileno-diaminotetracético [EDTA] a 10%) para realiza-ção do hemograma. Os hemogramas foram fei-tos manualmente, conforme técnicas convencio-nais, constituindo-se de 1) contagem de eritró-citos e leucócitos em câmara de Neubauer,utilizando-se, respectivamente, líquido de Hayene líquido de Turk como diluentes; 2) determina-ção do hematócrito por centrifugação demicrocapilares por cinco minutos a 7.000RPM;3) determinação do volume corpuscular médio(VCM) e da concentração de hemoglobinacorpuscular média (CHCM) por cálculo; 4) deter-minação de hemoglobina pelo método dacianometemoglobina, utilizando reagentes co-merciais; e 5) análise de esfregaços corados porpanótico rápido para a diferenciação celular,

pesquisa de microorganismos e alteraçõesmorfológicas nas células.

De três dos seis cães coletados, foi aindarealizada contagem de plaquetas em câmara deNeubauer, utilizando-se líquido de Rees & Eckercomo diluente. De seis cães doentes, foramcoletados fragmentos de linfonodo, baço, fígadoe medula óssea, para confecção de imprints, a fimde se evidenciarem citologicamente os microor-ganismos. Essas lâminas foram coradas porpanótico rápido. Material oriundo de blocos deparafina foi processado para imuno-histoquímica,utilizando anticorpos contra Neospora canis,Toxoplasma gondii e Leishmania donovani.

Para reprodução experimental, um cãomacho, cocker spaniel, de dois meses de idade,recebeu por via intravenosa 3ml de sangueoriundo de um cão (número 11) afetado pelaenfermidade. Esse cão foi avaliado clinicamentede oito em oito horas, até desenvolver a doen-ça. No exame clínico eram avaliados: freqüênciacardíaca, freqüência respiratória, temperatura,coloração das mucosas e estado geral.

RESULTADOSCasos espontâneosEntre 1985 e 2003, foram necropsiados 11

cães com icterícia e anemia associada amicroorganismos localizados no interior de cé-lulas endoteliais de diversos órgãos. Dados re-ferentes à idade, raça e sexo dos cães e à épocado ano em que a doença ocorreu podem serobservados na Tabela 1.

O principal sinal clínico, observado em to-dos os casos, foi icterícia de intensidade variá-vel. Outros sinais clínicos constantes, mas me-nos específicos, incluíam anorexia, apatia, vômi-to e desidratação. Sinais clínicos relatados commenor regularidade foram: diarréia com sangue(4/11), sangramento pelas orelhas (3/11),edema subcutâneo dos membros pélvicos (2/11),emagrecimento (2/11), linfadenopatia (1/11) epetéquias em mucosas (1/11).

As alterações hematológicas encontradasnos seis cães estudados foram as seguintes:quatro cães apresentaram anemia macrocíticahipocrômica acentuada, com hematócritos quevariavam de 13% a 22%. Outros dois cães de-senvolveram anemia normocítica normocrômicaacentuada, com hematócritos que oscilavamentre 18% e 26%. Os níveis de hemoglobina e acontagem de eritrócitos eram baixos em todosos casos e os valores de volume corpuscularmédio (VCM) e de concentração de hemoglobina

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corpuscular média (CHCM) eram elevados (92 a128 fentolitros) e diminuídos (26% a 29%), res-pectivamente, nos casos de anemia macrocítica

hipocrômica. Nos casos de anemia normocíticanormocrômica esses valores oscilavam de 61 a72 fentolitros (VCM) e 33% a 35% (CHCM).

Número Protocolo Idade Raça Sexo Mês de ocorrência

1 Vn-105-85 7 meses pastor alemão macho julho2 Vn-076-90 10 anos pointer macho maio3 Vn-230-90 1 ano fila brasileiro fêmea setembro4 Vn-291-91 2 anos poodle macho novembro5 Vn-220-93 9 anos doberman macho setembro6 Vn-133-00 8 meses boxer macho junho7 Vn-177-01 1 ano boxer macho julho8 Vn-261-01 4 anos SRD fêmea outubro9 Vn-262-01 8 meses SRD macho outubro10 Vn015-03 6 meses cocker spaniel fêmea janeiro11 Vn034-03 6 anos pastor alemão fêmea fevereiro

TABELA 1: Anemia hemolítica em cães associada a protozoário. Dados epidemiológicos dos casos espontâneos diagnosticados no Setorde Patologia Veterinária da Universidade Federal de Santa Maria de 1985 a 2003.

No leucograma, quatro dos seis cães apre-sentavam desvio à esquerda regenerativo, doisanimais apresentavam linfocitose e um desen-volveu monocitose. Dos três cães em que foramrealizadas contagens de plaquetas, dois apre-sentavam trombocitopenia moderada (64.000 e78.000 plaquetas/mm3 de sangue). Os achadoshematológicos vistos nos esfregaços sangüíneoscaracterizavam-se por intensa regeneraçãoeritróide. Havia acentuada policromasia eanisocitose em todos os casos. Em quatro casospodiam ser notados muitos corpúsculos deHowell-Jolly. Metarrubricitemia leve a acentua-da, que variou de 3 a 224 metarrubrícitos paracada 100 leucócitos foi observada em todos oscães. Em dois cães pôde ser vista eritrofagocitose.Um achado característico de quatro dos seis ca-sos foi a esferocitose, que variou de leve a acen-tuada. Em três casos, havia muitas macropla-quetas nos esfregaços, dois dos quais corres-pondiam aos cães trombocitopênicos. Em todosos cães que realizaram hemograma o plasmaestava intensamente ictérico. Em nenhum doshemogramas realizados em seis cães pôde sernotado qualquer tipo de microorganismo, den-tro ou fora dos eritrócitos, leucócitos ou plaquetascirculantes.

Em todos os casos, a avaliação da medulaóssea por imprints realizados durante a necropsiarevelou intensa hiperplasia eritróide, caracteri-zada pela inversão da relação mielóide:eritróidee pela grande quantidade de precursoreseritróides em mitose. Em quatro cães foi possívelvisualizar agrupamentos de parasitas arredon-

dados com aproximadamente 2,0 micrômetrosde diâmetro cada no interior de célulasendoteliais. Esses parasitas apresentavamcitoplasma azul-claro e núcleo violáceo. A avali-ação citológica dos outros órgãos (baço,linfonodo e fígado) não demonstroumicroorganismos, apenas um infiltrado inflama-tório predominantemente linfoplasmocitário.

Achados de necropsia incluíam icterícia, queera acentuada em 7 cães (cães 1, 2, 3, 4, 6, 7 e9) (Figura 1) e leve ou moderada em quatro (cães5, 8, 10 e 11). Todos os cães apresentavamlinfonodos aumentados de volume, averme-lhados e úmidos, esplenomegalia (Figura 2) ehepatomegalia. O baço, quando cortado,demonstrava protrusão da polpa vermelha porsobre a cápsula. Notavam-se hemorragias nopulmão (8/11), epicárdio (5/11) e intestinodelgado (4/11). Edema subcutâneo nos mem-bros pélvicos (2/11) e petéquias em mucosas (1/11) foram outras alterações anotadas irregular-mente. Os rins apresentavam coloração que va-riava de pálida a amarelo-esverdeada. Em al-guns animais foi observado, com menor freqüên-cia, edema pulmonar, tonsilas aumentadas eavermelhadas, e hidropericárdio.

As lesões microscópicas foram qualitativa-mente as mesmas nos 11 animais necropsiados,variando de intensidade conforme o órgão exa-minado. Um infiltrado inflamatório constituídoprincipalmente por linfócitos, plasmócitos emacrófagos estava presente em vários órgãos,mas mais constantemente nos rins, coração,linfonodos, baço, tonsilas e fígado. No rim, esse

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infiltrado podia ser visto entre os túbulos e nomesângio. No coração, infiltrado inflamatóriomultifocal era visto entre as fibras musculares.Tanto no baço quanto nos linfonodos e tonsilas,era possível notar hiperplasia linfóide, caracteri-zada pela formação de múltiplos centros germi-nativos nos folículos. Um infiltrado semelhante aovisto nos outros locais estava também presentenesses órgãos, na maior parte dos casos.

protozoário (imidocarb), foram observadosmicroorganismos arredondados ou ovalados,com aproximadamente 2,0µm de diâmetro, nointerior das células endoteliais. Essesmicroorganismos eram melhor evidenciados emesfregaços de medula óssea corados porpanótico rápido e apresentavam citoplasma cla-ro e núcleo redondo e basofílico. Os microor-ganismos foram vistos em ordem decrescentede freqüência nos rins (7/11), linfonodos (7/11) (Figura 3), fígado (6/11), medula óssea (4/11), baço (3/11), tonsilas (2/11), pulmão,encéfalo, estômago e vesícula biliar (1/11). Aavaliação da prevalência quanto aos locaisonde os microorganismos foram observados foiprejudicada, pois não foram coletados sempreos mesmos órgãos.

Os exames imuno-histoquímicos realizadosa partir de material oriundo de blocos de parafi-na, utilizando anticorpos contra Neospora canis,Toxoplasma gondii e Leishmania donovani, tiveramresultado negativo.

FIGURA 1: Mucosa da cavidade oral. Observa-se acentuadaicterícia.

FIGURA 2: Baço, esplenomegalia. Observa-se hiperplasia dosfolículos linfóides.

Em seis dos 11 animais necropsiados ha-via necrose centrolobular acentuada, oriundada hipóxia gerada pela anemia. Hematopoeseextramedular no fígado foi um achado freqüen-te, ocorrendo em 8 dos 11 casos. Nas tonsilase linfonodos de um dos 11 cães necropsiadospodiam ser vistas células gigantes multinu-cleadas, por vezes fagocitando células endote-liais parasitadas. Além disso, em alguns casoshavia grande quantidade de macrófagos comeritrócitos fagocitados em seu citoplasma(eritrofagocitose). Em todos os cães, com exce-ção dos animais números 10 e 11, que haviamsido tratados com medicamento anti-

FIGURA 3: Linfonodo, aspecto microscópico dos protozoários nocitoplasma de células endoteliais.

CASO EXPERIMENTALA doença foi reproduzida experimentalmen-

te em um cão macho, cocker spaniel, de dois me-ses de idade, que recebeu por via intravenosa3ml de sangue oriundo de um cão (número 11)afetado pela doença. O animal desenvolveu adoença após 15 dias (período de incubação) emorreu em 7 dias (evolução clínica). Os sinaisclínicos observados inicialmente foram anorexia,apatia, vômito e desidratação. Diarréia com san-gue e convulsões foram observadas mais tardi-amente.

Na necropsia do cão experimental, todasas mucosas estavam pálidas e o sangue eraacentuadamente aquoso (anemia acentuada).Esplenomegalia era evidente e o fígado estava

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aumentado e levemente amarelado. Todos oslinfonodos estavam suculentos e avermelhados,havia edema pulmonar e perirrenal. Hemorragi-as podiam ser vistas no pulmão e epicárdio (Fi-gura 4); na mucosa do intestino delgado haviafilamentos de sangue não-digerido (Figura 5).As alterações microscópicas consistiam deinfiltrado inflamatório linfoistioplasmocitário en-tre as fibras do miocárdio. Uma grande quanti-dade de microorganismos, idênticos aos visua-lizados nos cães dos casos espontâneos, podiaser observada no citoplasma de células endo-teliais. No fígado havia discreta necrose de coa-gulação centrolobular; nos linfonodos haviaedema, infiltrado inflamatório linfoistioplas-mocitário e microorganismos no citoplasma decélulas endoteliais. No plexo coróide do quartoventrículo, uma grande quantidade de microor-ganismos era vista no citoplasma das célulasendoteliais.

DISCUSSÃOOs dados clínicos, hematológicos, de

necropsia e histopatológicos observados nos cãesdeste estudo sugerem que a doença observadaseja uma anemia hemolítica, possivelmente defundo auto-imune, caracterizada por umprotozoário com características morfológicas ebiológicas compatíveis com Rangelia vitalii.

No ano de 1910, o protozoologista brasi-leiro Bruno Rangel Pestana1 descreveu, pela pri-meira vez, uma doença que, segundo caçado-res da época, acometia cães em várias partesdo país, principalmente em São Paulo1. Segun-do dados da população do campo, que conhe-cia essa enfermidade pelas denominações defebre amarela canina, peste do sangue e Nambi-Uvú, um nome indígena que significa “orelha quesangra”, ela ocorria apenas em cães, principal-mente nos animais novos e de caça. O pesqui-sador descreveu, a partir de casos espontâneose experimentais, as formas clínicas da enfermi-dade, os achados de necropsia e a identificaçãodo agente2.

Muitos anos se passaram desde a desco-berta dessa importante condição clínica de cãese, durante esse período, a enfermidade passoua ser erroneamente associada a inúmeros agen-tes etiológicos. Em muitas partes do país, umadoença caracterizada por icterícia e anemiahemolítica, provavelmente transmitida pelo car-rapato, foi sendo descrita sob várias denomina-ções. Isso ocorreu em Santa Maria (RS), ondedurante um período de oito anos (1985 a 1993)a doença foi interpretada como leishmaniose,dada as características morfológicas do agen-te3. Em Porto Alegre (RS), muitos casos idênticosaos aqui apresentados foram atribuídos àerliquiose (Driemeier, 2003)* e, em todo o RioGrande do Sul, situações clínicas e laboratoriaisexatamente iguais às relatadas aqui foram as-sociadas à babesiose (piroplasmose) (Barros,2003)**. Todas essas confusões são fruto dodesconhecimento sobre essa importante doençaque teve suas pesquisas e descrições interrom-pidas após o ano de 1950.

O Nambi-Uvú, como era conhecido na épo-ca, podia ser dividido em três formas clínicas:aguda, subaguda e crônica1. Na forma aguda –também denominada rápida, grave ou ictérica –o animal apresentava apatia, febre, fraqueza,mucosas pálidas que rapidamente se tornavamictéricas, e morria dentro de três a cinco dias.

FIGURA 4:Coração.Observa-sehemorragia difusano miocárdio.

FIGURA 5: Intestino delgado. Observam-se estrias de sangue nãodigerido na mucosa.

*Driemeier D. Comunicação pessoal. Porto Alegre; 2003. **Barros CSL. Comunicação pessoal. Santa Maria; 2003.

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Em razão da crença, depois confirmada, dealguns populares de que ocorriam hemorragiasinternas, essa forma da doença era também co-nhecida por “Nambi-Uvú das tripas”1. Em todosos casos descritos neste relato, os cães apresen-tavam icterícia, que variava de leve a acentuada.Isso indica que a doença descrita no Rio Grandedo Sul é predominantemente do tipo agudo. Oachado clínico de icterícia é um dos principaismotivos pelos quais a doença é totalmente dife-rente de leishmaniose. Na leishmaniose caninararamente (2% dos casos) ocorre icterícia. Alémdisso, a leishmaniose é uma enfermidade de ca-ráter crônico e depauperante e não uma doen-ça aguda4. Outro fato que distingue as duasenfermidades é que, no caso da rangeliose, exis-te um tratamento rápido e eficaz.

A forma subaguda, que aparentemente eraa mais comum nos casos vistos por Rangel, ca-racterizava-se por sinais clínicos semelhantes,associados a hemorragias pela boca, nariz,olhos e pele, o que acabou dando o nome àdoença1. Essa forma foi observada por nós ape-nas três vezes e sempre estava associada a icte-rícia acentuada. Isso demonstra que pode ha-ver uma sobreposição das formas clínicas. A for-ma crônica, leve ou benigna, era difícil de serdiagnosticada, sendo mais bem entendida emanimais experimentalmente infectados, poisexceto por alguns picos de febre, não eram evi-denciados outros sinais clínicos1. O animalinfectado experimentalmente no caso aqui des-crito desenvolveu a forma aguda da doença.

Rangel descreveu que, na necropsia denove animais doentes, uma icterícia acentuadafoi vista em todos os casos, principalmente napele do abdômen2. Esse dado é muito semelhanteao encontrado nos cães deste relato, principal-mente nos casos em que a morte não é tão agu-da. Esse pesquisador ressaltara que os linfonodoscervicais, mesentéricos e inguinais estavam bas-tante aumentados, assim como o fígado e obaço2, um achado praticamente idêntico ao ve-rificado em muitos dos casos aqui descritos.

Rangel descreveu que, na circulação, umraro parasita podia ser encontrado; essemicroorganismo tinha aspecto piriforme, redon-do, oval ou anelar, dentro ou fora dos eritrócitos,semelhante ao Piroplasma canis, descrito em 1895pelos pesquisadores italianos Piani e Galli-Vallerio2. Esse fato é, ao nosso ver, a principalrazão pela qual a babesiose foi confundida como Nambi-Uvú por muitos Clínicos e Patologistasclínicos. Nos casos deste relato, em que foi rea-lizado hemograma, nunca foram achados

microorganismos em qualquer tipo de célulasangüínea.

Na avaliação histológica de múltiplos ór-gãos, descrita por muitos autores, foram encon-trados protozoários arredondados ou ligeira-mente ovalados no interior de células endoteliais,semelhantes aos corpúsculos de Leishman. Co-rados por Giemsa ou Leishman o protoplasmaera azul-claro e o núcleo vermelho violeta. Osorganismos redondos mediam 2,0µm e os ova-lados 1,5 x 2,0µm1,5,6,7. A semelhança morfológicaentre esse protozoário e Leishmania spp. fez comque, durante oito anos, ele fosse por nósdiagnosticado erroneamente3. Uma característi-ca importante na diferenciação dessesmicroorganismos deve-se ao fato de queLeishmania spp. prolifera apenas no interior demacrófagos, enquanto o protozoário causadordo Nambi-Uvú é visto exclusivamente em célulasendoteliais4,5. Essa importante característica foiuma das peças chave na reavaliação dosprimeiros cinco casos aqui descritos. Esse fatoserve também para diferenciar esse parasita dariquétsia Ehrlichia canis, que ocorre em neutrófilose macrófagos. Para afastar definitivamente a pos-sibilidade de que a doença aqui descrita sejaleishmaniose, foi realizado exame imuno-histo-químico para Leishmania donovani, que teveresultado negativo.

A constatação do parasita em todos osanimais estudados por Rangel, sua semelhançacom os aspectos morfológicos dos corpúsculosde Leishman descritos para leishmaniose em vá-rios órgãos e os raros achados do agente nacirculação levaram esse autor a acreditar queesse fosse um protozoário novo, localizadotaxonomicamente entre os gêneros Piroplasma eLeishmania. Dessa forma o agente etiológico doNambi-Uvú foi reconhecido e recebeu a denomi-nação de Piroplasma vitalii, em homenagem aopesquisador Vital Brazil2.

Quatro anos mais tarde, em 1914, osprotozoologistas Carini e Maciel5 estudaram essamesma doença e chegaram a conclusões seme-lhantes às descritas por Rangel5. Complemen-taram o estudo revelando que um carrapato eraprovavelmente a fonte da infecção e, parahomenagear o primeiro autor, propuseram quese criasse um novo gênero de protozoário,designado então Rangelia, mantendo-se o nomeda espécie. A partir desse momento o agente doNambi-Uvú passou a ser conhecido por Rangeliavitalii e a doença foi então chamada rangeliose5.Em alguns cães por nós necropsiados, osproprietários relatavam que os animais haviam

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passado finais-de-semana em sítios na loca-lidade de Itaara (RS), de onde haviam voltadocom alguns carrapatos. Após um período de umaa duas semanas, esses mesmos animais iniciavamos sinais clínicos.

Esses mesmos autores avaliaram o sanguede alguns animais doentes e descreveram umaanemia grave, caracterizada por sinais de inten-sa regeneração medular, como: anisocitose,policromasia, corpúsculos de Howell-Jolly eeritrócitos nucleados. Em relação ao leucograma,descreveram leucocitose no início do quadro clí-nico e leucopenia no final, mas não relataramquais leucócitos estariam envolvidos nessas alte-rações5. Além disso, Carini e Maciel corrobora-ram a afirmação de Rangel de que o agente eravisto raramente no sangue, principalmente noinício da doença e durante os picos febris. Nosesfregaços de órgãos e nos cortes, os pesquisa-dores descreveram o microorganismo no interiorde células endoteliais, exatamente como foiprimeiramente relatado por Rangel, emboraachassem apenas uma discreta semelhança comLeishmania, pois não se observara o blefaroplasto5.

Os achados de Carini e Maciel relaciona-dos à hematologia são idênticos aos descritospor nós, demonstrando que a patogênese dadoença está relacionada a uma condiçãohemolítica que culmina em icterícia. Isso acabasendo demonstrado pela intensa regeneraçãoeritróide8. A policromasia acentuada encontra-da em todos os seis cães corresponde direta-mente à liberação de células eritróides jovenspela medula óssea (reticulócitos)9. A metarru-bricitemia é indicativa de hematopoeseextramedular intensa, principalmente no fígado,que pôde ser confirmada pela histologia. Essasalterações junto com a anisocitose e presençade corpúsculos de Howell-Jolly indicam regene-ração intensa, como a vista em muitas outrasenfermidades que se caracterizam porhemólise10. O fato de dois cães terem desenvol-vido anemia normocítica normocrômica pode serentendido pela extrema diferença de tamanho equantidade de hemoglobina que se dá entre ospequenos e hipercrômicos esferócitos e os gran-des e hipocrômicos policromatófilos, que, emmédia, faz com que o VCM e o CHCM permane-çam normais8.

Outra boa indicação de que a hemólise ébasicamente extravascular é a presença deeritrofagocitose no sangue e nos tecidos, princi-palmente nos linfonodos e baço11. A presençade esferócitos na circulação de quatro dos seiscães em que se realizou o hemograma é bas-

tante sugestiva de processo imunomediado. Osesferócitos são eritrócitos redondos, que perde-ram sua conformação discóide em decorrênciada deposição de anticorpos na membranaplasmática12. Esses esferócitos, quando descri-tos em cães, são indicativos de anemia hemolíticaimunomediada, principalmente auto-imune11.Várias doenças infecciosas caracterizam-se porestimular a formação de auto-anticorpos contraos eritrócitos, dentre elas anaplasmose (bovi-nos), babesiose (várias espécies), hemobar-tonelose (gatos), teileriose (bovinos), tripanos-somose (bovinos), leptospirose (bovinos eeqüinos), anemia infecciosa eqüina (eqüinos) emalária (macacos e humanos)8,10,11. Embora nãotenha sido possível a realização de testes queconfirmem a presença de anticorpos revestindoos eritrócitos, é provável que um mecanismoauto-imune não só esteja envolvido, como sejao principal desencadeador do processohemolítico.

O sangramento desenvolvido por algunsanimais com a enfermidade aqui descrita nãopode ser atribuído especificamente àtrombocitopenia, pois dos dois animais com essaalteração laboratorial apenas um apresentousangramento. Além disso, a trombocitopeniadesenvolvida por esses animais não é grave osuficiente para explicar a diátese hemorrágicaque alguns cães desenvolveram. O mecanismopelo qual ocorre a trombocitopenia não é co-nhecido, mas sabe-se que aproximadamente50% dos cães com anemia hemolítica auto-imu-ne desenvolvem trombocitopenia auto-imune,uma situação referida como síndrome de Evans,em analogia ao distúrbio descrito por esse pes-quisador em humanos13. Pode haver uma rela-ção entre a presença do microorganismo no in-terior das células endoteliais e um possível danovascular, mesmo porque Carini descreveu em umde seus trabalhos que os locais onde havia he-morragia eram os microscopicamente maisparasitados5.

Em 1935, o pesquisador Américo Braga pu-blicou um excelente trabalho comparativo paratirar todas as dúvidas sobre as diferenças entrepiroplasmose (Piroplasma canis – Piani & Galli-Vallerio, 1895) e rangeliose (Rangelia vitalii –Rangel, 1910)14. Em resumo, esse trabalho de-monstra que essas duas situações clínicas, em-bora muitas vezes semelhantes, possuem acha-dos laboratoriais e histológicos completamentedistintos14. Braga descreve que a piroplasmosecanina, que muitos anos depois seria chamadade babesiose canina, é caracterizada por um

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processo hemolítico intravascular que invariavel-mente culmina em hemoglobinúria, ao contrárioda rangeliose, que, embora também sejaassociada à anemia hemolítica, nunca cursa coma presença de hemoglobina na urina14. Ospiroplasmas são parasitas essencialmente intra-eritrocitários e podem ser vistos rotineiramenteem esfregaços sangüíneos, ao contrário deRangelia sp., que raramente é visualizada nosangue e sempre é encontrada nos tecidos,principalmente no linfonodo, medula óssea e rim.Outra diferença bastante marcante entre as duascondições diz respeito ao quadro hemorrágico,que muitas vezes é visto na rangeliose e não édescrito na babesiose14,15.

Em 1938, o pesquisador Moreira16 desen-volveu um trabalho com mais de noventa animais,a fim de entender melhor as diferenças entre apiroplasmose, agora já referida como babesiose,e a rangeliose16. Mesmo três anos após o bri-lhante e esclarecedor trabalho de Braga, Moreirachegou a algumas estranhas conclusões. Ele afir-ma, por exemplo, que Piroplasma canis, agoraBabesia canis, e Rangelia vitalii seriam o mesmoprotozoário. Para tentar explicar o que seriam,então, as formas leishmaniais da Rangelia, o au-tor concluiu que todos os animais poderiam estardesenvolvendo uma infecção intercorrente porToxoplasma sp. Esse trabalho lançou confusãosobre um tema que já havia sido esclarecido16.Embora em nenhum momento pairasse qualquerdúvida sobre o fato de que a doença por nósdiagnosticada pudesse estar relacionada àtoxoplasmose, foi, independentemente dessefato, realizada imuno-histoquímica paraToxoplasma gondii e Neospora caninum. Oresultado para ambos os protozoários foinegativo, demonstrando definitivamente queesses parasitas nada têm a ver com o quadroaqui descrito, mesmo porque a situação em que

eles ocorrem e a doença que causam sãototalmente distintas da descrita neste relato.

Após 10 anos, em 1948, o protozoologistaCarini17, através de uma publicação científicainusitada, esclarece definitivamente todas asdúvidas que ainda pudessem existir a respeito dajá não tão nova espécie Rangelia vitalii17. Nesseartigo, Carini novamente descreve o agente doNambi-Uvú e reescreve os principais eventos queculminaram na criação desse novo gênero, jáaceito em vários locais do mundo. De uma maneirairônica e bastante convincente, Carini aindaressalta seus trabalhos com outros protozoários,como Toxoplasma sp. e demonstra que seriaimpossível confundi-lo com as formas leishmaniaisde Rangelia sp., uma crítica direta ao próprioMoreira e a seu trabalho publicado em 193817.

Embora todas as diferenças sobrerangeliose e babesiose tivessem sido exaustiva-mente demonstradas, tanto por Braga como porCarini, em 1949 um trabalho de tese de douto-rado desafortunadamente confunde, uma vezmais, as duas doenças18. Esse trabalho, junta-mente com o escrito por Moreira em 1938, é, aonosso ver, o principal responsável pelo grandeobscurecimento que se estabeleceu e que per-manece até hoje sobre um assunto tão simples eclaro como a diferença entre essas duas enfer-midades.

CONSIDERAÇÕES FINAISOs sinais clínicos, achados hematológicos,

citológicos, epidemiológicos, de necropsia ehistopatológicos são idênticos aos descritos porvários autores para rangeliose. Durante os últi-mos 50 anos, essa enfermidade foi esquecida emúltiplos casos dessa condição foram erronea-mente diagnosticados como leishmaniose,babesiose e erliquiose.

Krauspenhar C, Fighera RA, Graça DL. Protozoon-associated hemolytic anemia in dogs. Medvep – Rev Cientif Med Vet Pequenos Anim AnimEstim 2003, Curitiba, Oct/Dec; 1(4):273-81.

Eleven cases of hemolytic anemia in dogs, associated with a protozoan organism present in the cytoplasmof endothelial cells are described. The cases were diagnosed at the Laboratory of Veterinary Pathologyof the Universidade Federal de Santa Maria, from 1985 to 2003. Affected dogs were of both sexes andtheir ages ranged from 6 months to 10 years. Clinical signs included anorexia, apathy, vomiting, loss ofweight, linfadenopathy, and icterus. The latter was consistently found in every cases. Hematologicalassessment carried out in six of the eleven dogs revealed severe hemolytic anemia characterized bymarked erythroid regeneration. A large number of spherocytes was found in the blood smears of four ofthe six examined dogs; this suggested a possible immunomediated cause for the anemia. Main necropsyfinds included icterus of varying degrees, enlarged lymph nodes, liver and spleen. Microscopically, inevery case protozoan organisms could be observed in the cytoplasm of endothelial cells. Extramedularyhematopoeisis, centrolobular coagulative necrosis of the liver, and lymphoplasmacytic inflammatoryinfiltrate in the parasitized organs were frequent findings. Clinical, hematological, necropsy and

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histopathological findings observed in the dogs of this report suggest that the condition observed inthese dogs is an hemolytic anemia, possibly of autoimmune origin and related to the presence of aprotozoon with morphological and biological characteristics of Rangelia vitalii.

KEYWORDS: Protozoan infections, animal; Anemia, hemolytic; Pathology, veterinary; Pathology, clinical;Hematology.

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Recebido para publicação em: 04/07/03Enviado para análise em: 14/07/03Aceito para publicação em: 06/08/03