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Anemia Maio

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Revista do NEM/AAC

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  • ANEMIA. Ontem jornal. Hoje revista. Porqu esta mudana? Porque o projeto ANEMIA merece um lugar de maior destaque no mundo FMUC! Porque necessrio fazer chegar a informao que todos precisam de saber de uma forma mais apelativa. Porque na internet esto todos os decretos de lei que vo (esto) a mudar o nosso mundo, mas poucos os lem. No por falta de interesse nas consequncias, mas por falta de interesse no contedo. No porque tu no vs sofrer com o que a vem (porque vais!), mas porque no s tu quem tem que fazer alguma coisa para mudar isso. O problema que o nosso futuro est a ser decidido em bunkers e ns andamos todos de peito cheio e queixo levantado. natural que custe a olhar para baixo, para o que NEM toda a gente v! E precisamente a que a nova revista ANEMIA entra! A nossa redao est a desbravar a densa mata de informao plantada por agricultores de fato e gravata, colhendo pelo caminho os frutos das raras laranjeiras que por l vo crescendo, para no final vos servir um agridoce copo de sumo de laranja. Hoje ainda um bocadinho amargo. Amanh mais doce. A questo : ser que tu podias ter plantado mais uma laranjeira em vez de te teres deixado a ver crescer outra silveira?

    O baby ANEMIA. A baby ANEMIA. Porqu este transexualismo? Porque, na verdade, no o . Impercetvel ou no, o hermafroditismo espelhava-se nas pginas do nosso amado jornal. E agora, chegou a hora. A hora de optar. A hora de crescer. E, assim, desponta a revista! Pela necessidade de elevar o abismo estudantil montanha informativa. Mas no s! O sumo de laranja, apenas, no sacia a alma. preciso um doce que nos divirta. Que nos reconforte o ser. Que nos preencha. No fundo, um gap moment ao ensurdecedor zumbido informativo. E, igualmente, um gap moment ao constante e habitual mundo mdico, que frequentemente nos absorve, no restando espao s inmeras riquezas que o mundo exterior nos proporciona, quer a nvel profissional, quer a nvel pessoal! Sejam elas sensaes, livros, serenatas, espaos, experincias ou at um olhar aprofundado sobre a pessoa doente, e no a mquina, ou sobre a personagem mdica, e no o seu trabalho!Desta maravilhosa dualidade poders fazer parte! Constri estas maravilhosas receitas. Ou, ento, que estas receitas sejam o gatilho porque tanto esperas!

    Gonalo Engenheiro Margarida Carmo

    Editorial

    Ficha Tcnica

    41 Edio - Maio 2015Propriedade do Ncleo de Estudantes de Medicina da AAC - Rua Larga, FMUC, 3000-548 Coimbra - tel: 239 487 291 [email protected] www.nemaac.netDepartamento CulturalDireco: Mariana Almeida

    Direco Editorial: Gonalo Engenheiro (Director Externo) e Margarida Carmo (Directora de Contedos)Redao: Ana Mafalda Gonalves, Brbara Mota,Carolina Cabaos, Carolina Pimenta, Diogo Silva, Gonalo Torres, Hugo Gomes, Jos Alarco, Juliana Magalhes, Liliana Jesus, Margarida Carmo, Margarida Duarte, Maria Jos Temido, Miguel Correia da Silva, Paulo Alexandre Pina, Rita Xavier, Rui Duarte Armindo, Tiago M. Lorga

    Design e Grafismo: Beatriz Castro Silva e Miguel Serdio Capa: Beatriz Castro SilvaImpresso: Printhouse Tiragem: 300 exemplares Distribuio Gratuita

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  • ndice

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    Aqui faz-se Cincia3 Os Efeitos BenFicos do exerccio fsico no humor depressivo provocado por dependncia de substncias e outras doenas

    Cincia Actual4 Com o crebro na Lua

    Procura do NEM6, 7 Entrevista a Harald Zur HAusen 8 Inmotion

    Gap Year10, 11 Entrevista a Gonalo Azevedo12, 13 Entrevista a Ana Lcia

    Creativa-te9 Estrias Clnicas

    Medicina L Fora14 Long live the queen15 Erasmus em itlia

    Vive Coimbra!16 Serenata monumental17 Choupal e museu machado de castro

    Fora da Medicina18, 19 Entrevista a Diogo Carvalho

    Creativa-te20 Ns Mdicos e Medicina made easy

    O que vem a...21, 22 Corte a eito

    Seco Cultural23 Dicas de Leitura, Cartoon, Vencedores do Concurso "Entre Livros e Cerveja"

    ndice

  • Aqui faz-se Cincia

    Frederico Guilherme de Sousa da Costa Pereira, professor auxiliar, docente das unidades curriculares de Farmacologia I e II do Mestrado Integrado em Medicina e Farmacologia e Toxicologia do Mestrado Integrado em Medicina Dentria. licenciado em Bioqumica e mestre em Biologia Celular pela FCTUC e doutorado em Cincias Biomdicas pela FMUC. Pertence ao grupo de investigao Neurofarmacologia das Drogas de Abuso do IBILI.

    No seu trabalho mais recente, tem-se debruado sobre os possveis efeitos neuroprotetores/neurorreparadores do exerccio fsico regular no tratamento da sintomatologia depressiva, fortemente associada a vrios modelos de doena como, por exemplo, doena de Parkinson e dependncia de substncias. Em fase de publicao, encontra-se um estudo sobre o efeito antidepressivo que o exerccio fsico regular exerce sobre ratinhos injetados com metanfetamina, contrariando o fentipo depressivo que o abuso da droga cria. Em laboratrio, possvel medir a progresso de sintomas tpicos da depresso, como a anedonia e a desesperana, atravs de testes como o tempo de grooming e o teste de suspenso pela cauda. Isto permitiu observar que o grupo de ratinhos tratados com metanfetamina desenvolveu um

    fentipo depressivo em relao ao grupo controlo e que, aps um programa de exerccio sob a forma de corrida em passadeira, o fentipo normalizou e os resultados igualaram os do grupo controlo!

    O mecanismo atravs do qual o exerccio produz resultados to satisfatrios ainda desconhecido.

    Na verdade, o estudo demonstrou que os nveis totais de dopamina e

    outras monoaminas, no foram alterados pelo exerccio fsico.

    A prxima hiptese a testar a atividade antidepressiva do exerccio fsico estar relacionada com o aumento da densidade sinptica,

    tendo dado origem a outro projeto de investigao que

    j foi submetido FCT. Este tem como objetivo observar

    possveis alteraes na morfologia da rvore dendrtica, em modelos animais

    de Doena de Parkinson, com fentipo pr-motor depressivo, que sejam submetidos a um programa de exerccio fsico semelhante ao estudo anterior. A melhor compreenso dos mecanismos envolvidos neste fenmeno trar novas luzes sobre o tratamento no farmacolgico das sndromes depressivas

    Os Efeitos BenFicos do exerccio fsico no humor depressivo provocado por dependncia de substncias e outras doenas neurodegenerativas

    Ana Mafalda Gonalves

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  • Cincia Actual

    Paulo Alexandre Pina

    A doena de Alzheimer um problema global ainda insolucionvel. No mundo, eram cerca de 27 milhes de pessoas diagnosticadas com esta doena, em 2006, e a cada 67 segundos aparece mais uma.

    Na procura de uma nova explicao para a fisiopatologia da doena, a medicina aliou-se astronomia, ao realizarem uma experincia na International Space Station (ISS) para descobrir a origem do Alzheimer. Acredita-se que esta e outras doenas neurodegenerativas tm por base uma alterao na conformao das protenas e no seu folding, resultando na sua acumulao nos neurnios, sob a forma de longas fibras ou tranas.

    Contudo, a acumulao destas protenas leva vrios anos e at mesmo dcadas, reforando a ligao do Alzheimer com o envelhecimento. Na ISS, ao contrrio de na Terra, as fibras acumuladas no colapsam sob o prprio peso, pois no existe gravidade, o que torna este stio privilegiado para o seu estudo.

    A experincia chama-se SABOL (Self-Assembly in Biology and the Origin of Life: A Study into Alzheimers), totalmente automatizada e foi construda no NASAs Kennedy Space Center, Florida. um cubo que contm um set de protenas, que, ao chegar ao espao, estariam livres para se organizarem em maiores e mais complexas estruturas sem a influncia das foras gravticas.

    Os responsveis por esta experincia pensam que a causa da doena de Alzheimer poder ser bastante simples e por isso que se decidiu alargar os seus horizontes para fora da exosfera. David Tipton, chief medical officer, especula que as teorias atuais sobre o Alzheimer e doenas similares falham na identificao da causa. Ele est a trabalhar em associao com Dan Woodard, o fsico aeroespacial e professor no Florida

    Institute of Technology que props esta teoria. Acreditam que se trate de um processo coloidal em vez de bioqumico e, dada a experincia da NASA em qumica coloidal, desenvolveram esta experincia, com o objetivo ltimo do desenvolvimento de uma cura com base numa abordagem diferente do problema.

    Woodard diz que j foi visto quase ao nvel atmico a interao entre vrias protenas individuais, mas a primeira vez que este processo ser estudado no espao, porque na Terra a gravidade impede as estruturas proteicas de crescer mais de que um certo tamanho em laboratrio, ao colapsarem sob o prprio peso. Se a teoria se corroborar, as protenas devero agrupar-se em estruturas maiores do que na Terra.

    O que intriga Woodard o facto de que, na populao que no tem a doena, estas protenas permanecem solveis nos neurnios durante toda a vida, enquanto que, em pessoas com doena, se tornam insolveis e agregam-se. Alm disso, na maior parte dos doentes com Alzheimer, no existe uma causa gentica subjacente identificvel e, por isso, Woodard pensa que, como as protenas so geneticamente normais, o que as torna deficitrias devero ser as foras coloidais, uma vez que as protenas so molculas e, portanto, sujeitas a aes e foras no biolgicas.Todavia, as concluses isoladas deste estudo no iro levar descoberta de uma cura. A SABOL est direcionada para compreender a progresso da doena e s depois se poder pensar no desenvolvimento de um comprimido milagroso. Pretende-se descobrir se a ausncia de gravidade levar a alguma alterao no folding das protenas ou se o efeito ser semelhante ao verificado na Terra. Os resultados da experincia s sero conhecidos depois das amostras serem examinadas sob um microscpio de fora atmica

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    Com o crebro na Lua...

  • Procura do Nem

    Entrevista

    Harald zur Hausen, viu a sua carreira ser reconhecida por todo o mundo, tendo recebido vrios prmios internacionais. Nos anos 80, formulou e confirmou a hiptese que o HPV (Papiloma Vrus Humano) era responsvel pelo cancro cervical, durante um dos seus projetos no instituto de Virologia da Universidade de Friburgo. Esta descoberta levou ao desenvolvimento da vacina e expandiu o conhecimento deste tipo de neoplasia, o que o levou a ser laureado com o prmio Nobel da Medicina ou Fisiologia em 2008, juntamente com Franoise Barr-Sinoussi e Luc Montagnier. No IV In4Med, a Anemia teve oportunidade de o entrevistar.

    MS: Quando a Segunda Guerra Mundial terminou, tinha apenas 9 anos. De que forma a guerra influenciou a sua vida e carreira?

    HH: Bem, esse perodo mudou profundamente a minha vida, uma vez que a minha famlia foi muito afetada: o meu irmo mais velho foi combater com 16 anos e ns vivemos numa rea que f o i altamente bombeada. No frequentei a escola de 1942 at 1945 e terminei a escola primria muito tarde. Para alm disso, os primeiros anos aps o final da Guerra foram igualmente difceis j que havia muito pouca comida disponvel e ns vivamos praticamente base de batatas.

    MS: Antes de escolher trabalhar em investigao, teve algumas dvidas entre estudar biologia ou medicina. Mais tarde, tambm considerou a hiptese de trabalhar na clnica. O que o fez escolher a investigao mdica?

    HH: Ests certo, por uns tempos estava indeciso se deveria estudar biologia, medicina ou qumica. Um dos meus irmos escolheu qumica mas no final, eu decidi tentar estudar medicina e biologia em simultneo. No foi a melhor opo porque a maior parte das minhas aulas de biologia eram incompatveis com o meu treino mdico. Como tal, desisti da biologia aps 7 semestres. Atualmente, no me arrependo, porque na biologia dessa poca no aprendamos muito

    acerca de biologia molecular, j que as descobertas mais importantes ainda no tinham ocorrido.

    Quando terminei o meu treino mdico, tive um internato de 2 anos em cirurgia geral, ginecologia e medicina interna, de que gostei muito. Na verdade,

    houve um momento, quando terminei esse internato, que considerei a prtica clnica, especialmente em ginecologia ou pediatria. Mas assim que comecei a trabalhar no laboratrio de microbiologia, com sucesso, decidi que era o que queria fazer da minha vida.

    MS: A sua hiptese que o cancro do colo do tero causado pelo HPV foi considerada uma ideia pouco ortodoxa por parte dos pares. Foi difcil ultrapassar estes obstculos?

    HH: Acho que vrus persistentes, requerem virologistas persistentes. Eu acreditava fortemente que o HPV era o agente causador, pelos resultados de vrios estudos que fizemos. verdade que alguns artigos reportavam que o herpes vrus simplex estava relacionado com o cancro cervical mas no, eu no estava nada convencido que essa histria fosse verdade. Foi um trabalho muito difcil e demorado porque no dispnhamos das tcnicas que temos actualmente, mas ainda bem que fomos persistentes.

    Vrus persistentes, requerem virologistas persistentes.

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  • 1 para 100,000. E esta reao adversa uma alergia protena estrutural da vacina, que facilmente tratvel. No h nenhuma vacina sem risco e esta uma das que tem riscos muito baixos. Em alguns casos, h doenas que ocorrem aps a toma das vacinas mas no tm qualquer relao com a toma da vacina.

    MS: Acha que pode haver alguma relao entre infees virais e outros tipos de cancro? HH: Se olhares com ateno para a epidemiologia de alguns cancros, h boas razes para suspeitar que algo infecioso pode

    estar por detrs. Essa a nossa motivao para continuar a trabalhar intensivamente. Outra questo se o cancro da mama tem um componente viral. O problema o entendimento errado da populao de que estes problemas tm uma causa nica. Isso no acontece, em nenhum caso. De qualquer forma, os vrus, como o HPV, podem ser na mesma o suspeito primrio do desenvolvimento de cancro e caso previnas essas infees, no tens esse tipo de cancro. Mas por si s, claramente insuficiente, preciso que ocorram outros eventos adicionais. No geral, so precisos entre 10 a 60 anos desde estes eventos at ao aparecimento destas neoplasias.

    MS: Algum conselho para os estudantes da FMUC? HH: Eu acho que se fizeres o teu treino mdico

    tens de fazer uma deciso relativamente cedo: seguir o curso clnico, ou a

    investigao ligada clnica. Neste ltimo caso, tenho muita experincia, sim. Se fores um clnico esforado, recomendo que trabalhes arduamente para

    tentar melhorar as aplicaes teraputicas de que hoje dispomos. Por outro lado, a minha opinio que h muito mais a fazer a nvel da preveno, e no s em termos de vacinao. H tanto que podemos fazer diariamente para prevenir doenas, e no apenas cancros! Isso requer muito mais ateno do pblico e particularmente dos clnicos

    Procura do NEM

    Miguel Correia Silva

    MS: Estou particularmente fascinado pelo seu trabalho e descobertas porque elas salvaram diretamente milhares de vidas, e vo continuar a salvar. Acha que teve um grande impacto na Sade Mundial?

    HH: No razo para ficar orgulhoso, pois ainda h tanto por fazer. Por exemplo, se vires quantas mulheres ainda morrem cada ano por cancro do colo do tero, extremamente desapontante. Portanto, temos de fazer mais. Isso importante. Relaxar no a forma como trabalho.

    MS: H uma grande diferena entre o nmero estimado de novos casos e de morte por cancro cervical entre pases desenvolvidos e em desenvolvimento. Por exemplo, em 2008 quando recebeu o prmio Nobel, este cancro era o segundo mais frequente em mulheres, com 529,800 novos casos estimados em pases em desenvolvimento. Qual a importncia de fazer chegar a vacina a estes pases? E a importncia do rastreio?

    HH: So os dois importantes. O rastreio muito importante para mulheres j infetadas, pois se a neoplasia for diagnosticada precocemente possvel tratar cirurgicamente atravs de conizao, por exemplo. Mas, obviamente, a vacinao tem um efeito mais abrangente, porque previne o aparecimento destas leses e evita estas intervenes cirrgicas, que tm sempre algumas complicaes. De certo modo, temos de propagar estas informaes. Enquanto no tivermos um programa de erradicao atravs da vacinao mais global, claramente que precisamos do rastreio.

    MS: Atualmente, estamos perante uma nova moda, particularmente nos Estados Unidos, em que os pais esto relutantes a vacinar os seus filhos. Qual a sua opinio acerca deste tema?

    HH: Esta , na minha opinio, uma das vacinas mais seguras que temos, mesmo comparando com as vacinas que damos a pequenos bebs. A frequncia de reaes adversas aproximadamente

    O problema o entendimento errado da populao de que estes problemas tm uma causa nica.

    H tanto que podemos fazer para prevenir doenas, e no apenas

    cancros!

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  • Procura do Nem

    Inmotion

    Viver sem saneamento bsico, em habitaes inacabadas, ter acesso limitado a gua, sendo esta no canalizada e guardada em bides, viver em bairros conflituosos, em que as ruas so de terra ou rios de lama e lixo quando chove, viver no seio de famlias destruturadas, ser filho da prostituio no uma questo de nacionalidade, no uma questo de raa ou cor, no uma questo de mentalidade, no at mesmo uma questo de sorte, uma questo de oportunidades! Quantos de ns so incapazes de agir, passando os dias sentados no sof, em frente televiso ou ao computador, protegidos da realidade dramtica que nos rodeia?

    Todos os dias nos cruzamos com algum que pode beneficiar da nossa ajuda, um idoso, um sem-abrigo, uma criana esfomeada, e quantas vezes lhes estendemos a mo e oferecemos ajuda, um pedao de po, um gole de gua, um agasalho quente ou apenas a nossa companhia?

    H projetos que nascem da criatividade. Outros da necessidade. desta ltima, que nasceu o InMotion! Humildemente, sonhamos em contribuir para a mudana do paradigma social a que se assiste nestas populaes.

    Propomo-nos voluntariamente, durante as frias de vero, a prestar ajuda humanitria e a trabalhar em aes de cooperao para o desenvolvimento, em benefcio das populaes mais vulnerveis. Propomo-nos a trabalhar lado a lado com instituies locais nossas parceiras e a colocar ao dispor das mesmas os nossos conhecimentos e vontade de ajudar.

    No nos atrevemos a afirmar que criaremos as oportunidades necessrias, mas atrevemo-nos a agir! Ns, estudantes universitrios, futuros mdicos, cidados atentos, acreditamos que a ao que gera mudana e, assim, criamos tambm as nossas prprias oportunidades.

    Organizado pela primeira vez em 2013, pelo Departamento de Direitos Humanos e Paz do NEM/AAC, o InMotion tem vindo a crescer para se tornar um dos maiores projetos de Voluntariado Internacional organizado por estudantes e para os estudantes. Atualmente, conta j com a sua 3 edio e, aquilo que comeou por ser uma aventura em Cabo Verde, hoje um projeto que se estende tambm a Moambique, Camboja e Timor-Leste, dando a oportunidade aos estudantes da Faculdade de Medicina de realizar um perodo de voluntariado de um ms, integrados em diversos projetos de voluntariado locais.

    O InMotion , para ns, uma aventura, uma jornada, uma aprendizagem constante. Temos apostado no s no apoio a mais pases, mas tambm na formao e angariao de fundos e bens para as comunidades. Somos, acima de tudo, voluntrios desejosos por fazer mais, porque acreditamos veemente que o que fazemos para ns mesmos morre connosco, o que fazemos para os outros e para o mundo, permanece e imortal - Albert Pine

    Juliana Magalhes e Liliana Jesus

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  • Creativa-te

    Nem todas as Estrias so sobre heris. Primeiro, porque onde h heris h viles e por vezes tambm h que escrever sobre viles. Segundo, porque ainda mais vezes do que essas h simplesmente pessoas mais complexas do que essas duas gavetas permitem agrupar.

    No hospital, muitas vezes somos confrontados com situaes extremas em que essa complexidade mais fcil de notar.

    Augusto era um homem complexo.

    Escritor de profisso. Ou melhor, escritor de sonho; professor de histria de profisso. Que hoje em dia no fcil ser-se escritor de profisso.

    Augusto era um homem culto, com quem dava gosto falar... que dava gosto ouvir falar.

    Falava de tudo com a vontade de quem percebe bem tudo aquilo de que fala, e para tudo tinha uma citao de um qualquer autor que devamos conhecer a fundamentar a sua posio.

    Estrias Clnicas

    Rui Duarte Armindo

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    Infelizmente, nem s de cultura se faz uma histria clnica. E Augusto teve que falar de sade: tenho DPOC porque fumo, doena coronria porque como, heptica porque bebo.

    O vontade manteve-se enquanto o explicava. No s os nomes das doenas e comportamentos que poderiam t-las causado; pior, explicava os condicionalismos que essas doenas tinham colocado nos ltimos anos da sua vida.

    J lhe era difcil sair da cama, mas ainda chegava mquina de escrever; os internamentos eram cada vez mais frequentes e duradouros, mas a imaginao tambm andava frtil; j nada fazia com a famlia (eles que vivam as suas vidas), mas tinha os livros como companhia.

    No fim de tudo, deixava algumas certezas: assim que me derem alta, volto ao meu cigarrinho, a acompanhar a refeio com a bebida alcolica que tiver mais mo.

    Todos vamos ter que morrer. Esta a vida que escolhi. Sou feliz assim, sem arrependimentos.

    Augusto no um doente, mas muitos. Esta viso hedonista da nossa existncia est presente em todas as enfermarias do hospital, sendo muitas vezes levada a um nvel que j no achvamos possvel.

    No h heris nem viles, h pessoas a tratar.Augusto tinha 54 anos. Faleceu uma semana depois.

    Os homens dizem que a vida curta, e eu vejo que eles se esforam para a tornar assim.

    Jean-Jacques Rosseau

  • 1Quando e em que circunstncias comeou este projeto em Portugal? Comeou com um convite da Fundao Lapa do Lobo para fazer uma apresentao sobre um tema ligado educao. Decidi abordar o tema Gap Year, uma prtica muito comum em muitos pases europeus, e no s, e que se viria a tornar uma prtica em Portugal, dizia eu, em cerca de 20 anos. Passado um ms, o Presidente da Fundao, o Dr. Carlos Torres, ligou-me a propor a realizao de um Gap Year, em conjunto com um amigo e financiado por esta. E assim comeou a minha histria do Gap Year, com o Tiago Marques.A ideia da Associao Gap Year Portugal nasceu na ndia, durante uma reflexo sobre esta experincia e da minha vontade de divulgar o projeto perante os jovens portugueses.

    2Em que consiste exatamente o projeto e quem pode faz-lo?A associao tem como primeiro e principal objetivo a promoo do conceito Gap Year em Portugal. O segundo objetivo ajudar todos os jovens que decidem embarcar neste projeto, apoiando-os e

    orientando-os. Por exemplo, quem est a acabar o Secundrio pode passar por vrias Faculdades, experimentando vrios cursos de interesse, de modo a tomar uma deciso mais consciente. J a quem se encontra no Ensino Superior, fomenta-se a aquisio de experincias profissionais antes da entrada no mercado de trabalho. Esclarecemos ainda todas as suas dvidas, proporcionamos vrias formaes e criamos as pontes com empresas, faculdades, associaes de

    voluntariado.Qualquer pessoa, acima dos 18 anos, pode fazer um Gap Year. Mas h momentos em que isto mais comum: no trmino do Ensino Secundrio e do Ensino

    Superior.

    3O que leva um jovem a fazer um Gap Year ? E como defines o papel dos pais neste processo?Normalmente as razes so as mesmas: os jovens no Ensino Secundrio sentem-se imaturos perante o Ensino Superior. J quem acaba o Ensino Superior, f-lo, no s pelo percurso demasiado acadmico, mas pela necessidade de ir mais alm.

    Lanou-se o debate sobre o projeto Gap Year Portugal junto dos estudantes de medicina da nossa faculdade. Mas o isco parecia no ser tentador o suficiente para atrair ningum do cardume dos grupos aliciados. Foi apenas atravs do contacto

    direto que se percebeu que o conceito no nem desconhecido n e m indiferente aos estudantes, nossa gerao de futuros doutores/

    cidados/humanos crescidos. Pelo contrrio, ao que parece, a semente do Gap Year cresce j em muitos de ns, e aqueles que ainda no desenvolveram

    razes nessa ambio, esto pelo menos, segundo os prprios, abertos a essa possibilidade. Decidimos, assim, entrevistar o Presidente da Associao Gap Year Portugal, o Gonalo Azevedo Silva, 22 anos, estudante de Economia na FEP e a Ana Lcia Oliveira, 23 anos, aluna do primeiro ano de MIM

    e que se aventurou num Gap Year pela Europa e Moambique, para nos esclarecerem um pouco mais acerca deste projeto.

    No perder um ano, ganhar muitos anos de

    desenvolvimento

    Gonalo Azevedo Silva

    Gap Year

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    Tema central

  • Tema centralGAP YEAR

    4 Qual o investimento necessrio e o que realmente financiado pela Associao? possvel fazer um Gap Year bastante interessante com 5000 , o valor que, em mdia, se gasta num ano no Ensino Superior. Hoje em dia, dependendo muito do que queremos fazer, conseguimos fazer um Gap Year barato. Dou o exemplo extremo de uma Gapper que fez um Gap Year de 5 meses pela Europa, uma das regies mais caras, com apenas 500 . A associao no tem como prtica recorrente financiar Gap Years. Este ano, temos um concurso (at 15 de junho), resultante da parceria entre a Associao Gap Year, a Fundao Lapa do Lobo e a TAP e que ir financiar um jovem com o valor de 5000 ou 6500 euros em participao conjunta, bem como as viagens de ida e volta oferecidas. Mas o objetivo deste no o financiamento, mas sim a promoo do conceito em Portugal. antes uma forma de pedagogia: se um jovem consegue fazer o Gap com esse valor, qualquer jovem que tenha dinheiro para aceder ao Ensino Superior tambm o consegue.

    5Qual o normal feedback de um Gapper?Sentem-se diferentes, mais capazes, ambiciosos e, acima de tudo, com horizontes mais alargados. Isto poderia ser tudo um conjunto de clichs mas a verdade esta. Verifica-se em todos os participantes.

    6 Face ao preconceito existente, por parte de alguns, que afirmam ser um desperdcio de tempo e dinheiro, o que tens a contra-argumentar?Eu percebo que digam isso pois, provavelmente,

    no alcanvel, para o pblico, o que se poder ganhar com um ano destes. O facto de sermos constantemente colocado prova num Gap Year vai contribuir para a formao de algum que ser mais capaz de estar no mercado de trabalho. No perder um ano, ganhar muitos anos de desenvolvimento. E, muito provavelmente, teremos mais e diferentes oportunidades de emprego aps a sada da faculdade,

    pois temos uma experincia cultural que nos permite uma diferente sensibilidade. Alm disso, a maioria dos jovens est a acabar

    o curso com 21 anos. E depois vem a entrada no mercado de

    trabalho, de onde sairemos com 65 anos. com uma enorme pressa que se entra nas rotinas. Assim, o facto de termos a oportunidade de desfrutar, de viver do mundo muito enriquecedor.

    7Que perspetivas tens sobre as vantagens de um Gap Year para a profisso mdica?Dou o exemplo de um jovem que, aps o primeiro ano em Medicina, decidiu parar e ir trabalhar para o MacDonalds durante um ano. A explicao foi de que, apesar de ser um timo aluno, tinha dificuldades no relacionamento com as pessoas e queria melhorar isso. Assim, alm das vantagens globais, em termos mdicos realo o facto de se crescer no relacionamento com as pessoas mas tambm de ser uma excelente oportunidade de ganhar experincia.

    A oportunidade de desfrutar, de viver do mundo muito enriquecedora

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  • Tema central GAP YEAR

    1 Quando fizeste o Gap Year e porque decidiste faz-lo nessa altura?Fiz o meu Gap Year durante o ano letivo 2013-2014, aps ter terminado a licenciatura em Cincias Biomdicas. Antes de terminar a minha licenciatura, lembro-me de olhar para o meu futuro e sentir que a minha vida j estava, de certo modo, traada por aquilo que a sociedade considera correto e lgico: realizar um curso, encontrar emprego e constituir famlia. No gostei dessa prolepse. Faltava o desafio, o fator surpresa, o desconhecido e o improvvel.

    2 Como reagiram as pessoas mais prximas de ti tua deciso?Os meus pais apoiaram-me desde o incio, principalmente devido a dois fatores: ter um irmo mais velho apaixonado por viagens, e o facto de eu abordar esta ideia com seriedade, responsabilidade e convico. Disse-lhes o que queria fazer, como e em que datas. Integrei-os nos meus planos e fi-los sentir parte desta fase da minha vida. Afinal, muito importante ter o apoio de quem mais gostamos.

    Contudo, penso que a maioria das pessoas no me apoiou. Ouvi muitas vezes: depois vai ser difcil voltar a estudar ; vais perder um ano da tua vida e vais comear a ficar para trs. Lembro-me que, em pleno GY, a minha consulta do viajante para a

    ida para Moambique foi focada em derrubar as minhas ideias. A mdica disse-me com todas as letras: uma tremenda irresponsabilidade sujeitares-te a condies to hostis, tudo por uma

    ideia ilusria de crescimento pessoal.

    3 Economicamente como conseguiste sustentar esse ano?Os custos foram suportados, maioritariamente, pelos meus pais, mas tambm por mim. Para isso, trabalhei durante algum tempo num restaurante, principalmente no vero. Alem disso, sempre explorei mil e uma maneiras de poupar durante o ano e garanto que possvel fazer um GY low cost. Sugiro alguns exemplos de como se pode poupar: Couchsurfing, Workaway e Crewseekers. Existem mais mil e uma maneiras de viajar sem custos de milionrio. Por isso, se o dinheiro o problema, nada que umas horas perdidas no Google e uma planificao adequada no resolvam.

    Quando tu mudas, o mundo muda contigo

    Ana Lcia Oliveira

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  • Se no tivesse feito um Gap Year, hoje no estaria em Medicina

    4 O que retiraste de mais importante desta experincia e em que medida que isso mudou a tua vida?Consegui reduzir-me a mim mesma. Deixei a minha rea de conforto para entrar onde a magia acontece. E garanto que acontece mesmo. Aprendi a simplificar e a desfrutar o que h de melhor. Aprendi a no pensar muito e a dar valor ao que tenho. Percebi que os sentimentos so universais, mas que a forma de pensar individual, tornando-me numa pessoa mais tolerante. Percebi que queria dar uma volta de 180 graus na minha vida e tentar entrar em Medicina. Basicamente, percebi que existe uma panplia enorme de coisas muito mais importantes do que os meus problemas. No o que vais mudar nos outros locais que conta, o que mudas em ti. E quando tu mudas, o mundo muda contigo.

    5 Recomendarias a qualquer pessoa fazer um gap year? Se sim, qual a melhor altura da vida para faz-lo?Eu s recomendo convictamente porque, se pudesse, obrigaria. Dizer que vale a pena no clich. Viajar est na moda? No concordo. Considero apenas que descobrimos o Santo Graal da leveza, da liberdade e da felicidade. A melhor altura? Qualquer. Nunca vamos encontrar a altura ideal, aquela que rene a conjuntura perfeita.

    O tradicional nas transies da vida escolar e/ou profissional, pois no se deixa nada pendente, e o que se tem que iniciar, pode esperar um tempo. A melhor altura aquela em que precisamos de rever, afinal, o porqu de vivermos neste mundo.

    6 Achas que Portugal est ao mesmo nvel do resto da Europa no que toca adeso a este projeto? Sem dvida que no. A Associao Gap Year Portugal, por exemplo, est a caminho dos 3 anos de existncia.

    Na Europa e nos Estado Unidos da Amrica esta prtica remonta aos anos 70. A ideia comeou, agora, a suscitar curiosidade, mas ainda falta enraizar a ideia de que uma mais-valia e no um ano perdido ou dinheiro mal gasto. Lembro-me de falar com uma me irlandesa sobre o Gap Year

    do filho e as preocupaes dela eram saber quais seriam as melhores aventuras para ele.

    7 Ests agora no 1 ano da faculdade de medicina. Achas que essa escolha foi influenciada pelo ano que passaste fora?Sem dvida. Se no tivesse feito um Gap Year, hoje no estaria em Medicina. uma loucura estudar mais 6 anos? , mas depois do ano que vivi, as minhas baterias esto recarregadas e penso ter outra maturidade e conscincia para este passo pessoal e profissional. Agora, imagino-me uma futura mdica com um part-time vitalcio de viajante

    Margarida Carmo e Brbara Mota

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    Tema centralGAP YEAR

  • Medicina l fora

    Desde sempre que o Reino Unido se apresenta como um destino apetecvel para todos os Estudantes de Medicina.

    Apesar do clima um pouco desagradvel, a atmosfera cultural e de progresso cientfico que emana do Reino de Sua Majestade Queen Elizabeth II constitui um engodo ao qual difcil resistir.

    Contudo, este Santo Graal da Medicina Mundial s alcanvel aps uma longa e rdua travessia.

    O internato de especialidade no Reino Unido constitui um processo longo, com inmeras etapas e extremamente competitivo em algumas especialidades.

    Como a relao mdico-doente algo imprescindvel, a primeira certificao exigida a capacidade de comunicar. Posto isto, necessria a realizao de um exame para obteno do certificado internacional de Ingls. O exame mais realizado o IELTS (International English Language Testing System), o qual constitudo por quatro componentes Listening, Reading, Writing and Speaking. Para obteno de reconhecimento necessria uma pontuao igual ou superior a 75% nas quatro componentes.

    De seguida, o proponente deve efetuar uma candidatura para o General Medical Council (GMC). S aps esta candidatura ser aceite e o proponente reconhecido como membro do GMC ser emitido o visto de trabalho no Reino Unido. Existem duas possibilidades de registo no GMC:

    -Provisional Registration: para candidatos sem qualquer experincia profissional;

    -Full Registration: para candidatos com um mnimo de doze meses de experincia em contexto hospitalar, sendo que esta confere autonomia.

    Na mesma altura em que efetuada a candidatura ao GMC, necessrio realizar a candidatura ao Foundation Programme (FP). O FP constitui um programa de estgio laboral com a durao de 2 anos, o qual visa fazer a transio entre a formao universitria e a prtica clnica. Basicamente, a verso inglesa do Ano Comum.

    Contudo, para os estudantes/mdicos portugueses que pretendem candidatar-se ao FP, necessrio serem reconhecidos como elegveis pelo Foundation Programme Offices Eligibility Office (UKFPO). Para isto, necessrio submeter o certificado de concluso do Mestrado Integrado em Medicina e a inscrio na Ordem dos Mdicos.

    Reconhecida a elegibilidade para o FP, o candidato dever efetuar a candidatura propriamente dita.

    Com base nos dados fornecidos pelos candidatos atribuda uma pontuao entre 0 -100, a qual servir para seriao dos mesmos. A pontuao atribuda de acordo com os seguinte critrios:50 pontos Performance escolar (34 43 pontos para as classificaes durante o MIM e 7 para publicaes cientficas e graus acadmicos obtidos);50 pontos resultantes da classificao obtida no Situational Judgement Test .

    A pontuao obtida determinar o ingresso nas diferentes instituies responsveis por ministrar o Foundation Programme.

    Por fim, concludo o Foundation Programme, o estudante encontra-se apto para se candidatar a uma especialidade. Esta candidatura feita de acordo com as vagas disponibilizadas por cada Colgio de Especialidade

    Especialidades no estrangeiroLong Live the Queen

    Diogo Silva

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  • Medicina l fora

    Acho que somos uma gerao induzida a se sentir perpetuamente insatisfeita com o chamado so- nho americano. Aos 20 e poucos anos estamos entre uma juventude que prolongamos a custo e uma vida adulta que teima em chegar. Pelo caminho fazemos de tudo por um momento que nos possa saber a verdadeiro, to genuno que necessariamente seja s nosso. isso que andamos procura, no fundo vivemos para colecionar momentos, daqueles que ao olhar para trs nos obrigam a esboar um pequeno sorriso de orgulho. Erasmus em modo resumido, uma mirade deles. Justificada a escolha, minha e de tantos outros, em ir de Erasmus, espero!

    J justificar Itlia, disse-me a Lusa Urbano que est em Perugia, que Erasmus em Itlia todos os dias te balanares entre o exaspero e o encanto da Dolce Vita italiana. Acho que fica tudo dito, e agora com conhecimento de causa fica tambm a certeza que com o tempo o ltimo acaba sempre a superar o primeiro. Entretanto no posso negar que me apaixonei por esta nica cidade chamada Gnova, mas creio, por ela como poderia ter sido qualquer outra. Qualquer paixo fortuita, e serve-me o propsito para aconselhar a que nunca ningum deixe de ir de Erasmus pelo pas ou pela cidade. Itlia, semelhana de Coimbra, tem outro encanto, sim, mas Erasmus uma experincia que no se deixa definir por onde , mas com quem , e acreditem, que onde quer que vo, ho de encontrar sempre pessoas extraordinrias com quem partilhar aqueles que vo ser os melhores meses das vossas vidas.

    inevitavelmente certo que nunca poderei dizer que sers melhor mdico por uma formao no estrangeiro que perde, admitidamente, muitas horas para outras facetas mais aliciantes desta jornada, mas

    o que se ganha em Erasmus no se pode medir em crditos ECTS. Quando regressares vais perceber que a tua zona de conforto perdeu pontos para a atrao do desconhecido, mas sobretudo que essa insaciedade de novos caminhos te tornou muito mas muito melhor pessoa. Sem te teres apercebido, vais regressar mais adulto, vais ver que ganhaste muito em humildade e empatia, e vais descobrir que te tornaste mais tolerante com quem te rodeia. Tudo coisas que te faro mais feliz, e sobretudo, j o disse, melhor pessoa. E se o que faz de ns melhores pessoas, no fizer de ns melhores mdicos, estaremos a formar os mdicos errados.

    Go on Erasmus, then die, sei que parece uma premissa insustentvel, admito, mas fica a dica que vive altura das expectativas. Por isso vo, vo e aproveitem

    Erasmus em Itlia todos os dias te balanares entre o exaspero e o

    encanto da Dolce Vita italiana

    Erasmus

    Jos Alarco

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  • Vive Coimbra!

    Um murmrio invade a cidade. O Mondego recorda os que por ele passaram ao som das melodias que, como manda a tradio, ano aps ano se repetem no soberbo panorama da S Velha. A noite, amena por natureza e impregnada com vapores de uma fatal saudade, promete uma contemplao de tom nostlgico e sagrado.

    Do Cabido ao Quebra-Costas o panorama idntico: um mar de estudantes ocupa o Largo, revestidos de um austero negro rasgado com encantadores suspiros de branco, de teor clssico e acadmico. A catica multido comprime-se e condensa-se. O alarido constante, agravado pela impacincia aliada expectativa. Pela meia-noite, a serenata inicia-se. Quem a escuta aprecia as notas suspensas na atmosfera que extasiam e se elevam na noite, desprendendo-se da real fugacidade, alcanando uma duradoura sensao de plenitude como se por momentos todos os tempos de maior felicidade fossem revividos intensamente, culminando num amargo travo de solido e saudade.

    O sabor dessas memrias dana no cu, denunciado por um ligeiro tom melanclico e plangente. As vozes que se conjugam com as notas tiradas das guitarras revelam uma angstia perdidamente apaixonada pela vida. Cantam com as lgrimas nos olhos, mas de vozes firmes e resolutas, com a grande audincia mergulhada e absorta na msica. Cantam a alma e o corao.

    Emocionam-se os ouvintes, quer os mais novos que se estreiam e procuram um futuro imensamente feliz, quer os mais velhos que relembram a consagrao

    amorosa que lhes invade o esprito, lacrimejando ao som de baladas belssimas e infalveis, que acordam um mago sentido. Paira uma triunfante ode aos grandes feitos e s maiores alegrias, um requiem pelos tempos dourados, um solene momento que prende os olhos na imensido da fresca tela nocturna onde se tinge uma cascata de sensaes despertas pela msica, to inclume e sublime, to pura e plena, to preciosa e memorvel. Assim se passa a mais clebre noite da cidade que prende e desfere fatais golpes de saudade, to portuguesa palavra e nacional sentimento, que faz sofrer antes da infame partida, capaz das maiores tragdias e dos mais supremos amores, Coimbra de poetas, estudantes e doutores; histrias de jantares e convvios, venturas e fortunas, vidas bomias e tentaes.

    A ltima nota escapa morosamente do prtico. Reina um silncio momentneo. Quebram-se almas, estilhaam-se encantos, observam-se olhares presos no imenso cu que outrora prendera a harmonia musical e que se mostra estranhamente vazio. Desaparece o feitio, o suspiro esvai-se em dor e saudade, combustado pela esperana e memria de tempos imensamente felizes que o corao erra em considerar alcanveis, despertados pela magnfica serenata. Ao fundo, as guas do Mondego lamentando-se baixinho, reflectem uma cidade imersa numa nostlgica constelao de almas.

    Por momentos, no auge sonoro da serenata, celebra o Homem a efmera existncia, esquecendo que desde o nascimento, da morte j pertena

    Este autor escreve segundo o antigo acordo ortogrfico.

    Serenata Monumental

    Tiago M Lorga

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  • Vive Coimbra!

    Classificado como Monumento Nacional, o Museu Nacional Machado de Castro, cujo nome uma homenagem da cidade ao mais notvel representante da escultura portuguesa do sc. XVIII, sobrevive desde 1910 at aos nossos dias em pleno corao da Alta de Coimbra. Convidamo-vos a (re)descobrir a histria e a percorrer um espao arqueolgico e arquitetnico excecionalmente distinto, que cria o ambiente ideal para contemplar uma das mais completas colees de arte em Portugal. Poders iniciar a visita pelo criptoprtico (sc. I d.c.) um monumental conjunto de galerias que constituem testemunhos arqueolgicos das origens romanas de Coimbra e sobre a qual a cidade foi fundada. Os restantes pisos desafiam a deixar-mo-nos surpreender pela maior coletnea de escultura do pas, da qual de destaca a ltima Ceia (sc. XVI) de Hodart Vyryo, uma obra em terracotta e executada em tamanho real, considerada uma obra prima da escultura mundial. De entre as colees permanentes destacam-se ainda obras de ouriversaria e joalharia, mobilirio, cermica, pintura, e ainda de txteis. No fiques indiferente oportunidade de mergulhar nos reflexos da histria da arte e cultura portuguesas, ousando percorrer os recantos deliciosos deste magnfico espao museolgico. Usufrui de 50% de desconto com carto de estudante ou da entrada gratuita no 1. Domingo de cada ms. Macte animo!

    Para conviver, fazer exerccio fsico ou simplesmente refletir, a Mata Nacional do Choupal j existe desde os anos 70. Construda com o intuito de prevenir a acumulao de detritos no fundo do Rio Mondego, que condicionava a alterao da sua topografia, este parque hoje em dia um local de passagem quase obrigatria a quem visita a Cidade dos Estudantes. No entanto, muitos de ns, estudantes, no conhecemos o Choupal, apesar de este ser uma presena assdua nos poemas do Fado de Coimbra.Com uma rea de 79 hectares, a mata do Choupal acompanha o rio Mondego numa extenso de 2 km, sendo estes para descobrir e disfrutar da beleza natural providenciada por choupos, pltanos, loureiros, entre outras espcies de plantas. E no h desculpas para no descobrir este pedao do nosso patrimnio, dado que h diversos autocarros que passam por l (5, 14, 25, 28, 29, 30, 35, 36, 39). Fica a dica!

    Choupal

    A Visitar!

    Hugo Gomes

    Margarida Duarte

    Museu Nacional Machado de Castro

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  • Fora da Medicina

    Foi no Complexo Olmpico de Piscinas, em Coimbra, que durante o Campeonato Nacional de Juvenis, Juniores, Seniores e Absolutos se estabeleceram os primeiros mnimos A para os Jogos Olmpicos de 2016 no panorama da natao. 4 de abril de 2015 foi o dia em que Diogo Carvalho atingiu mais uma marca notvel (2,00,00 aos 200m estilos) que lhe garantiu a presena em mais umas olimpadas.

    RX: Como que tudo comeou? Como que a natao entrou na tua vida?

    DC: Tudo comeou quando tinha 3 anos de idade e a minha educadora levou as crianas para a piscina... nunca mais larguei a natao.

    RX: Em comunicado recente, o COP (Comit Olmpico de Portugal) afirma que os resultados obtidos em grandes competies so fortuitos e dificilmente repetveis desdramatizando as questes financeiras e a carncia de infraestruturas. Concordas com isso? Na tua opinio, o que justifica este baixo rendimento, particularmente no mundo da natao?

    DC: Para que haja um alto rendimento no so s necessrias infraestruturas. No mundo da natao os bons resultados a nvel internacional s podero aparecer ao fim de alguns anos de muito trabalho,

    dedicao, sacrifcio, com prejuzo de um percurso acadmico e consequente entrada no mercado de trabalho. Isto, muitas vezes, torna-se desmotivador, sobretudo quando os resultados no aparecem de imediato e toda a estrutura extradesportiva se questiona e acaba por levar a um abandono precoce do atleta. Ainda falta um conjunto de medidas que permitam conciliar um trabalho desportivo consistente e contnuo sem comprometer gravemente a carreira acadmica.

    RX: s atualmente detentor de 9 recordes nacionais. Lembras-te do primeiro que bateste?

    DC: Sim. algo que me vai acompanhar para o resto da vida. Foi em 2002 nos 200 metros livres, numa piscina que hoje j no tem as mnimas condies para se realizarem competies oficiais, mas que na altura, para mim, foi a melhor piscina do mundo.

    RX: Em 2013, nos Campeonatos da Europa de piscina curta, em Herning, chegaste a um brilhante 3 lugar e acabaste com um jejum de medalhas de Portugal que durava h j 14 anos. Como descreves o momento em que subiste a um pdio europeu e elevaste a bandeira do teu pas?

    DC: Foi o realizar de um dos objetivos que nos propusemos desde que a natao tomou o principal foco na minha vida. Representar Portugal, Aveiro e a Universidade de Coimbra sempre um grande motivo de orgulho e honra para mim, independentemente do resultado, mas quando se atinge um lugar de pdio torna tudo mais memorvel.

    EntrevistaDiogo Carvalho fora da Medicina

    Tem 27 anos e o melhor na histria da natao portuguesa. Diogo Carvalho, estudante da FMUC e atleta do Clube dos Galitos de Aveiro fala-nos da sua carreira na alta competio e da forma como a concilia com os estudos.

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  • Fora da Medicina

    RX: Durante 6 meses, treinaste nos EUA a cargo de Gregg Troy, treinador de uma grande estrela da natao mundial que o Ryan Lochte. O que mais te marcou nessa experincia? Quais consideras ser as grandes diferenas entre a natao portuguesa e a americana?

    DC: Poder passar o dia a dia, treinar e competir diariamente com grandes nomes do desporto mundial. A grande diferena entre eles e ns a profissionalizao (dos atletas e treinadores) e tudo o que envolve o desporto. A Faculdade molda-se s necessidades dos atletas e da sua carreira desportiva, para no falar do oramento incalculvel que tm para suportar o desporto acadmico, o que em Portugal uma realidade a anos-luz.

    RX: Ests a caminho das tuas terceiras olimpadas. Em Pequim, foram 8 os centsimos a afastarem-te das meias-finais e em Londres apenas 12. Qual a sensao de falhar uma meia-final olmpica por to pouco? Estes dois infortnios deixam-te com ainda mais vontade de o conseguir no Rio?

    DC: Sinto que estou mais concentrado e focado no que tenho para fazer. Para mim, na altura, achava-me o atleta com mais azar, mas na verdade, hoje vendo as coisas como elas so, sinto-me abenoado por ter muitas outras coisas para as quais trabalho tanto. A minha motivao raramente fica abalada, posso ficar triste, mas no desmotivado, por isso, os pequenos infortnios fazem me querer sempre chegar mais longe, e a prxima meta

    a longo prazo a meia final no Rio.

    RX: Ao realizares o mnimo A aos 200m estilos, entraste para a 7 posio do Top10 Mundial. Logo

    de seguida neste top 10, surge outro portugus, Alexis Santos. Pela primeira vez, Portugal tem dois atletas com mnimos A para a

    mesma prova em Jogos Olmpicos. um sinal de evoluo? At onde pode ir a natao

    portuguesa nesta edio?DC: O Alexis um grande amigo meu mesmo fora

    do mundo da natao. Penso que a natao est a viver um momento que poder ficar para a histria da modalidade do pas. Esperemos que consigamos ambos atingir a meia-final, o que seria histrico.

    RX: Como que se concilia uma carreira de alta competio com um curso de medicina?

    DC: Na verdade no se concilia, uma vez que a natao um desporto que requer muitas horas dentro de gua, no ginsio, fora do pas e, consequentemente, fora da faculdade. O que eu tento, tendo o apoio dos meus fazer duas ou trs disciplinas para no perder o contacto com os livros e as aulas. Mas tenho a certeza que, em Portugal, conciliar os estudos com uma carreira de alto rendimento ao mais alto nvel praticamente impossvel.

    RX: Sentes o apoio e compreenso necessrios por parte da faculdade para facilitar essa conciliao?

    DC: Na verdade, penso que ainda no h medidas nem um apoio enraizado no ensino, mas espero que

    no futuro tudo isto seja mudado e tenhamos as condies que os nossos adversrios l fora tm.

    RX: Pretendes, no futuro, continuar a aliar estas duas paixes, a medicina e o desporto, num contexto profissional?DC: Sim. Esse o meu o sonho a longo

    prazo. O desporto e a medicina estaro sempre interligados, e o meu objetivo ser potencializar ao mximo os atletas.

    RX: Fora da Medicina e da natao, tens tempo para a vida normal de um jovem de 27 anos?

    DC: Quero acreditar que sim, que no estou a perder um segundo da minha vida. Mas tudo se resume s escolhas e opes de cada um. Se vou queima das fitas? No vou. Vou aproveitar esse tempo que no tenho aulas para fazer um estgio fora do pas, a treinar. Mas os momentos em que no estou a treinar, dormir, ou estudar tento sempre aproveit-los para passar algum tempo com a minha famlia e com os meus amigos. Boa sorte, Diogo!

    Rita Xavier

    A minha motivao raramente fica afetada.

    Posso ficar triste, mas no desmotivado.

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  • Creativa-te

    H uns dias atrs, um Professor, em contexto de aula, informou-nos de que ns, pr-mdicos, somos pessoas passivas.

    Depois de 21 anos convencida de que sou uma pessoa muito ativa, no gostei nada de ouvir aquilo! S depois de uma detalhada explicao percebi que me encaixo naquele molde de pessoa passiva, bem como todos ns: temos tendncia para pr as prioridades, os interesses e as opinies dos outros frente das nossas. E isso que aparentemente pode ser um grande defeito, , a meu ver, uma grande qualidade.

    Foi isto que nos levou a querer passar mais de dois teros da nossa vida a querer ajudar os outros, a querer resolver problemas que no so nossos, a querer melhorar um sofrimento que nada nos teria que afectar.

    Todos ns dentro de poucos anos vamos ter que, no s saber, como tambm gostar de colocar completos desconhecidos no topo das nossas prioridades. S assim, a D. Antnia e o Sr. Manuel vo poder encontrar em ns a esperana e o conforto de que necessitam. Por quinze minutos, uma hora, o tempo necessrio, a nossa vida ser a vida do nosso doente, nada a mais, nada a menos

    Maria Jos Temido

    Colonoscopia A Histria Por De TrsO que faz de ns mdicos?

    Em 1968, o cineasta visionrio Stanley Kubrick tornou clebre o conceito do Monolito: um misterioso bloco negro que conferira a uma populao de chimpanzs o dom da inteligncia e conscincia do prprio, originando a Humanidade e inspirando a sua interminvel demanda da descoberta do desconhecido, incluindo o prprio Homem. Num sentido bastante literal, como quem diz, os confins do intestino grosso.

    Foi Philip Bozzini que tentou pela primeira vez, em 1805, observar um corpo humano com vida diretamente atravs de um objeto tubular. Em 1868, o Dr. Adolph Kussmaul da Alemanha tornou-se o pioneiro da endoscopia gstrica, com o auxlio de um engolidor de espadas capaz de enfiar pela guela abaixo um tubo metlico. O primeiro gastroscpio flexvel surgiria em 1932 pela mo do Dr. Rudolph Schindler.

    Em 1963, Hiromi Shinya sairia do seu pas natal, o Japo, para completar a sua especialidade cirrgica em Nova Iorque. Comeando em 1967, Shinya inteirou-se da prtica colonoscpica, experimentando com um esofagoscpio, mas aplicando-o segundo uma perspetiva diferente, e logrou alcanar o ngulo esplnico do clon em cerca de 50% das sesses.

    Shinya encabeou tambm a inveno da pina (snare) de polipectomia eletrocirrgica. Mesmo antes de confirmada a conexo entre plipos clicos e carcinoma colo-retal, Shinya tinha concludo que a remoo desses plipos podia reduzir o risco de surgimento do cancro. Em setembro de 1969, Shinya realizaria a primeira polipectomia colonoscpica, tendo at data realizado aproximadamente 370 mil colonoscopias.

    Como j devem saber, o Carcinoma Colorrectal o tumor maligno mais frequente entre os pases da Unio Europeia. a principal causa de mortalidade de causa oncolgica em Portugal. A colonoscopia realizada atempadamente pode prevenir essa situao. Cuidem de vocs, e cuidem dos vossos clons.

    No deixe que l hibernem ursinhos-goma

    Gonalo Torres

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    Medicina Made EasyNs Mdicos

  • O que a vem...

    O curso de Medicina em Coimbra (falarei da realidade que conheo melhor) est longe da perfeio, algo que salta vista de todos os estudantes desde o momento em que iniciam esta longa aventura. Poderia aqui discorrer sobre uma srie de diferentes problemas do curso, da faculdade, etc.. No entanto, esses, j todo o estudante conhece (e bem) e nada iria trazer que no uma repetio dos queixumes do costume. Assim, resolvi antes reflectir sobre um outro

    aspecto que, aos olhos das experincias que vou tendo (sobretudo no estrangeiro), cada vez mais me preocupa e intriga: a crescente homogeneizao dos estudantes de Medicina e, futuramente, dos mdicos do nosso pas.

    Comeando pelo incio. Tal como aconteceu comigo, uma boa maioria de vs vive desde os 15 anos focado para entrar neste curso. Chegados ao 9 ano, h que escolher a vida que queremos ter da para a frente (ok, estou a exagerar um pouco, mas tem o seu qu de verdade). No nos dada qualquer margem para errar e os que no conseguem primeira submetem-se a sucessivas melhorias e repeties. Ningum pra para pensar. Ser que mesmo isto que quero fazer?. A ideia de um rendimento fixo, emprego estvel, aliada a um pressuposto elevado estatuto social (sado dos incios do sculo XX), continua, infelizmente, a ter um grande peso na deciso de muitos de ns.

    Para no falar da eterna questo das notas: ser um aluno de 18 melhor estudante de medicina que um de 16? Ser ele, no futuro, um melhor mdico?Excluindo o conhecimento cientfico, nada

    mais posto prova. Qualidades como capacidade de deciso e

    comunicao, empatia e entrega, to importantes na nossa profisso, so chutadas para canto.

    Resultado: samos todos do ensino secundrio com um background comum. Somos (praticamente) todos jovens imaturos, na casa dos 18 anos, que tudo o que provou at ento foi a sua capacidade de estudo. No desvirtuando a mesma, no considero um melhor mdico aquele que sabe na ponta da lngua todos os mais recentes protocolos teraputicos mas que no sabe comunicar com o doente ( volta do qual a Medicina se centra, infelizmente, cada vez menos).

    Esta clara falta de diversidade saltou-me vista quando, h poucas semanas, falava com uma colega americana vinda de Harvard. Se por um lado tenho grandes reservas para com o sistema de ensino americano, devo reconhecer-lhe algumas qualidades. Tomando a Medicina como exemplo, os estudantes tm fazer uma licenciatura primeiro, no necessariamente ligada sade ou cincias, antes de se poderem candidatar. Isto faz com que estes venham das mais diversas reas e sejam mais maduros quando optam por seguir este caminho. Alm de permitir uma escolha mais consciente, permite que os estudantes construam o seu percurso individual e, com isso, possam oferecer diferentes ideias e perspectivas prpria Medicina.O problema que esta homogeneidade no

    desvanece durante o nosso curso. Pelo contrrio, fomentada, incentivada. Estudamos todos pelas mesmas sebentas, reutilizadas anos a fio, frequentamos todos as mesmas cadeiras, fazemos todos os mesmos exames (literalmente).

    Nota inicial: Este texto no mais que uma compilao de pensamentos e ideias soltas que, aos 23 anos, vo fervilhando na minha cabea, no momento em que me preparo para finalizar os estudos e embarcar no mundo do trabalho. Perdoem-me, desde j, qualquer falta de coerncia intelectual ou literria.

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    Corte a Eito

  • O que a vem!

    Temos horrios feitos medida dos interesses dos professores, relegando para o tempo livre (leia-se, aquele buraco entre as 9h e as 14h) qualquer actividade extra-curricular. Perdemos mais tempo a procurar estacionamento, procurar as salas de aula, procurar os assistentes, (procurar espao dentro da sala ou da enfermaria tambm) do que propriamente a aprender. Contactamos com, praticamente, uma nica realidade hospitalar CHUC, ou apenas HUC , como se essa realidade fosse transponvel para todos os hospitais do nosso pas. Nem no ltimo ano, momento decisivo para nosso futuro, nos permitido explorar melhor uma rea pela qual nos interessemos. No h - e no haver para breve - espao para qualquer diversificao, quer pessoal quer curricular, ao longo dos 6 anos. E poderia ficar por aqui, mas no o que acontece.

    Na verdade, para qu mudar alguma coisa quando, no momento de escolher, o trabalho individual desenvolvido ao longo deste percurso, de pouco ou nada serve? Uma vez mais, chegados ao fim, s uma coisa interessa: a nota (onde que j vi este filme?). Neste momento, avoluma-se a esperana de ficar nos noventas, nota essa que permitir escolher aquela especialidade de que tanto gostamos. De nada valem os projectos de investigao que desenvolvemos, os estgios extra-curriculares que fizemos, muito menos o nosso gosto, a nossa motivao, o nosso interesse, a nossa paixo.

    Boa merda, um 67... Bem, l terei de repetir para o ano que vem.Continuar a fazer sentido manter este mtodo

    de seleco, negligenciando a real capacidade de trabalho individual (e no de estudo obsessivo) de cada um?

    Como se no bastasse, a nova legislao ir em breve introduzir a nota de curso no mtodo de acesso especialidade (no desvirtuando, no entanto, uma to necessria renovao da PNS). Brilhante forma de incentivar ainda mais padronizao dos nossos futuros mdicos... Ir de Erasmus, essa fantstica oportunidade que os nossos estudantes tm de contactar com outras realidades mdicas e culturais por essa Europa? Envolver-me no associativismo,

    essa entidade que explora a minha capacidade de tomar decises e trabalhar em grupo em prol de um bem maior? Perder semanalmente horas do meu tempo para desenvolver um projecto de investigao? Integrar um grupo de fado? Praticar desporto de alta competio? Se calhar melhor no, seno me sobra tempo para fazer os portflios, relatrios, histrias clnicas, etc. (to teis que so para a nossa formao como mdicos) e ainda fico para trs nesta corrida.

    E isto tem um grande impacto no nosso futuro! Esta uniformizao da massa mdica, aliada a cada vez mais precrias condies de trabalho, est a transformar-nos em simples mo-de-obra da grande fbrica da sade em Portugal. Deixmos de ter voz crtica na poltica, nas

    artes e na sociedade. As nossas referncias deixaram de ser Miguis Torgas e Lobos Antunes, deixando no seu lugar as mortes nas urgncias e a insustentabilidade do SNS. Ser mesmo este o caminho a seguir?

    Continuamos ligados a costumes e ritos ancestrais, com receio de mudar sistemas que, apesar de imperfeitos, so a nica realidade que conhecemos. H que ver na mudana uma oportunidade, no um obstculo. Porque certamente mais fcil para ns, estudantes, saber que contamos com 6 anos pr-formatados, e que, no fim, teremos a PNS nossa espera (para a qual nos resta estudar mais ou menos, consoante queiramos Dermatologia ou MGF). a vitria da segurana sobre a insegurana, do que certo - ainda que mau sobre o desconhecido. H que pensar diferente! H que valorizar o trabalho e dedicao em detrimento do sistema. Temos de querer ser melhores estudantes, mais crticos, mais interventivos, mais participativos, pois s assim poderemos ser melhores profissionais. E este esforo ter de partir de ns. A unio dos

    nossos estudantes no pode resumir-se s noites e aos convvios. Se tivermos de ser veculos da nossa prpria instruo e educao, pois que assim seja! Mas ao menos moldamos o nosso prprio futuro, em vez de deixarmos que o faam por ns

    Joo Martins

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  • Imortalizadas em Tustkagee nos anos 50, as HeLa foram as primeiras clulas humanas a sobreviver in vitro. Largamente utilizadas em investigao cientfica, permitiram a escrita de importantssimos captulos na Histria da Medicina um dos mais notveis ter sido, sem dvida, o desenvolvimento da vacina contra a Poliomielite, destacando-se tambm a clonagem, mapeamento gentico e a fertilizao in vitro. Henrietta Lacks foi a dadora destas clulas quando, de forma no consentida, foi biopsada a um carcinoma do colo uterino na ala de cor do John Hopkins Hospital. Nunca foi informada da investigao decorrente em laboratrio, nem to pouco dos fascinantes e inesperados resultados alcanados. Os prprios familiares s tomaram conhecimento da ampla utilizao das HeLa dcadas mais tarde, nunca tendo beneficiado com a multimilionria comercializao das mesmas.

    Neste livro aclamado pela crtica, Rebecca Skloot levanta questes sobre cincia, biotica, discriminao racial e Direitos Humanos, ao mesmo tempo que d a conhecer a magnfica e imortal vida da mulher que, sem saber, revolucionou a Medicina

    E se se adivinham tempos em que a Biblioteca se torna o teu lugar cativo, nada como perspetiv-la de um modo diferente, original e com um toque humorstico. assim que o escritor srvio Zoran ivkovic constri seis breves histrias, reunidas num livro galardoado com o prestigiado World Fantasy Award em 2003 e que promete surpreender. Desde uma biblioteca virtual, onde um escritor descobre livros seus que ainda no escreveu, s condenaes literrias em pleno Inferno, esta uma leitura leve, ideal para quando o tempo escasseia, mas que certamente transformar o teu domnio de bibliologia e, quem sabe, as tuas prximas sesses de estudo!

    Seco CulturalCoffee Break

    Cartoon

    Ana Mafalda Gonalves

    Vencedores do ConcursoEntre Livros e Cerveja

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    Alexandra Cardoso

    Ana Rita Almeida

    Carolina Pimenta

    Carolina Pimenta

    Dicas deleitura

  • Tens sugestes de temas para a prxima edio? A escrita uma paixo? Gostarias de pertencer a esta grande equipa? Contacta a tua Revista: [email protected]

    Esperamos por ti!