Anexo III Produção e Apropriação

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    III. Produo, apropriao, transferncia e gerao de valor

    Reinaldo A. CarcanholoAnexo 3 de A dialtica da mercadoria:

    guia de leitura

    Retomemos o que foi discutido nos pargrafos 84 e 85 e tambm nos 125 eseguintes do texto inicial, do qual este um dos temas complementares. Ali dizamosque a expresso relativa do valor no totalmente adequada para expressar a verdadeiramagnitude do valor. Isso quer dizer que o valor-de-troca de uma mercadoria em relaoa outra qualquer no proporcional s suas magnitudes de valor. Isso, obviamente,tambm vlido para o preo de mercado, que nada mais do que um valor-de-trocaespecial, aquele em que o equivalente o dinheiro (dinheiro-ouro). Para simplificar,

    partamos do exemplo que aparece no pargrafo do texto anterior, que relaciona asmercadoria A e B.

    Suponhamos que as magnitudes de valor representadas por essas mercadoriassejam:

    mgVA = 10 h. de trabalho emgVB = 1 h. de trabalho,

    O que significa que a expresso relativa no seja totalmente adequada paraexpressar a verdadeira magnitude do valor de A? Significa que, no mercado, noencontraremos o valor relativo de A, em relao a B como sendo necessariamente

    1 A = 10 B,

    isto , a proporo de troca no ser, em condies normais, inversamente proporcional

    s magnitudes de valor das respectivas mercadorias.

    Na verdade, na sociedade capitalista, no dia-a-dia do mercado, s por acasopoderemos encontrar proporcionalidade entre o preo e o valor das mercadorias. Vriasrazes podem ser indicadas para explicar esse fenmeno. Foley explica muito bem oassunto:

    As razes dessas diferenas quantitativas entre preo e valor no caso das

    mercadorias individuais encontram-se nas particulares relaes entre

    compradores e vendedores nos mercados nos que ocorre o intercmbio. As

    propores nas que se intercambiam as mercadorias dependem, na realidade,

    do poder de negociao dos compradores e vendedores. Se o vendedores tmuma melhor informao, ou um poder monopolista, ou a proteo do Estado, ou

    se ocorre escassez da mercadoria especfica, o preo tender a ser mais alto.

    Pelo contrrio, se os compradores tm uma melhor informao, ou se

    encontram uma forte concorrncia entre os vendedores, ou se h uma

    sobreabundncia da referida mercadoria, o preo tender a ser menor.

    (Foley, 1989, pp. 29-30) - (trad. nossa)

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    dependente do preo que A logra alcanar, chamaremos de valor mercantil1 de A. Ovalor de A e seu valor mercantil so duas diferentes dimenses mensurveis damercadoria, de qualquer mercadoria:

    - o valor a dimenso que define a riquezaproduzida,- o valor mercantil, a que define a riqueza apropriada pela mercadoria no

    mercado.

    Dessa maneira, ficam compreensveis os conceitos de valore valor mercantil, aomesmo tempo que os deproduoe apropriaode riqueza mercantil.

    A transferncia de valor:

    Agora, partindo do mesmo exemplo anterior,

    1 A = 9 B,analisemos a questo desde o ponto de vista do possuidor inicial de B, supondo-setambm que tenha sido seu produtor direto.

    Ele produziu, com as 9 unidades de B, uma riqueza social de magnitude igual a 9horas de trabalho socialmente necessrio. Foi ao mercado e, com aquela quantidade deB, apropriou-se de 10 horas. Ganhou, na transao e s por efeito dela, uma hora detrabalho. Por cada unidade de mercadoria B apropriou-se de 10/9 horas de trabalho.Assim:

    - o valor de cada unidade de B igual a 1 hora de trabalho socialmentenecessrio;

    - o valor mercantil de cada unidade dela 10/9 horas de trabalho.O ganho total que o produtor de B obteve no mercado foi exatamente igual

    perda do produtor de A. Na verdade, o que houve foi uma transferncia. Surge, assim,um novo conceito: o de transferncia de valor, que se soma aos anteriores deproduoeapropriao.

    No livro de Foley, essa situao de transferncia de valor, devido aos preos, denominada intercmbio desigual:

    1 Tambm seria aceitvel valor de mercado ou valor comercial. Entendido dessamaneira o conceito de valor mercantil ou de mercado, parece ser possvel e maisadequado superar as dificuldades do controvertido captulo X do livro III d'O Capital,embora respeitveis intrpretes de Marx seguramente no concordaro com esta nossatese. Naquele captulo, se nossa interpretao correta, seu autor atribui tal significaoao conceito, pelo menos dentro de certos limites (aqueles definidos pelos valoresindividuais extremos conceito desconhecido para ns, at o momento). Alm desseslimites, o preo de mercado, se mais alto ou mais baixo, determinaria um valorapropriado que ele no chama de valor mercantil ou de mercado.

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    Desde o ponto de vista da teoria do valor trabalho, podemos ver esses casos,

    nos que os preos no refletem com exatido os valores, como casos de

    intercmbio desigual de tempos de trabalho, pois uma das partes da transao

    recebe mais valor do que outorga. (Foley, 1989, p. 30) - (trad. nossa)

    E o autor agrega, em outras palavras, que isso no contraditrio com a teoriado valor, tal como Marx a apresentou:

    Observe-se que o intercmbio desigual no viola o princpio de conservao

    do valor no intercmbio, pois o que uma parte ganha em valor exatamente

    igual ao que a outra perde. A quantidade total de valor na se v afetada pelo

    fato de que o intercmbio desigual transfira parte dele de um agente para

    outro. (Foley 1989, p. 30) - (trad. nossa)

    Preo correspondente ao valor:

    Apesar de que, normalmente, encontremos uma inadequao no preo paraexpressar a verdadeira magnitude ou grandeza do valor, possvel, em situaesabsolutamente casuais, encontrar, no mercado, uma perfeita proporcionalidade

    preo/valor. Assim, no nosso exemplo anterior, a proporo de troca entre asmercadorias seria exatamente:

    1 A = 10 B.

    Nessas condies, teramos uma igualdade quantitativa entre a produo e aapropriao de valor (10 horas de trabalho, em ambos lados da igualdade), para os dois

    produtores, e a transferncia de valorseria igual a zero2. Alm disso, o valor e ovalormercantilda mercadoria A seriam iguais entre si e o mesmo ocorreria para a mercadoriaB. Nesse caso, quando os preos das mercadorias forem proporcionais s magnitudesdos seus respectivos valores, diremos que os preos correspondem s magnitudes devalor ou, mais simplesmente, correspondem ao valor. Fica estabelecido, assim, oconceito de correspondnciapreo/valor3.

    Com ele, fica superada a dificuldade apresentada no texto de Foley e indicadamais acima, quando se referia igualdade ou desigualdadequantitativa entre os doisconceitos que qualitativamente e dimensionalmente so diferentes.

    2Nas palavras de Foley, haveria intercmbio de iguais. Borges Neto (2001) tambm serefere a isso.3Borges Neto (2001) nos lembra que Marx chama o preo correspondente ao valor depreo-valor e que Shaik (Shaikh, Anwar. "Marxs Theory of Value and theTransformation Problem", inSchwartz, Jesse (1977), pp. 106-139) o denomina preodireto. Ambas expresses no nos parecem suficientemente adequadas para o conceito.

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    Insistimos que encontrar preos correspondentes aos valores, na sociedadecapitalista, pura casualidade. Eles normalmente so no correspondentes e implicamdiferenas entre aproduoe a apropriaode valor e distintas magnitudes para o valore para o valor mercantil da mesma mercadoria. E mais, as razes para isso no sosomente as apontadas anteriormente por Foley.

    Esse autor, na passagem citada, indicava causas circunstanciais como razespara esse fenmeno. Ele se referia a circunstancias presentes na concorrncia entreofertantes e demandantes, quando dispunham de poderes desiguais. No entanto, mesmoem condies de igualdade de poder de negociao entre eles, existe uma causa (essasim de natureza estrutural e no circunstancial) que obriga divergncia entre os preosde mercado e os correspondentesao valor. Trata-se da questo, discutida por Marx nolivro III d'O Capital, dos preos de produo. Ali, supondo taxas uniformes de lucroentre os capitais de diferentes ramos econmicos, chega-se concluso de que, frente aestruturas diferentes entre eles (no que se refere composio orgnica e rotao), os

    preos no podem ser correspondentes ao valor4. O mesmo Foley, no deixa semregistro esse assunto:

    ... no h razo alguma para esperar que os preos das mercadorias

    particulares seja proporcionais as seus valores individuais ..., inclusive em

    condies de concorrncia uniforme entre os produtores. (Foley, 1989, p. 30)- (trad. nossa)

    Magnitude do valor e preo de mercado:

    justamente pelo fato de que, normalmente, os preos no correspondem aos

    valores, que uma ingenuidade pensar que, para Marx, os valores tem a funo denorma de intercmbio. Mas isso significa que o conceito de valor no tem nenhumafuno na determinao da magnitude dos preos de mercado? De fato, h uma relaodo ponto de vista quantitativo, entre os dois conceitos, pelo menos em uma sociedadeem que o intercmbio mercantil j tenha deixado de ser casual e em que exista ummnimo de dependncia do mercado por parte dos produtores.

    H uma relao, mas ela no direta; supe mediaes tericas que, em parte,so expostas por Marx n'O Capital; entre elas esto o referido conceito de preo de

    produo, a renda da terra etc. Para o que nos interessa neste momento, basta dizer queos preos de mercado de cada mercadoria no podem distanciar-se (pelo menos no que

    se refere baixa) muito e por muito tempo daqueles correspondentes ao valor. Emoutras palavras, o valor mercantilno pode ser muito menor e por muito tempo que ovalorde uma mercadoria, qualquer que ela seja. E isso por uma razo muito simples:caso isso ocorresse, o produtor desapareceria ou mudaria de atividade e, assim,reduzindo-se sua oferta, seu preo tenderia a crescer. A explicao, por tanto, pressupeque o produtor seja dependente, pelo menos em certo grau, do intercmbio mercantil.

    4Para melhor compreenso sobre o assunto, cf. Carcanholo (1982 e 2000a).

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    Sobre o conceito de gerao:

    Finalmente, necessrio deixar registrado que o estudo adicional da teoriaeconmica de Marx, sobre o capitalismo, revelar, como bvio, a existncia de muitos

    outros conceitos, entre eles os de mais-valia, mais-valia extra (ou extraordinria), lucro,renda diferencial e renda absoluta da terra. Enquanto, entre eles, o conceitos de mais-valia pode perfeitamente ser entendido como produo de valor (no caso, de valorexcedente), os conceitos de lucro e renda absoluta da terra so compreensveis por meiodo conceito de apropriao. Por outra parte, a mais-valia extra e a renda diferencial,entre os mencionados, no correspondem nem produo, nem apropriao. Essadificuldade encontra soluo no conceito de gerao de valor5.

    5Para maiores detalhes sobre o assunto, cf. Carcanholo (1984 e 2000b).