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ENSINO SOCIEDADE C riaram-se por tudo e por nada e hoje muitas delas não têm expres- são nem actividade. Talvez cerca de 50% só existam formalmente, no papel», diz Ricardo Tavares, 36 anos, quadro técnico do Estado e, sobretudo, tuno. Foi nos finais dos anos 80 que se deu o grande boom tunante. A entrada das instituições privadas no ensino superior fez crescer o número de tunas em Portugal – hoje são 334, segundo o site Portugaltunas, de que Ricardo também é administrador. Só no Porto existem 77, o que torna a cidade recordista do mundo. «As universidades e politécnicos mais re- centes tiveram necessidade de imitar as tra- dições das clássicas, sobretudo como forma de consolidar o tecido académico», explica Pedro Félix, 34 anos, antropólogo do Institu- to de Etnomusicologia da Universidade Nova de Lisboa. Festivais e encontros são muito co- muns e o antropólogo afirma que os certames «potenciam o surgimento de novos grupos pela ideia de festa, de itinerância, de que se vão conhecer novos sítios e novas pessoas». Apesar do número elevado de tunas, Ri- cardo Tavares, fundador, em 2005, da Uni- versitária do Distrito do Porto, não duvida de que quando acabarem os festivais será o 132 v10 DE ABRIL DE 2008 Tunas de papel fim de algumas. «É fácil criar uma tuna, di- fícil é dar-lhe continuidade.» Se o registo no Portugaltunas é feito pelas próprias, sempre que deixam de existir nada é comunicado. «Não se admite que o grupo deixou de fazer sentido. É um sinal de fraqueza preferir ver a tuna a definhar», defende. COMO AS MAÇÃS Numa macieira com muitos frutos, uma par- te cai para a outra se desenvolver com maior vigor e sabor. No panorama tunante algumas também vão cair. «O tempo acaba por servir de filtro da qualidade», sentencia Luís Caça- dor, 40 anos, advogado e fundador, em 1988, da Tuna da Universidade Internacional de Lisboa. «Os que querem preservar a tradição artística estudantil e as sonoridades portu- guesas vão subsistir», acrescenta. O funda- dor da primeira tuna da capital diz que «tem de haver planeamento do recrutamento», já que grande parte dos grupos estão envelhe- cidos. André Oliveira, 22 anos, presidente da Associação Académica de Coimbra, preocu- pa-se com «as novas exigências do processo de Bolonha» que podem levar a «um défice de participação de novos alunos». Com David Gualdino, 21 anos, traba- lhador-estudante, a situação foi a inversa. Entrou para a Tum’Acanénica (Leiria), em Outubro. Só uma disciplina lhe trava o fi- nal do curso e, apesar de estar a trabalhar, aderiu «pelo espírito de irmandade e pelo gosto da música» e concilia as folgas com os dias dos ensaios para «poder aprender e evoluir». Teremos tuno? São mais de três centenas, em todo o País, mas grande parte já não se faz ouvir POR PEDRO SANTOS FOTO: JOÃO MATIAS TUNA ACADÉMICA UNIVERSITÁRIA DE COIMBRA, 1888 Foi a visita, a Coimbra, da Estudantina de Santiago de Compostela que levou Artur Pinto da Rocha a fundar uma das primeiras tunas nacionais. Até hoje, já nasceram no seio da TAUC orquestras, grupos de música popular e até uma oficina de conservação de instrumentos TUNA UNIVERSITÁRIA DO PORTO, FINAIS DO SÉCULO XIX Conhece-se uma actuação em Santiago de Compostela, em 1891, mas, antes, já se ouvia falar da TUP. Está integrada no Orfeão Universitário do Porto TUNA ACADÉMICA DO LICEU DE ÉVORA, 1902 Nasceu da Associação Filantrópica Academia Eborense, fundada em 1890, mas só mais tarde se constitui formalmente. É apenas instrumental e ocupa o lugar de mais antiga tuna do ensino secundário em Portugal. Centenárias ENCONTROS A X Real FesTa, um dos principais pontos de encontro das tunas de todo o País

anexo X

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TUNA ACADÉMICA UNIVERSITÁRIA DE COIMBRA, 1888 TUNA ACADÉMICA DO LICEU DE ÉVORA, 1902 COMO AS MAÇÃS TUNA UNIVERSITÁRIA DO PORTO, FINAIS DO SÉCULO XIX fi m de algumas. «É fácil criar uma tuna, di- fícil é dar-lhe continuidade.» Se o registo no Portugaltunas é feito pelas próprias, sempre que deixam de existir nada é comunicado. «Não se admite que o grupo deixou de fazer sentido. É um sinal de fraqueza preferir ver a tuna a defi nhar», defende. 132 v 10 DE ABRIL DE 2008

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ENSINO SOCIEDADE

Criaram-se por tudo e por nada e hoje muitas delas não têm expres-são nem actividade. Talvez cerca de 50% só existam formalmente, no

papel», diz Ricardo Tavares, 36 anos, quadro técnico do Estado e, sobretudo, tuno. Foi nos fi nais dos anos 80 que se deu o grande boom tunante. A entrada das instituições privadas no ensino superior fez crescer o número de tunas em Portugal – hoje são 334, segundo o site Portugaltunas, de que Ricardo também é administrador. Só no Porto existem 77, o que torna a cidade recordista do mundo.

«As universidades e politécnicos mais re-centes tiveram necessidade de imitar as tra-dições das clássicas, sobretudo como forma de consolidar o tecido académico», explica Pedro Félix, 34 anos, antropólogo do Institu-to de Etnomusicologia da Universidade Nova de Lisboa. Festivais e encontros são muito co-muns e o antropólogo afi rma que os certames «potenciam o surgimento de novos grupos pela ideia de festa, de itinerância, de que se vão conhecer novos sítios e novas pessoas».

Apesar do número elevado de tunas, Ri-cardo Tavares, fundador, em 2005, da Uni-versitária do Distrito do Porto, não duvida de que quando acabarem os festivais será o

132 v 10 DE ABRIL DE 2008

Tunas de papel fi m de algumas. «É fácil criar uma tuna, di-fícil é dar-lhe continuidade.» Se o registo no Portugaltunas é feito pelas próprias, sempre que deixam de existir nada é comunicado. «Não se admite que o grupo deixou de fazer sentido. É um sinal de fraqueza preferir ver a tuna a defi nhar», defende.

COMO AS MAÇÃS Numa macieira com muitos frutos, uma par-te cai para a outra se desenvolver com maior vigor e sabor. No panorama tunante algumas também vão cair. «O tempo acaba por servir de fi ltro da qualidade», sentencia Luís Caça-dor, 40 anos, advogado e fundador, em 1988, da Tuna da Universidade Internacional de Lisboa. «Os que querem preservar a tradição artística estudantil e as sonoridades portu-guesas vão subsistir», acrescenta. O funda-dor da primeira tuna da capital diz que «tem de haver planeamento do recrutamento», já que grande parte dos grupos estão envelhe-cidos. André Oliveira, 22 anos, presidente da Associação Académica de Coimbra, preocu-pa-se com «as novas exigências do processo de Bolonha» que podem levar a «um défi ce de participação de novos alunos».

Com David Gualdino, 21 anos, traba-lhador-estudante, a situação foi a inversa. Entrou para a Tum’Acanénica (Leiria), em Outubro. Só uma disciplina lhe trava o fi -nal do curso e, apesar de estar a trabalhar, aderiu «pelo espírito de irmandade e pelo gosto da música» e concilia as folgas com os dias dos ensaios para «poder aprender e evoluir». Teremos tuno?

São mais de três centenas, em todo o País, mas grande parte já não se faz ouvir

POR PEDRO SANTOS

FOTO

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ÃO M

ATIA

S

‘ TUNA ACADÉMICA UNIVERSITÁRIA DE COIMBRA, 1888 Foi a visita, a Coimbra, da Estudantina de Santiago de Compostela que levou Artur Pinto da Rocha a fundaruma das primeiras tunas nacionais. Até hoje, já nasceram no seio da TAUC orquestras, grupos de música popular e até uma ofi cina de conservação de instrumentos

TUNA UNIVERSITÁRIA DO PORTO, FINAIS DO SÉCULO XIXConhece-se uma actuação em Santiago de Compostela, em 1891, mas, antes, já se ouvia falar da TUP. Está integrada no Orfeão Universitário do Porto

TUNA ACADÉMICA DO LICEU DE ÉVORA, 1902Nasceu da Associação Filantrópica Academia Eborense, fundada em 1890, mas só mais tarde se constitui formalmente. É apenas instrumental e ocupa o lugar de mais antiga tuna do ensino secundário em Portugal.

Centenárias

ENCONTROS A X Real FesTa, um dos principais pontos de encontro das tunas de todo o País