Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigário - A Senhora de Fátima

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    1/86

    Digitalizado por mvdr

    www.semeadoresdapalavra.net

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    2/86

    Dr. Anbal Pereira Reis

    EX PADRE

    A

    SENHORA

    DE

    FTIMA

    Outro "Conto do Vigrio"Edies Caminho de Damasco

    So Paulo1991

    Nossos e-books so disponibilizadosgratuitamente, com a nica finalidade de oferecer

    leitura edificante a todos aqueles que no tem

    condies econmicas para comprar.Se voc financeiramente privilegiado, ento

    utilize nosso acervo apenas para avaliao, e, segostar, abenoe autores, editoras e livrarias,

    adquirindo os livros.

    SEMEADORES DA PALAVRA e-books evanglicos

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    3/86

    Direitos exclusivos cedidos a Edies "Caminho de Damasco" que sereserva a propriedade literria desta edio.

    EDIES "CAMINHO DE DAMASCO"CAIXA POSTAL 11755

    05090 - SO PAULO - SP

    APRESENTAO

    Pela Misericrdia Divina liberto das trevas, sinto-me na intransfervel

    obrigao de me sujeitar docilmente Vontade de Deus no sentido tambm deLhe servir como humilde instrumento para esclarecer as pessoas sinceras.

    Sei dos sofrimentos que me aguardam por divulgar as informaescontidas neste livro. A mentira se exaspera quando descoberta! Os cnicosarmam ciladas quando so desvendados os seus embustes...

    Sentir-me-ei, todavia, compensando por haver cumprido o meu dever!

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    4/86

    SUMRIO

    Nota do Editor ......................................................................................................................5O Clero em apuros ...............................................................................................................6Uma reunio pndega..........................................................................................................7Estudos prvios....................................................................................................................8Seleo dos atores.............................................................................................................10ltimos preparativos...........................................................................................................14A primeira apario ............................................................................................................17As outras aparies............................................................................................................21A ltima "apario" .............................................................................................................27Quanta baboseira !!!...........................................................................................................31E a sarabanda no cu? ......................................................................................................33Cuidado com o andor porque o santo de barro!..............................................................34A Transubstanciao de um formigo em Visconde ..........................................................36E o fim da guerra?..............................................................................................................40Padres em sobressalto.......................................................................................................46Os empreiteiros no querem ser coveiros da cova ............................................................48Depois de uma bicanca um rito rato de parceria com o clero manipanso ..........................54Ftima e a ditadura salazarista ..........................................................................................59Escoras oficiais na geringona que ameaava espatifar-se...............................................63E a lorota da gua prodigiosa?...........................................................................................67Colhido com a boca na botija .............................................................................................70Prestigiada por segredos a senhora agua a curiosidade do beatrio...............................74Tristes incidentes da estria do fatimismo..........................................................................77Referncias Bibliogrficas..................................................................................................84

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    5/86

    NOTA DO EDITOR

    Esta reedio acontece alguns meses aps amorte do seu autor, ocorridaem 30 de maio deste ano.

    Tivemos a preocupao de mant-la exatamente igual edio original,sendo necessrio, portanto, nos reportar ao fim dos anos 60, comeo dos 70para entender o contexto em que foi escrita.

    Todavia, tal fato no impede o claro entendimento da obra, que no visaoutra coisa seno esclarecer as pessoas acerca de outro "Conto do Vigrio".

    "A Senhora de Ftima", continua a ser uma obra atualssima, sobretudoquando vemos nosso Brasil passando por problemas to graves, causados no

    por outra razo, seno, pela idolatria e pela recusa do nosso povo de se render aJesus, e to somente a Jesus como Salvador e Senhor.

    Visitou-nos mais uma vez o Papa Joo Paulo II, que nas suas andanaspelo Brasil, no fez seno espargir maldio sobre a nao brasileira. E nossopobre presidente, pediu ao Papa ajuda para sairmos da crise. Verifique osacontecimentos que se seguiram partida do Papa para se concluir o quoeficiente foi essa ajuda.

    O Brasil um reino de feitiarias e crendices. Nosso povo precisa seresclarecido e esse trabalho deve ser feito por todos ns. Divulgar a verdade, cortar este mal pela raiz.

    Quem teve o privilgio de privar da amizade do Pr. Anbal, pde por certocompreender porque ele foi sempre to duro em contraposio ao estilo soft denossa liderana evanglica.

    Em m hora partiu o Pr. Anbal; ficaram poucos como ele.

    So Paulo, 25 outubro de 1991.

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    6/86

    O CLERO EM APUROS

    Instalada em Outubro de 1910, a Repblica Portuguesa apeou o

    catolicismo de sua posio de religio oficial do Estado vigente durante os 8sculos de Monarquia .posio essa que lhe favorecia o usufruir gordasbenesses e alentadas regalias.

    inconformado, utilizava-se o clero das suas irmandades cedias,organizaes medievais e, sobretudo, do confessionrio para levar o povo aodescontentamento contra a nova situao no intuito de gerar um clima derebeldia generalizada, a baderna, enfim. Suas investidas, porm, a prazo curto eexigido pelas circunstncias, no surtiam os efeitos colimados.

    O desespero clerical no impressionava a recente liderana do Pas, quefazia questo mesmo de se manter eqidistante dos arreganhos eclesisticos.

    Nessa emergncia decidiram os embatinados despertar e incrementar oressurgimento de devoes populares ligadas a santurios e imagens, marcos deantigos prestgios e promotores de ambiente favorvel livre explorao do seurendoso comrcio.

    As geraes do beatrio amontoaram fartssima abundncia de apariesde santos e de "nossas senhoras", de milagres espetaculares e prodgios

    famosos dando base para fanticas devoes, dentre as quais destaca-se a dorosrio.

    O clero sempre soube capitalizara opinio pblica a seu favor. Hoje sabelanar mo da imprensa, imiscuindo-se inclusive em seu noticirio para estarsempre na ordem do dia.

    Por isso, em todos os lares naqueles idos de 1910-1920 assinalava a suapresena o "Santurio Mariano", um volune cheio de relatos fantasiosos,encarregado de conservar o rico patrimnio da credulidade. Cada pgina relatava

    um milagre ou uma apario em que , via de regra, tinha como comparsa,pessoas ignorantes ou crianas tardias.

    O povo, ao respirar agora os ares democrticos, porm, no reagiafavoravelmente e nem se impressionava com suas programaes religiosasanunciadas nos plpitos, a cujo redor se postavam apenas pequenos grupos debeatas.

    Os velhos santurios e as imagens taumaturgas das "nossas senhoras"dos mais variados pontos do Pas desapontavam a hierarquia eclesistica porno atrarem j as atenes.

    Srias preocupaes causavam-lhe sobretudo a verificao de que nasregies tidas como as mais devotas, tambm os fiis no acorriam aos seuapelos.

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    7/86

    Esquecidas estavam as Senhoras do Amparo, do Sameiro de Nazar, dasMercs, da Purificao... Suas esculturas clebres do Olival, das Freixadas, doFetal, de Seia de Ridecouros no atraiam romarias compensadoras aos seusvidos organizadores.

    O clero convencia-se do risco de perder o seu domnio sobre aquele povopor ele sugado durante 8 sculos... A nova legislao do Pas levava-o a perdero contato com as crianas das escolas e com a juventude das universidades...

    Que fazer?

    Invivel explorar os antigos santurios! As experincias o demonstravam!

    UMA REUNIO PNDEGA

    Em virtude do estatuto cannico, os padres tm os seus encontros, ondeso ventilados os assuntos atinentes ao seu ministrio, quando lhes sobra algumresto de tempo empregado todo em anedotas e conversas inteis.

    O encontro dos padres da Arquidiocese de Lisboa, deu-se, no vero de1915 na cidade de Torres Novas, cujo vigrio, pe. Benevenuto de Souza,oferecera aos colegas um supimpo almoo regado de abundante vinho.

    Encontravam-se l dignatrios embatinados, inclusive o Cardeal MendesBelo, arcebispo de Lisboa, no propsito de estudarem os pormenores pertinentes

    instalao da Diocese de Leiria, ali perto, cujo futuro bispo estava presentecomo o mais interessado no assunto.

    Todos comeram e beberam farta. Exceto trs!

    Foram comedidos por haverem decidido confabular um assunto muitosrio, sob a responsabilidade do prprio cardeal-patriarca ferroteado pelasituao poltica adversa.

    E enquanto cada um dos clrigos se recostava para curtir os vapores dolcool e a modorra do meio dia, os trs se recolheram a um quarto.

    Entres eles se achava o pe. Benevenuto de Souza, tendo a bagagem dasorientaes e recomendaes cardinalcias. Apesar do seu desapontamento coma dura experincia de 1910, quando os prprios paroquianos revoltados comsuas imposturas tentaram destruir-lhe o templo dedicado Senhora de Lourdes,confiado em suas habilidades de prestidigitador, resolveu aceitar a direo dacomdia de uma nova apario da Senhora.

    Suas experincias tornaram-no conhecedor da alma popular. Sabia sondaras suas reaes em face de cada conjuntura. Podia tranqilizar-se o cardealarcebispo, porquanto aquele sacerdote capacitara-se de prevenir todas aspossveis surpresas.

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    8/86

    Se o encontro cannico de Torres Novas ofereceu um lauto banquete aosclrigos e promoveu entendimentos sobre a instalao da Diocese de Leiria, oseu maior mrito foi estreitar num grande objetivo os sacerdotes: Benevenuto deSouza, o anfitrio, Manoel Marques Ferreira, vigrio de Ftima, e Abel Venturado Cu Faria, vigrio de Seia.

    Nesse dia confabularam e decidiram levar avante o acontecimento de umaespetacular "apario" da Senhora.

    Evidentemente que a primeira circunstncia a ser rigorosamenteobservada era a de deixar a salvo de qualquer suspeita o cardeal AntnioMendes Belo, exausto de tantas contrariedades provocadas pela Repblica quelhe desmantelara o prestgio no cenrio poltico e social do Pas.

    Ficou, por isso mesmo, acertado que "sua eminncia" se poria aberta epublicamente contra as "aparies", para salvaguardar o bom nome da"igreja" naeventualidade de um fracasso.

    Lisboa retornou o cardeal muito tranqilo por reconhecer habilidadesuficiente no pe. Benevenuto de Souza.

    Em boas mos coloquei a empresa!,cismava com seus botes.

    No se executa uma comdia no palco sem estudos e ensaios prvios!

    ESTUDOS PRVIOS

    Neste caso foi necessrio examinar conjuntamente o palco e montar oenredo... Um dependia do outro!

    Dos santos (!) lbios do cardeal aceitaram a sugesto de se escolher umlugar, o mais possvel no centro de Portugal. Dando certo a falcatrua, suairradiao seria facilitada...

    Alis, para a escolha dos trs cmplices embatinados observara o cardealque eram de parquias vizinhas e localizadas na posio geogrfica de acordocom aquela sua sugesto.

    Essa regio, em que se encontram, dentre outras cidades, Leiria, Nazar,Alcobaa, Torres Novas, Ourm, Ftima, a mais sacrificada pelosubdesenvolvimento proveniente da prpria agressividade do solo pedregoso.

    E dentro deste cenrio destaca-se Ftima, localizada a uns 100quilmetros de Lisboa, como o apogeu da misria resultante da terra seca erida.

    De imediato constataram os trs padres outro ngulo da perspicciacardinalcia ao sugerir aquelas paragens. que misria aliam-se a superstioe a ignorncia, multisseculares, dando sobradas razes a Afonso Lopes Vieira aoclassificar aquela zona de "admirvel painel medieval" (1).

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    9/86

    Incrustra-se l a "mais bela jia da arte gtica portuguesa", o mosteiro daBatalha confiado desde os fins do sculo XIV aos padres dominicanos.

    muito oportuna a lembrana de que, na Idade Mdia, a ordem dos fradesdominicanos se celebrizou como esteio do catolicismo europeu. Foi a eles - edestacando-se Tetzel na Alemanha - que o papa Leo X confiou a campanha dasindulgncias, o estopim da Reforma Protestante. Coube-lhes, sobretudo naEspanha e em Portugal a execuo do tribunal da santa inquisio, o que lhesfez merecer a alcunha de "domini cani", os senhores ces.

    Alm de terem arrecadado dinheiro para o papa com a pregao dasindulgncias e terem dado assistncia eclesistica santa inquisio,sobressaram os frades de So Domingos em divulgar a devoo do rosrio queembasa a mariolatria entre o povo.

    Como resultado da atuao dos dominicanos no centro de Portugal queessa regio foi infestada de supersties mais do que em qualquer outra parte.No h igreja onde no se encontrem altares dedicados Senhora do Rosrio,sendo igualmente raros os lares onde no havia um oratrio diante do qual serezasse o rosrio em coro noite.

    O jesuta Luis Gonzaga Ayres da Fonseca, em seu livro sobre asaparies da Senhora de Ftima, no pde deixar de manifestar esta observaosobre os padres de So Domingos que, "entre tantas obras de zelo seesmeraram eles particularmente em instilar no povo das redondezas a devoodo santo rosrio" (2).

    No Portugal rebelado contra o clericalismo, constitua-se aquela zonanuma exceo porque seus habitantes subdesenvolvidos continuavamagrilhoados s supersties romanistas.

    Num suspiro de alvio, o cardeal lisboeta antecipadamente verificara o quemais tarde iria observar Leopoldo Nunes: "os sacerdotes no tem que conquistarali novas almas... A f vive natural e espontnea... Impressionam pelorecolhimento com que rezam..." (3).

    Misria e crendice so sempre os dois elementos favorveis ao caldo de

    cultura do domnio do catolicismo.Revelou-se satisfeito o cardeal Mendes Belo quando o pe. Benevenuto de

    Souza levou-lhe a notcia sobre a escolha de Ftima como o lugar mais propcioda regio para os "grandes acontecimentos".

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    10/86

    SELEO DOS ATORES

    Nolhe levaram apenas informes gerais. Seus estudos e observaes iamlonge. E tudo num desenrolar concatenado de raciocnios e previses de prs e

    contras...Admirara-se o cardeal! Tudo estava saindo melhor do que a encomenda...

    Escolheram os padres cmplices a Cova da Iria, um stio a uns 3quilmetros de Ftima pela estrada de Ourem. Pertencia a Antnio dos Santos, oAbbora, e sua esposa Maria Rosa dos Santos, residentes em Aljustrel, pequenodistrito de Ftima.

    Apenas uma parte, nos fundos do stio, era cultivada por ser a melhor. A

    quase totalidade da terra, safara e pedregosa, produzia raqutica pastagem parao seu pequeno rebanho e o de seu cunhado Manuel Pedro Marto.

    Impossvel melhor palco para a cena! Como seu prprio nome indica aCova da iria mesmo um cova feita pelos morros circunjacentes da Serra d'Aire.

    Outra circunstncia providencial: naqueles lugares ermos, habitualmente,iam pastorear as ovelhas dos prprios pais, trs crianas simples, analfabetas e,sobretudo, imbecilizadas pela "instruo religiosa" domstica.

    Nada escapava ao astuto e atirado pe. Benevenuto. Nem lhe incomodavao fracasso anterior de umas "aparies", no mesmo iugar, que o povocognominara de Senhora das Urtigas, cujo culto malograra pela abundncia dasurtigas, causadoras de correrias em conseqncia da coceira nas pernas queproduziam.

    Sua experincia que o capacitava a liderar a organizao de toda apatuscada levava-o a encontrar fatores positivos onde os companheiros nemdeles se apercebiam.

    - Nada de precipitaes, recomendava o vigrio de Torres Novas.

    Se tudo lhe sucedesse bem cairia com maior intensidade nas boas graasdo cardeal. Carreirista contumaz, esta perspectiva aguava-lhe a coragem.

    O esprito comodista do pe. Manuel Marques Ferreira fazia-lhe render afama de homem recolhido em suas devoes. Era o piedoso dos trs! Competiu-se-lhe, por isso, a incumbncia de ser o diretor espiritual dos futuros "videntes"...

    Habilidosamente, o Marques Ferreira aproximou-se da famlia do Abbora,

    proprietrio da Cova da Iria.Amiudaram-se as suas visitas. A tudo observava o padre. Nenhuma

    reao de Lcia lhe passava despercebida.

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    11/86

    Lcia, nascida a 22 de Maro de 1907, a maior dos trs pastorzinhos, eraa caula dos seis filhos do casal. Observou o padre vigrio que "uma predileoprovidencial atraia desde a infncia os dois mais pequenos para a prima Lcia:de modo que quase todos os dias, fugindo da companhia das outras crianas,iam ter com ela para brincarem" (4).

    Os dois pequenos primos, Jacinta (nascida em 11 de Maro de 1910) eFrancisco (nascido em 11 de Junho de 1908), companheiros de Lcia nopastoreio das ovelhas, eram filhos de Manuel Pedro Marto e Olmpia de Jesus.

    Nada escapava ao clrigo visitante. Notava inclusive os ares de mandonade Lcia com relao s outras crianas. "As vizinhas, ao sarem para o seutrabalho, costumavam deixar os filhos no ptio da senhora Maria Rosa dosSantos, entregues Lcia" (5).

    Estava ela j com 8 anos de idade e o padre, por seus ares desuperioridade, julgava-a promovida a mestra.

    Se nada passava despercebido ao vigrio, decidiu, evidentemente,aproveitar-se desta posio da filha do Abbora perante os primos menores.Ento, insistiu com a me que enviasse Lcia ao catecismo paroquial.

    Naquele tempo, os padres no permitiam s crianas comungarem ahstia, pela primeira vez,* com menos de 10 anos.

    No caso, porm, sentiu o vigrio o prestgio que daria Lcia diante deseus primos se lha desse com menos de 9 anos. E assim fez.

    Seguro dos objetivos almejados, executava os planos com firmeza eoportunidade!

    Todos eram analfabetos, inclusive os pais de Jacinta. Somente Da. MariaRosa sabia ler. Entregou-lhe, ento, a "Misso Abreviada", um devocionariopreparado com o propsito de divulgar as supersties catlicas e aterrar asalmas crdulas. Encarregou-a de l-la constantemente filha e aos sobrinhos,assinalando as passagens escolhidas, cujos assuntos influenciaramdecisivamente na impresso das crianas ingnuas.

    No podemos nos esquecer de suas idades em 1916, o perodo docondicionamento psicolgico dos trs - da lavagem cerebral! Lcia com 9 anos,Francisco com 8 e Jacinta com 6.

    Faclima a tarefa clandestina de imbecilizar os trs videntes!

    Percebia o sacerdote, com gudio ntimo, os resultados das apavorantesleituras por ele indicadas sobre o inferno "O inferno um lugar no centro da terra; uma caverna profundssima, cheia de escurido, de tristeza e horror; cavernacheia de labaredas de fogo e de nuvens de espesso fumo", descrevia-lhes Maria

    Rosa lendo a "Misso Abreviada".

    * A chamada primeira comunho.

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    12/86

    E prosseguia: "L so atormentados os pecadores, na companhia dosdemnios, l esto bramindo e uivando como ces danados, proferindo terrveisblasfmias contra Deus. Os demnios, que so os executores da justia divina,lanaro suas garras aos pecadores reprovados e atiraro com eles a esse poode incndios devoradores, onde ficaro sepultados em camas de fogo por toda aeternidade, no respirando seno fogo, no tocando seno fogo, no sentindo

    seno fogo, no comendo nem bebendo seno fogo! De todo ficaro convertidosem fogo, nos olhos, nos ouvidos, na lngua, na garganta, no peito, no corao,nas entranhas, nos ps, nas mos; finalmente, em tudo fogo; e ento um fogo,no como este que na terra vemos, mas sim um fogo escuro, ftido e abrasador;ainda mais horroroso que o do metal derretido... E tudo isto uma fraca pintura,uma ligeira sombra, um sonho, nada em comparao da verdade" (6).

    Aterradas, de olhinhos arregalados de pavor, as crianas ouviamrepetidamente essa leitura, entrecortada com seus prprios suspiros e is.

    E, entre os biombos, na penumbra do confessionrio, onde iafreqentemente a Lcia a fim de poder comungar a hstia, o vigrio MarquesFerreira completava sua obra sublinhando a necessidade da prtica depenitncias, mxime, a sujeio autoridade eclesistica.

    Da. Maria Rosa lia-lhes, outrossim, em "Santurio Mariano" relatos sobreaparies de "Nossa Senhora".

    Apavorados com aquelas descries do inferno passaram a ter sonhoshorripilantes.

    Atualmente h vrios livros sobre a Senhora de Ftima e sobre os"videntes". Qualquer pessoa de esprito observador que os l pode constatar aschocantes contradies de seus relatos e sua impossibilidade de encobrir aimpostura.

    O Visconde de Montelo, dentre vrias obras, divulgou "As GrandesMaravilhas de Ftima", onde informa maneira de dilogo com Da. Maria Rosa:

    Sei que recebeu um livro com o ttulo de Misso Abreviada e que l aosfilhos. verdade?

    verdade! (7)

    E esclarece que leu s crianas na conformidade das orientaes de seuvigrio, a estria das aparies de La Salete, de Lourdes.

    Sem perceber a trama que lhe envolvia a filha e os sobrinhos como atoresde um embuste, para fanatizar-lhes as almas, lia as passagens relativas aossofrimentos de Jesus Cristo.

    Pelo relato evanglico, o pecador movido a aceitar Jesus Cristo como

    seu Salvador pessoal, como Aquele que pagou, como seu substituto, todos osseus pecados e lhe mereceu o perdo pleno de todos eles. Pela ascese catlica,todavia, Jesus Cristo se transforma em exemplo de resignao nos sofrimentos eum modelo da prtica de penitncia, porquanto, cada um dos pecadores por seus

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    13/86

    sacrifcios e imolaes pessoais, sofridos imitao da resignao de Cristo,consegue purgar-se dos seus pecados.

    Este anti-evangelho da pag asctica catlica era inculcado s pobresvtimas da sanha clerical!

    A "Misso Abreviada", pgina 242 do seu Aditamento, traz um curioso

    balancete que Da. Maria Rosa, orientada pelo padre, comovida, lia s crianas:Em Sua Paixo, Jesus sofreu 144 pontaps, 150 punhadas, 102 bofetadas, 202golpes pelo corpo, 27 arrastes com cordas; alm de 5000 aoites, 72 angstiasno corao, 72 escarros no rosto, 72 golpes de martelo ao cravar os pregos, 109suspiros, 6.475 ferimentos, 600.200 lgrimas que chorou e 230.000 gotas desangue vertidas.

    Obteve-se a obra hedionda de imbecilizar as crianas! Mas essa relao uma fantasmagoria. Se juntssemos todas essas gotas de sangueultrapassariam os 20 litros e as lgrimas dariam cerca de 50 litros. Sabe-se,todavia, que cada pessoa tem uma mdia de 7 a 8 litros de sangue... E quemteria 50 litros de lgrimas? Em qual corpo caberiam 6.475 ferimentos?

    As crianas impressionadas pelo pe. Marques Ferreira incitava a prtica desacrifcios para imitarem os sofrimentos de Jesus Cristo e demonstrar-lhe suacompaixo.

    O frade Rolim, em seu livro: "Francisco - Florinhas de Ftima", que traz o"Imprimatur" do cardeal Cerejeira, o atua: arcebispo de Lisboa e uma carta-prefcio de Jos Alves Correia da Silva o gordalhufo bispo de Leiria, revela-nos

    como davam certo os planos do vigrio, Francisco "era dos trs o mais rezador...Rezava s com a irm, com a prima... Rezava no campo e em casa" (8). Viam-no"muitas vezes, percorrer a igreja, de joelhos. Ele e a irm deixavam sair, primeiroo povo, e, depois, comeavam. Aquilo que era correr a igreja roda... Porvezes, quando as ovelhinhas andavam pastando perto da igreja, dizia prima e irmnzita:

    - Vocs olham agora pelas ovelhas, enquanto eu vou fazer um bocadinhode companhia a Jesus escondido? Queria tanto consol-lo...

    - Pois sim, vai! respondiam elas.Indo ele j a caminho a Jacinta gritava-lhe:

    - E no te esqueas dos pecadores. No tens pena deles?

    - Tenho. Mas, tenho mais pena ainda de Nosso Senhor!

    Francisco no podia ver o Senhor triste: queria consol-lo".

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    14/86

    LTIMOS PREPARATIVOS

    Tudo corria a contento. Os padres charlates sentiam o diabo como seualiado, pois tudo lhes dava certo. Impossvel melhor lugar pelas suas condiespropcias como a Cova da Iria. Atores mais amoldveis s suas impresses doque os escolhidos e to bem identificados com o local, nem imaginariam obter

    noutras crianas.Ouviram falar de aparies de "Nossa Senhora" em Barrai, Alcanhes,

    Pvoa de Santarm, Estremz, Pvoa de Varzim, Estarreja, Abelheira e Bitares.Mas, no lhes faziam mossa. Sabiam perfeitamente que essas manifestaesmarianas, sem a chancela de alguma cria, jamais lhes causariam dificuldades eo prprio povo delas se esqueceriam rapidamente.

    Levaram um grande susto quando o jornalista Hugo Rocha nos grandesjornais "Comrcio do Porto" e "Sculo Ilustrado" divulgou com estardalhao a

    notcia de que a Virgem Maria estava aparecendo Amlia da NatividadeRodrigues Fontes, mimoseada pela viso celestial com flores "frescas, viosas,perfumadas, como se viessem diretamente de um jardim" e que era visitada pormultides de devotos.

    Tambm esta, apesar da cobertura que lhe dera a imprensa, deixou de serrivai perigosa porque sua fama se evaporou num instante.

    Devia-se apenas aguardar o momento oportuno de se levantar o panopara o incio da farsa... Qualquer dissonncia levaria tudo de gua abaixo...

    Qualquer gesto ou interferncia de um artista fora do enredo preparado levaria acomdia e os seus atores ao ridculo...

    - Cautela e caldo de galinha no fazem mal a ningum, sugeria oBenevenuto.

    Os padres empresrios se parabenizavam pelo sucesso dos preparativos,pressgio de xito retumbante.

    As crianas cumpriam as penitncias que lhes eram impostas, sobretudode guardar segredo do que lhes dizia o p. Marques Ferreira.

    Os irmos Francisco e Jacinta, como joguetes super-dceis, aceitavamtudo de Lcia, a mestra. Pastoreavam juntos, e interrompiam os seus folguedospara rezarem o tero do rosrio e ouvirem as exortaes espirituais da prima. Portrs vezes aconteceu que, assustados, viram-se interrompidos nas suas rezascom as exclamaes de Lcia, dizendo estar vendo um anjo. Os primos apenasouviam-na falar como que fitando algo sublime e enlevada por um msobrenatural. Contavam-lhes aps os pormenores, conforme lhe havia orientadoo padre vigrio. E exigia que seus primos concordassem que tinham visto

    tambm.Mas que guardassem absoluto sigilo, entre os familiares, porque assim o

    exigia o vigrio.

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    15/86

    Estas experincias serviam como teste.

    De contentes, esfregavam-se as mos "suas reverendssimas".

    Informado do bom andamento dos preparativos, por medida de prudncia,o cardeal Antnio Mendes Belo alvitrou evitassem os trs padres visit-lo. Seriaarriscar o seu prestgio na hiptese de fracasso e no se coadunaria enfim com

    os planos que incluam a contestao oficia! estria das aparies.A Primeira Guerra Mundial (1914 - 1918) estava acesa no fragor das

    batalhas em vrias linhas de frente, espalhando runa, pranto, desolao e morte.

    Meus avs paternos se lamentavam por terem um filho nos campos da lutacomo soldado do exrcito portugus. Era meu pai!

    Residiam esses meus familiares em Ourm e mantinham relaes deamizade mui prxima com as famlias dos videntes, alis, o stio que possuamse limitava com as terras do Abbora.

    A tristeza assolava os lares portugueses!

    At nesta conjuntura deprimente os empresrios das apariesencontraram um fator propcio.

    Circunstncia especialssima! Toca aproveitar a sensibilidade popularferida por tantos desgostos...

    Anunciar ao povo sofredor e enlutado, deprimido e sobressaltado, o fim daguerra seria a melhor evidncia da sobrenaturalidade das aparies... Seria agrande prova de sua legitimidade!

    Seria uma oportunidade excepcionalssima para acontecer o grandemilagre das aparies.

    Confabularam os comparsas. Decidiu-se ento que auscultariam naimprensa os sintomas do fim da guerra e no momento azado, a Virgem baixariado cu...

    O pe. Abel Ventura do Cu Faria que, por motivo de enfermidade, no

    pudera participar ativamente dos preparativos, encarregou-se de acompanhar onoticirio da imprensa, inclusive estrangeiro.

    Dois imprios se defrontavam na carnificina: Alemanha e Inglaterra.

    O imperialismo germnico sofrer rude golpe na batalha de Mame.Sobreveio-lhe outro golpe no menos brutal na campanha do Izer.

    Encontravam-se os empresrios da apario da Virgem! Estudavam.Discutiam. Confabulavam!

    Percebiam o recuo das foras alems. E sentiam aproximar-se o fim daGuerra com a possvel rendio das tropas do Kaiser.

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    16/86

    Chegara a vez da escolha da personagem que faria o papel da VirgemMaria. A primeira e principal condio deveria ser esta: capacidade em guardar osegredo!

    Discutiram sobre vrias jovens. Necessitava-se, contudo, de se envolver omenor nmero possvel de participantes e restringi-los ao prprio crculo clericalou seus dependentes.

    Todas as dificuldades sero derivadas se se escolher Rosa Correia daSilva Bacelar. a sobrinha do possvel bispo de Leiria, Jos Correia da Silva,alvitrou o pe. Abel.

    Nada mais oportuno! Presta-se ao papel de Virgem Maria essa jovem de18 anos. E em sussurro ao ouvido do Marques Ferreira, o Benevenuto lembra oscomentrios entre os padres sobre as carnes da tenra sobrinha do colega.

    Incumbiam o insinuante pe. Manuel Marques Ferreira, especialista em

    relaes humanas, de conversar com Rosa Correia da Silva Bacelar. Planosexplicados, propostos e aceitos, passou-se a donzela aos ensaios datragicomdia.

    Supunham os scios da empreitada bem prximo o fim da guerra...

    Queriam que o tratado de paz fosse anunciado pela Senhora da Cova,dois ou trs meses antes em sua mensagem aos pastorinhos. Isto certamentecausaria um grande impacto entre o povo acabrunhado, dando um cunhoespecialssimo de mistrio visita celestial. Os sacerdotes pretendiam ir pelo

    caminho mais seguro e decidiram que acontecessem pelo menos seisaparies em meses consecutivos. Em vista dos sintomas da guerra e daposio dos pases beligerantes, imaginavam terminar a conflagrao at o fimde 1917.

    J em Maro desse ano calcularam ser um evidente sinal de ltimaarrancada na reta final, da conflagrao, a Conferncia de Doulens, onde seencontraram Poincar, Milner, Douglas, Foch, Petain e Clemanceau e ficouassentado entregar-se o comando supremo das foras aliadas ao General Foch.

    Aceleraram-se os ensaios para se desfechar a primeira apario. Lciaque dos trs videntes era a nica sabedora de tudo e disposta a manobrar osseus primos com os cordis da imbecilidade que os prendiam sua influncia.

    Rejubilavam-se os padres porque os resultados do plano estabelecido naConferncia de Doulens no se fizeram esperar. Logo a 3 de Abril de 1917, oexrcito alemo ficara encurralado sobre o Aisne e Vesle, o que permitiu sedesafogassem mais de 200 cidades francesas, inclusive Paris, at entosubjugadas pelas tropas germnicas. Nos primeiros quinze dias desse Abril, aofensiva dos aliados fora esmagadora e no sofreram nenhum recuo, enquanto

    que os alemes perderam 700 canhes e 35.000 soldados seus caramprisioneiros.

    Prenncios de paz nos horizontes da Europa, exclamava o Abel.

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    17/86

    - Mos obra! No percamos tempo, incitava o Benevenuto.

    - O grande espelho para os relmpagos tambm j est pronto? E oManuel Lamarosa bem ensaiadito?, perguntava o Marques Ferreira, convencidode haver preparado bem os atores da patuscada.

    Tudo em ordem! Restava chegar o instante de soar o gongo a fim de se

    suspender o pano de boca da Cova da Iria, para o mundo apreciar desse palco atragicomdia mariana.

    A PRIMEIRA APARIO

    O plano urdido somente poderia produzir os resultados colimados seexecutado por etapas. A prestao!

    Previam os trs vigaristas o trmino da Conflagrao Europia at o fim doano de 1917. Com a propaganda deflagrada pelo clero em todo o Pas todas asatenes se concentrariam nos "acontecimentos sobrenaturais" de Ftima.

    A mistificao inoculada em parcelas cala mais fundo e se torna maisduradoura!

    Acentuar-se-iam as evidncias do trmino da guerra -assim pensavam - el pelas ltimas aparies, a Virgem atravs dos videntes anunciaria o seu fim. Eisto se constituiria na grande prova de sua sobrenaturalidade.

    Marcou-se o dia 13 de Maio (1917). Era um domingo, o melhor dia dasemana por estarem na Cova da Iria somente as trs crianas pastoreando osrebanhos.

    Nessa poca, Lcia estava com 10 anos. Francisco, com 9 e Jacinta, com7.

    Ao meio dia, quando ouviram as badaladas do sino da sua matrizparoquial, ao toque das Ave-Marias, ajoelhados sobre a terra escaldada de sol,como de hbito, rezaram em coro o tero do rosrio.

    Lcia, que na vspera ainda, havia se confessado e ouvido as exortaesdo vigrio sobre a necessidade de se rezar e fazer muitos sacrifcios pelospecadores, transmitiu-as aos primos, lembrando-lhes a descrio do infernoinmeras vezes repetida pela me ao ler a "Misso Abreviada".

    Mal haviam terminado a devoo e retomado aos seus brinquedos,"quando de repente lhes fere a vista um como relmpago vivssimo" (9) Osprimos de Lcia se assustam, enquanto ela, j preparada e ensaiada, conserva-se calma.

    "... novo relmpago, mais deslumbrante que o primeiro..." (10).

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    18/86

    Naquele meio dia de cu azul, o sol a pino fazia os seus raios sereverberarem na face do espelho manuseado pelo Manuel Lamarosa,escondido por detrs de arbustos numa das encostas de um outeiro. Habilmentefazia os reflexos do espelho projetarem-se sobre as copas das azinheiras e,depois, concentrarem-se sobre uma delas, de apenas um metro de altura, tobaixa para facilitar subisse a Virgem em seus galhos.

    Qualquer pessoa que se d ao cuidado de ler as obras sobre Ftima irfacilmente encontrar muitas contradies. Os bispos que lhes do aprovaoeclesistica at hoje no se aperceberam do escrnio que podem cair ou confiammesmo na estupidez dos seus fiis.

    Mais tarde, a prpria Lcia, falando sobre os tais relmpagos, escreveu:"No eram propriamente relmpagos, mas sim o reflexo de uma luz que seaproximava..." (11).

    O cocheiro Manuel da Costa, conhecido pela alcunha de Manuel Lamarosae residente no lugarejo Tomareis, da freguesia do Olival, que transportara avirgem Rosa Correia da Silva Bacelar trajada caracterstica e, havendo feito osdevidos preparos, executara com perfeio o manejo do espelho para produzir os"relmpagos", fazendo-os incidir sobre a arvorezinha onde pousava a virgemRosa. Francisco e Jacinta, assustados, quiseram fugir...

    A senhora aparecida, todavia, chamou-os com gestos da mo direita epsius! acompanhados de sorrisos.

    - No tenhais medo, porque eu no vos fao mal algum!

    Lcia reteve os primos em sua fuga e pergunta "viso":

    - Donde vossemec?

    - Sou do cu!

    - E que veio c lazer?, torna-lhe a Lcia j prevenida e adestrada pelovigrio para o momento de lhe aparecer a "viso" celestial.

    Vim para vos pedir que venhais aqui seis meses seguidos, no dia 13, a

    esta mesma hora. Em Outubro vos direi quem sou e o que quero.- Vem do cu... E eu irei para o cu?, perguntou Lcia que ainda h pouco

    recordara a seus primos os horrores do inferno.

    - Sim, irs, respondeu sobrinha prelatcia.

    - E a Jacinta?

    - Tambm!

    - E o Francisco?

    - Ele tambm; mas, primeiro tem de rezar muitos teros.

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    19/86

    Onde encontramos na Bblia que o tero (assim chamado por ser a teraparte do rosrio) caminho do cu?

    O catolicismo com suas doutrinas, devoes, ritos e artimanhas procuraanular a eficcia do sacrifcio de Jesus Cristo, que , de fato, o nico Caminhodo cu!

    A seguir, outrossim, recomenda-lhes a "viso" que rezem sempre o terocom devoo, como tinham feito pouco antes, e pergunta se no queremoferecer sacrifcios a Nosso Senhor e aceitar de boa vontade os sofrimentos queEle lhes enviar em expiao de tantos pecados com que a Divina Majestade ofendida, para obter a converso dos pecadores, e em desagravo das blasfmiase ultrajes feitos ao imaculado corao de Maria.

    Em um punhado de palavras um monto de sandices!!!

    A Bblia nos diz que o Sangue de Jesus Cristo nos purifica de todo o

    pecado. Ele mais que suficiente! Por isso, o Sacrifcio do Salvador nico!Enfim, executando o seu papel naquela representao tragicmica, quem

    responde o sim em nome de todos a Lcia, que entretera sozinha o dilogo.

    Para dar oportunidade de se ir embora a "viso" e retornar ao carro doLamorosa, Lcia recomendou aos primos que corressem retirar as ovelhas que jcomeavam a comer as couves do seu pai, o velho Abbora.

    De acordo com os ensaios anteriores, a filha de Maria Rosa esclareceuaos primos que a "viso" era "nossa senhora" por "falar-lhes coisas to bonitas" erecomendou-lhes que nada dissessem a ningum. Super-excitados e submissos admoestao de Lcia, a mestra, voltaram ao cuidado das ovelhas.

    De quando em quando a Jacinta, no auge da exaltao, repetia entresuspiros:

    Ai! que Senhora to bonita! Ai! que Senhora to bonita!

    Estou mesmo a ver que ainda vais dizer a algum com ares postios decensura, dizia Lcia, esclarecendo insistentemente que a "viso" era "nossaSenhora".

    - No digo, no digo! No tenhas medo! (12)

    Ao se separarem no regresso de suas casas, a mestra repisa insistente arecomendao de segredo absoluto.

    - Pois sim! Vs descansada!

    "Lcia recomendou que nada dissessem para no passarem pormentirosos no fosse caso que lhes ralhassem ou batessem. Mas, os doispequenos no puderam guardar segredo e contaram tudo" (13).

    Pretendiam os padres impostores mistificar de maneira absoluta ascrianas para que, fanatizadas, se constitussem em "testemunhas" entusiastasdas aparies. Isto, alis, muito natural, pois no extremo da excitao, Jacinta

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    20/86

    e Francisco contariam o ocorrido em casa. Contestados, tomariam posio firmee convicta de "testemunhas". E, enfim, como vtimas, suportariam ascontradies como oportunidades da prtica de penitncias impostas pelascircunstncias e pelos circunstantes em favor dos pecadores e das almas dopurgatrio.

    Como era de se esperar, em casa "a Jacinta andava em brasas. Comohavia de guardar s para si aquela notcia que a abafava?" (14).

    No pde suportar mais:

    - Minha me, vi hoje Nossa Senhora na Cova da Iria!...

    - Credo, filha! Ests doida? Quer no que s mesmo uma santinha, paraque Nossa Senhora te aparea...

    - Mas, eu vi-a! E instantes aps:

    - Minha me, eu e o Francisco vamos rezar o tero. Nossa Senhora disseque o devemos rezar. (15)

    A hora do jantar relatava, com pormenores e confirmao do Francisco, atodos de casa o extraordinrio acontecimento.

    Coisa digna de nota a demonstrar mesmo a inexistncia de crime ouembuste perfeito que a "apario" simplesmente disse vir do cu, mas no quisdizer quem era, prometendo faz-lo em Outubro.

    Francisco e Jacinta contaram que viram especificamente "Nossa Senhora",baseados na informao de Lcia, que lhes contara em outras ocasies a visodo anjo.

    Qualquer pessoa de bom senso, mesmo catlica, diante deste fatoestranho, repelir a sobrenaturalidade das "aparies" e percebe que a coisa foi"arranjada".

    O catlico, porm, em matria de religio no pensa com sua cabea. "Maria-vai-com-as-outras"!

    Continuemos o relato!Olmpia Marto, me de Francisco e Jacinta, no dia seguinte, transmitiu

    me de Lcia a narrao da filha.

    Estupefata, Maria Rosa ouvia. Arreliou-se intimamente. Convencida de sermentira tudo aquilo, conservou-se caiada diante de sua parenta, e, caso a filhalhe confirmasse a notcia, decidiu procurar o vigrio, que, por sinal, h dias nolhe passava pela casa.

    - Esta filha torna-nos o escrnio do lugar!, lamuriou-se ao reverendo.

    - Ao contrrio! tranqilizou-a. E se for verdade o que ela conta, ser paravocs uma grande glria, que todos lhes iro invejar. (16)

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    21/86

    O trabalho de mistificao orientava-se tambm para atingir os familiaresdos "videntes"... Essas palavras suaves visavam ser jorro de gua fresca na almaescaldante da mulher.

    Irredutvel em sua descrena no diluda com o arrazoado cretino dopadre, despediu-se com muchochos.

    - Se for verdade... Mas no pode ser! A menina est-me agora a sairmentirosa. Mas, eu lhe ensino que no se dizem mentiras.

    Prometido e melhor cumprido. Chegando em casa castigou a filha. (17).

    Ningum, a comear dos familiares, prestava crdito s crianas. Todosescarneciam-nas.

    AS OUTRAS APARIES

    O dia 13 de Junho assinala no calendrio catlico a festa de santo Antnio.Portugus que , em sua Ptria, recebe as mais estrondosas celebraespopulares. Foguetrio e bebidas alcolicas do a tnica saliente em todas asprogramaes.

    Todos os familiares dos "videntes" foram a Pedreiras onde maisapreciavam a festana do santo patrcio. Esta atitude, alis bem confirma odescaso pelas "vises" dos filhos, pois os pais e as irms "no aparentavam s

    indiferena, mas desprezo mordaz", observa um dos escritores sobre o assunto.(18)

    Francisco e Jacinta preferiam ir com os de casa a Pedreiras,s festas deSanto Antnio. Lcia intercepta-lhes a viagem notando-lhes a necessidadeinadivel de irem a Cova da Iria.

    Amedrontados, seguiram a prima que lhes ensinava tambm o catecismo.

    Dias antes acontecera a festa do Corpo de Deus em que os padres saems ruas, em procisso, levando a hstia sob o palio, em um ostensrio. EmFtima, Lcia e Jacinta foram escolhidas para atirarem ptalas de flores,transportadas em cestinhos, sobre o oficiante.

    Chegados ao fim da procisso, Jacinta tinha-as todas. No jogaranenhuma vez.

    - Por que no atiraste as flores a Jesus?

    - Porque no O vi.

    - Mas,tu no sabes que o Jesus da hstia no se v? Est escondido; oque se recebe na comunho.

    Jacinta demonstrou-se desejosa de receber a hstia para o que precisavaaprender o catecismo.

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    22/86

    E nesta emergncia se no seguisse Lcia Cova, esta no lhe ensinariao catecismo e ela no receberia" Jesus escondido na hstia"...

    Com ares de superioridade, a Lcia caminho afora, recriminava os primospor terem contado a "viso".

    Amargurados os pobrezinhos ouviam aquela tempestade de recriminaes

    speras, intimamente ofereciam esse sacrifcio pela converso dos pecadores...Quando a "mestra" os percebeu arrasados, sentenciou:

    - E no mais viro a Senhora! castigo por terem dado com a lngua nosdentes.

    Cumpria a Lcia uma parte da encenao. Os padres empresrios dasaparies, razoavelmente, previam que Jacinta e Francisco contariam.Evidentemente que a virgem Rosa Correia da Silva Bacelar, para no se exporao risco de ser colhida em flagrante, no mais apareceria. E as crianas nomais a veriam como castigo por haverem contado em casa...

    Somente Lcia v-la-ia!

    Sob ameaas, porm os primos deveriam continuar dizendo que tambmviam a Senhora... Se no dissessem assim agora passariam diante dos pais edos vizinhos como mentirosos mesmo.

    hora aprazada, como no ms precedente, rezaram o tero do rosrio.

    Em dado instante, a Lcia, com os olhos postos sobre a azinheira, diziaestar contemplando a linda Senhora.

    Os primos se lamentavam de terem merecido o castigo de no v-la. Paraconsol-los, informava-lhes a "mestra" de que a Senhora, em breve,, lev-los-iapara o cu.

    Desta "viso" Lcia passou a repetir a reza que o vigrio lhe fizera decorar: meu Jesus perdoai-nos livrai-nos do fogo do inferno e aliviai as almas dopurgatrio, principal mente as mais abandonadas. E dizia haver-lha ensinadoaquela Senhora...

    Esta jaculatria - assim chamam os padres as rezas curtas - espalhou-sepelo mundo afora e repetida nos intervalos de cada mistrio do rosrio pormuita gente.

    J que falta teologia catlica fundamentao bblica para a doutrinaesdrxula do purgatrio o clero - finrio! - vai, utilizando-se de estratagemas,levando os seus fiis a essa crena Alis, do seu mximo interesse pecunirioque o povo creia no purgatrio, a cozinha dos padres.

    Imagine-se se um dia o povo reconhecesse que o Sangue de Jesus Cristonos purifica de todo o pecado e, conseqentemente desacreditasse desse lugarpurgativo... Ningum mais pagaria missa pelos defuntos... Todos perderiam a

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    23/86

    considerao pelas indulgncias e, em debandada, desvincilhar-se-iam das saiaspadrescas...

    A nica visionria de 13 de Junho e dos dias 13 subseqentes contavaque a Senhora lhe ordenara aprendesse a ler e escrever para lhe poder, depois,dizer o que dela queria. Lcia at o final das "aparies" (13 de Outubro) noaprendeu a ler e transmitiu, todavia, tanta coisa que a Senhora lhe quis, comoiremos constatar. Ora que sandice!

    Precisaria a garota saber ler para espalhar a "mensagem" da Senhora? Ano ser que lha desse por escrito... Mas, tudo foi de boca! Esta outrossim umadas muitas contradies encontradas nos dilogos da menina com a Senhora,transmitidos nos diversos livros, sobre esse assunto sacramentados comaprovao eclesistica.

    Enquanto os pais continuavam se opondo aos filhos visionrios e osmoradores da aldeia no criam na patacoada, os vigrios de cidades daredondeza, sobretudo o de "Torres Novas", passaram a divulgar o fato. OsBoletins Paroquiais e o "Mensageiro de Leiria" se encarregavam de matracar "osacontecimentos da Cova de Iria".

    Aps a "apario" de Junho, cada vez mais os pais dos "videntes" seconvenciam de estarem eles iludindo o povo e de que tudo aquilo que relatavamera mentira. Por isso, ralhavam-lhes e batiam-lhes.

    O vigrio de Ftima, informado dessa posio dos familiares, com receiode que as crianas acabassem contando toda a verdade, resolveu interferir. E

    mandou chamar Da. Maria Rosa e Da. Olmpia, as mes dos "videntes" para lhesaconselhar moderao (19).

    O pobre pe. Manuel Marques Ferreira se agitava todo ao constatar operigo iminente de uma derrocada. Comeou a perceber insegurana por partede Lcia que lhe chegou a ameaar contar tudo.

    Poucos dias antes de 13 de Julho, quando se deveria dar a terceira"apario", a "mestra" principiou a ter sentimentos horrveis de ntima revoltaconsigo mesma por se expor a um servio desses. Julgava-se um autntico

    instrumento do demnio...Apavorada uma noite," teve um sonho que aumentou as trevas do seu

    esprito" (20).

    A prpria vidente relata:" Vi o demnio que, rindo-se de me ter enganado,fazia esforos para me arrastar para o inferno. Ao ver-me em suas garrascomecei a gritar chamando por "Nossa Senhora" de tal forma que acordei minhame , a qual me chamou aflita, perguntando o que tinha".

    E comenta o jesuta Fonseca porque, por muitos que faam osescrevinhadores sobre Ftima, no podem ocultar as contradies: "Desde entosentia-se como envolvida numa atmosfera de terror. O seu alvio era esconder-seem algum canto solitrio, para l chorar vontade. At a companhia dos primos

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    24/86

    comeou a aborrec-la e, por isso, muita vez, quando a procuravam, escondia-see, estando a dois passos, no lhes respondia por mais que a chamassem" (21).

    Eram os estertores dos seus remorsos...

    Cristo ao contrrio, d paz e alegria ntimas aqueles que O aceitam comoSalvador e Senhor...

    A propaganda lanada pelo clero atraia as atenes dos curiosos que, dealgumas cidades, se preparavam para uma romaria Cova no dia 13 de Julho. Ovigrio de Ftima, apesar das palavras de nimo do seu colega de Torres Novas,j via tudo indo por gua abaixo, por quanto acompanhava o desespero de Lcia,disposta a abandonar a farsa.

    Sua prpria me relatara-lhe, com a confirmao da "vidente", o seguintefato:

    Encontrando-se debaixo de uma figueira com a me, esta aparentandomuita tranqilidade, perguntou-lhe repentinamente:

    - verdade que viste nossa Senhora na Cova da Iria? ao que Lciarespondeu:

    Quem que lhe disse isso?

    A me de Jacinta, a quem esta contou.

    Lcia convencida da inutilidade do segredo por mais tempo, declarou:

    Eu nunca disse que vi Nossa Senhora, mas uma mulherzinha muito bonita.Recomendei muito aos meus primos que no dissessem nada a ningum, masbem se v que tiveram a lngua comprida!

    A me retruca-lhe:

    - A Jacinta diz que foi Nossa Senhora, tu chamas-Ihe mulherzinha. Semprevocs so grandes embusteiros. que andam por ai a enganar meio mundo e apor em sobressalto e ridculo a famlia. (22)

    Na vspera da terceira "apario" a muito custo conseguiu o MarquesFerreira prometesse a menina estar no lugar das aparies. Diversos padrescercaram Lcia para incit-la a Cova.

    Ao meio-dia j algumas pessoas de irmandades religiosas com seusemblemas caractersticos e mais de uma dezena de padres, se aglomeravam naCova da Iria e, dirigidas por Lcia rezaram o tero do rosrio. Em seguida, ficouuns minutos parada, boca semi-aberta, olhos estatelados para o lado doazinheiro.

    Apareceu-lhe a Senhora!

    Mas, para surpresa geral dos beatos, ningum viu nada... Nem os primos.Somente a filha do Abbora. Os clrigos, porm no se assustaram, pois sabiamque assim deveria ser.

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    25/86

    Os mais crdulos retiraram algumas folhas da mirrada rvore e deixaramao seu tronco uns nqueis.

    A Lcia reanimada pelo vigrio e engodada com mil e uma promessas, sefirmara como atora principal da comdia.

    A propaganda recrudescia intensamente porque os padres visavam levar

    em Agosto um grande contingente de devotos. Esta situao, porm, despertavao interesse das autoridades civis que percebiam em tudo uma manobra do cleropretendendo reimplantar seu domnio sobre aquele pobre povo por ele multi-secularmente infelicitado.

    Deixemos depor o Snr. Artur de Oliveira Santos, administrador do Distritode Vila Nova de Ourem (ou Ourm), ao qual pertencia Ftima, e delegadoespecial do inqurito:

    "Exercia eu ento o cargo de Administrador do Conselho e na madrugada

    do referido dia 13*

    , tendo deixado de preveno uma Fora da Guarda NacionalRepublicana na sede do Conselho, dirigi-me, em companhia do oficial daAdministrao, Cndido Jorge Alho, povoao de Ajustrel, no intuito de trazeros trs protagonistas (as crianas) para esta vila, a fim de evitar a continuao daespeculao clerical, que em torno delas se estava fazendo. Junto da casa dehabitao dos pais de Francisco e Jacinta, j se encontrava o padre Joo, procoem Porto de Ms, falando com a me daqueles, e, junto a um pequeno largo ,bastantes seminaristas. A Lcia interrogada, a meu pedido, pelo padre, reeditouo que anteriormente havia dito ** Consegui traz-las (as crianas) para minha

    casa, junto de minha famlia num carro previamente alugado. No faltaramameaas de morte. Chegaram mesmo dois grupos, para tal preparados, aseguirem automveis, em perseguio do nosso carro, desistindo do seu intentoapenas quando souberam que o carro que me conduzia e s crianas se encontrava jnesta Vila, protegido por foramilitar.

    Quando na Cova tiveram conhecimento do caso, grupos de populares, mistura com padres, clamaram ser preciso ir aldeia (Vila Nova de Ourem)matar os republicanos e os pedreiros-livres. No tendo comparecido na Cova deIria as crianas naquele dia, o milagre no se realizou, e tudo debandou sem

    incidente maior. Eram ento governadores civis efetivo e substituto os snrs. Drs.Manuel Alegre e Manuel Branco, respectivamente, e era minha opinio que ascrianas fossem inspecionadas por uma junta mdica e internadas numa casa deeducao, subtraindo-as deste modo, aos clericais, de maneira firme e precisa,para que lhes no servissem de instrumento de explorao. Compartilhava destaopinio o segundo daqueles cidados, sendo de parecer contrrio o primeiro,convencido de que, deixando-se os clericais vontade, a mistificao, com todosos seus elementos, cairia pelo ridculo (23).

    * De agosto.** Nem podia ser diferente: Transformara-se como autmata naquele embuste.

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    26/86

    Sendo do prprio esprito republicano a livre manifestao de pensamento,deixou-se o clero conluiado com os monarquistas e a mistificao da Ftima sealastrou livremente por todo Portugal levada pelos jornais catlicos.

    No podendo acontecer a "apario" na Cova porque os videntes l noestavam no dia 13 de Agosto (talvez a Santa no conhecia o caminho de VilaNova de Ourem, ou se perdeu!), no domingo, 19, a Lcia disse t-la visto e lhefalara:

    - No ltimo ms (13 de Outubro) farei o milagre para que todos acreditem.Se no vos tivessem levado para Vila Nova de Ourm o milagre seria maisgrandioso.

    Mas que tolice dessa virgem aparecida! pois se iria fazer um milagre paraque todos acreditassem, deveria logicamente faz-lo mais estrondosoexatamente para que as autoridades incrdulas fossem as primeiras a lhe daremcrdito.

    Nessa informao da "vidente", contudo, se revela o receio dosempresrios... J estavam preparando o esprito do povo para o caso de umfracasso.

    Ainda nessa "apario" a Senhora determinara que se confeccionassemcom os dinheiros depositados ao tronco da azinheira, dois andores a seremtransportados em procisso numa festa da Senhora do Rosrio a ser promovidapelo vigrio sob cuja tutela deveriam ser guardadas todas as esmolas.

    Abria-se agora diante dos olhos dos padres trapaceiros uma outraperspectiva. Como instrumentos do cardeal Mendes Belo, objetivavam deflagraruma onda de mistificao em toda Nao para sublevar o povo contra o regimerepublicano e prestigiar o catolicismo deprimido. O sucesso superava todas asprevises porque a Cova se lhes tornara fabulosa mina de dinheiro. Os papalvosde bolsos minguados l despejavam os seus parcos recursos para o sustento daboa vida dos clrigos panudos e encharcados de vinho.

    Esfurancando os dentes com um palito, esfregando com o calcanhardireito a canela esquerda, num tique nervoso, o pe. Benevenuto de Souza,

    saltimbanco de primeira categoria, congratulava-se com os companheiros pelotriunfo:

    - Eu sabia que essa chusma l iria cair na maroteira. Em honra virgem -e a classificava com um palavro - vamos a um pagode regado a vinho eaquecido pelos braos tenros de mulheres bonitas.

    A previso de grandes lucros naquele investimento de explorao dacredulidade pblica, alm do incremento do prestgio popular da seita papal todesacreditada, moveu o clero a intensificar a propaganda. Os vigrios de

    parquias distantes mobilizavam as suas irmandades para romarias. Os prpriosseminrios e conventos de freiras enviavam seus alunos e suas novias aengrossar os contingentes dos embatinados.

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    27/86

    E no dia 13 de Setembro uma multido de pessoas provenientes dos maisremotos pontos do Pas, tangidas pela propaganda, se aglomerava na Cova daIria, cantando "Aves", rezando cedias frmulas e pisando as couves e osrepolhos do Abbora, que curtia no lcool os despeitos por ver a filhamancomunada com os embusteiros.

    Nesta "apario" a virgem tornou a referir-se ao dinheiro porque agora ospadres prelibavam do produto de inesgotvel fonte de receita a lhes engordar ospatrimnios.

    - Com uma cajadada matam-se dois coelhos! Ora sebo! interjetivava alngua solta do Benevenuto.

    Falando em dinheiro - dinheiro e poltica so as mximas preocupaes doclero! - a "viso", no ms de Setembro, afora os dois andores, recomendou quese devia construir na Cova uma capela em honra da Senhora do Rosrio. E queno faltassem os cofres com suas bocas sorridentes a recolher as esmolas...

    J das outras "aparies" solicitavam Lcia apresentasse pedidos Senhora. Em geral pedidos de cura. Invariavelmente a "madame", conformeinformaes da visionria, deferiria todos eles, contanto que os doentes tivessempacincia porque suas curas se dariam no "ano que vem". Nesse ms deSetembro os pedidos dessa ordem se avolumaram consideravelmente paramaior desapontamento dos enfermos devotos.

    Nesta "apario" tambm ningum viu nada... nem a Jacinta e nem oFrancisco viram mais a linda Senhora de branco depois de 13 de Maio. A Rosa

    Correia da Silva Bacelar, no seguimento de instrues dos empresrios datragicomdia, no apareceu mais. Somente Lcia, no meio da multido, dizia v-la e com ela conversava, como atora, cumprindo o seu papel de vidente. Aquelepovo a tantos sculos explorado pelo clero, contudo, na ansiedade de paz - a toalmejada paz procurada longe das normas evanglicas decidia conformar-se,abafar os seus protestos e dar mais uma vez um crdito de confiana ao"sobrenatural"

    .

    A LTIMA "APARIO"

    De rastilho a princpio, a propaganda recrudesceu atingindo dimensesgigantescas nas vsperas da derradeira "apario". Toda a imprensa catlica quecombatia o regime democrtico instalado pela Repblica, aproveitou-se do climade liberdade reinante para articular todas as foras do beatrio... Apesar dasmanifestaes oficiais do cardeal patriarca em sentido "desfavorvel"aomovimento de arregimentao das irmandades, o clero lanava dos plpitos os

    seus apelos afim de que o povo fosse ver o grande milagre prometido por "NossaSenhora" na Cova da Iria... (Vale lembrar-se que a "aparecida" ainda no haviadito quem era e j Lcia, comprometendo o script do programa cmico,

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    28/86

    proclamara a identidade da ilustre "viso"). O instrumento principal nas mos doclero, porm, foi o confessionrio, o que, alis, no podia deixar de ser.

    A propaganda deflagrada em todo o Pas e em muitas cidades espanholaslimtrofes anunciavam um estrondoso milagre. Um prodgio impressionante queporia todos os presentes em contato com o sobrenatural e confirmaria aautenticidade das manifestaes mariais. Visando aguar a curiosidade popular,informava, outrossim, que os segredos confiados pela Virgem aos videntes emJunho e Julho teriam sua revelao autorizada nessa oportunidade.

    E s 12 horas de 13 de Outubro de 1917, na horta do Abbora, da qualnem a cerca sobrara, uma multido de 40.000 pessoas esperava a manifestaomariana.

    Os padres, s centenas, azafanados davam ordens multido que gemiaos hinos religiosos sob a inclemncia da chuva constante desde a madrugada.

    O pe. Benevenuto, de Torres Novas, exaltava-se irado:- Caramba! a propaganda no tangeu a grande multido que se

    esperava... ridculo esse punhado de gente que c est... Raios! e agora estachuva... Macacos me lambam se assim mesmo eu no conseguir o milagre ... somente o sol dars caras...

    Era a sua ltima participao na trapaaria. Ela - verdade - corria enormerisco, mas no podia falhar, pois em jogo se achava o seu prestgio junto doarcebispo e do clero.

    - Que azar! Essa chuva impertinente a impedir o grande milagre...resmungava o trfego sacerdote, cuja alma se esbraseava em sonhos degrandeza.

    E o seu comparsa, o Manuel Lamarosa, permanecia escondido na outraencosta do morro espera de que o sol se abrisse para produzir um fabulosomilagre com os reflexos de dois grandes espelhos...

    - Que raio de nuvens a despejar tanto aguaceiro... Isto aqui um deserto ejustamente hoje esta bomba, praguejava em sussurro com a mo direita em

    concha no ouvido do pe. Marques Ferreira, o Benevenuto a lhe escorrer da caraa gua em bagos.

    Seu cmplice, mais comedido no linguajar, mais introspectivo e maisobservador, acalmava-o, no sem pressgios soturnos na alma:

    - Benevenuto, tudo vem a calhar... Imagines tu se tivssemos bom tempoe sol ardente a pino, com milhes de pessoas a se esparramarem pelos morroscircunvizinhos... Onde iria esconder-se o nosso amigo Lamarosa para projetar osreflexos dos espelhos sem risco de ser colhido em sua incumbncia?

    - ver-da-de!, silabou o vigrio de Torres Novas.

    E perscrutando os horizontes toldados, a ver se descobria alguma clareirano cu, prenuncio de amaino do tempo, comentava:

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    29/86

    - Aproximam-se as 13 horas e impacienta-se o povo... E a chuva a cair...

    A Virgem no podia se molhar naquela despropositada intemprie! J faziamuito em se dignar, vir Terra... No iria, pois, encharcar-se e nem arriscar-se ameaa de um resfriado...

    A padralhada, ao ver os relgios assinalando 14 horas, se excitava e

    sacolejava o beatrio fazendo-o esfiar, em alto vozerio, o rosrio, intercalando-secnticos como a tristeza de almas fanatizadas.

    Divulgou-se entre os devotos que a Virgem se atrasava e talvez nemviesse mesmo por castigo incredulidade de muitos e pelas zombarias de outrosque l estavam.

    O clero dispe de uma fonte inesgotvel de recursos e sadas deemergncia... O Benevenuto preparava o esprito parvoicizado dos romeiros...

    Para alvio dos embatinados, por volta de 15 horas, serena-se o tempo e,dentre as nesgas de nuvens toldadas, mal aparece o sol.

    Lcia, orientada pelo Marques Ferreira, o seu diretor espiritual, com umestremecimento interrompe a vozeria popular.

    Os mais achegados ouvem-lhe as palavras:

    - Quem vossemec, e que quer de mim?, pergunta com os olhos fixosna azinheira j reduzida pela metade.

    Por que perguntar quem era se a menina divulgara a novidade de estarvendo a Senhora?

    Ningum, por mais que se esforasse, via coisa alguma. Nem Francisco.Nem Jacinta.

    - Eu tinha muitas coisas a lhe pedir...

    De Lcia ouviram-se estas expresses apenas... E mediadas por umespao de uns trs minutos. E ningum ouvia nada da Senhora...

    Neste nterim, o Benevenuto, vendo-se livre de enredar-se numa meadade complicaes, com a sua voz de trovo, d incio ao cntico do"Ave" no que seguido pela multido.

    - Olhem para o sol!, ouvem da vidente os seus vizinhos.

    O "Ave" era o sinal para que o cocheiro com os espelhos produzisse osrevrberos na conformidade do programa estabelecido e ensaiado...

    A multido, alm dos reflexos esmaecidos que se cruzavam nas nuvensgrossas, no viu mais nada!

    Vejam agora como os embusteiros descrevem o milagre:"Espetculo estupendo, nico, nunca visto"!

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    30/86

    A chuva termina como por encanto, rasgam-se as nuvens o sol aparece noznite semelhante a um disco de prata e comea a girar vertiginosamente sobresi mesmo, como uma roda de fogo, projetando em todas as direes feixes deluz: amarelo verde, vermelho, azul, roxo, ... que pintam fantasticamente asnuvens do cu, as rvores, as rochas, a terra e a multido imensa. Em seguidapara durante alguns instantes e depois recomea a sua dana de luz, como a

    mais rica pea de fogo preparada pelos mais hbeis pirotcnicos; torna a pararnovamente para recomear pela terceira vez, mais variado, mais colorido aquelefogo de artifcio.

    A multido, exttica, imvel, sem respirar contempla!

    A um dado momento todos tem a sensao de que o sol se desprende dofirmamento e se precipita sobre eles. Um grito nico, rompe de todos os peitos,que traduz o terror de todos, e em vrias exclamaes exprime os mais diversossentimentos: "Milagre!: milagre!" dizem estes. "Creio em Deus", exclamam

    aqueles. "Ave, Maria", rezam outros. "Meu Deus, misericrdia", grita o maiornmero; e caindo de joelhos na lama fazem em alta voz o ato de contrio.

    Este espetculo nitidamente distinto em trs tempos durou no seu conjuntocerca de dez minutos e foi observado por mais de cinqenta mil pessoas: crentese descrentes, simples camponeses e cultos cidados, homens de cincias,redatores e correspondentes de jornais e no poucos livres-pensadores...terminado o fenmeno solar notaram com surpresa que os prprios fatos (asroupas), pouco antes ensopados em gua, estavam perfeitamente enxutos". (24)

    Enquanto o povo contempla "o prodgio solar"(!?) prossegue "o conto dovigrio" .junto do sol apareceram para os videntes S. Jos e o Menino Jesus,Nosso Senhor abenoando o povo e continuando a sucesso rpida de quadrosplsticos a Senhora das Dores sem a espada no peito - ainda bem! - e aSenhora do Carmo.

    Tudo mentira! tudo patacoada! E das super-ridculas!

    Que esbanjamento de "Nossas Senhoras"!!!

    Diz ai o jesuta Fonseca que livres-pensadores presenciaram o

    acontecimento espetacular... Mas, por que no estampa em seu livro ao menosum depoimento de qualquer um deles?

    Por que nenhum observatrio astronmico registrou o sucesso prodigiosoto espetacularmente propagado posteriormente pelo clero, como se tivesse sidopresenciado a mais de cinco quilmetros de distncia?

    O Fonseca apresenta trs depoimentos. Suspeitssimos. Alis, mais doque suspeitssimos!

    O primeiro do prprio bispo de Leiria, o segundo de um catolico, JosM. Proena de Almeida Garrett, professor da Universidade de Coimbra. Isto ele ofaz na quinta edio do seu livro. Da to pouco valor a esses testemunhos queno os inseriu nas suas edies anteriores. Nestas aparece somente o

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    31/86

    depoimento de um tal pe. Incio Loureno Pereira, missionrio da ndia, em cartaao bispo de Meliapor.

    O catlico to cego que nem se apercebe destas aberraes!

    Dizem os padres que todas as "nossas senhoras" so uma s. Tantosttulos para uma s personagem. Ento, essa madame teve de mudar as suas

    vestes trs vezes em pouqussimos segundos. Primeiro, conforme a estria,trajava-se de branco com frisos dourados. Como Senhora das Dores, estava deazul, com um manto roxo, faltando-lhe o punhal no peito - ainda bem, tadinha! Ecomo Senhora do Carmo, tinha as vestes marrons e o escapulrio nas mos emlugar do rosrio.

    QUANTA BABOSEIRA !!!

    As aparies da Ftima, alm de outras vinculaes dogmticas einteresses eclesisticos, relacionam-se estreitamente com a devoo do rosrioe com a doutrina do purgatrio. Ambos frontalmente alheios s EscriturasSagradas.

    Ambos negadores da veracidade da Palavra de Deus e da todo-suficinciado Sangue de Jesus Cristo.

    O rosrio, denominado de chave dos tesouros de Deus, uma devoocomposta de trs partes, chamadas, por isso, de teros. Estes se cognominamde mistrios gozosos, dolorosos e gloriosos.

    O rezador de teros mastiga os mistrios gozosos nas segundas equartas-feiras; os dolorosos, nas teras e sextas-feiras; e os gloriosos, nasquintas-feiras, sbados e domingos.

    Cada tero composto de cinco dezenas de ave-marias intercaladas deum Padre-Nosso e um Glria ao Padre, seguido de uma jaculatria.

    A coroa de contas que o rezador esfia entre os dedos, para marcar o

    nmero das Ave-Marias, pois no vale o tero se um dos mistrios forcontemplado com oito ou nove Ave-Marias somente. Tem de ser as dez paracada mistrio!

    Os marianos desconhecem este preceito de Jesus Cristo: "E, orando, nouseis de vs repeties, como os gentios, que pensam que por muito falaremsero ouvidos" (Mt6:7).

    Ao v-los rezando o tero, lembro-me do fato bblico de Elias reptando osprofetas de BaaI. Estes, inutilmente, invocaram o nome de seu deus, "desde a

    manh at ao meio dia, dizendo: ah BaaI, responde-nos! Porm nem havia voz,nem quem respondesse"(l Reis 18:26).

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    32/86

    E l vai o mariano repetindo esta monstruosidade: "Santa Maria, me deDeus..."

    Me de Deus!!!

    O deus catlico tem me... Ento no eterno!

    E se no eterno no Deus. Conseqentemente, o catlico se declarano crer no verdadeiro Deus.

    Quando o telogo da seita se v acuado por este raciocnio se encapuano seguinte sofisma: Maria me de Jesus Cristo; ora, Jesus Cristo Deus.Logo, Maria me de Deus. Ele tira de duas premissas certas uma conclusoerrada.

    A coroa de contas, alm de facilitar o marcar-se o nmero exato das Ave-Marias, sendo benta com frmulas especiais, atribui ao rezador valiosasindulgncias. At indulgncias plenrias que totalmente eximem o devoto daspenas que lhe so cominadas pelos pecados praticados.

    E o Sangue de Jesus Cristo? Qual seria a sua atribuio da vida espiritualdo catlico? Logicamente que quem aceita aquelas doutrinas nega,implicitamente, o valor nico do Sacrifcio do Salvador!

    Prossigamos!

    Naquela sucesso de aparies de "nossas Senhoras", o publicista deFtima, o jesuta Fonseca, pretente elucidar que a Virgem quis exortar os fiis

    prtica do rosrio. Quando Lcia diz ter visto a Virgem, So Jos e o MeninoJesus, a "viso" se referia aos mistrios gozosos. A Senhora das Dores, mesmosem punhal no peito, representava os mistrios dolorosos. A Senhora do Carmovinha lembrar os mistrios gloriosos e incitar os fiis devoo do escapulrio aoqual est vinculado o privilgio sabatino.

    Troquemos em midos essa nomenclatura do beatrio mariano!

    O escapulrio consiste em dois pedaos de panos, de cor marrom, naforma retangular mais ou menos 5 por 8 centmetros, ligados por dois cadaros.

    Ento o devoto pendura o escapulrio nos ombros, ficando um retngulo no peitoe outro nas costas.

    Sendo-lhe imposto por um padre autorizado e rezando diariamentealgumas rezas previamente estabelecidas pelo mesmo sacerdote, o beatomariano indo para o purgatrio, ser retirado de l pela Senhora do Carmo, logono sbado imediato sua morte. Eis o privilgio sabatino!

    Se o fiel julgar conveniente pode solicitar a troca do escapulrio por umamedalha em que, de um lado, contenha a efgie do corao de Jesus e no

    reverso uma de Maria.No faltam ao catolicismo engenhos a fim de depreciar o valor supremo do

    Sacrifcio Salvfico do Salvador!!

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    33/86

    Entre outras coisas importantes, dizem os clrigos, as "aparies" deFtima vieram rememorar ao povo essas devoes. Por isso o nome completoda madame "Nossa Senhora do Rosrio de Ftima"!

    E A SARABANDA NO CU?Voltemos ao caso do sol!

    Nada de extraordinrio aconteceu.

    Seus raios de to fracos no puderam produzir com vivacidade osrevrberos nos espelhos do chantagista Benevenuto... Os fracos reflexosatingiam apenas os flocos de nuvens que, abaixo das mais grossas e escuras,corriam levados pelo vento e passando sob o sol fraco, faziam-no mais claro e

    mais esmaecido numa rpida inconstncia.Meu pai foi soldado do exrcito portugus durante a Primeira Guerra

    Mundial. Nascido e residente em Vila Nova de Ourem, conhecia perfeitamente ospadres vigaristas e as famlias dos visionrios. A pequena fazenda dos meusavs paternos confinava com o stio do Abbora, pai de Lcia.

    Naquele ms de outubro, em virtude de convalescer de uma graveenfermidade, meu pai teve licena de passar uma temporada em casa. E estevepresente na Cova da Iria.

    Ele sempre foi catlico e, quando veio para o Brasil, em 1921, dentro desua mala, trouxe uma estampa que lhe dera sua me na despedida e que, comorecordao, sempre conservou.

    Pois bem, meu pai sempre nos contava que todas as pessoas molhadasda chuva naquele dia saram molhadas... Que no aconteceu nada deexcepcional no sol... Nenhum milagre, nenhum prodgio foi visto por ningum...Grande parte do povo saiu ridicularizando a concentrao devota e avacalhandoa Senhora...

    Uma circunstncia especial que levou ao descrdito entre as pessoas maissensatas da regio foi o fato de ter Lcia noticiado que a Senhora lhe informarahaver acabado a guerra naquele mesmo dia e que em breve os soldadosretornariam aos seus lares.

    Relatava meu pai que muitas pessoas que tinham familiares comosoldados em campo de batalha saram do local jubilosas com a faustosa notciado trmino da guerra. Coitadas! Horas depois os fatos verdicos sobre ahecatombe que continuava atroz, desmentiram a madona.

    Alm do testemunho do meu pai, valiosssimo para mim e superior a todosos demais, invoco o depoimento do conhecido catlico portugus, dr. PintoCoelho, estampado no exemplar de "A Ordem", de 16 de outubro de 1917, emque classifica de fantasmagoria o chamado milagre.

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    34/86

    Outra testemunha presencial o dr. Antnio Srgio, ex-ministro daEducao. Ele fora Cova da Iria porque ansiava ver o milagre anunciado e saiucabisbaixo de vergonha porque ludibriado pelo embuste clerical.

    E, do slio patriarcal de Lisboa, o cardeal Mendes Belo, por ver a viola emcacos, manifestou o seu repdio farsa da Cova.

    Meu pai morreu como catlico, tendo sua cabeceira de agonizante umpadre e uma vela acesa nas mos. esta observao valiosa em favor do seudepoimento. Mas, nas fileiras eclesisticas no falta quem se manifeste,demonstrando bom senso e sinceridade expondo-se a censuras dos superiores,contra a patranha. O pe. Eduardo Dhanis, jesuta e professor na FaculdadeTeolgica de Lovaina, um deles. Props-se, em 1951, com relao Ftima,limp-la de "incrustaes lendrias". Quanto dana do sol, "julga seu dever decrtico imparcial e consciencioso, cerc-la de todas as exageraes bordadaspelo entusiasmo". O seu colega Fonseca, na revista portuguesa e jesuta

    "Brotria", fascculo de Maio de 1951, gastou 8 pginas (de 505 a 511) pararebater os dardos atirados pelo pe. Dhanis. Seu escudo, porm, saiu todofurado... E seu arrozoado, de to frgil, evidencia o descrdito que envolve aestria da sarabanda solar.

    CUIDADO COM O ANDOR PORQUE O SANTO DE BARRO!

    Nas procisses quem carrega a andor deve ter muito cuidado. Porque se odeixar cair, espatifa-se o santo...

    Quando padre, certa feita, sucedeu-me um fato desagradvel. Organizeiuma srie de procisses, levando a imagem da Senhora das Graas s casas dediversos devotos, onde rezvamos o tero. Numa delas, os carregadores doandor se descuidaram e a santa bateu com a cara no batente da porta, partindo onariz e esfolando a testa, em que foram de embrulho as sobrancelhas.

    De muito desapontado que fiquei, sofri uma crise de tosse e preciseiretirar-me sem fazer a reza...

    Os generais durante as operaes blicas devem prever surpresas. Mas,os trs empresrios da maroteira de Ftima confiaram demais nos seus poderesde sortilgio ou supunham contar sempre com a crendice sabuja dos devotos. Ea geringona esteve a pique em diversas circunstncias.

    Ainda hoje qualquer pessoa sensata que ler sobre o assunto os livrossacramentados com o imprimatur do gordalhufo bispo de Leiria e tio da "Virgem",Jos Alves Correia da Silva, em cuja diocese se encontra Ftima, repito, aindahoje qualquer pessoa sensata que ler esses livros poder verificar quantascontradies e quantos interrogatrios pueris a demonstrar a inconsistncia dorelato.

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    35/86

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    36/86

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    37/86

    Sua primeira atuao deu-se a 27 de setembro de 1917 quando foi casade Lcia. Francisco foi o primeiro entrevistado, depois Jacinta e, por ltimo, afilha da casa. Cenhoso, preveniu os "videntes", caso no lhes seguissem osconselhos. Mais tarde divulgou esses interrogatrios numa forma to banal quedo a impresso de enredo de foto-novelas de amor. Por esse relato impressonos seus livros se limitou a perguntas indignas do assunto celestial a envolver

    uma Virgem Senhora: sobre seu vestido, o manto, se eram brancos e dourados -o ouro sempre atraiu a ganncia clerical - se trazia as mos postas, se erabonita, se a saia era curta, se trazia meias nas pernas...

    O jesuta Fonseca, ao lhe transladar o interrogatrio, tambm no se deuconta dessas mesquinharias, ou irreverncias, tratando-se, se fosse verdademesmo, de uma mensageira do cu. Logicamente o interrogatrio to reles quedemonstra no crerem os reverendos nessas manifestaes sobrenaturais.

    E fez pior o Fonseca. Ao transcrever as "formigadas" do Visconde deu as

    suas "fonsecadas", divulgando esta pergunta pueril com respostas contraditriasdos videntes:

    - E nas orelhas que tem?

    Resposta do Francisco:

    - As orelhas no se vem, porque esto cobertas com o manto.

    Resposta da Jacinta:

    - No sei, porque tambm no se vem as orelhas.

    Resposta da Lcia:

    - Usa umas argolas pequenas. (26)

    Somente ao lanar a 5 edio de sua estria que o Jesuta deu-se pela"fonsecada" e, em nota de rodap, pgina 78, traz o "desmentido" da Lcia - osoutros visionrios j morreram - desejo de remendar a contradio: "No lhe viargolas".

    Uma outra incoerncia nesses questionrios a revelar a trapaaria que a

    Senhora em sua primeira "apario" informara que somente diria quem era e oque queria no dia 13 de outubro. Ora, nesse inqurito o Formigo pergunta, logode sada, Jacinta e Lcia.

    - Tens visto Nossa Senhora no dia 13 de cada ms desde maio para c?

    Ele j sabia antecipadamente que a "viso" iria dizer:

    - Eu sou Nossa Senhora!

    Essa madame deveria, j que no do cu, mas da parentela do bispo de

    Leiria, ir escola aprender a lngua. Onde j se viu essa barbaridade: Eu souNossa Senhora! Por que no disse: Eu sou a vossa Senhora?

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    38/86

    Uma outra observao no interrogatrio formiganiano que nos leva aconstatar a maroteira que, no aos outros, mas somente Lcia, perguntou:

    Quantas vezes j te apareceu?

    Cinco vezes, sendo uma em cada ms.

    ! Francisco e Jacinta somente viram a linda jovem uma vez!

    Ainda outra contradio na resposta da seguinte pergunta Lcia:

    - A Senhora mandou-te aprender a ler?

    - Mandou, sim, da segunda vez que apareceu.

    Verificando-se todavia, ir se constatar que a Senhora mandou amenina fazer semelhante coisa em sua primeira visita, aos 13 de maio, e no dasegunda vez.

    Tantas sandices em poucas pginas nas obras fatmicas... Tantasdesafinaes nos interrogatrios e nas respostas movem qualquer pessoa debom senso a considerar a Senhora de Ftima como grossa patifaria.

    Aproximava-se clere o dia 13 de outubro em que se daria o desfecho das"aparies" com o acontecimento da estrondosa maravilha prometida pelaSenhora.

    A padralhada, em expectativa invulgar, ansiava pelo feliz xito de tudo,porquanto, como conseqncia, poderia lhe advir prestigiosa popularidade e

    chance de maquinaes polticas para superar sua posio humilhante no regimerepublicano.

    Na ante-vspera da grande data, volta o Formigo carga. Necessitavafalar Lcia e exercitar-lhe a memria na conformidade com o script pr-estabelecido.

    Esta visita d-lhe oportunidade para publicar outros interrogatriosfantasiosos porque no expressam a realidade das suas entrevistas.

    Mesmo assim revelam eles o embuste. O diabo, por muito que faa, noconsegue esconder o rabo...

    Queria encenar a necessidade de se atender o pedido da Senhora nosentido de se edificar uma capela que deveria se construir em ponto dereferncia da nova devoo, pois os padres urdiam organizar romarias em futuromui prximo. As clebres romarias que lhes rendem muitas riquezas e agrilhoamos carolas s suas feitiarias!

    Ouve c, Lcia, - pergunta-lhe o finrio sofisticador do Liceu de Santarm -disseste-me h dias que o dinheiro oferecido pelo povo fosse levado para a igreja

    da freguesia em dois andores. Como que se adquirem os andores e quando que eles devem ser conduzidos para a igreja?

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    39/86

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    40/86

    E O FIM DA GUERRA?

    Na presuno dos empreiteiros da maroteira a demonstrao de seremsobrenaturais os "fatos" da Cova da Iria estava no anncio antecipado do trminoda Guerra.

    Eles percebiam prenncios de paz atravs do noticirio da imprensa.Sucediam-se as "aparies" e aqueles sintomas de fim da Guerra se

    diluram...

    Afinal, j haviam principiado a patuscada... Mister se fazia lev-la avante econfiar nos bons fados.

    Estupefatos, porm, ouviam dos lbios de Lcia haver-lhe comunicado aSenhora o trmino da Guerra naquele mesmo dia e o regresso breve dossoldados aos seus lares.

    Os pais, as mes, as esposas, as irms retiraram-se da Cova da Iriaencharcados pela gua da chuva, mas com o corao alegre, exclamaes dealvio e os lbios cheios de sorrisos com a notcia formidvel.

    Lcia no fora fiel ao script! Deveria ter dito que a Senhora lhe informaraque, em breve, se acabaria a Guerra.

    Mas enganou-se a pobrezinha! E disse: A Guerra acaba ainda hoje... AGuerra terminou; os soldados vem j a caminho de casa.

    Que maada!Suponhamos ainda que a menina tivesse repetido as palavras do ensaio:

    A Guerra terminar dentro em breve...

    Igualmente a Senhora celestial ter-se-ia enganado!

    De 13 de outubro de 1917 a 11 de novembro de 1918 (data do fim daPrimeira Guerra Mundial) no vai apenas um breve numa guerra de quatro anos!

    outra circunstncia para te deixar desapontado, meu caro devoto de

    Ftima.So tantas a evidncias de malandragem nessa estria que bem merecem

    rabo de asno os seus fs!

    Aterrorizou-se o Formigo, agora sumamente irritado com o olhar cnico degozador do Marques Ferreira, o ex-diretor espiritual da "vidente".

    Tudo se dera mais ou menos a contento apesar da chuva... Afinal, oBenevenuto cumprira o seu encargo.

    E o Formigo? O que fazer para equilibrar a bambochata? Da a horasaquele povo saberia que a carnificina prosseguia nos campos de batalha:

    Super-excitado, nessa tarde mesmo, foi avistar-se com a Lcia.

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    41/86

    - Raios me partam, grunhia o Visconde. A Lcia desafinara com o que foraensaiado, pois deveria anunciar que a Senhora dissera acabar-se brevemente aGuerra e no hoje!

    E transferindo por dio e vingana a responsabilidade ao vigrio deFtima:

    - O asno do Marques Ferreira deveria ter escolhido outra. No essatapada filha do Abbora... E a qualificou com um adjetivo indecoroso.

    Amaldioando os outros e recriminando a vidente, chegou casa de Da.Maria Rosa.

    Em Aljustrel, o povo delirava com a estrepitosa notcia que voava de bocaem boca para maior descrdito futuro do clero j desmoralizado nos maiorescentros.

    Controlou seus nervos for da pele. Complicaria a situao sedemonstrasse aguado diante da menina j consciente da asneira praticada.

    Entrou na conversa com perguntas banais:

    O Menino Jesus estava em p ou ao colo de So Jos?

    Perguntaste Senhora oque querias?

    Perguntei... respondeu-lhe. E, num desabafo de franqueza edesapercebida do iminente perigo, prosseguiu:

    Disse que Nosso Senhor est muito ofendido... que a Guerra acabaria hojee que esperssemos os nossos soldados muito breve. (30)

    Furibundo com a rudeza de Lcia, coruscou-lhe dois olhos raiventos e saiucomo uma rajada a avistar-se com a Jacinta. Se ao menos ela no fosse na ondada prima...

    Para aumento do seu desespero, porm, a menina confirmou a informaoda Lcia:

    - A Guerra acabaria hoje. (31)

    Com voz spera e ameaadora, insiste:

    - Ouviste-lhe dizer quando vinham os soldados?

    - No ouvi, retruca-lhe trmula a pobrezinha.

    Chamou, ento, o Francisco. Amuado, no quis prosa com o pe. Formigo.

    Ouviste que a Senhora disse?

    No ouvi nada!

    - Quem te disse o segredo? Foi a Senhora?

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    42/86

    Demonstrara-se terno ao lhe formular estas perguntas. As quais lherespondeu:

    - No! Foi a Lcia! (32)

    Acabrunhado, estarrecido e arrasado foi o pe. Formigo procurar oscolegas-empreiteiros. As vrias entrevistas mais o irritavam.

    Como velhas comadres, confabulavam seus cmplices. O Benevenutodizia-se com misso liquidada. O Marques Ferreira, com sintomas de dor decotovelos, lavava as mos. O Abel reconhecia-se feliz com a atuao de RosaCorreia da Silva Bacelar.

    - Que se danasse o Formigo!, sentenciavam os scios charlates. Viam aviola em cacos e pretendiam esgueirar-se na sombra do Visconte de Montelo.

    Bufava de raiva seno quando lhe sobreveio lembrana o seu amigo, pe.Jos Ferreira de Lacerda, vigrio da parquia de Milagres e diretor do semanriocatlico "Mensageiro".

    Envolvera-se este jornal em intensssima propaganda das aparies queseu diretor to comprometido no poderia se esquivar de livrar o seu colega detamanho enrasque.

    E enquanto o Formigo no seu refgio curtia amarguras sobre amargurasao tomar conhecimento das operaes blicas que se repetiam no cenrio daGuerra, o Lacerda visitava e palestrava com a caula do Abbora, tentandomostrar-lhe a situao terrvel que se encontrava a religio no Pas e como seagravaria se ela teimasse em sustentar aquela informao sobre o fim da Guerra.

    Mesmo analfabeta, mostrava-lhe jornais que continuavam a trazernoticirios trgicos.

    Supondo estivesse amainado o terreno, no dia 19 do mesmo ms, voltou ope. Formigo a inquirir os videntes. Conseguiu fazer-se acompanhado dastestemunhas: Leonor Avelar Constncio, uma matrona de caracis brancos,estampa de severidade e altivez, Maria Cndida de Avelar e Silva e suas duasfilhas, Laura e Maria (33).

    Essas papa-hstias testemunhariam diante dos carolas as novasdeclaraes das crianas relativas ao fim da Guerra. Urgia harmonizar asinformaes da apario com as manchetes da imprensa...

    J os cticos levavam a Senhora rua da chacota...

    E o testemunho daquelas respeitveis senhoras piedosas poderiadissolver qualquer nuvem de dvidas entre os devotos.

    Nesta altura da tempestade todas as tentativas de salvar a farsa

    acalentavam esperanas...

  • 8/7/2019 Anibal Pereira Reis - Outro conto do vigrio - A Senhora de Ftima

    43/86

    A menina Lcia no se simpatizara com o Formigo. O Marques Ferreirase demonstrava afetuoso em suas expresses e carinhoso nos seus gestos. OVisconde se expressava com rudeza...

    O pe. Lacerda informara ao seu colega excitado da possibilidade desucesso nessa entrevista. Ao rev-lo, porm, a vidente se sentiu humilhada e setornou casmurra.

    O clrigo Formigo, todavia, tateando gestos brandos e balbuciandopalavras amveis, procurava preparar um ambiente cordial na esperana de, alidiante das beatas-testemunhas de faces formalizadas, ouvir dos lbios de suainterlocutora a afirmao consentnea com os ensaios.

    - No dia 13 do corrente Nossa Senhora disse que a Guerra acabava nessedia? Quais foram as palavras que empregou?

    Pasmo e contra todas as suas previses de xito por parte do seu colega,

    pe. Lacerda, ouviu da teimosa Lcia:Disse assim: a Guerra acaba ainda hoje: esperem c pelos militares muito

    breve!

    Ela disse: "Esperem c pelos militares", ou: "Esperai c pelos vossossoldados"? jesuiticamente insistiu o pseudo-Visconde.

    - Disse: "Esperem c pelos militares", confirmou a menina turrona.

    O padre no clmax do desapontamento diante das matronas, tamborilando

    com os dedos trmulos sobre a mesa, tenta argumentar:Mas, olha que a Guerra ainda continua!... Os jornais noticiam que tem

    havido combates depois