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ANÍSIO TEIXEIRA NA DIREÇÃO DO INEP

Anisio Teixeira na direção do Inep

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ANÍSIO TEIXEIRA NA DIREÇÃO DO INEP

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2 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

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ANÍSIO TEIXEIRA NA DIREÇÃO DO INEP

PROGRAMA PARA A RECONSTRUÇÃO DA NAÇÃOBRASILEIRA (1952-1964)

Marta Maria de Araújo

Iria Brzezinski(Organizadoras)

Brasília - DF

Inep 2006

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4 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

COORDENADORA-GERAL DE LINHA EDITORIAL E PUBLICAÇÕES (CGLEP)Lia Scholze

REVISÃOOmar dos Santos

CAPAMarcos Hartwich

DIAGRAMAÇÃO E ARTE FINALBárbara Bela Editora Gráfica

TIRAGEM1.000 exemplares

EDITORIAInep/MEC – Intituito Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio TeixeiraEsplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo 1, 4° Andar, Sala 418CEP 70047-900 – Brasília-DF-BrasilFones: (61) 2104-9512 e (61) 2104-8042Fax: (61) [email protected]

DISTRIBUIÇÃOInep/MEC - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio TexeiraEsplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo 1, 4° Andar, Sala 414CEP 70047-900 – Brasília – DF – BrasilFone: (61) [email protected]://www.inep.gov.br/publicacoes

A exatidão das informações e os conceitos e opiniõesemitidos são de exclusiva responsabilidade dos autores

Anísio Teixeira na Direção do Inep: Programa para a Reconstrução da Nação Brasileira(1952-1964) / Marta Maria de Araújo, Iria Brzezinski (Organizadora). – Brasília:Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2006.

288 p.: il.

ISBN: 85-86260-32-0

1. Planejamento do sistema educacional – Brasil. 2. Teixeira, Anísio, 3. Moreira,João Roberto. 4. Melo, Orlando Ferreira de Melo. 5. Instituto Nacional de Estudos ePesquisas Educacionais Anísio Teixeira. 6. Centro de Pesquisas e Orientações Educacionais– Rio Grande do Sul. 7. Centro Regional de Pesquisas Educacionais – Rio Grande do Sul.8. Escola Guatemala – Rio de Janeiro. 9. Escola-Parque. 10. Instituto de Educação deGoiás. 11. Centro Integrado de Educação de Colinas – Maranhão. 12. Reforma daEducação – Rio Grande do Norte. I. Araújo, Marta Maria de. II. Brzezinski, Iria.

CDU - 37.015.6(81)-057.87

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SUMÁRIO

Apresentação .........................................................................................7

Prefácio ..................................................................................................11

Luzes e Sombras de um Projeto. O Programa de ReconstruçãoEducacional de Anísio Teixeira no Rio Grande do Sul (1952-1964) ............13Maria Helena Câmara Bastos, Claudemir de Quadros, Rosimar Serena Siqueira Esquinsani

O Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep) e o Centro de Estudose Pesquisas Educacionais (Cepe): a experiência de um laboratório deensino primário no Paraná (1952-1964) ...................................................51Marcus Levy Albino Bencostta

Centro Educacional Guaíra: um laboratório de reconstruçãoeducacional do Inep no Paraná .............................................................59Bento Mossorunga

Santa Catarina e o Programa Nacional de Reconstrução Educacional deAnísio Teixeira: a colaboração dos intelectuais catarinenses ...................75Leda Scheibe, Maria das Dores Darós, Leziany Silveira Daniel

Educação como reconstituição e reorganização da experiência:Guatemala, a escola-laboratório do Inep (1955-1964) ..............................95Yolanda Lima Lobo, Miriam Waidenfeld Chaves

O ensino baseado em pesquisas e estudos como diretriz do CentroRegional de Pesquisas Educacionais de Minas Gerais .............................113José Carlos Souza Araújo, Décio Gatti Júnior

Escolas-Parque: legado do educador Anísio Teixeira, patrimônio daeducação brasileira ...............................................................................143Alice Fátima Martins

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6 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

Anísio Teixeira e o Instituto de Educação de Goiás: Política educacional?Formação de profissionais da educação? Construção escolar? ...............159Iria Brzezinski

Programa de Reconstrução Educacional na Bahia:Anísio Teixeira (1952-1964) ...................................................................179Stela Borges de Almeida, Joseania Miranda Feitas

Anísio Teixeira e as construções escolares como estratégia para adifusão de modelos pedagógicos ...........................................................209Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas e Jorge Carvalho do Nascimento

O Maranhão e a reconstrução educacional (1952 – 1964) ......................227Diomar das Graças Motta e Raimunda Nonata da Silva Machado

Uma ousada reforma educacional do governo Dinarte Mariz no RioGrande do Norte (1956-1961) e o apoio institucional de Anísio Teixeiracomo diretor do Inep..............................................................................251Marta Maria de Araújo

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APRESENTANDO A OBRA

Em março de 2002, enviamos uma correspondência para colegashistoriadores da educação de quase todos os estados, informando queestávamos organizando uma publicação, objetivando explicitar as políticasprojetadas em articulação com o Programa de Reconstrução Educacional,pensado e executado por Anísio Teixeira, como Diretor-Geral do InstitutoNacional de Estudos Pedagógicos – Inep (1952 a 1964). A principal intençãoera “mapear” em cada estado da federação, os vínculos dos projetos, planos,experiências educacionais e reformas de ensino com o Programa deReconstrução Educacional.

Passados quarenta anos do afastamento de Anísio Teixeira do Inep (1964-2004), a presente obra reúne textos de pesquisadores e pesquisadoras dahistória da educação no Brasil, que aceitaram o nosso convite para trazer alume a materialização das idéias intelectuais do Diretor do Inep e decolaboradores no solo dos seus estados. Tais textos foram elaborados com ainvestidura do referido Programa de Reconstrução Educacional, em basescientificas e democráticas, já esboçadas no célebre Manifesto dos Pioneirosda Educação Nova, lançado em março de 1932. Por isso, a relevância conferidapor Anísio Teixeira à criação dos Centros de Pesquisas Educacionais do Inep,as quais tinham finalidades em múltiplas direções, como a de pesquisar ascondições culturais e as tendências de desenvolvimento de cada regiãobrasileira, para efeito de elaboração de uma política educacional nacional deessência científica.

O texto de Maria Helena Câmara Bastos (PUC/RS), Claudemir Quadros(Unifra/RS) e Rosemir Serena S. Esquinsani (UCS/RS), acerca do Programa deReconstrução Educacional no Rio Grande do Sul (1952-1964), veicula que nesseestado, o período de 1945 a 1964 foi profícuo em termos de políticaseducacionais capitaneadas tanto pelo Centro de Pesquisas e OrientaçõesEducacionais (CPOE), quanto pelo Centro Regional de Pesquisas Educacionais(CRPE). Cursos, estágios e seminários para professores, além de pesquisasempíricas foram as linhas mestras do trabalho do CRPE/RS. Em 1957, o Centroinaugurou uma escola experimental de nível primário na capital gaúcha, paraservir como campo experimental de estudos pedagógicos. Da mesma forma,o Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),fundado em 1954, funcionou como escola laboratório por meio das classes

Apresentando a Obra

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experimentais e atuou juntamente com o CRPE/RS na realização de pesquisaseducacionais. Ainda mais. O Centro se articulou com o Programa de Cidade-laboratório para desenvolver estudos de várias comunidades gaúchas eestendeu as suas atividades pedagógicas para outros estados da federação,com cursos para professores no Rio Grande do Norte e em Santa Catarina.Ademais, o CRPE/RS teve um papel primordial na constituição da Faculdadede Educação (1970) e do Programa de Pós-graduação em Educação (1972)da UFRGS.

A instalação oficial, em 1952, do Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais(Cepe), subordinado à Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Paraná,indiscutivelmente passou a ter a cooperação do Inep para o desenvolvimentode suas atividades meio e fim, com destaque para a capacitação do corpodocente das escolas primárias paranaenses. O texto de Marcus Levy AlbinoBencostta (UFPR), basicamente, procura responder às seguintes indagações:quais as repercussões das ações do Inep durante a gestão de Anísio Teixeiranos programas oferecidos pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais –CBPE, na realidade dos professores primários do Paraná? Em que sentido aconcepção de uma nova política educacional para o país repercutiu entre asautoridades de ensino desse estado? Quais experiências que podem seridentificadas como resultantes desse investimento do Inep?

O capítulo de autoria de Leda Scheibe, Maria das Dores Daros e LezianySilveira Daniel (UFSC) resulta do trabalho investigativo que o Grupo de Pesquisa,Ensino e Formação de Educadores de Santa Catarina desenvolveu, levandoem consideração a década de 50. Em primeiro lugar, as autoras fazem umareflexão sobre as tendências que predominaram na pesquisa educacionalbrasileira e catarinense, no período em que as Ciências Sociais emergiramcomo principal referência teórica. Em seguida, se detêm no papel dosintelectuais catarinenses João Roberto Moreira e Orlando Ferreira de Melo,que se destacaram como interlocutores privilegiados no processo reformista,instaurado por Anísio Teixeira no âmbito do Programa de ReconstruçãoEducacional.

O escrito de Yolanda Lima Lobo (UENF) e de Miriam Waidenfeld Chaves(UFRJ) tem como foco principal as experimentações pedagógicas realizadasna primeira escola experimental do Inep, a Escola Guatemala, inaugurada em1954, pertencente à Secretaria de Educação do Distrito Federal. O cotidianodessa Escola, de seus professores e alunos e da sua comunidade são objetosde discussão das autoras. Sucintamente, reconstituíram o percurso intelectualdo Inep, destacando alguns marcos teóricos.

Delinear, ainda que introdutoriamente, a gênese, os propósitos e asrealizações do Centro Regional de Pesquisas Educacionais de Minas Gerais(CRPE/MG), constitue o trabalho de José Carlos de Araújo e Décio Gatti Júnior

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9Apresentando a Obra

(UFU). Instalado em 1957, o CRPE/MG, compromissado com o Programa deReconstrução Educacional do Inep, direciona-se, acima de tudo, para aformação continuada do professorado mineiro e brasileiro. Para os autores,Anísio Teixeira, como diretor do Inep e do CBPE, definiu como meta prioritáriaa formação do professor. Para isso, a pesquisa se constituía como uminstrumento a subsidiar a construção de uma política para o país. E o CRPEmineiro trilha por essas sendas.

Em seu texto, Alice Fátima Martins (UnB) apresenta a recomendação doFórum Escolas-Parque: Patrimônio da Educação Brasileira, realizado em Brasília,em agosto de 2003, que diz respeito ao registro de patrimônio cultural, noInstituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, das escolas parques deSalvador e Brasília e os planos arquitetônicos e urbanísticos do complexoeducacional em que essas escolas estão inseridas. Face à recomendação, aautora discute o conceito de patrimônio cultural imaterial, para poder tratardo projeto pedagógico das escolas parques de Salvador e Brasília, pensadaspor Anísio Teixeira.

A política da reconstrução nacional, orientada pelos pressupostos deque tal reconstrução se faria pela educação e de que a escola deve serconsiderada um centro de vida onde a matéria social se condensa e se inova,foi o objeto de estudo de Iria Brzezinski (UCG), realizado por meio de umaanálise documental em fontes primárias, (muitas manuscritas), fazendotambém, no campo empírico, reconstituições com o uso da História oral.Para Anísio Teixeira, a política de reconstrução da nação precisava serimplantada, como de fato ocorreu, nas esferas políticas do estado, do municípioe da cidade, com particularidade local.

Nesse aspecto, as realizações das políticas locais de Anísio Teixeira, nacondição de diretor do Inep, com foco especial na análise de uma dessasparticularidades no estado de Goiás merecem destaque. O caso do Institutode Educação (IEG) consiste no objetivo do estudo aqui apresentado pela autorae parceira de organização desta obra.

Apresentar o legado de Anísio Teixeira na Bahia, no que se refere aoPrograma de Reconstrução Educacional, é o que cabe às professoraspesquisadoras Stela Borges de Almeida e Joseânia Miranda Freitas (UFBa).Consideram as autoras, que mesmo diante dos resultados preliminares eprovisórios das ações educacionais, no período de 1920 a 1930, somentenos anos de 1952 a 1964, é que ganham maior visibilidade na Bahia, acriação de escolas experimentais e de demonstração para a formação deprofessores, fundamentadas no princípio da relação entre ensino e pesquisa,bem como, o extenso programa de construções escolares rurais e urbanas,a instalação da biblioteca infantil e do Centro Regional de PesquisasEducacionais da Bahia (CRPEBa).

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10 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

Ana Maria Gonçalves Bueno de Freitas e Jorge Carvalho do Nascimento(UFS) analisam, tanto os desdobramentos do Programa de Cooperação Técnicae Financeira das Unidades Federadas no estado de Sergipe, quanto aparticipação do professor José Antônio Nunes Mendonça em estágios no CBPE,seminários promovidos pelo Inep, estudos e observações em escolasexperimentais e demonstrativas do Rio de Janeiro e Salvador e em realizaçãode inquéritos com relação à educação escolar em Sergipe, no período emque Anísio Teixeira esteve à frente do Inep.

A professora Diomar das Graças Motta e a graduanda em Pedagogia,Raimunda Nonata da Silva Machado (UFMa) discorrem sobre o Programa deReconstrução Educacional no Maranhão e sobre a experiência do CentroIntegrado de Educação da cidade maranhense de Colinas, como parte dasações educacionais da Igreja Católica local.

Fechando a obra, tem-se o texto de Marta Maria de Araújo (UFRN),abordando as intersecções dos programas e projetos do Inep com a Secretariade Educação e Cultura do Rio Grande do Norte, durante o Governo Dinarte deMedeiros Mariz (1956-1961), quando foi aprovada e implementada umareforma da Educação Escolar Primária e Normal, em dezembro de 1957. Aautora considera que essa reforma representa um marco na história daeducação escolar regida pela Carta de Lei n. 405, de 29 de novembro de1916, no sentido de expressar o Plano de Reconstrução Educacional do Inepe, por extensão, também o pensamento intelectual de Anísio Teixeira.

Nesse exercício de mapear projetos, planos, experiências educacionaise reformas de ensino em nove estados e no Distrito Federal, recompomosângulos da história da educação pública de uma época brasileira. De igualmaneira, abordamos aspectos da história intelectual de um órgão educacionalnascido em 1936 com o nome de Instituto Nacional de Pedagogia. Na basede tudo, o plano que levava a denominação ⎯ Plano de ReconstruçãoEducacional ⎯ sobressaía-se o pensamento intelectual e estratégico doeducador brasileiro Anísio Teixeira.

Marta Maria de AraújoUniversidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

Iria BrzezinskiUniversidade Católica de Goiás (UCG)

Organizadoras

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PREFÁCIO

Fundado em 1937, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas EducacionaisAnísio Teixeira (Inep), sob distintos ângulos, permanece como objetoinesgotável de pesquisas científicas. Criado originalmente com a denominaçãode Instituto Nacional de Pedagogia, concebido em plena efervescência doMovimento de Renovação Educacional, levado a cabo pelos integrantes daAssociação Brasileira de Educação (ABE), teria atribuições de promoverinquéritos, cursos de aperfeiçoamento do magistério, demonstrações,assistência técnico-pedagógica, levantamento da bibliografia educacionalbrasileira e de intercâmbios internacionais, além de fazer publicarconhecimentos relativos à ciência pedagógica na Revista Brasileira de EstudosPedagógicos (RBEP, 1944). Todo esse programa voltava-se para os fins deassessorar as políticas educacionais destinadas às unidades da federação,na proporção de suas necessidades imediatas.

Eis, portanto, que o Inep, sob a direção de Anísio Spíndola Teixeira(1952-1964), alçou uma autonomia inigualável e se tornou um órgãoprestigioso de execução de campanhas educacionais, a exemplo daCampanha de Erradicação do Analfabetismo, a de Inquéritos e Levantamentosdo Ensino Médio e Elementar (Cileme) e a Campanha do Livro Didático eManuais de Ensino (Caldeme). A compreensão de possibilitar que aeducação, a escola e o magistério tivessem uma base cientifica, a partirdos fundamentos das ciências sociais, levou Anísio Teixeira a criar, em1955, o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) e os CentrosRegionais de Pesquisas Educacionais (CRPE). Pelos quadros intelectuais etécnicos de que dispunham, os centros passaram a pensar e a praticar complasticidade e pragmatismo uma política nacional de educação progressista,orientada, pelo menos, por quatro diretrizes modernas da época: o progressodas ciências sociais, a revolução industrial, o planejamento estratégico e ointercâmbio de conhecimentos e recursos humanos.

O pensamento e a obra de Anísio Teixeira, como explicam CarlosMonarcha e Carlos Guilherme Mota (Anísio Teixeira: a obra de uma vida,2001), outrora projeto de uma modernidade, presentemente se tornaramlegados de estudos e de investigações do que era então chamado de “tradiçãopedagógica liberal brasileira”.

Prefácio

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12 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

O presente livro, cuja autoria é assumida por renomados historiadoresda educação, em sua maioria partícipes do GT História da Educação daAssociação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped),sem dúvida, atende plenamente as intenções de sua construção. O trabalhobusca “mapear,” em cada estado da federação, os vínculos dos projetos,planos, experiências educacionais e reformas de ensino com o Programa deReconstrução Educacional. Mais especificamente, os “pesquisadores autores”deste trabalho intelectual trazem a público o campo de conhecimento emque se explicitam as políticas estaduais projetadas em articulação com oPrograma de Reconstrução Educacional, pensado e executado por AnísioTeixeira e colaboradores, em um tempo histórico em que a educação nacionalpossuía uma relevância estratégica para a reconstrução da nação por meioda reconstrução educacional. Por outro lado, esta obra abre inúmeraspossibilidades de estudos para história da educação no Brasil, além depesquisas no domínio da história comparada da educação brasileira.

É importante ressaltar que a presente publicação revela mais uma dasarticulações interinstitucionais celebradas entre o Inep e a Anped, quepermitem a essa última, disseminar o seu potencial acadêmico científico esua competência instalada no âmbito dos seus grupos de trabalhos (GT) egrupos de estudos (GE), com vistas ao desenvolvimento de estudos, divulgaçãode pesquisas e ao fortalecimento das políticas educacionais do país.

Betânia Leite RamalhoPresidente da ANPEd

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

Oroslinda Maria Taranto GoulartDiretora de Tratamento e Disseminação de Informações

Educacionais do Instituto Nacional de Estudos ePesquisas Educacionais Anísio Teixeira (DTDIE/Inep)

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13Luzes e Sombras de um Projeto

LUZES E SOMBRAS DE UM PROJETO: O PROGRAMA DERECONSTRUÇÃO EDUCACIONAL DE ANÍSIO TEIXEIRA NO RIOGRANDE DO SUL (1952-1964)

Maria Helena Câmara Bastos – PUC/RS1

Claudemir de Quadros – UNIFRA/RS2

Rosimar Serena Siqueira Esquinsani –UCS/RS3

Introdução

O período de 1945 a 1964 foi profícuo de realizações na área de educaçãono Rio Grande do Sul4, capitaneadas pela ação político-pedagógica do Centrode Pesquisas e Orientações Educacionais – CPOE (1943-1971)5 e pelo CentroRegional de Pesquisas Educacionais – CRPE (1956), instituto de pesquisavinculado ao Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais – CBPE (1955)6, criadopor Anísio Teixeira durante sua gestão no Instituto Nacional de PesquisasEducacionais (Inep). Para Xavier (1999), esse período representou a “retomadado projeto dos pioneiros”, agora com preocupações mais democráticas e

1 Doutora em História e Filosofia da Educação; Professora no Programa de Pós-Graduação em Educação daPontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; Pesquisadora do CNPq.2 Mestre em Educação pela Universidade de Passo Fundo / UPF; doutorando na Universidade Federal do RioGrande do Sul/UFRGS; professor no Centro Universitário Franciscano /UNIFRA.3 Mestre em Educação pela Universidade de Passo Fundo / UPF; doutoranda em Educação Básica pelaUniversidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; professora da Universidade Estadual do Rio Grande doSul / UERGS e da Universidade de Caxias do Sul / UCS.4 Com o término do período ditatorial de Getúlio Vargas, ocupam o poder no RS: o interventor Cilon Rosa(1945-1947), o Dr. Walter Só Jobim (1947-1950), o Gen. Ernesto Dornelles (1951-1955), o Eng. IldoMeneghetti (1955-1959), o Eng. Leonel de Moura Brizola (1953-1963), o Eng. Ildo Meneghetti (1963-1967). Durante esse período a Secretaria de Educação teve treze titulares na pasta.5 “O CPOE terá a seu cargo, diretamente e através das superintendências de ensino e das delegaciasregionais, a direção, orientação técnica e execução das experimentações necessárias ao aperfeiçoamentodos sistemas e métodos de ensino e das mensurações objetivas do seu rendimento, e se articulará de umlado diretamente ao Secretário de Educação e, de outro, ao Conselho Estadual de Educação, aos quaiscomunicará os resultados das pesquisas e mensurações realizadas, propondo as medidas que a respeito,se fizerem necessárias” (Decreto-Lei n. 1.394, de 25 de março de 1947, art. 20). Centro de pesquisa eórgão técnico-normativo, consultivo, diretivo e orientador das atividades didático-pedagógicas. Epicentrodas decisões educacionais e órgão que estabelecia formas de controle sofisticadas da profissão docente,da vida dos alunos, da escola e da comunidade escolar, com vistas a produzir e consolidar uma determinadaexpertise educacional (PERES, 2000, p.136). Sobre o CPOE, ver PERES, Eliane T. Aprendendo formas de

pensar, de sentir e de agir. A escola como oficina da vida: discursos pedagógicos e práticas escolares daescola pública primária gaúcha (1909-1959).6 Sobre o CBPE, ver XAVIER, Libânea. O Brasil como laboratório: educação e ciências sociais no projeto dosCentros Brasileiros de Pesquisas Educacionais CBPE/Inep/MEC (1950-1960).

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14 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

culturais7, na perspectiva de pensar a educação articulada com a sociedade,fruto de um planejamento técnico com vistas ao desenvolvimento.

Para analisar os reflexos no Rio Grande do Sul da política educacionalimplementada por Anísio Teixeira junto ao Inep e ao CBPE, pretende-se avaliaro papel desempenhado pelo CRPE na efetivação dessa ação político-pedagógica, a política de construção de prédios escolares no estado nesseperíodo, o episódio conhecido como o “caso Anísio Teixeira”, protagonizadopelo arcebispo de Porto Alegre, Dom Vicente Scherer, que se lançou emcampanha contra as idéias do educador baiano, levantando a questão dopúblico e do privado em termos educacionais e colocando o Rio Grande do Sulem uma posição de proeminência nas discussões nacionais.

Com essa aproximação não se pretende abarcar toda a gama de influências eda ação política educacional de Anísio Teixeira no Rio Grande do Sul, mas analisara participação do estado em uma fase significativa e profícua da educação nacional.

Espelho Multifacetado. O Centro Regional de Pesquisas

Educacionais /RS (1956-1974)8

Inicialmente funcionando como Centro de Estudos Pedagógicos,reorganizou-se como CRPE/RS em 1956, dirigido pela professora Eloah RibeiroKunz9, no período que antecede ao convênio firmado com a UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul e o Inep (1959)10. A escolha de uma técnica ediretora do Centro de Pesquisas e Orientações Educacionais da Secretaria deEducação e Cultura, no período de 1946 a 1954, professora de MedidasEducacionais do Departamento de Estudos Especializados do Instituto de

7 Sobre a educação no RS no período de 1930 a 1945, ver BASTOS, M.H.C. O Novo e o Nacional em (re)vista:

A Revista do Ensino do Rio Grande do Sul (1939-1942).8 Esse texto contou com a colaboração da bolsista de iniciação científica Fernanda Busnello (FAPERGS/2003)9 Durante a gestão da professora Eloah Ribeiro Kunz, colaboraram no CRPE as seguintes professoras: AddaDrügg de Freitas (bibliotecária), Amneris Fortini Albano, Antonieta Barone (responsável pela direção), CéliaTravassos Alves, Eleutéria Biehl (auxiliar de pesquisa), Elfa Freda (auxiliar de pesquisa), Emília Flores,Gladis Barth Torelly (assistente de direção), Ivone Van Der Perre, Lia Campos, Lucy Merlotti, Luiza Albuquerque,Margarida S. Sirângelo, Maria Fernandes de Oliveira, Maria de Lourdes Furtado Rahde (assistente dedireção), Maria Lígia Santos Chaves, Marianina Freda (auxiliar de pesquisa), Odila Barros Xavier, RuthMendes Prates (coordenadora de estágios), Selma Brodt Ribeiro (assistente da direção), Suely Krieger(auxiliar de pesquisa), Jessé Marques Teixeira da Silva (serviços contábeis). O nome desses professoresconsta na capa do Boletim do Centro Regional de Pesquisas Educacionais/RS, número 1, de 1956, e noBoletim do CBPE, número 1, de agosto de 1957.10 Para Eloah Ribeiro Kunz seu afastamento do Centro foi motivado pelo seguinte fato: “o prestígioalcançado pelo CRPE junto ao Inep nos meios educacionais do estado e naqueles de onde vinham osbolsistas, levou dois professores da URGS a pleitearem junto ao Instituto a incorporação do órgão àuniversidade. Tendo alcançado seu desiderato e conferido autonomia administrativa e técnica a URGS, osdois professores foram designados diretores, um do CRPE e o outro de uma de suas seções”. Após esseincidente, a professora recebeu uma carta de Anísio Teixeira, na qual manifestava sua surpresa pela formacomo se processou a incorporação, pois, segunda sua vontade, ela só se processaria com a sua participaçãodireta e colaboração. Depoimento de Eloah B. Ribeiro Kunz, fornecido à pesquisadora Beatriz DaudtFischer, para sua tese de doutorado em educação, em janeiro de 1998.

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15Luzes e Sombras de um Projeto

Educação General Flores da Cunha, expressa o reconhecimento do profícuotrabalho que vinha sendo realizado no estado. O prestígio estadual e nacionaldessa instituição parece ter sido um importante fator para a escolha de umtécnico desse centro para instalar e dirigir o CRPE/RS.

De 1956 a 1959, o CRPE/RS edita um Boletim Anual, em que registra asatividades desenvolvidas. No primeiro número, há dados sobre a criação docentro e as expectativas quanto ao papel a desempenhar. “Poderá exercersalutar influência na modificação do clima espiritual que envolve a obraeducativa e contribuir para desfazer dúvidas e confusões, pela realização depesquisas e cursos, pela elaboração e lançamento de livros e de materialdidático, verdadeiros guias de ensino, em perfeita harmonia com os princípiose técnicas da Escola Nova” (Boletim CRPE/RS, 1956, p.14).

A formação do professor por meio de cursos, estágios e seminários, aelaboração de pesquisa, levantamentos e estudos são as linhas mestras doCRPE/RS (Anexos 1 e 2) seguindo a proposta definida por Anísio Teixeira parao CBPE11. Com essa estratégia, o centro pretendia elaborar e oferecer aosprofessores, instrumentos de trabalho que lhes poupassem tempo e esforço12.

Em fevereiro de 1957, é inaugurada em Porto Alegre, pelo CRPE/RS, umaEscola Experimental, de nível primário, como campo experimental de estudospedagógicos13. Também o Colégio de Aplicação da UFRGS, criado em 1954,funciona como escola laboratório, com a implantação de classes experimentaise atua conjuntamente na realização de pesquisas, através da participaçãoefetiva da professora Graciema Pacheco e de vários professores epesquisadores14. Dentro do Programa de Cidade laboratório15, o CRPE/RS realizalevantamento e estudo de vários comunidades/municípios do estado16.

11 Sobre o CBPE, ver XAVIER, Libânea. O Brasil como laboratório (1999).12 De 1955 a 1958, o centro teve 102 professores bolsistas de diferentes estados brasileiros: Maranhão,Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Minas gerais, EspíritoSanto, Goiás, Paraná, Santa Catarina. Também os professores gaúchos foram freqüentar cursos em SãoPaulo, Rio de Janeiro e no exterior do estado. Foram bolsistas as professoras: Norma Zerwes, de PortoAlegre, no Rio de Janeiro e na Escola Parque na Bahia, em 1959; Diva Machado, de Santa Maria (1959);13 Entre as iniciativas promovidas por Anísio Teixeira durante sua gestão como diretor do Inep, destacam-se o “treinamento e a reciclagem de professores, mediante cursos intensivos” e a “criação de escolas dedemonstração e experimentação pedagógicas” que deveriam formar os futuros professores, vivenciandoas múltiplas realidades da prática de ensino (FÁVERO, 2002, p. 67).14 Sobre o Colégio de Aplicação, ver SCHÜTZ, Liane Saenger. Sótãos e porões: sacudindo a poeira doColégio de Aplicação (1994).15 Esse programa, associado à Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo, se constitui em um“campo permanente de estudos e experimentação educacional dos cientistas sociais e educadores,priorizando o referencial teórico-metodológico de estudos de comunidade, cuja ênfase de pesquisa recaíaem estudos de linguagem, processos de alfabetização, formas de organização social, valores e crenças,condições de vida, ideologia de poetas populares, mobilidade social, rendimento social” (ARAÚJO, MOTA;BRITTO, 2002, p31).16 Júlio de Castilhos Tapes, Viamão, Santa Cruz do Sul, Antônio Prado, São Leopoldo, Ijuí, Estância Velha,Caçapava do Sul, Pelotas, Alegrete, Santa Maria, Passo Fundo, Cachoeira do Sul, Caxias do Sul, Rio Pardo,Santo Ângelo, Camaqua, São José do Norte, Barra do Ribeiro, São Luis Gonzaga, Três de Maio, RioGrande, Taquari, Alecrim, Alpestre, Campina das Missões, Rodeio Bonito, Roque Gonzáles, Santa Rosa,Santo Cristo, Tucunduva, Tuparendi.

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16 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

Em 17 de novembro de 1959, é celebrado um acordo especial entre oInep e a Universidade do Rio Grande do Sul/URGS para a manutenção docentro de pesquisas, integrado ao Departamento de Educação da Faculdadede Filosofia e Ciências Humanas e ao Colégio de Aplicação17, viabilizando aintenção de Anísio Teixeira “que a universidade incorporasse a problemáticaeducacional” (HENRIQUES, 1997, p. 63)18. A partir desse convênio, o centro édirigido pelo professor Dr. Álvaro Magalhães19 até sua extinção em 1974.

Para Anísio Teixeira, os centros “deveriam trabalhar estreitamentearticulados com as universidades locais e com as secretarias de educação ecultura de cada estado” (FÁVERO, 2002, p. 65). As atividades realizadas peloCRPE/RS atestam o trabalho conjunto com outros órgãos governamentais. Norelatório das atividades empreendidas em 1959, consta que “os esforçosconvergiram para que houvesse maior irradiação do Centro na vida educacionaldo estado. Em colaboração com a secretaria de educação e seus váriosdepartamentos, com a Universidade do Rio Grande do Sul/URGS e entidadesculturais e educativas, a entidade promoveu o estudo de nossa realidadeeducacional” (RBEP, n. 78, p.118). Essa ação compreendeu o levantamentoda documentação constante de leis, decretos, planos e instruções referentesao Ensino Primário, com a participação de técnicos do CPOE e do CRPE; oestudo sobre idéias e sugestões em torno da criação de um Instituto Superiorde Ensino Normal; contatos com escolas normais e primárias, por meio devisitas e estágios; visitas às delegacias regionais de ensino e a entidadesculturais e educativas da capital e do interior e o levantamento do professormunicipal leigo20.

Além do estreito vínculo com a universidade, o centro manteve contatopermanente e inúmeras parcerias com o CPOE/RS, com o objetivo de assessorarações político-educacionais em cursos de aperfeiçoamento do magistério e

17 O CRPE/RS teve vários endereços: Praça Dom Feliciano, nº. 14, Av. João Pessoa, nº. 535. Posteriormente,se estabelece no prédio, especialmente construído, com recursos do Inep, para abrigar o Centro e o Colégiode Aplicação da UFRGS – “A Universidade assinou convênio de cooperação com o CRPE do Inep. Por esseconvênio, haverá relação daquele órgão com o Colégio de Aplicação, ficando localizado o mesmo na sedeconstruída para o referido colégio, que recebeu a colaboração financeira do Inep, para atendimento parcialdas despesas de construção. Agora o colégio e o Inep passarão a ocupar a nova sede, concorrendo ambos,reciprocamente, para a pesquisa e o treinamento dos alunos da Faculdade de Filosofia, duas atividades quese completam e se harmonizam mutuamente no importante setor de ensino” (UFRGS, 1965, p. 111).18 Essa parceria estava prevista no decreto nº. 38.460, de 28 de dezembro de 1955, que institui o CentroBrasileiro de Estudos Pedagógicos e os centros regionais de Recife, Salvador, Belo Horizonte, São Paulo ePorto Alegre, quando determina que esses centros regionais poderão funcionar em regime de convênios comos governos ou entidades públicas ou privadas ou serem diretamente mantidos e administrados pelo Inep.19 Sobre sua biografia, ver: FÁVERO, M.de L. de A.; BRITTO, J. de M. (Org) Dicionário de Educadores noBrasil. P. 57-6120 Por exemplo, dentro da Reforma do Ensino Normal, o CRPE/Inep, o Instituto de Educação General Floresda Cunha, o CPOE/RS e a Superintendência do Ensino Normal/SECRS estabeleceram um programa conjuntode atividades que permitissem a visão geral das conseqüências da reforma na vida educativa do estado.

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17Luzes e Sombras de um Projeto

em pesquisas21. Nos cursos de treinamento ministrados por ele, cabia aoCPOE e às delegacias regionais de ensino a seleção dos candidatos bolsistas.Além disso, tinham a incumbência de mostrar aos professores bolsistas,oriundos de vários estados da federação, a realidade educacional rio-grandense-do-sul e de lhes proporcionar cursos de preparação para asatividades didáticas em seus estados22.

O centro também participa de atividades em outros estados brasileiros,ministrando cursos, recebendo e enviando bolsistas23, realizando pesquisas.Participa da campanha pró-biblioteca pública municipal no Rio Grande do Sule em Santa Catarina; ministra cursos de treinamento de professores leigosno Rio Grande do Norte (1963)24 e ministra cursos em Santa Catarina25.

O CRPE/RS, como uma sucursal do CBPE no estado, tem sua estruturaorganizada seguindo a determinação do artigo 3º, do Decreto n. 38.460/1955,que a partir do modelo do Centro de Documentação Pedagógica da França26,recomenda a organização de uma biblioteca educacional, um serviço dedocumentação, um museu pedagógico e de serviços de pesquisa e inquérito,de cursos e estágios e aperfeiçoamento do magistério e, quando possível,dos serviços de educação audiovisual, distribuição de livros e material didáticoe de outros que se fizerem necessários ao cumprimento de suas finalidades.

Na gestão do Dr. Álvaro Magalhães, o centro contou com os seguintesdepartamentos: Divisão de Estudos e Pesquisas Sociais (Deps)27, sob a direçãodo Dr. Laudelino Medeiros (até 1963); Divisão de Estudos e PesquisasEducacionais (Depe), sob a direção da professora Graciema Pacheco (1960-1974); Divisão de documentação e informação pedagógica (DDIP)28, sob adireção do Dr. Edmundo Casado Marques (1960-1974); Divisão de

21 O CRPE/RS, em colaboração com as Delegacias Regionais de Ensino/SECRS, promove uma série deconferências a cargo do professor Oscar Machado, diretor da DDAM, sobre “Educação para a Democracia”.22 Depoimento de Eloah B. Ribeiro Kunz, fornecido à pesquisadora Beatriz Daudt Fischer, para sua tese dedoutorado em educação, em janeiro de 1998.23 Sobre ver: KONRATH, Dorothy Costa. Bolsas de estudo e vida social. Boletim do CRPE/RS.24 Sete professores do RS integraram essa missão pedagógica: Jorge Belfort Coelho de Moraes, LedaFalcão de Freitas, Mathilde Zatar, Dilma Macedo Machado, Nadir Saldanha da Rocha, Carmem Schediak,João Baptista Coelho Aguiar. Esses professores foram escolhidos pelo CRPE/RS. A iniciativa do curso deaperfeiçoamento é do MEC, Sudene e Usaid, com a colaboração da SEC/RS.25 Em agosto de 1964, ministra curso intensivo em Teoria e Prática de Currículo e Administração Escolar, soba direção de Dalilla Sperb.26 O Centro de Documentação Pedagógica da França compreendia: Museu Pedagógico; Biblioteca Centralde Ensino Público; Bureau de documentação, informação e aparelhamento pedagógico; Serviços audiovisuais;Serviço de edição e venda de publicações.27 Durante o período de 1956 a 1960, o Deps desenvolveu o projeto de pesquisa “A criança sul-rio-grandense”.28 Essa divisão é responsável pelo arquivamento de biografias de personalidades significativas do RioGrande do Sul. São enviados 82 questionários biográficos às personalidades. O periódico Correio publicavários perfis de educadores rio-grandenses, que se constituem em uma preciosa fonte de pesquisa.Também organiza um Fichário de Estabelecimentos de Ensino, publicando no boletim Correio do CRPEsempre uma notícia com foto de uma escola.

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18 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

Aperfeiçoamento do Magistério (DAM)29, dirigida pelo professor Oscar Machado(1962 a 1965)30 Em janeiro de 1964 é publicada a organização do Centro,composta dos seguintes setores:

- Direção Geral assistida de um Conselho Técnico Administrativo;- Serviços Administrativos, a cargo de uma secretaria executiva,

compreendendo: secretaria (expediente, protocolo, arquivo e pessoal);contabilidade, tesouraria e compras; almoxarifado e patrimônio;portaria;

- Divisão de Documentação e Informação Pedagógica (DDIP),compreendendo: seção de informação e intercâmbio; seção depublicações; seção de audiovisuais; biblioteca, arquivo; serviço dedistribuição de livros;

- Divisão de Planos, Organização e Reformas Educacionais (DPORE);- Divisão de Estudos e Pesquisas Educacionais (Depe);- Divisão de Estudos e Pesquisas Sociais (Deps).

Também tinha uma secretária-executiva – Professora Dalilla Sperb (até 1965),Luizaura Cauduro Dipp Föking (1965 –1974). Uma seção de publicações, sob achefia da professora Nelly Cunha, que entre suas funções era responsável pelabiblioteca e pelo museu pedagógico31. Em agosto de 1963, o Centro de Audiovisualde Porto Alegre é incorporado ao Centro-DDIP, sob a chefia da Professora MariaHelena de Oliveira32. Havia, também, um conselho técnico-administrativo, integradopelos professores: Desembargador Balthazar Barbosa; Ministro Eurico Trindade;Dr. Salvador Petrucci; Alda Cardoso Kremer; e, Ida Silveira.

A denominação do CRPE/RS sofre uma pequena alteração entre 1972 e1974, decorrente das medidas de reformulação dos centros regionais de todo opaís, passando a se denominar Centro Regional de Pesquisas Educacionais doSul (Cerpes). A estrutura e as pessoas responsáveis mantêm-se praticamente

29 O DAM é responsável pelos cursos ministrados pelo Centro; pela seleção, preparação e divulgação dematerial informativo de interesse didático; planeja a realização anual de cursos de Administração Escolare de Supervisão Escolar para professores primários; coordena a concessão de bolsas de estudo oferecidaspelo Inep a professores rio-grandenses; de 1956 a 1962 atuaram nessa divisão os professores: AntonietaBarone, Ilka de Guittes Neves - Divisão de Aperfeiçoamento do Magistério (DAM).30 Nessa organização, é criada uma nova seção, DPORE, que nos parece não existiu na prática. Até omomento não localizamos nenhuma referência sobre a mesma.31 Consta que em 1961, o museu pedagógico contava com 572 obras de caráter didático, onze cartazespara o ensino da leitura, coletânea de jogos, histórias e gravuras. No período de 1956 a 1960, realizou asseguintes atividades: apreciação de fichas de literatura infantil, adaptação de histórias infantis; apreciaçãode fichas relativas à leitura de obras sobre geografia; estudo sobre a geografia do Brasil. Atuaram nessadivisão as professoras: Adda Drügg de Freitas, Sara S. de Freitas, Dirce B. Carrion, Itália Aronne de Leão.32 A DDIP realiza vários cursos de Recursos Audiovisuais para o magistério primário, em convênio com aSEC/RS e CPOE/RS.

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19Luzes e Sombras de um Projeto

inalteradas, fato que pode ser creditado à direção do professor ÁlvaroMagalhães, homem identificado com a política educacional do regime militar.

O CBPE/Inep firmou vários acordos de parcerias com organismosinternacionais, notadamente a Unesco (Organização das Nações Unidas paraa Educação, a Ciência e a Cultura), a OEI (Oficina de Educação Iberoamericanaorganismo intergovernamental de cooperação educativa e cultural), a Unicef(Fundo das Nações Unidas para a Infância). Integrado a esses convênios, oCRPE/RS acolheu inúmeros visitantes, conferencistas, pesquisadores33.

O CRPE/RS realiza, a partir de agosto de 1961, na Rádio da Universidade, doisprogramas semanais, aos sábados às 19h e às terças-feiras às13h, como veículode divulgação de notícias e assuntos de interesse do magistério, aproximando osmunicípios do interior com o centro. Eram realizadas palestras sobre o Ensino Primário,visando ao aperfeiçoamento do Magistério via radiofonia. A Divisão de Documentaçãoe Informação Pedagógica mantinha uma seção semanal no periódico Correio dePovo, em que publicava uma bibliografia classificada.

Com publicações periódicas e sistemáticas, o CRPE/RS procura manter omagistério a par das mais recentes iniciativas e realizações no campo daeducação e oferecer-lhe oportunidades de participar desse movimento e comisso possibilita-lhe tornar conhecidos os resultados de suas experiências etécnicas de trabalho (KUNZ, 1958, p.195). Nessa perspectiva, inicialmente,edita um Boletim do CRPE/RS, 1956 a 1959, e 1961 a 1974, e o periódicoCorreio do CRPE do Rio Grande do Sul, com sessenta e seis númerospublicados34. Na fala do professor Álvaro Magalhães (1963, p. 3): “Como opróprio nome indica, a nossa publicação tem uma finalidade modesta: fazercircular notícias e informações, especialmente as de caráter educacional,entre nossos amigos”. O objetivo era dar destaque às iniciativas regionais,isto é: às ações promovidas pelo centro regional, às iniciativas e aosmovimentos culturais do estado. O periódico teve um ciclo de vida bastanteintermitente, oscilando entre publicação mensal, bimensal, trimestral esemestral, com um número de páginas, variando entre 30 e 120 páginas.

Identificado com o Boletim Informativo do CBPE/Inep, o Correio do CRPE/RS registra as atividades, as pesquisas e os cursos realizados pelo centro, ossujeitos envolvidos, os eventos da universidade, da SECRS e da cidade dePorto Alegre. Em todos os números é apresentada uma biografia de uma

33 Hilda Taba, Henry Clay Lindgren, Clément Férraud, Robert Brackenbury, Jacqueline Cambon, RobertHavighurst, James C. Page, Angel Oliveros, Helmuth Schelsky, Hans Albert Steger, Stanley Ainslie Applegate,Roland Sanchez Araya, Angel Diego Márquez, Geneviève Latreille, Heinz H. K. E. Wackerritt, e outros.34 Não foi possível localizar os dezesseis primeiros números do Correio do CRPE/RS. Notícia publicada sobreas atividades do ano de 1959, comunica que CRPE/RS expediu boletins informativos, planos e comunicados,o que permite estabelecer provisoriamente como data de início da publicação.

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20 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

personalidade ilustre do estado, resultado da pesquisa empreendida pelocentro. Mantém com o periódico nacional a similaridade de publicar as doaçõese aquisições da biblioteca, comentários de livros e bibliografias temáticas35.

O CRPE/RS também publica suplementos didáticos e uma série intitulada“Pesquisas e Monografias”36, coordenada pela professora Graciema Pachecoe resultado das atividades promovidas, editando 16 títulos com ênfase noRS37. Essas publicações são remetidas às secretarias de educação de todosestados brasileiros e aos institutos de pesquisas.

O CRPE/RS teve um papel significativo na configuração do campo educacionalrio-grandense, especialmente na constituição da faculdade de educação (1970)e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS (1972)38, integrado porprofessores e pesquisadores que se formaram e atuaram no centro.

Lendo os estudos de Xavier (1999), sobre o CBPE/Inep, e de Ferreira (2001),sobre o CRPE/SP, se percebe que a concretização do projeto de reconstruçãoeducacional de Anísio Teixeira no Rio Grande do Sul esteve em sintonia como plano nacional, como um dos tentáculos envolvidos no processo devalorização da pesquisa e da formação de recursos humanos para a Ciênciada Educação. No entanto, em uma análise mais atenta, constata-se que oestado é um espelho multifacetado, com algumas singularidades significativas

35 Na revista Educação e Ciência Sociais do CBPE/Inep, constata-se a ausência de artigos publicados pormembros do CRPE/RS, frente à massiva participação de pesquisadores de São Paulo e Rio de Janeiro. Sobreisso, ver: Xavier, Libânea – A Pesquisa do CBPE em Revista.36 O CBPE/Inep edita a revista “Educação e Ciências Sociais” e também publica a série “Pesquisas e Monografias”.37 Série “Pesquisas e Monografias”: MEDEIROS, Laudelino. Educação na área rural de Santa Cruz do Sul. PortoAlegre: CRPE/RS, 1962. 56p; BAQUERO, Godeardo SJ; FRANTZ, Theobaldo SJ. Assim falam eles e elas:pesquisa dos problemas do adolescente brasileiro. Porto Alegre: CRPE/RS, 1962. 187p; SILVA, Ruth Ivoty Torres.Aproveitamento de alunos no Curso Ginasial. Porto Alegre: CRPE/RS, 1964; PEREIRA, Odiles Fonseca. SistemaEducacional de Viamão. Porto Alegre: CRPE/RS, 1965; PACHECO, Graciema; SANTOS, Olga Machado. Asclasses de alfabetização através do parecer dos professores. Porto Alegre: CRPE/RS, 1965. 45p; SALDANHA,Louremi E. Uma nova dimensão do ensino de Filosofia na Escola Secundária. Porto Alegre: CRPE/RS, 1966/67;SUBSÍDIOS para o planejamento educacional no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: CRPE/RS, 1967; AZAMBUJA,Darcy. Aula sobre sociologia. Porto Alegre: CRPE/RS, 1967; OTT, Margot Bertolucci. Avaliação e OperaçõesMentais. Porto Alegre: CRPE/RS, 1971; MELLO, Luzia Garcia de. Desempenhos do professor em situação deestágio de prática de ensino. Porto Alegre: CRPE/RS, 1971; MARTINS, José Salgado. Breve história das idéiasno Rio Grande do Sul (século XIX e princípios do atual). Porto Alegre: CRPE/RS, 1972.38 A Faculdade de Educação é criada em 01 de setembro de 1970, a partir da implantação da ReformaUniversitária (Lei nº 540/68). Suas raízes se situam no Departamento de Educação e, anteriormente, na Cátedrade Didática Geral e Especial da antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, fundada em 1943, a Faced/UFRGS se estrutura em três departamentos: Estudos Básicos (Debas), Ensino e Currículo (DEC), e EstudosEspecializados (DEE); um órgão Auxiliar - Colégio de Aplicação. Em 1971, começa a se estruturar o curso de pós-graduação em educação - mestrado, que é implantado em 1972, com três áreas de concentração: Ensino,Planejamento Educacional e Psicologia Educacional. Em 1976, o curso é reconhecido, sendo o primeiro a obtero credenciamento do MEC em todo o Brasil. Esse fato possibilitou a ampliação do programa, com doutoradoem Ciências Humanas - Educação, com área de concentração: Processo ensino-aprendizagem (1977).Tanto o ensino de graduação como o de pós-graduação, a pesquisa e a extensão, na década de 70 e iníciodos anos 80, tinham por objetivo básico “o treinamento de recursos humanos para a área de educação, de

tal sorte, a formar especialistas e lideranças”. Essa formação se vincula à tendência técnico-psicologista,

a preocupação com o estudo do processo ensino-aprendizagem, a crença na inovação metodológica e oplanejamento educacional, como instrumento de mudança no interior das escolas e dos sistemas educacionais

(BORDAS, 1988, p.16-17).

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21Luzes e Sombras de um Projeto

em relação ao todo: o estreito vínculo – de pessoas e de ações – com o CPOE/RS da Secretaria de Educação e Cultura.

A edificação de um projeto. A política de construção de

prédios escolares39

No Rio Grande do Sul, a contribuição do Estado para a expansão dasoportunidades educacionais foi marcante. Os dados apresentados porFernandes (1966) permitem traçar um perfil dessa contribuição. Das 9.925unidades escolares instaladas no estado em 1957, 8.814, 88,80%, tinhamcaráter público. Dos 21.972 professores, 18.668, 84,66%, estavam vinculadosàs escolas públicas, bem como 468.320, 82,82% dos alunos, estavammatriculados nessas escolas, estaduais ou municipais. O ensino privado, porsua vez, mantinha 1.111, 11,20% das unidades escolares, 3.304, 15,34%dos professores e 17,18% das matrículas, o que representa 96.077 alunos.

Notadamente a partir dos meados do período republicano, cabe destacar queos sucessivos governos estaduais, cada um a seu modo e de acordo com as suasdiretrizes político-partidárias, em que pese às limitações econômico-financeirasdos cofres públicos, se esforçaram em prover algumas condições materiais mínimaspara a consecução das finalidades educativas. É pertinente referir que, no períodoque vai da implantação da República até os anos 20, nos marcos dos governos deinspiração positivista do Rio Grande do Sul40, foram lançadas as bases de umsistema de ensino público. A partir de 1930, a tendência foi de aumento significativoda rede estadual e do corpo docente a ela ligado. Segundo Peres (2000), o principalmóvel desse crescimento foi a implantação, a partir de 1909, dos ColégiosElementares, mais tarde denominados grupos escolares.

Obviamente que os esforços governamentais não eram suficientes paraa superação da precariedade que assolava o sistema educacional do estado,marcado pelo número insuficiente de prédios escolares, dos altos índices deevasão e repetência, da parca qualificação do corpo docente, dos baixossalários e da obsolescência dos serviços administrativos.

Especialmente a partir dos anos 50, a situação de precariedade dasinstalações escolares públicas no Rio Grande do Sul tende a assumir umaposição de destaque nos relatórios governamentais. No geral, a discussão sobreas condições das instalações prediais está diretamente relacionada com adiscussão da ampliação das oportunidades de acesso à educação.

39 Essa discussão se encontra na dissertação de mestrado intitulada A educação pública no Rio Grande do

Sul durante o governo de Leonel Brizola (1959-1963): Nenhuma criança sem escola no Rio Grande do Sul(PPGEdu/UPF, 1999).40 Ver, em especial, TAMBARA, Elomar. Positivismo e educação: a educação no Rio Grande do Sul sob o

castilhismo (1995).

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22 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

A título de exemplo, o relatório Construindo Escolas para o Rio Grande doSul, elaborado e publicado pelo Serviço de Prédios Escolares da SEC em 1954,como prestação de contas do governo de Ernesto Dornelles, do PartidoTrabalhista Brasileiro “PTB” 1950 a 1954, apresenta dados estatísticos sobrea situação do ensino no estado, com destaque para a evasão, as precáriascondições dos prédios escolares e a urgência na instalação ou na construçãode escolas em decorrência da falta de vagas, especialmente no meio rural.Segundo o relatório, em 1954, havia no Rio Grande do Sul, 694.800 criançasem idade escolar, das quais 152.234 eram atendidas pelo estado e 244.328,pelas prefeituras municipais. As 298.238 restantes não recebiam o EnsinoPrimário obrigatório e gratuito que reza a constituição. (Construindo Escolas,1954, p. 18). Constata-se ainda, que o estado precisaria construir cerca denovecentas escolas, nomear dez mil professores e atender a trezentas milcrianças. O documento não faz referência ao ensino privado.

Na opinião do governo, a solução do problema seria a de construircentenas de escolas em zonas rurais, com residência para os professoresque ali fossem trabalhar e, em virtude desse grande número de escolasnecessárias e da urgência em ser adotada uma solução, resolveu-se, no RioGrande do Sul, construir escolas de madeira (Construindo Escolas, 1954, p. 6-7). Segundo o relatório do governo, o custo da construção de um prédio dealvenaria equivalia à construção de três prédios de madeira. Em termos detempo, enquanto se construía um prédio de alvenaria, oito de madeira poderiamser construídas. Ainda segundo dados do mesmo relatório, durante o governode Ernesto Dornelles, 56 escolas teriam sido construídas nessas condições.

Embora no relatório do CRPE/RS de 1958 conste que o estado construiu 117prédios de escolas primárias com o auxílio do Inep, não foram localizados nosdocumentos governamentais (relatórios e mensagens enviadas para a assembléialegislativa) referências ao auxílio recebido do Inep. Isso se repete nos documentosexpedidos pelo governo Brizola (1959-1963) que, eventualmente, referem-se arecursos recebidos do Fundo Nacional do Ensino Primário (FNEP) 41.

41 O Fundo Nacional do Ensino Primário – FNEP – foi criado em 14 de novembro de 1942 pelo DecretoFederal nº. 4 958, e regulamentado em 25 de agosto de 1945, pelo Decreto n°. 19 513. Destinava-se àampliação e melhoria do sistema escolar primário em todo o país. O FNEP, que era gerenciado pelo Inep,estabelecia a cooperação financeira da União com os estados, por meio da concessão de auxílio financeiropara o desenvolvimento do Ensino Primário. Estabelecia ainda, que a União prestaria assistência técnicapara organização do sistema elementar nos estados; os estados se comprometiam a aplicar, em 1944,pelos menos 15% de sua renda proveniente de impostos, na Educação Primária, elevando esse índice para20% até 1949. Os estados deveriam assinar convênios com os municípios para que as prefeiturasaplicassem, em 1944, 10% da sua receita no Ensino Primário, elevando esse índice para 15% até 1949. Osrecursos para o fundo, originavam-se de uma taxa sobre o consumo de bebidas, de doações da Usaid e,mais tarde, do Salário-Educação. A aplicação dos recursos seguia o seguinte critério: 70% destinado aconstruções escolares; 5%, para bolsas de estudo e 25%, para Educação Primária de adolescentes eadultos. Para mais detalhes (PAIVA, 1987, p. 139) e seguintes.

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23Luzes e Sombras de um Projeto

A expansão das opor tun idades de acesso à educação,normalmente dependente da expansão das instalações físicas dosprédios escolares, tomou um ímpeto muito forte no Rio Grande do Sula partir de 1959, quando Leonel de Moura Brizola assumiu o governodo estado.

Durante o governo de Leonel Brizola, 31 de janeiro de 1959 a 31 dejaneiro de 1963, foi desenvolvido no Rio Grande do Sul, um importanteprograma de expansão das redes públicas de ensino, estadual emunicipal, no âmbito de um programa denominado “Nenhuma criançasem escola no Rio Grande do Sul”. Esse programa tinha como metas aescolarização de todas as crianças em idade escolar dos 7 aos 14 anose a erradicação do analfabetismo.

Para atingir tais metas e levar a escola aos subúrbios e aos campos,

[...] o critério observado pelas autoridades educacionais do estado foi

o de levar a escola até os recantos mais longínquos, de modo que as

populações res identes nas zonas in ter ioranas não cont inuassem

privadas dos benefícios da instrução primária. E não há dúvida que um

plano racional de alfabetização, para produzir resultados realmente

positivos, deve começar pela eliminação do deficit escolar no seio das

pequenas co le t i v i dades ru r í co l a s , o r i en tando- se a a ção

governamental, da periferia para o centro, uma vez que nas cidades, o

problema apresenta sempre características mais atenuadas (BRIZOLA,

em entrevista à Revista do Ensino, v. 10, n. 76, p. 8).

Para atingir os seus objetivos - a escolarização e a erradicação doanalfabetismo - o governo partiu para a implementação do programa“Nenhuma criança sem escola no Rio Grande do Sul” que, num primeiromomento, ficou conhecido como o Plano das Duas Mil, em razão dameta governamental de construir duas mil escolas em dois anos.

O pro jeto arqu i tetôn ico das esco las , que mais tarde sepopularizaram como ‘Brizoletas’, ou ‘Escolinhas do Brizola’, erapadronizado, variando apenas a quantidade de salas de aula, conformecada plano de construção. As escolas eram construídas em madeira e,no geral, tinham uma ou duas salas de aula, com capacidade para 35alunos. Nos quatro anos do governo Brizola, foram construídos 1.045prédios escolares, com 3.360 salas de aula e capacidade para 235.200alunos; foram iniciados 113 prédios, com 483 salas e capacidade para33.810 alunos e, planejados 258 prédios, com 866 salas de aula ecapacidade para 60.620 alunos.

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24 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

A opção pela construção de prédios de madeira no interior do estadodecorreu de, pelos menos, quatro fatores: primeiro, a relativa abundância demadeira; segundo, o seu menor custo em relação às construções em alvenaria,as quais foram realizadas apenas nas cidades de maior porte; terceiro, adisponibilidade de mão-de-obra especializada em carpintaria ou marcenariae, quarto, a dificuldade de transporte para o interior, dos materiais necessáriospara a construção de prédios de alvenaria.

As escolas se constituíram num símbolo do governo e do própriogovernador. Tais escolas não eram prédios quaisquer, mas a sua presençarepresenta um mundo novo que se abria:

A Picada Feijão, a Picada Schneider, Vila Nova e outras picadas e vilas têm

agora a sua escola. Vê-se nas faces, o sorriso de novas esperanças, a

escola representa o mundo de lá – da cidade – que vem até eles, na picada,

trazer para a suavidade bucólica e para a grandeza serena da paisagem,

a mensagem de valorização do homem em sua própria terra. O despertar

da consciência do homem da picada para seu valor, para sua importância

no todo da nação, para a valorização dos recursos naturais que a natureza

pródiga lhe oferta e renova cada dia, o despertar mesmo para a beleza

que o rodeia, é trabalho da escola em sua missão civilizadora. Os cidadãos

de amanhã nas picadas e vilas, saberão ler. O jornal penetrará nos vales e

ele se integrará na grande comunhão de pensamentos de sua pátria.

(Revista do Ensino, 1961, p. 67).

Figura 1 – “Brizoleta” Vila Operária.

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25Luzes e Sombras de um Projeto

Os prédios escolares eram construídos às margens das estradas, ouvoltados para a rua, característica da arquitetura que tanto pode servirpara “facilitar o acesso”, quanto pode indicar que a escola está abertapara receber o “mundo de lá – da cidade”.

A escola representa a ação do Estado que se faz sentir nos subúrbiose ao longo dos campos:

rapidamente surgiram elas, construídas pelo estado ou em convênio com

os municípios, para dar ao homem, o que o homem procura – sua formação

integral. Modernas, amplas e confortáveis, escondem-se pequeninas entre

arranha-céus ou destacam-se significativas na imensidão dos pampas. São

marcos assinalando na paisagem e no tempo a nova mentalidade do gaúcho

(Revista do Ensino, 1961, p. 15).

As escolas, projeção do urbano sobre o rural - missionárias da civilizaçãourbana -, vinham imbuídas de um sentido modernizador e traziam consigo,uma missão civilizadora e integradora. As edificações escolares, plantadasnas picadas e nos vales, na sua simplicidade, deveriam se constituir emreferência para as pessoas e para toda a comunidade: “É uma alegria vê-lasem sua construção simples e sugestiva a enfeitar as paisagens. São umainspiração para o centro da comunidade onde todos hão de crescer, para asnovas construções que serão influenciadas pelo prédio da escola” (Revista doEnsino, 1961, p. 67).

Assim, a escola se tornava a expressão simbólica da ação estatal,da civil ização e da modernização, ao projetar o seu exemplo ein f luênc ia gera l sobre toda a soc iedade, como um ed i f í c ioestrategicamente situado e dotado de uma inteligência invisível queinformaria culturalmente o meio humano social que o rodeia (FRAGO;ESCOLANO, 1998, p. 33). Logo, a ação educacional do Estado assumiuum caráter eminentemente político, porque se baseava no princípiode que a intervenção estatal se constitui numa ação necessária eimprescindível para civilizar e preparar o povo para colaborar com oprogresso desse próprio Estado.

Essa visão pressupõe que é tarefa estatal preparar o povo, civilizá-lo, para integrá-lo na moderna sociedade industrial. Como decorrênciadessa ação, o povo civilizado pela escola alcançaria um alto nível dedesenvolvimento, condição para a soberania e para a autonomia emrelação a todas as formas de imperialismo.

Nesse contexto, a questão da arquitetura escolar das ‘brizoletas’certamente adquire um conteúdo educador, pois parece inegável que:

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26 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

[...] a arquitetura escolar pode ser vista como um programa educador, ou

seja, como um elemento do currículo invisível ou silencioso, ainda que ela

seja, por si mesma, bem explícita ou manifesta. A localização da escola e

suas relações com a ordem urbana das populações, o traçado arquitetônico

do edifício, seu elementos simbólicos próprios ou incorporados e a decoração

exterior e interior respondem a padrões culturais e pedagógicos que a

criança internaliza e aprende (FRAGO; ESCOLANO, 1998, p. 54).

As “brizoletas” se constituem num espaço planejado que educa. Não têmfachadas imponentes ou majestosas. Muitas, tampouco, são sólidas, já queforam construídas em ritmo de emergência. Pelo contrário, são edifícios simplese modestos, mas que trazem na sua concepção, uma missão civilizadora emodernizadora. Além disso, uma “brizoleta” é o local onde a criança encontra oseu feliz e segundo lar, quer nas situações de aprendizagem em classe, ou nodesenvolvimento de atitudes e hábitos sadios no refeitório, quer nas relações deamizade pessoal com a professora e colegas (Revista do Ensino, 1961, p. 14).

O caso Anísio Teixeira e a Igreja Católica no Rio Grande do Sul.Discutindo a relação entre o público e o privado na educação42

O “caso” Anísio Teixeira, deu-se no calor das discussões sobre a primeiraLDB nacional. Em 1948, o Ministério da Educação e Cultura apresentou a suaproposta para a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – o anteprojetode Clemente Mariani – acirrando as discussões entre os defensores da escolapública e os contrários à maior intervenção do Estado no campo educacional,liderados pela Igreja Católica.

A intervenção de Anísio Teixeira no debate, determinando a explicitaçãoveemente da posição da igreja, que o identificou como o elemento a sercombatido, aconteceu quando ele apresentou uma conferência intitulada “AEscola Pública, Universal e Gratuita”, no I Congresso Estadual de EducaçãoPrimária, ocorrido em Ribeirão Preto, de 16 a 23 de setembro de 195643.Nessa conferência, Anísio advogou em favor da escola pública, colocandoque somente os que assim quisessem é que deveriam procurar a educaçãoprivada (ROCHA, 1989, p. 49).

42 O presente texto é parte da dissertação de mestrado denominada O Público e o Privado em Educação:o caso Anísio Teixeira e a Igreja Católica no Rio Grande do Sul, publicada com o título de Educação e

Ideologia – o caso Anísio Teixeira, pela Editora da Universidade de Passo Fundo, em 2002.43 A citada conferência, aliada a outra proferida em 1953, na Escola Brasileira de Administração Pública,da Fundação Getúlio Vargas, deu origem ao livro Educação não é Privilégio, cuja primeira edição data demarço 1957 e foi lançada pela Editora José Olympio.

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27Luzes e Sombras de um Projeto

Obrigatória, gratuita e universal, a educação só poderia ser ministrada pelo

Estado. Impossível deixá-la confiada a particulares, pois estes somente podiam

oferecê-la aos que tivessem posses ou a “protegidos”, e daí operar, antes

para perpetuar as desigualdades sociais, que para removê-las. A escola

pública, comum a todos, não seria assim, o instrumento de benevolência de

uma classe dominante, tomada de generosidade ou de medo, mas um direito

do povo (TEIXEIRA, 1956, p. 4).

Anísio ainda firmou posição sobre o que entendia como um dos problemasda descaracterização de políticas educacionais voltadas para a educaçãopública nos seguintes termos: “tais problemas estariam na relativa ausênciade vigor de nossa atual concepção de escola pública e na aceitação “semi-indiferente” da escola particular, fatores que foram e são, ao meu ver, umdos aspectos dessa desfiguração generalizada de que sofre a políticaeducacional brasileira” (TEIXEIRA, 1956, p. 4).

A reação católica veio em novembro do mesmo ano, quando o deputadoPe. Fonseca da Silva pronunciou um discurso no plenário da Câmara Federal,alertando o ministro da educação contra a influência de Anísio Teixeira,insinuando estar esse, vinculado ao comunismo e ir de encontro aos interessesdas escolas confessionais. Seguiram-se a isso uma resposta do ministro,favorável ao educador baiano e um novo discurso do deputado Pe. Fonseca daSilva, enfatizando, em 14 de dezembro de 1956: “o Prof. Anísio Teixeira é umautêntico intelectual marxista, visto que a sua adesão à linha marxista deeducação foi enunciada na famosa conferência lida no corrente ano emcongresso de educação realizado em Ribeirão Preto” (apud ROCHA, 1989,p. 49). Em novo pronunciamento, Anísio se situou contra o comunismo, masreiterou sua convicção em relação à responsabilidade do Estado perante aeducação pública. A polêmica seguiu no decorrer de 1957.

Em 23 de fevereiro de 1958, o arcebispo metropolitano de Porto Alegre,Dom Vicente Scherer, fez um discurso que se caracterizou por ser um manifestoem defesa das concepções educacionais da Igreja Católica e um ataque abertoà pessoa de Anísio Teixeira. Em março do mesmo ano, Dom Vicente lançoucom seus pares, o Memorial dos Bispos Gaúchos ao Presidente da Repúblicasobre a Escola Pública Única, promovendo novo ataque a Anísio Teixeira. Oassunto ganhou a imprensa e o debate público.

Nessa situação, Dom Vicente, como um dos mais ferrenhos contendoresdas idéias de Anísio Teixeira em nível nacional, juntamente com o então FreiPaulo Evaristo Arns e Dom Helder Câmara Scherer, expressavam-seabertamente, defendendo as posições da Igreja como guardiã da “liberdadede ensino” e da “escola livre” (ou escola privada), lançando contra AnísioTeixeira uma série de acusações, que iam desde o fato de, supostamente, o

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educador baiano estar ameaçando o direito de a família escolher a educaçãodos filhos, até abraçar livremente posições marxistas (comunistas), contráriasà fé e à Igreja Católica.

Em meio a esses fatos, a imprensa nacional e a sul-rio-grandense, emespecial, “deliciou-se” com dezenas de artigos, noticiando o andamento dosdebates, expondo opiniões dos envolvidos e abrindo espaço parapronunciamentos sobre o assunto.

Quem não está comigo, está contra mim

A participação do Rio Grande do Sul no debate em torno do público e doprivado em educação, na voz de Scherer44, tinha uma conotação de pioneirismo.Segundo Henrique Nielsen Neto (1988, p.352), “o primeiro bispo a semanifestar foi Dom Vicente Scherer45, de Porto Alegre, num sermão contraAnísio Teixeira”, em 23 de fevereiro de 1958.

No dia 27 do mesmo mês, Anísio Teixeira respondeu às críticas de domVicente no artigo “Escola pública não é invenção do socialismo nem docomunismo”46, no qual contrapunha, direta e nominalmente, as acusaçõesdo arcebispo de Porto Alegre.

Durante todo o mês de março de 1958, avolumaram-se na imprensaartigos de ambos os lados, fossem pronunciamentos de Scherer, fossem deAnísio ou seus amigos, falando sobre o assunto. A essa altura, a imprensagaúcha já denominava o evento de “Caso Anísio Teixeira” ou, mesmo, “affaireAnísio Teixeira”.

Em 29 de março de 1958, Dom Vicente Scherer lançou um memorialassinado por todos os bispos do Estado do Rio Grande do Sul, intituladoMemorial dos Bispos Gaúchos ao Presidente da República sobre a EscolaPública Única47. O documento foi o precursor de outras manifestações daIgreja. Em abril, os bispos da província de Belo Horizonte publicaram a CartaPastoral contra o monopólio estatal e pela liberdade de ensino e, em julho domesmo ano, três cardeais e 83 bispos, reunidos em Goiânia, lançaram aDeclaração dos Cardeais, Arcebispos e Bispos do Brasil, na qual

44 Alfredo Vicente Scherer, gaúcho de Bom Princípio, foi empossado em 23 de fevereiro de 1947, arcebispometropolitano.45 No dia 23 de julho de 1957, Dom Augusto da Silva, cardeal da Bahia, se pronunciou em defesa do amigoAnísio pelas críticas sofridas por esse no artigo “A bolchevisação do ensino”, escrito por Dom VicenteScherer no mesmo mês. (SILVA, D. Augusto da. Carta a Anísio Teixeira. Bahia, 23 de julho de 1957 –www.prossiga.br.anisioteixeira).46 Publicado, inicialmente, no jornal O Globo, Rio de Janeiro, 27 fev. 1958.47 Em entrevista ao Correio da Manhã de 18 de abril de 1958, o ministro Clóvis Salgado afirmou que tomaraconhecimento pela imprensa do manifesto dos bispos gaúchos, mas que nada havia, no âmbito do MEC,contra Anísio Teixeira.

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“diplomaticamente revelavam que a igreja sempre colaborara com o governo nasquestões educacionais” (NIELSEN, 1988, p. 353).

As manifestações contrárias a Anísio Teixeira reiteravam, em sua maioria, oarcabouço de denúncias feitas contra o diretor do Inep e solicitavam providênciasao Presidente Juscelino e ao ministro da educação Clóvis Salgado. Ora, afastando-se Anísio do cargo, afastava-se de uma legítima esfera de influência junto aogoverno e aos que discutiam os rumos da educação no Brasil através da redaçãoda futura Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Ainda em abril de 1958, Anísio se pronunciou novamente contra essedocumento, em um artigo publicado em diversos jornais, denominado “Nenhumahostilidade do Inep contra escolas particulares”.

Em 26 de abril de 1958, Dom Vicente discursa novamente sobre o “caso”, nainauguração da Escola Normal Santa Terezinha, em Taquara48, e, em 16 de maio,o tema volta à pauta no discurso do arcebispo na inauguração da escola primáriaNossa Senhora de Fátima, em Encantado. Ambos os discursos, foram manifestaçõesde Scherer (1958) “contra a filosofia educacional agnóstica e materialista difundidapor Anísio Teixeira”49.

Um dos primeiros postulados de Dom Vicente dizia respeito à laicização daescola, entendida como um primeiro passo para a laicização e materialização davida, passo principal do ateísmo, pois “(...) o ateísmo também entre nós contacom apóstolos e evangelistas, que espalham o joio (da falsa doutrina) em meio aotrigo (católico), querendo assim se referir a um grupo poderoso que, instalado noMinistério da Educação e Cultura no Rio de Janeiro, está promovendo não só olaicismo do ensino, mas também a laicização e o materialismo da vida” (SCHERER,1958b, p. 65).

O segundo problema, na visão de Dom Vicente, era a campanha que essesgraduados funcionários do Ministério da Educação e Cultura desencadeavam contraa escola particular. Uma campanha ardilosa contra as escolas particulares e emfavor do monopólio estatal do ensino, embasada numa mentalidade hostil aoensino particular, cuja inspiração estaria, segundo Scherer, nas teorias de Marx, nomaterialismo histórico e em sua teoria econômica, viga-mestra do comunismo(SCHERER, 1958b, 65).

Assim, estabeleceu-se uma campanha entre a “escola livre”, o “ensino livre” eo monopólio estatal do ensino, ponto de partida para a realização daquilo que Schererchamava de revolução comunista a partir da escola. Dom Vicente argumentava que,se a escola única triunfasse, derrotando a escola livre (ou particular), estaria seriamentecomprometida a “liberdade de ensino”, pois não haveria a possibilidade de os paisescolherem a educação que desejassem para os seus filhos.

48 Jornal Diário de Notícias, Porto Alegre, 29 de abril de 1958, artigo “O Estado e o ensino”.49 Jornal Correio do Povo, Porto Alegre, 18 maio 1958, artigo “Nova manifestação de Dom Vicente Scherer”.

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Assim, o argumento em favor da escola livre, era usado por Dom Vicente,clamando pelo direito inalienável dos pais sobre os filhos, argumentando que“a educação dos filhos é um dever natural de quem lhes deu a vida. O direitode educar decorre da própria geração dos filhos. [...] A escola deve ser [...]considerada um prolongamento e um aperfeiçoamento da família” (SCHERER,1958b, p. 66 e 68).

A escola, sendo um prolongamento da família, deveria, pois, vir aoencontro do bem dos filhos prescrito por essa. Nessa perspectiva, a escola eos professores seriam a continuidade do lar e dos pais. Ainda segundo Scherer:

[...] se a educação dos filhos é um direito natural e intangível da família, as

pessoas associadas a esta obra educativa, mestres e dirigentes dos institutos

escolares, são mandatários e representantes dos pais. E como a escola tem

essencialmente uma função educativa, escolher uma determinada escola

significa preferir uma certa forma de educação escolar, informada de especiais

princípios pedagógicos, morais e religiosos. Decorre daí um primeiro e

fundamental aspecto da liberdade escolar: a livre escolha da escola por

parte dos pais (SCHERER, 1958b, p. 66).

Referindo-se a argumentos de Anísio Teixeira sobre as falhas das escolasparticulares, sobretudo das católicas, Scherer destacava um jogo de palavrasno qual a melhor defesa parecia ser o propalado chavão: o ataque.

Não tem fundamento a campanha de descrédito que alguns funcionários do

Ministério da Educação movem contra a escola livre ou particular. Haverá

certamente deficiências e abusos. Mas, porventura não existem eles nos

estabelecimentos oficiais? (SCHERER, 1958b, p. 67).

Por força das questões levantadas contra a escola privada, na visão deDom Vicente, o Estado tendia a cometer dupla injustiça: uma contra as escolasparticulares ou “livres” e outra contra os pais, na medida em que ele “obrigavaos pais, que desejavam uma escola informada de determinados princípioseducativos, a pagar duas vezes a taxa escolar, uma vez contribuindo para osimpostos comuns, com que são mantidos os estabelecimentos públicos deensino, e outra vez atendendo as justas exigências da escola particular emque os filhos estudam” (SCHERER, 1958b, p. 68).

O arcebispo de Porto Alegre parecia chegar ai, indiretamente, à questãofulcral do debate. Defendendo os pais que optavam por escolas privadas e que,por isso, sofriam duplo encargo, devendo pagar impostos para o Estado e taxasda escola, Dom Vicente encontrava uma forma polida de, em defesa de tais pais,

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31Luzes e Sombras de um Projeto

justificar a necessidade de o Estado subsidiar de alguma forma a escola privada,pois admitir a questão do financiamento da educação como pano de fundo paraessa problemática, era admitir o caráter privado da escola confessional.

As acusações mais pesadas contra Anísio Teixeira, entretanto, vieram doMemorial dos Bispos Gaúchos ao Presidente da República sobre a Escola PúblicaÚnica, o que encarnava um caráter de denúncia, alertando o presidente daRepública sobre o perigo que o Estado brasileiro corria por ter em seus quadrosfuncionários como Anísio Teixeira. Inicialmente, Scherer (representando todo obispado sul-rio-grandense) mencionava o fato de Anísio estar hostilizando ainiciativa particular no campo da educação, o que feriria a Constituição Federalem vigor no país (1946), que previa ser a educação livre à iniciativa particular.

Tal hostilização, segundo os prelados gaúchos, favorecia a revoluçãosocial, possivelmente institucionalizada pela pretendida “escola única”(SCHERER, 1958a), visto que, acabando-se com a iniciativa privada na educaçãoe se abrindo espaço para o monopólio da educação pelo Estado, se chegariaà revolução social através da escola, o que, seguramente, viria de encontro à“tradição brasileira”.

Outro problema da chamada “escola única” seria, segundo o Memorial,“nivelar” a todos “violentamente”. Seria “improfícuo se tentar a acessibilidadeda escola por toda a população” (SCHERER, 1958a), como resposta direta auma afirmativa anterior de Anísio, veiculada no jornal O Globo, quando oeducador baiano afirmara que “exatamente porque a sociedade é de classes,é que se faz ainda mais necessário que as mesmas se encontrem, em algumlugar comum, onde os preconceitos e as diferenças não sejam levados emconta” (TEIXEIRA, 1958a, p. 1).

Ora, essa história de lugar-comum, de encontro de classes, soava aosouvidos de Dom Vicente como um pensamento socialista de quem desejava“a escola única como preparatória e executora da revolução social” o que a“tradição cristã do povo brasileiro, frontalmente repele e repudia, como o fazcom os mesmos fundamentos do socialismo” (SCHERER, 1958a, p. 69).

O Memorial concluía solicitando, genericamente, em nome do “povobrasileiro”, providências a fim de cessar esse “estado de coisas, tão nefasto[...] aos mais legítimos e excelsos interesses nacionais”, reiterando o fato dea Igreja se dedicar à tentativa da solução do grave problema da educação nopaís. Assim, fechava-se a mandala de acusações do bispado sul-rio-grandense,somando vozes à Igreja Católica como um todo, representante que era dosinteresses privados. Ao pregar o monopólio estatal da educação e a escolaúnica, Anísio queria “roubar” à família, o direito a escolher a educação quemelhor convinha aos filhos, pois queria fazer a revolução social através daescola, dentro de suas supostas concepções socialistas. É preciso reconhecerque os meandros argumentativos dos bispos eram por demais convincentes.

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O “caso” apenas deixou as páginas dos jornais em fins de 1958, quandoentrou em cena outro sujeito nessa história, o deputado Carlos Lacerda, comseu substitutivo favorável às escolas privadas. Os clérigos saíram do debate,porém haviam deixado sua contribuição aos rumos que tomaria a futura Leide Diretrizes e Bases da Educação Nacional. O recado estava dado: era precisogarantir espaços legais para a escola privada, a fim de garantir aos pais, aliberdade de escolha da escola para seus filhos, o que vinha ao encontro da“tradição cristã do povo brasileiro” (SCHERER, 1958a).

Com a palavra: Anísio Teixeira

O baiano Anísio Teixeira foi o nome mais recorrente no período. Os ataquesda Igreja e de seus aliados eram pessoais e nominais.

As acusações que se faziam a Anísio Teixeira praticamente se reduziama duas: a de que ele pregava o monopólio estatal da educação, como formade revolução social através da escola e a outra que em que se afirmava, queem conseqüência disso, Anísio seria inimigo da educação privada e, portanto,também das instituições religiosas por ela responsáveis, o que redundaria nolaicismo do ensino.

Parece claro, contudo, que Anísio sabia que os discursos e os ataquesnominais contra sua pessoa encobriam um debate maior, uma disputa deprojetos antagônicos que se desvelou através do debate entre a escola públicae a escola privada, quando foram buscadas garantias legais para a manutençãode ambos os projetos, (leia-se, projeto de democratização da escola públicae projeto de privatização da educação), assim como se ressentia do fato deque os ataques que sofria, deformavam “tendenciosamente” o seupensamento (TEIXEIRA, 1958c, p.2).

Dizia o educador baiano: “Devo declarar que não sou eu o combatido. Osgrandes problemas sociais acabam por se refletir nos domínios da cultura eda educação, que se constituem, assim, campos de batalha dos conflitos emcurso na sociedade. [...] Não sou eu que sou combatido, senão certas posiçõesante tais conjunturas” (TEIXEIRA, 1958b, p.3).

Um dos principais argumentos contra Anísio, contudo, era o fato de ele,supostamente, estar pregando o monopólio estatal do ensino. Contudo, aose falar em educação para todos, isso não significava, necessariamente,monopólio estatal da educação, mas assegurar a educação para todos, fossevia Estado, esse, aliás, obrigado constitucionalmente a fazê-lo, ou através dainiciativa privada. Anísio desconsiderava que a escolarização de todos oscidadãos fosse uma utopia, mas entendia-a como dever legal: “O problemada educação para todos é um problema legal, isto é, de singelo cumprimentodo preceito constitucional. Desde que estabelecemos que a educação é um

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direito – e foi o que fizemos em nossa Constituição – a expansão da educaçãopara todos se fez um dever do Estado no Brasil” (TEIXEIRA, 1958b, p. 7).

Nesse sentido, há um equívoco em se confundir administração de diretrizespara a escola única primária, seja ela pública ou privada, com a exclusão deuma ou de outra, pela suposta escola única em sistema (pública, no caso): “aescola primária seria uma só, administrada na ordem municipal e organizadapelo Estado, dentro das bases e diretrizes federais” (TEIXEIRA, 1958d, p. 1).Assim, parece claro que escola única, pública ou privada, em seus princípios,difere radicalmente da aceitação de uma única escola como sistema.

Sobre este assunto, Anísio dizia não poder compreender como alguémpudesse julgar estar o ensino privado brasileiro sob ameaça, quando pessoascomo ele, apenas se batiam “(...) pela obrigação do Estado de manter escolaspara todos” (TEIXEIRA, 1958b, p. 2).

E como estivesse o monopólio estatal de qualquer que fosse o setor davida do país, estreitamente atrelado ao senso comum sobre o comunismo, oqual rondava os lares brasileiros, com todo o seu arcabouço de símbolospejorativos, oriundos, muitas vezes, do imaginário gerado e alimentado pelaprópria Igreja Católica, o educador baiano foi diversas vezes acusado decomunista e de tentar realizar uma revolução social, através da escola “única”(pública), que seria antagonista à escola livre (particular). Dizia Anísio, que aescola jamais fora, em tempo algum, a instituição que gerou revoluções,antes, foi o veículo para que os homens compreendessem e se adaptassemàs transformações sociais em curso.

Várias foram as manifestações do educador a esse respeito, sobretudo,na tentativa de clarear suas reais posições e de combater conceitos recorrentessobre palavras consideradas “chavões” do comunismo e facilmente vinculadasa discursos de caráter mais progressista. “Educação significa socialização.As crianças se educam por um processo de socialização. Não tem o termo,nenhum sentido socialista [...]. O homem é um ser social, e socializá-lo éintegrá-lo em sua sociedade. É habilitá-lo a viver com os outros, a conviver,isto é, a viver, pois não se vive senão com os outros” (TEIXEIRA, 1958b, p. 2).

Entretanto, dizer que a escola pública faria a revolução socialista ouperverteria a mente dos jovens brasileiros para o abandono de Deus e àdedicação ao comunismo ateu era, no mínimo, uma interpretação incorretada temática educação. “Em uma sociedade como a nossa, a escola pública énaturalmente, um instrumento quase revolucionário de expansão educacional[...]. Temos grande possibilidade de instituir uma escola pública mais livre depreconceitos, rotina e dogmas, do que a escola particular (TEIXEIRA, 1959a,p. 292), já que nessa sociedade, a educação se apresenta, ainda, como“processo exclusivo de formação da elite, mantendo a grande maioria dapopulação em estado de analfabetismo e ignorância” (TEIXEIRA, 1958c, p. 2).

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Para Anísio, no entanto, a questão era mais ampla. Era ir de encontro àtradicional divisão da sociedade brasileira, entre os “letrados”, destinados aexercer os cargos de comando, e à imensa massa de “ignorantes”. Educaçãopara todos era, pois, ameaçar a tradicional divisão social.

A estrutura da sociedade, a nossa antiga e tradicional estrutura, era dual,

bifurcava a sociedade em uma grande massa de ignorantes e uma elite

letrada e ilustre, destinada essa às funções de governo. Enquanto a situação

conservou a estabilidade indispensável para esse mínimo de educação

assegurar a sua sobrevivência, não houve pregação que acordasse o País de

sua estagnação educacional (TEIXEIRA, 1958b, p.1).

Nesse aspecto, chocava Anísio, ver que poucos tinham acesso à escola,e ainda que, mais escassos eram os que concluíam a quarta série, sendo quetodos os demais ficariam “mentalmente frustrados e incapacitados para seintegrarem em uma civilização industrial e alcançarem um padrão de vida desimples decência humana” (TEIXEIRA, 1958c, p. 3).

Outro dado interessante é o fato de Anísio julgar que a educação nãopodia ser um privilégio, pois assim, não colaborava no desenho do novo país,que a nova sociedade necessitava. Sendo um privilégio, a educação se tornaestética, servindo apenas para diferenciar os “educados”, dentro de umamassa de “deseducados”.

A gravidade não está, porém, somente na escassez de educação. Está,

sobretudo, na sua qualidade. Continua, a despeito de tudo, a ser uma educação

seletiva, não melhorando propriamente o nível geral da vida brasileira, mas

preparando alguns para o gozo dos privilégios de ser educados, dentro de

uma massa de deseducados (...) (TEIXEIRA, 1958b, p. 2).

A escola, na visão de Anísio Teixeira, era a mais abandonada e cobradadentre as instituições, justamente por sobre ela pesar o ônus de ser aresponsável pela formação nacional. Quanto mais ampla, tanto mais amploseria o conceito de democracia, pois viria na amplitude da escola, a amplitudedas condições de participação na sociedade democrática.

E a prioridade número um é a da Educação Primária para todos, de

qualidade tão boa e de extensão tão grande, quanto possíveis. [...] seria

a escola primária para todos os brasileiros, capaz de lhes dar a educação

básica, sem a qual lhes estamos a negar a própria condição para

participar na aventura da construção de sua vida e da vida do Brasil

(TEIXEIRA, 1958b, p. 291-292).

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35Luzes e Sombras de um Projeto

Ao contrário do que alegavam seus debatedores, o educador baiano nãose pronunciava contra a escola de iniciativa privada, tampouco pregava queessa fosse retirada do sistema educacional brasileiro. O que compunha apauta das intervenções de Anísio a respeito da escola privada era o fato deque, em sua concepção, a escola primária deveria ser pública, pois seria aescola para todo o povo, a escola mínima necessária para que cada brasileirocolaborasse com o seu país e com a democracia.

O maior equívoco das escolas de iniciativa privada seria, entretanto, o deessas não quererem, de fato, serem privadas, pois se a escola privada eraprivada quanto ao seu gerenciamento e a sua destinação, na opinião deAnísio, era justo que privado também fosse o seu financiamento. Ao contráriodisso, se teria o paradoxo de escolas gerenciadas e controladas por instituiçõesprivadas, destinadas a quem pudesse arcar com o ônus de suas mensalidades,mas que queriam ser estatais em seu financiamento e assim, receber comoescolas públicas, recursos públicos.

Anísio não contestava o direito da família à educação, quando chegavaao debate sobre esse assunto, pois não via incompatibilidade entre a famíliae o Estado.

A direção do ensino formal cabe à sociedade em geral, pelos órgãos por

ela constituídos para esse fim. Isto não quer dizer educação em geral. A

educação em geral se faz pela família, pela igreja, pela rua, pelo clube,

pelo trabalho, pela vida, enfim [...]. Há qualquer intenção de equívoco em

se pôr família, igreja e Estado, como coisas antagônicas. [...] O Estado

democrático não se funda nem na família, nem na igreja, mas lhes assegura

a liberdade (TEIXEIRA, 1959a, p. 294).

Há, em suas manifestações, o questionamento da própria competênciada família em cuidar do ensino formal. Nem todas as famílias teriam condiçõesde, por si mesmas, dirigir o estudo dos filhos, devendo, por isso, tal tarefaficar a cargo de um terceiro elemento, já que, na visão da Igreja, em suaperspectiva maniqueísta de separar a família do Estado, esse não servia paragerenciar tal tarefa. Assim, ratifica-se o papel da primeira como o elemento“conciliador” que, substituindo o Estado laico, gerenciaria a educação que asfamílias cristãs desejassem para seus filhos.

O debate presente em torno da competência da família para dirigir o ensino

formal é um caso específico de discriminação. Que família pode fazê-lo? A

dos ricos? [...] É evidente que haverá um intermediário entre as famílias e a

escola. Que intermediário será esse? Tudo leva a crer que se cogita da igreja.

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36 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

E por que não se põe francamente o problema entre a igreja e o Estado? Por

que surge essa entidade no caso, nominal – a Família Brasileira – para

obscurecer o problema? (TEIXEIRA, 1959a, p. 294).

Nesse caso, a família brasileira foi utilizada como desculpa para ofavorecimento da privatização. Mas que família estava sendo ameaçada coma ascensão da escolarização pública? Havia, seguramente, um grupointeressado em subvenções à escola privada. Resta saber até que ponto aIgreja Católica foi usada no processo de discussão da LDB e usou a famíliapara a garantia de seus preceitos.

O problema é que, dos pais, nunca foi pretendido retirar o direito de escolhada educação e da escola dos filhos, vindo no bojo daquela, também a escolha deprincípios pedagógicos. A questão era, na verdade, a não subvenção dessa escolhapelos cofres públicos, quando a opção era feita por escolas privadas.

Se a escola privada fora, desde sempre, mantida com característicaselitistas e norteada a partir da pedagogia da manutenção de privilégios, destatus, de classe social, mesmo que os pais das classes menos abastadas“escolhessem” a escola privada, estariam optando por princípios pedagógicosnão condizentes com a sua realidade social, os seus anseios de ascensão eou a reformulação da sociedade. Pois, se a questão era “apenas” a liberdadede escolha das famílias, as da elite sempre haviam tido essa liberdade, atéporque, teriam tido condições de pagar por sua escolha. Por sua vez, asfamílias de classes menos favorecidas, de quem a liberdade de escolha estariasendo roubada, talvez nem quisessem optar pela escola privada, tamanha adiferença entre a realidade dessa e a sua realidade social.

Supondo-se, entretanto, que a escolha pela escola privada fosse unânime,nem todos poderiam freqüentá-la por mais fartos que fossem os benefíciosestatais concedidos às mesmas, os quais geralmente eram feitos em formade bolsas de estudos para alunos “carentes”. Eis aqui, a primeira de muitasdiscriminações. Há o aluno que paga a mensalidade e o aluno carente, eleitosambos por um critério “clientelista” e paternalista, que gera a falsa idéia defavorecimento ao “carente” em detrimento do outro.

Seguramente, as escolas privadas não substituiriam toda sua clientelade classe abastada por alunos bolsistas, ampliando, assim, o número devagas e as possibilidades de escolha da família brasileira.

Tecendo a trama de um projeto de educação

Analisar os reflexos, no Rio Grande do Sul, da política educacionalengendrada por Anísio Teixeira junto ao Inep e ao CBPE, a partir da

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37Luzes e Sombras de um Projeto

atuação do CRPE/RS, da política de construção de prédios escolares noestado e do episódio conhecido como o “caso Anísio Teixeira”, permiteuma primeira aproximação com esse significativo projeto, marco nahistória da educação nacional.

A circulação de discursos e de propostas de renovação da educaçãopossibilita múltiplos olhares. A análise dos processos de difusão deum projeto de educação não pode estar dissociada das formas detradução e dos mecanismos de recepção e implantação50. Isto é, comocada célula se fundiu com o todo maior.

A semântica da reforma, capitaneada por Anísio Teixeira, teve amplacirculação, no entanto, sua implementação esteve marcada pordesenvolvimentos político-educacionais específicos, decorrentes dasrealidades locais/regionais e das pessoaschaves que lideraram oprocesso. No Rio Grande do Sul, é importante um estudo detalhado daatuação e das filiações ideológicas dos diretores do CRPE/RS – EloahRibeiro Kunz e Álvaro Magalhães – e dos professores e pesquisadoresque integraram o projeto, com o objetivo de constituir uma prosopografiado campo educacional nos últimos cinqüenta anos.

Os mecanismos de coordenação, controle e execução, em nívelnacional e local, parecem conduzir a um processo de homogeneizaçãoda educação, com um “corpus” de saberes e de “saber-fazeres”pedagógicos com dimensão científica, técnica e instrumental, mas querevela diferenças de tradução e aplicação decorrentes da relaçãonacional/local, as quais devem ser mais explicitadas, para permitiranalisar as marcas de singularidade na cristalização dos discursos sobrea escola nova no Brasil e o alcance e extensão do projeto dos pioneiros.

Luzes e sombras se misturam quando tentamos refletir sobre aeducação nacional/local, nas décadas de 1950 e 1960. Tecemos a nossahistória da educação em conexão com a história nacional/global,buscando identif icar os s inais que ainda hoje marcam o fazerpedagógico. Nessa perspectiva, o estudo realizado é uma possibilidadede leitura e interpretação.

50 Sobre ver: BASTOS, M. H. C. As revistas pedagógicas e a atualização do professor: a Revista do Ensino

do Rio Grande do Sul (1951-1992)

Page 38: Anisio Teixeira na direção do Inep

38 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

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Page 42: Anisio Teixeira na direção do Inep

42 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

PERIÓDICOS

BOLETIM do Centro Regional de Pesquisas Educacionais do Rio Grande do Sul.Porto Alegre/RS, 1956-1959 (quatro números).

BOLETIM Informativo do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais. Rio deJaneiro, n. 1, ago. 1957 a n. 178, dez. 1978.

JORNAL Correio do Povo, Porto Alegre/ RS, 1958.

JORNAL Diário de Notícias, Porto Alegre/ RS, 1958.

REVISTA Brasileira de Estudos Pedagógicos, 1955 a 1960.

REVISTA DO ENSINO, Porto Alegre: n. 44, maio 1957; n. 76, maio, 1961.

SITE: http://www.prossiga.br/anisioteixeira/, organizado pelo Cnpq.

UNITAS – Boletim da Arquidiocese de Porto Alegre – Anos 46-47. Porto Alegre:Cúria Metropolitana, 1957 e 1958.

VERITAS – Revista – Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grandedo Sul, 1957, 1958 e 1959.

CORREIO – Revista do Centro Regional de Pesquisas Educacionais do Rio Grandedo Sul. Inep. Porto Alegre, 1960 a 1974 (sessenta e seis números).

Page 43: Anisio Teixeira na direção do Inep

43Luzes e Sombras de um Projeto

ANEXO 1PESQUISAS E ESTUDOS REALIZADOS PELO CRPE/RS (1956-1974)

1956- síntese histórica da educação do Rio Grande do Sul;- estudos, adaptação e elaboração de testes de inteligência e aptidões- estudo sobre conhecimentos, habilidades e atitudes que a criança

deve ter para poder identificar e reconhecer símbolos impressos: testede pré-leitura;

- programa de preparação para o início da aprendizagem da leitura;- organização de um pré-livro;- plano de atividades a serem desenvolvidas na primeira série escolar;- pesquisa sobre o ensino de Matemática;- estudo e elaboração de manuais de ensino e material didático;- plano de diagnose educacional aplicado à ortografia; e- organização de bibliografia.

1957- o rural e o urbano: Júlio de Castilhos/RS, professor Rudolf Lenhard;- síntese histórica da Educação no Rio Grande do Sul;- análise de livros de leitura;- estudos e adaptação de testes de inteligência e aptidões;- pesquisa sobre Matemática;- revisão de guias de ensino;- plano de diagnose educacional aplicada à ortografia;- biografias de personalidades ilustres no Rio Grande do Sul;- classificação de escolas do Rio Grande do Sul; e- curso de língua inglesa. Maria Zita Englert.

1958- a educação artística no Rio Grande do Sul. Oportunidades oferecidas

às crianças;- pesquisa sobre livros de textos de leitura – Luísa Resende de

Albuquerque e Suelly Krüger;- estudo e adaptação de Testes de Inteligência e de Aptidões;- pesquisa sobre Matemática: A matemática na indústria, no comércio,

na agricultura e em outros setores da atividade humana;- revisão de Guias de Ensino;- plano de diagnose educacional aplicado à ortografia; e- freqüência nas escolas primárias: nova organização das classes.

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44 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

1959- a educação artística no Rio Grande do Sul. Oportunidades oferecidas

às crianças. Eloáh Ribeiro Kunz e Yvonne Van der Perre;- testes de Pré-leitura. Eloáh Ribeiro Kunz;- a direção da aprendizagem na 1ª série escolar primária. Eloáh Ribeiro

Kunz;- classificação dos prédios em que funcionam estabelecimentos de

ensino público em Porto Alegre. Florisbela Machado e Lady GodivaGrossetti;

- pesquisa sobre Matemática (parte relativa ao vestuário). MargaridaSirângelo;

- relações entre o sistema educacional brasileiro, as escolas de formaçãode professores primários e os serviços de aperfeiçoamento domagistério em exercício. Eloá Ribeiro Kunz (publicado no Boletim n. 3do CRPE/RS);

- organização de unidades didáticas de Geografia. Eleutéria Biehl eIsabella Kertész;

- psicologia educacional: psicologia da criança. Tradução e adaptaçãodo livro Mesuring Intelligence, de Terman e Merril. Professoras ElfaFreda e Marianina Freda;

- desenho: Maria Beatriz Furtado Rahde;- seleção e divulgação de trechos de leitura, com base nas conclusões

da pesquisa sobre “Análise de livros didáticos”. Luiza Rezende deAlbuquerque e Suelly Krüger;

- ortografia. Ruth Mendes Prates; e- trabalhos em andamento: levantamento do vocabulário ortográfico

de palavras cuja grafia apresenta dificuldades; organização de umacoletânea de trechos de leitura, para escolas primárias e secundárias;pesquisa em vários gêneros de livros, de trechos, de gravura, mapase gráficos, em geral, sobre temas da atualidade, para posteriororganização de unidades didáticas; levantamento de professoresmunicipais sem título; seleção, adaptação e preparação de assuntosde interesse geral pedagógico para fins de remessa periódica, sob aforma de folhetos aos professores sem título e levantamento de dadosrelativos aos prédios escolares do Estado, solicitado pelo Inep;

196051

- evolução histórica da educação do Rio Grande do Sul;- extensão e qualidade dos serviços educativos do Rio Grande do Sul;

51 Essa listagem refere-se ao período de 1956-1960, publicada na RBEP, v. XXXV, nº 81, jan-mar. 1961, p. 130.

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45Luzes e Sombras de um Projeto

- levantamento sobre as oportunidades de educação artística oferecidasà criança e ao adolescente sul-rio-grandense;

- levantamento sobre o vocabulário ativo de cultura média na linguagemcomum de adultos e de crianças de 12 a 15 anos;

- levantamento do vocabulário de palavras que apresentam dificuldadesortográficas;

- levantamento de professores municipais sem título;- conteúdo dos livros didáticos de nível primário;- estudo dos exames de admissão ao ginásio;- ensino de ciências naturais na escola primária;- papel da Matemática nas atividades humanas;- psicologia da criança;- guias de ensino;- preparação do teste-diagnóstico;- condições de ensino ministrado nas escolas;- estudo da reforma de ensino primário;- critério de classificação das escolas primárias;- a criança sul-rio-grandense;- quadro Educacional do Rio Grande do Sul. Iracema Machado; e- pesquisa em Santa Cruz do Sul;

1961- o ensino nos municípios rio-grandenses: São Leopoldo;- pesquisa sobre os níveis e hábitos de leitura. CRPE/Unesco;- formação dos professores primários no Brasil-RS: aplicação dos

instrumentos, codificação e tabulação;- exames de seleção. A dinâmica dos exames vestibulares no RGS.

Estudo Piloto. Iracema A. Z. Machado;- exames de Admissão e causas de reprovação; e- sondagem dos aspectos qualitativos do rendimento nas classes de

alfabetização. Alzira Fernandes de Oliveira, Dalila Mayer Alvim, YeddaSchmidt.

1962- mapa educacional dos municípios do Rio Grande do Sul;- o ensino primário no Rio Grande do Sul na década de 1950-1960;- estudo sobre as universidades no Rio Grande do Sul e de Santa Catarina

– causas de reprovação;- estudo da comunidade de Santa Cruz do Sul, especialmente do ponto

de vista educacional;- descentralização do ensino primário municipal do Rio Grande do Sul;

Page 46: Anisio Teixeira na direção do Inep

46 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

- monografias descritivas dos municípios do Estado;- condições das classes de aprendizagem inicial da leitura e avaliação

do rendimento dessas classes;- levantamento das condições do ensino primário e pré-primário de

Santa Catarina;- estudo sobre o currículo para um Instituto Pedagógico (Formação de

professores de cursos normais em Institutos de Educação);- biografias de rio-grandenses ilustres52;- Plano de pesquisa sobre fatores relacionados ao insucesso na

aritmética na escola primária. Iná Silva, Itália Z. Faraco, Nadir Saldanhada Rocha;

- pesquisa em ação: formação especializada e didática do professor;- o ensino nos municípios rio-grandenses: Tapes;- caracterização de como se processa a projeção da personalidade de

nossa criança na faixa etária de 7 a 9 anos na técnica do “Desenhoda figura Humana de Karen Machover. Olga Machado dos Santos; e

- o ensino primário e pré-primário municipal;

1963- cadastro de escolas do ensino primário e do ensino médio de todos

os municípios rio-grandenses;- levantamento do corpo docente e discente nas escolas de nível médio

de diferentes tipos. Professor responsável Ivan Dal’Igna Osório(pesquisa coordenada pelo Inep e pelo Departamento de EducaçãoComparada da Universidade de Chicago);

52 Essa pesquisa tem o objetivo de organizar um arquivo de biografias de personalidades significativas doRio Grande do Sul. Foram distribuídos oitenta e dois (82) questionários biográficos. Foi encarregada aprofessora Itália Aronne de Leão. O Dr. Antonio Augusto Borges de Medeiros preencheu o seu em agostode 1956. O periódico Correio publica essas biografias, na seção “Em Destaque”, constituindo umaimportante fonte de pesquisa: Padre Balduíno Rambo, Ernesto Alves, Natho Henn, Padre José Mors,Alcydes Maia, João Luderitz, Apeles Porto Alegre, Virgília Taurino de Rezende, Ildefonso Gomes, GermanoHasslocher, Souza Lobo, José Coelho Parreira, Tomé Luis de Souza, Hilário Ribeiro, João Neves da Fontoura,Edgar Luiz Schneider, Dorival Silva Schimitt, Henri Wallon, Monsenhor Nicolau Marx, Padre Luiz GonzagaJaeger, Henrique Emílio Meyer, Dr. Francisco de Paula Amarante, José de Araújo Viana, professor LuizEnglert, Plínio Casado, Dr. Edmundo Berchon Dês Essarts, José Loureiro da Silva, Ernani Fornari, ArlindoPasqualini, professor Henrique Pereira Neto, Zamira do Amaral Lisboa, Dr. Sebastião Leão, J. Simões LopesNetoÁlvaro Moreira, Pedro Weingartner, S Dr. João José Pereira Parobé, professor Fernando Gomes, LuizCosme, Alfredo Ferreira Rodrigues, Cândido José Godói, professor Afonso Marques, professora pepitaLeão, Aureliano de Figueiredo Pinto, Joaquim Caetano da Silva, professor Lelis Espartel, professor AlcidesCunha, Padre Leonel Franca, Ernesto Pelanda, Leopoldo Tietböhl, Manoel Faria Correa, Olímpio Olinto deOliveira,Alfredo Ferreira Rodrigues, professora Olinta Braga, Alfredo Clemente Pinto, Leopolda Barnewitz,Rodolfo Saenger, Ubaldino Assunção Moura, Mario da Silva Brasil, Alfredo Georg Jaroslaw Wieck, JorgeGodofredo Felizardo, Padre Balduíno Rambo, Dorival Silva Schmidt, Elita Teresinha Pinos Copstein, GasparDilermando Ochôa, professor Antônio da Rocha Almeida, Dr. David Mesquita da Cunha, Dr. Elpídio PereiraPaes, professor Guerra Blesmann, professor Eugênio Oscar de Brito, professor Raul Pilla, professor JoséSalgado Martins, Dr. Olyntho Sanmartin.

Page 47: Anisio Teixeira na direção do Inep

47Luzes e Sombras de um Projeto

- aspectos característicos de classes de alfabetização; e- levantamento de dados sobre a formação do professor primário. Norma

Zerwes e Adriano Mathias Schmitz (pesquisa coordenada pelo Inep)

1964- o ensino nos municípios rio-grandenses: Viamão;- estudo do Grupo com Diagnóstico negativo quanto à Alfabetização

(DEPE)- as Classes de Alfabetização através do parecer dos professores (Depe)- avaliação do atual currículo da escola primária (Depe); e- evolução das estruturas do pensamento e capacidades mentais em

correspondência com os conteúdos de aprendizagem. Colégio daAplicação e CRPE;

1966- estudo sobre o Adolescente Brasileiro (Depe – Irene Flores da Cunha,

Rebeca Poyastro, Olga Fedosseyeva); e- levantamento de dados de quinze estabelecimentos do Ensino Público

Estadual de Porto Alegre. (DDIP – Odiles Fonseca Pereira);

1967- experiência com regime de professor único em classe de 1ª série da

escola secundária – 1º ciclo (Depe - Colégio de Aplicação UFRGS); e- caracterização sócio-econômica do estudante universitário de Porto

Alegre (Odiles Fonseca Pereira).

1968- estudo sobre a classificação sócio-ocupacional de acordo com prestígio

no Rio Grande do Sul. Jurema Alcides Cunha, Luiza Werba, Maria I. B.de Moraes, Maria Spader, Nadir S. da Rocha, Regina R. do Vale.

1970- dificuldades de aprendizagem no primeiro grau do Ciclo Básico;- situação funcional dos supervisores formados pelos cursos de Formação

de Professores Supervisores no CRPE/RS, a partir de 1963;- instrumentalização do novo modelo de curso para licenciatura de

professores não titulados do Estado do Rio Grande do Sul (UFRGS -CRPE/RS);

- avaliação e operações mentais; e- desempenho do professor em situação de estágio de Prática de Ensino;

Page 48: Anisio Teixeira na direção do Inep

48 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

1971- situação funcional do professor supervisor egresso dos Cursos de

Formação de Professores Supervisores, realizados pelo CRPE/RS de1963 a 1970;

1972- implantação da Reforma de 2º Grau - pesquisa-piloto. Centro de estudos

de testes e pesquisas psicométricas do ISOP, FGV, Inep, CRPE/RS;

1973- testagem do currículo e de recursos para o aperfeiçoamento do

professor, com emprego de classes paralelas de 6ª e 7ª séries. Colégiode Aplicação – Cerpes;

Page 49: Anisio Teixeira na direção do Inep

49Luzes e Sombras de um Projeto

ANEXO 2CURSOS DE APERFEIÇOAMENTO DE PROFESSORES (1956-1974)

1956/1960- aperfeiçoamento do professores primários;- prática de ensino;- direção de escola;- direção de aprendizagem em Ciências Naturais;- metodologia da linguagem;- metodologia de Estudos Sociais;- inglês, professora Maria Zita Englert;- administração escolar e orientação da educação primária (20 alunos);- supervisão Educacional (20 alunos);- prática de ensino: recreação e jogos;- formação de diretores e professores para escolas de demonstração e

experimentais; e- cadeiras do Currículo da Escola Normal.

1958- seminário sobre Ensino Normal, juntamente com o CPOE/RS.

1959- administração escolar e orientação do ensino primário (Rio Grande do

Sul, Amapá, Espírito Santo, Goiás, Paraíba, Paraná, Pernambuco e RioGrande do Norte); e

- curso de Administração Escolar e Supervisão.

1960- administração de escolas primárias;- problemas da formação do professor primário; e- técnicas de pesquisa.

1961- técnicas de Pesquisa, com a professora Drª Hilda Taba; e- curso de estatística para a pesquisa em educação, professora Ligia

Morandi dos Santos.

1962- curso de Administração Escolar;- técnicas de pesquisa educacional;- estatística;

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50 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

- preparação de um curso de administração escolar para gravação; e- colaboração do Seminário sobre meios de comunicação, organizado

pelo Ponto IV e a URGS.

1963- curso de Administração e Supervisão Escolar: Porto Alegre (38

bolsistas), Pelotas (28 bolsistas), Santa Maria (43 bolsistas);- curso sobre Recursos Audiovisuais (Porto Alegre, Rio Grande, Osório); e- curso de treinamento de professores leigos.

1964- IV Curso de Supervisores (INEP). (26 professores primários: 7 do Rio

Grande do Sul e 19 de Santa Catarina)53; e- curso de Iniciação aos Recursos Audiovisuais (26 professores).

1965- III Curso de Formação de Supervisores (DAM-CRPE/RS, Inep, Unesco

Fisi: Porto Alegre, Caxias do Sul e Pelotas – 95 alunos).

1966- curso de Formação de Supervisores (Porto Alegre/33 alunos; Pelotas/

29 alunos); e- curso de aperfeiçoamento para professores municipais (Santo Ângelo).

1967- curso de formação de professores supervisores (Porto Alegre/31 alunos;

Pelotas/19 alunos).

1970- curso de formação de supervisores (38 alunos);- curso de recursos audiovisuais de baixo custo (144 alunos);- curso sobre Recursos Audiovisuais (20 alunos);- curso sobre fundamentação psicopedagógica dos recursos audiovisuais

e técnicas de visualização (52 alunos); e- curso de técnicas audiovisuais (17 alunos).

53 Foram professores: João Baptista Aguiar, Suelly Aveline, Notburga Rosa Reckziegel, Lucinda MariaLorenzoni, Ilse Kraemer, Dalilla Sperb, Nair Marques Pereira de Almeida, Ruth Cabral, Glacira Amaral deBarros, Margarida Sirângelo, Leda Falcão de Freitas, Elvira Saibro, Maria Luiza Baptisti Yang, ClodilteCésar, Helen Porto Pereira.

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51O Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP)

O INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS (INEP) EO CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS (CEPE):A EXPERIÊNCIA DE UM LABORATÓRIO DE ENSINO PRIMÁRIONO PARANÁ (1952-1964)

Marcus Levy Albino Bencostta – UFPR

Desde a época em que Murilo Braga esteve na direção do Instituto Nacionalde Estudos Pedagógicos – Inep, foi comum o envio de professores do Estadodo Paraná para freqüentarem os raros programas de aperfeiçoamento,promovidos por este órgão na capital da República. Portanto, desde 1947,ano que marca o início da oferta dos cursos oferecidos pelo Instituto, estiverampresentes no Rio de Janeiro, como bolsistas, professoras primárias da redepública paranaense a fim de lá obterem especialização. Foi a partir daexperiência destas professoras ‘inepianas’ que surgiu a idéia de organizar,em Curitiba, um centro de estudos capaz de transmitir às demais colegas asinovações pedagógicas ali adquiridas.

Iniciativas que propunham modificações no novo processo de medidas paraverificação da aprendizagem foram testadas pela equipe de alunos e ex-alunosdo Inep, em Curitiba. Um exemplo de sucesso registrado por professores e diretoresfoi a organização e a aplicação, em 1951, de provas objetivas para os examesfinais de alguns grupos escolares da cidade (PARANÁ, 1952a, p. 1)1.

Contudo, a necessidade de institucionalizar esta experiência na atualizaçãodo sistema de ensino nas escolas primárias se intensificou, quando foipublicado o Decreto n. 4.387, de fevereiro de 1952, que aprovou o regulamentodo Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais Cepe, o qual já havia sidocriado pela Lei n. 170, de 14 de dezembro de 1948 (PARANÁ, 1952d).

Esse novo órgão técnico consultivo estaria subordinado à Secretaria deEducação e Cultura do estado e, desde o início, contou com a cooperação doInep para o desenvolvimento de suas atividades, que possuíam objetivossimilares àqueles adotados pelo órgão federal, destacando-se a especializaçãodo corpo docente das escolas públicas primárias paranaenses2.

1 O resultado desta experiência levou o Secretário de Educação, Dr. Newton Carneiro, a recomendar quepaulatinamente esse tipo de teste fosse aplicado em todas as escolas publicas do Paraná (ATUALIZAÇÃO,1952, p. 45).2 No Regulamento do Cepe, em seu capítulo II, artigo 4º, estava prevista a articulação deste órgão com oInep para a realização de trabalhos, estudos e cursos em regime de cooperação (PARANÁ, 1952d).

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52 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

Instalou-se hoje na Secretaria de Educação e Cultura, o Cepe e estará sob a

sua responsabilidade a sistematização e a atualização do Ensino Primário no

Paraná. Estiveram presentes os Srs. Capitão Jaime Maria Sobrinho,

representando o governador Munhoz da Rocha, Dr. Newton Carneiro Soares,

Secretário de Educação, Dr. Murilo Braga, Diretor do Instituto Nacional de

Pesquisas Educacionais, professores e outras pessoas (DIÁRIO DA TARDE, 1952).

Além de fazer cumprir o propósito de por em execução cursos e reuniõespara o contínuo aperfeiçoamento técnico pedagógico dos professores, cabiadoravante ao Cepe: elaborar estudos e investigações psicopedagógicas como fim de manter o trabalho escolar em bases rigorosas e objetivas; produzirmedidas para a organização das classes, como a verificação de matrícula,freqüência e repetência; fornecer programas de ensino e sistemas de avaliaçãoescolar; ordenar o levantamento dos prédios escolares públicos e de seusequipamentos; constituir o cadastro de professores públicos do Paraná;organizar e manter os serviços de orientação educacional; e, por fim, fazerconhecer por meio dos cursos de aperfeiçoamento e de publicações, emespecial, de uma revista da própria Secretaria de Educação e Cultura, osresultados dos trabalhos e pesquisas desenvolvidos no Cepe.

Em artigo publicado na revista A Divulgação, encontra-se publicada entrevistada primeira diretora do Cepe, professora Pórcia Guimarães Alves, que sustentao objetivo da nova instituição, qual seja, construir critérios de valor das chamadaspesquisas psicopedagógicas, destinadas a manter o trabalho escolar emplataformas aceitáveis pela ciência. Questionada sobre os passos que deveriatomar apara alcançar tais resultados, a professora responde:

inicialmente temos feito o estudo dos programas de ensino, bem assim como a

aplicação de testes ABC. De acordo com os resultados obtidos, está se

processando a formação de classes homogêneas. As que se compõem de

repetentes e de crianças-problema receberão atenção especial do Serviço de

Orientação. Para apreciação do progresso das classes haverá uma prova parcial

em junho, prova essa que medirá, objetivamente o aproveitamento escolar.

Depois, então, serão feitos o trabalho estatístico e o conseqüente lançamento

de notas (ALVES, 1952, p. 55)3.

Dando prosseguimento às atividades de pesquisa iniciadas em 1951, oCepe fez aplicar, no mês de junho de 1952, provas objetivas para verificação

3 Este procedimento previa a aplicação de testes de maturidade nas primeiras séries e os de verificação deaprendizagem nas demais. Uma vez conhecida a classe, fazia-se a orientação dos alunos de rendimentosaceitáveis e a recuperação dos alunos abaixo da média por meio de trabalhos especiais.

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53O Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP)

de aprendizagem em grupos escolares da capital, num total de 7.311 alunos,pertencentes às 2ª, 3ª, 4ª e 5ª séries. A seção de programas interessada empesquisar o rendimento escolar do interior do estado escolheu três cidadespara aplicar experimentalmente a prova objetiva. Assim o total de 1.191 provasaplicadas no grupo escolar ‘Hugo Simas’, de Londrina, ‘Faria Sobrinho’, deParanaguá e ‘Bartolomeu Mitre’, de Foz do Iguaçu, juntamente com asaplicadas na capital, serviram de base para a organização da escala dedificuldades das matérias do Curso Primário” (PARANÁ, 1952b, p. 255).

O Regulamento do Cepe, em seu Parágrafo III (Das Provas Objetivas),Capítulo I (Da secção de programas e medidas), Título III (Da organização edas finalidades das secções), determinava que para a organização das provasobjetivas deveriam ser aproveitadas as questões graduadas já existentes nofichário do serviço de programas e medidas, da Secretaria de Educação eCultura. Essas deveriam ser inicialmente aplicadas nos grupos escolares deCuritiba e se estender, progressivamente, às demais escolas do estado. Oque se pretendia alcançar com esse tipo de prova era fornecer elementospara um estudo mais seguro e científico do rendimento escolar, a fim deestabelecer critérios de promoção dos alunos (PARANÁ, 1952d).

Sabe-se que o ano de instalação do Cepe é o mesmo em que AnísioTeixeira foi convidado para dirigir o Inep, 1952. Portanto, é objetivo desteestudo demonstrar que para a consolidação das atividades do Cepe, foi defundamental importância o apoio do professor Teixeira, tendo em vista queesse intelectual, além de profundo conhecedor das questões da realidadeeducacional brasileira, também foi um articulador de iniciativas quecontribuíram para o desenvolvimento da missão do educador em ambienteescolar. Pode-se ter um pequeno estrato desse seu compromisso em seufamoso discurso de posse no Inep: “O Instituto Nacional de Estudos Pedagógicostem de tentar uma tomada de consciência na marcha da expansão educacionalbrasileira, examinar o que foi feito e como foi feito, proceder a inquéritosesclarecedores e experimentar medir a eficiência ou ineficiência do nossoensino” (TEIXEIRA, 1952, p. 76).

Sendo assim, uma de suas primeiras medidas, que pode ser entendidacomo um reconhecimento das atividades em Curitiba, foi a autorização paratransferência, de modo legal e gratuito, de um pequeno acervo para aquelaque seria a biblioteca especializada do Cepe. Contudo, para a consolidação ea articulação deste centro de estudos com o Inep foram necessários outrosinvestimentos, como o apoio que o órgão federal deu ao enviar especialistasà capital paranaense para a realização de cursos de aperfeiçoamento e ocurso de metodologia oferecido aos professores primários do estado em 1952,amplamente noticiado pela imprensa da época.

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54 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

Em outubro foi realizado o curso de “Metodologia para professores primários”

que contou com a presença de professores do Rio e de São Paulo, como

informamos acima, e que se realizou sob o patrocínio do Instituto Nacional

de Estudos Pedagógicos. Vale salientar que o interesse foi enorme, tendo

sido inscritos, 291 professores primários (GAZETA DO POVO, 1952).

Além dos programas de aprimoramento, este mesmo veículo decomunicação iria destacar para o grande público a importância de umaorganização oficial como o Cepe, que teria despertado a atenção e o interessepor parte dos técnicos e autoridades educativas do país a ponto de apoiar noParaná um serviço com tais características, sendo o 4º estado da União areceber verbas para tal (GAZETA DO POVO, 1952). Ressalte-se aqui, que olocal de aplicação das propostas do Cepe deveria residir em um espaçoinstitucional adequado à obtenção de conhecimentos teóricos e práticos,visando o aprimoramento e o conhecimento da realidade regional.

Após seu primeiro ano de funcionamento, começou a ser posta em práticaa idéia de um local onde pudessem ser desenvolvidas as atividades de estágiode aperfeiçoamento para professores no Paraná e, ciente desta necessidade,a professora Pórcia Guimarães Alves solicitou à Secretaria de Educação eCultura um prédio onde deveria funcionar o Cepe. Em atendimento, o entãoSecretário, Sr. João Xavier Viana, fez a doação de um edifício escolar emconstrução, cuja obra estava paralisada já há algum tempo. Não satisfeita eaproveitando a ocasião de uma viagem ao Inep, para resolver assuntos daSecretaria de Educação e Cultura do Paraná, a diretora do Cepe solicitouverbas complementares ao professor Anísio Teixeira para concluir o edifício.Seu pedido foi prontamente atendido e isto a deixou surpresa: “pensava emcinqüenta mil cruzeiros e recebi quinhentos mil!” (ALVES, [19–])

Finalmente, durante os trabalhos da XI Conferência Nacional de Educação,realizada em Curitiba, em janeiro de 1954, sob o patrocínio da AssociaçãoBrasileira de Educação (ABE), foi o ambiente escolhido pelas autoridades deensino do estado para encetar o Centro Educacional Guaíra, também conhecidocomo Centro de Demonstrações do Ensino Primário do Cepe4.

Centro de Demonstrações do Ensino Primário. Na tarde de ontem, com a presença

dos Drs. Lauro Portugal Tavares, Aramis Athayde, Rivadavia Vargas,

respectivamente Secretários de Educação e Cultura, Saúde Pública e Viação e

Obras Públicas, Prof. Flávio Suplicy, Reitor da Universidade do Paraná; Dr. Celso

4 Em algumas fontes, em especial a imprensa, também se encontra a denominação Centro de DemonstraçãoPedagógica, assim como Centro Regional de Estudos Pedagógicos e, até mesmo, ‘Inepinho’, para estemesmo órgão.

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55O Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP)

Kelly, Presidente da ABE; Major Ney Braga, Chefe de Polícia; e, outras autoridades

civis e militares, além dos congressistas da XI Conferência Nacional de Educação

se realizou a inauguração solene, ocasião em que as portas daquele

estabelecimento do ensino foram abertas para a infância estudantil do Paraná.

Falando na oportunidade, a professora. Pórcia Guimarães após tecer rápidas

considerações sobre a importância daquele Centro, convidou o Prof. Anísio

Teixeira para que fizesse a abertura simbólica do edifício. O Prof. Anísio Teixeira,

a seguir se congratulou com a iniciativa dos homens públicos de nossa terra,

dizendo de sua satisfação em poder presidir aquela solenidade (GAZETA DO

POVO, 1954, grifo do autor).

Os demais presentes, dentre eles inúmeros diretores e professorescongressistas da XI Conferência Nacional de Educação, juntamente com asautoridades de ensino, visitaram demoradamente as dependências, jácompletamente equipadas e prontas para entrar em funcionamento. Na ocasião,chamou a atenção do Professor Anísio Teixeira o mobiliário escolar do CentroEducacional Guaíra, a ponto de solicitar à Diretora Pórcia Guimarães Alvescópias dos projetos para lhe serem enviados ao Inep (COLÉGIO ESTADUALGUAÍRA, 1954, p. 2).

Para o Centro Educacional Guaíra, a Professora Pórcia Guimarães abandonouo padrão de carteira fixa e acoplada. Após intensa pesquisa junto às indústriasde móveis escolares, aceitou o projeto de carteira de um arquiteto escocêsque se encontrava no Rio de Janeiro.

Figura 1 – Sala de aula

Fonte: Arquivo do Centro Educacional Guaíra, 1961.

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56 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

Segundo descrição da diretora do Cepe, o modelo de pouco peso edinâmico deveria estar condizente com a sua finalidade. A inovação da tampalisa e completamente horizontal na parte superior favorecia, pela suajustaposição, a formação de grandes mesas para trabalhos em grupo (figura1). Dentro da caixa carteira foi abolido o tradicional buraco para colocação dotinteiro, em substituição uma reentrância na madeira para colocação do lápise da caneta. A mesa era sustentada por armação de ferro escuro. Já a cadeira,por ser móvel e leve, poderia ser facilmente conduzida para qualquer local dasala de aula, facilitando a formação de equipes para atividades coletivas(ALVES, [19–]). Convém lembrar que anos depois o Inep aproveitou a sugestãodo mobiliário do Centro Educacional Guaíra e mandou fabricar em escalacomercial para todo o Brasil, o mesmo modelo de carteira escolar, desta vezadaptada para duas crianças com cadeiras individuas (ALVES, [19–]).

A parceria do Cepe com o Inep na questão do aperfeiçoamento dosprofessores primários logo se fez notar pela continuidade dos cursos oferecidosem Curitiba. Foi assim em julho de 1954, quando foi posto em prática o Cursode Metodologia do Ensino Primário.

O curso de Metodologia do Ensino primário organizado pelo Centro Regional

de Estudos Pedagógicos e patrocinado pelo Inep foi iniciado ontem com a aula

prelecionada pela ilustre educadora Juraci Silveira. Inicialmente a Professora

Pórcia Guimarães Alves, faz uma exposição sucinta da organização do referido

curso; o qual em face do número elevado de inscrições, ultrapassando 2 centenas

deverá ser dividido em turmas com aulas em dois períodos. Na aula inaugural,

realizada na sede do Centro Regional de Estudos Pedagógicos, compareceram,

além das personalidades citadas, a Professora Hilda de Matos que lecionará a

cadeira de Estudos Sociais do curso, a Professora Eny Caldeira, diretora do

Instituto de Educação e grande número de professoras da capital e do interior

de estado (GAZETA DO POVO, 1954).

Em setembro do ano seguinte, foram oferecidos os cursos de Metodologiada Linguagem e fatores emocionais que interferem na aprendizagem,ministrados pela Professora Ofélia Boissom Cardoso (Instituto de Educaçãodo Rio de Janeiro) e Medidas Educacionais, ministrado por Nair Dutra Prata(Inep), contando com a participação e devida certificação de 151 professores(DIÁRIO DA TARDE, 1955).

Quase dois anos após a inauguração do Cepe no Paraná, que propunhaser campo de estágio de aperfeiçoamento para professores do ensino primárioe, após intensa discussão com cientistas sociais e educadores, Anísio Teixeiraenviou ao Ministro da Educação e Cultura, projeto de criação do Centro Brasileiroe Centros Regionais de Pesquisas Educacionais. Com o Decreto n. 38.460, de

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57O Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP)

28 de dezembro de 1955 estava oficialmente instituído o CBPE, tomando comolocalização da sede, a capital da república e a dos centros regionais nas cidadesde Recife, Salvador, Belo Horizonte, São Paulo e Porto Alegre (TEIXEIRA, 1956).

Com a criação desta nova unidade do Inep, suas divisões e centros regionais,se intensifica não só a continuidade dos projetos de melhoria das propostas parao ensino e a educação, mas também uma melhor sistematização da cooperaçãoentre o Cepe do Paraná e o CBPE, intermediado sempre que possível pelo CentroRegional de Pesquisas Educacionais de São Paulo (CRPE-SP)5.

Contudo, foi a partir das ações da Divisão de Aperfeiçoamento deMagistério (DAM) do Cepe, que realmente se cumpriu a melhoria das políticasdirecionadas ao aprimoramento do corpo docente paranaense, em especial,para o primário. A DAM, que foi uma das quatro divisões da Direção deProgramas do Cebe, as demais foram: a Divisão de Estudos e PesquisasEducacionais, a Divisão de Estudos e Pesquisas Sociais e a Divisão deDocumentação e Informação Pedagógica, tinha como meta, além de estruturarprogramas de estudos e investigações a serem efetivados nos CentrosRegionais para a formação de administradores escolares e professores, comotambém organizar e manter escolas experimentais; realizar uma educaçãoeficiente e adequada ao nível e necessidades dos alunos e às condições enecessidades sociais; experimentar métodos e procedimentos de ensinoprimário; e, funcionar como laboratório para estudos e pesquisas sobreavaliação escolar, programas de ensino, preparo de métodos e recursos deeducação (OS ESTUDOS ..., 1956).

Nesse sentido, quando a DAM aprovou a proposta apresentada peloCRPE-SP para a realização do I Seminário para Professores Primários, em janeirode 1957, alguns docentes paranaenses se fizeram presentes. A elaboraçãodesse tipo de atividade tinha como preocupação discutir com os professoresalguns problemas costumeiramente encontrados em sala de aula, e com istodespertar a uma possível consciência da pesquisa e inquietação científicanecessárias ao trabalho docente. Para tanto, foi organizado um programa depalestras sobre assuntos que abordavam a educação a partir da ótica dasociologia, passando pela filosofia da educação, antropologia e a própriapedagogia, a fim de suscitar a reflexão sobre a redefinição ou ampliação dosconceitos da educação e seus processos (RELATÓRIO, 1957, p. 87). Intelectuaiscomo Antônio Cândido, Fernando de Azevedo, Wilson Martins, Laerte Ramosde Carvalho, Egon Schaden e próprio diretor geral do Inep, Anísio Teixeira,foram os responsáveis por apresentarem as conferências.

5 O primeiro Centro Regional de Pesquisas Educacionais a ser criado foi o de São Paulo, em março de 1957,mediante um convênio entre o Ministério da Educação e Cultura e a Universidade de São Paulo. A estecaberia atender os estados de São Paulo, Paraná, Mato Grosso e Goiás (FERREIRA, 2001, p. 27).

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58 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

Naquela ocasião, Anísio Teixeira manifestou em sua conferência, Ciênciae arte de educar, o que tinha em mente quando propôs a fundação doscentros regionais. Para ele, estes deveriam cooperar na elaboração de umanova política educacional para o Brasil, fundamentada por umaracionalidade científica que contaria com a colaboração, não só deeducadores, mas de cientistas sociais que proporcionariam o contato entreprofessores e mestres que trabalham nas escolas e, técnicos e intelectuaisdos centros, como aquele que estava ocorrendo durante o I Semináriopara Professores Primários, procurando assim, associar a realidade doprofessor à pesquisa e tornar, portanto, mais rica, lúcida e eficaz a açãoeducativa (TEIXEIRA, 1957).

Quais as repercussões das ações do Inep nos programas oferecidospelo CBPE na realidade dos professores primários do Paraná? Em quesentido a concepção de uma nova política educacional para o paísrepercutiu entre as autoridades de ensino desse Estado? Quais experiênciaspodem ser identificadas como resultantes deste investimento do Inep?

Este trabalho não tem a pretensão de aprofundar todas asproblematizações, mas apenas tocá-las na medida em que as fontesdisponíveis sinalizem condições de análises e interpretações acerca do papelque o Inep, durante a gestão do Professor Anísio Teixeira (1952-1964), nomomento em foram tomados novos rumos para o ensino primário no Paraná.Nesse sentido, optou-se por investigar parte da história do Centro EducacionalGuaíra, entendido neste estudo como laboratório do Inep no Paraná, ondeforam experienciadas medidas para uma nova forma de educar.

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59Centro Educacional Guaíra: um laboratório de reconstrução educacionaldo Inep no Paraná

CENTRO EDUCACIONAL GUAÍRA: UM LABORATÓRIO DERECONSTRUÇÃO EDUCACIONAL DO INEP NO PARANÁ

Nossa vontade é estudar, pra aprender mais depressa,

Embora encante brincar, saber muito é o que interessa1.

Bento Mossorunga

Após solicitação da diretora do Cepe à Secretaria de Educação doEstado, pedindo a instalação de um centro de aperfeiçoamento deprofessores paranaenses em Curitiba e com o apoio do Inep, foi criado,em 1954, o Centro Educacional Guaíra, que deveria funcionar como centrode demonstração do ensino primário.

Muitas das sugestões para a organização do novo Centro Educacionalforam resultados dos cursos e encontros promovidos pelo Inep no Paranáe no Rio de Janeiro. Fruto desse investimento, a ‘inepiana’ Pórcia GuimarãesAlves procurou tomar todas as cautelas didáticas possíveis para a época,como forma de efetivar aquele laboratório de ensino, tais como:

[...] construção especial de mobiliário escolar moderno e em função de

métodos ativos de ensino; material didático confeccionado para servir de

motivação e fixação das matérias do currículo; seleção de professores para

compor o corpo docente inicial, [foi considerado bom elemento, a professora

que havia apresentado, de acordo com critério então vigente, alto nível de

aprovações como regente de classe]; e, organização das classes de 1ª série

pelo Teste ABC e classes com matrícula limitada, com máximo de 25 alunos

(ALVES, 1961, p. 8).

Contudo, a sua localização na região do Campo da Cruz pode ser explicadamuito mais como uma contingência, do que necessariamente uma decisãoantecipada, quanto à escolha do bairro em que seria construído umestabelecimento daquele porte.

Na década de 1950, o bairro Campo da Cruz ou Rebouças, como é atualmentedenominado – referência que homenageia Antônio Pereira Rebouças Filho, o

1 Estrofe do Hino ao Centro Educacional Guaíra.

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60 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

engenheiro responsável pelo início da construção da estrada de ferro que ligaCuritiba ao porto de Paranaguá, estava incrustado entre seus vizinhos, Iguaçu,Prado e Nossa Senhora da Luz, todos bairros de franco crescimento populacional,que presenciavam a cada ano, a chegada de levas de novos habitantes.

Apesar de suas características residenciais, o Centro Educacional Guaíraestava localizado naquele que seria o principal, mas ainda pacato pólo industrialcuritibano, da segunda metade do século XX. A proximidade da estaçãoferroviária atraiu a instalação de importantes moinhos, fábricas, cervejarias,madeireiras e armazéns, desde a segunda metade do século XIX. Isso acentuouseu índice de desenvolvimento urbano, fazendo-o diferenciar-se dos demaisbairros vizinhos, ainda fortemente marcados pela existência de chácaras. Essarealidade leva a compreender a conveniência de seus habitantesdesempenharem atividades tipicamente urbanas, tais como as profissõesligadas à burocracia, ao comércio, ao transporte ferroviário e à prestação deserviços. Tinha-se, portanto, uma camada social que não estava sujeita àprodução de gêneros alimentícios, ou criação de animais, como sua principalfonte de recursos financeiros (CASA ROMÁRIO MARTINS, 2000).

Por conta de sua densidade populacional, é preciso considerar que nessamesma região, já estavam instaladas instituições que se tornariam importantespara a história da educação do estado, como o Grupo Escolar Dr. Xavier daSilva, o primeiro do Paraná2, a Escola Técnica de Curitiba3, o Centro de FormaçãoProfissional do Senai, além de uma pequena escola isolada, que funcionou atéo início dos anos da década de 1950. Contudo, a demanda não correspondia,como era de se esperar, à oferta de escolarização primária, resultando que, naprimeira matrícula do Centro Educacional Guaíra, havia um número considerávelde alunos com problemas de alfabetização e aprendizagem (ALVES, 1961).

Ainda que esse novo centro de demonstrações do Ensino Primário nãoatendesse exclusivamente às famílias de alunos que residiam no Rebouças,visto que essas não tinham a obrigação de morarem próximas a ele econsiderando as características urbanas daquela região da cidade, odesenvolvimento dos transportes urbanos era por demais precário, dificultandoem demasia os deslocamentos intra e extrabairro dos seus habitantes, inclusosnessa demanda, os estudantes. Embora o aumento do número de ônibus emcirculação que substituíra as autolotações tenha sido uma inovação para otransporte público curitibano na segunda na metade do século XX, ainda era

2 Para saber mais a respeito da origem dos grupos escolares de Curitiba, consultar BENCOSTTA, 2001.3 A Escola de Artífices do Paraná, criada desde 1910, foi transferida da Praça Carlos Gomes para oRebouças, na década de 1930. De prédio novo (1936), essa escola foi transformada no Liceu Industrial deCuritiba e, posteriormente, em Escola Técnica de Curitiba (1942), para finalmente, após a unificação doEnsino Técnico no Brasil, em 1959, ser denominada de Escola Técnica Federal do Paraná, (QUELUZ, 1996).A partir de 1978, foi transformado no Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná (Cefet-PR).

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61Centro Educacional Guaíra: um laboratório de reconstrução educacionaldo Inep no Paraná

uma dificuldade depender de meios públicos de transporte no Rebouças. Naquelaregião que, abrangia a Avenida Marechal Floriano até o rio Belém, existia, nosanos de 1950, uma única linha de ônibus, Linha Durival de Britto, que percorriaa Rua Engenheiro Rebouças até o estádio (CASA ROMÁRIO MARTINS, 2000).

Sendo assim, o tempo que as crianças levavam para percorrer de suas casasaté a escola foi a principal dificuldade enfrentada pelos escolares do Rebouças.

O edifício escola destinado ao Cepe necessitou de modificações que oadequassem aos objetivos de um centro experimental de ensino daquele porte.As principais características da planta original foram mantidas, sendoacrescentadas pequenas alterações, sugeridas pela Professora Pórcia Guimarães.

A disposição dos vidros das janelas mereceu atenção especial. A diretorasolicitou que os basculantes das salas de aula deveriam ser de vidrotransparente, para que a visibilidade e a imaginação dos alunos não ficassemlimitadas à sala de aula, que eles pudessem olhar para fora, para longe, vero verde que rodeava a escola. Contudo, no canto superior dos basculantesforam postos vidros estriados, em total desacordo com o hábito da época,que era de se colocar vidro martelado.

Figura 1 – Fachada transversal do Centro Educacional Guaíra

Fonte: arquivo do Centro Educacional Guaíra, 1961.

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62 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

Também precisei explicar a escolha do novo tipo de vidro – é que não havia na

praça, o martelado, que reflete os raios do sol em diferentes sentidos,

provocando luminosidade excessiva e prejudicial ao trabalho escolar. O vidro

estriado reorienta os raios de sol num só sentido, diminuindo a luminosidade.

Nos janelões abertos sobre a escada, nas portas e janelas do salão, fiz colocar

vidros transparentes, para que não só o sol pudesse correr livremente para

dentro das dependências escolares, mas também aumentar a visão das

dependências externas (ALVES, [19–], p. 2).

O prédio escolar, assim como todas as suas instalações, já era objeto depreocupação do próprio Anísio Teixeira desde os tempos que atuou naInspetoria Geral do Ensino da Bahia (1924-1928), passando pela Diretoria daInstrução Pública do Distrito Federal (1931-1935), e a Secretaria de Educaçãoe Saúde do Estado da Bahia (1947-1951), ocasiões que teve a oportunidadepara experimentar suas políticas educacionais. Entendia ele, que o edifício eo ambiente escolar deveriam observar atentamente sua função como partícipesda missão de desenvolver a inteligência e formar o caráter.

[...] que o prédio escolar e as suas instalações atendam, pelo menos, aos

padrões médios da vida civilizada e que o magistério tenha a educação, a

visão e o preparo necessários a quem não vai apenas ser a máquina de

ensinar intensivamente a ler, a escrever e a contar, mas vai ser o mestre da

arte difícil de bem viver (TEIXEIRA, 1935, p. 39).

A construção do Centro Educacional Guaíra se deu em dois pavimentosem formato de M, tendo um generoso terreno de 3.500 m2 ao redor do seuedifício onde os alunos poderiam, em dias de clima apropriado, usufruir otempo destinado aos intervalos de recreação (figura 2). Defronte ao prédio, aProfessora Pórcia Guimarães mandou colocar dois mastros para o hasteamentodas bandeiras do Brasil e do Paraná, contrariando o modo usual de até então,colocá-las na fachada da escola e com a bandeira brasileira inclinada, comonos demais prédios públicos. A zelosa diretora entendia que o estandartenacional jamais deveria se inclinar nas solenidades cívicas e, nesse sentido,garantiria que em sua escola os pendões do Estado do Paraná e da Federaçãosempre seriam erguidos de modo vertical (ALVES, [19–]).

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63Centro Educacional Guaíra: um laboratório de reconstrução educacionaldo Inep no Paraná

Descrição dos ambientes: 1) sala de aula; 2) secretaria I; 3) sala de espera; 4) sala do Diretor;

5) mapoteca; 6) sanitários; 7) circulação; 8) circulação; 9) auditório [Teatro]; 10) palco [Teatro];

11) mimeógrafo; 12) hall de entrada; 13) secretaria II; e, 14) lavabo.

O programa arquitetônico desta edificação (figuras 3 e 4) foiprojetado com dependências minimamente necessárias para o seufuncionamento como laboratório de aperfeiçoamento de professoresprimários, dando importância a diferentes espaços de trabalho.Potencialmente, poderia abrigar em média 1.500 alunos nos três turnos,acomodando em suas salas de aula, o máximo de 25 alunos. O prédioera composto por salas de aula, salas especiais (audiovisual, mapoteca,biblioteca infantil), salas administrativas (orientação educacional,supervisão escolar, coordenação, direção, 2 secretarias, almoxarifado,cozinha e sala de mimeógrafo), teatro e demais dependências(sanitários, lavabos, sala de espera e hall de entrada).

Figura 2 – Planta baixa do pavimento inferior do Centro Educacional GuaíraFonte: Arquivo do Centro Educacional Guaíra, 1954.

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64 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

Descrição dos ambientes: 1) sala de aula; 2) sala de professores; 3) sala de orientação

educacional; 4) sala de supervisão escolar; 5) sala de aula especial; 6) sanitários; 7) almoxarifado

geral; 8) circulação; 9) sala de audiovisual; 10) sala da coordenação; e, 11) lavabo.

Entendido o espaço escolar como uma das colunas que sustentaria suaproposta educacional, foi que não passou despercebido pelo Cepe, assimcomo pelo próprio Inep, a importância da funcionalidade desses espaços narealidade escolar do Centro Educacional Guaíra. Funcionalidade esta defendidapor Anísio Teixeira4 em diferentes momentos de sua atuação nos órgãos daadministração escolar por onde passou. Entendia que esta deveria ser priorizadaem detrimento da monumentalidade, pois não desejava palácios luxuosos,mas edificações econômicas e com bastante luminosidade, que serviriam debase para a reconstrução da própria vida, pela escola (TEIXEIRA, 1935).

Reconheçamos, entretanto, que nenhum outro elemento é tão fundamental,

no complexo da situação educacional, depois do professor, como o prédio e

suas instalações. Reconheçamos, também com Pascal que o homem é feito

de tal modo que embora o sentimento anteceda o gesto, na sua ordem

natural, o gesto pode gerar o sentimento. No Brasil, estamos a procurar este

efeito. Façamos o gesto da fé para ver se o adquirirmos. A arquitetura moderna

é esse gesto. Possam estes prédios escolares, concebidos em juventude,

Figura 3 – Planta baixa do pavimento superior do CentroEducacional Guaíra

Fonte: Arquivo do Centro Educacional Guaíra, 1954.

4 Para uma melhor compreensão das políticas de edificações escolares adotadas por Anísio Teixeira,consultar DÓREA, 2003.

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65Centro Educacional Guaíra: um laboratório de reconstrução educacionaldo Inep no Paraná

árdegos e elegantes como potros de raça, impacientes de dinamismo e de

amor à vida, comunicar a educação e, pela educação, a existência

brasileira, as suas finas e altas qualidades de inteligência, coragem e

desprendida confiança no futuro. O Brasil precisa, para se realizar, de

lirismo – que é a capacidade de esquecer – e de virtude – que é a

capacidade de se superar. A sua arquitetura moderna é uma l ição

magnífica dessas duas atitudes redentoras (TEIXEIRA, 1951, p. 75).

Pode-se afirmar, portanto, que o Centro Educacional Guaíra, assimcomo os Grupos Escolares de Curitiba (BENCOSTTA, 2001), foi planejadopara ser um espaço laboratorial que ordenava e propagava práticashigiênicas e moralizantes, cujos profissionais envolvidos seguiam umaótica de disciplinarização da educação, que deveria contribuir naorganização do próprio espaço escolar. Desse modo, pode-se compreenderna explicação do professor Anísio Teixeira acerca das transformações aserem inseridas nos programas arquitetônicos das edificações escolaresque estas não deveriam ficar resumidas a um aglomerado de salas deaula, mas em todo um conjunto de espaços “em que as crianças sedistribuem, entregues às atividades de estudo, de trabalho, de recreação,de reunião, de administração, de decisão e de vida e convívio no maisamplo sentido desse termo” (TEIXEIRA, 1961, p. 195).

Ao diagnosticar a situação da educação brasileira nos primeirosanos da década de 1950, o diretor do Inep pontuou a necessidade deuma reconstrução educacional com o propósito de uma vez por todasintegrar os cidadãos brasileiros a uma sociedade verdadeiramentedemocrática. Contudo, para que este plano obtivesse sucesso eraabsolutamente preciso, por um lado, solucionar os entraves decorrentesda falta de recursos, que dificultavam a efetivação do compromisso definanciamento da educação e, por outro, a preocupação com aqualificação continuada e progressiva do ensino. É sobre este segundoaspecto que se destacam algumas considerações, tomando comoexemplo o Centro Educacional Guaíra, por entender ter sido ele partedo plano de desenvolvimento da educação nacional elaborado pelo Inep,na gestão de Anísio Teixeira.

Foi neste movimento de reorganização que o Inep procurou atuarcomo articulador e incentivador de espaços que procurassem garantir aliberdade para investigar, experimentar e analisar novas fórmulas,capazes de desencadear a renovação da escola. Cabia, portanto, àsautoridades de ensino que representavam o Estado, a responsabilidadepor planejar esta liberdade de reconstrução.

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66 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

A lei deve estabelecer as condições e os mecanismos pelos quais se irá promover

o progresso escolar, isto é, prover a administração e a direção da educação

de órgãos capazes de elaborar as soluções ou de promover o aparecimento

dessas soluções e de acompanhar-lhes a execução, verificar-lhes a eficácia e

aprová-las ou modificá-las (TEIXEIRA, 1953, p. 8).

O propósito, neste capítulo, é argumentar que no Paraná o Cepe foi ummecanismo criado pela administração, atuando como órgão que teve aliberdade de planejar novos procedimentos para a realidade do ensino primáriono estado e, assim, cooperar na inovação do campo escolar desse ensino,presente no programa de reconstrução educacional sugerido por Anísio Teixeira.

No ano de 1957, o Inep, por meio do CBPE, iniciou um levantamentoestatístico sobre o universo do Ensino Primário, com o objetivo de perceberquais as medidas de aprendizagem que interferiam diretamente no problemadas matrículas do Brasil. A idéia dos técnicos era experimentar métodos deaprendizagem que proporcionassem rendimentos didáticos mais eficientes,que diminuíssem o elevado índice de reprovação e que, conseqüentemente,amenizassem o prejuízo das escolas que, por sua vez, condenavam os alunosrepetentes por ocuparem as vagas. O jornal curitibano, Diário da Tarde, aodiscutir a matéria, apresentou alguns resultados parciais dessa pesquisaque afirmava serem quatro as realidades que interferiam no processo deaprovação dos alunos do Curso Primário:

1) as aspirações e esperanças dos pais;2) a situação da criança com relação à sociedade que a cerca;3) a qualidade do ensino, também essencial para o bom rendimento

do educando; e4) a consciência profissional dos professores que devem ter o máximo

de preparo didático, de modo a poderem oferecer aos seus alunosaulas atraentes à base de uma motivação segura e objetiva,procurando obter dos mesmos o maior rendimento possível noaprendizado (DIÁRIO DA TARDE, 1958).

Um pouco anterior à realização da pesquisa do CBPE, a Professora PórciaGuimarães Alves utilizou dessa mesma preocupação do Inep para aplicar no Centrode Demonstração do Ensino Primário do Paraná um tipo de renovação escolar quediminuísse exatamente as causas da repetência escolar. Para isto, o CentroEducacional Guaíra, nos anos de 1957 e 1961 (o universo de pesquisa foram osalunos de 1956 e 1960), frente a uma população estudantil pedagogicamenteatrasada, observou os alunos que possuíam alguns conteúdos fundamentais, masque eram crianças repetentes com diferentes níveis de escolaridade.

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67Centro Educacional Guaíra: um laboratório de reconstrução educacionaldo Inep no Paraná

Com o aproveitamento de grandes técnicos especializados nos grandes centrosdo país e do estrangeiro, foi possível iniciar em nossa capital, com grandeêxito, centros de pesquisas educacionais onde se procura perquirir e racionalizaro ensino primário. [...] Presentemente, processa estudos sobre a repetência,evasão escolar e rendimento do ensino (GAZETA DO POVO, 1956).

A experiência dessa prática de pesquisa levou a equipe do Cepe a entenderque as causas do baixo rendimento escolar, além de variadas, eram tambémcomplexas. Os problemas administrativos e pedagógicos, que eram por demaisconhecidos, deveriam ser resolvidos pela Seção de Orientação Educacional do Cepe,a quem competia, dentre outras funções, estudar a população escolar para podermelhor conduzi-la e promover a atualização de métodos e técnicas pedagógicas,por meio de constante orientação didática do ensino, (PARANÁ, 1952).

A identificação do ambiente socioeconômico dos alunos se fez necessáriapara que se obtivesse maiores informações acerca das dificuldades escolares queacarretavam a repetência e, para tanto, tomou-se a decisão de elaborar uma fichaque identificasse o aluno e sua família. A metodologia adotada utilizava 20% dototal de alunos reprovados nas séries que tinham suas famílias selecionadas demodo aleatório, para receberem as visitas dos técnicos do Cepe e responderem aum roteiro elaborado pela Seção de Orientação Educacional do centro5.

Os resultados dessa pesquisa estão presentes na tese do concurso daProfessora Pórcia Guimarães Alves à cátedra de Psicologia Educacional dos cursosde Pedagogia e Didática, da antiga Faculdade de Filosofia da Universidade Federaldo Paraná, no ano de 1961, na qual foram apresentadas as principais causasdo problema da repetência escolar no Ensino Primário, classificadas com:administrativas, metodológicas, sociais, psicológicas e biológicas.

Dentre as causas administrativas que esse estudo considerava comoresponsáveis pelo baixo rendimento da escolaridade, temos as seguintes:

a) nomeação de professoras incapacitadas profissionalmente.

A nomeação implica não apenas na lotação, mas também na especialização

da professora, seus títulos e sua formação pedagógica. Características estas,

da mais alta importância para o trabalho de regência de classes (ALVES,

1961, p. 20);

5 O roteiro da entrevista social era o seguinte. 1 - Nome do aluno; 2 - Data de nascimento; 3 - Como estudao aluno [tem horário?/local/precisa mandar?]; 4 - Instrução dos pais [primária/secundária/superior]; 5 -Profissão dos pais [a mãe trabalha fora de casa?]; 6 - Nacionalidade dos pais; 7 - Casa – organização[material/madeira/quantas peças/limpa/suja/número de pessoas/quantas no mesmo quarto/aspecto domobiliário] – posse [própria/alugada]; 8 - Atividades lúdicas [rádio, ouve muito ou pouco/vai ao futebol/lêrevistas/livros/vai ao cinema/outras] (ALVES, 1961).

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68 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

b) nomeação de professoras em número insuficiente e remoção deprofessoras em época inoportuna.

Não basta a nomeação e a remoção de professoras regentes, dentro das

normas pedagógicas, para que a escola possa bem cumprir as suas finalidades.

O número de profissionais também é decisivo, porque deste número é que

irão depender todas as atividades ‘extraclasses’, atividades estas que tornam

a escola não apenas o lugar de instrução limitada e formal, mas o ambiente

de verdadeira educação (ALVES, 1961, p. 20);

c) designação de diretoras desatualizadas pedagogicamente.

Cabe à Direção, não só atenuar ou remover quando possível os efeitos dos

atos oficiais negativos, mas isso também é decisivo para o trabalho docente,

o saber escolar e designar os elementos da sua escola para as atividades

que a mesma desenvolve (ALVES, 1961, p. 21);

d) falta de professoras especializadas para as primeiras séries do CursoPrimário.

O rendimento de classe depende em grande parte do professor e é preciso

então, que este professor esteja ajustado à sua função e que a classe que

lhe é entregue esteja de acordo com o seu temperamento e a sua

especialização (ALVES, 1961, p. 21).

Em parte, as deficiências apresentadas nas causas administrativas sucediamas causas metodológicas, que esbarravam na necessidade de melhoria naformação do professor primário, que cada vez mais não correspondia à realidadeda escola do início da segunda metade do século XX.

A formação do professor primário, era pois, o principal entrave metodológicoque dificultava a solução da repetência escolar, sendo indispensável a urgentequalificação desses profissionais em cursos de capacitação oferecidos peloEstado. Em seu relatório de pesquisa, a Professora Pórcia Guimarães Alves fezquestão de destacar o resultado de uma classe da 2ª série do Centro EducacionalGuaíra, composta por 33 alunos, onde se aplicou experimentalmente uma novametodologia de ensino e avaliação, cujo resultado foi 100% de aprovação.“Esta experiência foi possível, porque a professora regente, bolsista do Inep em1956, trouxe do estágio de especialização no Rio, elementos que a capacitavampara aplicar com eficiência o método” (ALVES, 1961, p. 22).

Contudo, além da matéria da formação qualificada do docente, outrosmotivos que explicam como a questão metodológica pode interferir na repetência

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69Centro Educacional Guaíra: um laboratório de reconstrução educacionaldo Inep no Paraná

são arrolados. São eles: material didático deficiente, ano letivo insuficiente,horário escolar impróprio, matrículas tardias e organização irregular das classes.

Pode-se perceber juntamente com os educadores do Paraná, envolvidoscom a questão da reconstrução educacional, que essa não seria uma tarefa defácil solução. O próprio Anísio Teixeira entendia a escola como uma instituiçãomovida pela difícil arte de educar e ensinar, que suportava permanentemente,progressos e revisões que acarretavam ao professor a liberdade para adaptarsua ação docente, sem, contudo ter plena autonomia para ensinar o quequisesse, mas ensinar por métodos aprovados pela concordância dos profissionaisenvolvidos e autorizados pela educação (TEIXEIRA, 1953).

Ao longo da experiência do Centro Educacional Guaíra, a pesquisacompreendia que mesmo que fossem resolvidas todas as questõesadministrativas e metodológicas, ainda assim, por decorrência dos aspectossociais dos alunos, algum índice de repetência seria registrado.

A análise a partir das observações colhidas nas visitas feitas às famíliasdos educandos, demonstrava que o nível socioeconômico das famílias eradeficiente, possuindo os pais, quando muito, algum tipo de educaçãoescolarizada de nível elementar.

Quanto ao nível cultural , registramos em 1957, 5 casos de mães

analfabetas, sendo as demais com Curso Pr imário e ainda um pai

analfabeto, aliás, o único em toda a pesquisa. Em 1960, vamos encontrar

duas mães analfabetas e um caso de mãe com instrução secundária

[professora] (ALVES, 1961, p. 23-24).

A instabilidade financeira das famílias também foi entendida como umdos fatores que interviam no rendimento dos alunos. Um exemplo incisivo é odaquelas famílias que viviam em casas de aluguel, expressão de um dosfenômenos que desarranjava as atividades escolares, pois a transferência deeducandos, por motivo de mudança de residência ao longo do ano letivo,somente contribuía para intensificar a inadaptação dos conteúdos pedagógicos.

A pesquisa também procurou observar nos alunos em situação derepetência, quais os aspectos de sua personalidade e de sua saúde físicaque poderiam influir na reprovação escolar. Para a identificação das causaspsicológicas da repetência foram utilizados testes de QI nos alunos6, e oresultado a que esses chegam, é que, em parte, ela também é resultado darealidade socioeconômica. Contudo, para os alunos que ficaram muito abaixodo padrão, foram organizadas salas especiais.

6 Foi utilizada a metodologia de TERMAN, L. M.; MERRILL, M. Medida de la inteligência, por ser a maisdifundida no Brasil dos anos de 1950 (ALVES, 1961).

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70 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

Cabe ressaltar aqui que, desde 1956, o Centro Educacional Guaíra tinhainstalado uma clínica psicológica que atendia casos de difícil resolução darepetência escolar. Esse gabinete não examinava somente crianças daquelaescola, mas de outros grupos escolares de Curitiba e até de estabelecimentosparticulares. Foi com a iniciativa desse gabinete, juntamente com aspreocupações em construir possibilidades de solução para o problema dasreprovações, que foi fundada uma classe especial para atender criançasexcepcionais, sendo, portanto, a primeira instituição do estado, e uma dasprimeiras no Brasil, a ter uma classe específica para crianças portadoras denecessidades especiais (ALVES, [19–]).

Em 1958 organizamos uma classe especial para atender os excepcionais

com QI abaixo de 50 e onde são ut i l izadas técnicas pedagógicas

adequadas sob a orientação do serviço de psicologia. Tem esta classe,

horário escolar de 3 horas diárias e uma professora especializada em

técnicas de recuperação para cada 5 crianças. Estas crianças participam

do recreio diário e das atividades de recreação comuns às demais crianças

da escola, às quais, imitam nas atitudes e, principalmente, nos folguedos

(ALVES, 1961, p. 28-29).

Ainda fazem parte da análise os fatores biológicos que prejudicavam aaprendizagem, como as epidemias e doenças contagiosas.

As epidemias que temporar iamente afastam os a lunos da escola,

afetando sua freqüência, como foi o caso do sarampo que em maio de

1961 espalhou-se na população escolar de tal forma, que em apenas

uma c lasse de 34 a lunos havia 26 casos de cr ianças doentes. As

doenças contagiosas também prejudicam a escolaridade através da

interdição das mães professoras que se ausentam da classe durante o

per íodo do contágio. Durante maio e junho de 1961, t ivemos 6

professoras regentes interditadas com casos de sarampo, varicela e

catapora (ALVES, 1961, p. 30).

Diante da experiência de pesquisa que levou a identificação de todosesses fatores, coube ao Centro Educacional Guaíra propor à Secretaria deEducação do Estado do Paraná a quebra da seriação escolar e a aplicaçãode provas fora do tempo determinado pelo regimento escolar, sendonecessário o funcionamento ininterrupto das atividades escolares. Assim,propunha-se que as turmas iniciassem ou encerrassem suas atividadesconforme o rendimento escolar, sendo as férias coletivas agendadas para aépoca das festas natalinas (10 dias) e da páscoa (10 dias).

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71Centro Educacional Guaíra: um laboratório de reconstrução educacionaldo Inep no Paraná

Não tem esta quebra de seriação apenas a preocupação de retardar o ano

letivo, mas também o de poder antecipá-lo. Por exemplo, no caso de uma

classe forte em matemática, não será necessário prendê-la ao ritmo das demais

classes. Desde que os itens do programa vão sendo aprendidos, poderemos ir

para frente, vencendo o programa de acordo com as possibilidades dos alunos.

E se em outubro, o mínimo previsto no programa foi perfeitamente dominado,

passamos para a matéria do ano seguinte (ALVES, 1961, p. 34).

Ao compreender o Centro Educacional Guaíra como um laboratório queexperimentava inovações e que procuravam contribuir na melhoria do EnsinoPrimário no Paraná, entende-se que sua iniciativa não se deu de modo isolado,muito pelo contrário. A relação que manteve com o Inep, por meio doscursos de capacitação do corpo docente primário do estado e, principalmentea absorção das idéias e teorias defendidas por seu diretor que lutava parareconduzir a educação escolar, confirma esse convívio e intercâmbio. Nessesentido, pode-se concluir que o Cepe no Paraná e seu laboratório, Centro deDemonstração do Ensino Primário/Centro Educacional Guairá, não foramapenas órgãos executores das determinações elaboradas pelo estado, masespaços onde foi possível praticar aquilo que Anísio Teixeira sustentavacomo necessário para a reconstrução educacional brasileira, qual seja, oplanejamento e o experimento, de acordo com a realidade da escola, detudo que fosse admitido e recomendado nos moldes da prática e da ciência.

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74 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

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75Santa Catarina e o Programa Nacional de Reconstrução Educacional

SANTA CATARINA E O PROGRAMA NACIONAL DERECONSTRUÇÃO EDUCACIONAL DE ANÍSIO TEIXEIRA:A COLABORAÇÃO DOS INTELECTUAIS CATARINENSES1

Leda Scheibe – UFSC / UNOESCMaria das Dores Daros – UFSCLeziany Silveira Daniel – UFSC

Introdução

Anísio Teixeira, ao assumir, em 1952, a direção do Instituto Nacional deEstudos Pedagógicos (Inep), preocupou-se em retomar as atividades vinculadasao diagnóstico das necessidades educativas do país, finalidade maior daquelainstituição. Influenciado pela crescente valorização das Ciências Sociais comoreferência para as pesquisas educacionais, projetou um levantamento de dadosrelativos à situação educacional em todo o território nacional, pretendendoatender à crescente complexidade imposta pela expansão dos serviços deensino, necessária para a implantação de um sistema de educação paratodos. O Inep, apesar de ter sido criado com esta finalidade técnica educativa,encontrava-se, naquele momento, muito mais voltado a funções cartoriais,administrando, por exemplo, o Fundo Nacional de Desenvolvimento do EnsinoPrimário, responsável pela distribuição de recursos destinados à construçãode escolas, objeto de intensas disputas entre os políticos das várias facçõespartidárias (PAIXÃO, 2002).

Procurando enfaticamente revigorar esse Instituto, Anísio organizouum considerável conjunto de ações com o objetivo de estudar a sociedadebrasileira e diagnosticar suas necessidades educativas, envolvendoacordos, contratos e convênios com organizações e com especialistasexternos aos quadros do Inep e aos quadros da burocracia do MEC. Comessas características, já no primeiro semestre de 1953, lançou aCampanha do Livro Didático e dos Manuais de Ensino (Caldeme), cujoobjetivo era estabelecer as bases para a elaboração de manuais queserviriam como guias para os professores do Ensino Médio, e a Campanha

1 Artigo produzido a partir das pesquisas realizadas pelo Grupo de Pesquisa “Ensino e Formação deEducadores em Santa Catarina” (Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq), do Centro de Ciências daEducação, da Universidade Federal de Santa Catarina. Homepage: http:/www.ced.ufsc.br/gpefesc.

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76 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

de Levantamento e Inquéritos para o Ensino Médio-Elementar (Cileme), queobjetivava montar um quadro numérico, ao mesmo tempo descritivo einterpretativo destes níveis de ensino, com abrangência nacional.

Pretendia-se, com a Cileme, fornecer panoramas e interpretações daescola brasileira aos estudiosos da educação e aos administradores. Asistemática de trabalho adotada para estas finalidades foi a elaboração deestudos investigativos independentes entre si, mas coordenados, para querespondessem a aspectos gerais da educação média e elementar em todosos estados, tais como a organização administrativa dos seus sistemas, dadossobre alunos, professores e escolas, e informações sobre os currículos emandamento, entre outros aspectos. Posteriormente, o papel da Campanhafoi assimilado, de certa forma, pelo Centro Brasileiro de PesquisasEducacionais (CBPE) e seus congêneres, os Centros Regionais de Pesquisa(PAIXÃO, 2002).

O presente trabalho resulta dos estudos que o Grupo de Pesquisa Ensinoe Formação de Educadores em Santa Catarina desenvolveu sobre a décadade 50. Inicialmente, apresenta algumas reflexões sobre as tendências quepredominaram na pesquisa educacional brasileira e catarinense nesseperíodo em que as Ciências Sociais emergiram como referência importante.Focaliza, em seguida, o papel dos intelectuais, João Roberto Moreira eOrlando Ferreira de Melo, pesquisadores educacionais que se destacaramcomo interlocutores privilegiados no processo reformista instaurado por AnísioTeixeira, no âmbito do Programa Nacional de Reconstrução Educacional. Oprimeiro, inclusive, foi coordenador em âmbito nacional da Campanha deLevantamento e Inquéritos para o Ensino Médio Elementar (Cileme).

1. A importância da década de 50 para a pesquisa educacionalbrasileira e catarinense: As Ciências Sociais como referência paraas pesquisas educacionais.

A política desenvolvimentista, o acelerado processo de crescimento ea diversificação do sistema produtivo que marcaram a década de 50,aliados à crescente valorização das Ciências Sociais como referência paraas pesquisas na área foram fatores que contribuíram fortemente para aampla problematização do fenômeno educacional no país. Essas pesquisas,propostas particularmente com o objetivo central de estudar a sociedadebrasileira e diagnosticar suas necessidades frente à demanda pelaeducação escolarizada, foram ampliadas significativamente com a presençado CBPE, criado durante a administração de Anísio Teixeira e vinculado aoInep. Segundo Silva:

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77Santa Catarina e o Programa Nacional de Reconstrução Educacional

[...] as Ciências Sociais deram respaldo e formaram um (ou alguns) dos grupos

que disputavam a definição do projeto nacional e do sistema educacional

necessário a sua constituição. Essa perspectiva surge com os reformadores e

pioneiros da década de 1920, e atinge seu auge na década de 1950, com o

projeto do CBPE (SILVA, 2002, p. 26).

Também Gouveia (1989) indica a forte presença não só dos conceitos,mas também dos métodos das Ciências Sociais aplicados à educação na décadade 50. O Brasil crescia e as universidades brasileiras forjavam uma geração deintelectuais que buscava novas interpretações para o seu desenvolvimentohistórico. Nesse ambiente, tornou-se marcante a presença das Ciências Sociaisna academia nacional, ao mesmo tempo em que crescia sua associação aosestudos educacionais. Sociólogos e antropólogos de já conhecida reputaçãointelectual como Florestan Fernandes, Antônio Cândido, Roger Bastide, EgonSchaden e Darcy Ribeiro, entre outros, denunciavam enfaticamente em suasanálises a seletividade da escola brasileira, passando a se preocupardecisivamente com a demanda educacional no país. Tal fato é significativo efundamental para que se possam considerar os anos de 19502 como de grandevigor na formação dos intelectuais da educação no Brasil.

Vários estudos como os de Cunha (1992), Nunes (1994), Freitas (1999), eXavier (1999) indicam que esse período representou um grande avanço napesquisa científica relacionada à área educacional, chamando a atenção,também, para o importante papel de especialistas estrangeiros como JacquesLambert, Charles Wagley, Bertram Hutchinson e outros, ligados a Unesco, nodesenvolvimento dos estudos educacionais no país nessa década. Essesintelectuais que passaram a visitar o Inep, a partir de 1952, colaboraram nareformulação das Ciências Sociais e no crescimento dos estudos sociais noBrasil, impactados pelo conceito antropológico de cultura e pela influênciametodológica da produção de “surveys”. As transformações conceituais queocorriam nesse período foram apontadas por Forquin (1995), que identificou,nos anos 1950 e 1960, influências culturalistas para explicar as desigualdadeseducacionais, em sua opinião, ainda pouco fundamentadas e teorizadas. Oconceito antropológico de cultura e sua aplicação entraram então em cena,passando a educação a ser concebida como um processo de assimilação esocialização. Emílio Willems (1945), em artigo publicado na Revista Brasileirade Estudos Pedagógicos, chamou a atenção para este conceito que, segundo

2 Um período anterior (anos de 1920 e 1930) é indicado como o primeiro momento de reconhecimento dosintelectuais da educação no Brasil, quando dominam as discussões sobre o papel da educação no projetonacional de desenvolvimento (FREITAS, 2000).

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o autor, poderia substituir a concepção biológica da vida coletiva comoorganismo social, até então predominante nos meios intelectuais brasileiros.Sendo o processo de assimilação de caráter eminentemente sócio psicológicoe não biológico, uma mudança conceitual desta natureza poderia ajudar naconvivência com as populações de imigrantes no país.

Darcy Ribeiro, que se aproximara de Anísio Teixeira na luta em defesa daescola pública, passou a colaborar diretamente com esse educador no projetoe na criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais e da rede deCentros Regionais, implantados no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais,Pernambuco, Bahia, Paraná e Rio Grande do Sul. Com esses Centros,pretendiam prover recursos para que as universidades brasileiras assumissemresponsabilidades no campo educacional, em proporção idêntica ao que jáfaziam com as áreas de Medicina e Engenharia (RIBEIRO, 1994). Coordenadordo Departamento de Pesquisas Sociais do CBPE, Darcy, que fora aluno dePierson na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, foi um dosgrandes responsáveis pela implementação das metodologias já entãodesenvolvidas pela Escola de Chicago – estudos de comunidade e “surveys”3.

Os catarinenses, João Roberto Moreira4 e Orlando Ferreira de Melo,fizeram parte dos intelectuais mobilizados pelas novas tendências teóricasmetodológicas em ebulição. Ambos participaram das atividades científicasque o CBPE realizou na década de 50. Moreira (1956), enfatizouparticularmente, a importância da antropologia cultural nos estudoseducacionais, argumentando ser a educação, em última instância, um processode transmissão da cultura. Destacou, também, a centralidade dos estudos decomunidade e de culturas localizadas para o planejamento educacional. Noartigo “Aspectos culturais da área do Recife”, publicado na Revista Educaçãoe Ciências Sociais em 1956, destacou a necessidade de se considerar duasvariáveis na cultura nacional, o regionalismo e a subcultura (variação de culturanacional e regional), indicando que seguia orientações teóricas de CharlesWagley. Esse autor trabalhou com a noção antropológica de cultura que,segundo Xavier (1999), foi uma noção chave para o desenvolvimento de umasérie de estudos nos quais era observada a relação entre os padrões decultura local e a organização do sistema formal de ensino.

Orlando Ferreira de Melo, professor da Escola Normal Pedro II de Blumenau,Santa Catarina, e responsável pela coordenação da pesquisa Práticas escolaresnas escolas primárias de Santa Catarina, utilizou o método “normative survey”,

3 Para mais informações sobre a Escola de Chicago consultar o artigo de Vilela (2003).4 Segundo Paixão (1999), os temas e as posições teórico-metodológicas presentes na obra de Moreiraestão em sintonia com os eixos de atuação do INEP naquele momento.

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79Santa Catarina e o Programa Nacional de Reconstrução Educacional

o qual considerou como o mais indicado para um trabalho de documentaçãosistemática da situação educacional (um resumo dessa pesquisa foi publicadona Revista Educação e Ciências Sociais, ago. 1956).

Tanto Moreira como Melo, situam-se na tradição de pesquisa incentivada epublicada inicialmente no interior da Campanha de Inquéritos e Levantamento doEnsino Médio Elementar – Cileme, fazendo parte da política institucional do Inep,que visava “elaborar planos, recomendações e sugestões para a reconstituiçãoeducacional de cada região do país, nos níveis primário rural e urbano, secundárioe normal superior e de educação de adultos” (TEIXEIRA, 1954).

2. João Roberto Moreira: Um catarinense no Inep

A partir de 1952, João Roberto Moreira coordenou a Cileme e, já no mesmoano, dando início aos estudos analíticos sobre a educação nos estados, publicoua monografia A educação em Santa Catarina: Sinopse apreciativa sobre aadministração, as origens e a difusão de sistema estadual de ensino (MOREIRA,1954). Essa monografia foi considerada por Anísio Teixeira, na sua apresentação,como um modelo de pesquisa para orientar os trabalhos nos demais estados.

Catarinense da cidade de Mafra, João Roberto Moreira, depois de seformar na Escola Normal do Paraná e atuar como professor por diversos anos,foi diretor do Curso Normal do Instituto de Educação de Florianópolis (1941 a1943), momento no qual encontrou a oportunidade privilegiada para ensaiarseus primeiros estudos acerca da educação, principalmente os relacionadosà constituição científica do campo pedagógico.

Contando com o apoio do governo catarinense de Nereu Ramos, Moreira,durante sua gestão como diretor do Instituto de Educação, foi responsável poruma liderança cultural estimulante. Criou a revista Estudos Educacionais, periódicopublicado por alunos e professores do Curso Normal. Do total de seis númerospublicados, cinco foram produzidos durante sua permanência no Instituto. Foitambém durante esse período que Moreira intermediou diretamente a vinda deintelectuais de projeção nacional e internacional à Santa Catarina. Estiveram noestado e no Instituto de Educação intelectuais como Fernando de Azevedo,Roger Bastide e Donald Pierson5.Todos eles pronunciaram palestras e tiveramseus discursos publicados na revista Estudos Educacionais (DANIEL, 2003).

Com Fernando de Azevedo, Moreira constituiu vínculos intelectuais epessoais fundamentais para sua projeção como intelectual da educação,tornando-se essa relação, crucial para a continuidade de sua trajetória

5 Lourenço Filho, em 1943, foi convidado para paraninfar a turma de normalistas do Curso Normal doInstituto de Educação de Florianópolis. Não podendo comparecer à solenidade, enviou seu discurso que foiproferido por Moreira e, posteriormente, publicado na Revista Estudos Educacionais.

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profissional após sua saída do Instituto, em 1943. O primeiro contato deMoreira e Fernando de Azevedo ocorreu em 1935, quando este fora proferiruma palestra no Curso Normal do Paraná. Em 1937, Moreira enviou sua primeiracarta ao intelectual, iniciando uma relação que resultou, por exemplo, napublicação do primeiro livro de Moreira, Os sistemas ideais de educação, em1945, pela Biblioteca Pedagógica Brasileira, dirigida por Azevedo. Nessa obra,dedica uma parte à figura de educador e de cientista de Azevedo.

Azevedo destacou o espírito científico e estudioso de Moreira no estudodas questões educacionais. Quando Moreira foi trabalhar no Dasp(Departamento de Administração e Serviço Público), em 1944, permanecendolá até 1946, Azevedo enviou-lhe uma carta expressando pesar por Moreiraestar trabalhando em um serviço alheio às suas qualificações e aos seusinteresses profissionais, reiterando a crença na vocação de Moreira para osestudos na área educacional. Em 1947, após realizar concurso de ingresso,Moreira foi trabalhar no Inep. Foi chefe de Seção de Documentação eIntercâmbio no período de 1949-1951. Nessa oportunidade, colaborou napublicação do livro Organização do ensino primário e normal. Estado deSanta Catarina (1950), em que descreve a organização do ensino catarinense,explicitando temas como administração da educação, Ensino Normal, carreirado professor primário, entre outros. Pode-se cogitar que esse estudo serviude preparação para o livro que Moreira publicou posteriormente, no ano de1954, intitulado A educação em Santa Catarina.

Em 1952, Moreira foi convidado por Anísio Teixeira, que assumia a direçãodo Inep, para coordenar a Campanha de Levantamento e Inquéritos para oEnsino Médio-Elementar – Cileme. No interior dessa campanha, Moreira,sintonizado com as linhas de atuação do Instituto, expressou na monografiaA educação em Santa Catarina, aquilo que havia sido proposto como tarefada Cileme, e, posteriormente, transferido para os Centros de Pesquisa, realizoulevantamentos, inquéritos e estudos de educação.

2.1 A Educação em Santa Catarina – Uma pesquisa antropossocial.

A monografia A educação em Santa Catarina; sinopse apreciativa sobrea administração, as origens e a difusão do sistema estadual de ensino,publicada em 1954, discute o Ensino Fundamental, sua filosofia, seudesenvolvimento, seu funcionamento, a organização administrativa daeducação e o problema da formação de professores, apresentando, ainda,uma síntese e sugestões finais.

Colocando como ponto de partida a visão ‘antropossocial’ e o caráterinterdisciplinar das pesquisas, Moreira realizou o estudo sobre a educaçãono Estado de Santa Catarina com o intuito de que esse se constituísse em um

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81Santa Catarina e o Programa Nacional de Reconstrução Educacional

roteiro para a elaboração de outros trabalhos semelhantes. Posteriormente,Moreira foi responsável pela realização de diagnósticos educacionais em outrosestados, destacando-se as publicações: A escola elementar e a formação doprofessor primário no Rio Grande do Sul, (1954), e Aspectos atuais da situaçãoeducacional e cultural em Pernambuco (1956).

No estudo sobre a educação em Santa Catarina, Moreira apontou paraproblemas a serem discutidos e melhor direcionados, destacando questõestais como, as características rurais predominantes no estado, a assimilaçãodos imigrantes, a questão do analfabetismo e a situação da formação dosprofessores catarinenses.

A preocupação com a população esparsa e basicamente ruralpredominante no estado adquire relevo num momento em que o sistemaeducacional fundamental começava a se estruturar predominantemente emgrupos escolares, em detrimento das escolas isoladas (NUNES, 2000). Nocapítulo II – O ensino fundamental comum em suas condições iniciais, Moreirajustifica a predominância, na época, década de 1950, das escolas isoladasem todo o estado, período no qual a população urbana não passava de270.000, de um total de 1.560.000 habitantes. Enfatiza, no entanto, quemuito já havia sido feito para diminuir o problema da educação na área rural.Em relação às outras regiões do Brasil, Santa Catarina contava então com17% da população com Curso Primário, enquanto no país, o índice era desomente 10%. Lembrava também, que esses resultados eram recentes evinculados ao período republicano. Anteriormente, afirmava o autor, o quehavia em matéria de educação era resultante da iniciativa privada,particularmente em comunidades de origem germânica, exceção feita,naturalmente, à capital (MOREIRA, 1954).

A questão da assimilação dos imigrantes europeus foi alvo de um capítulona referida obra, denominado O desenvolvimento da escola elementar denacionalização. Como marco inicial da organização do sistema educacionalcatarinense, referiu-se o mesmo, às reformas de 1911, as quais visaram, naopinião do autor, a resolver o problema do analfabetismo e da assimilaçãopelas populações estrangeiras, sobretudo a alemã, da aprendizagem da línguanacional. Manifestou, no entanto, uma visão crítica a respeito desse esforçode nacionalização empreendido no período entre os anos de 1930 e 1940, noqual, visando dar conteúdo nacional à educação escolar, toda ênfase eracolocada no domínio da Língua Portuguesa.

Para Moreira (1954, p. 84), não bastaria à aprendizagem da línguaportuguesa como critério de nacionalização, pois “os líderes coloniaisnazifacistas eram todos indivíduos bilíngües [...], falavam e escreviamperfeitamente o Português”. Entendia, portanto, que a tese da nacionalizaçãocom ênfase na aprendizagem da língua nacional era insuficiente, senão

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equivocada. Afirmava, no entanto, que a escola que o governo catarinenseplantara nas colônias estrangeiras sempre fora ali bem recebida. Há evidências,em estudos mais recentes, de que esta afirmação pode ser contestada. Nestesentido, Schwartzman et alli (2000), indicam que, no contexto da época, apósa implantação do Estado Novo, a política de nacionalização se deu pelaassociação entre as secretarias de educação e as forças policiais repressivas.Segundo os autores, um relatório do Inep, de 1940, com resultados daimplementação de medidas de nacionalização, mostra ser o estado de SantaCatarina o que mais fechou escolas estrangeiras. Foram 298 escolas duranteo período de nacionalização.

Em contrapartida, foram abertas 472 escolas, já que o fechamento deescolas particulares deveria ser compensado com a abertura de escolas oficiais(Schwartzman et alli, 2000). Lembra Schwartzman et alli, que existem evidênciasdocumentadas sobre a perseguição aos alemães, interceptação decorrespondência particular de jornais e revistas e de programas de rádio etc.,que mostram um processo menos pacífico do que o que foi retratado por Moreira.

Também Klug (2002; 2003), indica a existência, à época, de “um certoclima de animosidade” entre as autoridades públicas brasileiras e as liderançasteutas em Santa Catarina. Esses estudos indicam, diferentemente do queacreditava Moreira, que não só a língua de origem dos imigrantes, mas todoo processo de nacionalização do ensino era expressivo foco de tensão emSanta Catarina. No capítulo VII, o autor trata da formação dos professores,referindo-se, em especial, à sua preparação para a zona rural. Na década de1950, esses professores eram formados nos chamados cursos normaisregionais, modelo implantado a partir de 1946, com a promulgação das LeisOrgânicas do Ensino Normal.

Para analisar a formação que estava sendo realizada para o professorrural, Moreira tomou, primeiramente, dados estatísticos dos EUA com relaçãoao Ensino Primário e à formação do professorado primário naquele país. Relatouque nos EUA, no ano de 1934, existiam 213.484 escolas de interior, dasquais, 138.542 eram escolas isoladas que se mantinham com apenas umprofessor, com as seguintes características na maioria das vezes:

era mulher, jovem, solteira, mais ou menos 24 anos, cuja origem social era

uma fazenda, vila ou pequena cidade do interior. Sua formação, geralmente,

consistia em quatro anos de curso secundário e de um ou dois de preparação

profissional, orientada para as atividades rurais e escolares. Com esse tipo

de professor, pretendiam os americanos, realizar uma escola que preenchesse

suas funções primordiais, não apenas em face da criança, mas também da

comunidade (MOREIRA, 1954, p. 74).

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83Santa Catarina e o Programa Nacional de Reconstrução Educacional

Mediante esta constatação, o autor julgava que as orientações e as reformasocorridas em Santa Catarina quando, à formação do professorado catarinense,estavam corretas e condizentes com as necessidades do estado, embora aindadeficientes em alguns aspectos quantitativos e de organização curricular.

Com relação aos aspectos quantitativos, apesar de um destacadocrescimento, o número de professores formados ainda era insuficiente. Destacaque, até 1930, tínhamos no estado de Santa Catarina apenas uma escolanormal pública e outra particular. No ano de 1953, no entanto, as instituiçõesdestinadas à formação dos professores já somavam um total de 79 (entreparticulares e oficiais), compreendendo cursos normais regionais, escolasnormais e o Instituto de Educação da capital, apontando para um crescimentosignificativo, porém, não suficiente.

Com relação aos aspectos de organização curricular, analisando aformação de professores em Santa Catarina, o autor lembra:

[...] ser professor normalista, em Santa Catarina, antes de 1935, era possuir um

título não muito comum. Com exceção dos que residiam em Florianópolis, raros

jovens do interior do estado tinham possibilidade de obtê-lo. Era, entretanto,

o velho Curso Normal, de 4 anos, que se sobrepunha à Escola Complementar,

pela qual se era obrigado a passar, para poder realizá-la (sic). O jovem professor,

tinha pois, antes de se formar, que perfazer 4 anos de Escola Primária, 3 anos

de Escola Complementar, 4 anos de escola normal, num total de 11 anos de

estudos escolares. Não tinha direito legal a outra profissão, que a de ser

professor. Pelas duas escolas normais que funcionavam na capital, uma oficial

e outra particular, passaram gerações de moços que, se não puderam satisfazer

a todas as necessidades da escola catarinense, ocuparam os postos ‘chaves’

do sistema educacional: inspetorias, diretorias de grupos, classes das maiores

e mais importantes unidades escolares. Em 1935, no Departamento de

Educação, quer o Diretor, quer os Sub-Diretores, tinham sido formados por tal

escola. Justamente nessa época, o sistema educacional passou por um

benfazejo sopro renovador, a que nos referimos no capítulo anterior. Os

professores que vi trabalhando em Joinville, no grupo de que fui diretor, também

tinham passado por ela. Eram eficientes, faziam a escola funcionar, tinham

capacidade renovadora, se interessavam vivamente pelas questões

educacionais (MOREIRA, 1954, p. 75).

Moreira entendia que a reforma “Trindade”, implementada pelo governocatarinense em 1935, também havia sido, de certo modo, bem sucedida.Essa reforma criou os institutos de educação e transformou as escolascomplementares em escolas normais primárias, com curso de 3 anos deduração, destinados a formar professores para o interior do estado. Os

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Institutos de Educação, o de Florianópolis e o de Lages, apesar do númeroreduzido de alunos matriculados, seriam locais privilegiados para formaçãodocente. Nesse sentido, destaca que nesses Institutos de Educação oficiaisse formavam de 40 a 60 professores por ano, enquanto que as escolasparticulares formavam apenas 30 professores. Desse total, 60 sededicavam à vida profissional nos grupos escolares. Para atender àsescolas isoladas, iam, no entanto, os professores complementários ,aqueles formados nas escolas normais primárias.

Embora considerando que com essa reforma houvesse um aumentosignificativo no número de professores formados, Moreira apresenta-lhealgumas restrições, conforme esta consideração:

[...] embora as intenções do Departamento de Educação tenham sido as

melhores possíveis, a reforma apresentava não poucos inconvenientes.

Um dos maiores, a nosso ver, foi a preocupação de ter os olhos voltados

para o Rio de Janeiro. Desejava-se uma sintonização perfeita com o

órgão central do governo da república, sintonização que se exagerou

no período estadonovista, a tal ponto que quando, já no período de

transição para a restauração democrática, foi sancionado o Decreto Lei

n. 8530, de 02 de janeiro de 1946, que pretendia ser a Lei Orgânica do

Ensino Normal e da qual, porém, a maioria dos estados não tomou

conhecimento, Santa Catarina foi dos primeiros a cumpri-la (MOREIRA,

1954, p. 75).

Com a Lei Orgânica de 1946, as escolas normais primárias setransformaram em escolas normais regionais, formando regentes para oEnsino Primário em 4 anos. Além dessas escolas, havia a escola normalque formava professores primários em 3 anos, escola destinada à alunosegressos do curso ginasial de 4 anos. Com essa Lei, Moreira considerouque a formação de educadores passara para um modelo complexo edeficiente, exigindo, no caso dos professores rurais, mais da sua formaçãodo que, por exemplo, nos Estados Unidos. Além disso, aqui em SantaCatarina, continuariam os problemas da quantidade de professoresformados, pois o deficit escolar primário continuava. A ponto de, em1950, a população apresentar ainda, um contingente de perto de 25%de analfabetos, embora, esse contingente fosse dos menores do Brasil(MOREIRA, 1954, p. 79).

Segundo sua análise, a Lei Orgânica de 1946, além de complexa ecentralizada, apresentava outros problemas: os espaços anteriormentedestinados somente à formação de professores, os Institutos de Educação,

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85Santa Catarina e o Programa Nacional de Reconstrução Educacional

agora, tinham que agregar cursos secundários, havendo um crescimentoexagerado no número de matrículas para esse nível de ensino.

O Instituto de Educação de Florianópolis que, enquanto eu fui seu diretor,

nunca tivera mais de 500 alunos, de acordo, aliás, com sua capacidade,

passou a receber cerca de 2.000, excesso que correspondeu aos mesmos

problemas que hoje se ver i f icam no Inst i tuto do Distr i to Federal :

supressão de atividades extra curriculares, desalojamento de instituições

esco la res , t rans formação da esco la em s imples lugar de Ens ino

Secundário, anárquico e deficiente, tal qual os nossos técnicos o vêem

[...] – Com que objetivo? Formar professores? – Não, porque o curso normal

desse Instituto não consegue formar mais professores que no meu tempo.

S imples e puro a tend imento ao dese jo de uma população que,

desorientada, ainda vê no ensino oficial, reconhecido pelo Governo

Federal , um meio de mobi l idade vert ical , esquecida de que Santa

Catarina não oferece cursos superiores capazes de atender aos que

concluem o curso secundário e de que os próprios cursos superiores

devem ter o objet ivo de formação de uma el i te de técnicos e de

intelectuais. Esquecida também de que, uma elite é sempre minoria

(MOREIRA, 1954, p. 80).

Além de criticar a reforma de 1946, no que a mesma representoupara os Institutos de Educação, Moreira criticou os cursos normaisregionais, mas, apesar da sua proposta, eles não tinham nada deregionais. Segundo ele, esses cursos se localizavam, na maioria dasvezes, em centros urbanos, possuindo programas centralizados eabrangentes. Também, por esses cursos possuírem currículos abrangendomatérias variadas, não haveria disponibilidade de professores em SantaCatarina, em número suficiente para ministrarem todas as disciplinas,vista a falta de professores secundários para os colégios brasileirosnaquele momento.

Apesar dessas restrições, Moreira salientava alguns aspectos positivosnos cursos normais regionais. Considerou que, embora com deficiênciasem relação à formação pedagógica e a não adaptação às peculiaridadesregionais, os cursos normais regionais possuíam um certo caráterintelectualista, fornecendo ao professor alguma bagagem cultural. ParaMoreira (1954, p. 82), “se os cursos regionais não resolviam um problema– o da formação do professor rural em condições funcionais – permitiampelo menos, melhorar ‘um pouco’ o nível intelectual e os conhecimentospedagógicos do magistério primário do interior, que opera, não em umaescola de Educação Fundamental, mas de primeiras letras”.

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Após realizar uma extensa e minuciosa sinopse apreciativa da situaçãoda educação em Santa Catarina, ao final do seu trabalho, Moreira sugeriualternativas para a superação de alguns problemas apontados. Havendodetectado que persistiam sérios problemas quantitativos e qualitativos nooferecimento da educação popular no estado. Salientou a necessidade demaior investimento do poder público, estadual, municipal e federal, naárea da educação, aumentando de 50% para 60% os recursos para amesma. Sugeriu também, que garantidos os recursos, os esforços deveriamse concentrar em torno do planejamento. Por considerar que o estadopossuía condições geográficas, populacionais e de distribuição econômicafavoráveis, propôs nesse sentido, que houvesse um planejamento local emunicipalizado, numa visão autônoma e descentralizada dos serviçoseducacionais. A criação de um Fundo Estadual de Educação e Cultura e deFundos Municipais, além da organização de um Departamento Estadualde Educação e Cultura, sob controle de um Conselho Estadual de Educação,também foram propostos como formas de melhor atender às damandaseducacionais do estado.

Quanto aos limites apontados em relação aos cursos normais regionaisna formação dos professores, Moreira sugeriu a criação de um programaregional de formação e aperfeiçoamento, que fosse independente dasunidades específicas de formação pedagógica e, ainda, missões culturaisde caráter contínuo, visando, por exemplo, à organização de semináriosregionais de pedagogia, de pelo menos dois meses, em cada região, queenglobassem cursos, conferências, trabalhos de campo, bem como, apreparação de novos professores formados na própria comunidade. ParaMoreira (1954, p. 102), com esse modelo, o professor primário exerceriasua ação no próprio ambiente social, satisfazendo-se com vencimentosque lhe permitissem ter o padrão de vida local, e a não se preocupar compostos ou situações em outras cidades ou pontos do estado.

As análises realizadas por Moreira nesse estudo, possivelmente, setornaram base para a elaboração do “Projeto de Reforma do Sistema deEnsino no Estado de Santa Catarina”, elaborado no Inep pelos professoresAnísio Teixeira, Elza Nascimento Alves, Hamilton Valente e Sálvio Oliveira,que foi entregue à Secretaria da Educação e Cultura de Santa Catarina em1954, mas que, infelizmente, não foi localizado até o momento pelasautoras do presente artigo.

A publicação do estudo de Moreira sobre a educação em SantaCatarina significou não só a realização de um inventário sobre a situaçãodo ensino catarinense, realizado por um intelectual familiarizado comas questões do seu estado, mas também um importante trabalho na

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87Santa Catarina e o Programa Nacional de Reconstrução Educacional

área das Ciências Sociais, que no Estado de Santa Catarina só iriamganhar força posteriormente com o Centro de Estudos e PesquisasEducacionais Cepe, da Universidade do Estado de Santa Catarina – Udesc,na década de 606.

Contudo, ainda na década de 50, Orlando Ferreira de Melo, ex-aluno deJoão Roberto Moreira no Curso Normal do Instituto de Educação de Florianópolis,exerceu o papel de interlocutor local com o Inep e seu Programa Nacional deReconstrução Educacional, realizando apreciações, críticas e sugestões sobreos estudos e propostas realizados pelo Instituto para a educação de SantaCatarina na década de 50.

3. Orlando Ferreira de Melo – Um interlocutor local para o Inep

Como já referido, Orlando Ferreira de Melo foi um importante interlocutorcatarinense no processo reformista instaurado por Anísio Teixeira, no âmbitodo Programa Nacional de Reconstrução Educacional, com contribuições queexpressariam, inicialmente, a constituição incipiente de um intelectualpreocupado com a articulação das pesquisas educacionais às preocupaçõespolíticas e didático-pedagógicas locais7.

As primeiras contribuições de Melo para o Programa Nacional deReconstrução Educacional constam das reflexões que realizou tomando comobase a Monografia A Educação em Santa Catarina, de João Roberto Moreira.O trabalho de Melo tem como título A educação em Santa Catarina –Comentários sobre a Monografia – A Educação em Santa Catarina, publicadoem 1955. Essas contribuições, assim como a obra de Moreira, forampublicadas no interior da Campanha de Inquéritos e Levantamentos do EnsinoMédio e Elementar (Cileme).

6 Em 1963, a Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina converteu em Lei (n. 3.191/63) umanteprojeto do CEE que criava o Sistema Estadual de Ensino, e no seu interior, a Faculdade de Educação,concebida como instituição destinada a inovar no campo educacional, colocando no mesmo nível de importânciao ensino (curso de Pedagogia), a pesquisa educacional (CEPE) e a extensão (através da orientação pedagógicaao magistério das escolas públicas). Este sistema representou, na época, uma inovação no país, tendoinclusive servido de modelo para outros estados. O Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais, criado juntoà Faculdade de Educação, segundo Lins (1988), estava voltado para o aperfeiçoamento do magistérioprimário e médio, bem como para a melhoria dos métodos e condições do ensino (SCHEIBE e DANIEL, 2002).7 Orlando Ferreira de Melo coordenou um amplo estudo sobre “Práticas escolares nas escolas primárias deSanta Catarina”, realizada de setembro a dezembro de 1955, quando era Professor de Didática e PráticaPedagógica da Escola Normal “Pedro II”, de Blumenau, dirigindo uma equipe de alunos-mestres concluintesdo curso normal, como pesquisadores associados. Constatou, entre outras questões, o predomínio então, noEstado, de uma escola intelectualista mais ou menos modificada (vitalizada) pelos ideais da Escola Nova.

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88 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

Contrapondo-se, muitas vezes, às idéias de Moreira, Melo apresentavauma concepção menos intelectualista de escola. Considerava como desejávelos elementos de transformação dessa escola intelectualista outradicionalista, até então dominante nas práticas escolares das escolascatarinenses. Via com bons olhos os vagos elementos que começavam aemergir de uma escola nova ou renovada. Por exemplo, a incorporaçãodas “Unidades de trabalho” no currículo escolar, já representava, no seuentendimento, uma tentativa de globalizar o ensino, subordinando osconteúdos diários ou semanais a um tema comum. Ao ensino tradicionalistase mesclavam já então, com elementos de uma pedagogia na qual,segundo Melo, o aluno deveria ser tratado como agente ativo, e o mestre,como um estimulador no processo de ensino e aprendizagem, no qual, adisciplina ocorreria de forma natural e espontânea, respeitando aindividualidade do aluno.

A transformação desejada, no entanto, ou seja, a passagem dointelectualismo para o escolanovismo necessitaria, para Melo, ir além dasmudanças no aparelho administrativo, desejadas pelo Programa Nacionalde Reconstrução Educacional. Seriam necessárias também, modificaçõesno campo das condições materiais e formais da escola e do sistemaeducacional e, modificações também, no campo doutrinário filosófico. Oalcance dos novos ideais educativos exigiria amplas transformações noterreno das condições escolares, tais como: cuidadosa seleção de alunos,em todas as séries escolares, com redução do número de alunos nas salasde aula; aparelhamento e mobiliário escolar propícios à realização de oficinas;e, horário e programas adaptáveis às condições locais de ambiência e àsituações imprevistas, entre outras.

Segundo Melo (1955), o processo de transição de uma pedagogiatradicional para uma pedagogia renovada, deveria acontecer, no entanto,de forma cautelosa. Ao avaliar os procedimentos do Departamento deEducação do Estado no sentido de difundir, estimular ou obstar a implantaçãode uma escola renovada, o autor mostrou-se favorável aos procedimentosque vinham sendo adotados, afirmando que:

[...] era o que se podia fazer no momento [...], se nada fizéssemos,

continuaríamos no mesmo marasmo intelectualista, [pois], se fosse dada

ampla e incondic ional l iberdade, correr íamos o r isco de cair num

verdadeiro caos, com uma or ientação ponderada e re lat ivamente

pormenorizada, rica de sugestões e com algumas fórmulas para os mais

tímidos e inexperientes, teríamos uma escola de transição. É o que temos

(MELO, 1955, p. 18).

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89Santa Catarina e o Programa Nacional de Reconstrução Educacional

Melo questionou as críticas apontadas por Moreira ao Departamento deEducação do Estado. Moreira criticou este departamento pela rigidez das suasinstruções em setores onde, pedagogicamente, deveria imperar um espírito delivre criação e autonomia; e, também, como apontado anteriormente nesteartigo, pela centralização de controle e fiscalização dos programas e currículos(MELO, 1955). Ele colocou-se em defesa das decisões que vinham sendo tomadaspelo Departamento de Educação do Estado, por considerar que este órgão nãoteria tomado atitudes rígidas e severas nas suas instruções de mudança, talcomo afirmara Moreira.

Para Melo, a maior dificuldade para as transformações se encontrava naincompreensão por parte dos professores, que, segundo ele, não tinhampossibilidade e capacidade de apreender o sentido e o alcance das novas idéiasde renovação. Defendia, portanto, a atitude de prudência do Departamento deEducação, que, cautelosamente, inseriria inovações tais como: a criação deAssociações Auxiliares da Escola; a flexibilização do horário escolar; a adoçãode novos programas para o curso primário e, mesmo a implantação do novoRegulamento para os Estabelecimentos de Ensino Primário.

Melo apontava ainda como uma forte razão que dificultava a compreensãodos professores a respeito das idéias renovadoras, a distância que guardavam oscursos de formação, da capacitação necessária ao mestre-escola. Nesse sentido,o autor sugeria uma formação mais voltada para aspectos da prática pedagógica:

alheios, na sua organização, dos problemas correntes e objetivos da escola

elementar catarinense e, na sua ampliação, mantendo o professorando em

reduzidíssimo contacto com esta escola, visam, os atuais programas, mais a

formação do “cientista”, do “erudito”, que do verdadeiro “mestre-escola”,

do professor primário como desejaríamos que realmente fosse: um

conhecedor, na prática, dos complexos problemas bio-psicopedagógicos de

uma sala de aula (MELO, 1955, p. 30).

Em suas reflexões, apresentadas no estudo e na análise, Melo fez questãode indicar que, a sua posição frente à formação que então era oferecida peloCurso Normal do estado, baseava-se na concordância com determinadaafirmação feita por Anísio Teixeira em palestra proferida em outubro de 1954,na qual assim se referia ao Ensino Normal no país:

[...] os atuais cursos normais são ‘pseudocursos’ de formação ou preparação

funcional, pois ao lado de pequena cultura profissional, continuam a dar

intensa cultura geral. Dever-se-ia perguntar: o que é que a profissão faz?

Baseados na resposta é que se deveria (sic) estabelecer as práticas de um

curso de preparação profissional (TEIXEIRA apud MELO,1955, p. 31).

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90 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

Duas ordens de problemas deveriam, pois, ser consideradas como cruciaispelas ações reformadoras previstas para o Programa Nacional de ReconstruçãoEducacional coordenado por Anísio Teixeira: o ensino excessivamente teórico edisfuncional e o deficiente treinamento de professores (MELO, 1960). Quanto àreforma das estruturas educacionais, Melo entendia como necessária a vitalizaçãodessas estruturas. Considerava, portanto, que o estado não carecia tanto dereformas estruturais no que dizia respeito ao Ensino Primário, mas sim, de novafilosofia, de fortalecimento daquilo que compunha a estrutura já existente.

Assim, recomendava meticulosa revisão dos programas de ensino, ondea moderna recomendação oriunda dos órgãos técnicos de Ministério daEducação e Cultura atrita com subprodutos de uma didática arcaica (MELO,1960, p. 2). Com o objetivo de exercitar, no aluno, as capacidades deautodeterminação e iniciativa, o autor apontava a necessidade de dar maiorênfase às experiências de situações vividas, em detrimento, de um ensinoverbal, na sua opinião, deficiente e improdutivo.

Com relação ao treinamento do professorado, Melo enfatizou de formasemelhante, ao já indicado por Moreira, a necessidade de instituir “missõespedagógicas itinerantes”, procedimento já previsto no Regulamento para osEstabelecimentos de Ensino Primário da época, mas não colocado em ação.Reforçou a indicação do técnico americano em assuntos de educação, SólonT. Kimball que, ao estudar a situação do sistema escolar brasileiro, teriasugerido a aplicação do que se denominava Teachers‘s Training Institute, eque consistia basicamente num programa municipal de formação doprofessorado, no qual, antes do início do período escolar, professores dasescolas municipais ou rurais seriam reunidos na sede do município, para umperíodo de instrução, organizado pela Secretaria Estadual de Educação com acolaboração do Ministério de Educação.

Para além da reestruturação administrativa, Melo (1960, p. 9), propunhaentão, a renovação do que ele denominava de “dinâmica educacional”. Para tanto,recomendava, como método de trabalho, três procedimentos essenciais, a saber:a) organização de uma equipe de técnicos para planejar os estudos; b) exame dosrelatórios, pareceres e estudos já existentes no Departamento de Educação; e c)investigação junto ao professorado, para auscultar a opinião da maioria.

Preocupado com a reforma pretendida por Anísio Teixeira, cujos passosiniciais visavam a estabelecer mudanças no aparelho administrativo daeducação nos diversos estados, Melo focalizou, particularmente, nos seusestudos e análises, os aspectos de natureza pedagógica, por considerar que:“a reestruturação dos órgãos administrativos da educação pode ser feita emcurto prazo; e, a reforma da dinâmica escolar, por abranger o problema nassuas bases mais profundas, exige prazo mais longo” (MELO, 1960, p. 9).

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91Santa Catarina e o Programa Nacional de Reconstrução Educacional

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tentativa de situar o Estado de Santa Catarina no interior das propostasdo Programa Nacional de Reconstrução Educacional realizadas pelo Inep foi odesafio primeiro deste artigo. Contudo, em virtude da falta de material e dedocumentos oficiais que permitissem uma acariação mais aprofundada entreas propostas do Instituto e as políticas implementadas pelo estado, buscamoscercar a temática, a partir das discussões e contribuições realizadas porintelectuais importantes dessa interlocução na década de 1950.

Destacou-se assim, principalmente, as contribuições de João RobertoMoreira, intelectual catarinense de projeção nacional, que realizou umprimeiro estudo sobre a situação do ensino de Santa Catarina, publicadoem 1954 e que se projetou nacionalmente como modelo para outrosdiagnósticos estaduais necessários ao desenvolvimento do Programa Nacionalde Reconstrução Educacional previsto para a década. Também a presençade Orlando Ferreira de Melo, considerado um interlocutor local do Inep, foidestacada como uma contribuição para a caracterização das inovaçõespretendidas pelo órgão para as políticas educacionais catarinenses.

Esses dois intelectuais contribuíram com seus estudos e publicações,para o desenvolvimento de um aspecto importante que marcou a décadade 50 no campo educacional, sob a liderança de Anísio Teixeira: o ethosda pesquisa e da ciência nesse campo do conhecimento. Mostraram,principalmente, a necessidade cada vez maior de articulação entre asCiências Sociais e a prática educativa, pautada na racionalidade científica,para propor medidas de mudança na realidade, mediante as políticaspúblicas estatais.

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95Educação Como Reconstituição e Reorganização da Experiência

EDUCAÇÃO COMO RECONSTITUIÇÃO E REORGANIZAÇÃO DAEXPERIÊNCIA: GUATEMALA, A ESCOLA-LABORATÓRIO DOINEP (1955-1964)

Yolanda Lima Lobo – UENFMiriam Waidenfeld Chaves – UFRJ

Constituído de quatro partes, o nosso trabalho tem como foco privilegiadoa 1ª Escola Experimental do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos: aEscola-laboratório Guatemala. Na primeira parte, tentamos resgatarsucintamente o percurso institucional do Inep, destacando seus principaismarcos teóricos. Em seguida, examinamos as ações empreendidas peloeducador Anísio Teixeira no interior do Instituto, em sua tentativa dereconstrução educacional do Brasil. Os princípios teóricos norteadores daspráticas pedagógicas da Escola-laboratório são abordados na terceira parte.Algumas considerações finais, na última parte.

1. O entrecho de uma gestação

As primeiras tentativas para se fundar um órgão encarregado de avaliaros resultados do ensino brasileiro remontam a 1823, por ocasião daAssembléia Constituinte. Treze anos depois, em 1846, a idéia assume novoscontornos no projeto elaborado pela Comissão de Instrução Pública paracriar um conselho, cuja finalidade seria a de controlar e examinar questõesgerais de ensino. Ainda no decorrer do Segundo Império, ensaia-se, porduas vezes, a instituição de um Conselho Superior de Instrução Pública, em1870, projeto do Ministro Paulino de Souza e, em 1877, projeto do MinistroJosé Bento da Cunha Figueiredo. Em 1882, o então deputado Rui Barbosasugere a criação do Conselho Superior de Instrução Nacional e, ligado aoConselho, o Museu Pedagógico, órgão específico de estudos educacionais.Entusiasmado com a experiência francesa do “Musée Pédagógique”, RuiBarbosa idealiza o “grande laboratório experimental das instituiçõeseducadoras no país”, órgão capaz de desenvolver a pesquisa educacional,o aperfeiçoamento dos métodos de ensino e concorrer para oaperfeiçoamento da cultura de professores e mestres. Um ano depois, em1883, Franklin Dória apresenta um projeto para criar o “Museu Nacional

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96 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

Escolar”. Contudo, somente em 1890, a idéia é institucionalizada com o“Pedagogium”, centro impulsor das reformas e melhoramentos de que carecea instrução nacional (Decreto n. 667, de 16 de agosto de 1890), criado pelotitular do Ministério de Instrução Pública, Correios e Telégrafo, BenjaminConstant. Em 1896, transfere-se o “Pedagogium” para a alçada restrita doDistrito Federal e, em 1919, decreta-se sua extinção.

A idéia de organizar um órgão com a finalidade de realizar estudossistematizados dos problemas educacionais perpassa a década de trinta.Após a Revolução, o Governo Provisório de Getúlio Vargas criou o Ministérioda Educação e Saúde em cuja estrutura se destaca a Diretoria Nacional deEducação que, além de cuidar das tarefas administrativas da organizaçãoescolar brasileira, a partir de 1934, ocupa-se também, de estudos dosproblemas brasileiros de educação.

Na gestão do ministro Gustavo Capanema, essa diretoria foitransformada em Departamento Nacional de Educação e os trabalhos deestudos e pesquisas passariam para um órgão que seria criado em 1936,o Instituto Nacional de Pedagogia, cuja oficialização, entretanto, só sedeu através da Lei n. 378, de 13 de janeiro de 1937, com a finalidade derealizar pesquisas sobre os problemas do ensino, nos seus diferentesaspectos. Em 30 de julho de 1938, com o Decreto-Lei n. 580, esse Institutopassa a se denominar Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep),tendo as seguintes atribuições: organizar documentação relativa à históriae ao estudo das doutrinas e das técnicas pedagógicas; promover inquéritose pesquisas sobre todos os problemas atinentes à organização do ensino,bem como sobre os vários métodos e processos pedagógicos; promoverinvestigações no terreno da psicologia aplicada à educação, bem comorelativamente ao problema da orientação e seleção profissional; e, prestarassistência técnica aos serviços estaduais, municipais e particulares deeducação.

Constituía ainda função do Inep, cooperar com o recém criadoDepartamento Administrativo do Serviço Público (Dasp), por meio dostrabalhos de seleção, aperfeiçoamento, especialização e readaptação dofuncionalismo público da União. Ligado diretamente ao Ministro da Educaçãoe Saúde, o Instituto foi organizado em seções técnicas e sua estruturacomportava um Serviço de Biometria Médica, uma Biblioteca Pedagógica eum Museu Pedagógico1.

1 Essa breve síntese foi elaborada tendo como fontes principais o histórico do INEP: Retrospectiva Analítica dosPrimeiros sete anos do INEP e Os Estudos e As Pesquisas Educacionais no Ministério da Educação e Cultura,publicados respectivamente, na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 7, n. 16, outubro1945 e na Revista Educação e Ciências Sociais, e Boletim do CBPE, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1 agosto 1956.

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97Educação Como Reconstituição e Reorganização da Experiência

Na qualidade de seu primeiro Diretor, coube ao professor Lourenço Filhoa tarefa de organizar e instalar o Inep. Sob a perspectiva teórica da psicologiaeducacional, Lourenço Filho desenvolveu um programa de ação que permitiuconsolidar os trabalhos das seções técnicas. Data de então, o plano desistematização da documentação pedagógica do país, nos seus diferentesaspectos de legislação, federal e estadual, movimento escolar, bem como, oplano para o levantamento da Bibliografia Pedagógica Brasileira2, desde ostempos colônias. A Seção de Inquéritos e Pesquisas coletou e sistematizoudados sobre o movimento escolar em todo o país, a partir de 1932, fazendoestimativas da população escolarizada e da possível futura escolarização.

Foi na gestão Lourenço Filho que o Inep iniciou o processo de documentaçãoda vida educacional brasileira, de intercâmbio e da publicação dos resultadosde suas atividades com a criação da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos.No que se refere aos trabalhos de pesquisa, pode-se observar que sua prioridaderecai nos estudos sobre os processos de ensino – linguagem infantil, vocabuláriocorrente, literatura infantil – e no levantamento de dados estatísticos para, comeles, caracterizar o aspecto quantitativo da educação brasileira, suas deficiênciase o ritmo de desenvolvimento. Ainda na sua gestão, se procedeu aos estudospreliminares para criação do Fundo Nacional do Ensino Primário, os meios deassegurar recursos para esse fundo, definição de critérios de aplicação dessesrecursos que, em 1942, resultariam na instituição do Fundo Nacional de EnsinoPrimário (Decreto-Lei n. 4.958, de 14 de novembro de 1942).

O segundo diretor do Inep, Murilo Braga de Carvalho, assumiu o cargoem 1946, no momento em que são transferidas para esse órgão as atribuiçõesda antiga Diretoria do Ensino Primário e Normal, passando o Instituto aadministrar os recursos do Fundo Nacional do Ensino Primário. Duas prioridadesde política educacional foram estabelecidas no plano de aplicação do Fundo:a construção de prédios para grupos escolares, escolas isoladas, escolasnormais e o aperfeiçoamento de professores.

No que se refere ao aperfeiçoamento de professores, tratou-se de criarno próprio Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, um sistema de cursospara professores do interior, com um programa de bolsas de estudos, pormeio do Decreto-Lei n. 8.583, de 08 de novembro de 1946, cujos objetivosseriam: habilitar e aperfeiçoar pessoal para as funções de administração deserviços educacionais, documentação e pesquisa pedagógica, da União, dosestados, territórios e municípios; aperfeiçoar pessoal dos serviços de inspeçãoe orientação do Ensino Primário; divulgar conhecimentos especializados sobre

2 Era idéia de Lourenço Filho construir um acervo bibliográfico e arquivístico com o objetivo de organizar esocializar as informações coletadas pelos estudos e pesquisas. No entanto, somente na gestão de AnísioTeixeira esse acervo seria criado através do Centro de Documentação Pedagógica.

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98 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

assuntos de educação; e, incentivar o interesse pelo estudo objetivo daeducação nacional. Os seis anos da administração de Murilo Braga de Carvalho,basicamente cuidaram de duas prioridades: desenvolver um plano destinadoa expandir a rede escolar primária e normal e promover cursos deaperfeiçoamento para professores do magistério primário.

A função de administrar do Fundo Nacional de Ensino Primário trouxepara o Inep, novas atribuições que, sem dúvida, o fortaleceram politicamente.Porém, não se pode deixar de assinalar que essas atribuições inviabilizaram,naquele momento, o prosseguimento das atividades de estudo e pesquisa,iniciadas na gestão Lourenço Filho. Esse desvio de rota merecerá especialatenção na administração Anísio Teixeira.

2. O sentido pedagógico do Inep durante a gestão de Anísio Teixeira

Chamado para dirigir o Inep em 1952, em conseqüência da morteacidental de seu antecessor, Anísio Teixeira, Diretor da Capes, desde o anoanterior, passa a exercer simultaneamente a função de Secretário Geral daCapes e de Diretor do Instituto, situação que persiste até 1964.

Sua preocupação central, como diretor do Inep, é a de trazer para oprimeiro plano, as atividades de estudos e pesquisas necessárias para definir“com realismo operante de meios e a uma inteligência esclarecida de fins epropósitos”, a política educacional do MEC (TEIXEIRA, 1952, p. 76). Paratanto, fazia-se imprescindível corrigir o desvio de rota, de modo a permitir oalcance de novos horizontes para a instituição. Em suas palavras:

[...] as funções do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos deverão ganhar

[...] amplitude maior, buscando tornar-se, tanto quanto possível, o centro de

inspirações do magistério nacional para a formação daquela consciência

educacional comum que, mais do que qualquer outra força, deverá dirigir e

orientar a escola brasileira [...]. Os estudos do Inep deverão ajudar a eclosão

desse movimento de consciência nacional indispensável à reconstrução

escolar (TEIXEIRA, 1952, p. 76 e 77).

Desse modo, cria-se de imediato, a Campanha de Inquérito e Levantamentodo Ensino Médio Elementar (Cileme) e a Campanha do Livro Didático e Materialde Ensino (Caldeme), que sintetizarão alguns de seus ideais no Inep. Enquantoa primeira concretizava os objetivos de estudos e pesquisas, realizando umamplo levantamento da situação do Ensino Médio Elementar do país, a segundase ocupara, fundamentalmente, em produzir material didático de boa qualidade,que pudesse servir de guia para os professores em sala de aula, cumprindo afunção de assistência técnica ao professorado.

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99Educação Como Reconstituição e Reorganização da Experiência

Sob a perspectiva “antropossocial”, se institucionaliza uma culturapedagógica sólida para o país, capaz de elaborar, com base na apuração dosfatos sociais, livros didáticos, novas propostas curriculares e programas deaperfeiçoamento de professores de todas as regiões do Brasil. Para isso,inaugura-se em 1953, o Centro de Documentação Pedagógica, que deveriasistematizar os trabalhos desenvolvidos pelas campanhas acima citadas epelas diversas seções do Inep, com a intenção de formar um acervo literárioe pedagógico no antigo Distrito Federal e de divulgar entre os professoresbrasileiros, os resultados de pesquisas importantes, em Ciências Sociais. Alémdisso, ainda naquele ano, se começa a gestar o Centro de Altos EstudosEducacionais que vai dar origem ao Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais(CBPE), iniciativa viabilizada com o apoio da Unesco3.

A criação do CBPE em 1954, na cidade do Rio de Janeiro e dos demaisCentros Regionais de Pesquisas de Porto Alegre, Recife, Salvador, BeloHorizonte e São Paulo, estabelece as bases para a política que Anísio Teixeirajá vinha implementando no Inep. Segundo Mendonça (2002, p. 12), é atravésdo “CBPE que Anísio Teixeira transforma o Inep no cérebro pensante doMinistério”, tornando-o um verdadeiro centro de produção e formulação depolíticas educacionais que, calcadas em grandes pesquisas sobre a realidadeescolar brasileira, procura intervir nos sistemas de ensino, modernizando-ose adaptando-os às novas necessidades de uma nação que cada vez maisexigia uma escola formadora de quadros especializados.

Cabe ressaltar que a administração de Anísio Teixeira no Inep – instância dopoder federal – dá continuidade ao trabalho que ele próprio já havia tentadodesenvolver nas esferas municipal e estadual, na Bahia, nas décadas de 20 e 40,e no Distrito Federal, em 1931. Pode-se afirmar que nos anos 50 e 60, por meiode toda uma maquinaria de âmbito nacional, Anísio Teixeira tem a possibilidadede espraiar para a nação, de modo mais organizado e sistemático, as basescientíficas de seu projeto de reconstrução educacional do Brasil, fundamentadonos princípios de experimentação e descentralização administrativa.

É importante salientar que os programas de pesquisas“socioantropológicas” desenvolvidos pelo CBPE, além de proporcionarem oestabelecimento de base científica para uma compreensão mais profunda

3 Consultar o Documento Klineberg, no qual se encontra o plano de organização do Centro Brasileiro dePesquisas Educacionais e Centros Regionais, publicado na Revista Educação e Ciências Sociais sob o título:Os estudos e as pesquisas educacionais no Ministério da Educação e Cultura, Boletim do CBPE, v. 1, n. 1,p. 5-6, 1956. Participaram de reunião realizada em 18 de agosto de 1955, que aprovou o documento finalde criação do Centro os seguintes educadores e cientistas sociais: Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo,Almeida Júnior, J. Roberto Moreira, Charles Wagley, Mário de Brito, Jaime Abreu, L. de Castro Faria,Antonio Cândido de Melo e Souza, José Bonifácio Rodrigues, Lourival Machado, o sociólogo britânicoBertram Hutchinson, Florestan Fernandes, Egon Schaden, L. Costa Pinto e o representante no Brasil daAssistência Técnica da ONU, Henri Laurentie.

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dos nossos problemas educacionais, tornando assim, a arte de educar umaarte mais científica, possibilitaram o desenvolvimento das próprias CiênciasSociais no Brasil, acarretando, naquele momento, um diálogo único entre aEducação e as Ciências Sociais, uma vez que o diagnóstico das pesquisasoriundas deste campo deveria ser a base para o planejamento educacional4.

A estrutura organizacional do CBPE compreendia quatro Divisões: a) Divisãode Estudos e Pesquisas Sociais – Deps, encarregada da realização de estudose pesquisas que conduzissem ao conhecimento da cultura e da sociedadebrasileira e de seu desenvolvimento em conjunto, e em cada região do país,a fim de permitir uma compreensão mais ampla e profunda possível, dosfatos educacionais em suas relações com a vida social; b) Divisão de Estudose Pesquisas Educacionais – DEPE, que tinha a seu encargo, o levantamento deum quadro completo e satisfatório do estado atual da educação brasileira,em todos os níveis e ramos e em todas as regiões do país; c) Divisão deDocumentação e Informação Pedagógica – DDIP; e, d) Divisão deAperfeiçoamento do Magistério – DAM. Uma das atribuições dessa últimaera a de organizar e manter escolas experimentais, destinadas a servir decampo experimental para os diversos cursos de aperfeiçoamento por elaoferecidos. Essas funcionariam como laboratórios para estudos e pesquisassobre o escolar, programas de ensino, preparo do professor, métodos erecursos de educação e outros problemas correlatos.

A oportunidade para criar a Escola Experimental nº. 1, ocorreu em 1955 nacidade do Rio de Janeiro. Em maio de 1954, a Secretaria de Educação da Prefeiturado Distrito Federal, inaugurou a Escola Guatemala e a Direção do Inep escolheu-a para desenvolver suas atividades de pesquisa sobre problemas de organizaçãodo ensino e estudo dos métodos e processos pedagógicos no âmbito daEducação Primária. Assim, instituiu-se a Escola-Laboratório5 do Inep, campo deaplicação das investigações de psicologia aplicada à educação, experimentaçãode métodos pedagógicos e programa de aperfeiçoamento do magistério primáriodo Distrito Federal, bem como de bolsistas de todo o país.

Além do aperfeiçoamento dos professores em exercício na EscolaGuatemala e de bolsistas dos estados, cabia-lhe desenvolver o seguinte

4 Sobre as relações entre Educação e Ciências Sociais no Brasil consultar os trabalhos de Vera Henriques,e Libânea Xavier, respectivamente, Educação e ciências sociais no Brasil: Possíveis Relações. Caderno dePesquisas da Fundação Carlos Chagas, Rio de Janeiro, n. 103, p. 81-99, mar, 1988. O Brasil comolaboratório-educação e ciências sociais no projeto dos centros brasileiros de pesquisas educacionais. SãoPaulo: Editora São Francisco, 1999.5 A idéia de Escola-Laboratório guarda semelhança com a escola experimental “Laboratory School ou DeweySchool”, criada em 1896 pelo filósofo americano John Dewey em Chicago. A esse respeito, consultar oexcelente trabalho do Professor Carlos Otávio Fiúza Moreira: Entre o Indivíduo e a sociedade, Um estudo daFilosofia da Educação de John Dewey, especialmente o capítulo 2 – Pensando na prática: a escola laboratórioda universidade de Chicago.

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programa de trabalho: formar as bases para o aperfeiçoamento do professorprimário: investigar os interesses das crianças em idade escolar; atualizarprogramas do Ensino Primário; desenvolver alternativas para a seriação escolar;examinar a formação e apreciação de atitudes na Escola Primária; criarinstrumentos para diagnosticar as dificuldades dos alunos; criar métodos erecursos mais adequados à Educação Primária; criar medidas de rendimentoda Educação Primária em seus vários aspectos; e, criar recursos para atenderàs crianças com dificuldades especiais ou em condições de atraso escolar.

Especificamente, seria por intermédio da Divisão de Aperfeiçoamento doMagistério, que o CBPE concentraria os seus esforços no sentido de fazer aGuatemala sua escola experimental n. 1, objetivando a construção de um novocurrículo escolar em suas salas de aula. Faria isso com a intenção de ligar aatividade pedagógica à vida dos alunos, por meio da formulação de atividadesracionais orientadas para a ação e, desse modo, sistematizar uma nova culturapedagógica que se adequasse às novas exigências de uma sociedade urbanaem desenvolvimento. Era objetivo do CBPE que as pesquisas sociais e oconhecimento científico estivessem a serviço da melhoria de qualidade da escolabrasileira, possibilitando não somente a construção de novos currículos, comotambém, tornando os seus professores agentes pensantes de sua própria prática.A investigação científica da realidade educacional brasileira produziu o retratode uma escola que precisava ser transformada.

2.1. Um retrato da escola brasileira

A percepção bastante clara sobre o que deveria ser transformado na escolabrasileira, não apenas no que diz respeito aos métodos e no cotidiano escolar,mas, sobretudo, acerca de suas intenções e finalidades, pode ser evidenciadaem estudos que retratam a escola brasileira. Observe-se que os anos 50,introduzem a nação em um novo patamar de desenvolvimento, e a escola deveriacumprir um papel de grande destaque em todo esse processo de mudança social.

Um desses estudos, publicado em 1957, expõe as Bases para umaprogramação da educação primária no Brasil, cujo autor, Anísio Teixeira, apontaas principais dificuldades enfrentadas pela escola brasileira. Ainda na segundametade da década de cinqüenta, dois trabalhos produzidos por cientistassociais do CBPE, José Roberto Moreira (1957) e Josildeth Gomes Consorte(1959), respectivamente, a escola primária brasileira e A criança favelada e aescola pública, mostram os entraves que a escola enfrentava no seu cotidiano,para superar seus preconceitos, estereótipos, comodismos, desleixos e faltade interesse daqueles que se encontravam diretamente ligados à educação.

Uma primeira consideração feita por Anísio Teixeira se refere aodescompasso existente entre a pouca quantidade de educação que o Brasil

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oferecia aos seus alunos e às necessidades que deveriam ser atendidas para seudesenvolvimento. Nesse caso, estaria implícita uma nova exigência educacional,a qual a escola deveria cumprir. Ela deveria ampliar, pelo menos nas cidades, aescolaridade obrigatória para 12 anos, estendendo o Ensino Primário para seisanos (TEIXEIRA, 1957). O novo crescimento tecnológico, as novas exigências domundo do trabalho, a passagem de uma sociedade predominantemente ruralpara uma situação de predomínio industrial e um correspondente progressocultural, exigiam o prolongamento da escolaridade comum e a sua diversificação,de modo a oferecer a todos os brasileiros, a educação de base. Era preciso, pois,fixar o tempo necessário, em número de anos e horas diárias, para essa formaçãobásica indispensável ao homem comum.

O segundo ponto abordado por Anísio Teixeira diz respeito à concepçãofilosófica formadora da escola brasileira, herança da escola intelectualistafrancesa que, opondo o conhecimento superior ou racional ao conhecimentoempírico, privilegiava em salas de aula, apenas a inteligência de tipo dedutivo,isto é, aquela que destaca a palavra e o raciocínio abstrato, esquecendo-se deoutros tipos de inteligência que seriam imprescindíveis para a nossa civilização.

Assim, propunha que a escola brasileira fomentasse, em seu interior,aquilo que ele chamaria de inteligência de caráter prático, a qual concebe aação, um papel de destaque no processo de desenvolvimento do pensamento,na medida em que a experiência seria um elemento constitutivo do próprioato de pensar. É preciso sublinhar que não se tratava de uma simplessubstituição, mas de renovar o racionalismo tradicional, naquilo em que elese mostrava insuficiente6.

Um outro aspecto por ele levantado se refere ao fato de a escola adotarum sistema draconiano de exames e uma rigidez na seriação escolar.Embasado nas pesquisas de Moysés Kessel, que faz uma radiografia da evasãoescolar no Ensino Primário, afirma que o sistema escolar brasileiro não chegaainda a existir (TEIXEIRA, 1957), uma vez que a criança brasileira possuíauma educação média de dois anos e meio no máximo e que, assim, apenas15% cumpriam quatro anos de escolaridade, o mínimo necessário para seconsiderar com o domínio pleno das habilidades cobradas pelas novasexigências sociais.

Tal contabilidade, segundo Anísio Teixeira (1957), demonstrava que, seo aluno brasileiro não tivesse oportunidade de desenvolver o pensamentoarticulado, racional e reflexivo, estaria impossibilitado de dirigir, de forma

6 As reflexões de Anísio Teixeira apontam na direção do Pragmatismo como paradigma filosófico, comenfoque no Utilitarismo Lógico, cujo principal representante foi John Dewey, para Anísio Teixeira o “restauradorda unidade e o filósofo da democracia”. Ao traduzir Democracia e Educação, Anísio apresenta tal obra comouma “Summa” moderna dos conhecimentos pedagógicos que daria sentido e direção às perplexidades daépoca e orientaria o pensamento e a ação dos educadores brasileiros, na primeira metade dos anos trinta.

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autônoma e independente, o seu futuro e o da nação. Daí, a contradiçãobásica que o país enfrentava: o descompasso entre um razoável progressotécnico já atingido e a situação educacional vigente que estaria impedindoo pleno exercício da democracia, visto que ela exige a participação coletivados indivíduos nas decisões de certos problemas nacionais.

Um outro problema apontado por Anísio Teixeira se refere ao sistemade matrículas, que segundo ele, se transformava em algo completamenteanárquico, conduzido pelo sentimentalismo e não por um planejamentoracional. A falta de planejamento inviabilizava a projeção da expansão damatrícula, impedindo assim, o seu fluxo contínuo, uma vez que as vagasexistentes privilegiavam os alunos mais velhos, deixando fora da escola,os de sete anos, que teriam de retardar seu ingresso no sistema. Apóstecer críticas aos rígidos padrões da organização seriada da escola brasileirae ao seu anárquico sistema de matrícula, Anísio Teixeira (1957) ofereceuma solução que se liga às duas problemáticas: a promoção automáticaou flexível, que substituiria o rígido sistema vigente por um critério declassificação dos alunos nos grupos a que melhor se adaptassem. Apromoção flexível impediria a existência de uma escola seletiva e, também,faria com que o aluno não fosse obrigado a se adaptar a padrões escolaresinadequados ao seu tipo de inteligência. A escola estaria, assim, cumprindoa sua função pública de educar a todos, respeitando as singularidadesintelectuais, culturais e sociais de cada um dos seus alunos.

A execução desse sistema exigiria preparo especial do professorpara compreender o novo trabalho que lhe cabia. Sem a compreensãodas finalidades e do sentido da mudança, da necessidade de atençãoàs diferenças individuais, bem como do emprego de técnicas emateriais apropriados, se teria um arremedo de sistema, que perderiatoda sua eficácia.

A implantação do sistema de promoção flexível exigiria, ainda, areorganização do currículo, considerando-se a dosagem e a distribuiçãodas atividades curriculares, no sentido de garantir ao processo educativo,a continuidade que deve caracterizá-lo, a fim de que ele possa preencheras suas finalidades. Anísio Teixeira defendia a autonomia das escolaspara experimentar currículos diferenciados, viabilizada por meio de umsistema administrativo descentralizado que, entre outras coisas, garantiriauma escola pública marcada pela diversidade e heterogeneidade social ecultural. Sendo preenchidas essas condições, se teria um fluxo naturaldas crianças através dos anos escolares, graças à diferenciação deprogramas, à adequação da avaliação, à capacidade do professor deatender às diferenças individuais.

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Entretanto, instituir tal reforma, somente seria possível se antecedidapor um período de preparo necessário, acompanhado de estudos científicosdos programas, tarefa que cabia ao CBPE. Assim é que, em 1954, iniciam-sevários estudos. Entre eles, vale destacar, aquele sobre relações de uma escolaprimária com seu bairro e vizinhança na cidade do Rio de Janeiro, realizadopelo cientista social britânico Andrew Pearse7, com a colaboração da cientistasocial Josildeth Gomes Consorte, cujos resultados foram publicados no artigoa criança favelada e a escola pública8, de autoria do referido pesquisador.

A referida autora examina o problema de ajustamento da criança faveladaa uma escola pública primária localizada no bairro de Vila Isabel, zona urbanada cidade do Rio de Janeiro. A amostra de sua pesquisa era constituída decrianças residentes em favelas que apresentavam os maiores índices derepetência, evasão e ingresso tardio na escola. A pesquisadora se preocupaem investigar as causas responsáveis por essa situação e a identificar asmedidas necessárias a serem tomadas para modificá-la. Através de umconfronto entre os ideais educacionais que constituíam as bases em que seassentava a organização da escola e as características peculiares ao grupode estudo, a estudiosa procurou desvendar as raízes desse desencontro.

Com relação às crianças, a escola tinha quatro aspirações principais: a)que elas ingressassem na escola aos sete anos de idade; b) que superassemem cada ano letivo, as dificuldades próprias de cada série; c) que permanecessemna escola durante cinco anos, tempo necessário para a conclusão do curso; e, d)que ingressassem no Ensino Médio, após a sua conclusão. Ora, a criança faveladaestava longe de alcançar esses ideais. Assim sendo, a escola pública não conseguiaintegrar esses alunos aos seus padrões escolares. Eram eles os que mais sofriampela falta de vagas devido à discriminação a que estavam sujeitos no ato damatrícula e os que também mais estavam fadados à repetência, posto que suasocialização familiar não ocorria segundo os ideais da escola.

A partir disso, a pesquisadora conclui que:

[...] por razões decorrentes de sua origem, a escola primária que aí está tem

exigências que nem todas as crianças que hoje a procuram podem cumprir.

Tendo surgido como uma instituição de uma sociedade urbana incipiente,

pré-industrial, para servir a certas camadas da população, não se encontra

aparelhada para atender à grande massa que hoje a freqüenta. Apesar disso,

7 Consultar o trabalho publicado por Andrew Pearse sob o título “Notas sobre a organização social de umafavela do Rio de Janeiro”, Educação e Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 3, n. 7, abril 1958.8 A referida autora publica na Revista Educação e Ciências Sociais, uma série de artigos (3) sobre apesquisa que realizou na Escola Argentina; além desse artigo publicado em 1959, publicou no ano anterioro primeiro deles sob o título “Sobre os objetivos da Escola Primária – Opinião de um grupo de professoresdo Distrito Federal”. Educação e Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 3, n. 7, abril 1958.

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insiste em permanecer como está, exigindo que a ela, se adaptem todos

quantos dela necessitam. Quando reconhece a heterogeneidade do

elemento com que está lidando e a diversidade de suas necessidades é

apenas para proceder a uma impiedosa seleção em favor dos mais aptos,

em total prejuízo dos que não se encontram em condições de corresponder-

lhes às expectativas (CONSORTE, 1959, p. 59-60).

Propõe a autora que a escola se submeta a uma revisão profunda noque se refere a seus objetivos, estrutura, organização curricular, programase processos de ensino e, sobretudo, que capacite os seus professorespara atender às novas exigências.

O problema da seletividade da escola brasileira é abordado por JoséRoberto Moreira em A escola primária brasileira (1957). Moreira chama aatenção para o fato de a mesma, em plena década de 50, continuarpedagogicamente pobre, reduzida em suas atividades, dotada de umsistema de avaliação bastante rígido e de caráter seletivo e segregacionista.O autor descreve minuciosamente o cotidiano de várias escolas, situadasem algumas das mais importantes cidades do país, focando, de modoespecial, a forma pela qual os professores se relacionam com os conteúdoscurriculares e com os seus alunos, bem como as conseqüências dissopara aprendizagem.

Assim, ele demonstra como no espaço de tempo em que estãofisicamente próximos, os professores e os alunos vivem vidas separadas.Em sala de aula, os alunos são agrupados por critérios de inteligência,poder aquisitivo e preferência da professora, o que produz um ambientesegregacionista. As lições são ensinadas mecanicamente e os conteúdosnão se ligam uns com os outros, parecendo ao aluno, uma colcha de retalhossem sentido nenhum. A ameaça da quebra do silêncio em sala de aula éresolvida por meio sanções como a perda do recreio ou a permanência naescola depois do sinal. A aprendizagem se pauta pela memorização, nãohavendo nenhuma preocupação com a aplicabilidade do que é ensinado.Os professores discriminam os alunos que não cumprem com as exigênciasescolares. Nesse cenário, Roberto Moreira conclui o seguinte:

[...] a preocupação da escola brasileira não era nem com a criança, nem

com a comunidade ou sociedade. A sua preocupação é com o cumprimento

de um horário e de um programa, segundo processos formais, dentro de

uma rotina pré-estabelecida e invariável. Isto é o que lhe caracteriza: a

segregação, o isolamento da vida, o caráter de clube fechado, sem relação

com as outras instituições sociais (MOREIRA, 1957, p. 168).

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Alguns pontos em comum podem ser depreendidos dos textos dessesautores. Para Anísio Teixeira, Roberto Moreira e Josildeth Consorte, da maneiracomo estava organizada a escola primária brasileira, essa se apresentavaaltamente seletiva, uma vez que estabelecia padrões extremamente elevadospara ascensão da criança a cada etapa de sua seriação. Apresentava númeroinsuficiente de anos e de tempo necessários para a formação básicaindispensável ao homem comum. Uma tal organização era fator inibidor daextensão da educação de base, da educação para todos.

O quadro desolador revelado por esses estudos precisava ser enfrentado.Tarefa que o Inep assume em seu programa de ação, através de sua Divisãode Aperfeiçoamento do Magistério. Cabia-lhe, pois, a responsabilidade decoordenar uma ação eficiente para resolução desses problemas, de modo areorganizar o sistema de ensino em termos de realidade brasileira.

3. A Escola-Laboratório Guatemala

Antes de iniciar a exposição acerca das experimentações pedagógicasocorridas na Escola Guatemala, nos anos cinqüenta, é importante salientar queAnísio Teixeira, nos anos 30, enquanto Diretor do Departamento de Educaçãodo antigo Distrito Federal, já havia utilizado o procedimento de criação de escolasexperimentais, com o objetivo de gestar novos métodos pedagógicos, nas EscolasArgentina, Bárbara Ottoni, México, Estados Unidos e Manuel Bonfim.

Mas, como era a Escola Guatemala?9 Quais as características sociais eescolares dos seus atores: os professores, os alunos e a comunidade? Quais asquestões obrigatórias discutidas e estudadas pelos professores naquela época?

A Escola Guatemala é uma escola pública singular do Município do Riode Janeiro e como tal, enfrentava as mesmas dificuldades das outras escolas.Situada em prédio próprio na Praça Aguirre Cerda nº. 55, no bairro de Fátima,área central do município do Rio de Janeiro, possui três pavimentos, cujoacesso se faz por meio de uma rampa que desemboca em um pátio de ondese desenha uma escada que conduz ao primeiro andar e ao auditório, salasde aula e salas para as atividades práticas. O espaço livre é bastante pequeno,devido ao terreno íngreme. Administrativamente pertencia à rede pública deensino da Secretaria de Educação do Distrito Federal, que se ocupava doregistro escolar dos seus alunos e, pedagogicamente, era dirigida pelo Inepque, por meio de sua Divisão de Aperfeiçoamento do Magistério, definia osrumos da experimentação na escola.

9 A escola Guatemala é o objeto de estudo da excelente Tese de Doutorado da professora Cléo de OliveiraPassos (FE/UFRJ), na qual podem-se encontrar elementos reveladores do cotidiano dessa Escola.

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Além desse controle pedagógico, ao Instituto cabia ainda, escolher adiretora da escola, cujo processo de seleção somente foi concluído apósduas tentativas mal sucedidas em 1958, em uma terceira quando foi indicadapara o cargo Dona Almira Sampaio Brasil, técnica do Inep e orientadora daescola, que permaneceu na direção por todo o período em que vigorou oconvênio entre a Secretaria Municipal de Educação do Distrito Federal e aDivisão de Aperfeiçoamento do Magistério do Inep. O corpo docente,inicialmente formado por vinte e cinco professoras, dezoito regentes de turmae sete que se revezavam nas atividades complementares, passou a ser formadopor um grupo que se encontrava na escola desde a sua inauguração e, umoutro, de professores da rede pública, que voluntariamente se apresentarampara participar do projeto.

No entanto, a árdua jornada de trabalho era um desafio a ser vencidopelos professores. O horário era integral, das 7:30 às 15:00 horas, para osalunos e das 7:30 às 16:00 horas, para os professores. Fazer face a essedesafio, era tarefa que nem todos conseguiam. A rotatividade de docentes naprimeira fase de implantação do projeto alcançou cerca de 50%. Dez professoresforam substituídos nessa fase. O que levou a supervisora do Inep a solicitarindicações de dez novos docentes à direção do Instituto de Educação do Rio deJaneiro. Recomposta a equipe, mais ou menos em meados de 1957, o métodode projetos pôde ser mais adequadamente colocado em prática.

Essa estrutura administrativa pedagógica montada na Escola Guatemaladeveria cumprir uma função bastante importante: uma de promover odesenvolvimento de uma nova cultura pedagógica no país, através datransformação da escola em um campo de experimentação de iniciativas quedessem maior eficiência ao sistema educacional brasileiro, nos níveis pré-elementar e elementar e, a outra, de criar um campo permanente dedemonstração e treinamento para pesquisadores e docentes da capital e deoutros estados do país.

A escola recebia professores de outros estados, bolsistas do Inep, osquais cumpriam uma jornada diária de oito horas. Pela manhã, essesacompanhavam o trabalho dos professores em sala de aulas e, à tarde,freqüentavam os cursos ministrados por especialistas do CBPE. No final datarde, participavam das reuniões conjuntas entre especialistas do Instituto eprofessoras regentes, nas quais eram discutidos os rumos das atividadespedagógicas para o dia seguinte.

Com um contingente de 800 alunos, oriundos do Bairro de Fátima e dealguns morros do bairro de Santa Teresa, distribuídos em quatro turmas dealfabetização, três de segunda e terceira séries e duas de quarta e quintaséries, agrupadas a partir da idade, a população escolar da Guatemala nãose diferenciava daquela de outras escolas da rede municipal, uma vez que

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não havia seleção prévia para ingresso na escola. O material escolar eragratuitamente distribuído entre os alunos que não dispunham de recursos paracomprá-lo, sendo adquirido com recursos da Caixa Escolar. Nele se incluía nãosomente lápis e caderno, mas também o uniforme completo. Os alunos queresidiam próximo à escola almoçavam em suas casas, retornando à tarde.

As atividades da escola eram organizadas, tendo como fundamento o métodode projeto que opera o pensamento reflexivo a partir de uma visão prática dopróprio conhecimento10. De acordo com essa metodologia, o ensinoaprendizagemseria constituído a partir de atividades que estivessem ligadas à própria vida, oque exigiria que se levasse em conta três princípios básicos: a) o princípio dasituação problema que despertaria o interesse do aluno, a fim de que nele surgissevontade de resolver a referida situação problema. Nesse caso, os programaseram bastante flexíveis, uma vez que os alunos, freqüentemente, escolhiam otema do projeto, cabendo ao professor, extrair deles o que deveria ser ensinadoem sala de aula; b) o princípio da experiência real, que concebe a realidadecomo uma construção do pensamento e, assim sendo, o conhecimento somenteformaria hábito se estivesse ligado a uma experiência ou atividade concreta,efetuada com êxito; e, c) o princípio da eficácia social, que entendia o projetocomo a função de ensinar o aluno a viver em sociedade.

Esses princípios organizam a teoria do desenvolvimento orgânico, orientadorado projeto pedagógico da escola e para quem, o aluno que está a adquirirexperiência participa intimamente das atividades do mundo a que pertence. Oconhecimento é um modo de participar dessas atividades, na proporção emque se mostre operante, uma vez que não pode ser a contemplação ociosa deum espectador desinteressado. Daí, a denominação “método experimental”ou de “projetos” que apresenta dois aspectos. Por um lado, significa que nãose pode chamar alguma coisa de conhecimento exato, exceto quando a atividadenela produzir, de fato, certas mudanças físicas. Na falta dessas mudançasespeciais, as idéias são unicamente hipóteses, conjeturas.

Por outro lado, o método experimental de pensar significa que opensamento tem utilidade, ele é útil exatamente no grau em que a previsãode conseqüências futuras é feita baseada na observação completa dascondições presentes. O método é, pois, uma experimentação de idéias. Afunção do conhecimento é tornar uma experiência livremente aproveitável emoutras experiências. A palavra livremente assinala a diferença entre o princípio

10 Para uma definição do ato de pensar reflexivo, consultar a obra Como pensamos, de John Dewey. SãoPaulo: Editora Ltda, 1933. Para Dewey, o pensamento reflexivo faz um ativo, prolongado e cuidadosoexame de toda crença ou espécie hipotética de conhecimento. Exame realizado à luz dos argumentos quea apóiam e das conclusões a que chegam. Para firmar uma crença em uma sólida base de argumento énecessário um esforço consciente e voluntário.

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do conhecimento e o princípio do hábito. Isso significa que o indivíduo sofreuma modificação por meio da experiência, modificação essa que cria umapredisposição para a ação mais fácil e eficaz, no futuro e na mesma direção.Isto é, o hábito presume a semelhança essencial de uma situação nova comoutra antiga, tornando uma experiência aproveitável em outras subseqüentes.O hábito exige que se faça associações, se estabeleça conexões e se userecursos de invenção do engenho.

Nesta perspectiva, a escola concebe o seu trabalho a partir do que ocorrena própria vida social e, assim sendo, rompe com uma realidade bastantepresente nas escolas brasileiras, descrita por Roberto Moreira, que é aseparação entre vida escolar e a vida concreta dos alunos. Através do métodode projetos, estaria se buscando eliminar das salas de aulas, as atividadesmarcadas pela memorização, a apresentação desconexa do conteúdo e osilêncio que impedia toda e qualquer manifestação espontânea dos alunos.Além disso, é característica do método de projetos a divisão de trabalhoatravés do desenvolvimento do espírito de grupo que, nesse caso, transformaa aula em um momento de descoberta, possibilitando assim, que a criançaao aprender, esteja conjuntamente solucionando os problemas que lhesuscitam curiosidade.

Sob esse ponto de vista, os projetos desenvolvidos na escola norteavamos estudos das matérias, devendo assim unificar o ensino em torno de umasérie de atividades que objetivavam reforçar o que era aprendido em sala deaula11. O esquema de projetos organiza as atividades por meio de umaprovocação que produzisse um estado de perplexidade, hesitação ou dúvida(incerteza) nos alunos, um estado de inquietação intelectual que conduzisseos atos de investigação, tendo em vista como fim imediato o de descobriroutros fatos que pudessem corroborar ou destruir a convicção sugerida –descobrir provas. Isso exigia o exame cuidadoso da evidência por meio deanálise relacional de fatores semelhantes/dessemelhantes. Assim sendo, atarefa principal da educação não é a acumulação de conhecimentos, mas ade ativar as flamas já existentes no educando, cultivando assim o espírito decuriosidade, libertando-o da fossilização da rotina.

Para desenvolver essa metodologia do “aprender fazendo” a escola recriaaspectos de espaços comunitários em seu interior. Especificamente, a segundasérie elaborou o projeto “As sementinhas nascem, crescem, crescem” paratrabalhar o item “Vegetais”, tanto na horta da escola como no interior da sala

11 Por exemplo, o projeto da Lojinha de Doces, gerenciada por alunos, possibilitava que os mesmos fizessemcompras, cálculos e troco, resultando na efetuação de problemas desenvolvidos na aula de matemática. Umaoutra atividade era o jornal da escola, cujas matérias eram definidas e escolhidas pelos alunos, o que osobrigava a praticar a escrita através de reportagens, entrevistas e poesias elaboradas nas aulas de português.

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de aula. Na quarta série, a turma criou os seguintes projetos: “Televisão”, “Correio”e “Banco”, instituições que permitiam aos alunos, ao mesmo tempo, vivenciarexperiências da vida social, por meio da criação de réplicas das existentes nacomunidade, e aprender o conteúdo das matérias de um modo mais lúdico e ativo.

Entendendo que o conhecimento não é mera apropriação de matériaarmazenada em livros, pode-se dizer que o trabalho educativo desenvolvidopela Escola Guatemala procurava ampliar o sentido da aula, passando aentendê-la como algo que vai além de quatro paredes, se estendendo paratodos os espaços da escola. As atividades realizadas fora da sala de aulapassam a ter um sentido pedagógico, uma vez que delas também emana umaprendizado, desde que conduzidas pelo professor.

Essa maneira de proceder exigia uma avaliação contínua dodesenvolvimento do aluno e do próprio trabalho do professor. Segundodepoimentos de professores, a avaliação do aluno era feita por meio de um“balanço” composto de observações diárias e de um teste ao fim de cadaprojeto. Essa operação complexa demandava do professor não somente odomínio da teoria do método de conhecimento experimental, mas, também,o acompanhamento e a orientação diária dos especialistas do Inep:

[...] das 15 às 17 horas, fazíamos avaliação de nossa atuação com Dona Lúcia

Pinheiro e as coordenadoras de área, Dona Juracy Silveira, Dona Risoleta e

Dona Clotilde. Então, foi um enriquecimento incalculável! Não só na minha

vida profissional de professora. [...] nós tivemos a chance de ter aquele

aperfeiçoamento, aquele acompanhamento! (Depoimento de uma ex-

professora da Guatemala, apud LÔBO, 1994).

A biblioteca da escola guarda resíduos que testemunham o período deestudo das professoras, visíveis nas anotações feitas por leitores professoresnas beiradas das páginas dos livros Como Pensamos Educação e Democracia,de John Dewey, entre outros. A reação dos pais à nova proposta curricular foium problema que a escola teve que enfrentar.

[...] os pais, em princípio, relutavam muito; [...] os pais reclamavam muito. Eles

diziam assim: ‘mas como a senhora acha que meu filho depois vai fazer um

exame de admissão? Não tem livro para ele estudar; como ele vai fixar a

tabuada? Ele não vai estar preparado para isso’. Então nós tivemos que fazer

uma reformulação e começamos a acertar mais isso.

[...] nos dois primeiros anos. Depois, não. Nós fomos procurando acertar através

da experiência (Depoimento de uma ex-professora da Guatemala, apud LÔBO,

1994).

Page 111: Anisio Teixeira na direção do Inep

111Educação Como Reconstituição e Reorganização da Experiência

E, no momento em que a experiência ia sendo sistematiza, na dadécada de sessenta, ventos desfavoráveis sopram fortemente em suadireção. Com as mudanças políticas ocorridas em 1964, os CentrosBrasileiros de Pesquisas Educacionais foram extintos, o Inep foitransferido para Brasília, com outras funções, e o educador AnísioTeixeira foi afastado do serviço público. A Escola Guatemala perde seu“status” de Escola Experimental n. 1. “Aí, já não havia mais condição,já não havia mais Inep, já não havia mais apoio, aquele respaldo que agente tinha já não havia mais” (Depoimento de uma ex-professora daGuatemala, apud LÔBO, 1994).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O projeto de reconstrução educacional idealizado por Anísio Teixeiraalcançaria na década de cinqüenta, seu momento mais promissor, com acriação dos Centros Brasileiros de Pesquisas Educacionais. Para realizá-lo, ampliou as funções do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos quese tornaria o centro de inspirações do magistério nacional, capaz de formaruma nova consciência educacional comum que deveria dirigir e orientar aeducação brasileira. Essa nova consciência educacional deveria formar umanova geração de professores com talentos para modificar as bases sobreas quais se erguia a escola brasileira, altamente seletiva, inibidora daextensão da educação de base para todos, e, ao mesmo tempo, formaruma nova organização escolar competente, para promover oaperfeiçoamento progressivo da escola brasileira. Para isso, se estimuloua criação de escolas experimentais que foram o palco onde se ensaiarame se concretizaram as idéias pedagógicas fundamentadas no pensamentoreflexivo. O pragmatismo como paradigma pedagógico, expresso na Filosofiae na Lingüística com Charles Sanders Pierce, na Psicologia, com WilliamJames, e na Política e Educação, com John Dewey, constituiu-se emfundamento da formação e da prática docente.

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Page 112: Anisio Teixeira na direção do Inep

112 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

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Page 113: Anisio Teixeira na direção do Inep

113O Ensino Baseado em Pesquisas e Estudos

O ENSINO BASEADO EM PESQUISAS E ESTUDOS COMO

DIRETRIZ DO CENTRO REGIONAL DE PESQUISAS

EDUCACIONAIS DE MINAS GERAIS

José Carlos Souza Araujo*

Décio Gatti Júnior**

O objeto deste estudo é o de delinear, ainda que introdutoriamente, asignificação que teve o Centro Regional de Pesquisas Educacionais de MinasGerais (CRPE/MG), cuja instalação se deu em 1957, o que o mesmo logrouem termos de realizações, sobretudo em relação aos propósitos vinculadosao que expressa o seu título.

Contextualização do mesmo: trata-se do artigo 65 do Código de EnsinoPrimário de 08 de janeiro de 1962, de Minas Gerais, reconhecido pela Lein. 2.610 de 08 de janeiro de 1962, que explicita em seu Capítulo III – “DaOrientação e das Finalidades do Ensino”, treze artigos, do 56 ao 68,devotados a compor os princípios e as diretrizes para o Ensino Pré-primárioe Primário. Dentre eles, assim reza o artigo 65: “O ensino obedecerá aorientação e a programa baseados em pesquisas e estudos de caráterobjetivo, processados por órgãos técnicos”.

Como será divisado por esse texto, o ensino baseado em pesquisa eem estudos, é um aspecto fundacional do CRPE/MG e o conteúdo dessainvestigação buscará desvendar os meandros da educação escolar mineirasob a inspiração desse Centro. Sua ressonância na legislação educacionalmineira, especificamente expressa pelo artigo 65 é apenas um mote, aoqual se retornará nas considerações finais. Porém, o conteúdo dessainvestigação deixa manifesto em suas várias dimensões (gênese, propósitose realizações), que o norteamento pela pesquisa, voltada para o campopedagógico escolar, em nível operacional, ou mesmo para a reflexão, é um“estruturante” do CRPE/MG em seu processo instituidor.

* Professor Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia;atualmente vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro Universitário do Triângulo, emembro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em História e Historiografia da Educação (para contatos:[email protected]).** Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Professor de História daEducação da Universidade Federal de Uberlândia, Sócio-fundador da Sociedade Brasileira de História daEducação (para contatos: [email protected]).

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114 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

Em vista da compreensão dessa diretriz legislativa educacional mineira ede suas implicações, é necessário investigar sobre a atmosfera cultural,buscando focalizar a década de 50, época em que em nível nacional, seesboçavam novos contornos para a educação brasileira. Contornos esses,destinados a se configurar como resposta à turbulência que as expectativas eas realizações provocavam em torno da modernização da sociedade brasileira.Tal fenômeno se expressava pelas expectativas paulatinas e crescentes coma industrialização, com a “tecnificação”, com a urbanização, com o êxodorural, com o crescimento demográfico, com o investimento estrangeiro, coma política de substituição de importações e com a integração nacional atentaao desenvolvimento e às diferenças regionais.

Um novo Brasil se desenhava, com manifestações conjunturais expressivaspara as gerações que viveram aquelas circunstâncias. É na esteira dessa conjunturaque deve ser compreendido como ressonância o artigo 65, mencionadoanteriormente e expresso no título deste estudo. O exercício por tornar científicasas ações vinculadas ao ensino escolar impele que busquemos os vínculos com oCRPE/MG na busca de situá-lo em sua gênese e em seus propósitos, oficialmenteconstituído em 11 de fevereiro de 1956, bem como em seu processo instituidor,através do qual se explicitaram suas realizações a partir de sua instalação em 4de fevereiro de 1957. Tais intuitos constituem o objeto deste estudo.

Inicialmente, cabe estabelecer que o CRPE/MG é uma das agremiaçõesconsorciadas ao Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), instituídoem 28 de dezembro de 1955, pêra que já é intencionado pelo discurso deposse de Anísio Teixeira como diretor geral do Instituto Nacional de EstudosPedagógicos – Inep, em 1952, ao qual aquele está subordinado. Portanto, àfrente de tal instituição de onde nasce o CBPE, permanece Anísio Teixeira atéo início de abril de 1964.

Aliás, estas datas marcam as fronteiras cronológicas deste estudo. Emtermos de periodização, elas situam a trajetória do referido educador à frentede tais instituições. A respeito do empreendimento em torno do CBPE, há estudosde alguns autores a serem citados em função do seu objeto: Luiz Pereira (1976),Maria Clara Mariani (1982), Florestan Fernandes (1966), Ana WaleskaMendonça e Zaia Brandão (1997), Libânia Nacif Xavier (1999), Clarice Nunes(2000), Marta Maria de Araujo et al (2001), Luiz Carlos Barreira (2001), Mariade Lourdes de A. Fávero (2001) e Márcia dos Santos Ferreira (2001).

Vínculos entre o Inep, o CBPE e o CRPE/MG

Introdutoriamente, um esclarecimento. O Inep está vinculado ao Ministérioda Educação e Cultura e em suas origens se denominava Instituto Nacionalde Pedagogia, instituído pela Lei n. 378, em 13 de janeiro de 1937.

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115O Ensino Baseado em Pesquisas e Estudos

Posteriormente, foi renomeado Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos,pelo Decreto-Lei n. 580 de 30 de julho de1938, passando a ser designado porInstituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais em 1972.

No entanto, anteriormente à proclamação da República, os ideais em tornoda inserção brasileira na modernidade já se exerciam e uma das realizaçõessignificativas é o “Pedagogium”, definido pelo Decreto n. 980, de 08 de novembrode 1890 como “um centro impulsor de reformas e melhoramentos de quecarece a instrução nacional, oferecendo aos professores públicos e particularesos meios de instrução profissional de que possam carecer, a exposição dosmelhores métodos e do material de ensino mais aperfeiçoado”. Em que pese o“Pedagogium” ter sido extinto em 1919, a idéia não morreu. Em 1937, é criadoo Instituto Nacional de Pedagogia [...] que retoma parte das funções do“Pedagogium” (BASTOS, 2002, p. 314). Para maiores detalhes veja o capítulo 7dessa obra, intitulado Pedagogium: templo da modernidade educacionalrepublicana brasileira (1890-1919), p. 251-315).

Dado os vínculos do Inep com o CBPE e com os CRPE - Belo Horizonte,Porto Alegre, São Paulo, Recife e Salvador - retomam-se aqui, as origens doInep, manifestas pela legislação federal:

Decreto-Lei n. 580, de 30 de julho de 1938 – Dispõe sobre a organização

do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos;

O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o art.

180 da Constituição, decreta:

Art. 1º. O Instituto Nacional de Pedagogia, criado pela Lei n. 378, de 13 de

janeiro de 1937, passa a se denominar Instituto Nacional de Estudos

Pedagógicos, e funcionará como o centro de estudos de todas as questões

educacionais relacionadas com os trabalhos do Ministério da Educação e

Saúde.

Art. 2º. Compete ao Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos:

a) organizar documentação relativa à história e ao estudo atual das

doutrinas e das técnicas pedagógicas, bem como das diferentes espécies

de instituições educativas;

b) manter intercâmbio, em matéria de pedagogia, com as instituições

educacionais do país e do estrangeiro;

c) promover inquéritos e pesquisas sobre todos os problemas atinentes à

organização do ensino, bem como sobre os vários métodos e processos

pedagógicos;

d) promover investigações no terreno da psicologia aplicada à educação,

bem como relat ivamente ao problema da orientação e seleção

profissional;

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116 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

e) prestar assistência técnica aos serviços estaduais, municipais e

particulares de educação, ministrando-lhes, mediante consulta ou

independentemente desta, esclarecimentos e soluções sobre os

problemas pedagógicos;

f ) divulgar, pelos diferentes processos de difusão, os conhecimentos

relativos à teoria e à prática pedagógicas (OS ESTUDOS E AS PESQUISAS

EDUCACIONAIS [...], p. 7-8, 1956).

Transcritos apenas os artigos 1° e 2° entre os oito que compõem essedecreto, cabe destacar alguns aspectos expressos em 1938, quando daorganização do Inep, e que guardam relação com o decreto que instaura oCBPE e os CRPE em 28 de dezembro de 1955. Diz o decreto acima, que oInstituto funcionará como centro de estudos, artigo 1°, cabendo-lhe acompetência para se constituir como instância de documentação, artigo 2°,alínea a, de intercâmbio, artigo 2°, alínea b, e, como instância promotora de“inquéritos e pesquisas sobre todos os problemas atinentes à organizaçãodo ensino, bem como sobre os vários métodos e processos pedagógicos”,alínea c. A alínea f do artigo 2° destaca o papel que cabe ao órgão em pauta,na difusão dos “conhecimentos relativos à teoria e à prática pedagógicas”.

Esclarecidas tais diretrizes jurídicas institucionais de 1938, sobre o perfilque cabia ao Inep incorporar, voltemos ao objeto deste, procurando inicialmentea caracterização contextual e institucional em que se insere o CBPE e os CRPE.As observações presentes no parágrafo anterior objetivaram afirmar asaproximações entre as competências do Inep e as dos CRPE. Talposicionamento será retomado quando da análise do decreto que os instituiem fins de 1955.

Panoramicamente se faz mister evidenciar o clima histórico-cultural emque emerge o CBPE, bem como os CRPE, seus desdobramentos consorciados,sediados em Porto Alegre, São Paulo, Salvador, Recife e Belo Horizonte. Comoa concepção do CBPE resulta em uma institucionalização que aspira nortear apolítica educacional e se empenha, em termos operacionais, em atingirconcretamente as instituições escolares, suas expressões regionais, os CRPEse vinculam ao sentido que se buscava captar em vista de uma políticaeducacional condizente com o novo desenho que se esboçava no Brasil nadécada de 1950.

Nesse sentido, o posicionamento de Maria Hermínia Tavares de Almeidaé esclarecedor:

[...] cabe lembrar que no período considerado meados de meados 50 a

meados de 60 – o un iverso in te lectua l e acadêmico no qua l se

desenvolvem as ciências sociais se condensa em alguns eixos, definidos

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117O Ensino Baseado em Pesquisas e Estudos

por grupos reunidos em torno de revistas e ou instituições. O eixo cardeal

é, sem sombra de dúvida, o grupo Ibesp-Iseb pela influência que exerce

na definição do campo e das ênfases do debate “intelectual-político”

(ALMEIDA apud ARRUDA, 1989, p. 277).

Cabe aqui uma informação complementar. O Instituto Brasileiro deEconomia, Sociologia e Política – Ibesp surgiu voltado para o estudo dosproblemas da sociedade brasileira de então, bem como para formularrespostas aos mesmos. Em 1952, um grupo de intelectuais passou a sereunir no último fim de semana de cada mês no Parque Nacional de Itatiaia,tais encontros levaram o “grupo Itatiaia” a se organizar formalmente,criando a entidade privada denominada Instituto Brasileiro de Economia,Sociologia e Política – Ibesp (DICIONÁRIO HISTÓRICO-BIOGRÁFICOBRASILEIRO, 1930-1983, p. 1617, 1984). Por sua vez, o Instituto Superiorde Estudos Brasileiros – Iseb, instituído pelo Decreto n. 57.068, de 14 dejulho de 1955, e anterior, um pouco mais de cinco meses, àinstitucionalização dos CBPE e CRPE, é vinculado ao Ministério da Educaçãoe Cultura (MEC).

Portanto, se o eixo cardeal passa por essas instituições, suaintencionalidade era o desenvolvimento nacional. Tratava-se, sob diversosângulos do conhecimento (História, Filosofia, Economia, Sociologia e CiênciaPolítica), e com intelectuais de diversificadas tendências, de compreendere de dar direções à política nacional. O Iseb não se detinha somente emelaborar ciência, mas a configurar diretrizes efetivas para a realização dodesenvolvimento nacional. Ele se expressava por pesquisas, estudos,conferências e cursos destinados a vários segmentos sociais. Além doDiretor do ISEB, havia um Conselho Curador, composto por oito pessoas,do qual Anísio Teixeira era membro.

A menção a esse pensador radical (ARAUJO, MOTA e BRITTO, 2001),nos traz de volta ao objeto deste, no sentido de situar, mais do que a esseintelectual, o projeto e as expectativas em torno do CBPE. A citação abaixoé muito pertinente a propósito de uma rede institucional que implicava emexercício de poder político, rede essa em que Anísio Teixeira ocupavaposição privilegiada e, através da qual costurava seus projetos, bem comoo exercício de operacionalização dos mesmos:

Anísio Teixeira usou o poder de que dispunha na direção do Inep para criar o

CBPE, que nasceu com o apoio entusiástico e grande envolvimento da Unesco.

Da mesma forma, foi Anísio na presidência da Coordenação de Aperfeiçoamento

de Pessoal de Ensino Superior (Capes), quem proporcionou os recursos

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118 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

necessários à decolagem do Ibesp, cujo grupo fundador possuía laços estreitos

com os técnicos de assessoria econômica de Vargas e que desempenharam

papel de relevo no governo Kubitschek. Foram contatos dessa natureza

que permitiram que o Iseb pudesse, posteriormente, ser “encampado”

pelo Ministério da Educação (ALMEIDA, 1989, p. 207).

Estas afirmações aqui condensadas descortinam uma paisagem muitoampla para a compreensão seja do CBPE ou dos CRPE. O primeiro comoconcepção e como instituição, veio sendo gestado anteriormente, de umponto de vista imediato, desde a assunção por parte de Anísio Teixeiracomo secretário-geral da Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de NívelSuperior, posteriormente conhecida como Capes, criada em 11de julho de1951 e logo em seguida, com a sua nomeação em julho de 1952, comodiretor-geral do Inep. É à frente da Capes e do Inep, que ele permanece atéo início de abril de 1964, sendo que sob o manto do Instituto, nasce o CBPE.Em tempo: 1952 e 1964 são as datas fronteiriças deste estudo sobre oCRPE/MG. Embora este se realize a partir de 1957, o CBPE, em termos deconcepção, já está posto nas entrelinhas do discurso de posse de AnísioTeixeira como diretor-geral do Inep. Assim sendo,

[...] pensar o CBPE no projeto de Anísio Teixeira é pensar a organização de

um centro de ciência aplicada, criado para operar como núcleo de

organização e de orientação da pesquisa científica, tendo em vista fins

prát icos, essencialmente voltados para a recondução das pol ít icas

educacionais perante o estudo e a formulação de propostas para a solução

de seus problemas (XAVIER, 1999, p. 178).

Projeto e delimitações do CBPE e dos CRPE

Feitas essas caracterizações iniciais em torno de um panorama queminimamente estabelecesse os horizontes em torno dos quais se explica a gênesedo CRPE/MG, bem como os seus propósitos enquanto agremiação institucionaldo CBPE, cabe ainda informar que a idéia de criação deste se inicia em “1954,por um grupo de intelectuais ligados a Anísio Teixeira, sob a assessoria derepresentantes da Unesco aqui no Brasil” (XAVIER, 1999, p. 178)¹.

1 Para detalhamento, cf. a propósito o capítulo V da obra de Xavier (1999). Outro texto importante, inclusive doponto de sua constituição como fonte que participa do processo fundador do CBPE, é o capítulo 4 da Parte IV,intitulado O Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, da obra de Florestan Fernandes, Educação e sociedadeno Brasil, 1966, p. 565-578. O conteúdo desse capítulo traz na íntegra o parecer deste intelectual, cujo teordiscute o projeto do CBPE numa reunião em 18 de agosto de 1955. Destaque-se aqui a expressividade desteintelectual como interlocutor quando de um convite para assessorar sobre as análises planejadas para o CBPE.

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119O Ensino Baseado em Pesquisas e Estudos

Em 28 de dezembro de 1955, sob o Decreto n. 38.460, são instituídoso CBPE, sediado no Rio de Janeiro, e os CRPE, sediados em Belo Horizonte,Porto Alegre, São Paulo, Salvador e Recife. Sua gestação passa pelaconcepção de um centro de pesquisa educacional, com propósitossociológico e pedagógico, mas destinado a orientar praticamente apedagogia escolar. Estabelecer relações entre esses aspectos foi adificuldade enfrentada durante esse período de gestação. Afinal, fundarum centro destinado à pesquisa que reunisse levantamentos sociológicose pedagógicos escolares, e que superasse a barreira subjacente aossubsídios teóricos que a pesquisa fornece, tendo em vista produzirressonâncias pedagógicas no interior da sala de aula – e o professorocupava centralidade nesse processo, daí o propósito em formá-lo – erauma tarefa ímpar.

A propósito do CBPE, o próprio Florestan Fernandes, em capítulo há poucocitado, ao introduzir comentários ao seu parecer de 18 de agosto de 1955,afirmava: “a idéia de encetar-se a elaboração de uma ‘filosofia de trabalho’,que presidisse ao anseio de combinar educadores e cientistas sociais emprojetos comuns, com alvos empíricos, teóricos e práticos, ganhou corpo einspirou as conclusões gerais. É pena que depois ela tivesse sido abandonada,não conseguindo impor-se” (FERNANDES, 1966, p. 566). Essa avaliação, naverdade, já fora feita pelo mesmo autor em 1959, conforme consta em notade rodapé à p. 566 da referida obra. O autor, em páginas subseqüentes,relativas ao conteúdo do parecer referido acima, apontava para a existênciade uma compartimentagem entre educadores e cientistas sociais em nível deprincípios e de diretrizes, o que implicava a própria concepção em torno doCBPE, quando ainda ele estava em processo de gestação.

Ainda para Florestan Fernandes, se mantendo no conteúdo expressopelo parecer de 18 de agosto de 1955 sobre a criação do CBPE. Observe-se a atualidade em vários aspectos do conteúdo deste trecho:

[...] o verdadeiro dilema do presente e para a segurança futura do Brasil

se coloca no plano do desenvolvimento. Formação de capitais, criação

de mercado interno e de indústrias básicas, equilíbrio da industrialização

e nas relações desta com a agricultura, transformação dos procedimentos

agrícolas e das formas de trabalho, valorização da terra e do homem,

criação de condições de conforto e de segurança social na vida rural e

urbana, etc., são tendências que operam dramaticamente e que exigem

técnicas dinâmicas de consciência e de interpretação da s i tuação

brasileira (FERNANDES, 1966, p. 570).

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120 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

Levando-se em conta o dilema posto em torno do desenvolvimento, asexpectativas que se construíam em torno da possibilidade do CBPE seconfiguravam como um timoneiro na condução da educação brasileira, emnível teórico e prático. Em torno dessa possibilidade se construía umaconsciência compartilhada por vários intelectuais que estiveram participando,seja do projeto de construção do CBPE, seja das realizações propiciadas pelomesmo, em suas articulações com os CRPE. Desse papel de timoneiro daeducação brasileira, destinada a promover e a impulsionar a mudança e oprogresso, também compartilhava o autor, há pouco citado:

[...] o principal interesse do Centro nasce das possibilidades iniciais de explorar

estrategicamente a educação como fator dinâmico de mudança e de progresso

na sociedade brasileira [...]. Mas, teoricamente, as questões que aqui emergem

não dependem dos resultados das investigações a serem feitas [pelo CBPE],

mas de uma política educacional com base no pensamento planificado e no

espírito científico (FERNANDES, 1966, p. 578).

Seguindo o pensamento desse autor, pode-se afirmar que o esvaecimentodo CBPE se deve à colisão com a ausência de uma política educacional, ouseja, postulava-se que os princípios e as diretrizes fundadores da políticafossem estabelecidos “[...] antes mesmo de o Centro começar suas atividades,pois são estes princípios que irão regular e dirigir as atividades do CBPE. Osprincípios inconsistentes poderiam ser revistos à luz da experiência. Esta,porém, é que não poderá ser refeita, no caso de carecer de orientação”(FERNANDES, 1966, p. 578).

As considerações iniciais em torno da repercussão das intencionalidadesdo CRPE/MG na legislação educacional mineira, configurada no Código doEnsino Primário de 1962, expressas no início deste, bem como o clima histórico-cultural em que é semeado e germinado o CBPE com as suas cincoagremiações, permitem agora se empenhar em delinear a gênese, ospropósitos e as realizações do CRPE/MG.

Desde a sua posse como diretor-geral do Inep em julho de 1952, jáestava desenhado o horizonte contemplado por Anísio Teixeira com relaçãoao papel daquele Centro, posto que em sua visão assim expressa ele diz:

[...] ele tem de tentar uma tomada de consciência na marcha da expansão

educacional brasileira, examinar o que foi feito e como foi feito, proceder a

inquéritos esclarecedores e experimentar medir a eficiência ou ineficiência

de nosso ensino. [ . . . ] As funções do Instituto Nacional de Estudos

Pedagógicos deverão ganhar, em a nova fase, amplitude ainda maior,

buscando se tornar, tanto quanto possível, o centro de inspirações do

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121O Ensino Baseado em Pesquisas e Estudos

magistério nacional para a formação daquela consciência educacional

comum que, mais do que qualquer outra força, deverá dirigir e orientar a

escola brasileira (DISCURSO DE POSSE DO PROFESSOR ANÍSIO TEIXEIRA...,

1952, p. 76 e 77).

Esta definida preocupação em torno do papel do Inep irá dar norte aoprojeto do CBPE, bem como dos CRPE, seus afiliados: proceder à instauraçãode inquéritos, mensurar a atividade de ensino e orientar as experimentaçõestinham como pretensão redirecionar a educação escolar brasileira, mas cabiacentralmente ao Instituto o magistério nacional, tornando-se um “centro deinspirações” para o mesmo. O teor do mesmo discurso de posse permitedestacar o seguinte trecho:

[...] até o momento, não temos passado, de modo geral, do simples censo

estatíst ico da educação. É necessário levar o inquérito às práticas

educacionais. Procurar medir a educação, não somente em seus aspectos

externos, mas em seus processos, métodos, prát icas, conteúdos e

resultados reais obtidos. Tomados os objetivos da educação em forma

analítica, verificar, por meio de amostras bem planejadas, como e até que

ponto vem a educação, conseguindo atingi-los. [...] Este trabalho pois,

não será nenhum trabalho remoto e distante, mas parte integrante e

preliminar do programa de reconstrução de nossas escolas e de revisão

dos seus métodos. Não será por leis, mas por tais estudos, que daremos

início à reforma do ensino (DISCURSO DE POSSE DO PROFESSOR ANÍSIO

TEIXEIRA..., 1952, p. 78).

Embora o discurso de posse anteceda em mais de três anos àinstitucionalização do CBPE e dos CRPE, ou seja, entre julho de 1952 e dezembrode 1955, a concepção de um centro de pesquisa nacional que se manifestassetambém pelos CRPE tinha preocupação umbilicalmente vinculada à idéia deque os inquéritos fossem direcionados às práticas educacionais.

Tal consonância entre a pesquisa e a atividade educativa escolar, aquiorquestrada no discurso de posse de 1952, terá ressonância conceptual ediretiva, ou seja, se buscava os vínculos entre a teoria e a prática não somentenas diretivas do CRPE/MG, instalado em 04 de fevereiro de 1957, mas tambémna legislação educacional mineira de 1962, anunciada pelo título deste ecomentada inicialmente. Trata-se, como se observa, de uma orquestraçãoque ressoa pela década de 1950, concebida através da leitura e dainterpretação do movimento da modernização brasileira, particularmenteaqui em relação ao campo da educação escolar.

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122 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

A institucionalização dos CRPEs, bem como do CBPE, resultam de umúnico Decreto, o de n. 38460, de 28 de dezembro de 1955, o qual se apresentaaqui na íntegra:

o Vice-presidente do Senado Federal, no exercício do cargo de Presidente

da República, usando da atribuição que lhe confere o art. 87, inciso I, da

constituição e considerando o que expôs o Ministro de Estado da

Educação e Cultura sobre a necessidade de dotar o Instituto Nacional de

Estudos Pedagógicos de meios adequados à pesquisa educacional em

toda a extensão do território brasileiro, para melhor cumprimento de

seus objetivos fundamentais de estudo e aperfeiçoamento do magistério

brasileiro, Primário e Normal, nos termos dos Decretos-Leis n. 580, de 30

de julho de 1938; e, n. 4.958, de 14 de novembro de 1942, e da Lei n. 59,

de 11 de agosto de 1947, decreta:

Art. 1º. Ficam instituídos o Centro Brasileiro de Pesquisa Educacionais

CBPE e Centro Regionais de Pesquisa Educacionais, o primeiro com sede

no Rio de Janeiro e os demais nas cidades de Recife, Salvador, Belo

Horizonte, São Paulo e Porto Alegre e posteriormente, onde vieram a ser

julgados necessários, todos subordinados ao Instituto Nacional de Estudos

Pedagógicos, do Ministério da Educação e Cultura.

Art. 2º. Os Centros de Pesquisa a que alude o artigo anterior têm os

seguintes objetivos:

I – pesquisa das condições culturais e escolares e das tendências de

desenvolvimento de cada região e da sociedade brasileira como um todo, o

efeito de se conseguir a elaboração gradual de uma política educacional

para o país;

II – elaboração de planos, recomendações e sugestões para a revisão e a

reconstrução educacional do país – em cada região – nos níveis Primário,

Médio e Superior e no setor de Educação de Adultos;

III – elaboração de livros de fontes e de textos, preparo de material de ensino,

estudos especiais sobre administração escolar, currículos, psicologia

educacional, filosofia da educação, medidas escolares, formação de mestres

e sobre quaisquer outros temas que concorram para o aperfeiçoamento do

magistério nacional; e,

IV – treinamento e aperfeiçoamento de administradores escolares,

orientadores educacionais, especialistas de educação e professores de

escolas normais e primárias.

Art. 3º. O Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais e os Centros Regionais

compreenderão sempre uma biblioteca de educação, um serviço de

documentação e informação pedagógica, um museu pedagógico e os serviços

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123O Ensino Baseado em Pesquisas e Estudos

de pesquisa e inquérito, de cursos, estágios e aperfeiçoamento do magistério,

e quando possível, dentre outros, serviços de educação audiovisual, de

distribuição de livros e material didático e outros que se fizerem necessários

ao cumprimento de suas finalidades.

Art. 4º. Os Centros serão organizados segundo planos elaborados pelo Inep

e aprovados pelo Ministro de Estado, sob regime de financiamento especial

e gozando de todas as condições de flexibilidade e independência das

campanhas nacionais de educação.

Parágrafo único. Os Centros Regionais poderão funcionar em regime de

convênios com os governos ou entidades públicas ou privadas ou ser

diretamente mantidos e administrados pelo Inep.

Art. 5º. Todas as repartições federais, autárquicas e parestatais deverão

prestar aos centros de pesquisas educacionais a cooperação de suas

atribuições.

Art. 6º Este decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas

as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, em 28 de dezembro de 1955, 134º da Independência e 67º

da República. – Nereu Ramos – Abgar Renault (OS ESTUDOS E AS PESQUISAS

EDUCACIONAIS..., p. 47- 49, 1956).

Alguns comentários a este decreto se fazem necessários em vista dainstalação do CRPE/MG, de seus propósitos e de suas realizações. Tratava-se,como está expresso na introdução ao decreto, de configurar uma estruturaçãomais adequada ao Inep que permitisse “o estudo e o aperfeiçoamento doMagistério Primário e Normal brasileiros”. Esta mesma preocupação com oaperfeiçoamento do magistério nacional também se manifesta no Art. 2°, incisoIII, que apresenta várias mediações para a sua realização, bem como os recursosde ensino e os estudos sobre as mediações que delineiam a formação doprofessor, tais como currículo, Psicologia Educacional, Administração Escolar,Filosofia da Educação, medidas educacionais, dentre outras.

Com relação aos objetivos, os centros de pesquisa devem se apoderarde uma preocupação regional, sem desconsiderar a dimensão nacional, postoque devem, os centros, estar dedicados à pesquisa das condições culturais eescolares, em vista da elaboração gradual de uma política educacional para opaís. Este está no horizonte desde que as realizações regionais estejam comuma preocupação orquestral em torno de um concerto que deverá ser nacionale expresso pela construção paulatina de uma política educacional.

Desde o discurso de posse como diretor-geral do Inep, Anísio Teixeira jásalientava o que está expresso no inciso II do Art. 2° com relação à necessidadede uma “reconstrução educacional do país”, para a qual estava sendoconvocado o CBPE. Em 1952, com relação ao papel do Inep em tal reconstrução,

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124 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

suas considerações são múltiplas: por várias vezes afirmava em seu discursode posse, a respeito de tal necessidade com relação ao papel dessainstituição: em um dado momento de tal discurso, sua referência àreconstrução é canalizada para a perspectiva do ‘que os novos tempos estãoa exigir’, para logo em seguida, expressar uma autocrítica com relação àsdécadas de 20 e 30 do século XX, por ocasião da emergência da EscolaNova no Brasil, quando se julgava que naquele momento o país estariapreparado para a reconstrução das escolas. Depois de se referirimplicitamente ao fato de que o impulso pela reconstrução educacional setornara malogrado no período “estadonovista”, afirma que “estudos do Inepdeverão ajudar a eclosão desse movimento de consciência nacionalindispensável à reconstrução escolar” (DISCURSO DE POSSE DO PROFESSORANÍSIO TEIXEIRA..., 1952, p. 77).

E a tarefa que o Inep dispensará em tal direção é afirmada como “parteintegrante e preliminar do programa de reconstrução de nossas escolas eda revisão de seus métodos” (DISCURSO DE POSSE DO PROFESSOR ANÍSIOTEIXEIRA..., 1952, p. 78).

E quase ao final do referido discurso, assume que a reconstrução sedará por uma tonalidade fundada no método e no espírito científico. Trata-se, portanto, de conduzir a reconstrução pela ciência, enquanto ela traça oitinerário a ser seguido:

[...] esforçar-nos-emos por aplicar métodos objetivos e, quando possível,

experimentais, mas tudo conduziremos com o sedimento profundo do

caráter provisório do conhecimento, mesmo quando ou, talvez, sobretudo,

quando científico. A ciência não nos vai fornecer receitas para as soluções

dos nossos problemas, mas o itinerário de um caminho penoso e difícil, com

idas e voltas, ensaios e verificações e revisões, em constante reconstrução,

a que não faltará, contudo, a unidade de essência, de fins e objetivos, que

estará contida não só na lei de bases e diretrizes, como na consciência

profissional, que pouco a pouco se irá formando entre os educadores. Será

por este modo que o Instituto pensa se deixar conduzir pelo método e

espírito científico (DISCURSO DE POSSE DO PROFESSOR ANÍSIO TEIXEIRA...,

1952, p. 79).

Ainda com relação aos objetivos dos CRPE e do CBPE, o inciso IV do Art.2° traz uma outra dimensão, sem dúvida também inquieta e empenhadacom a formação continuada do professor, posto que estão previstos cursosde treinamento e de aperfeiçoamento de administradores, orientadores,especialistas de educação e professores de escolas normais e primárias.

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125O Ensino Baseado em Pesquisas e Estudos

O Art. 3° do decreto de criação do CBPE e dos CRPE trata da infra-estruturanecessária. Biblioteca, documentação e informação pedagógica, um museupedagógico, além dos setores dedicados à pesquisa, bem como de cursos eestágios destinados à formação do professor. Acrescente-se ainda, o serviçode distribuição de livros e de material didático, além daquele dedicado aosrecursos audiovisuais.

Com relação ao aspecto organizativo, a perspectiva que se abria com acriação dos CRPE era de descentralização, dada a liberdade que era concedidapara o estabelecimento de convênios com os governos ou entidades públicasou privadas [...]”, bem como o regime de cooperação para com os CRPEprevisto para as repartições federais, autárquicas e paraestatais.

O percurso até aqui feito em vista da compreensão do CRPE/MG em suagênese e em seus propósitos e realizações se orientou no sentido de permitira compreensão de que o objeto deste capítulo não pode ser compreendidoisoladamente de uma interpretação conjuntural de caráter nacional a respeitodos destinos da educação brasileira. Levando-se em conta uma educacionalda nação brasileira impulsionado pelo movimento “escolanovista” brasileiro,o qual por sua vez, compartilha contextualização que fuja da fronteira dosanos 50 do século XX, pode-se afirmar que o projeto de reconstrução doandamento “escolanovista” europeu e norte-americano, tem continuidadeatravés da criação desses centros regionais de pesquisa, coordenados peloCBPE, sob a tutela do Inep.

Se atento ao posicionamento de Anísio Teixeira em seu discurso de posse,o impulso pela reconstrução educacional sofreu reveses durante a era Vargas,quando se manifestaram posturas tradicionais que vieram enevoar o esforçorenovador. Se isso é verdade, e o é, posto que o movimento de restauraçãocatólica (AZZI, 1977a, 1977b, 1979, 1994) se fazia presente desde os anos 20 doséculo XX. Alguns exemplos: fundação da revista A Ordem, em 1921, do CentroDom Vital, em 1922, a configuração constitucional do Ensino Religioso, em 1934,a fundação da Ação Católica, em 1935, o projeto de universidade católicaemergente já na década de 1930 (CASALI, 1995 e SALEM, 1982) são algumasinstâncias por onde se externava o movimento restaurador do catolicismo brasileiro,inspirado desde o início do papado de Pio XI a partir de 1922.

Interpretando dessa forma, na verdade, os centros de pesquisas nacionaise regionais, enquanto revelam um redimensionamento do papel do Inep,traduzem mais do que uma continuidade do processo de reconstruçãoeducacional do país. A continuidade fora interrompida. Por conseguinte, trata-se de um resgate de tal projeto. As esperanças se renovam na medida em quea reconstrução educacional é reassumida. O projeto dos anos 1920 e 1930 éreconquistado, é reacendido, é novamente revigorado com o CBPE e seus CRPE.

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126 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

Se, por um lado o CRPE/MG não pode ser compreendido isoladamente,dada a dimensão nacional de que ele compartilha, por outro, sua gênese,propósitos e realizações guardam especificidades regionais e locais, desde ofato de Belo Horizonte, MG, se configurar como sede de um CRPE, o quepermitiu e apoiou pesquisas, cursos, publicações, bem como articulouintercâmbios com a Secretaria Estadual da Educação do estado, com aOrganização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura –Unesco, o Instituto Superior de Educação Rural (Iser), a então Universidade deMinas Gerais (UMG) e com o Programa de Assistência Brasileiro-Americanoao Ensino Elementar (Pabaee).

É no governo do Estado de Minas Gerais, exercido por José Francisco BiasFortes, entre 31 de janeiro de 1956 e 31 de janeiro de 1961, que se criou oCRPE/MG a 11 de agosto de 1956, portanto, quase oito meses posteriormenteao decreto federal que criara o CBPE e os CRPE. Na mesma data, foi designadoMário Casasanta para a direção do CRPE/MG. Oficialmente, sua instalação sedaria somente em 04 de fevereiro de 1957. No entanto, a 24 de agosto de1956, se dera a primeira reunião do CRPE/MG, (O CENTRO REGIONAL DEPESQUISAS EDUCACIONAIS DE MINAS GERAIS, 1958).

Em editorial localizado na seção Educação e Ensino, o jornal O Diário, de18 de agosto de1956, alude à significação do CRPE/MG evocando a contribuiçãomineira para a reconstrução educacional representada por Francisco Campose Mário Casasanta no final dos anos 20 do século XX:

Minas Gerais já deu a pauta e as diretrizes, em matéria de renovação

pedagógica. A esse tempo, aqui se levou a bom termo a reforma do ensino

que, em razão de elementar justiça, deve passar à história da Administração

Pública e à das idéias pedagógicas, com a designação de Francisco Campos –

Mário Casasanta, tão significativa se revelou na colaboração desse último. As

múltiplas atividades em que, de então para cá, se lhe tem desdobrado o

espírito fecundo, centralizam-se, afinal, na constante atuação de educador.

Nunca deixou de o ser Mário Casasanta, lecionando, administrando,

advogando, escrevendo. Estava na lógica de sua evolução cultural o retorno à

direta ação pedagógica (O CENTRO REGIONAL DE PESQUISAS EDUCACIONAIS

DE MINAS GERAIS, p. 5, 1958).

Para além desse trecho evocativo, as promessas de que o CRPE/MG temcompromissos com a reconstrução educacional. Direcionando-se pela formaçãocontinuada do professor, o mesmo artigo, sem a designação de autor queinaugura o Boletim do Centro Regional de Pesquisas Educacionais de MinasGerais afirma:

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127O Ensino Baseado em Pesquisas e Estudos

O Centro Regional de Pesquisas Educacionais deve tornar-se, em Minas,

an imador da renovação pedagógica e do aperfe içoamento do

professorado. Um dos meios conducentes a esse objet ivo será a

comunicação com os professores. Tanto o conteúdo das matérias do

currículo, como os métodos e processos de ensino constituirão objeto de

correspondência, já deliberada, já provocada por consultas. A esse fim,

além de outros, servirá a biblioteca especializada, em organização, a

qual conta perto de 1.000 volumes (O CENTRO REGIONAL DE PESQUISAS

EDUCACIONAIS DE MINAS GERAIS, p. 11, 1958).

Em 4 de fevereiro de 1957, em sessão de instalação do CRPE/MG, MárioCasasanta assim se expressava a respeito da modernização brasileira:

[...] O Brasil cresce espantosamente, e a cada hora se observa que as

suas instituições e os seus serviços não acompanham o seu crescimento.

Como o adolescente, que mal se avém com a roupa, sente a inquietação

e o desconforto das estreitezas, nutrindo ideais de uma situação melhor,

experimentamos, neste momento, o travo dos desajustes e a agitação de

quem quer reajustar-se. Aventam-se soluções, criam-se serviços, buscam-

se novos caminhos. Que vantagem, porém, acarretarão tais iniciativas,

por mais aconselháveis que sejam, se não dispusermos do material humano

necessário? Que valem mais uma instituição, mais um colégio, mais uma

faculdade ou uma universidade, se não tivermos professores que lhes

imprimam a essência de uma escola? (DISCURSO DO PROF. MÁRIO

CASASANTA, p. 17-18, 1958).

Nessa citação, primeiramente deve ser ressaltada a sintonia das leiturassobre o Brasil expressas anteriormente, seja por parte de Anísio Teixeiraou de Florestan Fernandes. Em segundo lugar, essa citação privilegia aafirmação do crescimento brasileiro, bem como os desajustes daquelesque buscam se realizar nesses tempos novos, além de confessar oacanhamento das instituições que buscam atender a esse crescimento.Entretanto, a possibilidade de fugir das turbulências e dos descaminhosprovocados pela modernização estava na formação do professor, em cujasmãos estava a possibilidade de desvendar a “essência de uma escola”. Eo professor é contemplado como anterior à implantação de instituiçõesescolares.

Embora o olhar anterior, expresso na última citação, tenha um focovoltado para o nacional, se observe no mesmo discurso, suas preocupaçõescom a dimensão regional do Centro mineiro:

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128 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

estudando o nosso meio, examinando as nossas necessidades, buscando

elaborar uma escola simples e eficiente, através de investigações de toda

sorte, num trabalho de ciência desinteressada, não deixaremos de atentar

para a s ex igênc ia s imed ia tas , e , a s s im, achamos que es tamos

interpretando habilmente o adjetivo regional que qualifica o nosso

Cent ro . Por se r reg iona l , o Cent ro de Minas d i fe renc ia r - se -á

necessariamente do Centro da Bahia ou de São Paulo, colorindo-se

propositadamente das cores dos gênios do lugar, Genii loci. Ao Centro

Nacional, que trabalha sob a notável inspeção de Anísio Teixeira, é que

competirá naturalmente a consideração do conjunto (DISCURSO DO

PROF. MÁRIO CASASANTA, p. 29, 1958).

Esta seção – “Projeto e Delimitações do CBPE e dos CRPE” – permitevisualizar que o atestado de nascimento do CBPE é inseparável dos CRPE.As concepções projetivas de Anísio Teixeira em seu discurso de possena direção do Inep em 1952 são uma referência para as direções quetomarão os centros brasileiro e regionais de pesquisa educacional. Seudiscurso se erige como um diapasão a estabelecer a tonalidade dareconstrução educacional brasileira nos anos em que esteve à frente doInep e do CBPE. Seu foco era a formação do professor.

Para isso, a pesquisa se constituía como um instrumento a subsidiar aconstrução de uma política educacional para o país e o CRPE mineiro trilha poressas sendas. Evoca o trabalho renovador em Minas na década de 1920 e oenvolvimento de Mário Casasanta nesse período em que assessora FranciscoCampos. É o mesmo Casasanta a ocupar a direção do CRPE/MG em 1957 e 1958.A renovação pedagógica abria as portas à formação continuada do professor,agora sob as diretivas do Centro Regional de Pesquisa Educacional. Oregionalismo do CRPE/MG é buscado em seus propósitos diretores, mas aregência das orquestras regionais cabe a Anísio Teixeira. As particularidadesregionais não podem perder de vista a dimensão nacional.

Realizações do CRPE/MG

a) As publicações como estratégias de comunicação pública

Entre as atividades que exprimiam o CRPE/MG e o fazia propagar-se,estavam duas publicações homônimas, através das quais seus dirigentes seexpressavam, seja para divulgar acontecimentos e ações relevantes, o quedemonstrava o cuidado com a formulação de estratégias de contato coesas eeficientes, de um lado, com os poderes públicos e, do outro, com osprofessores e dirigentes dos estabelecimentos de ensino da época.

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129O Ensino Baseado em Pesquisas e Estudos

Uma das publicações de caráter periódico é o Boletim do CRPE/MG, cujoprimeiro número é de abril de 1958. Trata-se de uma revista com um númeromédio de 20 páginas – à qual se teve acesso, em vista dessa investigação,apesar da não completitude, até os números 45-46, referentes aos dois últimosmeses de 1963. Seu conteúdo se expressa através da divulgação de notíciasreferentes às atividades desenvolvidas pelo próprio centro, a saber: distribuiçãode livros, cursos e atividades promovidas em vista da formação de professores,pesquisas em andamento, homenagens e obituários, acordos e convêniosestabelecidos, correspondências relevantes, participação de membros emeventos, dentre outros. Além disso, este Boletim fazia também circular noticiasde eventos e seminários, bem como de publicações do CBPE. Sua circulaçãoera ampla, posto que garantida pelo intenso e duradouro processo de distribuiçãode livros pelo CRPE/MG.

Posteriormente, a mesma publicação é assumida pelo Boletim do CentroRegional de Pesquisas Educacionais João Pinheiro, o que aconteceu em vista deesse centro substituir o CRPE/MG, pela Portaria n. 51, de 15 de fevereiro de1966, do Ministério da Educação e Cultura. Esse veículo de divulgação sofreu,apesar da continuidade de função e até de pauta, mudanças de conteúdo, comênfase na divulgação de notícias sobre as ações do governo, de seus projetos,além de enfocar mais explicitamente, o binômio educação e desenvolvimento.

A outra publicação, de natureza diversa, denominada também por Boletim doCentro Regional de Pesquisas Educacionais de Minas Gerais, se destinava à divulgaçãodas “primeiras realizações do centro na área das pesquisas educacionais” (RENAULT,p. 3, 1960), somando seis volumes publicados entre 1958 e 1965 (cf. www.ct.ibict.br).Na verdade, essa publicação se revela como uma coletânea, cujo conteúdo traduzpesquisas empreendidas no interior do CRPE/MG, alcançando um formato de livro,e chegando um dos números, a ultrapassar trezentas páginas. Sua estruturacontempla sempre uma introdução, com o duplo intuito: dar notícia sobre asatividades do CRPE/MG e apresentar os artigos que compõem o volume em tela. Oconjunto de tais artigos sempre traz resultados de pesquisas, bem como podetrazer também, textos de autores estrangeiros traduzidos.

b) Acordos, convênios e intercâmbios

Como foi salientado anteriormente, os CRPE foram instituídos com umintento descentralizador e é nesse sentido que se deve compreender asiniciativas do CRPE/MG no tocante às articulações expressas através de acordos,convênios e mesmo intercâmbios com diferentes instituições e órgãos,buscando viabilizar as diretrizes estabelecidas. Tais articulaçõesoperacionalizavam as referidas diretrizes por ocasião da institucionalizaçãodo CBPE e dos CRPE em fins de 1955.

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130 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

2 Instituto criado na gestão de Abgar Renault na Secretaria Estadual de Educação e Saúde Pública de Minas

Gerais, do Governo Milton Campos (1947-50).

Dentre elas, cabe destacar o artigo de Abgar Renault, datado de 1959,revelador de uma sintonia orquestrada com a orientação de Anísio Teixeira:

os Centros de Pesquisas Educacionais, criados em nosso país [...], têm por

mira dotar a administração da educação de instrumentos de precisão,

capazes de estudar minudenciosamente a nossa rea l idade e dela

oferecer, mediante a junção de elementos colhidos em todo o país, uma

figura de corpo inteiro, criar uma consciência pública de necessidades

essenciais e alterar o presente estado de coisas, medindo o sistema

educacional na qualidade das suas escolas e na sua eficácia. [...] Esse

conhecimento exato da realidade social e pedagógica é imprescindível a

qualquer obra de planejamento, que pretenda abranger um problema

por inteiro e alcançar o futuro CRPE/MG (RENAULT, p. 5, 1960).

Para tanto, o CRPE/MG procurou, desde sua criação, vincular-se aosórgãos públicos de educação, em nível estadual e municipal, bem comoàs instituições a eles vinculadas. Exemplo disso é o acordo estabelecidocom Instituto Superior de Educação Rural - Iser2, que desde 1958, integravao CRPE/MG, com a realização de programa intenso de cursos e atividades,muitas delas em colaboração direta com o Centro.

Abgar Renault representou o CRPE/MG em duas conferênciasinternacionais da Unesco realizadas no Chile em 1962, durante a qualobteve aprovação por aclamação para a proposta de criação de quarentaCentros de Formação de Professores Primários no Brasil, empreendimentoque se inseria entre outros contatos e ações do CRPE/MG com a Unesco (OCENTRO REGIONAL DE PESQUISAS EDUCACIONAIS DE MINAS GERAIS, 1962).Nesse sentido, a proposta propugnava pela formação dos professoresprimários em tempo integral, em centros com 300 a 400 alunos e a formaçãode 120 a 160 mil professores em 10 anos (XII CONFERÊNCIA GERAL DAUNESCO, 1962).

Nesse mesmo ano, com o objetivo de realizar “[...] um amplo programana área do Ensino Elementar, bem como na do Ensino de Grau Médio,especialmente a preparação de professores primários e secundários emregime de internato, [com a execução] de largo programa de pesquisas queabrangerá as duas áreas citadas” (ENTENDIMENTO ENTRE A UNIVERSIDADEDE MINAS GERAIS E O INEP POR INTERMÉDIO DO CRPE/MG, p. 4, 1962).

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131O Ensino Baseado em Pesquisas e Estudos

No Boletim do CRPE/MG, referente aos meses de setembro e outubro de1963, há uma notícia que demonstra intercâmbio que esse centro encetavaem relação ao governo cubano, o qual solicitava informações sobre a estruturae a dinâmica das ações empreendidas pelo mesmo. O intercâmbio com Cubafoi reiterado com a publicação noticiosa nos números referentes aos mesesde novembro e dezembro de 1963 do Boletim do CRPE/MG, sobre o Centro deDocumentación Pedagogica de Havana.

c) A pesquisa educacional e a sua divulgação a serviço dareconstrução nacional

O esforço empreendido pelo Inep/MEC para a criação do CBPE e doscinco CRPE em meados da década de 1950, segundo Libânia Xavier,

[...] expressou a preocupação com o registro e a sistematização de dados

levantados nos grandes inquéritos e diagnósticos, ao lado do estímulo ao

desenvolvimento de pesquisas sociais e educacionais. Criavam-se assim, os

meios materiais para a fundação de um nicho de estudos sobre a educação,

com a organizaçao de vasto acervo bibliográfico e documental. Além disso,

a preocupação em levar ao magistério as inovações pedagógicas, assim

como os resultados de pesquisas e estudos recentes sobre temas pertinentes

ao ensino, orientou boa parte das atividades do centro. Essa estrutura se

reproduziu no Centros Regionais [...], criando condições para a regionalização

da pesquisa (XAVIER, 1999, p. 7, grifos nossos).

De fato, a estrutura dos centros regionais era modelada pelo CBPE, masa vontade de influenciar, por meio das pesquisas desenvolvidas pelo CRPE/MG as ações do Estado em Minas Gerais, era marcante em toda adocumentação consultada nessa investigação. Abgar Renault, em 1960,manifestava que:

[...] uma das evidências do nosso atraso em matéria de educação são a

incompreensão e a desconfiança com que pessoas cuja área de trabalho

tem sido, anos a fio, a educação, seja na cátedra, seja na administração,

encaram as pesquisas educacionais e se recusam a apreender a necessidade

elementar de conhecermos com segurança a nossa realidade social e os

fatos que nela se desenrolam, entre os quais o fato educacional, para o

efeito de podermos tentar soluções adequadas aos problemas de nossa

penosa realidade. [...] Os Centros de Pesquisas Educacionais, criados em

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132 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

nosso país. [...], têm por mira dotar a administração da educação de

instrumentos de precisão, capazes de estudar minudenciosamente a

nossa real idade e dela oferecer, mediante a junção de elementos

colhidos em todo o país , uma f igura de corpo inte i ro, cr iar uma

consciências pública de necessidades essenciais e alterar o presente

estado de coisas, medindo o sistema educacional na qualidade das

suas escolas e na sua eficácia. [...] Esse conhecimento exato da realidade

social e pedagógica é imprescindível a qualquer obra de planejamento,

que pretenda abranger um problema por inteiro e alcançar o futuro

(RENAULT, p. 3-5, 1960, grifos nossos).

Nesse sentido, Abgar Renault assinalava que a administração públicaem relação a educação, era “dominada, em geral, pela adivinhação,pela observação empírica, pelo regime do mais ou menos” (RENAULT, p.4, 1960). Ana Maria Casasanta assinalou que a “educação foi para AbgarRenault um problema técnico e como tal, deveria ser considerado segundoparâmetros científico, o que segundo a autora, traduzia a preocupaçãode Abgar Renault com a qualidade do ensino e com a colocação daescola acima dos interesses políticos partidários, a salvo do clientelismo”(CASASANTA, 2002, p. 33).

No entanto, para alcançar os objetivos, a pesquisa educacionalempreendida pelo CRPE/MG idealizava iniciar-se pela seleção do pessoalpesquisador e sua preparação inicial, por meio do treinamento em serviço(INTRODUÇÃO, p. 7, 1962). Em entrevista concedida ao periódico O Diário,de 23 de agosto de 1956, o Professor Mário Casasanta, “depois demencionar as investigações pedagógicas a que se entregou o grupo deeducadores da antiga Escola de Aperfeiçoamento, declarou: – Algumasdessas pesquisas foram destruídas pelo incêndio verificado no Institutode Educação em 1954 e devem ser renovadas” (O CENTRO REGIONAL DEPESQUISAS EDUCACIONAIS DE MINAS GERAIS, p. 6, 1958).

Na análise dos documentos levantados nessa primeira abordagem arespeito do CRPE/MG, foi possível levantar as seguintes pesquisasempreendidas entre 1958 e 19633:

3 Nesse arrolamento foram incluídas informações sobre o ano de 1963, dado que as pesquisas estavamprojetadas anteriormente.

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133O Ensino Baseado em Pesquisas e Estudos

Quadro 1 – Pesquisas em andamento ou realizadas pelo CRPE/MGentre 1958 e 1962.

Depreende-se do elenco de pesquisas empreendidas aqui arrolado, aindaque outras possam ter se realizado, que o espírito do empreendimentomantinha a linha geral de ação do CRPE/MG, posto que as pesquisaseducacionais em desenvolvimento evidenciavam a finalidade de darracionalidade às ações do Estado. Nesse sentido, afigura-se importante darvisibilidade aos resultados de pesquisa publicados pelo CRPE/MG.

Fonte: Boletim do CRPE/MG de 1958 a 1963, compreendendo-se aqui ambas as publicaçõesmencionadas anteriormente.

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134 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

Quadro 2 – Artigos Veiculados pelo Boletim do CRPE/MGentre 1960 e 19654

4 Infelizmente, não foi possível ter acesso ao primeiro volume do Boletim do CRPE/MG.

continuação ⇒

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135O Ensino Baseado em Pesquisas e Estudos

Dentre esses quarenta artigos, apenas o dedicado à memória do ProfessorMário Casasanta, obviamente, não está diretamente relacionado ao ideárioque norteava a publicação desse Boletim do CRPE, qual seja, o de divulgarpara o público interessado, leia-se autoridades do ensino, administradores,supervisores e professores, os resultados das pesquisas com vista à melhoriado ensino. Além disso, o próprio CRPE/MG fez publicar e circular os livros“Como Brincam as Crianças Mineiras, de Maria Amorim Ferrara; O Ensino emMinas Gerais no Tempo do Império (I Parte: Ensino Primário e Normal) e OEnsino em Minas Gerais no Tempo da República”, ambos de Paulo KrügerCorrêa Mourão (INTRODUÇÃO, p. 7, 1962 e CENTRO REGIONAL DE PESQUISASEDUCACIONAIS DE MINAS GERAIS, p.133, 1962).

Fonte: Boletim do CRPE/MG, n°. 2 a 6, publicados entre 1960 e 1965.

Quadro 2 – Artigos Veiculados pelo Boletim do CRPE/MGentre 1960 e 1965

continuação

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136 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

d) A Formação Técnico-pedagógica dos Educadores Mineiros

Entre as funções precípuas do CRPE/MG, estava a de oferecer cursosdestinados à formação aos administradores, supervisores e professoressobretudo do nível primário de escolarização. Nesse sentido, foram oferecidoscursos diversificados, envolvendo, ora cursistas provenientes apenas de MinasGerais, ora de todo país. Ora cursos realizados em Minas Gerais, ora em SãoPaulo ou no Rio de Janeiro e etc. Outrossim, completava-se, com esses cursos,a estratégia de proposição e construção de uma escola nova, ativa e racional,no país e em Minas Gerais, com a conjunção da pesquisa educacional e desua divulgação pelo texto impresso e pelos cursos.

De início, entre 1957 e 1958, teve lugar um curso para supervisores detodo o estado e outro, de igual âmbito, destinado aos professores secundáriosde Português e de Matemática de estabelecimentos oficiais. Além disso, houvea colaboração do CRPE/MG com o PABAEE através de um curso que visava aoaperfeiçoamento pedagógico das professoras primárias de Belo Horizonte.

Uma outra atividade chama a atenção pela aproximação com a formaçãodo professor de instituição confessional. Obedeclendo ao programa cujaorganização contou com a colaboração dos próprios cursistas, houve o Cursode Aperfeiçoamento para Religiosas Educadoras da Capital e do Interior, cursoesse que se constituiu em uma oportunidade para a troca de idéias entre osprofessores leigos e os religiosos, mas também entre esses dois grupos e osprofessores norte-americanos, sendo que trinta religiosas educadoras tomaramparte nas atividades do referido curso.

Ainda em 1958, há notícia do desenvolvimento no Iser, em parceria como CRPE/MG, do Terceiro Estágio Latino-americano de Meios de ComunicaçãoÁudivisuais, realizado na Fazenda do Rosário, em Belo Horizonte, MG. Essaparceria resultaria em muitos cursos, os quais visavam atingir as professorasprimárias, orientadoras técnicas, diretoras de grupos escolares, professoresde grau médio, das escolas normais, ginásios e colégios e que abordavam asseguintes temáticas, entre as principais: Metodologia e Prática do Ensino,Orientação e Supervisão, Administração Escolar; e , em parceria com o IBECC,de São Paulo, os cursos de Português, Francês, Inglês, Matemática e CiênciasFísicas e Naturais. Muitos outros cursos se sucederam com exclusiva promoçãoou em parceria com o CRPE/MG, relativamente à formação de professores.

e) A Distribuição de Livros pelo CRPE/MG

Trata-se de uma constante atividade exercida pelo CRPE/MG, a partir defundos do Inep/MEC, e em colaboração direta sobretudo com CBPE e o Pabaee.Por meio dessa ação se montou bibliotecas destinadas aos educadores em

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todo o Estado de Minas Gerais, uma vez que milhares de livros foramdistribuídos. Quanto às temáticas dos textos distribuídos, se pode afirmarque eram bastante diversificadas, porém marcadas pela disseminação deconcepções pedagógicas afinadas com o ideário da tríade Inep/CBPE/CRPE,através da qual, se conjugavam pedagogia ativa e racionalização da ação doEstado via pesquisa sócio educacional. Além disso, a logística utilizada paraa distribuição de livros dava sustentação à divulgação dos boletins e daspublicações desses mesmos órgãos.

O volume de livros distribuídos era enorme, aproximadamente 15.000mil volumes ao ano, pelo menos de 1957 a 1970, e atingia estabelecimentosde ensino e órgãos de educação, especialmente do setor público, compreferência para aqueles que à época, eram dedicados à formação deprofessores primários.

A título de exemplo, em 1961, o Boletim do CRPE/MG, referente aosmeses de março a junho, noticia a distribuição de 1.390 exemplares apenasno mês de abril, destinados aos seguintes lugares: bibliotecas deestabelecimentos de Ensino Superior, de centros acadêmicos, de escolasnormais oficiais, de colégios estaduais, de ginásios estaduais, de escolasnormais reconhecidas, de ginásios reconhecidos, de escolas técnicas decomércio, de secretarias de estado, de prefeituras municipais, de seminários,de associações culturais, de grupos escolares, de escolas reunidas, do institutode educação, de agrupamentos de inspetorias regionais, de inspetoriasregionais do ensino, de faculdades da universidade de Minas Gerais.

Concluindo

Retomando os primeiros parágrafos deste, é compreensível que odelineamento desse estudo seja titulado pelo ensino baseado em estudos epesquisas, expresso pelo Código do Ensino Primário de Minas Gerais de 1962.O ideário republicano veio se instituindo: primeiramente pelo “Pedagogium”,em fins do século XIX, em seguida, pelo Inep na segunda metade da décadade 1930, redimensionado e fortalecido pela criação do CBPE e dos CRPE nosanos 50. O ideário em torno desses expressava como objetivos a pesquisadas condições culturais e escolares, levando-se em conta o desenvolvimentode cada região, tendo em vista a elaboração gradual de uma políticaeducacional para o país. Tal preocupação se explicitava em torno da formaçãodo professor dos Cursos Primário e Normal.

Avaliar a cultura construída e constituída em torno do cientificismo dadimensão teórica e prática vinculada à educação escolar, promovida pelasações do CBPE e dos CRPE, é um desafio, posto que o exercício de talcientificismo é relativamente anterior, inclusive ao movimento “escolanovista”.

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No Brasil, a reconstrução nacional através da educação escolar já haviarecebido nítidos impulsos desde a emergência do movimento da EscolaNova na década de 1920. Dessa forma, para além do que aqui se investigou,fica o desafio de compreender a cultura científica sob as hostes do CBPEdos CRPE.

Por outro aspecto, se a Psicologia Educacional já reinara em décadasanteriores, os anos 50 do século XX revelam um traço característico deum movimento que impele a “sociologizar” a pedagogia brasileira. E emque pese as oscilações em torno de tal “sociologização”, conferindo àescola maior ou menor papel, concebendo-a, em seus extremos, comoalavanca ou como atada e a reboque da dinâmica econômica, a marcados anos 1950, sob o impulso dos centros nacional e regionais de pesquisa,pretendeu reunir a pedagogia à sociologia, a cultura brasileira à escola,em nível teórico e prático.

Tratava-se, como se observou no decorrer desse estudo, de umaintervenção estatal que visava a reconstrução nacional, situando a escolacomo capaz de potencializar tal reconstrução. Tal concepção deixa se revelaratenta ao binômio educação escolar e sociedade, promovendo assim, umamudança de concepção entre aqueles que se situam no âmbito da educaçãoescolar, no sentido de estar atentos à dinâmica da sociedade.

Nesse sentido, é necessário confessar a fertilidade que os centrosnacional e regionais de pesquisa educacional, instituídos na década de1950, trazem não só para a investigação histórico-educacional, mastambém para a compreensão dos rumos que a teoria e a práticapedagógicas tomaram em décadas posteriores e nas contemporâneas.

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142 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

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143Escolas-parque: Legado do Educador Anísio Teixeira, Patrimônio da Educação Brasileira

ESCOLAS-PARQUE: LEGADO DO EDUCADOR ANÍSIO TEIXEIRA,PATRIMÔNIO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Alice Fátima Martins1

É notória a alegria com que, em geral, alunos da rede pública de Brasíliavão, uma vez por semana, a uma das ‘escolas-parque’, participar das oficinasdas diversas linguagens artísticas, de jogos, recreação e modalidadesdesportivas, podendo freqüentar, também, a biblioteca e participar de tantasoutras atividades indubitavelmente enriquecedoras para sua formação. Oencantamento com que ex-alunos relatam suas experiências nas ‘escolas-parque’ é tocante, particularmente aqueles que, no início dos anos 60,freqüentavam diariamente a primeira ‘escola-parque’ de Brasília, localizadana EQS 307/308.

Contudo, também é digno de nota o fato de que, desde a inauguraçãoda capital, poucas foram as ‘escolas-parque’ construídas. Cinco no total. Eessas têm capacidade para atender apenas aos alunos de parte das ‘escolas-classe’ localizadas no Plano Piloto. Todo o universo dos alunos matriculadosnas outras unidades de ensino da rede pública de Brasília não tem acesso aesse espaço privilegiado de construção de aprendizagens significativas,embora seu projeto original fosse orientado pelo princípio de educação dequalidade para todos. Ressalta-se, ainda, o desconhecimento, por parte dacomunidade escolar e da sociedade, no sentido mais abrangente, daimportância histórica dessa experiência, fruto do ideário educacionalrevolucionário do emérito educador, o mestre Anísio Teixeira.

A Associação de Arte Educadores do Distrito Federal (ASAE/DF), em2002, deu início a uma série de atividades com vistas a discutir a necessidadede preservação das ‘escolas-parque’ na rede pública de ensino do DistritoFederal, considerando a importância histórica e cultural desse projetopedagógico não apenas para Brasília, mas no contexto da Educação Brasileira,em razão das constantes mudanças nas políticas públicas e nosdirecionamentos da gestão da educação que, a cada passo, considerampossibilidades de (re)destinação dos espaços das ‘escolas-parque’ para odesenvolvimento de projetos de outras naturezas.

1 Doutora em Sociologia (UnB), mestre em educação (UnB), arte educadora. E-mail: [email protected]

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144 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

O Fórum Escolas-Parque: Patrimônio da Educação Brasileira, realizado emagosto de 2003, em Brasília, no Teatro da ‘Escola-Parque’ da EQS 307/308, contou,dentre outros, com o apoio e a participação efetiva da Professora Babi Teixeira2,filha e defensora da obra do Professor Anísio Teixeira, bem como com a presençavaliosa de um grupo de professores da Escola-Parque de Salvador. Dentre osdesdobramentos resultantes do evento, foram iniciados os procedimentos para oregistro do projeto das ‘escolas-parque’ como patrimônio cultural, junto ao Institutode Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Minc/Iphan), conforme o querecomenda a legislação, no que tange à preservação do patrimônio histórico ecultural brasileiro, por meio dos organismos públicos competentes.

Tal solicitação refere-se tanto às ‘escolas-parque’ de Brasília, quanto àEscola-Parque de Salvador, a primeira a ser criada, cuja experiência forneceuas bases referenciais para a proposição do projeto implantado na nova capital.Isso posto, faz-se necessária à explicitação conceitual dos critérios que traçamo perfil do que seja considerado, atualmente, patrimônio histórico e cultural,bem como a devida qualificação, nesses termos, tanto do projeto pedagógicodas ‘escolas-parque’ quanto dos planos arquitetônicos e urbanísticos docomplexo educacional no qual elas estão inseridas.

Conceito de patrimônio cultural imaterial

Os bens culturais de valor histórico e artístico se tornaram objeto de atençãodas políticas públicas no Brasil, no século XX, inicialmente, por meio do Serviçodo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan)3 que, posteriormente, passoua constituir o atual Iphan. Até recentemente, o único instrumento legal disponívelpara a preservação desses bens era o tombamento. Contudo, desde cedo, ascaracterísticas de diversidade, complexidade e abrangência do patrimônio culturalbrasileiro forçaram técnicos e governantes a reconhecer que as políticas depreservação deveriam ocupar-se, também, daqueles bens que, sendo relevantesno contexto da cultura brasileira, não constituem monumentos e ou obras dearte, e, por sua natureza, não teriam lugar na relação numérica do livro detombo. Somente nos anos 70 é que os critérios de definição dos bens a serempreservados passaram a ser objeto de reavaliação, a partir das evidências deque, do patrimônio cultural brasileiro, também fazem parte significativa, asmanifestações culturais das mais diversas naturezas “fundantes” da identidadedo povo brasileiro, em seus quantos estamentos.

2 A Professora Babi Teixeira é Presidente da Fundação Anísio Teixeira/FAT.3 O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Sphan foi fundado em 1937, por iniciativa doMinistro da Educação e Cultura, Gustavo Capanema, assessorado por Carlos Drummond de Andrade. Seuprimeiro presidente foi Rodrigo Mello Franco de Andrade.

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145Escolas-parque: Legado do Educador Anísio Teixeira, Patrimônio da Educação Brasileira

Do ponto de vista das políticas públicas de preservação, de todo esseprocesso de discussão ainda em curso, conquista relevante foi ainstitucionalização do registro do patrimônio imaterial, cujo objetivo é avalorização das manifestações vivas da cultura brasileira, por meio do seuregistro em um dos quatro livros assim denominados: “Livro dos Saberes –para o registro de conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidianodas comunidades; Livro das Celebrações – para as festas, rituais e folguedosque marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, doentretenimento e outras práticas da vida social; Livro das Formas de Expressão– para a inscrição de manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicase lúdicas; e, o Livro dos Lugares – destinado à inscrição de espaços comomercados, feiras, praças e santuários onde se concentram e reproduzempráticas culturais coletivas” (Iphan, 2000).

Nesse sentido, não apenas o conjunto de construções escolares, noqual estão inseridas as ‘escolas-parque’, constituem patrimônio irrefutávelda cultura brasileira, como seu projeto pedagógico, enquanto referênciaconstituinte de espaços diferenciados na formação educacional para acidadania, o que tem resultado na participação efetiva na formação deidentidade cultural junto às comunidades onde se encontrem inseridas.

O projeto das ‘Escolas-Parque’ no contexto da educação brasileira

A solicitação de reconhecimento do projeto das ‘escolas-parque’ comopatrimônio cultural, deve ser fundamentada na relevância de seu referencial históricoe de sua inserção efetiva na cultura brasileira. Em seu discurso, na abertura do“Fórum Escolas Parque: Patrimônio da Educação Brasileira”, Babi Teixeira afirmava:

[...] se tivéssemos de eleger uma obra emblemática da rica trajetória do

educador Anísio Teixeira, talvez devêssemos escolher a sua “pequenina

universidade infantil”, forma carinhosa por ele usada para referir-se ao

Centro Educacional Carneiro Ribeiro (CECR), mas conhecido como Escola-

Parque da Bahia (BARROS, 2002).

Efetivamente, as escolas-parque são parte do precioso legado deixadopelo professor Anísio Teixeira, mestre de todos nós. Nascido em Caetité, altosertão da Bahia, na aurora do século XX, teve brilhante formação educacionalinicial, com bases jesuíticas, que se estendeu para além das fronteirasbrasileiras. Promoveu e participou de projetos e reformas educacionais, asmais importantes do nosso país, formulando, ainda, o ideário de instituiçõeseducacionais de relevância indiscutível, que mantém sua atualidade aindahoje, adentrando o século XXI.

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146 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

Ao analisar a experiência da educação brasileira, particularmente daescola primária, o professor Anísio Teixeira ressalta que “mesmo queacalentasse a aspiração de ser uma educação para todos, não logrou atingirsenão uma parcela maior ou menor das crianças em idade escolar” (TEIXEIRA,1962, p. 21 e 22), mantendo sua condição de escola para poucos, freqüentadapela classe média. Essa escola restrita, com padrões bastante razoáveis naqualidade do ensino que promovia, se manteve assim até as décadas 20 e30 do século XX, quando foram deflagradas reformas educacionais quebuscavam democratizar a Educação Primária, buscando sua universalização,com o propósito de alfabetizar o povo brasileiro.

Uma das estratégias adotadas foi à redução da duração do Curso Primário,que passou a constituir uma escola popular de alfabetização, sem articulaçãocom as escolas vocacionais, tampouco com as escolas acadêmicas. Assim,manifestava-se Anísio Teixeira:

[...] a Escola Primária, reduzida na sua duração e no seu programa, e isolada

das demais escolas do segundo nível, entrou em um processo de simplificação

e de expansão de qualquer modo. Como já não era a escola da classe média,

mas verdadeiramente do povo, que passou a buscá-la em uma verdadeira

explosão da matrícula, logo se fez de dois turnos, com matrículas

independentes pela manhã e pela tarde e, nas cidades maiores, chegou aos

três turnos e até, em alguns casos, a quatro (TEIXEIRA, 1962, p.22).

Dentre as distorções que decorreram desse processo, podem ser citadas,de um lado, a perda, por parte da Escola Primária, de sua identidade efunção, de outro, o crescimento dos índices de reprovação e evasão dapopulação que supostamente, tenha passado a fazer parte da populaçãoescolar. O educador Anísio Teixeira argumenta que o processo dedemocratização da escola primária não deveria prescindir de um currículoem que fossem preservados os anos letivos praticados até então, do dialetivo extenso, preferencialmente desdobrado nos dois turnos, do programaenriquecido com atividades educativas, além das atividades intelectuais, eda formação de qualidade dos professores, para que pudessem assumirfunções mais amplas na escola, e mais, ante as demandas sociais etecnológicas impostas pelo século XX, a instrução já não poderia prevalecerna educação escolar. Ao contrário, era preciso trabalhar em função de umnovo currículo, um novo programa e um novo professor, de modo a ofereceràs crianças aprendizagens que envolvessem atividades de estudo, detrabalho, de vida social e de recreação e jogos, voltadas para as múltiplasdimensões da vida.

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147Escolas-parque: Legado do Educador Anísio Teixeira, Patrimônio da Educação Brasileira

Esse pensamento orientou a concepção do projeto do Centro Popular deEducação, designado como Centro Educacional Carneiro Ribeiro, que abrigoua primeira ‘escola-parque’ construída. O educador Anísio Teixeira é veementena defesa desse ideário, no discurso de inauguração do complexo escolar:

[...] é contra essa tendência à simplificação destrutiva que se levanta este

Centro Popular de Educação. Desejamos dar, de novo, à Escola Primária, o

seu dia letivo completo. Desejamos dar-lhe os seus cinco anos de curso. E

desejamos dar-lhe seu programa completo de leitura, aritmética e escrita, e

mais ciências físicas e sociais, e mais artes industriais, desenho, música,

dança e educação física. Além disso, desejamos que a escola eduque, forme

hábitos, forme atitudes, cultive aspirações, prepare, realmente, a criança

para a sua civilização – esta civilização tão difícil por ser uma civilização

técnica e industrial e ainda mais difícil e complexa por estar em mutação

permanente. E, além disso, desejamos que a escola dê saúde e alimento à

criança, visto não ser possível educá-la no grau de desnutrição e abandono

em que vive (TEIXEIRA, 1959, p. 79).

O projeto do centro previa um conjunto de unidades escolares, que envolviaquatro ‘escolas-classe’ e uma ‘escola-parque’, com capacidade para atenderum total de quatro mil alunos, em dias escolares divididos em dois períodos.Diariamente, os cerca de quinhentos alunos de cada ‘escola-classe’freqüentariam, em um turno, aulas convencionais, de instrução, na própria‘escola-classe’ e no turno inverso, desenvolveriam atividades de trabalho, deEducação Física, de artes e de socialização na ‘escola-parque’.

Em 1962, o educador Anísio Teixeira costumava comparar o complexo de‘escolas-classe’ e ‘escola-parque’, com seus diversos pavilhões, construídose organizados de acordo com as atividades que ali seriam desenvolvidas, auma “universidade infantil”, por atender à diversidade de aspectos relevantespara a formação dos alunos, que teriam acesso a um ensino preparatório dequalidade para a continuidade dos estudos em nível médio e superior, aomesmo tempo em que poderiam desenvolver o senso de responsabilidade ede ação prática nas atividades que envolveriam o trabalho, os jogos, a vidasocial, o teatro, a música e a dança, dentre quantas outras possibilidades.

A questão da formação de professores fazia parte do universo depreocupações de Anísio Teixeira que atribuiu também, a esses complexos, opapel de centros de treinamento para o magistério. Dentre os quantos projetosvoltados para a docência, vale registrar que o grupo de professores lotadosna primeira ‘escola-parque’ de Brasília, antes de sua inauguração, foi preparadopara o desempenho de seus papéis na Escola-Parque de Salvador.

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148 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

Embora tenha sido inaugurado em 1950, somente em 1962, com o auxíliodo Instituto Nacional de Educação e Pesquisa – Inep4, é que foram concluídastodas as projeções do Centro Carneiro Ribeiro, incluindo a biblioteca, o teatroe o pavilhão de atividades sociais da ‘escola-parque’, além dos pavilhões deatividades de trabalho, de Educação Física e de teatro ao ar livre, que jáestavam em funcionamento desde sua inauguração, juntamente com as‘escolas-classe’. Contudo, ainda ao final dos anos 60, por volta de 1967, oeducador Anísio Teixeira se ressentia do fato de não ter sido construído umpavilhão de residência nas instalações da ‘escola-parque’, previsto no projetooriginal, destinado a oferecer abrigo a duzentas crianças órfãs ou abandonadas,que necessitassem de educação em regime de internato.

As atividades educacionais desenvolvidas na ‘escola parque’ estavamdistribuídas, de acordo com sua natureza, nas diversas unidades da construção:o pavilhão de trabalho, o setor recreativo e de educação física, o setor artísticocom suas atividades de teatro, música e dança, a biblioteca e o setor desocialização, conforme registra a Professora Maria Terezinha de Melo Éboli,no livro Uma Experiência de Educação Integral (1969).

No Pavilhão de Trabalho, destinado às artes aplicadas, artes industriais eartes plásticas, os alunos trabalhavam com cartonagem, encadernação erecuperação de livros, artefatos de couro, de metal, de madeira, modelagem,cerâmica, cestaria, alfaiataria, corte e costura, bordados diversos, confecçãode bonecas e bichos, tapeçaria e tecelagem, dentre outras possibilidades. Aênfase não estava no ensino de determinado trabalho ou técnica, mas naoportunidade assegurada aos alunos de aprender a trabalhar.

O setor recreativo ou de Educação Física contava com campo gramado deesporte, pavilhão de ginástica, campo de basquete, voleibol, banheiros comducha, além de salas e outros ambientes. As atividades recreativas e deEducação Física tinham por objetivo a saúde dos alunos, a promoção deatividades de lazer, a formação do caráter e a preparação pré-vocacional dosmaiores para o campo dos esportes.

O setor artístico, um dos últimos a ser inaugurado, oferecia à comunidade,instalações modernas destinados ao teatro, à música e à dança. Entre asinstalações, o teatro contava com cerca de cinco mil lugares e com um palcosemicircular giratório de grandes proporções. As aulas de teatro envolviam apesquisa e o preparo de peças, a elaboração e execução de projeto cenográfico

4 O Inep, denominado inicialmente de Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, foi criado em 1937, LeiFederal n. 378. Em 1972 o Instituto passou a ser denominado Instituto Nacional de Estudos e PesquisasEducacionais. Atualmente, tem a denominação de Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais AnísioTeixeira, em reconhecimento à importância da obra desse educador no período em que ocupou a direçãodesse órgão, entre os anos de 1952 e 1964.

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e de figurinos, exercícios de dicção, improvisação, canto e dança. O ensinode música estava voltado para a aprendizagem musical propriamente dita,por meio da prática vocal e de instrumentos, da percepção rítmica, da audiçãoe do exercício de criação. Visava, também, à formação de público sensível àsmúsicas de diversos estilos e naturezas. As aulas de dança eram divididasem dança moderna e danças folclóricas que compreendiam a capoeira, osamba de roda, a escola de passos de samba, dentre outras, da culturapopular brasileira.

A Biblioteca estava voltada para a formação do hábito de leitura dosalunos, e as atividades ali promovidas envolviam leitura, estudo livre ou dirigido,pesquisa, hora do conto, jornal mural, exposições, teatro de sombras efantoches, dentre outras. Os relatos apontam para o fato de que o espaçofísico da biblioteca, ao longo do tempo, se tornou pequeno, ante o númerode alunos que buscavam suas dependências, fora das atividades destinadasàs turmas regulares.

No setor de socialização, os alunos desenvolviam atividades relacionadasao funcionamento de banco, jornal, rádio, grêmio estudantil e comércio emgeral, cujo objetivo era a formação social para o exercício efetivo da cidadania.

Além do atendimento à Educação Fundamental na Bahia, a Escola-Parquerepresentou um espaço privilegiado para o desenvolvimento de atividadesculturais por parte da comunidade do entorno. O que significa dizer que elaabrigou o desenvolvimento de projetos de dança, teatro, dentre outros, emhorários alternativos aos destinados ao atendimento dos alunos regularmentematriculados. Nesse sentido, além de educação formal, a Escola-Parque abrigavae estimulava as atividades culturais locais e de outros bairros e subúrbiosmais distantes.

Quando da construção de Brasília, além do projeto da Universidade deBrasília, o educador Anísio Teixeira assumiu a regência da concepção doprojeto da rede pública de ensino que atenderia às crianças e aos jovens quese instalariam, com suas famílias, na terra vermelha do Planalto Central. Oideário dos centros de educação, que incluíam as ‘escolas-parque’, foi porele trazido para o Distrito Federal.

É importante ressaltar que se tratava de formular um projeto arrojado deeducação a ser implantado na nova capital, cuja construção foi algo inéditona história brasileira. Tendo sido o resultado de uma política de industrializaçãoe interiorização agressivas, seu traçado representou um momento de criaçãono âmbito do urbanismo e da arquitetura, que teve relevância não apenaspara o Brasil, mas também no panorama internacional.

O educador Anísio Teixeira compreendia a importância desse momentohistórico para a implantação de um projeto de educação para todos eorganizado nesses termos, que pudesse ter o caráter de projeto piloto para,

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posteriormente, ser estendido, multiplicado em todo o país. Argumentavaque tal empreitada dependia da compreensão de que a justiça social somenteseria efetiva num regime livre, com igualdade de oportunidades educativas.Para tanto, a principal ferramenta seria uma escola múltipla, um complexoescolar, que oferecesse aos seus alunos, oriundos de todas as camadassociais, uma educação de qualidade que os colocasse em igualdade decondições ante as perspectivas e caminhos da vida:

[...] só existirá uma democracia no Brasil, no dia em que se montar a

máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a escola pública.

Mas, não a escola pública sem prédios, sem asseio, sem higiene e sem

mestres devidamente preparados, e, por conseguinte, sem eficiência e

sem resultados – e sim, a escola pública rica e eficiente, destinada a

preparar o brasileiro para vencer e servir com eficiência dentro do país

(TEIXEIRA, 1936, p. 10).

No entanto, ele próprio reconhecia as quantas dificuldades com que esseprojeto se defrontaria. E apontava, logo nos primeiros anos da capital recém-inaugurada, o fato de que o crescimento da matrícula acima do previstocomeçaria, já àquela época, a trazer riscos para o programa, forçando ainstauração de escolas em tempo parcial ou de três turnos (TEIXEIRA, 1962).

As “Escolas-Parque” em Brasília

Em 1957, o Presidente Juscelino Kubitscheck solicitou ao Inep, então soba direção do professor Anísio Teixeira, a elaboração do Plano de SistemaEscolar Público de Brasília. Assim, com base na experiência do CentroEducacional Carneiro Ribeiro, em Salvador, a Educação Primária foi organizadapara ser oferecida em Centros de Educação Elementar, que eram formadospor uma “rede” de escolas, interligadas entre si, organizadas, do ponto devista espacial, de acordo com o planejamento urbanístico da cidade.

No Plano Piloto, cada Centro de Educação Elementar abrangeria quatroquadras residenciais, as superquadras, compreendendo uma “escola-classe”e um jardim de infância para cada quadra residencial, e uma “escola-parque”para cada conjunto de quatro quadras residenciais. Os jardins de infânciaeram destinados à educação de crianças com idades de quatro a seis anos,as “escolas-classe” deveriam promover a educação intelectual sistemáticade alunos entre sete e quatorze anos. As “escolas-parque” promoveriam odesenvolvimento artístico, físico e recreativo dos alunos, bem como suainiciação ao trabalho, por meio de bibliotecas, museus, oficinas de artesindustriais, espaços para recreação, salas para atividades de música, teatro,dança, artes plásticas, dentre outras (TEIXEIRA, 1961).

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Conforme relata o Doutor Ernesto Silva, defensor incansável da educaçãoe da saúde em Brasília, desde a sua fundação, esse plano não se restringiriaao Plano Piloto, mas deveria ser estendido a toda a área do Distrito Federal,que compreendia também as cidades-satélites, observando os mesmos critériosde democratização da educação de qualidade. Nas cidades satélites, paracada grupo populacional de três mil habitantes, deveriam ser construídos umjardim de infância e uma ‘escola-classe’, e para cada quatro ‘escolas-classe’,seria construída uma ‘escola-parque’ (SILVA, 1985).

Esse registro é esclarecedor quanto ao fato de que, efetivamente, as‘escolas-parque’ não foram concebidas de acordo com uma concepção elitistade educação, que as teria restringido ao ambiente do Plano Piloto, onde aclasse média se instalou na nova capital. Ao contrário, sua presença estavaprevista em toda a rede pública de ensino, estendendo a qualidade do ensinopúblico oferecido à população.

Na verdade, no decurso dos anos que se seguiram à inauguração deBrasília, ante as profundas mudanças políticas ocorridas, não só as ‘escolas-parque’ não foram construídas, conforme o plano original, como também foiesquecida a concepção filosófica dos centros de educação elementar enquantoprojeto educacional que, por seu caráter orgânico e sua complexidade,articularia as várias dimensões da formação integral do aluno.

Por essa razão, a primeira ‘escola-parque’, a Escola-Parque da EQS 307/308, inaugurada oficialmente em 20 de novembro de 1960, permaneceusolitária durante quase duas décadas, período em que o crescimentopopulacional do Distrito Federal superou todas as projeções, aumentando,nas mesmas proporções, as demandas por vagas na Educação Básica. Emboratenha sido a única em funcionamento durante decurso de tempo tão longo, éimportante ressaltar que, particularmente nos seus primeiros anos, ela nãosó cumpriu papel fundamental na educação dos alunos pioneiros da capital,como participou, de modo efetivo, na formação da identidade da cidade emconstrução e de seus habitantes que, do ponto de vista histórico, social ecultural, constituíam-se.

A esse respeito, o Doutor Ernesto Silva relata que, durante cerca de cincoanos, o único auditório existente em Brasília era o da Escola-Parque, onde apopulação podia assistir apresentações teatrais, concertos, projeções de filmes,dentre outras programações culturais. De fato, ela se tornou um centrocatalisador de artistas, intelectuais e educadores, irradiador de atividadesculturais da maior importância.

O teatro fez parte da primeira etapa das construções da Escola-Parque,juntamente com o pavilhão maior, que abrigava o refeitório, a parteadministrativa da escola, a biblioteca, as salas destinadas às aulas de dança,teatro, música, dentre outras, bem como, um amplo espaço interno destinado

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às exposições e os espaços destinados às atividades de socialização. Numasegunda etapa, imediatamente posterior, foram construídos o campo deesportes, a piscina e o pavilhão de artes industriais. Essa estrutura físicapermanece em funcionamento ainda hoje, naquela Escola-Parque. Nessasinstalações, eram desenvolvidas as atividades de artes plásticas, artesindustriais, educação musical e técnica instrumental, educação física, teatroe cinema, além das atividades de leitura, na biblioteca.

Confirmamos a riqueza e a qualidade das aprendizagens propiciadas noambiente das “escolas-parque”, principalmente nos termos de seu projetooriginal, quando funcionava no âmbito de uma educação integral e em tempointegral, ao constatarmos o grande número de artistas, atletas, cineastas,intelectuais, educadores, “arte-educadores” e pessoas de destaque nasociedade em outros campos de atuação profissional, ex-alunos das ‘escolas-parque’, que, em seus depoimentos, ressaltam a importância dessa experiênciaem sua formação e múltipla estimulação.

As relações entre o projeto pedagógico e o projeto arquitetônico

Ao abordar as questões relativas ao projeto arquitetônico do CentroEducacional Carneiro Ribeiro, em Salvador, o educador Anísio Teixeira observava:

[...] pode-se bem compreender que modificações não deverão ser introduzidas

na arquitetura escolar para atender a programa dessa natureza. Já não se

trata de escolas e salas de aula, mas de todo um conjunto de locais em que as

crianças se distribuem, entregues às atividades de “estudo”, de “trabalho”,

de “recreação”, de “reunião”, de “administração”, de “decisão” e de vida

e convívio no mais amplo sentido desse termo. A arquitetura escolar deve

assim combinar aspectos da “escola tradicional” com os da “oficina”, do

“clube” de esportes e de recreio, da “casa”, do “comércio”, do “restaurante”,

do “teatro”, compreendendo, talvez, o programa mais complexo e mais

diversificado de todas as arquiteturas especiais (TEIXEIRA, 1962, p. 30).

Nessa direção, desde a concepção e a construção do Centro EducacionalCarneiro Ribeiro, em Salvador, até a implantação dos centros de educaçãoelementar, em Brasília, ressalta-se o vínculo estreito entre os projetosarquitetônico e pedagógico, num conceito de educação em que não se pensaem “prédio da escola” nos termos tradicionais, mas em “complexo de escolas”,que envolvem várias unidades, diferenciadas de acordo com suas especificidadesquanto ao segmento do ensino ou atividades a serem desenvolvidas, masinterligadas de modo a assegurar o trânsito de alunos e profissionais entreeles. A esse respeito, se estabelecia-se que a distância entre as ‘escolas-classe’ e a ‘escola-parque’ deveria estar entre um e dois quilômetros.

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Para a concepção espacial do projeto pedagógico dos centros popularesde educação, dos quais o Centro Educacional Carneiro Ribeiro foi o primeiro (e,em Salvador, infelizmente, o único), o educador e planejador Anísio Teixeiracontou com o talento do arquiteto baiano Diógenes Rebouças, com quem discutiutodas as etapas, do programa à execução. Em Brasília o processo não foidiferente, sobre o qual o Doutor Ernesto Silva se refere com grande alegria:

[...] quantas vezes fomos ao gabinete de Anísio Teixeira e de lá, ao de Lúcio

Costa! Quanta troca de idéias, quanto idealismo, quanto entusiasmo! Do

cérebro de Anísio e da pena de Lúcio, íamos localizando no mapa de Brasília

os jardins de infância, as escolas-classe, as escolas-parque, os centros de

educação média (SILVA, 1985, p. 228).

Decorre, portanto, que a ‘escola-parque’ não fez parte apenas do projetoeducacional da nova capital, mas da concepção urbanística propriamente dita.No Plano Piloto, cada conjunto de quatro quadras residenciais é chamado deunidade de vizinhança. Toda unidade de vizinhança, nos termos do projetooriginal, deveria contar com clube, cinema, teatro, igreja, comércio, biblioteca,ou seja, uma ampla rede de suporte local para o encaminhamento da vidaquotidiana de seus moradores. Nesse sentido, o projeto urbanístico da cidadeprivilegiaria os laços comunitários e a qualidade de vida de seus habitantes.A rede de escolas já referida, que inclui um jardim de infância e uma ‘escola-classe’ para cada quadra e uma ‘escola-parque’ para cada conjunto de quatroquadras, compõe esse perfil.

Nesse sentido é que, irrefutavelmente, as ‘escolas-parque’, em Brasíliae em Salvador, constituem um bem cultural a ser preservado, dado suasdimensões histórica e cultural, além da relevância dos princípios arquitetônicose urbanísticos que orientam seu projeto.

Desvios de percurso

Em 1964, o educador Anísio Teixeira foi deposto da direção do Inep etambém da reitoria da Universidade de Brasília, cargo que ocupava desde oano anterior. Após o seu afastamento, os projetos nos quais estavam inseridasas ‘escolas-parque’, tanto em Salvador como em Brasília, passaram a sofrermodificações de diversas naturezas, além de deformações e perseguições.

Em Salvador, no início dos anos 70, as instalações físicas da escola-parque se encontravam em sérias condições de abandono e depredação.Algumas iniciativas de restauração iniciadas nessa década, que se alongarampelas duas décadas subseqüentes, acabaram por promover alterações emaspectos relevantes do projeto arquitetônico e por modificar painéis e outras

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obras de arte de valor artístico e histórico reconhecidos, os quais faziamparte da ambientação das oficinas. À revelia do descaso e de tantosequívocos, a escola resistiu bravamente durante longo período.

Depois de cinco anos totalmente desativado, o Centro EducacionalCarneiro Ribeiro foi (re)inaugurado em 28 de fevereiro de 2002, comoresultado da ação conjunta, por meio de convênio firmado entre a Secretariade Educação do Estado da Bahia e a Fundação Anísio Teixeira. Arevitalização da Escola-Parque faz parte do esforço para recuperar o caráterinovador de sua proposta pedagógica, voltando a atender, em tempointegral, os alunos das ‘escolas-classe’ a ela ligadas. Contudo, o conjuntode atividades oferecido nesta nova etapa passou a ter o caráter facultativo,não mais constituindo parte obrigatória do currículo de formação. Do mesmomodo, foi redimensionada a natureza das oficinas oferecidas, ematendimento às novas demandas impostas pelos novos tempos. Assim,foram incluídos, em sua programação, cursos de idiomas e informática,atividades de preparação para a vida e o trabalho, ações de saúde, produçãode materiais de comunicação, além das atividades esportivas e artísticas.

Em Brasília, ainda nos anos 60, ante o aumento da demanda escolar,foi mudada a sistemática de atendimento da ‘escola-parque’. Os alunosdeixaram de participar de suas atividades diariamente, o que possibilitoua expansão do atendimento da escola. Se, por um lado, tal mudançarespondeu ao aumento do número de alunos nas ‘escolas-classe’, poroutro, evidenciou o descaso das políticas públicas educacionais para coma concepção filosófica original do projeto e de sua inserção no projeto daprópria cidade.

No início dos anos 70, em cumprimento ao propugnado pela Lei deDiretrizes e Bases da Educação n. 5.692/71, foi atribuída à ‘escola-parque’a oferta das disciplinas Educação Física, Educação Artística, EducaçãoReligiosa e Programas de Saúde, que passaram a fazer parte do núcleo deestudos obrigatórios do Ensino Fundamental, além das Artes Industriais,Técnicas Integradas do Lar e Técnicas de Serviço, disciplinas da partediversificada do currículo (GDF, s.d.). A programação das atividades deveriater em vista, a integração da área de Comunicação e Expressão às áreasde Educação Artística, Educação Física, centro cívico, dentre outras.

Além disso, as atividades de teatro deveriam ganhar ênfase especial,ante o interesse demonstrado pelos jovens, e as demais disciplinas docurrículo seriam organizadas na forma de clubes, oferecidos de acordocom os interesses e motivações dos alunos. Estavam previstos, por exemplo,os clubes de fotografia e cinema, de música, de línguas, do livro, decientistas e inventores, de esportes, de danças, entre outros.

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Ressalte-se, ainda, que todos esses redimensionamentos se referiamà única escola-parque construída até então e, portanto, a um universo bemreduzido de alunos que a ela tinha acesso. Apenas em 21 de abril de 1977,foram inauguradas duas novas ‘escolas-parque’, organizadas para funcionarjá dentro da nova sistemática: a Escola-Parque da EQN 303/304 e a Escola-parque da EQS 313/314. Em 1980 e em 1992, foram inauguradas,respectivamente, as Escolas-Parque da EQN 210/211 e da EQS 210/211.

O documento “Orientação pedagógica: Escolas-Parque” registra ainda,que atualmente, as ‘escolas-parque’ ampliaram sua clientela, extrapolandoo limite geográfico de atendimento, definido pelo plano original de educaçãopara o Distrito Federal (GDF, 2002a, p.11). Nessa perspectiva, o número de‘escolas-classe’ atendidas por apenas uma ‘escola-parque’ varia,atualmente, entre seis e oito. O que significa dizer que, há muito, foi perdidoo conceito de unidade de vizinhança como fundamento da inserção da‘escola-parque’ na rede de ensino e na vida comunitária.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de n. 9.394,promulgada em 1996, juntamente com os Parâmetros Curriculares Nacionais/PCN (MEC), reafirmou a importância das áreas de Arte e de Educação Físicana formação dos nossos alunos na Educação Básica. Em Brasília, ainda umavez, foi enfatizado o ambiente pedagógico de excelência das ‘escolas-parque’para o desenvolvimento dessas áreas de conhecimento, bem como para aformação integral dos nossos alunos.

Assim, de acordo com os referenciais estabelecidos pelo Currículode Educação Básica das Escolas Públicas do Distrito Federal (GDF, 2002be 2002c) as ‘escolas-parque’, atualmente “recebem alunos da 1ª a 8ªsérie do Ensino Fundamental, trabalhando com eles o fazer e o pensar,de acordo com o previsto nos componentes curriculares da Base NacionalComum: Educação Física e Arte (Visual, Teatro, Música, Dança eLiteratura)” (GDF, 2002a, p.12).

A freqüência dos alunos nas ‘escolas-parque’ está organizada daseguinte forma:

• da 1ª à 4ª série, no mesmo turno em que freqüentam a escolatributária5, em um dia letivo de 5 ‘horas-relógio’;

• da 5ª à 8ª série, em turno contrário ao que freqüentam na escolatributária, em dois dias semanais, atendendo à carga horáriaestabelecida em legislação específica; e

5 Escola tributária é a denominação dada às escolas vinculadas às ‘escolas-parque’, considerando-se queestas passaram a atender não apenas a alunos matriculados em ‘escolas-classe’, mas também a alunosmatriculados em centros de ensino fundamental e na Escola de Aplicação da Escola Normal de Brasília.

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• da 5ª à 8ª série, no horário noturno, os que, comprovadamente estejamimpossibilitados de freqüentarem a escola no diurno (GDF, 2002a, p.14).

Vale ressaltar, contudo, que algumas “escolas-parque” optaram porconcentrar seu atendimento aos alunos da primeira à quarta séries do EnsinoFundamental. Outro aspecto importante do projeto pedagógico que vem sendodesenvolvido está no fato de que as “escolas-parque” recebem, em suasturmas regulares, alunos com necessidades educacionais especiais,integrantes do programa de educação inclusiva da rede pública de ensino.Todos, indiferenciadamente, participam de aulas que tratam das diversaslinguagens artísticas e modalidades esportivas, de literatura e de quantasoutras, de acordo com as disponibilidades de cada unidade escolar.

As dinâmicas de atendimento estabelecidas têm assegurado que as cinco“escolas-parque” existentes atendam à quase totalidade do universo das“escolas-classe” do Plano Piloto, onde estão matriculados tanto alunosresidentes no Plano Piloto quanto oriundos das cidades satélites.

“Escolas-parque”: patrimônio cultural brasileiro

As “escolas-parque”, em Brasília e em Salvador, neste início de terceiromilênio, continuam representando uma experiência inovadora no panorama daEducação Brasileira, que ainda transpira o ideário educacional do nosso mestre,educador Anísio Teixeira. A despeito de, em Brasília, não terem sido construídastodas as “escolas-parque” previstas nos termos propostos no projeto original,de acordo com os percentuais populacionais estabelecidos e as concepçõespedagógicas e urbanísticas. Apesar de todas as mudanças de percurso aolongo dessas pouco mais que quatro décadas de sua existência, do mesmomodo de que em Salvador, ter havido décadas de descaso para com o patrimôniofísico e o projeto pedagógico, tudo isso não foi capaz de inviabilizar a idéia das“escolas-parque” que, hoje, retomadas suas atividades, retoma também seuvigor, brilho e entusiasmo. Sobretudo, recupera o lugar que sempre foi seu, decentro gerador de cultura junto à comunidade em que está inserida.

Sobretudo, as “escolas-parque” continuam, por meio da educação dosalunos do Ensino Fundamental, participando na formação cultural nessas duascidades, deixando marcas profundas em quantas gerações que por elas tenhampassado e nelas tenham experimentado aprendizagens múltiplas nas oficinas,bibliotecas, quadras de esporte, teatros, e quantos outros espaços e atividades.

As dimensões de seu projeto, no que tange ao seu valor histórico, culturale educacional, inscrito numa concepção arquitetônica e urbanística de inegávelvalor humanístico e estético, apontam para sua relevância como patrimôniocultural brasileiro. A idéia de patrimônio, aqui, evoca o sentimento daquilo

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que nos pertence, que é parte constitutiva da nossa identidade cultural esocial, que nos é caro, porque valoroso.

A mais, é preciso lembrar que Brasília, em dezembro de 1987, foireconhecida como patrimônio cultural da humanidade pela Organização dasNações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura/Unesco. Seu tombamento,no âmbito federal, foi efetivado em março de 1990, o que se fundamentou nosconceitos de seu plano urbanístico, concebido por Lúcio Costa, além dosmonumentos projetados por Oscar Niemeyer (ROLEMBERG, s.d.).

Ou seja, a concepção do viver no espaço urbano projetado para Brasíliaé que fundamentou o seu registro como patrimônio cultural, nacional einternacionalmente. As “escolas-parque” são parte constitutiva dessaconcepção. Por essa razão, na abertura do Fórum Escolas-Parque: Patrimônioda Educação Brasileira, o Procurador da República, Doutor Antônio CarlosBigonha foi enfático ao ressaltar que alterar seu projeto ou subtraí-lo dacidade de Brasília, não é apenas um problema de gestão educacional dogoverno local, é ferir gravemente um dos mais caros conceitos do PlanoPiloto (BIGONHA, 2002), que integra a área tombada.

É preciso, portanto, que envidemos todos os nossos esforços no sentidode preservar nossa memória, nosso patrimônio, sobretudo aqueles que estãointimamente ligados à história da educação brasileira e da formação de nossaidentidade cultural. Afinal, homens e mulheres que não reconheçam e nãopreservem os legados socioculturais que constituem seu patrimônio históriconão são capazes de reconhecerem a si próprios.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BIGONHA, Antônio Carlos, (2002). A preservação das escolas-parque. FórumEscolas-Parque: patrimônio da educação brasileira, 2002, (Palestra).

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Currículo da Educação Básica das escolas públicas do Distrito Federal:ensino fundamental – 1ª à 4ª série. Brasília: GDF/Secretaria de Estado deEducação, 2002b.

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158 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

Currículo da Educação Básica das escolas públicas do Distrito Federal:Ensino Fundamental – 5ª à 8ª série. Brasília: GDF/Secretaria de Estado deEducação, 2000c.

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ROLEMBERG, Rodrigo. (s.d.). Brasília: Patrimônio Cultural da Humanidade.Brasília: Câmara Legislativa do Distrito Federal.

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TEIXEIRA, Anísio. Centro Educacional Carneiro Ribeiro Revista Brasileira deEstudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 31, n. 73, p. 78-84, jan./mar. 1959.(Disponível em: <http://www.prossiga.br/anisioteixeira/>.

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A escola parque da Bahia. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio deJaneiro, v. 47, n. 106, abr./jun. p. 246-253 1967. (Disponível em: <http://www.prossiga.br/anisioteixeira/>.

(1997 [1936]). Educação para a democracia: introdução à administraçãoeducacional. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1936.

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159Anísio Teixeira e o Instituto de Educação de Goiás

ANÍSIO TEIXEIRA E O INSTITUTO DE EDUCAÇÃO DE GOIÁS:POLÍTICA EDUCACIONAL? FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS DAEDUCAÇÃO? CONSTRUÇÃO ESCOLAR?

Iria Brzezinski*

Por que tantas interrogações no título de um artigo? Foram elas respondidasem algum momento da história brasileira? Podem elas ser aclaradas commenções aos feitos programados e realizados por educadores que participaramdo mundo do sistema nacional?

Caso se recorra ao legado de Anísio Teixeira à educação brasileira,sobretudo como diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos – Inep,é possível afirmar que as indagações podem ser respondidas pelas grandesrealizações desse denodado integrante do mundo oficial1. Na tentativa desuprir as necessidades básicas da educação nacional na fase da “ReconstruçãoEducacional” (década de 1930), Anísio Teixeira se empenhou em desenvolveruma política fundamentada no ideário democrático em defesa da escola pública,laica e gratuita, cuja premissa mais evidente era a de que a “Educação não éprivilégio, é direito de todos2”.

A respeito da reconstrução educacional brasileira, o educador baianoassim se pronuncia:

* Professora titular de Políticas Educacionais e Gestão Escolar da UCG Universidade Católica de Goiás,coordenadora da Linha de Pesquisa do Mestrado em Educação “Instituições e Políticas Educacionais”[email protected] à vontade para “encaixar” Anísio Teixeira entre os “pertencentes ao mundo oficial” pelo fatode ele ter estado à frente de órgãos vinculados ao Ministério da Educação (MEC). Suas bases teóricase ações políticas como administrador educacional, todavia, obrigam-me a reconhecê-lo como legítimorepresentante do mundo vivido, com o qual se identificam os que conhecem, vivem e transformam aescola e as instituições formadoras de professores. Em Teixeira (1962 ) fui buscar as explicações sobreo “mundo oficial” – do sistema – e o “mundo vivido” – o real. O autor, ao fazer a análise histórica doque foi proclamado e realizado pelo mundo oficial em relação às instituições escolares, mostra que associedades modernas pressupõem, no jogo de interações em que elas se apresentam, a existênciadesses dois mundos polarizados e antagônicos.2Premissa norteadora da Conferência feita no Centro de Estudos e Treinamento de Recursos Humanosda Fundação Getúlio Vargas e do livro de Anísio Teixeira (1957). Este educador recebeu inúmeras críticasdos bispos católicos gaúchos. Em “Memorial” os bispos solicitaram a sua exoneração do INEP, fato queocasionou, mais uma vez, o acirramento da luta que impregnou toda a tramitação da primeira Lei deDiretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 4.024/1961) durante treze anos no Congresso Nacional:defesa, pelos liberais, da escola pública, laica e gratuita, contrária à escola particular, confessional epaga, assumida pelos católicos.

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160 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

[...] nenhum outro dever é maior do que o da reconstrução educacional e

nenhuma necessidade é mais urgente do que a de traçar rumos dessa reconstrução

e a de estudar os meios de promovê-la com a segurança indispensável para que

a escola brasileira atinja seus objetivos.

Os problemas que suscita essa reconstrução são de duas ordens. O primeiro

político e financeiro [...]. O segundo é um problema profissional [...] (TEIXEIRA,

1953, p.7-8).

Como solução para os problemas políticos financeiros, Teixeira (1953)apontava a necessidade de o mundo oficial, de modo obrigatório, proverrecursos a fim de garantir a realização do previsto em um plano dedesenvolvimento da educação nacional, com o objetivo de assegurar a ofertapública de uma Educação Fundamental sistemática, que democraticamentepermitisse o acesso a toda a população brasileira escolarizável. O problemade ordem profissional – técnico pedagógico – deveria ser equacionado com odesenvolvimento de uma proposta de criação de uma escola brasileira voltadapara o permanente e progressivo aprimoramento do ensino e das instituiçõesescolares e o preparo adequado dos profissionais do magistério.

Em síntese, Teixeira explicita sua concepção de política educacional combase em princípios democráticos, com a finalidade de alçar a educação à condiçãode salvadora da sociedade nacional. Norteado pelo pressuposto de que areconstrução social se faria pela educação, o autor considera a escola como umcentro de vida em que a matéria social se condensa e se inova. Esse pressupostotraduzia a função transformadora da escola na visão de Anísio Teixeira e de seuscompanheiros renovadores, defensores da tendência educacional denominadapor muitos de Escola Nova e por outros de Escola Progressivista.

O pensamento dos renovadores tomou corpo e sua unidade se expressouno “Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova” em 1932. Esse documento,entretanto, não apresenta um conteúdo homogêneo, uma vez que seussignatários não formavam um grupo ideologicamente uniforme, embora seunissem em torno de uma referência comum – a liberal.

De forma utópica ou ingênua, porém com verdadeira intenção de buscaracertos, o que traçou os caminhos dos Pioneiros foi uma concepção de umapolítica nacional para educação. Essa concepção foi conduzida com asabedoria de Anísio Teixeira e o Inep, e as propostas, programas, planos eprojetos educacionais desse instituto de pesquisa passaram a se sustentarnotadamente em dois pilares: a) a formação de profissionais da educaçãocom qualidade e aguçado espírito investigativo para “[...] experimentar, tentar,ensaiar, verificar e progredir [...]” (TEIXEIRA, 1953, p. 8); e, b) as construçõesescolares como estratégia para abrigar a maioria da população escolarizável,favorecendo a democratização do ensino público, laico, gratuito e universal.

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No pensamento e nas práticas de Teixeira, esses dois sustentáculos,formação de pessoal e construção de instituições escolares, articulavam-sede tal forma, que já em 1935, quando ocupava a Diretoria Geral da InstruçãoPública, o educador enfatizou que os mestres deveriam ser preparados nãosó para se transformarem em máquinas de ensinar, mas para dominar a artede educar para o bem viver. Já quanto ao prédio escolar e às instalações,essas deveriam, no mínimo, atender os padrões de vida civilizada.

A política da reconstrução nacional orientada por esses pressupostos esustentada pelos referidos pilares era de caráter nacional e visava àreconstrução da Nação. Segundo seu principal idealizador e executor, AnísioTeixeira, essa política precisava ser implantada, como de fato ocorreu3, nasesferas políticas do estado, do município e da cidade.

Tratar da particularidade local é o objetivo do presente artigo, que seapóia em uma pesquisa acerca das realizações de Anísio Teixeira como diretordo Inep, tendo como foco especial, a análise de uma dessas particularidadesno estado de Goiás. O caso do Instituto de Educação de Goiás (IEG).

O desenvolvimento da pesquisa, no primeiro momento, exigiu a realizaçãode uma pesquisa bibliográfica e de análise documental em fontes primárias,grande parte manuscrita. No segundo, ante a ausência de documentação escrita,optei pela História Oral, por meio de entrevistas4, com roteiros elaborados,mediante as quais, foi possível explicar determinados pontos significativos.

Nos itens que se seguem, abordarei de modo sintético, os resultados dainvestigação.

1. Raízes descobertas

Realizar um estudo sobre a influência do ideário e práticas de AnísioTeixeira no Instituto de Educação de Goiás, requer uma inserção na agitadadécada de 1920. Essa década foi marcada, entre tantos acontecimentos, porgrandes reformas educacionais em diversos estados da nação; por ummovimento cultural revolucionário, a Semana de Arte Moderna de 1922 epela criação da Associação Brasileira da Educação em 1924, que exerceupapel fundamental na realização das Conferências Brasileira de Educação enos inquéritos sobre a criação da universidade pública em nosso país.

3Os artigos que compõem o presente livro tratam das realizações locais dessa política do INEP, sob adireção de Anísio Teixeira, no período de 1952-1964, no Distrito Federal e nos seguintes estados daFederação: RS, PR, SC, RJ, MG,GO, BA, SE, MA, RN.4Essas entrevistas forma realizadas em período anterior ao desenvolvimento da presente pesquisa. Ariqueza e diversidade das informações colhidas à época (anos 1980), analisadas sob novo referencialteórico e contextualizadas no momento histórico do século XXI, serviram também como campo empíricodo presente estudo.

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A Primeira Grande Guerra Mundial foi o marco histórico para equacionarproblemas educacionais advindos da influência dos novos ideais pedagógicosassentados no ideário liberal. A busca das soluções estava, evidentemente,refletindo as transformações que se operavam nos setores econômicos, sociale político do Brasil. Configurou-se uma nova situação educacional, pressionadapelo acentuado desenvolvimento do processo de industrialização eurbanização, que aos poucos conduziu a sociedade brasileira à mudança domodelo agrário/comercial/exportador dependente para a estrutura baseadano modelo capitalista/urbano/industrial.

As transformações econômicas e culturais vieram provocar mudançasnas componentes sociais, alterando as condições de vida e de trabalho quese refletiram na composição das classes sociais. Com a ascensão da burguesiaindustrial, começaram a se delinear nos principais centros urbanos, duasnovas classes sociais: de um lado, o setor médio da população, compostopela “pequena burguesia das cidades, [formada] por uma grande massa defuncionários públicos e empregados do comércio, as chamadas classes liberaise intelectuais e, por fim, os militares, cuja origem social era agora a própriaclasse média” (BASBAUM, 1962, p. 428), de outro lado, o proletariado urbano,composto pelo operariado que crescia.

As mudanças econômicas e sociais também tiveram repercussão naordem política, pois a burguesia emergente passou a disputar o poder comas tradicionais oligarquias rurais, abalando a estrutura até então vigente.

Fernando de Azevedo descreve essas mudanças, como jamais verificadasna evolução econômica da nação, pois:

[...] a intensidade das trocas econômicas e culturais, o desenvolvimento da

imaginação dos povos de or igens diversas e o cresc imento das

aglomerações urbanas, pelos quais se exprimia vigorosamente o impulso

tomado pela indústria nacional, depois do conflito europeu, criavam o

ambiente mais favorável à fermentação de idéias novas que irradiavam dos

principais centros de cultura, tanto da Europa como dos Estados Unidos

(AZEVEDO, 1975, p. 152).

No vaivém de influências dos novos ideais pedagógicos sobre a nova estruturasocial, e desta sobre aqueles, passou-se a acreditar na educação como fator dereconstrução social para acompanhar o desenvolvimento urbano industrial e aexigência de uma reforma educacional se tornou evidente. As décadas de 1920e 1930 presenciaram o movimento reformista que emergiu nos estados maispopulosos, apoiado nos princípios liberais da pedagogia nova e na defesa doindivíduo, da liberdade, da iniciativa e da igualdade perante a lei.

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O marco histórico desse movimento é o ano de 1917, com Afrânio Peixoto,que ocupava o cargo de Diretor da Instrução no Distrito Federal. Outras reformasaconteceram: em São Paulo, com Sampaio Dória e depois com Fernando deAzevedo; na Bahia, com Anísio Teixeira; em Pernambuco, com Carneiro Leão;outra no Distrito Federal, com Fernando de Azevedo; em Minas Gerais, comFrancisco de Campos e Mário Casassanta; em Santa Catarina, com LuísTrindade; no Paraná, com Lysímaco da Costa; no Rio Grande do Sul, comCoelho de Souza e em Goiás, com José Gumercindo Marques Otéro.

Inspirados nos princípios da Escola Nova, os reformistas passaram ainterpretar a escolarização como o mais decisivo instrumento de aceleraçãohistórica. O objetivo da escola, como fator de reconstrução social, era edificar“[..] uma sociedade aberta no país, definida como sendo aquela ondeinexistam barreiras objetivas para impedir que qualquer indivíduo realize suaspotencialidades pessoais” (CUNHA, 1980, p. 51).

De acordo com os estudos de Saviani (1983), “pedagogia nova” e“pedagogia da existência” são expressões, que no sentido amplo se equivalem,pois ambas são tributárias da concepção humanista moderna de filosofia daeducação. Tal concepção se concentrou na existência, na vida e na atividade,opondo-se à tradicional, que se centrava no intelecto. Abarcou as maiscontraditórias tendências pedagógicas, desde o behaviorismo até afenomenologia existencial.

À luz desse ideário, o sistema de ensino sofreu a ação de fatores deordem política, cultural, econômica e ideológica, provocando algumaadequação desse sistema às novas necessidades sociais. O movimento emdefesa do regime democrático, com a adoção do voto secreto e a garantia dodireito de voto a todo cidadão alfabetizado, fez crescer a luta em favor daeducação das massas populares. À escola foi atribuído o papel mais amplode desenvolver a consciência nacional, para o enfrentamento das novascondições de vida, de mudanças nas relações de trabalho nos centrosurbanizados e das forças produtivas, o que veio, indiretamente, atuar sobre apolítica de formação do magistério.

Traçar e desenvolver uma política de formação do magistério foi um dos objetivosdo movimento reformista que congregou os maiores educadores brasileiros,apoiados nas concepções assumidas por Anísio Teixeira e seus companheiros.Assim, veio a ser constituído “[...] em conjunto, um dos mais belos movimentos deque há notícia em nossa história escolar” (CHAGAS, 1984, p. 35).

Os reformistas tinham a convicção de que a escola primária, paradesempenhar suas funções, requeria pessoal docente qualificado. Com opropósito de atender a tal necessidade, procedeu-se à reforma do EnsinoNormal, cujo regulamento foi instituído pelo Decreto n. 8.162, de 20 dejaneiro de 1928. De acordo com Francisco Campos, ministro na época, a

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educação exigia emprego racional dos métodos, o que era um problemaexclusivo do professor. Para responder a essa exigência, esse profissionaldeveria ser formado na área específica, em instituição própria e de caráterprofissionalizante. Dessa forma, instituiu-se o Ensino Normal. Hoje esse ensinoé chamado Modalidade Normal, nível de Ensino Médio da Educação Básica,segundo a LDB n. 9.394/96.

Constava do decreto da reforma de 1928, em seu Art. 1º, que “A EscolaNormal tem por fim especial preparar cientificamente professores para asescolas primárias”. Também estava prescrito que o magistério passava aconstituir uma carreira regular, sendo previstas formas de acesso e promoção,artigos 384 a 507, e que o professor atuante teria oportunidade de constanteaperfeiçoamento em cursos realizados pela Inspetoria Geral de Instrução,Art. 437, alínea a, e em reuniões mensais de estudos, Art. 49.

Tais dispositivos mostram o propósito dos definidores das políticasnacionais de dar maior atenção à Escola Normal. De igual modo, em Goiás, oPresidente do estado, Brasil Ramos Caiado, e os Secretários de Interior eJustiça, Lincoln Caiado de Castro, César da Cunha Bastos e José GumercindoMarques Otero, elegeram o Ensino Primário e a Escola Normal, como políticaseducacionais prioritárias de sua administração.

Em 1929, o estado de Goiás recebeu os membros da Missão PedagógicaPaulista, que assessoraram a reforma da Escola Normal. Essa reformaencaminhou a independência da mesma do Liceu de Goiás, ao qual sesubordinava desde a sua criação, em 1882. Era um curso anexo, tratado comcerta discriminação como “curso menos nobre”, destinado às moças, já oensino propedêutico secundário era ministrado para os rapazes. Em 1929, aEscola Normal Oficial foi instalada no Palácio da Instrução. Esse prédio foiadaptado para abrigar o jardim da infância, o grupo escolar modelo, a escolacomplementar e a escola normal, facilitando a continuidade de estudos parao estudante, desde a escola pré-primária até a escola normal. As adaptaçõesprenunciavam a estruturação do Instituto de Educação de Goiás como umpré-projeto de escola única de formação de professores, idealizada por AnísioTeixeira, o que veio a ocorrer legalmente só em 1946.

É interessante mencionar que o Secretário do Interior e Justiça, GumercindoOtero, atribuiu à atuação dos reformadores paulistas e à aplicação de 16%da receita estadual5 no setor da educação, a diferença no coeficiente deanalfabetismo, que baixou de 98% em 1920, para 86% em julho de 1930.Daqueles 16%, empregaram-se na alfabetização, 70,5%, custeando 1 jardimde infância, 16 grupos escolares, 86 “escolas singulares” de um dos dois

5Os dados estatísticos foram extraídos do relatório de José Gumercindo Marques Otéro, enviado aoPresidente do Estado. Informação Goyana (1930).

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sexos e 104 escolas mistas. Os 29,5% restantes foram investidos nas escolasnormais: 1 oficial e 6 particulares subvencionadas pelos estado, 1 Liceuequiparado ao Colégio Pedro II e 2 escolas de Ensino Superior ministrandocursos de Direito, Farmácia e Odontologia. Todas essas escolas abrigavamuma matrícula de 15.754 alunos, deixando fora da escola, aproximadamente90% das crianças em idade escolar.

2. De Escola Normal a Instituto de Educação de Goiás: políticaeducacional de Anísio Teixeira

Os movimentos isolados em prol da reforma da educação, ocorridosnos estados e no Distrito Federal, formaram a base para a consolidação daEscola Nova Brasileira. Essa foi-se concretizando com sucessivas reformas ecoesão de idéias, mesmo em um clima de agitações sociais e políticas querefletiam a crise econômica por que o país passava, culminando com aRevolução de 1930.

Em Goiás, por essa época, apenas 1,9% da população, 680.000habitantes, freqüentava a escola elementar. No final da década de 30, foiregistrado um índice de 21% da população escolarizável matriculado na escolaprimária6. A falta de atendimento a população era atribuída à inexistência deconstruções escolares e de cursos profissionalizantes de formação deprofessores. Essa formação feita no Palácio da Instrução na cidade de Goiásfoi desestruturada com a transferência da capital para Goiânia, em 1937,como efeito da “Marcha para o Oeste”. Em virtude da precariedade dasinstalações da Escola Normal Oficial e da falta de professores em Goiânia, noprimeiro ano após a transferência da capital, a demanda escolar sofreu umaredução da ordem de 49,5%7. Quatro anos depois, o índice de redução foi de63,2%, o que demonstra uma visível desvalorização da única escola públicaformadora de professores.

Não só a estrutura física da Escola Norma Oficial se desmantelou,dissolvendo a estrutura de base que inevitavelmente se transformaria eminstituto de educação, como também as mudanças atingiram a práticaadministrativa e pedagógica adotada pelos gestores da escola e seusprofessores. Houve um retrocesso, e as idéias conservadoras passaram asuplantar o ideário progressivista da Escola Nova, talvez como reflexo da formade governo ditatorial de Vargas, o Estado Novo.

6Expressão da época. Atualmente esse nível de ensino denomina-se Ensino Fundamental (de 1ª a 4ª séries).7Em 1937, último ano de funcionamento da Escola Normal na antiga capital, a matrícula foi de 95 alunos,enquanto em 1938 se matricularam 48 e em 1942 a matrícula se reduziu para 35 alunos. Cf. dadosapresentados por França (1961, p.2).

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A trajetória da Escola Normal Oficial foi marcada, ora por momentos deavanços nas lutas em defesa da Escola Nova, ora por momentos deconservadorismo e de restauração da tendência tradicional, levando-a até mesmoa episódios pitorescos. Cita-se, por exemplo, a polêmica entre a direção8 daescola e a professora Amália Hermano Teixeira, registrada em “O curioso casoda Escola Normal Oficial; história de uma injustiça”. Como informante nopresente estudo, a professora afirmou: “[...] o subtítulo do livro poderia ser Aluta da Escola Nova contra a Escola Antiga” (TEIXEIRA, 1984, p. 4).

O professor Genesco Ferreira Bretas, também entrevistado neste estudo, aoser solicitado para emitir sua impressão sobre a influência do ideário pedagógicorenovador no ensino goiano, fez de imediato, a ligação entre o “caso” da escolanormal com a penetração da Escola Nova em Goiás, assim se expressando:

[...] ali pelos anos quarenta, as idéias da Escola Nova penetraram na Escola

Normal. Algumas professoras, mais novas no magistério, se imbuíram com tal

entusiasmo desses princípios de renovação que chegaram, na prática, até

ao exagero. Logo de começo entraram em choque com a direção da Escola.

Muitas alunas aderiram ao grupo de professoras renovadoras, fazendo

crescer o movimento renovador, mas de maneira inquietante. Os professores

e as professoras mais moderados tentaram aplacar os ânimos, mas sem êxito.

Daí por diante, brigas e mais brigas (BRETAS, 1983, p. 7).

Na tentativa de uma avaliação do movimento, Bretas, ponderadamente,concluiu: “[...] foi uma guerra, da qual não houve nem ganhadores, nemperdedores. O movimento serviu pelo menos, para despertar a atenção doseducadores goianos para o estudo da Escola Nova” (BRETAS, 1983, p. 8).

No período em que a Escola Normal Oficial estava em guerra declarada,em âmbito nacional, vivenciava-se uma onda de euforia democrática ocasionadapelo final da II Guerra Mundial e pela queda da ditadura. Tal contexto sociopolíticoe econômico veio propiciar uma nova política educacional influenciada peloseducadores liberais, agora reintegrados no contexto brasileiro. Essa influênciafoi evidenciada nos princípios norteadores da Constituição de 1946 e na reformaeducacional, marcada pela aprovação das leis orgânicas do ensino, entre essas,a da escola normal. Nessa Lei Orgânica de 1946, foi prevista a versão ampliadada escola normal para instituto de educação.

Em Goiás, a ampliação da escola normal foi prescrita pelo Decreto-Lei n.870 de 28 de maio de 1947, que representou o instrumento da lentametamorfose da Escola Normal Oficial em instituto de educação, metamorfose

8Nesta ocasião ocupava o cargo de diretora a professora Ofélia Sócrates do Nascimento Monteiro.

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que se estendeu por 9 longos anos, portanto, concretizada somente em 1956.Fato curioso é que o caráter provisório atribuído às instalações do instituto deeducação, quando da transferência da Escola Normal Oficial para Goiânia,em 1937, prolongou-se por vinte anos. Sua instalação foi prevista, inicialmenteno prédio do Liceu de Goiás, proposta que não vingou.

No governo de Pedro Ludovico Teixeira, o fundador de Goiânia, foi planejadae iniciada a construção de um prédio para abrigar a IEG com recursos do Inep,na gestão de Murilo Braga, recursos que foram conseguidos por iniciativa doprofessor Genesco Bretas. No entanto, a obra foi paralisada nos alicerces, pordesinteresse do sucessor de Pedro Ludovico, seu adversário político. Sobreesse fato, o professor Bretas assim se pronuncia:

[...] a política daquele tempo, e ainda hoje acontece o mesmo, era isso:

uma obra iniciada por um governo anterior, se de oposição, não merecia

ser continuada nem concluída. Até quando vai ser assim? Nesse ínterim,

Murilo Braga embarca para os Estado Unidos, o avião cai. Com ele foi

enterrado o convênio. A obra parou, ficando ao relento por vários anos

(BRETAS,1983, p. 2-3).

Outra vez se desviou a trajetória do instituto de educação por interferênciade interesses políticos. A construção abandonada no bairro periférico – VilaNova – era convidativa a um processo de invasão. Assim aconteceu. Em poucotempo, alojaram-se lá, 100 famílias e todas as dependências foram ocupadas.As salas de aula abrigavam cada uma, de 8 a 10 famílias e “[...] no terrenovasto surgiam casebres da noite para o dia, como cogumelos e ervas daninhas”(FRANÇA, 1961, p. 94).

Apesar disso, desde 1947, estava lançada a semente do futuro complexoescolar que se transformaria na Escola Modelo de Formação de Professoresdo Estado de Goiás, que só foi germinar, com os recursos financeiros epedagógicos advindos do Inep e sob a dedicação especial de Anísio Teixeira.

O processo de estagnação da obra do instituto de educação acompanhavao moroso ritmo de desenvolvimento dos sistemas econômico e político doestado, atrelados, o primeiro, ao modelo agropastoril dependente, e o segundo,ao sistema oligárquico, embora a expansão capitalista já houvesse se iniciado,atingindo o setor industrial goiano e possibilitando um incipientedesenvolvimento dos centros urbanos. Na realidade, a expansão da economiagoiana nesse período, fez-se à base de alterações da estrutura agrária, queprovocaram pouco reflexo na expansão da estrutura urbana. Por essa razão, aconstrução de uma escola urbana, que serviria como centro de referência deformação de professores para todo o extenso território goiano, só teve impulsoe foi concluída em 1956. Essa conclusão só ocorreu com o estímulo vindo de

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fora do estado, por meio do educador Anísio Teixeira, que firmou convênioentre o Inep e o estado de Goiás. Com tal ação, o grande educador eprotagonista de tantas reformas educacionais em outros estados e no DistritoFederal, passou a ser ator e autor da história da educação goiana. Deu grandeimpulso à implantação do projeto de uma nova instituição escolar que pudesseacolher com dignidade a proposta de formar professores em uma escolapública urbana de qualidade em Goiás.

Anísio Teixeira, o mais autêntico defensor da escola pública gratuita paratodos, conhecedor dos obstáculos que se interpunham à concretização deum instituto de educação, tomou para si a responsabilidade de orientarpedagogicamente o Instituto de Educação de Goiás – IEG e a de destinar, aomesmo tempo, recursos para a construção do prédio escola. Com o apoiodesse educador brasileiro, que sem dúvida reunia todos os requisitos paraassessorar a instalação de um instituto de educação, o de Goiás teve afelicidade de retomar com vigor, a sua trajetória por tantas vezes interrompida.

Após acertos técnicos de arquitetura e engenharia, optou-se por umaadaptação das plantas originais aos recursos financeiros disponíveis. Eliminou-se, de início, a construção do segundo pavimento originalmente planejado.Ainda, para maior aproveitamento de recursos, foi utilizada a mão-de-obrabarata de 30 presidiários, deslocados para a construção pelo Secretário deSegurança Pública.

O maior desafio foi a retirada das 100 famílias invasoras. Por decisão dogovernador, todos foram assentados no Setor Pedro Ludovico, a sudoestes deGoiânia, exceto Dona Maria Albana Mesquita, que viveu até 1985 na área doCurso Primário de Aplicação do IEG.

O depoimento de Dona Maria, dado ao professor José Luís Domingues,demonstrou as condições de isolamento do local onde foi construído o IEG,assim como o processo de retirada de seus companheiros:

tudo era muito mato; só mais pra baixo existia a igrejinha, o mercado e

grandes trieiros para ir a Goiânia [...]. Muita gente morava aqui. Quando

começou a construção, que era feita por presos da penitenciária, o homem

que acompanhou os presos, muito jeitoso, bem vestido, com anelão de

doutor na mão, começou a tirar o pessoal prometendo uma casa boa, no

Setor Pedro Ludovico, e assim todos se foram [...]. Ele falou comigo também,

marcou o dia de vir me buscar, mas não veio e estou aqui até hoje [...]

(DOMINGUES, 1985, p. 66).

Embora existissem tantos obstáculos, em seis meses o prédio foiconstruído. Suas características arquitetônicas e pedagógicas serão descritasno item seguinte.

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3. IEG: concretização, projeção e declínio

O Instituto de Educação de Goiás foi instalado em seu prédio próprio noinício de 1956. Finalmente em local apropriado, depois de transcorridos 74anos da criação da Escola Normal!

Como a obra estava inacabada, os presidiários ainda ficaram lá. Na ocasião,esse fato foi muito explorado pela imprensa e exposto pelo professor BasileuToledo França, diretor do IEG, na época da inauguração do prédio próprio:

foi uma gritaria tremenda: - nós – eu e as autoridades estaduais – estávamos

levando moças para conviver com presidiários. Elas iam para a poeira, pois não

havia calçamento. Onde se viu, numa distância daquelas! Tirar as meninas do

centro da cidade [...]. O bairro era considerado distante e não contava com

linha de ônibus. No início íamos e voltávamos a pé [...] (FRANÇA, 1983, p. 6).

Aos poucos, com paciência e coragem, tudo foi sendo resolvido. Segundoo primeiro diretor do IEG, a área onde o mesmo foi construído, abrangia83.000m2, (França, 1961, p. 94). Foi edificado um complexo de ensino integradopor jardim da infância, grupo escolar de aplicação, Instituto Pestalozzi (deexcepcionais9), pensionato para bolsistas do interior e auditório. Esse, nomesmo bloco do IEG, com capacidade para 700 pessoas.

Emergiu então, o centro de gravidade de formação de professores do estadode Goiás – o Instituto de Educação de Goiás – que passou a exercer paulatinamentea função de centro irradiador de cultura. A instituição, aos poucos, transformava-se em foro de debates. Os profissionais de outras escolas de menor porte levavamsuas experiências para lá, ao mesmo tempo em que procuravam atualização,aperfeiçoamento e subsídios para solucionar problemas educacionais.

Inserido na nova realidade goianiense, o IEG, com estrutura física adequadae com assessoramento pedagógico do Inep, feito nos primeiros momentos,pessoalmente por Anísio Teixeira, transformou-se em escola modelo de formaçãode professores primários, participando da evolução cultural, social e econômicado estado, que por sua vez era impulsionado pela corrida desenvolvimentistado governo federal. Fato elucidativo da participação do IEG no desenvolvimentoeducacional de Goiás era o elevado número de professores qualificados que aescola modelo colocava no mercado de trabalho. Transcorridos três anos desua instalação em prédio próprio, o número de 37 concluintes significava umcrescimento da ordem de 516% em relação aos 6 concluintes de 1955.

9O instituto de excepcionais não havia sido previsto, inicialmente, como instituição integrante do IEG. Naépoca, porém, este estabelecimento enfrentava dificuldades, sendo até despejado de suas instalações noHorto Florestal. Como solução foi incorporado ao complexo de ensino. Cf. Depoimento do professorBasileu Toledo França em 11/05/1983.

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Dos determinantes externos e internos que promoveram o crescimentodo IEG, dois deles, restritos ao aspecto pedagógico, revelaram-se bastantesignificativos. O primeiro foi o aperfeiçoamento do corpo docente, medianteconcessão de bolsas de estudos pelo Inep. Os professores, principalmentedas disciplinas pedagógicas, puderam se aperfeiçoar em cursos promovidospor esse órgão, tanto no Rio de Janeiro, como em Belo Horizonte.

Para o professor Basileu Toledo França, o estágio realizado pelosprofessores do IEG na Escola Guatemala – 1º Centro Experimental de EducaçãoPrimária do Estado da Guanabara – possibilitou uma verdadeira integraçãoentre a teoria estudada nos cursos e a prática vivenciada na escola primária,dotando os professores do IEG da mais adequada atualização que se poderiadesejar para aquele momento (FRANÇA, 1983, p. 8).

O retorno desses professores provocou a total renovação nas propostasdidáticas pedagógicas e novos métodos e técnicas passaram a ser utilizadaspara desenvolver o processo ensino aprendizagem. Nessa época, introduziu-seno IEG, a dinamização dos grupos de adolescentes, inicialmente nas aulas deSociologia Educacional ministradas pelo professor Basileu Toledo França, depois,generalizaram-se as técnicas de dinâmica de grupo, mais enfatizadas no finaldos anos 1960 (FRANÇA, 1983, p. 4). O uso abusivo dessas técnicas transformou-se em uma dessas panacéias que periodicamente invadem a escola.

A segunda determinante do crescimento do IEG foi o assessoramentopedagógico feito pela professora Eny Caldeira, ex-diretora e organizadora doInstituto de Educação do Paraná, que na ocasião representava o Inep. Asorientações dadas pela professora se assentavam, por um lado, nos princípioscontidos nas Recomendações n. 36 e 37 da XVI Conferência Internacional daInstrução Pública, realizada em Genebra em 1953, e por outro, na crença daprofessora de que com base no ato educativo realizado na escola, essa teriacondições de formular seus próprios princípios educacionais. Tal crença érevelada em sua afirmação de que,

[...] da participação de professores e alunos-mestres, dos estudos e projetos

de ação, da presença da criança, da solenidade das relações humanas, da

transparência de convicções pedagógicas, a escola poderá ser a vertente

de seus próprios princípios pedagógicos (CALDEIRA, 1956, p. 41).

As mudanças ocorridas no plano administrativo e no plano pedagógicoforam sem dúvida, reflexo do aperfeiçoamento dos professores e doassessoramento pedagógico do Inep ao IEG.

A organização dessa escola foi crescendo em complexidade para cumprirfinalidades de estabelecer um padrão ao Ensino Normal no estado e de serum centro de cultura pedagógica. Essas finalidades foram ampliadas ainda

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mais, pela pretensão implícita de formar professores para a futura capitalfederal, Brasília, que passou a atrair as pessoas qualificadas em face daoferta de melhores condições de trabalho.

As alterações pedagógicas e administrativas foram se processando a fimde atender às necessidades emergentes, antes mesmo de atos oficiais queocorreriam mais tarde, com a Lei n. 2.580 de 17 de setembro de 1959 – LeiOrgânica do Ensino Normal de Goiás – e com o Decreto n. 2 de 11 de janeirode 1960, que regulamentava o Ensino Normal.

A elaboração do regimento interno do IEG possibilitou a criação de setorespedagógicos administrativos que se auxiliavam reciprocamente pela estreitainterdependência do seu funcionamento. Foram classificados em “órgãosescolares, de divulgação pedagógica e órgão técnico e auxiliar”. Com a funçãode executar tarefas exclusivamente administrativas, foram mantidas a Vice-diretoria, a Secretaria e a Tesouraria.

Dos chamados “órgãos escolares”, faziam parte os cursos de:

- Formação de Professores;- Administradores Escolares;- Normal Rural10;- Especialização e Aperfeiçoamento;- Ginasial;- Primário de Aplicação;- Jardim de Infância;- Excepcionais (Instituto Pestalozzi);

Os órgãos de divulgação pedagógica eram:

- o Seminário Pedagógico para Professores, Diretores, Inspetores eTécnicos de Ensino em Geral, que funcionava como foro de debates;

- a Biblioteca;- o Museu, dividido em dois departamentos: pedagógico e “eclético”;- o Serviço Social de Educação, que compreendia a orientação

educacional;- os serviços de teatro, cinema educativo, excursões, assistência médica

e dentária, a caixa escolar e clubes literários;- o Boletim de Educação, de edição trimestral.

10Diversos obstáculos impediram o funcionamento do curso Normal Rural. Numa tentativa de substituiçãoinstituiu-se no curso de formação de professores uma área de especialização, optativa para os alunos: oExtensionismo Rural (FRANÇA, 1983, p. 10).

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O Centro de Orientação Pedagógica foi o primeiro órgão técnico instituído,seguido pelo Departamento de Didática. Surgiram mais tarde, o ConselhoTécnico Administrativo e a Congregação, com funções técnicas administrativas.Esses auxiliavam a diretoria na administração, de acordo com o artigo 109 doregulamento do Ensino Normal.

O Pensionato para Bolsistas foi classificado como órgão auxiliar e tinhacomo função abrigar os professores leigos do interior, que atuavam no sistemae buscavam no IEG, atualização, aperfeiçoamento ou especialização.

Os diferentes órgãos se vinculavam administrativa e pedagogicamenteao diretor do Instituto de Educação de Goiás, a quem cabia também a indicaçãode seus diretores. A designação dos diretores do jardim da infância, do grupoescolar de aplicação e do instituto de excepcionais era feita pela Secretariade Estado da Educação. Essa, no entanto, respeitava a indicação feita pelodiretor do IEG, que por sua vez, consultava previamente a Congregação e oConselho Técnico Administrativo. Essa prática democrática foi, todavia,abandonada já no início dos anos 1960, pois acima das questões educacionais,relegadas ao segundo plano, estavam os interesses políticos partidários, oque lamentavelmente, não se modificou até nossos dias.

O interesse dos políticos da época e o movimento renovador do IEGfuncionaram como mola propulsora da elaboração da Lei Orgânica do EnsinoNormal de Goiás e do regulamento desse ensino. A influência dos interessespolíticos foi notória quando o governador do estado, objetivando uma realizaçãomarcante de seu governo, resolveu propor a reforma do Ensino Normal. Segundoo professor Bretas, essa reforma era inoportuna, pois estavam em curso noCongresso Nacional, acirrados debates sobre a LDB Lei 4.024/61, o que indicavasua breve homologação. Conseqüentemente a reforma em Goiás seriaefêmera. A esse respeito o professor Bretas se pronunciou:

[...] de início, ponderei que essa reforma devia esperar a aprovação da Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que transitava no Congresso, mas

Feliciano tinha pressa, era compromisso que tinha consigo mesmo: reformar

o Ensino Normal” (BRETAS, 1983, p. 4).

A Comissão Especial de Estudos e Programação da Reforma do EnsinoNormal de Goiás11, nomeada pelo governador Dr. José Feliciano Ferreira, foicomposta pelos professores Basileu Toledo França, Genesco Ferreira Bretas eJosé Sizenando Jaime, sob a coordenação do primeiro.

11Cf. Exposição de motivos e anteprojeto de lei. In. Goiás. Comissão especial de estudos e programação.Reforma do ensino normal, Goiânia, Dep. Estadual de Imprensa, 1960, p. 5.

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173Anísio Teixeira e o Instituto de Educação de Goiás

A comissão passou à elaboração do anteprojeto de lei em regime detrabalho intensivo, assim narrado pelo professor França: “[...] trabalhávamossábados, domingos e feriados porque o assunto foi nos entusiasmando. Nóstrês éramos idealistas, então trabalhamos naquele projeto com grande amor.Como sofridos mestres escola” (FRANÇA, 1983, p. 10).

Nessas circunstâncias, em menos de 5 meses, “[...] o anteprojeto12 foielaborado, aprovado, sancionado, publicado e imediatamente posto em vigor”(BRETAS, 1983, p. 4).

Com a Lei Orgânica do Ensino Normal de Goiás foi instaurada umaconcepção de ‘escola-curso’, por força da qual, cada curso era identificadocomo uma instituição de ensino. Por essa época, instalaram-se três tipos deestabelecimentos:

a) Ginásio Normal ou Escola Normal Elementar;b) Colégio Normal ou Escola Normal Secundária;c) Instituto de Educação e Escola Normal Superior (art. 2º, alíneas a, b e c).

Esses três tipos de estabelecimento proporcionavam diferentes níveis deformação de professores primários e possibilitavam formação:

a) Ginasial, ministrada nas escolas normais elementares, com 4 série anuais,formando professores “primários” de 1º grau (art. 2º, alínea a);

b) Normal, ministrada no Instituto de Educação e nas escolas normaissecundárias, com 3 séries anuais, após o Curso Ginasial, formandoprofessores primários de 1º e 2º graus (art. 2º, aliena b);

c) Pós-normal, ministrada no Instituto de Educação e nas escolas normaissecundárias, compreendendo cursos de especialização nas seguintesmodalidades: Ensino Rural, Intensivo de Administração Escolar,Educação Pré-primária, Educação de Crianças Excepcionais, EnsinoPrimário Complementar, Ensino de Desenho e Artes Plásticas, Ensinode Músicas e Canto Orfeônico, Educação Física, Recreação e Jogos(art. 4º, alíneas b, c. d e art. 21);

d) Superior, ministrada no Instituto de Educação, em Curso NormalSuperior, com duas séries anuais, formando professores primáriosem nível superior (art. 2º, aliena c); e

e) Superior, ministrada no Instituto de Educação, em Curso deEspecialização de Administradores Escolares (art. 23). Essa formaçãonão deve ser confundida com a feita no curso da alínea anterior.

12O anteprojeto foi relatado pelo Deputado Waldir Castro Quinta. Segundo o prof. Bretas, o relator “[...]apresentou várias emendas que não alteravam o conteúdo, mas melhoravam a redação e a técnicalegislativa” (BRETAS, 1983, n. 7, p. 4).

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Além dos diversos níveis de formação que procuravam atender àspeculiaridades e possibilidades de cada região de acordo com o seudesenvolvimento socioeconômico, foi amparada pela lei, a qualificação dosprofessores leigos atuantes nas escolas primárias mediante o Curso deIntegração Profissional (art. 10). O caráter intensivo dado ao curso facilitava aparticipação dos professores leigos, sem contudo, os afastar de suas funções.Ministrado no período de férias escolares, o curso intensivo se apresentavacomo a alternativa viável para a qualificação desses professores, sem impedira oferta do Curso de Integração Profissional com um ano de duração, tambémpara professores leigos.

A instituição do Curso Normal Superior no IEG, com o objetivo de formarprofessores primários, talvez tenha sido a decisão mais idealista dosprofessores legisladores, sendo que a mesma se apresentava ainda comoambiciosa naquele momento, para uma sociedade que se mantinha emdiferentes estágios de subdesenvolvimento. Essa postura quase visionáriasofreu forte resistência dos mais conservadores que, no entanto, nãoenfraqueceram as posições assumidas pelos progressistas. Esses acreditavamna possibilidade de progresso acelerado, especialmente de Goiânia, pelainfluência da nova capital federal, o que requeria níveis mais elevados deformação. O movimento de resistência foi sintetizado pelo professor França,que assim se expressou:

[...] nesta ocasião, por sugestão do Professor Bretas, introduziu-se o Curso

Normal Superior. Essa inovação, de início, causou certa espécie, porque os

antigos professores não atinavam com o alcance da formação de professores

em melhor nível. Nós sabíamos por experiência própria que os currículos

desse nível exigiam muita qualidade, levando em conta o desenvolvimento

do estado e a chegada de Brasília (FRANÇA, 1983, p. 10).

A experiência de formar professores no IEG em nível superior teve duraçãomuito curta. O Curso Normal Superior foi instituído em 1959 e extinto em1962. Formaram-se nele apenas duas turmas. O seu fechamento,contraditoriamente, não se deveu à escassez de alunos. A excessiva demandainquietava os dirigentes da Faculdade de Filosofia da Universidade Católica deGoiás, temerosos da possível concorrência da escola pública que se apresentavaem condições de oferecer um curso de igual ou de melhor qualidade, atraindopessoas de menor poder aquisitivo. É importante ressaltar que a Escola Normal,então Instituto de Educação, era tradicionalmente considerada uma “escolade elite”. A ampliação das oportunidades educacionais, todavia, democratizouo ingresso no IEG para as camadas de classe média inferior, que ainda nãotinham sido excluídas da escola pelo determinante econômico.

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175Anísio Teixeira e o Instituto de Educação de Goiás

O interesse das classes privatistas da educação, apoiadas pela classepolítica do estado, predominou sobre os interesses da escola pública, quandoo movimento deflagrado por dirigentes e alunos da Faculdade de Filosofiase consagrou vitorioso. O discurso levado a público pelos acadêmicos dafaculdade, movidos pela ideologia da classe dominante, declarava ainconstitucionalidade da Lei Orgânica do Ensino Normal de Goiás, valendo-se de um argumento não verdadeiro à época, de que a Lei Federal nãoatribuía competência para os estados legislarem sobre o Ensino Superior.Afirmavam também que era de exclusiva competência das Faculdades deFilosofia a formação de professores em nível superior e que os egressos docurso pós-normal seriam concorrentes no reduzido mercado de trabalhooferecido pelo estado (BRETAS, 1983, p. 5).

A argumentação em defesa do Curso Normal Superior, comprovandoque a Faculdade de Filosofia formava profissionais para o Ensino Secundárioe que o Curso Normal formava profissionais para o Ensino Primário, emboracoerente, não teve ressonância na classe política, nem entre os dirigentesda Secretaria de Educação e Cultura do governo Mauro Borges Teixeira, queacabava de se instalar.

A Secretaria de Educação e Cultura não conseguiu provar ainconstitucionalidade da lei estadual. Negou-se, entretanto, a diplomar osconcluintes do Curso Normal Superior e, aproveitando-se da aprovação daLDB 4.024 de 20 de dezembro de 1961, considerou derrogada a referida Lei.

A Faculdade de Filosofia da Universidade Católica de Goiás se ofereceucomo alternativa de solução, recebendo os concluintes do curso pós-normalpara prosseguirem seus estudos (BRETAS, 1983, p. 7). Por concessão doConselho Federal de Educação à luz do Parecer n. 340/63 do CFE, de autoriado conselheiro Valnir Chagas, os alunos foram matriculados no Curso dePedagogia mediante aproveitamento de estudos. O reconhecimento daequivalência entre as duas séries do Curso Normal Superior e das duas sérieiniciais do Curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia foi embasadoespecialmente nas prudentes afirmações que se seguem:

[ . . . ] não viemos a inferir que “pós-secundário” é necessariamente

“super ior”; l imitamo-nos a acenar com a poss ib i l idade de uma

“equivalência” a ser apurada nos casos onde esta existe de fato (grifo do

autor). Mas – sublinhamos então – sempre e unicamente onde ela existe,

significando isto que não poderá jamais ser decidida a priori, pelo que a

este Conselho caberá tão somente declarar a sua viabilidade, e às escolas

decidir sobre a própria aceitação desse tipo de aproveitamento de estudos

(CHAGAS, 1963, p. 71).

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176 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

Como se vê,

[...] não nos faltou a necessária prudência para falar em termos de

aproveitamento de estudos comprovadamente idênticos ou equivalentes, e

não de uma universal e obrigatória equiparação dos cursos de administradores

escolares à primeira metade do curso de Pedagogia (CHAGAS, 1964, p. 71).

As vicissitudes do Curso Normal Superior, que culminaram com a suaeliminação, mereceram de seu idealizador e incansável defensor, estasdesiludidas palavras:

[...] é isto aí: uma província (província, sim), viciada em andar sempre atrelada,

como lanterninha, à cauda formada pelas demais províncias, não pode ter

iniciativa própria, não pode andar à frente da cabeça. A palavra nossa não

tem valor; só vale a que vem de cima (BRETAS, 1983, p. 7).

Ainda que o fechamento da Escola Normal Superior consistisse em umamutilação do IEG, a escola modelo de referência de formação de professores,inspirada nas idéias revolucionárias de Anísio Teixeira, continuou sua trajetóriaascendente sob a égide da Lei 4.024/61.

4. Para concluir

No IEG, não só o preparo pedagógico teve grande significado na formaçãode professores, como também a formação política coexistia com as práticaspedagógicas. Exemplo disso é que nessa escola, por ocasião da instalação dogoverno militar, após o golpe de estado de 1964, emergiu um núcleo deresistência, particularmente formado por um grupo coeso de alunos críticos edefensores incontestes da democracia brasileira.

A obra denominada Instituto de Educação de Goiás, em sua plenitude,expressou um dos maiores êxitos das políticas educacionais empreendidas porAnísio Teixeira no Inep. Lamentavelmente teve sua trajetória interrompida como advento da Lei n. 5.692/71. A implantação dessa lei descaracterizou totalmentea escola de formação de professores, transformando-a em um complexo deensino de 1º grau. O Curso Normal com seu corpo docente e discente, por umato arbitrário da secretaria da educação, muito próprio da ditadura militar, foitransportado para o Liceu de Goiânia, que com outras escolas, passou a comporo Complexo de Ensino de 2º Grau. Em decorrência de uma política educacionalequivocada, o curso normal se transformou em Habilitação para Magistério de2º Grau. Assim, a Escola Normal voltou às origens. Desestruturada, retornou àcondição de apêndice do Liceu de Goiás, perdendo sua autonomia e vigor. Suadecadência foi decretada por essa Lei n. 5.692/71.

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177Anísio Teixeira e o Instituto de Educação de Goiás

Nos dias atuais, reinstalada em seu prédio próprio no Bairro Vila Nova, amodalidade normal começa uma outra trajetória no IEG, impulsionada pelaLDB 9.394/96.

Enfim, se os questionamentos introdutórios deste trabalho foramequacionados com a demonstração das grandes realizações de Anísio Teixeira,outra indagação ainda resta: o Instituto de Educação de Goiás poderá ressurgirdas poucas cinzas e brasas que sobraram, recuperando o seu audacioso projetocomo centro de referência de formação de professores para a Educação Infantil eas séries iniciais do Ensino Fundamental com qualidade, em uma escola públicagratuita e democrática, inserida na sociedade do conhecimento de nossos dias?

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179Programa de Reconstrução Educacional na Bahia

PROGRAMA DE RECONSTRUÇÃO EDUCACIONAL NA BAHIA:ANÍSIO TEIXEIRA (1952-1964)

Stela Borges de Almeida – UFBAJoseania Miranda Freitas – UFBA

Introdução

Carlo Ginzburg (1989), traduzido no Brasil nos anos oitenta, oferece emMitos, emblemas e sinais: morfologia e história, um conjunto de pistas ereflexões para a construção de um paradigma indiciário que muito vale aopropósito de apresentar o programa de reconstrução educacional na Bahia,executado sob a direção de Anísio Teixeira, de 1952-1964.

A metáfora do caçador em perseguições para reconstruir as formas e osmovimentos das presas invisíveis e de suas pegadas e trilhas, impondo-lhe asações de farejar, registrar, interpretar, classificar e fazer operações mentaiscomplexas para aproximá-lo dos processos que foram, muitas vezes, apagadose destruídos, tem-nos instigado na busca de caminhos para reconstruir talprograma que, pela sua magnitude e importância, deveria ter deixado comcerta visibilidade, suas pistas e marcas.

Pareceu-nos procedente iniciarmos consultando arquivos institucionais emque pudéssemos obter registros da guarda da memória da educação no período,complementando com depoimentos e entrevistas dos professores e participantesdas experiências educativas, uma vez que não dispúnhamos de estudos oupesquisas, diretamente voltados para a reconstrução do programa na Bahia.

A consulta aos arquivos institucionais e aos sites na Internet e a realizaçãode entrevistas no percurso do levantamento exploratório, realizadoexclusivamente para a elaboração deste trabalho, enfrentou a falta dedisponibilidade dos recursos existentes para tal empreendimento, de modoque o que se segue é resultante do esforço de encontrar pistas e apontarpossibilidades para a importância de reconstruir o legado de Anísio Teixeira,no período que se refere ao programa de reconstrução educacional. A despeitodisso, este trabalho apresentará relevantes resultados, embora quepreliminares e provisórios, do levantamento das principais ações educativasque vinham sendo gestadas desde os anos 1920-1930 no Brasil, e que nosanos 1952-1964, ganham maior visibilidade na Bahia, através da criação deescolas experimentais e de demonstração para a formação de professores,

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180 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

1 Foram contatados e concederam informações: Arquivo da Secretaria de Educação do Estado da Bahia:Vanda Boaventura Moreira; Arquivo Público do Estado da Bahia - Seção Republicana: Marlene A. D.Moreira; Biblioteca Anísio Teixeira: Ângela Deiró; Biblioteca da Faculdade de Educação da UFBA: SoniaVieira; Centro Educacional Carneiro Ribeiro: Isabel Souza; Projeto Memória de São Lázaro/Faculdade deFilosofia e Ciências Humanas da UFBA: Heloísa Helena F. G. Costa; Fundação Anísio Teixeira: AnnaChristina Teixeira Monteiro de Barros; Instituto Anísio Teixeira - IAT: Iara Vieira Lima Soares; InstitutoGeográfico e Histórico do Estado da Bahia: Esmeralda Maria de Aragão e Arquivo da Faculdade de Filosofiae Ciências Humanas da UFBA: Luís Alberto de Assis Borges Filho.2 Levantamento realizado no APEBA na Seção Arquivo Republicano por Hermínia Glória dos Santos Cunha,em março de 2003.

fundamentadas no princípio da relação entre o ensino e a pesquisa, atravésdo extenso programa de construções escolares rurais e urbanas e dainstalação da Biblioteca Infantil e do Centro Regional de PesquisasEducacionais da Bahia (CRPEBa).

Para a realização deste levantamento foram consultados os seguintesarquivos1:

Arquivo e Biblioteca da Secretaria de Educação do Estado da Bahia: nãoforam encontrados documentos relativos ao período. Na Biblioteca encontram-se obras de Anísio Teixeira e de seus intérpretes e o livro do professor LuísHenrique Dias Tavares, Duas reformas de educação na Bahia, 1895-1925,produzido pelo CRPEBa.

Arquivo da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas: único arquivo quedispõe de uma pasta do Inep, sob o n. 56, com documentos referentes,principalmente, ao período de 1968 a 1973, quando a Faculdade de Filosofiae Ciências Humanas ocupou as instalações do CRPEBa.

Arquivo Público do Estado da Bahia (Apeba): Seção do Arquivo Republicano/Fundo da Secretaria da Educação e Saúde: foram encontrados os seguintesdocumentos do período 1950-1964: relatório do Centro Educacional CarneiroRibeiro de 1951; resumo mensal do movimento escolar do Centro EducacionalCarneiro Ribeiro; um texto mimeografado sobre o Centro Experimental AlípioFranca, de 1962, de Hermano Gouveia; a portaria que aprova os regimentosdas escolas rurais (1953); duas cartas recebidas pelo Secretário de Educaçãoe Saúde, acompanhadas de abaixo-assinado solicitando um curso pedagógiconoturno em Feira de Santana (1954); Lei n. 737 que dispõe sobre a instalaçãode escolas normais oficiais e escolas técnicas profissionais. Essas informaçõesrequerem cruzamento dos dados com outras fontes, uma vez que muitosdeles são cópias e segunda via com rasuras e sem especificações que permitamcontextualizar com maior detalhamento2.

Biblioteca Anísio Teixeira da Faculdade de Educação da UFBA: encontram-se obras de Anísio Teixeira e de seus intérpretes, dissertações e publicaçõesdiversas sobre o autor, coleção da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos(RBEP) e o Boletim Informativo do CRPEBa, de 1965 a 1972.

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181Programa de Reconstrução Educacional na Bahia

Biblioteca Anísio Teixeira (BAT): encontram-se obras de Anísio Teixeira ede seus intérpretes, além das obras recém editadas sobre o autor, além obrado professor Luís Henrique Dias Tavares, já citada.

Centro Educacional Carneiro Ribeiro: não foram encontrados documentostais como: atas, relatórios, cadernetas escolares, diários dos professores,trabalhos dos alunos, entre outros registros referentes às atividades escolares.A biblioteca dispõe de obras de Anísio Teixeira e de seus intérpretes, recortesde jornais e revistas. O acervo iconográfico se encontrava disponibilizadoapenas para a consulta de uma pesquisadora da UFBA, em coleta de dadospara tese de doutoramento.

Fundação Anísio Teixeira: foi feito contato com a diretora Anna ChristinaTeixeira Monteiro de Barros que viabilizou o acesso às instituições e aosarquivos necessários ao levantamento.

Instituto Anísio Teixeira (IAT): encontram-se obras de Anísio Teixeira ede seus intérpretes e números avulsos da Revista Brasileira de PesquisasEducacionais – RBPE.

Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHBa): além das obras de AnísioTeixeira, encontra-se o exemplar do Diário Oficial do Estado da Bahia de 17 dedezembro de 1950, que consta a publicação da Lei n. 347 de 13 de dezembrode 1950, que criou a Fundação para o Desenvolvimento da Ciência na Bahia,garantindo recursos para a sua manutenção.

O Centro Educacional Carneiro Ribeiro – “Escola-Parque”

Essa foi a obra educacional que mais se destacou no período, e a quese mantém até hoje. Dada a sua importância no Programa de ReconstruçãoEducacional, consideramos relevante apresentar sua concepção, aspectosdo seu funcionamento e informações sobre o seu momento atual, quandopossível, pelo discurso do seu criador. A história do Centro EducacionalCarneiro Ribeiro através dos depoimentos dos professores, alunos efuncionários, ainda está por fazer.

Em 21 de setembro de 1950, foi inaugurado em Salvador, o Centro Popularde Educação, designado pelo governador Otávio Mangabeira de CentroEducacional Carneiro Ribeiro (CECR), comumente referido como ‘Escola-Parque’.Foram construídos, inicialmente, três pavilhões. O projeto de construçãoconstava de quatro “escolas-classe” de nível primário, para atender 1.000alunos em cada escola, prevendo-se o funcionamento em dois turnos e deuma “escola-parque” com sete pavilhões destinados às chamadas práticaseducativas. O projeto de construção foi encomendado ao escritório dearquitetura de Paulo de Assis Ribeiro e contou com a colaboração dos arquitetosDiógenes Rebouças e Hélio Duarte (ÉBOLI, 1969b).

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182 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

O CECR, localizado em Salvador, instalou-se na Liberdade, na Caixa D’Água,em Pero Vaz e em Pau Miúdo, bairros onde moravam segmentos pobres dapopulação baiana, em sua maioria negra e com pouca escolaridade. A finalidadedo centro era reconstruir a escola primária pública, conforme diz o seu criador:“A construção desses grupos obedece a um plano de educação para a cidadeda Bahia, que visa restaurar a escola primária, cuja estrutura e cujos objetivosse perderam nas idas e vindas da nossa evolução nacional” (TEIXEIRA, 1959, p.78). A construção deste Centro de Educação Primária representava:

[...] o começo de um esforço pela recuperação da Escola Primária pública e um

ensaio de solução para a sociedade moderna: foi com o objetivo de oferecer um

modelo para esse tipo de escola primária que se projetaram, na Bahia, os Centros

de Educação Primária, de que o Centro Educacional Carneiro Ribeiro em Salvador,

constituiu a primeira demonstração” (TEIXEIRA, 1962, p. 25).

A crítica ao processo simplificador e improvisado da escola primáriabrasileira estava presente no discurso de Anísio Teixeira e representava odesejo do educador de construir uma escola integral que educasse o aluno:

[...] e contra essa tendência à simplificação destrutiva que se levanta este

Centro Popular de Educação. Desejamos dar, de novo, à escola primária, o

seu dia letivo completo. E desejamos dar-lhe os seus cinco anos de curso. E

desejamos dar-lhe seu programa completo de leitura, aritmética e escrita, e

mais ciências físicas e sociais, e mais artes industriais, desenho, música,

dança e educação física. Além disso, desejamos que a escola eduque, forme

hábitos, forme atitudes, cultive aspirações, prepare, realmente, a criança

para a sua civilização – esta civilização tão difícil por ser uma civilização

técnica e industrial e ainda mais difícil e complexa por estar em mutação

permanente. E, além disso, desejamos que a escola dê saúde e alimento à

criança, visto não ser possível educá-la no grau de desnutrição e abandono

em que vive (TEIXEIRA, 1959, p. 79).

A realização do desejo do educador era modesta no seu entender, emborahouvesse argumentos contrários por considerarem o projeto de naturezagrandiosa e visionária.

O começo que hoje inauguramos é modestíssimo: representa apenas um

terço do que virá a ser o Centro completo. Custará, não apenas os sete mil

contos que custaram estes três grupos escolares, mas alguns quinze mil

mais. Além disto, será um centro apenas para 4.000 das 40.000 crianças que

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183Programa de Reconstrução Educacional na Bahia

3 Hildérico Pinheiro Oliveira foi diretor do Serviço de Obras da Secretaria de Educação e Saúde do Estadoda Bahia, de março de 1948 a janeiro de 1951.

teremos, no mínimo, de abrigar nas escolas públicas desta nossa cidade.

Deveremos possuir, e já não só este, como mais 9 centros iguais a este

(TEIXEIRA, 1959, p. 82).

O desenho arquitetônico do centro de educação permite observar adimensão do projeto, concebido para atender 4.000 alunos, sendo 1.000alunos matriculados em cada escola-classe.

A escola pr imár ia ser ia d iv id ida em dois setores, o da instrução,

propriamente dita, ou seja, da antiga escola de letras, e o da educação,

propriamente dita, ou seja, da escola ativa. No setor da instrução, manter-

se-ia o trabalho convencional da classe, o ensino da leitura, escrita e

aritmética e mais ciências físicas e sociais e no setor educação – as

atividades socializantes, a educação artística, o trabalho manual e as

artes industriais e a educação física (TEIXEIRA, 1959, p. 82).

A construção do Centro Educacional Carneiro Ribeiro se fez poretapas. Inicialmente, se inaugurou três pavilhões, sendo que todo oconjunto se concluiu em 1963, com a seguinte disposição: quatro ‘escolas-classe’, com capacidade para 480 alunos por turno e uma ‘escola-parque’com capacidade para 1.960 alunos. A “escola-parque” compreendia opavilhão de atividades de trabalho; um ginásio de esportes; duas quadrasde esportes ao ar livre com arquibancadas; uma pequena concha acústica,também designada de teatro ao ar livre; um cine teatro para 540espectadores, possuindo dependências para aulas de canto, música,dança e local para preparação dos cenários; uma biblioteca; um pavilhãopara as atividades consideradas de socialização (banco, lojas, correio);a secretaria; uma cozinha com capacidade para atender 4.000 almoçosem duas horas; uma padaria; e, uma lavanderia. Segundo HildéricoOliveira, o centro educacional “funcionou de modo magistral durantevinte anos, até 1974, quando começou o seu declínio material e funcional”(OLIVEIRA, 1988, p. 38)3.

A complexidade do funcionamento do centro era previsível, uma vezque funcionaria em tempo integral, em sistema de turnos, sendo comparadoa uma universidade infantil. A população escolar seria atendida nas‘escolas-classe’, isto é, escolas de ensino de letras e ciências e numconjunto de edifícios centrais designado de “escola-parque”.

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184 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

A “escola-classe” aqui está: é um conjunto de 12 salas de aula, planejadas

para o funcionamento melhor que for possível do ensino de letras e ciências,

com disposições para administração e áreas de estar. É uma escola parcial e

para funcionar em turnos. Mas virá integrá-la a escola-parque. A criança

fará um turno na escola-classe e um segundo turno na escola-parque. Nesta

escola, além dos locais para suas funções específicas temos mais a biblioteca

infantil, os dormitórios para 200 das 4.000 crianças atendidas pelo Centro e

os serviços de gerais e de alimentação (TEIXEIRA, 1959, p. 83).

Quanto ao corpo de professores para atuar no centro, previa-se a suaformação através de cursos de aperfeiçoamento e treinamento do magistério,com apoio do Inep. Assim, refere-se Anísio Teixeira, em relato sobre Umaexperiência de educação primária integral no Brasil, publicado em 1962.

Os conjuntos escolares assim organizados deverão ser utilizados como

centros de treinamento do magistério, pelo método de aprendizado. Deste

modo, justifica-se o seu custo elevado, bem como o caráter experimental do

projeto, destinado a servir de modelo para a reconstrução da educação

primária e à formação do novo magistério requerido pela escola assim

ampliada. [...] O magistério para as novas atividades desse Centro recrutou-

se entre os professores normalistas do Estado para as escolas-classe de

ensino convencional, recebendo os destinados às demais atividades

treinamento especial, nos cursos especiais de formação organizados pelo

Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (TEIXEIRA, 1962, p. 26-27).

Estava previsto, no plano inicial, o atendimento das crianças órfãs ouabandonadas num sistema de internato, intenção que nunca se concretizou.

Existe a intenção de completar o plano do Centro Carneiro Ribeiro com a

construção de residência para 200 alunos, ou seja, cinco por cento da matrícula

total. Este pavilhão de residência abrigará as crianças órfãs ou abandonadas,

que exijam educação com internamento. [...] Serão as crianças chamadas

propriamente de abandonadas, sem pai nem mãe, que passarão a ser não as

hóspedes infelizes de tristes orfanatos, mas as residentes da escola-parque,

às quais competirá a honra de hospedar as suas colegas, bem como a alegria

de freqüentar, com elas, as “escolas-classe” (TEIXEIRA, 1959, p.27 e 83).

Era o começo de um esforço de recuperação da escola primária pública.Representava a construção de um modelo de escola primária que constituíssea primeira demonstração, um ensaio de solução, para a integração dapopulação pobre na sociedade moderna.

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185Programa de Reconstrução Educacional na Bahia

4 Segundo Relatório do Centro Educacional Carneiro Ribeiro de 1951, localizado no APEBA, a matrícula erade 1.048 alunos na Escola Classe 1; 1.109 alunos na Escola Classe 2; 1.057 alunos na Escola Classe 3. Osmapas de freqüência diária e os gráficos com as notas mensais dos alunos indicam o processo de aferiçãode notas, com destaque e a freqüência do mês de novembro de 1950 é apresentada por curso e sexo. Orelatório contém a relação dos nomes dos professores e estagiários.

Em 1967, dezessete anos após a criação do centro educacional, AnísioTeixeira fala sobre A Escola-Parque da Bahia, e diz:

[...] em todo esse período, registro ter contado com certa liberdade, duas

vezes: quando imaginei e projetei a Universidade do Distrito Federal e quando

imaginei e projetei este Centro. A Universidade foi tragada pela reação de

37, este Centro está sobrevivendo, apesar de não faltarem ameaças. O longo

convívio com as escolas deu-me uma experiência profunda da extraordinária

imobilidade da sociedade brasileira. [...] Hoje, o Centro ainda não está

completo. Faltam as residências para as crianças chamadas abandonadas,

que aqui deveriam estar como os habitantes do Centro, que iriam durante o

dia, hospedar os alunos do regime de semi-internato em que funciona. A

despeito de todas aquelas dificuldades, já referidas, o plano executou e

estas escolas se fizeram o exemplo de algo de novo no campo da educação.

A experiência correu mundo. Seus visitantes, em muitos casos, encheram-se

de entusiasmo. As Nações Unidas, em um documentário de escolas de todo

o mundo, escolheram este Centro para um dos seus filmes e exibiram por

toda a parte. Tudo isto se fez com a prata da casa. Não houve para essa

experiência nem auxílio nem assistência técnica estrangeira de qualquer

natureza. Os professores são todos nossos e os que tiveram a oportunidade

de aperfeiçoamento, aperfeiçoaram-se aqui, no Brasil, em cursos do Inep

(TEIXEIRA, 1967a, p. 246 e 252).

Sobre a direção do centro e o corpo de professores ele diz4:

[...] a diretora, que se devotou à experiência com toda alma, é uma professora

formada em uma das escolas normais, a de Caetité, no Estado da Bahia e

sua grande experiência de educadora foi adquirida no ensino em escolas

normais, na direção de escolas, aqui entre nós e no estudo e convívio com

as crianças brasileiras de todas as classes. O ofício de educador exige o

melhor conhecimento possível da vida e de suas exigências, no sentido da

capacidade de pensar e agir inteligentemente dentro da sociedade e

cultura ambiente. A diretora do Centro possui esses dois conhecimentos

por cultura pessoal e por vivência educativa. Por isso é que a experiência

deste Centro pôde ter, dentro de nossas limitações, o sucesso que teve. A

seu lado, um corpo de professores admiráveis realizou, em silêncio, uma

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186 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

5 Entrevista concedida por Vera Lúcia Lopes dos Reis, para atividades de ensino e pesquisa desenvolvida nadisciplina Tópicos Especiais de Ensino, no Núcleo de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federalde Sergipe. Cf. Notas de aula. Stela Borges de Almeida, NPGED/UFS, agosto de 2001.

experiência nova, que mereceu o respeito de quantos dela puderam tomar

conhecimento, e que aí está sob a vista de todos nós, para mostrar que

podemos reconstruir a escola primária, por nós mesmos, desde que nos dêem

as condições para isto (TEIXEIRA, 1967a, p. 253).

Nas lembranças de Vera Lúcia Lopes dos Reis, aluna da Escola-classe 2,Dona Carmem conhecia todos os alunos:

[...] eu me lembro dela, magrinha, baixinha, cabelinho preto (sorri), de óculos,

me lembro dela. Ela conhecia a gente, nós éramos pobres, como a música

canta, né... pobre dó, ré, mi, de, si, nós éramos assim. Nós éramos conhecidas

por Dona Carmem porque éramos as cinco irmãs da Escola Classe 2. O que

uma fazia de errado, as cinco apanhavam (risos). A nossa vida foi de escola

pública. Minha mãe, ela era costureira e fazia as nossas roupas e ajudava na

manutenção. Nós fomos matriculadas na escola classe 2 e para entrar na

escola foi muito difícil, eu tinha sete anos. Eu me lembro de ficar no portão,

chegávamos muito cedo... a farda era uma camisa branquinha e tinha uma

saia plissada azul. Agora o que eu me lembro mais era a farda de Educação

Física, que era um tipo de anarruga listadinha, a minha era lilás. Nós tínhamos

lilás, azul e verde que era lavada e passada na escola. A gente já trazia a

roupa limpa, já passada para vestir no dia seguinte. Porque nós fazíamos a

fila para entrar em sala e eram revistadas as fardas... Então nossa mãe tinha

a preocupação de botar goma e anil, uma pedra azul na farda, isso para a

Escola-classe 2, a farda da Escola Parque já limpava lá5.

As lembranças são muitas e variadas, na emocionada fala de Vera e desua irmã, que em sua companhia lembrava do centro educacional em queestudara no início dos anos sessenta. Ao folhear o conjunto de fotografias,evoca a memória do passado no presente e a sua fala vai diminuindo,diminuindo e faz-se silêncio: Aqui, olha aqui, isso aqui... o setor de trabalho...as mesinhas... as pinturas... os trabalhos... ( emociona-se e sorri muito).

O único conjunto de documentos do arquivo do Centro Educacional CarneiroRibeiro – ‘Escola-parque’ – disponibilizado para consulta, em agosto de 2001,o acervo iconográfico da instituição, encontrava-se em processo de organização,classificação, catalogação e acondicionamento em pastas, por equipe deprofessores.

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187Programa de Reconstrução Educacional na Bahia

O acervo iconográfico se encontrava disposto em dois álbuns de madeira,numa dimensão de 80 x 50 cm, envolto em papel pardo, quatro pastastransparentes, quatro pastas vermelhas, três pastas fumês, quatro pastas azuis,uma pasta preta, três envelopes pardos e cartazes diversos. Conformeinformações dos professores que participaram da sua organização, as fotografiasforam agrupadas, na medida do possível, por atividades desenvolvidas e porsetores, contando com a colaboração de professores mais antigos que sedispuseram a identificar personagens, cenários e, quando possível, nome dealunos, professores e funcionários. A maioria das fotografias não dispunha deidentificações do período em que foram produzidas, dos nomes dos personagensque foram retratados, dos cenários escolhidos para as representações, nem dofotógrafo que as capturou. As temáticas encontradas eram as mais diversas,dentre elas: grupos de alunos, grupos de professores, atividades do setor artístico(teatro, canto, música), do setor de trabalho e de educação física, exposiçõesdo setor de trabalho, dependências internas da escola, áreas externas da escola,visitantes e pais de alunos, dentre outras. Em fevereiro de 2003, em coleta dedados para a elaboração deste artigo, a informação obtida é a de que asfotografias salvas tinham sido encaminhadas para estudo.

Os professores se referem à perda das atas, dos relatórios, das cadernetas,dos livros de matrícula, dos registros das rotinas e do cotidiano da vida escolar.Muitos professores e funcionários falam do Centro Educacional Carneiro Ribeirocom saudade, recordam os colegas, os trabalhos realizados, mencionam adiretora Dona Carmem, e muitos, também, falam dele com grandes queixas emágoas daquela experiência.

Hoje, o futuro do Centro é incerto. As instâncias governamentais, ospesquisadores vinculados às diferentes instituições educativas, o corpoadministrativo e o de professores, permanecem em busca de soluções, asmais diversas e contraditórias e, em muitas vezes, tensão. Para muitos, o sonhonão acabou, para outros, o Centro se transformou em um pesadelo.

Há controvérsias e diferentes posições e percepções sobre o significado dasua proposta pedagógica hoje. Recolhemos o depoimento de dois professorespesquisadores com participação e larga contribuição na vida educacional deSalvador, que assim se pronunciaram, sobre as ações educativas, no período:

[...] os governos da Bahia nunca privilegiaram a questão educacional, mesmo

o Mangabeira, desde a época de Anísio. Tanto é que a Escola Parque foi

inaugurada em 50 ainda muito incompleta. E se Anísio não vai em 52 dirigir

o Inep e se não consegue no governo federal que o Instituto seja a instituição

de política de Ensino Fundamental, Ensino Primário na época, não consegue.

É por isso que ele fez aqueles centros regionais e centro nacional e aí o

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188 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

6 Entrevista concedida pelo Prof. Luiz Felippe Perret Serpa, em maio de 2001, para a disciplina TópicosEspeciais de Ensino, NPGED/UFS, 2001.7 CRINEP, esta é a denominação usual encontrada para os Centros Regionais do INEP.

governo federal financia o Inep e financia a Escola Parque. Se não fosse

isso essa escola não estaria concluída. A escola ficou ligada ao governo

federal, tanto isso é verdade que o grande corpo de professores que

existia lá, era de funcionários federais, os antigos. [...] Os funcionários

eram da univers idade, o estado nunca mostrou nenhum interesse

educacional profícuo, conseqüentemente, com o afastamento da irmã

dele e depois a morte dele, inclusive com a incapacidade das gestões

educacionais estaduais, eles não conseguem entender o significado do

Centro. Entenderiam se fosse uma Febem. O menosprezo que a burguesia

e a elite do nordeste têm pelo povo é um negócio violento, a indiferença.

Esse movimento da Escola Parque hoje, obras etc., tem muito a ver com o

centenário de Anísio, porque o governo baiano ficou envergonhado. Como

um estado, que é pioneiro no processo educativo, tem indicadores

educacionais os mais comprometedores do Estado brasileiro. Eles estão

com vergonha e achando que é preciso fazer alguma coisa e aí foram

fazer o que eles mais sabem fazer, obras. A faculdade de educação esteve

em contato, porque desde reitor, eu queria que o estado passasse a

Escola Parque como comodato à universidade, eu acho que a faculdade

de educação deveria estar lá. É ali que deveria se formar os novos

pedagogos hoje, mas nunca consegui . Além do estado não fazer

absolutamente nada lá , não deixa os outros fazerem. E agora, a

interpretação eu acho dramática, a dinâmica pedagógica da proposta

de Anísio é interpretada como trabalho profissional. Não é esse o caso. É

uma deturpação do conceito de trabalho em Anísio6.

Sobre as ações educacionais desenvolvidas na Bahia, sob a influência do

Inep, isso teria que ser objeto de uma pesquisa, porque a rigor, o que foi o

Crinep7 em cada estado, onde ele se instalava teve um desenvolvimento

diferenciado no campo da pesquisa e do ensino. E aqui, o Centro

Educacional Carneiro Ribeiro antecede a ida de Anísio para o Inep e o

CECR já existia. Se de um lado significou uma possibilidade de Anísio colocar

em prática toda uma perspectiva que ele tinha da ação no campo da

educação, isso foi favorecido por um momento singular na Bahia, a

redemocratização, o governo Mangabeira e a especificidade que significou

seu governo no Estado da Bahia [...]. A pesquisa, a formação continuada de

professores e a experiência educacional inovadora são ações distintas.

Porque o Crinep não era a mesma coisa que o CECR, e é necessário conhecer

o que os distinguiam [...]. A impressão que eu tenho é a de que aqui era o

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189Programa de Reconstrução Educacional na Bahia

8 Entrevista concedida pela Profa. Iracy Picanço, em 22 de outubro de 2003, responsável pela pesquisa: O

Centro Educacional Carneiro Ribeiro: resgate de uma experiência educacional. UFBA, FAPESB, FAT, 2002-2003.

espaço onde Anísio pôde implementar, via Dona Carmem, o que ele

considerava melhor para a educação. Com o governo militar houve um

desmonte de uma forma extraordinária, da experiência do CECR. Lotam-se os

professores na UFBA, liquida-se de uma forma dolorosa o Crinep, literalmente.

Desmontam também o CECR, lotam-se os professores na UFBA, ao mesmo

tempo em que a UFBA absorve o pessoal de uma instituição que não tem

nada a ver com ela. Vai desfalcando e jogando para a universidade, liquidam

com a formação continuada de professor. Hoje o CECR não poderia ser o que

foi no passado, ainda que os princípios sejam válidos, as condições histórico-

sociais são outras. Além das mudanças do mundo hoje, o CECR nasce naquele

espaço da cidade de Salvador, que poucos conhecem. [...]8.

A Escola de Aplicação ou Escola da Alegria

Seis anos após a inauguração do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, aEscola de Aplicação foi criada em Salvador. O registro desse projeto educativose encontra no livro de Terezinha Éboli, Uma escola diferente, que apresentana sua introdução, uma epígrafe de Anísio Teixeira e outra de Rachel deQueiroz. Diz Anísio:

[...] a Escola de Aplicação é a cousa mais próxima que conheço de uma

escola que adquiriu tanto quanto possível as condições iguais às da vida nos

seus atributos educativos. Viver é educar-se. Ou damos à atividade intencional

de educação as condições da chamada educação ‘inintencional’ ou não se

faz a educação que se pretende. A escola experimental do CRPE é uma

experiência em teoria e método de educação, é uma experiência em

qualidade. Reputou-a, a cousa melhor que se está fazendo no Brasil. Quando

se publicarem aqueles diários, vão fazer literatura de educação para ficar.

Serão algo como Pestallozi no século XVIII. Não é possível fechá-la (TEIXEIRA

apud ÉBOLI, 1969a).

O objetivo da escola era a demonstração de métodos de educação e ensino,servindo de campo de observação e experimentação de professores estagiáriosque participavam dos cursos de aperfeiçoamento promovidos pelo Inep. Estavalocalizada num prédio construído em terreno do CRPEBa, onde atualmentefunciona a Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federalda Bahia, na Estrada de São Lázaro, no bairro da Federação.

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190 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

Era uma escola diferente das demais, na medida em que não tinha umafinalidade seletiva e preparatória para fases posteriores do ensino. Sem grause séries estabelecidos, usou-se o critério de organização das turmas sem levarem conta a graduação escolar. As turmas foram constituídas por critérios deinteresse comuns, próprios de cada idade. Buscava-se atender as diferençasindividuais e se promovia a formação de cada um, de acordo com suas aptidões.Tendo a criança como o centro de seu projeto pedagógico, as atividades eramconsideradas predominantemente lúdicas e que evoluiriam para um trabalho,que por sua vez, daria lugar ao estudo. As atividades se adequavam às crianças,atendendo os seguintes princípios: considerar a criança como centro; promoverum currículo baseado em atividades e não em matérias de ensino; escolheratividades de acordo com os interesses e objetivos da criança; integrar as criançasna vida comunitária; e, promover a educação integral (ÉBOLI, 1969a).

A escola era chamada Cidade da Alegria, com seus bairros (salas), suasinstituições, serviços públicos, casas comerciais e fábricas. Havia inclusive,uma loja para venda de brinquedos, mercado onde se encontravam os produtosda horta e plantas ornamentais, armazém para a venda dos produtosindustrializados, livraria com livros de histórias escritos e cartões e cadernos,todo este material confeccionado pelas crianças.

Dentre as várias atividades da Cidade da Alegria, selecionamos um dosexemplos apresentado pela autora, o de atividades com Ciências Naturaisatravés do museu, do jardim zoológico e das coleções de botânica:

[...] era de apreciar a atitude de ‘pesquisadores’ demonstrada ao encontrar

girinos, grilos, gafanhotos, lagartas, borboletas, ou quando recolhiam folhas,

flores, plantas diversas, ou ainda uma pedra diferente, um pouco de areia ou

terra, tudo isso trazido à classe com o objetivo de examinar-lhes as

características e propriedades ou acompanhar a metamorfose, descobrir a

utilidade ou nocividade dos pequenos animais e de como mantê-los vivos,

na sala, para uma observação mais minuciosa e conseqüentes redescobertas

de como vivem, de que se alimentam, de como se reproduzem, etc. E o registro

em ficha de todas as observações eram um hábito (ÉBOLI, 1969a, p. 30).

Esse mesmo procedimento era observado em relação às várias atividades queeram desenvolvidas na escola, tais como: de jornalismo, de serviços de correios etelégrafos, de serviço de biblioteca, de cartórios, de limpeza pública, de cinema,entre outras. No livro, há uma documentação detalhada sobre as atividades educativasrealizadas na escola durante os anos de seu funcionamento: relatórios, diários,relatos de professoras, relatos de excursões realizadas, programas de ensino, assimcomo uma documentação fotográfica com 16 imagens de diferentes atividades

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191Programa de Reconstrução Educacional na Bahia

9 Os ex-alunos se encontram nominadas por suas iniciais e número de anos passados na Escola.

que se referem ao trabalho dos alunos em sala de aula, na horta, em experiênciasde Ciências Naturais e no momento da merenda escolar.

Com base nesses princípios, as crianças seriam levadas a desenvolveratividades numa ação inteligente e na continuidade de propósitos,respondendo com responsabilidade os atos no trabalho de colaboração emgrupo, na percepção das capacidades e deficiências próprias e alheias, nosentimento de solidariedade, na aquisição do sentido de objetividade, nacapacidade de autonomia, liderança e autocontrole.

A escola funcionou de 1956 a 1961 como uma experiência pedagógica,oferecida para crianças pobres do bairro da Federação e de outros bairros dacidade, sendo considerado, o seu fechamento, uma nota triste no relato deex-alunos:9

[...] neste colégio tive os melhores momentos de minha vida, lembrançasinesquecíveis. Aprendi a viver socialmente. Um aprendizado valioso (O.A., 6 anos na escola).Tudo que vemos não é surpresa, porque a Escola de Aplicação já nosensinava (A., 4 anos na escola).Tudo que aprendi me é útil atualmente na vida prática (T., 3 anos na escola).

Anísio Teixeira atribui o fechamento da escola a pouca renovação dasociedade:

[...] vê-se aí com clareza meridiana a trágica ironia da renovação educacional sem

a renovação da sociedade. A experiência escolar termina. A sociedade não acolhe

as crianças que deixam a escola com nenhum quadro organizado de trabalho e

emprego, ou de continuação da educação (TEIXEIRA apud ÉBOLI, 1969a, p. 19).

Por onde andam os ex-alunos da Escola da Alegria? Que lições aprenderame guardaram dos seus dedicados professores? Encontramos apenas fragmentos.Suas breves falas nos dizem da satisfação de ter convivido e participado daquelaexperiência, e suas fotografias, que escaparam do desaparecimento, reafirmamas reflexões de Moura (1983) sobre os retratos quase inocentes, quando diz:“os povos privados de sua imagem estão condenados a morrer duas vezes”. Etambém, aproxima-nos das reflexões de Benjamin (1994) que acrescentam:“[...] as fotos se transformam em autos no processo da história. Nisso está asua significação política latente, [...] elas inquietam o observador, que pressenteque deve seguir um caminho definido para se aproximar delas”.

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192 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

10 A documentação iconográfica da Escola de Aplicação encontra-se no mesmo conjunto de registrosfotográficos que as da Escola Parque. O tratamento deste acervo requer uma pesquisa de naturezahistórica que reconstrua juntamente ao acervo, a identificação dos personagens e de suas diferentes emúltiplas histórias de vida, através dos depoimentos de ex-alunos, professores e funcionários.

Selecionamos para este artigo, por limites de espaço, seis imagens dentreas centenas e centenas do volumoso e rico acervo da escola. São resultantesdo processo foto da foto, realizado pelo fotógrafo Edson Porto e as legendas,ainda sem identificação dos personagens, foi possível pela consulta ao acervoe aos seus organizadores, em agosto de 2001. 10

Foto 1 - Aluno da Escola Parque em atividade nosetor de trabalho. CECR, 1950/60.

Foto 2 - Aluna da Escola Parque em atividade nosetor de trabalho. CECR, 1950/60.

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193Programa de Reconstrução Educacional na Bahia

Foto 3 - Professoras na horta. CECR, 1950/60.

Foto 4 - Alunos da Escola de Aplicação em atividades,Estrada de São Lázaro. CECR, 1950/60.

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194 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

Foto 5 - Alunos da Escola de Aplicação em atividades em sala deaula, Estrada de São Lázaro. CECR, 1950/60.

Foto 6 - Anísio Teixeira, professoras e alunos emexposição de trabalhos. CECR, 1950/60

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195Programa de Reconstrução Educacional na Bahia

A Biblioteca Infantil Monteiro Lobato

A presença de Anísio Teixeira na direção do Inep, entre 1952 e 1964, foiimportante para outra instituição educacional não escolar, na Bahia, a BibliotecaInfantil Monteiro Lobato (BIML), primeira na Bahia e segunda no Brasil, destinadaexclusivamente ao público infanto-juvenil. Institucionalmente, a BIML foi criadacomo órgão da Secretaria de Educação do Estado da Bahia a partir do interesseda Profª. Denise Fernandes Tavares e de um grupo de amigos de Monteiro Lobato.O cenário político e econômico vivenciado naquele momento foi marcado pelofim da Segunda Guerra Mundial, sendo governador da Bahia Otávio Mangabeira(1947-1951), que havia retornado do exílio político. Prevendo grandes reformasnos setores de educação, cultura e saúde, o governador convidou Anísio Teixeirapara a secretaria a que competiam essas áreas. Sobre esse convite, Anísio Teixeiraassim comentou, mais tarde, na nota explicativa do livro Educação é um direito:

[...] a atmosfera de ‘redespertar’ democrático em que se encontrava o país

comunicava a todos nós, reunidos em volta de Octávio Mangabeira, um espírito

de tranqüila confiança na renovação nacional. [...] Era a oportunidade para a

constituição do Estado formular fundamentos novos para o sistema estadual

de educação, estabelecido pela Constituição Federal (TEIXEIRA, 1967b, p. 9).

O educador Anísio Teixeira pensava o sistema educacional e cultural deforma integrada, onde se articulavam bibliotecas, museus e escolas:

[...] ao invés de sistemas paralelos e duplicados de escolas, auxiliaria o Governo

Federal, as instituições básicas - bibliotecas e museus - que iriam servir, em cada

estado, de focos permanentes para a vitalidade e a riqueza das próprias escolas.

Precisamos sair das pequeninas e estreitas reivindicações unificantes de currículos

e programas e sentir que a unidade e a vitalidade das culturas se promovem

pela difusão, fertilização mútua de suas variedades, entre si [...], daí serem os

museus e bibliotecas as instituições básicas da educação. Não seria absurdo

dizer que, em verdade, antecedem à escola. Pois esta só pode realmente educar,

se tiver a nação um sistema de bibliotecas e museus (TEIXEIRA, 1956a).

A concepção de educação ‘anisiana’ não se limitava à instituição escolarcomo se vê acima, por isso, em muitos momentos, a história dessa bibliotecase entrelaçou ao CRPEBa, principalmente através de auxílios para a reconstruçãodo seu prédio. Para a compreensão dessas relações é preciso considerar asdiversas forças sociais e políticas que configuraram os diversos tempos eespaços em que elas se dão, verificando-se, entre essas forças, como chamaatenção Milton Santos, uma efetiva interdependência entre os dados

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196 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

institucional, econômico, cultural e individual que se interdependem einteragem (SANTOS, 1993, p. 8).

No entendimento de Denise Tavares, era preciso oferecer às criançasmais que ler, escrever e contar, era preciso estimular a criatividade e a fantasia,permitindo que elas se expressassem livremente, nisto se inspirava emMonteiro Lobato, que vislumbrava a possibilidade de uma educação querespeitasse a criança como diferente do adulto e não como uma miniatura ouum futuro adulto.

A instalação e a manutenção da BIML foram marcadas por uma seqüênciade lutas e conflitos. Sustentando a persistência e a determinação de DeniseTavares em criar uma biblioteca infantil, havia o apoio incondicional de AnísioTeixeira, que via na proposta da educadora a possibilidade do estado contarcom um equipamento sociocultural que atendesse o público infanto-juvenil.O ideário de Denise Tavares afinava-se ao de Anísio Teixeira, com a propostade defesa de uma rede de equipamentos culturais, essenciais à existência dosistema escolar.

Após a administração do Governador Otávio Mangabeira e a ida doSecretário Anísio Teixeira para o Rio de Janeiro, a BIML passou por um períodode dificuldades, pois existia uma política de não continuidade das obras dosgovernos passados, como se essas não fossem bens públicos, maspertencentes àqueles que as criavam ou as construíam.

Foram muitas as dificuldades para o recebimento das verbas necessáriasà ampliação da biblioteca. Denise Tavares as solicitou, a princípio, aoGovernador do estado Régis Pacheco, que não a atendeu de imediato. Porisso solicitou ao Ministério da Educação e também a Anísio Teixeira, quedirigia o Inep, a colaboração com parte dos recursos. Mesmo trabalhandoespecificamente com construções escolares, o CRPEBa colaborou com o projetode construção do segundo prédio da biblioteca. Como não houve a participaçãodireta da Secretaria da Educação, ao ato inaugural, não compareceu nenhummembro dessa instituição, já com o novo Secretário, Renato Vaz Sampaio (11agosto de 1954 a 09 de abril de 1955), como chamou atenção a imprensa:

[...] causou reparo o não comparecimento de sequer um representante da

Secretaria de Educação. [...] O ato inaugural propriamente dito, constituiu

originalidade porque não foram chamadas as autoridades presentes, sim,

um representante dos donos da festa (ABREM-SE..., 1954).

A fita inaugural desse novo prédio foi cortada pelo representante dos donosda festa, o leitor Luiz Antônio da Silva. As autoridades baianas ainda não haviamcompreendido a dimensão do projeto pedagógico da biblioteca infantil.

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197Programa de Reconstrução Educacional na Bahia

11 Decreto N. 38.460 de 28 de dezembro de 1955.12 Cf. Mendonça (1997) sobre a década de 1950.

O Centro Regional de Pesquisas Educacionais da Bahia (CRPEBa)

Em 28 de setembro de 1955, foi criado o Centro Brasileiro de PesquisasEducacionais (CBPE), no Rio de Janeiro, então capital do país, e os CentrosRegionais em cinco estados: Bahia, Pernambuco, Minas Gerais, São Paulo eRio Grande do Sul, que deveriam iniciar o seu funcionamento no ano seguinte.Ainda em 1955, começou a funcionar em caráter experimental os CentrosRegionais da Bahia, de Minas, de São Paulo e do Rio Grande do Sul11. (Teixeira,1956b). O Centro Regional da Bahia, diferente do Centro de São Paulo, estevearticulado à Secretaria de Educação e Saúde, conforme afirma Fávero:

[...] para Anísio, tais centros deveriam trabalhar estreitamente articulados

com as universidades locais e com as secretarias de educação e cultura de

cada estado. A articulação com as secretarias ocorre de modo especial no

caso da Bahia, com a realização conjunta de trabalhos. Em relação às

universidades, essa integração se efetivou de forma mais intensa em São

Paulo, onde desde o início, o Centro Regional passa a funcionar sob a direção

de Fernando de Azevedo, na USP (FÁVERO, 2001, p. 65).

Anísio Teixeira pensava os Centros Regionais como instâncias de pesquisae prática educacionais, não como repartições burocráticas, mas com a:

[...] necessária liberdade de organização e movimentos para se fazerem os

núcleos de pesquisa, de estudos e de ensino que visa a sua criação, devem

os mesmos ser organizados, por meio de acordos, com autarquias, fundações,

ou agências especiais de caráter público (TEIXEIRA, 1954).

Os Centros Regionais tinham, portanto, como objetivos fundamentais:

1 - recolher, elaborar e divulgar documentação pedagógica;2 - realizar e estimular estudos e pesquisas pedagógicas; e3 - realizar o aperfeiçoamento e a especialização de professor primário e

de curso normal, bem como de administradores e orientadoreseducacionais e pessoal dos órgãos de estudo dos problemas daeducação (TEIXEIRA, 1954, p.).

No caso da Bahia, parece existir uma estranha amnésia12 sobre as açõesque estiveram relacionadas ao CBPE e o CRPEBa, no período de 1952-1964. Oitinerário de indagações sobre esse órgão na Bahia, buscando reconstruir os

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198 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

13 Entrevista concedida por Luís Henrique Dias Tavares, em 12 de março de 2003.

elos e articulações dessas ações, levou-nos a retomar a metáfora do caçador,no sentido de encontrar na caminhada, as pistas possíveis. No momento, osresultados encontrados representam “uma síntese imperfeita, lacunar, logoprovisória” (DUBY, 1993, p. 73-74) da memória dessa instituição educacional.

Como já foi referido, o único arquivo que dispõe de informações sobre oCRPEBa encontra-se na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, com dadosreferentes ao envio do acervo institucional (alguns móveis e material deescritório) para as seguintes unidades da Universidade Federal da Bahia: Escolade Medicina Veterinária e da Escola de Agronomia. Esses documentos estãoarquivados na pasta n. 56. Quanto à documentação sobre o CRPEBa e suaprodução de pesquisas e cursos, segundo informações do professor LuísHenrique Dias Tavares13, essa foi enviada para a antiga Faculdade de Medicinado Terreiro de Jesus, onde antes funcionou a Faculdade de Filosofia e CiênciasHumanas, sendo que esse acervo foi destruído em 1974, devido às forteschuvas que atingiram o local. Em palestra na Faculdade de Educação da UFBA,em 1988, o professor Hildérico Pinheiro Oliveira assim relata esse fato:

[ . . . ] difícil, hoje, reconstruir todas as atividades do Inep na Bahia e,

conseqüentemente, chegar a detalhes quanto à obra de Anísio Teixeira, pelo

órgão, realizou aqui no período de 1952 a 1964. A dificuldade decorre da extinção

do Centro Regional de Pesquisas Educacionais da Bahia, em 1974, quando não

houve qualquer medida para assegurar a conservação dos arquivos do Centro, do

Setor de Construções e também do CEREB, [...] (OLIVEIRA, 1988, p. 35).

O Centro Regional de Pesquisas Educacionais da Bahia, durante o período de1952 a 1964, foi dirigido por Luiz Ribeiro de Sena, Carmem Teixeira, Luís HenriqueDias Tavares e Hildérico Pinheiro de Oliveira. Nesse período, organizou-se edesenvolveu-se pesquisas, cursos e estágios de aperfeiçoamento, pesquisa decaráter social, com um importante papel de intervenção na realidade educacionalda região, visando conhecer as condições culturais do estado, suas característicassocioeconômicas e os aspectos qualitativos e quantitativos da Escola Primária. Odesenvolvimento dessas pesquisas foi importante contribuição para a formação dochamado espírito científico e das ações desenvolvidas no campo educativo.

O espírito científico era entendido como experimentação, capacidade derealizar registros que permitissem aos professores levantar problemas paracompreender a sua prática educativa, aproximando os que trabalhavam nassalas de aula, daqueles que trabalhavam nos centros de pesquisa. As atividadesde divulgação e de treinamento ocupavam lugar relevante nas atividades depesquisa, concebidas como dimensão formativa (MENDONÇA, 1997).

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199Programa de Reconstrução Educacional na Bahia

O ideário do CBPE representou um desdobramento de uma ação políticaque inspirava Anísio Teixeira desde os anos 1920-1930, era uma idéia originalde fundar em bases científicas a reconstrução educacional do Brasil. Suasidéias, nos anos 1930, apontavam para a importância de se reorganizar aescola com base científica para que esta fosse um instrumento dereorganização da sociedade e que o conhecimento científico fosse aplicadoem três níveis da atividade educativa: na organização dos serviços escolares,na formação dos professores e no nível da escola. Os resultados dos estudose pesquisas deveriam, inclusive, voltar-se para a elaboração de livros de fontese de textos didáticos. Na estrutura dos centros regionais era pensada tambéma existência de bibliotecas de educação, serviço de documentação e informaçãopedagógica e de um museu pedagógico, além dos cursos, estágios deaperfeiçoamento do magistério e, quando possível, de serviços de educaçãoaudiovisual, de distribuição de livros e material didático (MENDONÇA, 1997).

Seguindo os princípios dos Centros Regionais de Pesquisas Educacionaisdos demais estados, o CRPEBa teve como objetivo a caracterização do EnsinoPrimário, através de levantamentos de dados sobre a estrutura e ofuncionamento das diversas instituições de ensino, tendo em vista que aformação de professores desse ensino era a preocupação básica. Os relatóriosdas atividades do Inep e dos Centros Regionais de Pesquisas Educacionaispublicados na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP), apresentamos seguintes dados referentes às pesquisas realizadas pelo CRPEBa:

a) Levantamento do ensino primário estadual em Salvador. Visavacaracterizar os aspectos positivos e as deficiências do Ensino Elementardas escolas públicas, suburbanas mantidas pelo estado. Esselevantamento permitia levar em consideração vários problemas comoo da evasão escolar e o da deficiência do aparelho escolar oficial deSalvador.

b) Levantamento da origem social e das aspirações ocupacionais deginasianos e colegiais. Foram entrevistados 226 alunos do CursoSecundário, escolhidos pelo sistema de sorteio em sete educandários,dos quais, 3 de ensino remunerado e quatro oficiais gratuitos. Orelatório dessa pesquisa foi discutido no Seminário de Antropologia,na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas em 1958. Esses estudospermitiram ter-se conhecimento do processo de ascensão às novasprofissões, como a de geólogo, devido às possibilidades surgidas coma exploração petrolífera do Recôncavo e com a criação da Escola deGeologia da Universidade da Bahia.

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200 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

c) A educação nos jornais baianos do Século XIX. Prosseguimento dapesquisa das fontes bibliográficas para a história da educação naBahia. Em 1958, foram pesquisadas as coleções dos seguintes jornais:O Mercantil, Correio Mercantil, O Comércio, Jornal da Bahia, Gazetade Notícias, Jornal de Notícias e Diário de Notícias, acervo pertencenteao Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.

d) Elaboração de um livro de textos “Compêndio de História da Bahia”,sob a responsabilidade do Professor Luís Henrique Dias Tavares,destinado ao Curso Pedagógico, publicado pela Companhia EditoraNacional, com tiragem de dez mil exemplares.

e) Fontes bibliográficas de educação baiana. Levantamento volumosode material de estudo nos Anais da Assembléia Legislativa, de 1897a 1956. Constava nesse material, um relatório inédito de Abílio CésarBorges e cópias de cem cartas do mesmo educador ao Presidente daProvíncia, considerado um subsídio esclarecedor para a biografia doBarão de Macaúbas.

f) Cadastro dos educandários e dos educadores baianos. Levantamentode dados relativos a nove colégios de Ensino Médio da capital e dointerior, ainda em caráter inicial.

g) Edições mimeografadas no campo da documentação:1. reformas do ensino na Bahia;2. memória histórica da faculdade de medicina;3. autonomia educacional baiana;4. psicologia educacional em quatro bibliotecas baianas; e5. sociologia educacional em quatro bibliotecas baianas.

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201Programa de Reconstrução Educacional na Bahia

14Informações sobre estas pesquisas encontram-se também na contracapa do livro Duas reformas de

educação na Bahia 1895-1925, único exemplar encontrado de uma série de 14 livros publicados peloCRPEBa. Além das pesquisas grifadas com (*), foi publicada: Apreciação de um teste experimental para

medida do motivo de realização em escolares coordenada por Regina Espinheira.

Hildérico Pinheiro Oliveira (1988) apresenta as seguintes pesquisas noperíodo.14

A realização das pesquisas servia de fundamentação para os cursosdestinados aos professores e tinha como objetivo oferecer bases teóricas epráticas para o bom desempenho do ensino. Partindo dos dados das pesquisase estudos científicos sobre a realidade educacional da região, buscava-sesolucionar a problemática do analfabetismo, da dinâmica e da aplicação deconteúdos na sala de aula, entre outros temas, na perspectiva do planejamentoda Educação Primária.

Foram realizados estágios de aperfeiçoamento, com a participação debolsistas do Rio de Janeiro e de outros estados, que vieram observar a práticade ensino em setores de sua especialidade e estudar a organizaçãoadministrativa do Centro Educacional Carneiro Ribeiro. Realizou-se cursos deaperfeiçoamento de professores de jardim de infância, tendo as bolsistasaulas teóricas e práticas, com estágio no Jardim de Infância Baronesa deSauípe. As ações do CRPEBa voltavam-se, como uma das suas maiorespreocupações, para a formação dos professores, o que revela a expressivaquantidade de estágios realizados.

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202 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

Dentre os cursos realizados foram oferecidos: Linguagem; Recreação eJogos; Estágio de Aperfeiçoamento de Artes Industriais para Professores da’Escola-parque’; Estágio de Preparação para a Escola de Demonstração; e,Estágio de Aperfeiçoamento de Professores de Jardim de Infância.

Neste levantamento exploratório, ainda não foi possível apresentar osdepoimentos dos professores e alunos que participaram dos cursos deaperfeiçoamento e estágios, o que demandaria uma pesquisa mais ampla,como já sinalizamos. Neste sentido, confirmamos a necessidade de projetosde pesquisas para criação de bancos de dados referentes ao acervo documentaldo CRPEBa e de suas experiências pedagógicas nas escolas de demonstração,agregando os depoimentos daqueles que delas participaram.

Escolas Rurais e Urbanas – As construções escolares

Em relação às atividades gerais do Inep, nos relatórios das atividadesapresentadas na RBEP, observa-se o registro da Campanha de ConstruçõesEscolares, que vinha sendo desenvolvida desde 1946, com a criação do FundoNacional do Ensino Primário, um programa de assistência financeira às unidadesfederadas, visando à ampliação e melhoria das redes escolares primárias, demodo que a união, os estados e municípios, conjugassem esforços para amenizara carência de escolas primárias destinadas à Educação Elementar Básica. Foiconstruído um total de 954 escolas e 2.375 salas de aulas, na Bahia, foramconstruídos 114 prédios e 240 salas de aula de escolas primárias (RBPE, 1959).Fazia parte do Programa Campanha de Construções Escolares a assistênciafinanceira para a construção e a melhoria de escolas normais. Em 1954, oSetor de Construções foi instalado nas dependências da atual Faculdade deFilosofia e Ciências Humanas “onde, inclusive, já se achava instalado o CentroRegional de Pesquisas Educacionais que, porém, só em 1955, foi oficialmentecriado pelo Decreto n. 38.460 de 28 de dezembro” (OLIVEIRA, 1988, p. 35).

Fernando Santana, que trabalhou no setor de construções, assim relata:

Anísio Teixeira organizou um plano de construções escolares em todo o Estado

da Bahia na época em que foi Secretário de Educação, 1947-1951. Na época

nós tínhamos 150 municípios e ele queria construir escolas rurais em todos os

municípios. Então nós fizemos o projeto da escola rural, que era um salão de

aula e ao mesmo tempo uma casa com dois quartos, sanitário, para moradia

da professora, porque se já era difícil ela ir para o interior, muito mais se não

tivesse onde morar. Esse projeto se realizou com muita intensidade e com

muita economia. Essas escolas continuam existindo, elas continuam nos

municípios, quando viajo ainda vejo muitas delas, não sei se estão funcionado

Page 203: Anisio Teixeira na direção do Inep

203Programa de Reconstrução Educacional na Bahia

15 Entrevista concedida por Fernando Santana, responsável pelo Setor de Construções Escolares da Secretariade Educação do Estado da Bahia (até 1948), em 11 de setembro de 2003.

como na época. Eram escolas rurais. Foram destinadas a melhorar não só a

presença, como o nível de ensino em todo o país. Não foi só na Bahia, isso foi

um plano nacional, no governo Dutra. Essa documentação devia estar na

Secretaria de Educação. Toda essa documentação de cada escola, cada uma

tinha uma pasta própria, onde a documentação era ali arquivada. Eram pastas

imensas, de escola por escola, de região por região15.

A atuação do Inep na Bahia se iniciou antes de Anísio Teixeira se tornar seudiretor, mas desde a sua atuação na Secretaria de Educação e Saúde, os laçoscom essa secretaria já estavam estreitados, principalmente com a campanha deconstruções escolares, com ênfase nas escolas rurais, como relatam HildéricoPinheiro de Oliveira (1988) e o depoimento de Fernando Santana.

A obra principal foi o término do Centro Educacional Carneiro Ribeiro,conjunto formado por quatro ‘escolas-classe’ e uma ‘escola-parque’, conformejá assinalamos. Segundo Oliveira (1988), não existem dados exatos sobre onúmero de escolas e salas de aulas construídas, assim como das cidadesque foram incorporadas à campanha de construções escolares nesse período.Num levantamento realizado pelo autor em 1961, ele pôde listar: “registramosa construção de 1.435 salas de aula em 995 localidades, correspondendo a1.013 escolas. É possível que em tal registro, estejam escolas rurais construídasno período de 1947 a 1955, não concluídas até o início do governo AntônioBalbino” (OLIVEIRA, 1988, p. 39).

Com base nas pesquisas sobre a população escolar, chegou-se àconclusão de que:

[...] considerando a disponibilidade dos recursos financeiros ano a ano (à luz da

evolução desses recursos nos anos passados), considerando a ação da inflação e o

crescimento do deficit escolar, até 1969, por conseqüência do crescimento vegetativo

da população, comprovou-se que seria possível, construindo 70 (setenta) salas de

aula a cada ano, não apenas substituir todos os prédios impróprios para o ensino

como, no fim de 1969, levar a capacidade da rede escolar estadual e se igualar à

demanda determinada pela população infantil de 7 a 11 anos na cidade do Salvador.

Para tal planejamento, foi considerado, segundo levantamento da época, que a

rede municipal atendia a 3,8 da população, a rede particular a 42%, cabendo à

rede estadual 52,2% (OLIVEIRA, 1988, p. 40).

Esse plano não foi cumprido. Em 1962, a Comissão Executiva da RedeEscolar da Bahia (CEREB) foi extinta e não havia terrenos disponíveis paraconstrução, pois a verba do Inep não se destinava à compra.

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204 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A obra de reconstrução escolar, viabilizada na Bahia nos anos 1952-1964, resultante de um programa desenvolvido para concretizar açõeseducativas que vinham sendo gestadas desde os anos 1920-1930, ganhouexpressão naquele período, demonstrando o empenho e o compromissode Anísio Teixeira com a esfera educativa. Dessas ações, encontramosfragmentos que testemunham o valor e a importância dada à formaçãodo professor, às exper iências de demonstração do ens ino, odesenvolvimento de um vasto e fértil campo de estudos e investigaçõeseducacionais que visavam fortalecer o campo. Das fontes consultadas –arquivos institucionais e depoimentos – emergiram várias pistas queviabilizam futuras pesquisas e estudos sobre o significado dessas açõespara a construção de uma educação voltada para a formação do educadore para o fortalecimento da pesquisa.

Há uma caminhada a ser percorrida, ainda não explorada, de estudose pesquisas sobre o significado de uma Escola Diferente que nãoconseguiu sobreviver; das repercussões de um volumoso e farto conjuntode pesquisas realizado pelo Centro de Pesquisas Educacionais da Bahiaque foi destruído; da existência das escolas rurais em abandono; darevitalização de uma obra, como a do Centro Educacional Carneiro Ribeiroe seus impasses no mundo contemporâneo; além da memória viva dedepoentes que participaram dessas experiências e que se encontramsubmersos em silêncios enigmáticos. O fechamento da Escola Diferentee o desmantelamento do CRPEBa silenciaram vozes que poderiam trazerao presente o significado de um passado de realizações e esforços parareconstruir a educação na Bahia.

O desmonte em que encontramos as ações educativas do período,levou-nos a refletir, que embora a perda dos documentos inviabilizasse areconstrução do programa educacional na Bahia, afirmamos, conformenos lembra Darcy Ribeiro, que ainda é possível amanhecer:

Nestes trabalhos estavam, Anísio, exercendo a reitoria, quando estoura o golpe

militar de 1964, que se assanha, furioso, contra a universidade nascente e

destrói a rede nacional de centros educacionais do Inep. Anísio foi, mais uma

vez, proscrito; eu, exilado. O corpo de sábios que leváramos para Brasília,

como professores e pesquisadores, acossado pela brutalidade da ditadura, se

demite, numa diáspora dolorosa. Morria outro sonho anisiano de universidade.

Eu, lá longe, jurava: havemos de amanhecer [...] (RIBEIRO, 1995).

Page 205: Anisio Teixeira na direção do Inep

205Programa de Reconstrução Educacional na Bahia

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Page 208: Anisio Teixeira na direção do Inep

208 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

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209Anísio Teixeira e as Construções Escolares como Estratégiapara a Difusão de Modelos Pedagógicos

ANÍSIO TEIXEIRA E AS CONSTRUÇÕES ESCOLARES COMOESTRATÉGIA PARA A DIFUSÃO DE MODELOS PEDAGÓGICOS

Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas – UFSJorge Carvalho do Nascimento – UFS

Ao assumir a direção do Inep, em 19521, Anísio Teixeira buscoureorganizar as funções daquela instituição de modo a transformá-la emum “centro de inspiração do magistério nacional para a formação daquelaconsciência educacional comum que, mais do que qualquer outra força,deverá dirigir e orientar a escola brasileira”2. O projeto de reorganizaçãodo Inep fez com que esse Instituto, sob a direção de Teixeira, atuasse nãoapenas como um centro difusor da pesquisa educacional. De fato, apesquisa educacional era o fundamento sobre o qual se assentava a açãodo professor Anísio. Contudo, os estudos e inquéritos concebidos por ele,como ferramentas necessárias à produção do conhecimento a respeito dosistema educacional, reveladoras da quantidade e qualidade das escolas,foram o ponto de partida para uma vigorosa política de intervenção nosestados e municípios brasileiros. Essa política buscava dar conseqüênciaao conjunto de críticas que Anísio formulara ao ser empossado na direçãodo Inep, opondo restrições ao trabalho desenvolvido pelos ministrosFrancisco Campos e Gustavo Capanema que, segundo ele, promoverammarcadas reformas burocráticas e centralizadoras:

[...] pelo arcaísmo, quanto ao ato educativo, em que a escola primária funcionava

às voltas com métodos obsoletos de memorização, improvisação de professores,

e perda sensível de prestígio por não mais satisfazer às necessidades mínimas

de preparo para a vida [...], enquanto a escola secundária tornava-se um

passar de classe social para outra (ARAUJO, 2000, p. 2).

1 Anísio Teixeira foi empossado no cargo de diretor geral do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos nodia 04 de julho de 1952, após haver sido designado pelo ministro Ernesto Simões Filho.2 TEIXEIRA apud TOLEDO (2002). Nesse trabalho, Maria Rita de Almeida Toledo analisa o Boletim“Educação e Ciências Sociais”, publicado pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, do período de1956 a 1962. No levantamento que faz flagra a reorganização do Inep promovida por Anísio Teixeira.

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210 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

O sistema implantado por Anísio Teixeira se fez eficaz não apenas pelaorganização do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais e dos CentrosRegionais de Pesquisas Educacionais3, mas também, além dessa estruturade produção do conhecimento4, foi possível dispor de instrumentos deintervenção eficazes como a Campanha do Livro Didático e Manuais deEnsino (Caldeme), a publicação de periódicos e monografias, a organizaçãode cursos para professores dos diversos estados e, daquilo que pareceu aesse trabalho, ser um elemento extremamente atraente aos dirigentes dapolítica educacional dos estados, uma significativa distribuição de recursosfinanceiros destinados à construção e à reforma das edificações escolares,adaptando-as ao modelo que Teixeira buscou difundir a partir do Inep. Ouseja, o fato de o Ministério da Educação manter a delegação ao Inep quantoàs suas responsabilidades pelos Ensinos Primário e Normal e a desenvolturacom a qual Anísio exerceu a Coordenação do Programa de CooperaçãoTécnica e Financeira das unidades federativas5, foram trunfos eficientes dosquais, Anísio Teixeira dispôs para a sua campanha de ampliação e melhoriada rede escolar e para a instalação das escolas de experimentação,aplicação e demonstrativas.

Este texto analisa os desdobramentos dessa política no estado deSergipe, considerando que o território sergipano não sediou CRPE, estandoligado à estrutura do Centro Regional de Pesquisas Educacionais que AnísioTeixeira instalou do estado da Bahia.

1. Sergipe e o Inep

Rico em possibilidades pouco investigadas, o período durante o qualAnísio Teixeira exerceu a direção do Inep “oferece um repertório considerávelde idéias, propostas e instituições, as quais tomaram o tema da educaçãocomo crucial ao futuro do país” (FREITAS, 2002, p. 55). No Brasil da décadade 1950, a possibilidade de ampliação do acesso à escola continuava a seruma bandeira importante. Em Sergipe, o ginásio ainda era um privilégio parapoucos, e mesmo o acesso ao Ensino Primário ainda era reduzido. No estadode Sergipe, conviviam em 1950:

3 Nos termos do Decreto 38.460, de 28 de dezembro de 1955, foram estabelecidos Centros de Pesquisanas cidades de São Paulo, Recife, Salvador, Belo Horizonte e Porto Alegre.4 Foi tomando tal estrutura como base, que Anísio Teixeira gerenciou a Campanha de Inquéritos eLevantamentos do Ensino Médio e Elementar.5 Desde a sua criação, em 1937, o Inep teve como responsabilidade a difusão do ensino elementar atravésda distribuição de verbas para a construção de prédios escolares nas zonas urbana e rural. O FundoNacional de Ensino Primário (FNEP) foi regulamentado em agosto de 1945, marcando assim o inícioinstitucional de um programa destinado a transferir recursos do governo federal para os estados, com oobjetivo de difundir o ensino elementar.

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[...] 644.000 pessoas, das quais 293.025 com mais de 10 anos não sabiam

ler e escrever. Esses números indicavam para Sergipe a astronômica

taxa de analfabetismo de 66,37%, [...] 77% estavam fora da escola. E,

dentre os que tinham acesso a ela, o quadro de seletividade não era

dos mais favoráveis. De 45.613 alunos matriculados em 1950, somente

5.578 (12,2%) haviam concluído o Curso Primário até o final de 1953

(NASCIMENTO, 1991, p. 97).

Esse quadro favoreceu a grande repercussão que tiveram no estado, aspráticas do Movimento de Educação de Base (MEB), do Movimento de CulturaPopular (MCP), do Centro Popular de Cultura (CPC) e as práticas do professorPaulo Freire. O acesso ao ambiente escolar “se constituía objeto de desejo dascamadas médias e populares que nele vislumbravam a possibilidade de exercerprofissões bem mais remuneradas” (SANTOS, 2003, p. 41). Por sua vez:

[...] o debate sobre a relação entre educação e sociedade recompunha-se

em meio a um número expressivo de questões que os próprios atores daquele

momento identificavam como importantes à (re)definição da nacionalidade

brasileira; debate este marcado pelos parâmetros ideológicos da guerra fria

e, ao mesmo tempo, pelas alternativas terceiro-mundista, às quais se dirigiam

significativos movimentos de engajamento popular (FREITAS, 2002, p. 56).

Ao longo da década de 1950, havia em Sergipe um ambiente de otimismo,uma vez que:

[...] o estado passou a experimentar um período rico de mudanças, sobretudo

a partir da criação da Sudene, que sinalizou caminhos para sua industrialização

e sua modernização. Datam ainda desse período, a preocupação com a

exploração do salgema, do petróleo e a adoção de medidas para desenvolver

o estado, a exemplo [...] da criação do Conselho de Desenvolvimento Econômico

do Estado de Sergipe (SANTOS, 2003, p 42-43).

Em 1955, existiam em Sergipe quarenta e quatro instituições de EnsinoMédio, sete do Ensino Comercial, sete do Ensino Normal, sete do EnsinoIndustrial e duas do Ensino Agrícola (MENDONÇA, 1958). O governo de Sergipeteve a possibilidade de contar com os dispositivos acionados pela política deAnísio Teixeira no Inep, uma vez que, segundo Vanilda Paiva, nesse período apolítica da administração federal assumia, dentre outras, as despesas com aconstrução de escolas e a qualificação do pessoal técnico. Essa ação políticacontribuiu para com o crescimento quantitativo da oferta de oportunidades no

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Ensino Primário, mas continuou a enfrentar problemas no que dizrespeito, tanto à insuficiência dessa ampliação “vis-a-vis” à demanda,quanto às dificuldades provocadas pela localização das unidadesescolares construídas, que nem sempre era definida com base emcritérios técnicos, mas considerando o prestígio das lideranças políticasque buscavam junto ao Inep, os recursos financeiros necessários àexecução das obras (PAIVA, 1987).

A política nacional aliada aos esforços locais fez com que o estadoexperimentasse um crescimento significativo dos seus indicadoreseducacionais no período. Entre 1950 e 1958, a oferta de vagas na redeescolar foi quase duplicada. Em 1950, existiam 30.588 alunos matriculadosnas escolas sergipanas. Oito anos depois, esse número era de 60.637estudantes. “Efetivada majoritariamente pelo setor público, essa ampliação[...] foi favorecida pela política nacional” (GRAÇA; SOUZA e SANTOS, 1996,p. 47). Do total da matrícula existente em 1958, 51.539 alunos estavamna rede pública (IBGE, 1960).

Um outro problema que Sergipe enfrentava nesse período era o daexistência de um número elevado de professores leigos, com aponta Santos:

[...] essa situação não se diferenciava muito do cenário nacional. O reduzido

número de professores graduados em todo o país acabou contribuindo

para proliferação de professores leigos, fato que levou o Ministério da

Educação a encontrar como saída a instituição dos Exames de Suficiência

e dos cursos promovidos pela Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão

do Ensino Secundário (Cades) (SANTOS, 2003, p. 51).

2. A Política de Bolsas

O Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), criado pelo Inepem 1955, no Rio de Janeiro, absorveu toda a área de estudos, documentação,aperfeiçoamento e experimentação do Instituto Nacional de EstudosPedagógicos. Na mesma oportunidade, foram criados os Centros Regionaisde Pesquisas Educacionais dos Estados do Rio Grande do Sul, São Paulo,Minas Gerais, Bahia e Pernambuco. O CRPE da Bahia estendia suas atividadesao território do estado de Sergipe e teve como diretores Luís Ribeiro deSena e Carmen Spínola Teixeira. Cada centro regional compreendia cincodivisões: Estudos e Pesquisas Educacionais, Estudos e Pesquisas Sociais,Documentação e Informação Pedagógica, Aperfeiçoamento do Magistério,Serviços Administrativos e Biblioteca. Dentre as atividades sob aresponsabilidade dos centros, duas eram fundamentais: a) pesquisar ascondições culturais e escolares e as tendências de desenvolvimento de

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cada região e da sociedade brasileira como um todo, para efeito deelaboração de uma política educacional para o país; e, b) elaboração domaterial pedagógico e estudos especiais sobre Administração Escolar,Currículo, Psicologia, Sociologia e Filosofia da Educação, além de treinamentoe aperfeiçoamento de professores, especialistas e administradores queconcorram para o aperfeiçoamento do magistério nacional, ao lado de outrasfinalidades (ARAUJO; MOTA e BRITTO, 2001, p. 30-31).

Dessas atividades, uma das que mais entusiasmou o professor AnísioTeixeira e as equipes do sistema CBPE/CRPE foi a de treinamento eaperfeiçoamento de professores, especialistas e administradores. Asdeficiências de formação tiveram assim, na política de formaçãopermanente executada por Anísio Teixeira, um instrumento da maiorimportância. Foram muitas as bolsas de estudos concedidas pelo Inep aprofessores, para que eles realizassem estudos em outros estados.

Em Sergipe, somente o professor José Antônio Nunes Mendonça,responsável pela cadeira de Pedagogia do Instituto de Educação RuiBarbosa, realizou cinco viagens em três anos, entre 1956 e 1958. No mêsde janeiro do primeiro ano, estagiou no CBPE, ao qual retornou em novembrodo mesmo ano para novo período de estágio. Em 1957, regressou ao Riode Janeiro, durante os meses de agosto e setembro, para participar doSeminário de Sociologia Educacional promovido pelo Inep. No final do mêsde outubro do mesmo ano, regressou outra vez ao Rio, para novasatividades no Instituto. No ano de 1958, voltou à capital da República pararealizar estudos e observações no Instituto de Educação no Colégio Benette na Escola Experimental Guatemala, indo em seguida à cidade de Salvador,onde desenvolveu idênticas atividades no Centro Educacional CarneiroRibeiro e na Escola Experimental mantida pelo CRPE. A respeito desse tipode atividade, Nunes Mendonça afirmou:

[...] considerava indispensáveis os cursos de aperfeiçoamento,instrumentos de aprimoramento profiss ional e intelectual,enriquecedores constantes das experiências e oportunidades de contatocom as novas idéias e métodos. Nesse sentido, destaca a atuação doInep que através da distribuição de bolsas oferecia essa oportunidadeaos profissionais do estado. No entanto denunciava que nem todos osprofessores que recebiam bolsas se dedicavam ao aperfeiçoamento.Ao retornar, muitos deles eram desprestigiados e humilhados,chegando inclusive a provocar atitudes de agressividade destesprofissionais que, desajustados, projetavam nos alunos os seusconflitos (SOUZA, 1998, p. 141).

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Foram identificados registros referentes a 33 bolsas de estudos concedidasa professores e gerentes do ensino publico em Sergipe no período de 1953 a19586. Uma das grandes dificuldades enfrentadas pelo programa de bolsaspara que pudesse cumprir eficazmente a sua destinação, prendia-se ao fatode que, após regressarem dos cursos, os bolsistas, dificilmente retornavamao efetivo exercício das funções profissionais das quais se incumbiamanteriormente e em função das quais foram treinados.

Segundo o professor José Antônio Nunes Mendonça, em 1958, do totalde bolsistas capacitados até então, apenas três se encontravam no efetivoexercício da profissão, enquanto nove haviam abandonado o magistério público(SOUZA, 1998). Os demais se encontravam em outras atividades do serviçopúblico, mesmo que no magistério. A maioria dos bolsistas, portanto, nãochegava a desenvolver as experiências para as quais estavam preparados. Osbolsistas de Sergipe estudaram no Rio de Janeiro, São Paulo e em Salvador.

A ex-bolsista Gilda Vasconcelos Gama da Silva (2003) revelou que no anode 1958 atuava como professora do Jardim de Infância Augusto Maynard.Recebeu uma bolsa para permanecer durante um ano no Rio de Janeiro paraparticipar do projeto de implantação de uma ‘escola-parque’ no estado deSergipe, juntamente com duas colegas. Após o regresso, nenhuma delas foicuidar dos projetos para os quais foram capacitadas. No seu caso específico,foi contratada pela Escola Agro Técnica Benjamin Constant e pelo projeto dasescolas radiofônicas do Movimento de Educação de Base, onde trabalhou apartir de então. A ‘escola-parque’ de Sergipe nunca foi implantada.

3. Os Estudos e Inquéritos

A política de realização de estudos e inquéritos nos estados, promovidapelo CBPE, teve também em Nunes Mendonça a sua principal expressão emSergipe. “Se a história intelectual do século XX brasileiro mantém coladosintelectuais e educação, naqueles anos, a pesquisa educacional era asubstância com a qual se configuravam e se diferenciavam projetos intelectuaisindividuais e coletivos” (FREITAS, 2002, p. 55). Essa política valorizava a idéiade regional, reveladora do projeto organizador dos Centros Regionais dePesquisa Educacional.

6 A esse respeito, consultar os registros do Diário Oficial do Estado de Sergipe (principalmente as ediçõesdos dias 17 de junho de 1955 e 27 de abril de 1957) e a correspondência expedida e recebida pelaSecretaria da Educação. Arquivo Público do Estado de Sergipe – Apes, Fundo Educação. Não foramlocalizados registros quanto a bolsas concedidas no período de 1959 a 1962, não obstante, algumaspessoas que exerceram funções na gestão da política educacional em Sergipe naquele momento afirmaremque o estado continuou enviando bolsistas para o Rio de Janeiro, estado de São Paulo e estado da Bahia.

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O livro A educação em sergipe (MENDONÇA, 1958) é fruto dos estudosrealizados pelo autor no CBPE, que lhe encomendara uma pesquisa sobre ascondições do ensino no estado7. Foi através dele que os intelectuais daeducação, que viviam em Sergipe durante a década de 1950, tiveram maiorclareza do debate que Anísio Teixeira comandava a partir do Inep, configurandoum campo próprio para a pesquisa educacional e interferindo nos estudoslocais que cada vez com maior vigor adquiriam as características de seremdimensões singulares da cultura brasileira, conformando um novo perfil paraas ciências sociais e a para a sua condição de “ciência fonte” do debateeducacional. A pesquisa do professor sergipano foi acompanhadapessoalmente por Anísio Teixeira8. O trabalho fora parte das atividades doCurso de Aperfeiçoamento de Pesquisadores Sociais, que buscou “estudaras condições culturais do Brasil em suas diferentes regiões, para efeito deelaboração de um plano nacional de educação de base experimental e deuma ação educacional de erradicação do analfabetismo no país” (ARAUJO;MOTA; BRITTO, 2001, p. 31).

O trabalho de Nunes Mendonça foi apresentado inicialmente como tesede concurso à Congregação do Instituto de Educação Rui Barbosa, em 1956,para concorrer ao cargo de Assistente Técnico daquela escola normal, ondejá era responsável pela cadeira de Pedagogia (SOUZA, 1998). O projetoinicialmente solicitado pelo Inep ao autor, foi ampliado, mesmo com adificuldade existente para a obtenção de dados estatísticos sobre Sergipe,dificuldade reiterada com insistência pelo pesquisador: “O projeto, cujaexecução o Inep nos confiou, resumia-se a princípio, ao estudo da escola, doprofessor primário, do escolar e da organização administrativa da educaçãoem Sergipe” (Inep, 1956, p. 67). Antônio Nunes Mendonça dedicou-se duranteoito meses, à realização do estudo e contou com o auxílio da professoraBenedita Araújo dos Santos no processo de levantamento de dados. Apretensão do Inep ao encomendar-lhe o trabalho e recomendar a metodologia,é sublinhada com muita clareza pelo autor9:

7 “O presente estudo, com o qual concorremos ao concurso para provimento, em caráter efetivo, docargo de Professor Catedrático de Pedagogia do Instituto de Educação Rui Barbosa constituiu o relatórioque apresentamos, em 1956, ao Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, órgão do Instituto Nacionalde Estudos Pedagógicos, após os trabalhos de pesquisa de que fomos, pelo mesmo, incumbido”(MENDONÇA, 1958, p. 13).8 “Tive grande satisfação em tomar conhecimento do adiantamento em que se encontram os trabalhosde levantamento da situação educacional do Estado de Sergipe. Cordiais saudações. Anísio Teixeira,Diretor do Inep” (Cf. Carta de Anísio Teixeira a Nunes Mendonça, em 25 de junho de 1956 apud SOUZA,1998, p. 189).9 Segundo Josefa Eliana Souza (1988, p. 98) para construir o texto de A educação em sergipe, NunesMendonça “amparou-se na interlocução com diversos intelectuais (...). Entre os mais de cinqüenta comquem dialogou aparecem os nomes de Sebrão Sobrinho, Carvalho Lima Júnior, Mário Cabral, FernandoPorto, Jorge de Oliveira Neto, José Cruz, Felte Bezerra (...), John Dewey, William Kilpatrick, Durkheim,Claparède, Ferriére, Anísio Teixeira, Lourenço Filho e Fernando de Azevedo”.

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[...] dentro de sua programação de pesquisas, visando ao conhecimento das

tendências, dos recursos e das práticas educacionais de diversas regiões do

país, o Inep incumbiu-nos de realizar o levantamento da situação sergipana

tornando-nos responsáveis pela execução do Projeto Capes 448/CBPE 24-

56. Procuramos seguir, na realização da empresa, as técnicas do método

histórico e do denominado “normative survey”, indicados para a consecução

dos objetivos do trabalho. Desdobramos, assim, as nossas atividades em

coleta, interpretação e crítica do material considerado necessário e suscetível

de ser encontrado, e em realização de entrevistas. [...] efetuamos observações

não sistemáticas, nos meios ligados, direta ou indiretamente, à educação.

Visitamos grande número de estabelecimentos de ensino públicos e

particulares, ouvimo-lhes os corpos docente e discente, os administradores

escolares e funcionários, e assistimos a aulas e recreios. Entrevistamos pais

de alunos e pessoas outras da comunidade. Na área abrangida pelas nossas

pesquisas, estão incluídos os municípios representativos das diversas zonas

ecológicas do estado (MENDONÇA, 1958, p. 15).

Com o livro, Nunes Mendonça teve a possibilidade de se integrarplenamente à trajetória de produção intelectual demarcada a partir do CentroBrasileiro de Pesquisas Educacionais nas suas articulações com os CentrosRegionais de Pesquisas Educacionais. “Esforço intelectual amplo emultifacetado com o qual a aproximação entre os temas: planejamento equestões regionais; conhecimento local e questão nacional; e, procedimentocientífico e estudos de caso estiveram imbricados” (FREITAS, 2002, p. 57).O texto produziu um duro conjunto de críticas às instituições escolaresexistentes no estado de Sergipe.

Nunes Mendonça se referiu ao uso da disciplina e criticou a escola

sergipana, acusando-a de autoritária. Enfatizou que a disciplina nascia do

professor e não ‘da dinâmica social da escola’, pois esta se utilizava da

violência, apl icando às cr ianças cast igos corporais e humilhantes.

Evidenciou que, em visita a duas escolas, encontrou palmatórias expostas

nas salas de aula, o que acreditava ser uma forma constante de lembrar ao

aluno as suas possibi l idades: aprender ou ser cast igado. Para este

estudioso, a escola sergipana não havia tomado conhecimento das novas

idéias da psicologia educacional, especificamente do capítulo referente

aos desajustamentos das crianças (causas e terapêuticas). Acreditava que

a repressão, além de não ajustar o aluno (salvo algumas exceções),

contribuía ainda mais para agravar a situação e comprometer o seu futuro

(SOUZA, 1998, p. 111).

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Com o estudo de Mendonça, os problemas locais foram contrastadoscom o debate nacional comandado por figuras como Anísio Teixeira,ganhando novo sentido e amplitude. A força intelectual do seu trabalhoestava respaldada pela disponibilidade de elementos analíticos queinauguravam novas perspectivas do campo pedagógico. A crítica que eleproduzira, buscava evidenciar a exacerbação no exercício da autoridadepedagógica que pudera observar nas escolas de Sergipe:

[...] autocráticas por excelência, organizadas nos moldes das estruturas

de dominação, constituem as escolas sergipenses verdadeiras ditaduras,

onde o papel do aluno é simplesmente o de obedecer, sem a mínima

noção do significado ou das vantagens de sua submissão. Não procuram

desenvolver a autoridade interior do aluno, através de bem orientada

autonomia escolar, a fim de prepará-lo convenientemente para uma ativa

participação social. Pretendem dirigir os impulsos e as tendências da

criança de modo direto e pessoal, sem apelar para o exercício de suas

disposições sociais mediante fecundas experiências de vida moderna

(MENDONÇA, 1958, p. 145).

Em alguns momentos, a crítica de Nunes Mendonça apresentava-se demodo tão exacerbado que chegava quase a denunciar uma certa inutilidadeda escola existente, afirmando que:

[...] as escolas de Sergipe lançavam todos os anos na sociedade, que

considerava deformada pelos antecedentes históricos, ‘contingentes

de indivíduos ou de conformistas’ e que nenhuma dessas at itudes

favoreciam à democracia, como observara Anísio Teixeira. Defendia

que a criança sergipana adequava-se a escola se o professor fosse

brando e simpático, ainda que os alunos, para fugir dos trabalhos

pesados , p re fe r i s sem ao que e le denominava esco la supor tada

(SOUZA, 1998, p. 112).

O conjunto de críticas estava assentado sobre as concepções deeducação que Nunes Mendonça consolidara a partir de seus contatos como CBPE e nas leituras dos textos de Anísio Teixeira e de outros‘escolanovistas’. Essas concepções seriam melhor explicitadas em obrasque o professor de Pedagogia iria publicar nos anos seguintes. Entendia sera educação “função incontestavelmente social e pública. Conseqüentemente,obrigação fundamental do Estado, o qual perfeito e legítimo, representa aNação – realidade histórico-cultural – na sua inteireza política, social e

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espiritual” (MENDONÇA, 1963, p. 133). Assim, ao afirmar os valores locais,afirmava-se também a brasilidade10. Esse entendimento o permitia fizer adefesa da escola pública:

somente a escola pública, resguardada de influências deformadoras e

dilatada nas suas atividades e na sua ação educativa, pode desempenhar,

na comunidade, a missão democrática da educação. Só ela pode abrir amplas

perspectivas à unidade nacional, à elevação das condições de vida do povo,

ao aproveitamento das vocações e dos valores humanos e ao preparo do

cidadão para a eficiência social (MENDONÇA, 1963, p. 134).

No seu diagnóstico, o Professor José Antônio Nunes Mendonça criticavao que chamou de “sentido intelectualista da Escola Primária, uma vez que ospais, mesmo sem consciência nítida dos fins e das funções da educação debase” (MENDONÇA, 1958, p. 119 e 123) exigiam dessa escola espírito utilitário,objetivo e articulado com as necessidades da vida social:

[...] é o próprio homem do povo, o sergipano de todas as condições sociais

que exige escolas para seus filhos; escolas que o estado não pode dar em

número suficiente e não as tem dado de qualidade satisfatória. Ontem,

parafraseando o Professor Anísio Teixeira, queríamos educar o Sergipe, e

hoje é o Sergipe que exige ser educado (MENDONÇA, 1958, p. 105).

As páginas finais do trabalho A educação em Sergipe são dedicadas apropor uma reforma da educação do estado, assentada sobre 11 pontos:

a) a estruturação orgânica do sistema estadual de educação e aorganização científica da administração educacional;

b) a revisão dos planos de estudo e dos programas de ensino;c) o ajustamento do ensino às diversas áreas ecológicas do estado,

para que atenda aos objetivos de ordem sociológica da educação;d) o preparo e o aperfeiçoamento do professor primário e a defesa e

valorização da profissão docente;e) as instalações materiais e o aparelhamento didático da escola;f) a ampliação da escola primária, com a instalação de cursos

complementares;

10 A respeito desse tipo de preocupação, Nunes Mendonça recebeu, em novembro de 1960, umacorrespondência de Anísio Teixeira que é bastante esclarecedora: “venho acompanhando, com o interessenatural, os seus estudos e os seus trabalhos sobre a educação em Sergipe. Batendo-me, como sabe, pelaregionalização e, mais, pelo localismo de toda verdadeira obra educacional, não posso deixar de sublinharo que significa o seu esforço, a sua experiência e a sua crescente competência nos problemas da educaçãodo seu estado. Cordial abraço, A. Teixeira APUD SOUZA, 1998, anexo 3).

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g) a transformação do trabalho escolar e da estrutura interna da escola,mediante o ensaio e a aplicação das modernas técnicas de ensino, ea implantação de atividades e instituições sociais e de situaçõesdemocráticas na escola;

h) a organização das classes;i) a renovação dos métodos de administração escolar;j) a inspeção escolar, transformada em orientação pedagógica;k) o afastamento das influências perniciosas da politicagem e dos

partidarismos de qualquer espécie, da administração educacional(MENDONÇA, 1958, p. 199).

Essas reformas deveriam possibilitar a adoção de um conjunto de novaspráticas no interior das instituições escolares de Sergipe, dentre as quais,Nunes Mendonça sublinhava os processos de avaliação. Invocava Anísio Teixeirapara fazer a defesa da promoção automática dos alunos de uma para outrasérie, afirmando que o professor continuaria a ter seus padrões e seria julgadoem seu esforço e em sua eficiência, na medida em que conseguisse melhoresresultados com o aluno. Assim, esse poderia sair da escola sem reprovaçãoe com a classificação de conhecimentos, habilidades e aptidão que houvessealcançado (MENDONÇA, 1958).

Preocupado com a perspectiva da reforma do ensino que propunha, NunesMendonça afirmava que essa deveria ocorrer de forma gradual e responsável,de acordo com as limitações da realidade local:

[...] tenhamos presente que a reforma de um sistema educacional não pode

e não deve ser efetuada por transformações bruscas, violentas ou por

implantação do aparelho escolar de outros centros mais adiantados. Tem

que ser atingida através de sucessivas etapas, progressivamente, mediante

soluções graduais. E não deve ser processada senão em perfeita adequação

com as condições materiais e culturais do meio, tendo em vista as mudanças

sociais em curso e as necessidades coletivas. [...] A reforma de que precisamos,

a revisão educacional que se impõe no Estado, é uma renovação de fato e

não de rótulo. O seu escopo será dar nova direção e nova substância às

organizações existentes, ultrapassando-as. Será obra objetiva, de ação, de

realização, e não meros planos abstratos de gabinete. E não pode constituir

tarefa individual, senão trabalho em equipe, devidamente coordenado

(MENDONÇA, 1958, p. 200).

Os propósitos reformistas de Nunes Mendonça encontraram eco no anode 1960, quando “o governador [...] o designou para dirigir o Centro de Estudose Pesquisas Educacionais (Cepe)” (SOUZA, 1998, p. 61). O Centro fora criado

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pelo governo do estado de Sergipe, sob a inspiração do seu Secretário daEducação, Cultura e Saúde, Antônio Garcia Filho, claramente inspirado pelomodelo CBPE/CRPE, “com a finalidade de dotar a administração educacionalde um órgão especializado em investigação científica, cujos estudos pudessem‘esteiar’ um planejamento adequado ao aperfeiçoamento do sistema estadualde educação” (SOUZA, 1998, p. 62). A partir da direção do Centro de Estudose Pesquisas Educacionais, Mendonça alterou o seu projeto de reforma doensino do estado de Sergipe, de modo a torná-lo mais sintético e reduzido aapenas sete pontos:

a) organização científica da administração educacional, a fim de quepossa presidir o desenvolvimento do sistema escolar;

b) reforma do Ensino Primário e Normal, de acordo com as necessidadesdo Estado e as exigências da nossa época;

c) adoção de planos de emergência para a formação do professor rural,com aproveitamento do prédio, onde atualmente, funciona a ineficienteEscola Normal Rural Murilo Braga em Itabaiana;

d) extinção progressiva dos terceiros turnos na capital, mediante inclusãono plano de construções escolares, nos próximos cinco anos, de cincounidades agrupadas, sendo duas para instalação dos Grupos EscolaresGeneral Siqueira e Barão de Maruim, que funcionam ambos no mesmoprédio, em local inadequado, com insignificantes matrículas;

e) defesa e valorização do magistério, mediante a fixação de melhoresníveis de salário para o professor primário e ampliação dos direitos evantagens do pessoal docente, tendo em vista o propósito de estimularo esforço e a dedicação dos profissionais;

f) conclusão das obras do IERB, com a construção dos pavilhões daescola de aplicação e do jardim de infância;

g) instalação de uma escola experimental, de Ensino Primário, em Aracaju(SOUZA, 1998, p.146-147).

Pesquisadores como Nunes Mendonça, que atuavam nos CentrosRegionais mantidos pelo Inep e nos Centros Estaduais de Pesquisa,estimulados pela ação do Instituto, buscavam “uma ou mais faces desseintrincado debate sobre as relações escola e comunidade através das quaisos temas do conhecimento local e do reconhecimento da diversidade erampermanentemente repostos e reconsiderados” (FREITAS, 2002, p. 69). Nacondição de diretor do Cepe, Mendonça também integrou a ComissãoRegional Bahia/Sergipe, incumbida pelo CBPE de estudar preliminarmenteuma proposta regional para os temas a serem debatidos durante a XIIIConferência Nacional de Educação.

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4. As construções escolares

Este estudo opera com a hipótese de que a pedra de toque da ação deAnísio Teixeira e da eficácia da sua política educacional a partir do Inep era ocontrole do Programa de Cooperação Técnica e Financeira das UnidadesFederativas. O seu Coordenador era o ordenador de despesas do Fundo Nacionaldo Ensino Primário (FNEP), no qual dispunha de uma significativa soma de recursose do poder de transferi-los aos estados e municípios, para que esses executassemobras de construção, ampliação, reforma, manutenção e aquisição deequipamento para escolas primárias rurais e urbanas, grupos escolares e escolasnormais. Era também com os recursos do Fundo que se custeava o programade bolsas. Mas as verbas destinadas à construção, ampliação, reforma,manutenção e aquisição de equipamentos, despertavam o interesse dosgovernadores, prefeitos, senadores e deputados, que cortejavam o coordenadordo FNEP, função exercida pelo professor Anísio Teixeira, ao longo de 12 anos11,o que lhe adicionou uma enorme quantidade de prestígio e poder político, alémdaquilo que já possuía como respeitado intelectual da educação, que era.

Ao longo desse período, os governadores do estado de Sergipe solicitaramao professor Anísio Teixeira recursos para as obras de conclusão e ampliaçãodo edifício do Instituto de Educação Ruy Barbosa, a escola normal do estado, aconstrução de 16 escolas rurais em diferentes municípios e a construção de 20grupos escolares12. Além dos governadores, também foram localizados registrosreferentes a solicitações feitas por um prefeito de Aracaju.

Ao tomar posse como prefeito da capital do estado de Sergipe, em 1959,José Conrado de Araújo organizou um simpósio destinado a discutir os problemasda cidade de Aracaju. Dentre os temas elencados estava o da Educação. Oobjetivo era o de traçar metas para a nova gestão. O professor Manoel FrancoFreire, que presidiu a comissão encarregada de discutir o problema do EnsinoPrimário propôs “que a prefeitura de Aracaju, a partir de convênios com o Inep(Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos), construísse escolas rurais nospovoados de Jabotiana, Robalo, São José, Mosqueiro e Porto Dantas” (GRAÇA;SOUZA e SANTOS, 1996, p. 66), uma em cada um desses povoados.

O município de Aracaju reivindicou também ao Inep uma maiorcooperação financeira e técnica em outros campos: a construção de uminstituto de educação com uma escola primária em anexo; a melhoria do

11 Anísio Teixeira dirigiu o Inep durante as gestões seguintes presidentes: Getúlio Vargas, (1951-1954), Café Filho, (1954-1956), Juscelino Kubitscheck, (1956-1961), Jânio Quadros, (1961) e JoãoGoulart, (1961-1964).12 A esse respeito consultar a correspondência expedida pelo governo do Estado de Sergipe. Arquivo Públicodo Estado de Sergipe – Apes. Fundo Educação.

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nível de qualificação do corpo docente e administrativo; e, a orientaçãopara que o município pudesse manter o Ensino Secundário, sem prejuízo aoEnsino Primário.

Do seu conjunto de pedidos, os governadores de Sergipe obtiveram osrecursos necessários à execução das obras de acabamento e ampliaçãodo Instituto de Educação Ruy Barbosa, que foram concluídas no ano de1960. Além disso, também foi possível construir 15 escolas e cinco gruposescolares13. Proporcionalmente, o prefeito de Aracaju, Conrado de Araújo,obteve melhores resultados que os governadores.

Do entendimento entre a administração da cidade de Aracaju e adireção do Inep, resultaram 11 instituições escolares rurais e urbanas: asescolas Maria da Glória Macedo, Santa Maria, Manoel Eugênio Nascimento,Joaquim Cardoso de Araújo, Otília de Araújo Macedo, General HenriqueTeixeira Lott, Poeta Garcia Rosa, Santa Isabel, Santa Joana D’Arc, SantosDumont e a Leonel Brizola. Todas essas foram erguidas de acordo com opadrão de escola rural que o Inep havia concebido no final da década de1940. “Esse modelo previa uma escola padrão, onde se combinava umasala de aula (de 8m x 20m, mais ou menos) e a residência da professora”(GRAÇA; SOUZA e SANTOS, 1996, p. 68).

O modelo da escola rural fora o mais acessível ao governo da cidadede Aracaju, em face à política de expansão das oportunidades educacionaisdo governo federal. Mas, o resultado desse convênio que mais impressionoua população da cidade de Aracaju foi a construção dos Grupos EscolaresAnísio Teixeira e Getúlio Vargas, veja:

[...] o prefeito Conrado, em entrevista à Gazeta de Sergipe, em agosto de

1959, informava da obtenção de verba junto ao Governo Federal para a

construção de três grupos escolares. [...] a construção do Grupo Escolar

Anísio Teixeira teve o acompanhamento sistemático do Governo Federal,

sendo enviado ao Inep relatório de conclusão das obras, informando

inclusive sobre a complementação de verbas efetuadas com recursos do

Município. [...] Assim como o Grupo Escolar “Anísio Teixeira”, a construção

do Grupo Escolar “Getúlio Vargas” foi rigorosamente acompanhada pelo

Inep, contando, inc lus ive , com a const i tu ição de uma comissão

fiscalizadora composta de professores e um juiz de direito (GRAÇA; SOUZA

e SANTOS, 1996, p. 71).

13 A esse respeito consultar a correspondência expedida pelo governo do Estado de Sergipe. Arquivo Públicodo Estado de Sergipe – Apes. Fundo Educação.

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223Anísio Teixeira e as Construções Escolares como Estratégiapara a Difusão de Modelos Pedagógicos

A ação do professor Anísio Teixeira à frente do Inep possibilitou que oestado de Sergipe14 obtivesse do Instituto num período de 12 anos, os recursossuficientes para a construção de 26 escolas primárias rurais e urbanas15 enove grupos escolares. Além disso, o estado pode contar com os meiosnecessários às obras de conclusão e ampliação do edifício do Instituto deEducação Ruy Barbosa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante a gestão de Anísio Teixeira, o Instituo Nacional de EstudosPedagógicos – Inep não foi apenas um centro difusor de pesquisa educacional.A partir do seu cargo de diretor-geral, Anísio Teixeira executou uma bemplanejada política de intervenção na ação educativa dos estados e municípiosbrasileiros, principalmente no que diz respeito à condução das decisões arespeito dos Ensinos Primário e Normal. Em verdade, intervir nas decisões dosestados e municípios era o objetivo buscado por Teixeira. A pesquisaeducacional ofertava os instrumentos científicos necessários à formulação dasua política. O trabalho de capacitação dos profissionais do ensino, atravésda oferta de bolsas de estudo para os cursos ministrados no CBPE e nos CRPE,era um dos meios de execução do seu plano. Para a execução do mesmo,Anísio também contou com outros instrumentos: a Campanha Nacional doLivro Didático e Manuais de Ensino (Caldeme) e a publicação de periódicos emonografias.

Para este trabalho, prece fundamental que seja objeto de novos estudossobre a significativa distribuição de recursos financeiros destinados àconstrução, ampliação, reformação e aquisição de equipamentos escolaresque Teixeira teve condições de coordenar a partir do Inep, nos diversos estadosbrasileiros.

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14 Considerando-se conjuntamente os recursos que chegaram através do governo estadual e da prefeiturade Aracaju.15 Algumas dessas escolas eram dotadas de oficinas de artes industriais.

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224 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

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ENTREVISTA

SILVA, Gilda Vasconcelos Gama da. Aracaju, 20 e 27 de setembro de 2003.

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226 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

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227O Maranhão e a Reconstrução Educacional (1952 – 1964)

O MARANHÃO E A RECONSTRUÇÃO EDUCACIONAL (1952 – 1964)

Diomar das Graças Motta1

Raimunda Nonata da Silva Machado2

1. A instrução pública maranhense

Reconstrução pressupõe reedificação do que foi total ou parcialmentedestruído. O legado político educacional maranhense, marcado pela falta decompromisso e pelo descaso dos seus gestores, foi tão pouco edificado que oPrograma de Reconstrução Educacional pensado e executado por Anísio Teixeira,então Diretor Geral do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos Inep de 1952a 1964, soa um tanto contraditório. Todavia vejamos alguns fatos:

As unidades escolares existentes no estado, tanto na capital São Luís,como no interior, eram insuficientes para o atendimento da demanda dealuno em idade escolar, que era de aproximadamente 20% dessa população.De acordo com dados publicados no Diário Oficial n. 101 de maio 1957,provenientes do recenseamento, havia nos perímetros urbano e suburbanoda capital, mais de vinte mil crianças na faixa etária de sete a doze anos,portanto, em idade escolar. Os estabelecimentos escolares da cidadeabrigavam cerca de onze mil alunos e era considerável o número de recusade matrículas pelos mesmos, por falta de espaço.

Até meados da década de 1950, quase não se percebia iniciativas dogoverno estadual e eram tímidas as decorrentes do setor privado, para aconstrução de estabelecimentos escolares, seja na capital ou no interior. Emtodo o estado do Maranhão, em 1956, existiam 99 grupos escolares, 29 escolasreunidas, 254 escolas isoladas, 4 jardins de infância e um prédio que abrigava2 cursos secundários, o colégio do estado, “Liceu Maranhense”, e a EscolaNormal do Instituto de Educação. O quadro de professores estava assimconstituído: o então Curso Primário tinha 964 professoras, sendo 738 normalistas,das quais 70 exerciam a função de diretora, 76 eram regentes e 150 leigas.

1 Profª. Drª do Departamento de Educação II e do Programa de Mestrado em Educação; Coordenadora doGrupo de Pesquisa e Estudos sobre: Educação, Mulheres e Relações de Gênero (GEMGe) e membro doNúcleo de História e Memória da Educação Maranhense (NUMHE) da Universidade Federal do Maranhão.2 Licencianda do 7º período do curso de Pedagogia e membro dos Grupos de Pesquisa e Estudos sobre:Educação, Mulheres e Relações de Gênero (GEMGe) e História e Memória da Educação Maranhense(NUMHE) da Universidade Federal do Maranhão.

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Ao lado desse quadro, outro fator que prejudicava a concretização da instruçãopública local, segundo declaração do governador do estado Dr. José de MatosCarvalho em mensagem publicada no Diário Oficial de 3 de maio de 1957, era oacentuado número de licenças para tratamento de saúde e maternidade, expedidasno início dos anos 1950. Como conseqüência, os alunos ficavam privados deassistirem aulas por períodos bastante longos, porque o estado não dispunha derecursos para providenciar a substituição das professoras licenciadas.

É notório que o incentivo à construção e aparelhamento de prédios escolares,bem como à formação e à contratação de professores para a demanda populacionalno Maranhão, poderia amenizar o índice assolador de analfabetismo do seupovo, que de acordo com o Censo de 1950, enquanto o índice médio no Brasilera de 50,69%, nesse estado chegara ao extremo de 78,28%, o contingente deanalfabetos. Esse fato ensejou mais tarde, em 31 de julho de 1953, a criação daSecretaria de Estado dos Negócios de Educação e Cultura (Senecem), em lugarda Diretoria de Instrução Pública, que tinha atribuições mais restritas.

Convém registrar que os dados sobre educação no estado, relativos ao inícioda gestão de Anísio Teixeira no Inep, foram parcialmente destruídos. Precisamenteos de 1949 a 1956, quando parte da documentação do órgão responsável pelaeducação maranhense foi deteriorada, em virtude de estar mal acondicionadaem um casarão que desmoronou no então Beco do Teatro. Essa constataçãolimitou, em parte, o aprofundamento dos fatos sobre a instrução públicamaranhense daquele período.

Esse episódio, de certa forma, fez com que, para elaboração deste texto,detivéssemos nas fontes disponíveis, como as mensagens governamentais eexemplares do Diário Oficial, tornando-se esses, o possível nessa empreitada.Possibilidade que não apaga a memória, a qual não se afasta dos mortos,“porque retém do seu passado as confirmações da sua unidade presente”(BOURDIEU, 1965, p. 53).

Eis o que nos levou a reconstruir esse período, que se inicia com o contextoda instrução maranhense daquela época, destaca a seguir o Programa Estadualde Reconstrução Educacional através dos ramos de ensino beneficiados e deuma experiência de âmbito privado.

2. Programa Estadual de Reconstrução Educacional em destaque

Esse programa fazia parte do primeiro Plano Global de Administração,previamente traçado para execução em longo prazo, com vistas aodesenvolvimento econômico do estado. A elaboração do plano esteve a cargoda então instituída Comissão de Planejamento Econômico do Estado (Copema)no governo do Dr. José de Matos Carvalho (9-7-57 a 31-01-61), conformeregistro do Prof. Mário Meireles (2001).

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Nesse sentido, na gestão governamental do Dr. Matos, a Senec foi dotadade técnicos para participar na viabilização da execução de um programa dedesenvolvimento da educação, instituído através do Decreto n. 1.257 de 31de julho de 1957, o qual criava o Plano de Desenvolvimento de Educação eCultura do Estado do Maranhão, apresentando os seguintes objetivos:

I – melhor organização do quadro de funcionários de todos os serviçospara que se processe um reajustamento de cada um na sua respectivafunção;II – elaborar estudos positivos sobre a situação do estado no setor deeducação e cultura;III – elaborar, com assistência dos órgãos técnicos da Secretaria deEducação e Cultura e da Assembléia Legislativa do estado, a Lei Orgânicado Ensino Pré-primário e Primário;IV – assistir os municípios, promovendo e apoiando toda iniciativa dopoder público ou da iniciativa particular;V – desenvolver e estimular na capital e no interior, o Ensino Ginasial,Normal e Técnico;VI – buscar a aproximação do governador do estado e da Secretaria de Educaçãoe Cultura, com ministérios e órgãos do governo federal que apresentemcondições de auxiliar o Maranhão na execução do presente plano;VII – apoiar e estimular o Ensino Superior através da Fundação Paulo Ramos; e,VIII – fomentar a cultura, melhorando e zelando pelo patrimônio do estadonesse setor e promover a aproximação das nossas elites intelectuaiscom a Secretaria de Educação e Cultura e em especial com a AcademiaMaranhense de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico do Estado eoutras instituições culturais (Coleção de Leis e Decretos do Estado doMaranhão, 1957, p. 35 e 37).

Para atender a essas finalidades, que buscavam reconstruir o sistema deensino maranhense, a Senec elaborou um programa o que continha:

a) promoção de assinatura de convênio com o Instituto Nacional de EstudosPedagógicos – Inep, promovendo ajuda do governo federal através doFundo Nacional do Ensino Primário para construção e reestruturação eaparelhamento dos grupos escolares e de outras escolas;

b) promoção do aumento crescente do quadro de professores até que secomplete um número razoável que possa atender a população infantilem idade escolar;

c) implantação de cursos, seminários e bolsas para desenvolvimento dopessoal; e,

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d) elaboração de planejamento visando ao aumento contínuo deprofessores alfabetizadores a fim de que se diminua o índice deanalfabetismo do estado que é de mais de 70% (MENSAGEMAPRESENTADA..., 1958, p. 69).

De acordo com esse programa, a mensagem de 1960 registrou trêsconvênios do Inep com o governo do estado no ano de 1959 para aplicaçãodas seguintes verbas:

• Cr$ 14.959.800,00 para construção de escolas isoladas e gruposescolares do Ensino Primário, reduzidos posteriormente para Cr$7.697.160,00;

• Cr$ 18.460.000,00 para construção de oficinas de artes industriais,reduzidos para Cr$ 10.117.942,00;

• Cr$ 300.000,00 para o prosseguimento da construção da Escola Normalde Codó.

Diante disso, a rede escolar maranhense que funcionava no início de1958 com 100 grupos escolares, 31 escolas reunidas, 246 escolas isoladas e4 jardins de infância, foi assim, incrementada com o auxílio do Inep:

Em 1959, dos grupos escolares concluídos, 3 se localizavam na capital e13 no interior do estado, além de 22 que se encontravam, na época, em fasede construção (MENSAGEM APRESENTADA..., 1959).

O Maranhão, nesse período, já vislumbrava modificações positivas nosetor educacional, no que diz respeito à instalação de novas unidades escolares,ao aumento do corpo docente e à utilização de novos métodos pedagógicos,embora continuasse assustadoramente desproporcional a relação entre ocontingente populacional e a oferta de educação escolar.

Fonte: Diário Oficial do Estado do Maranhão n. 99, maio/1958, p. 24

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A ênfase dada ao Ensino Primário e a ausência de um prognóstico que visasseao atendimento dos alunos no Ensino Secundário culminou com um descompassoentre o Curso Primário e o Curso Secundário, sobretudo, em virtude da prioridadeestabelecida para o primeiro ramo de ensino. Diferente do que Anísio Teixeiraproferira no XI Congresso Brasileiro de Educação, em janeiro de 1954:

[...] e não já somente a obrigação de manter todas as crianças na Escola

Primária. Há também, depois de dar a instrução que é obrigatória, a

necessidade de proporcionar a Secundária e a conveniência, também

socialmente indiscutível, de ministrar a superior a número considerável de

habitantes brasileiros (TEIXEIRA, 1956, p. 165).

Logo, crescia o número de estabelecimentos destinados a instrução primária,enquanto que a instrução secundária se mantinha insuficiente para acolher ocrescente quantitativo de adolescentes que solicitavam matrícula nos CursosGinasial e Colegial. Esse descompasso não se acentuou mais devido à participaçãodo setor privado, que em todo estado procurava suprir a essa lacuna.

2.1. Ensino Rural

O Ensino Rural mereceu os melhores cuidados do governo e recebeuauxílio valioso do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos desde 1947, atravésda distribuição aos municípios, para construções de escolas rurais, doconveniente equipamento material e da imprescindível formação deprofessores. Com isso, o Inep planejou o funcionamento de aproximadamentetrezentos estabelecimentos de Ensino Rural Primário no Maranhão.

Então, no período de 1953 a 1956, foram realizados quatro cursos paraformação de professoras rurais com resultado satisfatório. A primeira turma dessasprofessoras, que era integrada por trinta normalistas, concluiu o curso no final de1953 e passaram logo a ter exercício nas escolas rurais do interior do estado.

Como incentivo à especialização de professores rurais, coube tambémao Inep oferecer bolsas de estudos para melhorar a formação dos docentescapacitados das unidades de ensino. Assim, foram contempladas nesseprograma, de acordo com a mensagem do governador Eugênio Barros (1954),as seguintes normalistas:

• Edith Belfort Campos do Grupo Escolar “Imaculada Conceição” e FilomenaMachado Teixeira do Grupo Escolar “João Lisboa” em Caxias, ambasestagiaram na Fazenda Rosário em Belo Horizonte, realizando um trabalhoconsiderado muito bom pelo professor Anísio Teixeira.

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• Maximiana Rodrigues Pires da Escola Isolada “Sinhá Nina” naMaioba de Mocajutuba em São Luís e Benedita Silva Barbosa daEscola Isolada do município de Pindaré-Mirim, ambas estagiaramem Pernambuco.

Convém ressaltar que a mensagem do 1º Vice-presidente da AssembléiaLegislativa, no exercício do cargo de Governador do Estado do Maranhão,Deputado Eurico Bartolomeu Ribeiro (26-3-56 a 9-7-57), publicada no DiárioOficial do estado em 3 de maio de 1956, registra que era relevante dedicarespecial cuidado ao ramo de Ensino Rural, porque esse era consideradocomo um instrumento capaz de promover a recuperação econômica dasociedade maranhense.

Assim, em 1957, esse ensino se manteve privilegiado nas açõesgovernamentais com o intuito de amenizar o analfabetismo que assolava aspopulações municipais. O governador Eurico Bartolomeu Ribeiro retoma, namensagem de 1957, a situação da educação nas comunidades rurais,afirmando:

[...] conhecimentos úteis, objetivos de aplicação imediata no meio em que

vivem, será em vão que se esperaria pelos resultados daquela recuperação,

que em última análise, tem que apoiar-se, obviamente na valorização do

elemento humano, fator pr imordia l , que é da cr iação da r iqueza

(MENSAGEM APRESENTADA..., 1957, p 69).

Dessa forma, para a implementação do programa, foi imprescindíveldirecionar o olhar para a formação de pessoal especializado, seja atravésda fundação à época, de escolas normais do 1º grau, destinadas a regentesde ensino (professores das séries iniciais do então Ensino Primário) oumediante cursos especiais, ministrados todos os anos na capital.

Nesse sentido, o Inep e a Campanha Nacional de Alfabetização deAdultos ofereceram significativa colaboração para a melhoria do Ensino Ruralmaranhense. Isso foi possível porque Anísio Teixeira tinha instituído em1952, a Campanha Nacional de Educação Rural, que tinha a “tarefa demelhoria das condições socioculturais das áreas rurais, mediante cursos detreinamento de cooperativismo, centros sociais de comunidade, centros deorientação de líderes locais, centros de educadores de base” (O INEP E OSÓRGÃOS EXECUTORES DE PLANOS ESPECIAIS..., 1957, p. 159).

No Maranhão, o Inep manteve um inspetor encarregado da superintendênciae da fiscalização das obras por ele financiadas, como a construção de gruposescolares e escolas rurais. No ano de 1957, o município de São Luís inaugurou a

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Escola Agrotécnica, construída e instalada a partir do convênio efetivado entreestado e União, para ofertar moderna instrução técnico agrícola.

Diante disso, o Ensino Rural foi adquirindo regular desenvolvimento,havendo três escolas rurais regionais localizadas nos municípios de Carolina,Cururupu e Turiaçu, as quais funcionavam em prédios próprios, construídos eequipados pela União, através do Inep, destinadas à formação de professoresrurais. O governador em exercício, Eurico Bartolomeu Ribeiro, afirma que oestado mantinha esses cursos objetivando:

• o desenvolvimento de conhecimentos dos professores, no qual cursolhes são ministradas, além de matérias essenciais ao campo doruralismo, outras disciplinas, que lhes revigorem a ilustração doespírito, proporcionando-lhes, ao mesmo tempo, mais estímulo, parao desempenho de suas funções (DIÁRIO OFICIAL, 1957, p. 31).

Assim, entre 1959 e 1960, o Maranhão possuía as seguintes edificaçõesescolares para as comunidades rurais:

continua

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continuação

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Apesar do Inep vislumbrar a construção de aproximadamente 300 unidadesrurais para o estado, tem-se notícia de que se conseguiu edificar apenas 20% dessas.

2.2. O Ensino Primário

A população maranhense do período estudado, esteve sujeita a umagrave precariedade no funcionamento da rede escolar, pois eram poucas asunidades de ensino para atender as crianças em idade escolar, e as queexistiam, necessitavam de reparos e equipamentos.

Em 1953, foi tímido o movimento de ampliação das unidades de ensinoem nosso estado com vistas a retificar essa fragilidade, isto porque o governonão privilegiava a construção, restauração e reestruturação do aparelhamentodas unidades escolares, mas tentava melhorar esse quadro dramático,utilizando como paliativo a transformação das escolas existentes em gruposescolares. Assim, de 1953 a 1963, nosso sistema de ensino foi acrescido de53 novos grupos escolares, resultantes do convênio com o Inep, sendo 14escolas transformadas em grupos escolares.

Diante desse quadro, o Ensino Primário apresentou uma relativa melhoria, oque levou o governo local a despender mais recursos a fim de reestruturar e aparelharas unidades de ensino existentes, rever as condições de trabalho dos docentes ediscentes e contratar mais professoras para atendimento dessas novas salas.

Dessa forma, através do Departamento de Educação, órgão centralizadordas atividades pedagógicas da Senec, o então governo do Dr. José de MatosCarvalho programou para a Educação Primária a promoção de melhorias, levandoem conta a conjuntura social do país, para satisfazer as seguintes finalidades:

Fonte: Mensagem do Governador Dr. José de Matos Carvalho (1959 e 1960).

conclusão

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236 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

a) proporcionar conhecimentos primários necessários à vida prática;b) promover formação e desenvolvimento à personalidade das crianças,

criando condições de vida em família e na comunidade;c) oferecer iniciação ao trabalho, tendo esse como um dever social imposto a

cada cidadão como contribuição a melhoria de vida e progresso do Brasil; e,d) criar condições para o exercício das atividades morais e cívicas no

sentido de formar homens dentro dos princípios e no respeito àsinstituições que caracterizam a social democracia (MENSAGEMAPRESENTADA..., 1958, p. 68-69).

2.3. O Ensino Normal

Na execução do programa elaborado pela Senec, o Ensino Normal foiprivilegiado, mas através das ações em parceria com o Inep.

Para isso, as medidas implementadas a fim de melhorar esse ramo deensino foram adaptadas aos princípios da pedagogia moderna, conforme oDecreto Estadual n. 1.280 de 31 de outubro de 1957, que organizou a estruturado Ensino Normal, dispondo-o com as seguintes finalidades: a) promover aformação do pessoal docente necessário às escolas primárias; b) habilitaradministradores escolares destinados às mesmas escolas; e, c) desenvolver epropagar os conhecimentos e técnicas relativas à educação da infância.

Com base nos princípios pedagógicos defendidos por Anísio Teixeira, anova regulamentação do Ensino Normal abordava uma concepção de educaçãocentrada no método ativo, no qual o educando é motivado a vivenciarconcretamente o processo ensino aprendizagem. Sobre isso, o art. 13 do referidoregulamento dispunha os seguintes critérios:

a) adoção de processos pedagógicos ativos;b) a Educação Moral e Cívica não deverá constar de programa específico,

mas resultará do espírito e da execução de todo o ensino;c) a prática de ensino será feita em exercício de observação e de

participação real no trabalho docente, de tal modo que nela se integremos conhecimentos técnicos de todo o curso.

No Maranhão, já em 1959, existiam seis cursos normais de nívelpedagógico e dez cursos de nível ginasial, sendo que na capital, o governomantinha apenas a Escola Normal do Instituto de Educação. Essa instituiçãofazia parte do núcleo educacional constituído pelo Ginásio Feminino, Jardimde Infância “Decroly”, Grupo Escolar “Gilberto Costa” e Curso de Aplicação,que pela Lei n. 1.530 de 26 de abril de 1957, passou a se denominar “Cursode Aplicação do Ginásio Estadual do Instituto de Educação”. Isto porque,

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237O Maranhão e a Reconstrução Educacional (1952 – 1964)

também estava disposto no Art. 70 do Decreto n. 1.280 de 31 de outubro de1957, que o Instituto de Educação do Maranhão deveria compreender:

• curso Secundário Ginasial – 1º ciclo;• curso Normal – 2º ciclo;• cursos de Especialização do Magistério e de Habilitação para

Administradores Escolares do Grau Primário; e,• grupo escolar com os cursos primários elementar e complementar e

com jardim de infância.

No sentido de valorizar a formação dos professores, foram promovidoscursos e seminários e concedidas bolsas de estudo para proporcionar aosdocentes, uma orientação que lhes garantisse a promoção e a renovação dosmétodos pedagógicos. Assim, com a colaboração do Inep, foram concedidasbolsas de estudo conforme discriminação a seguir:

• duas bolsas para trabalhos manuais: Benedita da Silva e Maria deLourdes Azevedo Silva;

• três bolsas para o primeiro curso de aperfeiçoamento do professoradoprimário realizado no Crinep da Bahia: Rosário de Maria Dias Nina,Laura Oliveira e Carmelita Martins Leite;

• uma bolsa de Jardim de Infância: Maria de Lourdes Silva Azevedo;• duas bolsas de trabalho de classe: Alíria Pereira Reis e Helena

Conceição Gomes;• sete bolsas de artes aplicadas: Aída Silvia Carvalho da Silva, Maria

Ferreira da Cruz, Irene Amorim, Dagmar Rocha Sales, Marizete BarbosaMoreira e Elcy Bandeira;

• uma bolsa de Seminário de Sociologia Educacional: Dr. Carlos Carvalho;• uma bolsa de Metodologia da Linguagem: Maria Guilhermina

Pinheiro Dias; e,• uma bolsa de Prática de Ensino: Rosário de Maria Dias Nina.

É oportuno registrar que parte dessas bolsistas ao retornarem, foidesenvolver suas atividades nos vários cursos do Instituto de Educação.

Por outro lado, o Programa de Reconstrução Educacional no estado viabilizouo aumento do quadro de professores para suprir as necessidades da ampliaçãodo Ensino Primário não só em função das novas salas, constituídas comoestratégia de redução do professorado leigo. A nomeação desses, só ocorriapara as localidades que não contavam com a professora normalista.

A regulamentação para criação de cargos de professores e outros servidoresnos permite visualizar melhor essa etapa do programa. Com isso, no período

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238 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

ora estudado, temos por exemplo, os seguintes registros legais que demonstramas iniciativas concernentes ao aumento de pessoal do quadro estadual:

a) Lei n. 823 de 15 de dezembro de 1952. Cria 83 cargos de professornormalista padrão H, 3 funções de professor auxiliar leigo eextranumerário mensalista referência I;

b) Lei n. 880 de 27 de abril de 1953. Cria no quadro único do estado, 2cargos de professoras normalistas padrão H. É elevado para 8, o númerode cargos de professoras normalistas padrão H das escolas sediadas nomunicípio de Colinas, de que trata o art. 5º da Lei n. 823 de 15-12-52;

c) Lei n. 1.219 de 15 de julho de 1954. Cria 14 cargos de regente deEnsino Primário padrão A, 5 cargos de diretores de Ensino Primáriopadrão E, 69 cargos de professora normalista classe C, um cargo deorientador educacional padrão P, 2 cargos de inspetor de aluno padrãoA e 6 funções de serviçal com a diária de CR$ 25,00.

d) Lei n. 1.594 de 4 de janeiro de 1958. Cria 32 cargos de professoras normalistaspadrão G para o interior, 11 padrão G, para a capital, 71 padrão A, regente deensino, 3 cargos de diretoras para o interior e 2 cargos de zeladoras.

3. O pensamento de Anísio Teixeira no Cinec, em Colinas,Maranhão

A estrutura administrativa do Maranhão no período de 1945 a 1965,estava alicerçada em um modelo político administrativo coronelista, advindoda República Velha, denominado ‘vitorinismo’, o qual era caracterizado pelaprática do mandonismo local, apoiado na figura do senador pernambucanoVitorino de Brito Freire.

O município de Colinas, região Centro-leste do estado do Maranhão,tinha seu quadro político formado de acordo com o prestígio familiar, dotandode poder os que gozavam de melhor situação econômica. Os dirigentes deColinas se preocupavam mais com os seus interesses particulares e com amanutenção do poder, relegando a segundo plano, suas responsabilidadescom os serviços de atendimento à população como saúde, educação,transporte, abastecimento, comunicação, dentre outros.

Esse quadro de necessidades gerado pela dominação política oligárquica,favoreceu o surgimento de uma atuação individual na implementação de idéiasinovadoras que objetivavam a transformação desse estado de atraso e pobreza,tendo na educação, o seu instrumento de reconstrução social.

Nesse contexto, inicia-se em 1955, a experiência do Centro Integrado deEducação de Colinas (Cinec), a partir de um trabalho inovador naquelemunicípio, surgido com a chegada de um novo sacerdote recém ordenado

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239O Maranhão e a Reconstrução Educacional (1952 – 1964)

para assumir a direção da Paróquia Nossa Senhora da Consolação. O trabalhoreformador desenvolvido pela igreja local, estava pautado nas idéias de renovaçãocristã, caracterizado pela sua participação política na sociedade, conformeregistros da Prefeitura Municipal de Colinas:

[ . . . ] inovando os métodos da condução da paróquia, extrapolando

definitivamente os limites da sacristia, antecipando propostas de atuação

eclesial que nasceriam do Concílio Vaticano II, Medelline Puebla, eis que a

paróquia de Colinas conheceu uma nova fase em sua história, caracterizada

por um esforço de evangelização centrado no homem real, integral, inserido e

comprometido espiritual, social, econômica e culturalmente. Nada de Salvar

almas ‘habitando’ corpos débeis e estruturas humanas doentias. Salvar, sim,

mas o homem todo, situado no contexto de sua comunidade, mediante os

critérios do Evangelho, a norma da Igreja autêntica (COSTA, 1993, p. 27).

Diante disso, a paróquia de Colinas foi assumindo funções no campoeducacional, que pertenciam à administração municipal. Assim foram criadospela Igreja Católica o Grupo Escolar “São Pio X” (1957), uma escola dealfabetização que funcionava num galpão ao lado da casa paroquial; o GinásioColinense (1959) e a Escola Normal Regional Governador “Mattos Carvalho”(1960), transformada em 1963, em Escola Normal Pedagógica, conjunto quepassou a constituir o complexo integrado de Colinas (Cinec).

O trabalho de reconstrução educacional desenvolvido a partir da iniciativada paróquia de Colinas, conseguiu ser concretizado em virtude da flexibilidadedo disciplinamento legislativo, bastante defendido por Teixeira (1956, p. 136),pois de acordo com ele, o sucesso da educação escolar também dependia dadescentralização administrativa pelos estados e quando possível pelosmunicípios. Dependia também da “liberdade do ensino particular para competircom o público e manter cursos diversificados e ensaios renovados”.

Para a implementação das idéias no sistema escolar preconizado pelaparóquia de Colinas, percebemos a influência predominante da pedagogia‘escolanovista’, reflexo das transformações que se processavam no cenárioeducacional brasileiro. Nesse período, apesar de ainda existir a polêmica entreos defensores da escola laica e os da escola confessional, algumas escolasreligiosas abandonam a concepção humanista tradicional e passam a aderir ahumanista moderna, ’escolanovismo’.

Nesse sentindo, Costa (1993) diz que o nascimento do complexo integradode Colinas se dá mediante o contato de seus idealizadores e realizadores, Pe.José Manuel de Macedo Costa e Antônio Luiz de Macedo Costa, com cursosde aperfeiçoamento e literatura, que o fizeram absorver e assimilar elementosmodernizadores e transformadores de influências diversas, sem renegar osfundamentos da formação cristã.

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240 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

Além disso, a Igreja Católica adotou no período de 1930 a 1964, umatendência populista, passando a atuar nos diversos setores da sociedade,através da Liga Eleitoral Católica (LEC), da Ação Católica (AC); das organizaçõesjuvenis como: Juventude Agrária Católica (JAC), Juventude Universitária Católica(JUC), Juventude Operária Católica (JOC), Juventude Estudantil Católica (JEC),Juventude Independente Católica (JIC) e da criação da Conferência Nacionaldos Bispos do Brasil – CNBB e do Movimento de Educação de Base (MEB),entre outros. A Igreja Católica tradicional se encontrava permeada por umanova ideologia cristã, mas mantendo “boas relações” com o Estado.

Desse modo, o trabalho iniciado pela paróquia de Colinas conseguiureceber apoio do poder público estadual, através da contratação de professoresde seu quadro para lecionarem no Grupo Escolar “São Pio X”, o qual foiequiparado às escolas primárias estaduais pelo Decreto n. 1.376 de 26 desetembro de 1958 e pela Fundação Educacional Governador Newton Bello,entidade mantenedora das escolas, criada em agosto de 1962.

3.1. Estrutura e organização do Cinec

De acordo com o regimento interno, era finalidade do Cinec “promover aeducação de qualidade e democrática, em função do desenvolvimento regional,pela aplicação de métodos e técnicas da Escola Nova, inspirados nos princípiosda pedagogia cristã” (COSTA, 1993, p. 70).

A reforma da escola em Colinas caminhava de certa forma em consonânciacom os princípios de Anísio Teixeira, visando à formação integral do cidadão,desenvolvendo-lhe as virtudes da personalidade (conjunto de hábitos e atitudes)e do trabalho.

O Cinec se constituiu também como uma escola laboratório deaprendizagem e de fixação e aplicação dos conteúdos, favorecendo aos seusalunos e alunas com oportunidades de comparar as teorias recebidas emsala de aula com as situações reais vivenciadas na prática. Para tanto, oCinec funcionava de acordo com Costa (1993), com a seguinte estrutura:

a) Grupo Escolar Pio X: Escola de Aplicação e Escola de Estágio;b) Centros de Estudos Pedagógicos: laboratório de pesquisas pedagógicas;c) Grêmio Pio XII: representação dos estudantes do Cinec para vivência

da liderança e da responsabilidade;d) Cooperativa escolar: laboratório de iniciação profissional;e) Instituto de Pesquisas Científicas: experiências e demonstrações no

campo das ciências químicas, físicas e biológicas para professores ealunos do Cinec;

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f) Centro de Pesquisas ‘Humano-sociais’: experiências e demonstraçõesno campo das ciências humanas e sociais;

g) Centro de Audiovisuais: laboratório para cursos, palestras e seminários;exposições e demonstrações de materiais e técnicas; confecção,aquisição, conservação e controle de materiais; criação e animaçãode clubes de cinema, sala de projeções e clube de fotografias.

A configuração do Cinec assemelhava-se à idéia que Anísio Teixeira tinhasobre os centros educacionais, pois para ele, a escola deveria compreenderum centro de educação integral com atividades de instrução e educação. Asatividades de instrução estariam voltadas para o curso básico de leitura, escrita,aritmética e rudimentos de história e ciências, já a educação, compreendiauma formação de caráter e de trabalhadores especializados. Sobre esse tipode escola, Anísio Teixeira dizia:

[...] é uma formação prática, destinada a dar, ao cidadão, em uma sociedade

complexa e com o trabalho extremamente dividido, aquele conjunto de

hábitos e atitudes indispensáveis à vida em comum. A escola, neste nível,

[...] deve buscar os seus moldes na própria vida em comunidade, fazendo-

se ela própria, uma comunidade em miniatura, onde o aluno viva e aprenda

as artes e relações da sociedade compósita e difícil que vai utilmente

participar (TEIXEIRA, 1956, p. 26).

Outro aspecto a ser destacado no funcionamento do Cinec foi a experiênciade autonomia investida na estrutura organizacional dessa instituição. Oprincípio da autonomia proporcionava aos alunos oportunidades de vivenciarema formação política, e aos professores, a possibilidade de ampliação do seupapel no comando deliberativo co-responsável com a ação administrativa doDiretor, bem como acentuava as relações entre a escola e a comunidade.

Essa construção acontecia através de uma gestão participativa em sentidode colegialidade, apresentando a seguinte constituição:

Fonte: COSTA, 1993.

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A estrutura do Cinec, que abrangia à época, os três ciclos de ensino, oPrimário, o Ginasial e o Colegial e a diversificação das atividades profissionais,exigia uma sistematização administrativa e pedagógica flexível, sendo suafinalidade educativa a de assegurar aos alunos, uma progressiva conquistada autonomia em suas ações como cidadãos. Nesse sentido, sobre os ideaisde autonomia da escola, a gestão municipal e a descentralização dos poderespúblicos, Anísio Teixeira considerava que:

[...] o público e as formas pelas quais, o Estado se representa, são coisas

relativas e plurais, dotadas as formas do Estado de extrema flexibilidade de

organização. Nenhum outro interesse público exigirá forma tão especial do

Estado quanto o da Educação. As escolas deverão ser, assim, organizações

locais, administradas por conselhos leigos e locais, com o máximo de

proximidade das instituições que venham a dirigir e com o máximo de

autonomia que lhes for possível dar. Essa relativa independência local

permitirá torná-las, tanto quanto possível, representativas do meio local e

indenes aos aspectos impessoais das grandes organizações centrais. Serão

públicas, mas nem por isso perderão o contato com o meio ou a saudável

diversidade que lhes irão dar a variedade e multiplicidade dos órgãos locais

de controle (TEIXEIRA, 1976, p. 319).

3.2. A Escola Normal de Colinas e o Grupo Escolar São Pio X

Em 1960, foi criada a Escola Normal Regional Governador Mattos Carvalho,destinada à formação de profissionais da educação, com a finalidade dehabilitar em um período de quatro anos, professores e professoras regentespara atuarem nas classes iniciais do Ensino Primário.

Essa instituição apesar de conferir uma profissionalização, limitava seporém à modalidade de ensino do ciclo ginasial, contemplando os seusconhecimentos de cultura geral e do estudo mínimo das disciplinaspedagógicas. Esses aspectos acabavam por proporcionar uma formaçãoprofissional fragilizada, porque destituía o futuro professor regente dosconhecimentos gerais mais aprofundados e dos fundamentos psicológicos,biológicos e sociológicos, além das teorias e técnicas pedagógicas.

Entretanto, já em 1963, a Escola Normal Regional Governador MattosCarvalho é transformada na Escola Normal de Colinas, possibilitando a inclusãodo segundo ciclo do Ensino Normal, o qual correspondera ao nível colegial,com duração de três anos para formação de professores primários.

Nessa modalidade de Ensino Normal, o Cinec oferecia uma adequadaformação pedagógica através do Centro de Estudos Pedagógicos – CEP, oqual se constituía em laboratório da escola normal, para realização de

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243O Maranhão e a Reconstrução Educacional (1952 – 1964)

observações e pesquisas pedagógicas. Segundo Costa (1993, p. 75), essecentro de pesquisa funcionava “visando ao aperfeiçoamento dos alunos e aofornecimento de subsídios técnicos às unidades escolares do Cinec”, incluindoas seguintes metodologias de trabalho:

[ . . . ] círculos de estudos, palestras, debates e cursos, pesquisas e

levantamentos sobre problemas e assuntos educacionais, experiências coma

a aplicação de métodos e técnicas pedagógicas, publicação de revista/

boletim para divulgação de estudos e resultados de pesquisas, realização

dos seminários de aperfeiçoamento dos professores do Cinec e, ainda, defesa

pública dos trabalhos de conclusão de cursos pelos alunos da 3ª série da

Escola Normal de Colinas (COSTA, 1993, p. 75).

Dessa forma, o Ensino Normal de Colinas apresentava uma estruturaorganizacional em consonância com o Decreto Estadual n. 1.280 de 31 deoutubro de 1957 que dizia:

Art. 2º – O Ensino Normal será ministrado em dois ciclos. O primeiro dará o

curso de regentes de Ensino Primário em quatro anos e o segundo o curso de

formação de professores primários, em três anos.

Art. 4º – Haverá três tipos de estabelecimentos de Ensino Normal: o Curso

Normal Regional, a Escola Normal e o Instituto de Educação.

Parágrafo 1º – Curso Normal Regional será o estabelecimento destinado a

ministrar tão somente o primeiro ciclo do Ensino Normal.

Parágrafo 2º – Escola Normal será o estabelecimento destinado a dar o curso

do segundo ciclo e o ciclo ginasial do Ensino Secundário.

Parágrafo 3º – Instituto de Educação será o estabelecimento que, além dos

cursos próprios da Escola Normal, ministre ensino de especialização do

magistério e de habilitação para administradores escolares de grau primário

(COLEÇÃO DE LEIS E DECRETOS, 1957, p. 48).

O Cinec, como centro integrado, mantinha o funcionamento da EscolaNormal de Colinas em parceria com o Grupo Escolar São Pio X, devendo esseestabelecimento de instrução primária ser utilizado para atender a sustentaçãoprática da formação do professor em Colinas através da aplicação dosconhecimentos técnicos adquiridos na participação concreta do trabalho docente.

Por isso, o grupo escolar funcionava também como laboratório, sendouma Escola de Aplicação destinada ao exercício da observação crítica dosalunos da escola normal e uma escola de estágio que servia como campo detreinamento profissional daqueles alunos. Essa orientação de ensino erarespaldada pelo já citado Decreto n. 1.280/56 no capítulo que tratava dos

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programas e da orientação geral do ensino, Art. 13, alínea d. O capítuloregistrava as exigências que cada aluno deveria satisfazer, como: submeter-se, semanalmente, no grupo escolar, a dois dias de observação e um dia departicipação real no trabalho docente e apresentar no período letivo, o mínimode trinta e seis observações e dez participações no trabalho docente. Dessemodo, as instituições de Ensino Normal também tinham a finalidade de manterescolas primárias anexas para demonstração e prática de ensino.

Em relação à orientação pedagógica, o trabalho desenvolvido pelo Cinec,que era fundamentado na Escola Nova, também encontrava sustentação noRegulamento do Ensino Normal, o qual definia a composição e execução dosprogramas curriculares vinculados a processos pedagógicos ativos, devendo,professores e alunos, desempenharem suas atividades em constantecolaboração. Nesse aspecto, o professor deveria estar consciente de que oofício do magistério exige trabalho cooperativo com autocrítica e compreensãohumana, sobre o qual orientará suas tarefas. Os alunos não deverão serlimitados ao ensino livresco, mas estimulados à realização de técnicas detrabalho que lhes garantam uma formação profissional útil na sociedade.

3.3. Princípios Norteadores do Ensino no Cinec

A ação educacional pretendida pelo Cinec consistia na busca de umaeducação para o desenvolvimento integral do homem na sociedade, levandoem conta a integração do indivíduo em seu meio através do realismopedagógico, da formação política e da educação para o trabalho, constituindo-se assim em uma proposta de ensino que priorizava os interesses e asnecessidades dos alunos, as condições e o meio, dando ênfase às atividadesde experimentação, treinamento e vivência prática, proporcionadas pelaparticipação desses em atividades dos laboratórios.

O realismo pedagógico integrava a idéia central do projeto ‘cinecista’,tratava-se de uma orientação educativa baseada na inter-relação entreexperiência e aprendizagem, os conhecimentos se transformavam emconteúdos vitais, servindo como hipóteses de ação. Nesse sistema de ensino,o aluno aprendia a fazer fazendo e vivenciando ações concretas.

Assim, a educação no Cinec se processava visando à construção daautonomia, com a finalidade de oferecer ao educando o exercício da iniciativae da independência e de possibilitando-lhe exercer o controle de sua própriavida e o domínio da auto-aprendizagem.

Na formação política, a organização estudantil no Grêmio Pio XIIrepresentava um exemplo de aplicação dos conteúdos iniciados em sala deaula. Os alunos se faziam presentes no corpo docente com direito de voz evoto no foro deliberativo do Cinec, para assegurar a representação de sua

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245O Maranhão e a Reconstrução Educacional (1952 – 1964)

categoria e um espaço de participação efetiva. Diante disso, o exercício dademocracia se mesclava com a ação educacional ‘cinecista’, através dascategorias de participação, descentralização, poder distribuído, autonomia ejustiça social.

No campo prático do grêmio, os alunos eram estimulados a simular omáximo possível a real organização social, principalmente o exercício dacidadania em atividades relacionadas com a justiça estudantil, possibilitando-lhes o desenvolvimento sóciopolítico e a reprodução da estrutura republicana,tais como “votar ou disputar mandatos nas eleições, debater e apreciar projetosem congresso estudantil, administrar os interesses dos estudantes nosministérios e órgãos do governo do grêmio, aplicar as leis da república estudantilno judiciário”. Um processo que se desenvolvia bastante coerente com osfundamentos democráticos de Anísio Teixeira quando este menciona que:

[...] uma política de força impede o funcionamento da democracia. Porque

a forma democrática, como procuramos acentuar, é a confiança na razão

humana devidamente cultivada, a participação de todos na formação da

sociedade, com o desenvolvimento de cada um até o máximo de suas

potencialidades e o enriquecimento do pensamento individual de cada

ser humano, com todos os recursos possíveis da informação livre e exata.

Para que isto seja possível, é indispensável à completa integração entre o

espírito propriamente democrático, que é o da confiança no homem, e o

espírito científico, que é o da busca imparcial da verdade. Assim integrados,

poderiam eles conduzir a sociedade em sua reconstrução gradual e pacífica

(TEIXEIRA, 1968. p. 23).

A organização de ensino adotada pelo Cinec, pautada na ação democráticano que concerne a seu funcionamento na forma de colegiado, com aparticipação dos seus alunos em seu sistema formativo, propiciava a eles(alunos) a formação de cidadãos preocupados com as transformações dasociedade, envolvidos em situações conflituosas que os faziam refletir e decidircaminhos e posturas, conscientes de seus direitos e deveres para aquisiçãode uma intencionalidade responsável na atividade política.

O sistema de ensino ‘cinecista’ também visava à formação para o trabalho,haja vista a necessidade de proporcionar uma educação voltada para odesenvolvimento socioeconômico, valorizando com isso, a qualificação do serhumano para assegurar geração de riqueza e a sustentação do seu bem-estar social. Por isso, o Cinec se constituía em uma organização escolarintegrada que permitia aos alunos simular as vivências práticas do cotidiano,bastante coerente com o que propunha Anísio Teixeira:

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[...] exatamente porque a educação será o processo pelo qual o indivíduo se

formará para a sociedade plural e múltipla a que irá pertencer, temos de

fazer as instituições educativas exemplos de instituições integradas, humanas

e pessoais, nas quais iniciemos o educando na experiência de integração,

graças a um meio que guarde as qualidades do meio ainda pequeno, mais

simples e mais puro, em oposição ao grande meio complexo, tumultuoso e

divergente em que ele irá viver e no qual ingressará com o viático de sua

formação escolar (TEIXEIRA, 1968, p. 35)

A experiência do Cinec se estendeu até a década de 1970, com seusgestores. A partir deste período foi influenciada pelas mutações das décadasseguintes, entretanto a sua semente germinou em várias localidades doestado. Haja vista o sistema de televisão educativa maranhense, cuja estruturapedagógica buscou apoio no seu ideário.

CONSIDERAÇÕES GERAIS

O descaso com a instrução pública maranhense desde a época da provínciae que assinalamos no início deste estudo, teve em Anísio Teixeira um motivadorda sua parcial reversão.

O Programa de Reconstrução Nacional da Educação chamou à participação,os governantes maranhenses da época, que imbuídos dessa responsabilidadese envolveram, dando respostas, ainda que a nosso ver, pouco ousadas, faceàs necessidades educacionais do estado. Todavia, as orientações do Inepnaquele momento, incentivaram a formulação de políticas, sem omitir aspeculiaridades de cada unidade federativa.

É o que deixa claro, a presença do ideário de Anísio Teixeira no processoeducacional maranhense, seja pela qualificação do professorado, pelapreocupação com o Ensino Rural Primário e Normal, pelos prédios escolaresexistentes ou pelas sementes da iniciativa privada, a exemplo do Cinec, nomunicípio de Colinas.

As representações sobre o seu pensamento na sociedade maranhensedemonstram, como afirma Clarice Nunes (2000), a luz na qual contém “asiniciativas e realizações de Anísio Teixeira, o seu compromisso com a educaçãocomo serviço, a concepção teórica e imaginação pedagógica que lhe dãosuporte, a vontade do poder como arte”.

E esta luz no espaço educacional maranhense insiste em não se apagar.

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247O Maranhão e a Reconstrução Educacional (1952 – 1964)

REFERÊNCIAS BIBLIPGRÁFICAS

Textos de Anísio Teixeira

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O INEP e os Órgãos Executivos de Planos Especiais: realizações em 1956novos planos de trabalho. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Riode Janeiro, v. 27, n. 65, p. 146-161, jan./mar. 1957.

O Inep e o ensino público. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Riode Janeiro, v. 29, n. 70, p. 64-83, abr./jun. 1958.

Educação é um Direito. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1968.

Educação no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976.

Mensagens

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Page 248: Anisio Teixeira na direção do Inep

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Livros

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251Uma Ousada Reforma Educacional do Governo Dinarte Marizno Rio Grande do Norte (1956-1961)

UMA OUSADA REFORMA EDUCACIONAL DO GOVERNODINARTE MARIZ NO RIO GRANDE DO NORTE (1956-1961) EO APOIO INSTITUCIONAL DE ANÍSIO TEIXEIRA COMODIRETOR DO INEP

Marta Maria de AraújoProfª do Depto de Educação da UFRN

No dia 04 julho de 1952, por designação do Ministro da Educação eSaúde Pública, Ernesto Simões da Silva Filho, o educador e pensador AnísioSpínola Teixeira (1900 – 1971) era empossado como Diretor-Geral do InstitutoNacional de Estudos Pedagógicos (1938-1964), órgão do Ministério da Educaçãoe Cultura (MEC), posteriormente Instituto Nacional de Estudos e PesquisasEducacionais (Inep). No discurso de posse, Anísio Teixeira anunciou a linhamestra do Plano de Reconstrução Educacional a ser executado pelo Inep: “aimposição ao sistema de educação nacional de novos deveres, novos zelos,novas condições, novos métodos [...] e espírito científico que os novos temposestão a exigir” (DISCURSO DE POSSE DO PROFESSOR..., 1952, p. 71 e 79).

Este trabalho, que tem como tema geral o Plano de ReconstruçãoEducacional pensado e executado por Anísio Teixeira e colaboradores noperíodo em que dirigiu o Inep, entre 1952 e 1963, permite-nos conhecer asintersecções dos programas e projetos desse órgão com os da Secretaria deEducação e Cultura do Rio Grande do Norte (SEC-RN), durante o Governo Dinartede Medeiros Mariz (1956 a 1961), quando foi aprovada e implementada aReforma da Educação Escolar Primária e Normal, em dezembro de 1957.

Anísio Teixeira tornou-se um crítico radical das reformas educacionaispromovidas pelo Ministro Francisco Campos (1930-1932) no Ministério daEducação e Saúde Pública (MES)1 e levadas adiante pelo Ministro GustavoCapanema, “seu discípulo” no MES (1934-1944). Tais reformas primavampor uma crescente centralização e uniformização do material e procedimentosescolares impostos a priori (e a distância) por um único centro dirigente.

1 A Criação do Ministério da Educação e Saúde Pública (MES), pelo Decreto n. 19.402, de 14 de novembrode 1930, correspondeu a uma das primeiras medidas do Governo Provisório, que escolheu o educadormineiro Francisco Campos, o primeiro titular dessa pasta, cuja posse foi no dia 18 de novembro daquelemesmo ano.

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Naqueles anos 50, o Brasil se via envolto com o primado da técnica, daciência, enfim, de uma nova mentalidade científica e de mudanças sociais.Na visão de Anísio Teixeira, a educação escolar, tal qual orientada pelo MES,não instruía, não habilitava, não educava e, absolutamente em nada preparavapara a fase de intensivo desenvolvimento industrial, científico e tecnológicoque se vinha pautando no Brasil, sob a égide globalizante da ordem capitalista.

Tendo o Ministério da Educação e Cultura setores específicos voltadospara o Ensino Superior, o Secundário, o Industrial e o Comercial, ao Inepcaberia a condução da política de Ensino Primário, Normal e, algumas vezes,do Ensino Secundário, além de coordenar o Programa de Cooperação Financeiraàs Unidades Federativas, como cumprimento da campanha de ampliação emelhoria da rede escolar primária do país e de instalação de escolasexperimentais, de aplicação e demonstrativas.

Através de convênios com as secretarias e departamentos de educação dos

estados brasileiros, o Inep sob sua direção, oferecia-lhes auxílio financeiro

sob pretexto de orientação pedagógica. [...] Nesse sentido, valia-se da Lei n.

59 de 11/08/1947, sancionada pelo Congresso Nacional e que autorizava a

união a entrar em acordo com os estados para a melhoria do sistema escolar

primário, secundário e normal (NUNES, 2000, p. 19).

Anísio Teixeira, ao demarcar a melhoria do Sistema Escolar Primário,Normal (incluindo, por vezes, o Secundário, como área de atuação do Inep),remarcava como sendo a sua principal função, tornar-se um “centro deinspirações do magistério nacional” [...] como parte “integrante e preliminardo programa de reconstrução de nossas escolas e da revisão dos seusmétodos de ensino.” [...] O que requeria era “modificar profundamente aspróprias escolas normais e laçar as bases de um tipo novo de formação domagistério” (DISCURSO DE POSSE DO PROFESSOR... 1952, p. 77 e 78; TEIXEIRA,1968a, p. 122).

No Brasil da década de 50, sob o impacto da extrema difusão doconhecimento científico e tecnológico e das mudanças sociais planejadas,uma das primeiras medidas do Plano de Reconstrução Educacional do Inep,lançado por Anísio Teixeira em abril de 1953, foi a Campanha de Inquérito eLevantamento do Ensino Médio e Elementar (Cileme) e a Campanha do LivroDidático e Manuais de Ensino (Caldeme). A primeira pretendia dotar o entãoMinistério da Educação e Cultura (MEC), por meio de estudos e pesquisas, deinformações gerais e específicas referentes aos programas e materiais doEnsino Primário e Médio de cada estado da federação. A segunda campanhase voltou à elaboração de manuais escolares para o professorado do Curso

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Secundário, os quais se destinavam à renovação de métodos e procedimentosde ensino e aprendizagem.

A reconstrução educacional pretendida, dependia naquele meado doséculo XX, da pesquisa sócio educacional. Talvez, por essa razão, a Cilemee a Caldeme cederam lugar ao Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais(CBPE), instalado em 28 de dezembro de 19552 no Rio de Janeiro, resultantede um projeto de cooperação realizado entre o Inep e a Organização dasNações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Conjuntamente com o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais criaram-se os Centros Regionais de Pesquisas Educacionais (CRPE) do Rio Grande doSul, São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco, cujas finalidades tinhammúltiplas direções: i) pesquisar as condições culturais, escolares e tendênciasdo desenvolvimento regional para efeito de definição de uma políticaeducacional diversificada; ii) elaborar material pedagógico, incluindo o livrodidático; iii) realizar estudos especiais nas áreas de Currículo, Psicologia,Sociologia, Arte Infantil, Orientação Educacional, Supervisão e Administraçãoescolar; e, iv) promover cursos e treinamentos intensivos para professores,especialistas e administradores que concorressem para um magistério menosempírico e mais científico pela adoção de procedimentos metodológicos,experimentais, investigativos e técnicos no ato de ensinar, dentre outras.

Mediante essas diversas finalidades, o aperfeiçoamento pedagógico doprofessor seria a chave principal da reorganização pretendida em vista do atode planejar, ensinar e educar por meio de procedimentos técnicos científicos.Nas palavras do próprio Diretor do Instituto “a chave de todo o plano dereforma – do Inep – estará no programa de preparo dos professores e dosquadros técnicos.” A educação escolar regionalmente diversificada e ajustadaàs condições locais estava compreendida como princípio pedagógico essencial,menos por sua uniformidade e mais, em virtude de sua equivalência cultural(TEIXEIRA, 1968a, p. 120).

Para efeito de um campo experimental de pesquisa interdisciplinar doscientistas sociais e educadores vinculados aos Centros de PesquisasEducacionais, instalou-se o Programa de Pesquisas em Cidades Laboratório –Leopoldina e Cataguazes (MG), Catalão (GO), Timbaúba (PE) e Santarém (PA),sob a direção do professor Darcy Ribeiro, assessorado por Oracy Nogueira,para “mapear as particularidades de regiões do Brasil, valendo-se do estudode comunidades típicas e entendendo que seria possível mapear as tendências

2 Quando da criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) e dos Centros Regionais dePesquisas Educacionais (CRPE), o Ministro da Educação e Cultura era o mineiro Abgar Renault, que alipermaneceu de novembro de 1955 a janeiro de 1956.

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universais, características regionais e as particularidades locais queconformavam o país” (XAVIER, 1999, p. 156). Articulada ao Programa dePesquisas em “Cidades Laboratório”, promoveu-se a Campanha Nacionalde Erradicação do Analfabetismo dirigida à elaboração de cartilhas emateriais de alfabetização, cursos e treinamentos de professores daCampanha, segundo o entendimento de que a educação é um componenteda cultural local, regional e nacional.

Em última instância, materializava aquela proposição de Anísio Teixeirade uma aproximação entre o campo da educação e o campo das ciênciassociais e entre planejamento e mudança social. Isso para se ensaiar e seexercitar no interior dos Centros, uma aproximação entre os cientistas dasciências fontes da educação – o antropólogo, o psicólogo, o sociólogo – eos educadores “científicos” – professores, administradores e especialistas.Aos cientistas cabia estudar os problemas originários da prática relativaao ato de educar, e aos educadores, o registro do cotidiano da escola,dos interesses dos alunos e do processo de ensino e aprendizagem,observando uns e outros, as regras do método científico provenientes dapesquisa sócio educacional.

No parecer de Medonça, Brandão e Xavier (1996), a partir dessesestudos investigativos, formou-se um clima institucional favorável à rupturacom a tradição psicopedagógica do Inep, instalada desde seu primeirodiretor3 – o Pioneiro da Educação Nova, Manuel Bergstrõm Lourenço Filho– para circunscrever a educação escolar no campo das ciências sociais,bem como de seus métodos e técnicas de tratamento científico, maispropriamente de cunho experimental.

Pela íntima colaboração das ciências sociais e das ciênciaseducacionais, caberia aos cientistas sociais vinculados aos Centros dePesquisas Educacionais priorizar um referencial teórico metodológico combase em dois conjuntos temáticos tríplices, educação; comunidade,experiência e educação; região e arte tradicional, tornando-os pertinentesaos estudos investigativos das áreas da linguagem, currículo e metodologiado ensino, rendimento escolar, Ciência e História, ao lado de outrasdisciplinas que serviriam de base à elaboração de material didáticoregionalizado, a exemplo das cartilhas de alfabetização.

Tal conjunção comporia desse modo, o instrumental efetivo e dinâmicodo ponto de vista de um magistério científico e planejado regionalmente.Por sua vez, esse instrumental disponível potencializaria os experimentos

3 O então Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais foi criado com a denominação de Instituto Nacionalde Pedagogia, através da Lei nº. 378, de 13. 01.1937. Em 30.07. 1938, se expediu, porém, o Decreto-lein. 580, que lhe alterou a denominação para Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, sendo Ministro daEducação Gustavo Capanema, (LOURENÇO FILHO, 1964).

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das pesquisas educacionais, bem como subsidiaria o planejamento dassecretarias de educação e cultura no tocante a uma escolarização proveitosae rendosa na esfera urbana e na zona rural. Também se pretendia instituir,no ato de ensinar e aprender, uma correlação entre vida social, cultural e asnovas maneiras de sociabilidades.

Anísio Teixeira não parecia ter dúvidas de que o êxito do Plano deReconstrução Educacional estava intimamente relacionado ao aumento e àmelhoria dos prédios escolares no meio urbano e rural, além de ser um fatorde ampliação das oportunidades educacionais para todos e uma prova daeficácia dos padrões técnicos e racionais do ensino aprendizado. Em 1946, oMinistério da Educação e Cultura, por intermédio do Inep, iniciou o Programade Cooperação Financeira às Unidades Federativas com recursos provenientesdo Fundo Nacional de Ensino Primário (FNEP), instituído em 1942, mas somenteregulamentado no ano de 1945 pelo Decreto-Lei n. 19.513 de 25 de agostode 1945 e Decreto-Lei n. 8.349 de 11 de dezembro de 1945.

No ano de 1947, o Governo Eurico Gaspar Dutra foi autorizado pela Lei n.59 de 11 de agosto de 1947, a estender o Programa de Cooperação Financeiraàs Unidades Federativas às escolas normais e secundárias públicas eparticulares do país (O INEP E OS ÓRGÃOS EXECUTORES DE PLANOSESPACIAIS..., 1957). Sendo o financiamento da Educação Primária e Médiada responsabilidade de cada estado da federação, o auxílio federal para aconstrução de prédios escolares era apenas de caráter supletivo, concedidomediante convênio firmado entre o estado e o MEC, por intermédio do Inep.

À época em que Anísio Teixeira dirigiu o Instituto, 1952 a 1964, vivia-seum tempo em que cada vez mais se firmaria o consenso teórico e prático dodever do poder público com a ampliação do número de estabelecimentos deensino em face do atendimento a toda a população em idade escolar e emrazão da interação entre ampliação das oportunidades educacionais e oaperfeiçoamento do magistério nacional.

Realmente, não se pode planejar qualquer melhoria no Ensino Primário sem

incluir nesse planejamento, uma atenção especial ao Ensino Normal, de

cuja eficiência na formação do professorado primário vai depender a

qualidade do ensino que se processará nas escolas às quais se destinam

estes professores (AS ATIVIDADES DO INEP E DOS CENTROS DE PESQUISAS

EDUCACIONAIS..., 1959, p. 32).

Com Anísio Teixeira diretor do Inep, os critérios de distribuição de recursosprovenientes do Programa de Cooperação Financeira às Unidades Federativasforam revistos para além do déficit de matrícula da população em idade escolar.Pelo respaldo do dispositivo legal, Decreto n. 37.082 de 24 de março de 1955,

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novos critérios foram acrescidos, diretamente relacionados com os progressosnos índice da escolarização primária e média, com as verbas destinadastambém à Educação Primária e Média e com o empenho da unidade federadano cumprimento integral dos convênios assinados com o governo federal(O INEP E OS ÓRGÃOS EXECUTORES DE PLANOS ESPECIAIS..., 1957).

Os anos 50, promovendo “a transição de uma política empírica deeducação para uma política científica, realista e racional” (AZEVEDO, 1956,p. 8), motivaram outrossim o Inep a formalizar o Programa Missão Pedagógica,presumindo a presença de especialistas desse próprio órgão, ou por eleindicados, visando acompanhar as reformas estaduais de ensino.Inquestionavelmente, o Programa Missão Pedagógica, devido à presença deespecialistas no âmbito estadual, objetivava assegurar o máximo deconvergência entre as reformas estaduais do ensino – quanto à pedagogia,diretrizes, pressupostos e atividades – e as formulações do Plano deReconstrução Educacional do Inep, além de impulsionar a transição da educaçãodo seu estado empírico para um estado progressivamente científico, comíndices mais elevados de rendimento escolar.

A premissa nuclear do Programa Missão Pedagógica consistia na prestaçãode uma assistência técnica continuada às secretarias de educação e a órgãosafins, na implantação criteriosa das reformas estaduais de Ensino Primário,Normal e por vezes, Secundário, além da presença de especialistas indicadospelo Inep para ministrar cursos de aperfeiçoamento, treinamentos e ciclos deestudos, visando à melhoria do rendimento de professores e alunos em nívelprimário e médio.

Compreendia Anísio Teixeira e colaboradores, que o ato de reformar aeducação escolar nesses anos 50, implicava que o Estado brasileiro assumisseefetivamente a reconstrução educacional equivalente à reconstrução nacionalprocedida, conforme a seguinte diretriz:

[...] não se trata de mais uma reforma por ato legislativo, tão do gosto do

país, mas de longe e difícil processo de estudo, revisão e reformulação do

conteúdo dos cursos, de elaboração de novos livros de texto, de novos

tipos de currículos e de descoberta dos métodos novos exigidos para a

eficiência dos novos e variados programas, que a expansão desordenada e

acidental do sistema escolar, hoje integrado, criou e se está tentando

executar sem os instrumentos necessários e sem a formação adequada dos

novos professores para a escola primária, reduzida ao nível elementar, e

para a escola média compreensiva e complexa, com os seus cursos

diversificados de educação comum, educação vocacional e educação

preparatória à universidade (TEIXEIRA, 1968a, p. 102).

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1. A dimensão técnica educacional da Reforma da EducaçãoPrimária no Rio Grande do Norte

Consoante a diretriz ‘anisiana’, o Governo Dinarte de Medeiros Mariz eJosé Augusto Varela (fevereiro de 1956 a janeiro de 1961) empreendeu umareforma educacional ordenada pela Lei n. 2.171 de 06 de dezembro de 1957,preconizando organizar e fixar as bases da Educação Primária e da formaçãodo magistério do estado.

Considera-se que essa Reforma da Educação Primária e Normal representaum marco na história da educação escolar do Rio Grande do Norte, tanto nosentido de encerrar uma etapa da educação escolar regida pela Carta de Lein. 405 de 29 de novembro de 1916, quanto no sentido de expressar o Planode Reconstrução Educacional do Inep e por extensão, também o pensamentointelectual de Anísio Teixeira. Os educadores que vivenciaram a implantaçãoda Reforma Educacional de 1957 e dela compartilharam, a exemplo da profªZilda Lopes Rego (2000), a consideram uma revolução na educação do estado.Da mesma maneira julgaram os jornais da época:

[...] é um fato de suma importância, pois não se trata de executar uma ligeira

modificação nos métodos pedagógicos, mas de cumprir um programa

inteiramente novo e em certo sentido revolucionário se considerarmos que,

em muitos dos seus aspectos, assume caráter de absoluto ineditismo (ENSINO

DINÂMICO, 1959, p. 3, grifo nosso).

A Reforma Educacional de 1957 ou “A Reforma Tarcísio Maia”, assimdenominada em homenagem ao seu principal idealizador, o Secretário deEstado de Educação e Cultura, Tarcísio de Vasconcelos Maia, seriagradativamente implantada a partir da educação escolar primária para depoise com mais intensidade, expandir-se ao Ensino Normal.

No ano de 1956, o titular da Secretaria de Estado Educação e Cultura (SEC-RN), o médico Tarcísio de Vasconcelos Maia, e o Diretor do Departamento deEducação, o cirurgião-dentista e prof. da Cadeira de Ciências Naturais da EscolaNormal de Mossoró, Carlos Borges de Medeiros4, concentraram em grande parte,o trabalho da SEC-RN no levantamento e estudo da legislação estadual normativada educação escolar do estado. Além disso, a Divisão de Documentação eInformação Pedagógica do CBPE e o Serviço de Estatística do MEC procediam aum inquérito sobre o Ensino Normal nos estados (número de estabelecimentos,ano de criação, entidades mantenedoras, matrícula e legislação).

4 Agradeço ao prof. Carlos Borges de Medeiros e familiares a maneira elegante e prestativa como mereceberam em sua residência. Por outro lado, agradeço ao prof. Carlos Borges o gesto carinhoso com queme presenteou o seu livro O tempo como testemunha (1980).

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Com base nesses inquéritos, constataram que as diretrizes da educaçãoescolar eram ainda provenientes dos “postulados obsoletos constantes naLei de n. 405 de 29 de novembro de 1916 [...] e cuidaram da elaboração deuma reforma que melhor conviesse aos interesses do ensino no estado emelhor atendesse as suas necessidades” (MENSAGEM DO EXMO SENHORGOVERNADOR..., 1956, p. 1). As autoridades educacionais estaduais tambémtomaram conhecimento por meio da documentação produzida pela profª EnyCaldeira, responsável pelo inquérito sobre o Ensino Normal do estado de 1955a 1957, na qual constava que:

[...] a maioria das unidades da federação não possue leis estaduais de formação

de magistério – exceto São Paulo, Bahia, Rio Grande do Sul, Rio Grande do

Norte e Ceará. E os regulamentos existentes desse grau de ensino, baseados

na perempta lei orgânica federal do Ensino Normal n. 8530 de 02 de janeiro

de 1946, são desatualizados em seus princípios e bases e vêm merecendo por

parte das autoridades e especialistas da educação, estudos, debates e revisões

(ESTUDOS E LEVANTAMENTOS DE ENSINO NORMAL, 1959, p. 2).

Numa sociedade cada vez mais circunscrita aos ditames dos progressosda ciência e da técnica, as diretrizes da educação escolar no Rio Grande doNorte se afastavam da orientação da pedagogia ‘escolanovista’, de caráterpolítico pedagógico, para outra orientação também autorizada por essapedagogia, mas de cunho eminentemente técnico educacional.

Reformar a educação escolar pela interlocução com a obra de Anísio Teixeira(GRIMALDI RIBEIRO apud POSSE DO PROFESSOR LUCIANO NÓBREGA... 1959, p.4), segundo as formulações do Plano de Reconstrução Educacional do Inep,levou de imediato o secretário Tarcísio Maia, a agendar uma reunião comAnísio Teixeira no próprio Instituto, para apresentar-lhe os primeiros contornosdo anteprojeto da reforma da educação escolar do Rio Grande do Norte.

Nessa reunião, já ficou acertada a permanência por um mês, do SecretárioTarcísio Maia e, em alguns momentos, do prof. Raimundo Nonato da Silva,coordenador do Ensino Comercial da SEC-RN, “para em companhia dosmelhores especialistas do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais etécnicos do país, receberem sugestões diárias ao anteprojeto” (A REFORMATARCÍSIO MAIA, 1958, p. 3).

No período de tempo compreendido entre a elaboração final doanteprojeto e a tramitação e aprovação do texto propriamente dito da ReformaEducacional pela Assembléia Legislativa, que se deu a 06 de dezembro de1957, um Plano de Reformulação da Educação Escolar Primária e Normal doestado, contendo objetivos, metas, estratégias e avaliação, seria elaborado

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pelos técnicos da SEC-RN, sob a supervisão do secretário Tarcísio Maia e doDiretor-geral do Departamento de Educação, Carlos Borges de Medeiros. Aparte referente à educação escolar primária “era aprovada inteiramente porAnísio Teixeira e autoridades do Inep, objetivando modular a reestruturaçãodo nosso ensino, nas bases em que foram feitas” (A REFORMA DO ENSINOPRIMÁRIO, 1958, p. 1).

No cumprimento das primeiras metas do Plano de Reformulação daEducação Escolar Primária e Normal do Estado, especialmente as relacionadascom a educação escolar primária, durante quinze dias de janeiro e quinzedias de fevereiro do ano de 1957, a SEC-RN ofereceu um Curso de Férias para150 professores diplomados dos grupos escolares da capital e alguns dointerior do estado, com uma programação constando de Metodologia daLinguagem, Didática da Matemática, Didática de Estudos Naturais, MedidasEducacionais e Recreação.

Nesse Curso de Férias, a coordenação coube à profª Lia Campos do CentroRegional de Pesquisa Educacional de Porto Alegre, oficialmente indicada peloInep. Ministraram aulas, além da própria Lia Campos, as professoras LucilaJordão e Maria do Carmo Vieira da Secretaria de Educação de Pernambuco, eainda, as educadoras Maria Alexandrino Sampaio, René Pinheiro Borges eCarmem Pinheiro, todas do quadro da Escola Normal de Natal da SEC-RN. Noque diz respeito à Didática da Matemática, os professores cariocas EvanildoBechara, João de Souza Ferraz e Júlio César de Mello e Souza, o Malba Tahan,por estarem em Natal dando aulas para 50 professores secundaristas numcurso de Exame de Suficiência, prestaram grande colaboração nesse assunto.

O Curso de Férias era destinado aos professores primários da 1ª à 6ªsérie dos grupos escolares da capital, em cujas salas de aulas seriamexperimentadas pela primeira vez, a “homogeneização das classes por faixade escolaridade, conforme previsto na Lei da Reforma” (CAMPOS apudREFORMA TARCÍSIO MAIA..., 1958, p. 1). Nesse curso, os 150 professoresforam então certificados das diretrizes que deveriam orientar a educaçãoescolar do estado. A partir da programação ali desenvolvida, a coordenadoraLia Campos (OBSERVA O ENSINO PRIMÁRIO..., 1957, p. 7) “esperava que oprofessor de volta à classe, estivesse capacitado a olhar a criança sob oaspecto integral da educação e de trabalhar em equipe, o que favoreceria aformação de uma unidade social em cada espírito”. Ao término do curso, osprofessores participantes distribuídos em várias equipes montaram umaexposição intitulada “Exposição de Motivos Infantis”.

No intervalo de tempo entre a vinda, pela primeira vez, da Profª Lia Camposao Rio Grande do Norte e o período que antecedeu a aprovação do Projeto daReforma Educacional, em dezembro de 1957, o Dr. Tarcísio Maia requereu a

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Anísio Teixeira a disponibilidade dessa professora do Centro Regional dePesquisa Educacional de Porto Alegre para a SEC-RN, com o respaldoinstitucional do Programa Missão Pedagógica.

Em nome da “reforma da educação escolar primária e normal, quecolocaria o Rio Grande do Norte na vanguarda da organização técnicoeducacional do país” (EDUCAÇÃO: NOVOS MÉTODOS NAS ESCOLAS DOESTADO, 1958, p. 3), Anísio Teixeira mediou o entendimento oficial junto àProfª Eloah Ribeiro Kunz, então Diretora do Centro Regional de PesquisaEducacional de Porto Alegre, para a vinda da profª Lia Campos daquele Centrode Pesquisa para a SEC-RN, justificada em face de sua experiência pedagógicana Divisão de Aperfeiçoamento do Magistério. Na ambiência da reforma daeducação escolar do estado, cabia-lhe imprimir uma uniformidade teórica,articuladamente com uma unidade de métodos, técnicas de ensino e derendimento do processo de ensino aprendizado.

A 6 de dezembro de 1957, o projeto da Lei da Reforma Educacional, Lein. 2.17, seria aprovado sem emendas pela Assembléia Legislativa Estadual“totalmente moldado nas diretrizes modernas das ciências educacionais”(ELEVAÇÃO DO NÍVEL EDUCACIONAL DO ESTADO..., 1959, p. 5). As matériasjornalísticas da época noticiaram que o Rio Grande do Norte “era um dosprimeiros estados, o primeiro do Nordeste, a cuidar da racionalização doEnsino Fundamental com a Lei n. 2.171 de 6 de dezembro de 1957” (A LEI DAREFORMA, 1958, p. 3).

Em consonância com o pensamento de Anísio Teixeira, à Escola Primáriainserida nas condições históricas, geográficas e sociais da região e do país,caberia pois, “proporcionar um estado de continuidade entre a experiênciada criança fora da escola e a sua nova experiência no meio escolar” (TEIXEIRA,1968, p. 54). De acordo com o texto da Reforma Educacional, a essa escolacaberia “ministrar sempre que possível, a educação integral, considerando oaluno não só em função da estrutura escolar, como também do lar e de todaa vida social, tendo em vista os ideais e as tendências democráticas dasociedade moderna” (LEI n. 2.171 de 1957..., p. 1).

A dinâmica escolar de uma sociedade científica, industrial, tecnológica edemocrática rege-se, como é sabido, por um “corpus” teórico e instrumentalde uma pedagogia moderna. A Pedagogia da Escola Nova por exemplo,alicerçaria como um conjunto de saberes, métodos, repertórios, ambiênciase valores, um sem número de reformas educacionais no primeiro quartel doséculo XX no Brasil, a exemplo da Reforma do Rio Grande do Norte. Aosprofessores primários estaduais, sujeitos da então Reforma Educacional,caberia “estar devidamente entrosados com os princípios que regem apedagogia nova” (REFORMA DE ENSINO, 1958, p. 3).

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Num contexto de maior apreensão científica da atividade educacional ede uma “ordem em mudança constante e de permanente revisão”, [...]interpunha-se a Anísio Teixeira a proposição de uma “escola progressiva deeducação integral” (TEIXEIRA, 2000, p. 29 e 37). Tencionava o educador firmarum novo consenso teórico e prático acerca da ação escolar em termos desuas funções educativas, técnicas e culturais. A irradiação desse consensotransparece nas linhas do texto da Reforma Educacional de 1957, quandodesigna a escola a “ser uma instituição de aprendizagem prática, a utilizar osmétodos mais recomendáveis de educação ativa e progressiva e a ofereceraos alunos meios hábeis ao preparo para a vida do trabalho e da cooperaçãosocial e política” (LEI n. 2.171 de 1957..., p. 2, grifo nosso).

Destinada a oferecer uma educação ativa e integral condizente com aidade da criança, aluno de 7 a 13 anos, a Escola Primária deveria abrangerquatro degraus de ensino, pré-primário, primário, complementar e supletivo.Nos termos da Lei da Reforma de 1957, as classes escolares seriampreferencialmente ordenadas por faixa de escolaridade, de modo a matricularna primeira série primária crianças de sete e oito anos de idade e na segundasérie, crianças de oito e nove anos de idade, assim sucessivamente, até asexta série primária então introduzida.

Aos professores primários, o secretário Tarcísio Maia (1958, p. 1)esclareceu que a “homogeneização das classes dentro da faixa daescolarização era sem dúvida, uma das conquistas mais modernas dapedagogia de nossos dias [...], com fins progressivos de produtividade erendimento escolar”. Por sua vez, a profª Lia Campos complementou dizendo:“a organização das mesmas atende a idade ‘pré-fixada’, em vista de ummesmo nível de capacidade para apreensão dos conteúdos ensinados”(CAMPOS apud A REFORMA TARCÍSIO MAIA..., 1958, p. 1).

Especialmente em relação ao degrau complementar que ampliava emdois anos a escolarização primária pela introdução da 5ª e 6ª séries, presumia-se “permitir ao mesmo tempo ao educando, o mínimo desejável de culturageral e de educação prática em artes industriais” (AS ATIVIDADES DO INEP EDOS CENTROS DE PESQUISAS... 1959, p. 40). A título de campo experimentaldesse degrau complementar, coube ao Inep selecionar e acompanhar osestados do Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte, por serem os primeirosno país, a implantá-los. A esse respeito, a súmula do Inep explicitava:

[...] em dois estados – Rio Grande do Sul e o Rio Grande do Norte – que

promoveram a partir de 1958, a reforma do ensino primário, o plano vem

sendo cumprido com ajuda financeira do Inep, tendo sido escolhidos 33

grupos escolares em Porto Alegre e 53 unidades do Rio Grande do Norte

como campo experimental. Na execução desse programa, o Inep vem

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262 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

prestando aos estados, ampla assistência, fornecendo recursos para

construção e equipamentos das unidades de ensino, despesas de instalação

e manutenção, bem como suplementação de salários de professores que

trabalham em tempo integral (AÇÃO DO INEP E CENTROS DE PESQUISAS NO

QUINQÜÊNIO 1956-60, 1961, p. 99).

A educação escolar primária preconizada não deixava de ser compatívelcom a orientação ‘anisiana’ de corresponder à “educação para o trabalho, àeducação para produzir [...], ajustada às condições culturais brasileiras”(TEIXEIRA, 1958, p. 32).

Nesses anos do governo do Presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961)e do mesmo modo, do governo de Dinarte de Medeiros Mariz e José AugustoVarela (1956-1961) no Rio Grande do Norte, algumas especializações naárea da educação ganhariam relevância, enquanto outras seriamdesqualificadas. A par dessa realidade global, a Reforma Educacional de1957 introduziu o serviço de Orientação Educacional, primeiramente nosgrupos escolares e extinguiu o serviço de Inspeção Escolar, então aliadocomo “uma simples visita protocolar do inspetor escolar que regra geral, dácomo resultado positivo, pouco mais que um maçudo relatório da situaçãoconstatada” (MISSÕES PEDAGÓGICAS, 1959, p. 3). Não obstante àcapacitação do professor primário, do administrador, do supervisor e doorientador educacional, a rigor se obedeceria às diretrizes “dos planos geraisde estudos elaborados pelo Centro de Estudos e Pesquisas da Secretaria daEducação” (LEI n. 2.171, de 1957..., p. 6).

A implantação do serviço de orientação educacional em algumas escolasprimárias, normais e secundárias do Rio Grande do Norte correspondeu auma série de ações concomitantes e articuladas no período de 1958 a 1960,englobando inquéritos e estudos desenvolvidos pelo Centro de Estudos ePesquisas da SEC-RN, seguido da capacitação de orientadores educacionaisem cursos de aperfeiçoamento organizados pelo Centro Regional de PesquisaEducacional de Porto Alegre, além de um curso de aperfeiçoamento destinadoa futuros orientadores educacionais, promovido pela SEC-RN em convênio como Inep. Esse teve a duração de seis meses e foi realizado no Instituto deEducação de Natal, como veremos logo adiante.

A Reforma Educacional de 1957 viria para avaliar com critérios objetivosa eficiência do trabalho educativo do professor. Muito provavelmente orendimento qualitativo e quantitativo do processo de ensino aprendizagemera a face oculta dessa Reforma Educacional. Nas entrelinhas da fala dosecretário da educação e cultura, Tarcísio Vasconcelos Maia, tal premissanão deixa de estar subsumida:

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263Uma Ousada Reforma Educacional do Governo Dinarte Marizno Rio Grande do Norte (1956-1961)

[...] espera-se que os beneficiados se compenetrem da importância da

missão a cumprir e possam estar, devidamente entrosados nos princípios

que regem a educação moderna, tirar proveito do material humano que

cumpre modelar, incutindo-lhe ensinamentos e despertando o interesse

para o aprendizado que é a base para o futuro promissor da nossa terra

(MAIA apud PROGRAMAS DE ENSINO, 1958, p. 3).

Em sua dimensão técnica educacional, a organicidade e a unicidadeda Reforma Educacional dependiam de outras variáveis, mais propriamentedo plano administrativo. Assim, três dias após a apreciação positiva daReforma Educacional de dezembro de 1957 pela Assembléia Legislativado estado, um outro dispositivo legal era também aprovado por essa mesmaAssembléia – a Carta de Lei n. 2. 225 de 9 de dezembro de 1957, queautorizava o desdobramento da Secretaria de Estado de Educação emSecretaria de Estado de Educação e Cultura, contemplando umDepartamento de Educação e seis divisões: Divisão de Cultura (recursosaudiovisuais, museus, bibliotecas, teatros, radiodifusão educativa,documentação); Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais (estatísticaeducacional, documentação pedagógica, cadastro dos professores, currículoe livro didático, orientação educacional, planos de preparação eaperfeiçoamento do magistério, experimentação e demonstraçãopedagógica e eficiência escolar); Divisão de Ensino Pré-Primário, Primárioe Normal (organização, orientação e assistência escolar, música, recreaçãoe jogos, serviços extra classe, artes e artesanato, Ensino ‘Emendativo’ ouEspecial, Ensino Supletivo, jardim de infância, ensino particular, merendaescolar); Divisão de Ensino Médio (rede de Ensino Médio Secundário,Comercial, Normal, Industrial, Agrícola do estado e outros, cadastro dosprofessores, assistência técnica, Educação Física, recreação e desportos,subvenções e bolsas de estudos); e Divisão de Prédios e AparelhamentoEscolar (projetos, construção e conservação de prédios escolares, materiale aparelhamento escolar).

Cada Divisão da SEC-RN possuía um coordenador com tarefasespecíficas, e acima de tudo, condizentes com a implementação do Planode Reformulação da Educação Primária e Normal do Estado. A observânciaigualmente das diretrizes propostas pelo referido Plano dizia respeito:

[...] à elevação do nível cultural do professorado, à atualização dos

métodos de ensino, à unificação da orientação didática nas escolas

públicas do governo [...], à criação de uma mentalidade no professorado

capaz de impulsionar o ensino pelos caminhos dos métodos e técnicas

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modernos, a fim de melhor preparar as futuras gerações e despertar o

interesse para as novas d i ret r i zes que a educação e o ens ino

forçosamente terão que seguir (MISSÕES PEDAGÓGICAS, 1959, p. 3).

Por seu turno, a desenvolução de uma mentalidade no professorado capazde impulsionar o processo de ensino e de aprendizagem pelos labirintos dosmétodos e técnicas modernos correspondeu, à luz do Plano de Reformulaçãoda Educação Primária e Normal, mormente do ano de 1958, à execução deuma vasta e intensa programação composta de cursos de aperfeiçoamentointensivos, treinamentos, estágios demonstrativos, obrigatoriamentedestinados à totalidade dos professores primários estaduais, sendo talprogramação o ponto de partida dessa Reforma Educacional.

Em virtude dessa programação oficial, o Secretário de Educação e Cultura,Dr.Tarcísio Maia, no período de 03 a 07 de março de 1958, utilizou o horáriode 17 às 18 horas, reservado ao Governo do Estado na Rádio Nordeste deNatal para expor a pais e alunos, enfim, à população do Rio Grande do Norte,as diretrizes da Reforma Educacional, sob a alegação de “que da suaconcretização desaparecerão os mestres improvisados que não estão emcondições de orientar a infância de nossas escolas de acordo com os modernosmétodos educacionais” (AMANHÃ, NA RÁDIO NORDESTE..., 1958; EM TORNODA REFORMA, 1958, p. 3). Ainda nessa oportunidade, prestou esclarecimentoa respeito dos cursos de aperfeiçoamento, treinamentos e estágios intensivos,os quais eram obrigatórios para o professorado primário.

O primeiro desses cursos intensivos oferecidos foi o Curso deAperfeiçoamento em Administração Escolar e Orientação Educacional,destinado a todos os diretores e futuros orientadores educacionais dos gruposescolares da capital e do interior do estado, com início em 08 de março etérmino a 08 de junho de 1958, sob a direção da profª Lia Campos,coordenadora dos cursos da SEC-RN e do Centro de Estudos e PesquisasEducacionais. Conjuntamente, administradores e futuros orientadoreseducacionais tiveram nesse Curso de Aperfeiçoamento, as seguintes matérias:Metodologia da Linguagem, Metodologia da Matemática, Metodologia dosEstudos Naturais e Sociais, Administração e Supervisão Escolar, Psicologia daCriança e Arte de Contar Histórias.

Mediante convênio firmado entre o Inep e a SEC-RN, norteado pelopressuposto de “prosseguimento da reforma de ensino em execução [...] emprol do soerguimento do nosso nível educacional” (MAIA apud PROGRAMASDE ENSINO, 1958, p. 3), o Curso de Aperfeiçoamento em Administração Escolare Orientação Educacional foi ministrado por professores e especialistas doquadro do próprio Inep, a exemplo de Juraci Silveira, Eni Caldeira e Júlio César

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de Mello e Souza, o Malba Tahan, e professores do Rio Grande do Norte,como Maria Alexandrina Sampaio, Carmem Pedroza, Ezilda Elita doNascimento e René Pinheiro Borges.

Especialmente destinado aos diretores escolares freqüentadores doCurso de Administração Escolar foi planejado um Seminário a cargo daprofª Lia Campos, ancorado nas seguintes temáticas i) Da Reforma eOrganização do Ensino em Geral; ii) Do Magistério da Educação Primária– A Maneira de se Organizar as Classes Primárias e i i i) Faixa deEscolaridade.

Por outro lado, para os orientadores educacionais, as professorasEni Caldeira, especialista do Inep, Antonieta Barone, do Centro Regionalde Pesquisa Educacional de Porto Alegre e Lia Campos da SEC-RN,exploraram dentre outros tópicos, a função da orientação educacional eda orientação vocacional; diferenças individuais; procedimentos utilizadospelo serviço de orientação educacional (questionário sobre interesse, fichade caracterização individual e social, entrevista com alunos e pais etc.) eajustamento do aluno à vida escolar (AS ATIVIDADES DO INEP E DOSCENTROS DE PESQUISAS... 1959).

Era pela órbita do serviço de orientação educacional que seempreendia a verificação do rendimento escolar do aluno da EscolaPrimária, Secundária e do Curso Normal. Segundo as autoridadeseducacionais responsáveis pela Reforma Educacional do Rio Grande doNorte, a tarefa precípua da orientação educacional estava na primaziado “estabelecimento de critérios de avaliação do ensino, tendentes àapreciação integral do desenvolvimento do educando, mediante técnicasmodernas, qualitativa e quantitativa” (CURSO DE APERFEIÇOAMENTO PARAORIENTADORES EDUCACIONAIS, 1958, p. 1).

A premissa técnica educacional da Reforma Educacional de 1957dizia respeito ao trabalho do orientador educacional5, cuja especificidadeera primar pela elevação dos índices do rendimento do processo de ensinoaprendizagem escolar. Daí, a introdução da matéria Medidas Educacionais

5 A 27 de agosto de 1959, o Governador Dinarte de Medeiros Mariz e o Vice-Governador José AugustoVarela assinaram a aprovação de um novo Regimento Interno do Colégio Estadual do Ateneu Norte-rio-grandense (Decreto n. 3.364/1959) que destinava um capítulo à Orientação Educacional. Competia aoorientador educacional as seguintes atribuições: i) pesquisar as causas de insucesso escolar do alunosecundarista; ii) auxiliar o aluno na consecução de seus objetivos sócio educacionais; iii) levar o aluno acompre ender a natureza do trabalho e a vida em sociedade; iv) cooperar com os professores no sentidode uma boa eficiência na execução do trabalho escolar; v) zelar para que o estudo, a recreação e odescanso dos alunos decorressem em condições de maior conveniência pedagógica; vi) colaborar para opreparo das comemorações cívicas e solenidades da comunidade escolar como parte integrante doprocesso educativo geral (REGIMENTO INTERNOS DO COLÉGIO ESTADUAL ATENEU NORTE-RIO-GRANDENSE, 1959).

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no Curso de Férias de 1957 para professores de grupos escolares. AnísioTeixeira, ao chamar atenção em seu discurso de posse no Inep, para aurgência da elaboração de instrumentos de avaliação da educação escolarbrasileira, ressaltava a prevalência da dimensão técnico educacional do Planode Reconstrução Educacional:

é necessário levar o inquérito às práticas educacionais. Procurar medir a

educação, não somente em seus aspectos externos, mas em seus processos,

métodos, práticas, conteúdos e resultados reais obtidos. Tomados os objetivos

da educação, em forma analítica, verificar, por meio de amostras bem

planejadas, como e até que ponto vem a educação conseguindo atingi-los.

[...] Tais inquéritos devem estender-se aos diferentes ramos e níveis de ensino

e medir ou procurar medir as aquisições dos escolares nas técnicas,

conhecimentos e atitudes, considerados necessários ou visados pela escola

(DISCURSO DE POSSE DO PROFESSOR..., 1952, p. 78).

Vencida a parte teórica geral e específica de cada área do Curso deAperfeiçoamento em Administração Escolar e Orientação Educacional,imediatamente foi iniciado o “módulo” referente às demonstrações práticasno recinto das classes de aula já estruturadas por faixa de escolaridade nosgrupos escolares da capital, que já funcionavam em consonância com asdiretrizes da Reforma Educacional, cujos professores haviam sido habilitadosno primeiro Curso de Férias realizado no início do ano de 1956.

A verificação da correspondência entre a teoria e a prática educacionalpor parte dos administradores e orientadores educacionais, coube sercomprovada no ambiente das “classes de demonstrações” dos gruposescolares da capital, onde primeiro “funcionaram como verdadeiros laboratóriosde experiência e constatação de princípios teóricos da Reforma” (SECRETÁRIODE EDUCAÇÃO AO PROFESSORADO, 1958, p. 1). Segundo Lia Campos, as“classes de demonstraçõe se tornaram laboratórios onde se realizamexperiências e pesquisas, levando-se em consideração a criança com suasaptidões e desenvolvimento sócio educacional” (A REFORMA TARCISIOMAIA…, 1958, p. 1).

A implantação gradativa do serviço de orientação educacional nas escolasprimárias da capital Natal, fez com que técnicos da Secretaria da Educaçãodo Estado da Paraíba e diretores de grupos escolares viessem conhecer essaexperiência escolar inovadora.

No ano de 1958, a capacitação pedagógica do professor primário apareciaassociada às recomendações nacionais do Inep, cabendo à SEC-RN,implementar para o conjunto do professorado, cursos, treinamentos, reuniões,

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“com a finalidade de aperfeiçoamento do sistema de ensino em nossoestado, a começar pelo ponto básico – o professor primário” (ELEVAÇÃODO NÍVEL EDUCACIONAL DO ESTADO..., 1959, p. 8).

Em agosto de 1958, o Centro de Estudos e Pesquisas Educacionaisda SEC-RN, no “cumprimento de uma de suas funções precípuas, qualseja, a de proporcionar oportunidade para renovar processos didáticos eelevar o nível cultural e pedagógico dos professores e diretores das escolasdo estado” (CURSO INTENSIVO PARA PROFESSORES DE ESCOLAS REUNIDASE ISOLADAS, 1958, p. 3) convocaria por meio da sua coordenadora LiaCampos, todos os diretores e professores das escolas reunidas e isoladasda capital a se fazerem presentes num Curso Intensivo, realizado de 25de agosto a 9 de setembro de 1958. Esse Curso Intensivo destinado,agora, aos diretores e professores primários daquelas escolas, consistiudas seguintes disciplinas: Metodologia da Linguagem, Metodologia daMatemática, Metodologia dos Estudos Naturais e Sociais e Noções Sobreo Estudo da Criança. As professoras responsáveis pela elaboração eexecução do plano do curso foram Elza Sena, Carmen Fernandes Pedroza,Maria Alexandrina Sampaio e Lia Campos.

Em virtude do afastamento do Dr. Tarcísio Vasconcelos e do Dr.Carlos Borges de Medeiros para concorrem a uma vaga na CâmaraFederal e na Assembléia Legislativa Estadual, o Governador Dinarte Marizempossava, a 29 de agosto de 1958, os advogados e intelectuaisGrimaldi Ribeiro de Paiva e Luciano Alves da Nóbrega, como Secretáriode Estado da Educação e Cultura e Diretor do Departamento de Educação,respectivamente.

Antes de se eleger deputado estadual, o Diretor do Departamentode Educação, Dr. Carlos Borges e os professores Acrísio Freire eRaimundo Nonato da Silva, representaram o Rio Grande do Norte no IICongresso de Educação de Adultos, realizado de 9 a 16 de julho de1958, na capital federal, Rio de Janeiro e presidido pelo então Ministroda Educação e Cultura, Clóvis Salgado e encerrado pelo PresidenteJuscelino Kubitscheck.

Nesse Congresso, o número de participantes chegou a 320(trezentos e vinte). Foi nesse evento que os professores Acrísio Freire eRaimundo Nonato da Silva apresentaram conjuntamente a tese: AEducação de Adultos e a Democracia. Por sua vez, o Dr. Carlos Borgesexpôs as seguintes teses: A Educação de Adultos e seus problemas deorganização e administração; Os problemas de freqüência e dorendimento escolar na Educação de Adultos. Naquele ano de 1958,quando da realização desse certame, a sociedade brasileira, naspalavras do Dr. Carlos Borges,

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[...] já sentia que o papel da educação, no desempenho da vida nacional,

dava uma maior relevância ao seu desenvolvimento econômico, propiciava

maiores condições ao progresso tecnológico e assegurava mais estruturas e

mais garantias à vida administrativa (MEDEIROS, 1980, p. 319).

Nesse ano de 1958, o Secretário de Educação e Cultura, Grimaldi Ribeiro,instalava em Caicó, o primeiro curso de Alfabetização de Adultos, associadoà Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo, cujo material escolar(lápis, borracha, caderno e livros) seria distribuído gratuitamente.

A partir das diretrizes da Reforma Educacional de 1957, uma orientaçãode cunho técnico educacional, como antes frisado, começou a tomar corponuma visão eminentemente afinada com o “como saber ensinar” e o “queensinar”. O “professor científico” correspondia àquele que dominava a didáticado ensino, o conteúdo das matérias ensinadas e os procedimentos didáticospedagógicos da avaliação do rendimento escolar dos alunos. Para asautoridades educacionais do Rio Grande do Norte, como óbice de um mundoem constante mutação, o currículo escolar,

[...] deve, impreterivelmente, procurar se adaptar às exigências da evolução

do mundo, proporcionando condições que possibilitem uma maior preparação

técnica do aluno, ao mesmo tempo em que deve evitar, o mais possível, a

influência da memorização nos métodos de avaliação do rendimento escolar

(EM TORNO DO ENSINO, 1959, p. 2, grifo nosso).

O projeto de atualizar os professores primários não diplomados dointerior do estado para as novas funções do magistério escolar, relativasaos procedimentos e métodos didáticos, saberes, conteúdo, enfim, umcurrículo escolar condizente com um aprendizado escolar “rentável” doaluno, levaria o novo titular da SEC-RN, Grimaldi Ribeiro, assessorado pelacoordenadora da Divisão do Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais,Lia Campos, a elaborar um Plano Emergencial denominado “MissõesPedagógicas”, com o apoio institucional do Inep, “com a finalidade de levaros ensinamentos da Nova Reforma do Ensino ao professorado de todo oestado e prestar assistência técnica educacional aos professores do interior”(MISSÕES PEDAGÓGICAS, 1959, p. 5).

As “Missões Pedagógicas” no plano estadual, iniciaram-se por Caicó eprosseguiram pelas cidades de Mossoró, Assu, Pau de Ferros, dentre outrascidades interioranas, durante o período de 05 de setembro de 1958 a fevereirode 1960, reunindo mais de 1.000 educadores em cursos de aperfeiçoamento,treinamentos, seminários, conferências, estágios e ciclos de estudos.

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Nessas missões, os professores tiveram aulas de disciplinas comoPortuguês (língua pátria, redação de carta, telegrama, ofício, relatórios; leituraoral, levando em consideração altura da voz, expressão e pronúncia einterpretação de textos escritos); Matemática (cálculo mental, problemasenvolvendo conhecimento de fração, decimais e sistema métrico);Conhecimentos Gerais (descobrimento do Brasil, jesuítas e a catequese,independência, abolição e República); Geografia (estado do Rio Grande doNorte, cidades, rios, limites, zonas e riquezas; o mundo, a América, a Europae o Brasil); Ciências Físicas e Naturais (estado físico dos corpos, corpo humanoe plantas, animais).

Teve-se ainda como parte da programação de estudos, Didática daLinguagem (orientação metodológica de como iniciar a leitura, leitura nasdiferentes séries, ditado, cópia, composição); Didática da Matemática(orientação metodológica de como iniciar o ensino da Matemática, ensino eaprendizagem das operações fundamentais); e, Didática dos Estudos Naturaise Sociais (orientação metodológica de como iniciar o ensino dos estudosnaturais e sociais. Concomitantemente às aulas, aconteceram “sessões deestudos, inquéritos, debates sobre a direção da aprendizagem das disciplinasdo currículo primário” (MISSÕES PEDAGÓGICAS, 1959, p. 5), geralmente soba direção de Lia Campos, Zilda Lopes do Rego, Maria das Neves Queiroz,Maria Amparo e do Cônego José Celestino Galvão, o responsável pelas“Missões Pedagógicas” na região do Seridó.

Essa mesma programação de estudos seria utilizada no Curso deHabilitação para professores não diplomados da capital, no período de 16 defevereiro a 07 de março de 1959, “com a finalidade de ajustar o professoradoprimário do estado às novas técnicas educacionais adotadas pela ReformaEducacional” (SECRETARIA DE EDUCAÇÃO PROMOVERÁ CURSO DEHABILITAÇÃO... 1959, p. 1). As aulas ficaram a cargo das professoras daEscola Normal de Natal, Iracema Brandão, Zilda Lopes do Rego, Josefa Lopesde Oliveira de Andrade, Maria Arilda de Menezes, Isabel Bessa e Djanira VanDer Linden. Os professores ainda não diplomados pela escola normal,participantes desse curso de habilitação, submeteram-se a uma prova deavaliação do rendimento, requisito para recebimento do certificado dehabilitação para docência primária.

Destinado a diretores e futuros orientadores educacionais dos gruposescolares de cinqüenta e um municípios do Rio Grande do Norte, além deprofessores de prática de ensino das escolas normais regionais, foi planejadopela Divisão de Estudos e Pesquisas Educacionais, O Ciclo TécnicasPedagógicas, ocorrido em Natal durante as duas últimas semanas do mês defevereiro, com uma programação constando de aulas, conferências e debates,“com fins de promover o estudo de problemas pedagógicos e de técnicas de

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ensino” (ENCERRADO, ONTEM, O CICLO DE TÉCNICAS PEDAGÓGICAS, 1959,p. 3). Os professores responsáveis por esse Ciclo de Técnicas Pedagógicasforam Lia Campos, Maria Alexandrino Sampaio, Zilda Lopes Rego, o CônegoJosé Celestino Galvão e Nilda Menezes do quadro técnico do Inep. Em tornode 200 docentes participaram desse ciclo, realizado sob a coordenação dodiretor do Departamento de Educação, Luciano Nóbrega.

Os anos do Governo Dinarte de Medeiros Mariz e José Augusto Varela –especialmente de 1957 a 1960 – assistiram a uma priorização da política decapacitação de professores primários no contexto da política educacional ecultural, como ilustram os exemplos a seguir. Em 1957, as professoras MariaPompéia de Castro Parceles, Grupo Escolar Moreira Dias, de Mossoró e EvaniQueiroz Lima, Jardim de Infância Modelo de Mossoró, por três meses, fizeramo Curso de Artes Aplicadas no CBPE do Rio de Janeiro. As professoras ZildaLopes Rego, Dagmar Filgueira e Terezinha Fernandes de Souza, por três meses,também participaram no CBPE, Rio de Janeiro, dos Cursos de Metodologia daMatemática, Metodologia da Linguagem e Regência de Classe.

Nos meses de maio a novembro de 1958, 1959 e 1960, a SEC-RN autorizoua saída de mais um grupo de professoras para realizar o Curso de ArtesIndustrias no CBPE do Rio de Janeiro. Faziam parte desse grupo, as professorasMaria Gilda de Souza, Escola Profissional Feminina de Natal, Arminda Francoda Silveira, Grupo Escolar 30 de Setembro de Mossoró, Irany de Arruda Câmara,Grupo Escolar Isabel Gondim de Natal, Naide Isabel Tinoco, Grupo EscolarAuta de Souza de Macaíba, Arlene Araújo, Grupo Escolar Mascarenhas Homemde Natal, Ivete Andrade de Menezes, Grupo Escolar Mascarenhas Homem deNatal, Maria da Conceição Balbino Guimarães, Grupo Escolar Cel. EstevamDantas de Mossoró, Maria Bernadete de Souza, Grupo Escolar Rural GovernadorDix-Sept Rosado de Mossoró, Francisco Alves de Oliveira, Escola Reunida AntonioGomes de Mossoró, Ivete Barros de Almeida, Grupo Escolar Senador Guerrade Caicó, Iracema Medeiros de Araújo, Grupo Escolar Senador Guerra deCaicó, Ivone Medeiros, Grupo Escolar Senador Guerra de Caicó, dentre outras.

Destinaram-se as professoras Dalva Maria da Silva, Grupo EscolarMascarenhas Homem de Natal, Salete Pires, Grupo Escolar 30 de Setembrode Mossoró e Gilda do Nascimento, Grupo Escolar Isabel Gondim de Natal, afreqüentarem, de julho a dezembro de 1958, um Estágio de Aperfeiçoamentodo Ensino na Escola Modelo Guatemala do Inep no Rio de Janeiro. Nos mesesde julho a dezembro de 1960, as professoras Corina Gomes de Lima, GrupoEscolar Frei Miguelinho de Natal e Vilma Francisca da Fonseca Tinoco, GrupoEscolar Auta de Souza de Macaíba, também freqüentaram o Curso de Regentede Classe na Escola Modelo Guatemala do Rio de Janeiro. Nessa mesmaEscola Modelo, Jacira dos Santos Góis realizou um Estágio de Arte Infantil, noperíodo de maio a novembro de 1959.

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Naquele meado do século XX, a eficácia do rendimento escolar estavafundamentalmente atrelada ao exercício profissional competente dosespecialistas da supervisão, da administração e da orientação educacional.Sob essa convicção, selecionaram-se no mês de julho de 1959, as professorasMiriam Lessa, Grupo Escolar João Tibúrcio de Natal e Djanira Van Der Linder,Grupo Escolar Isabel Gondim de Natal, para um Curso de Supervisão, no CentroRegional de Pesquisa de Porto Alegre. A profª Olindina Lima Gomes, ColégioEstadual do Ateneu Norte-Rio-Grandense, seria designada para um Estágiode Orientação Educacional, no Colégio Nova Friburgo do Rio de Janeiro. Aprofª Zilah Soares, Grupo Escolar Áurea Barros de Natal, seria indicada parano ano de 1960, representar o Rio Grande do Norte no III Curso de Formaçãode Especialista em Educação, oferecido pelo CBPE do Rio de Janeiro.

Próximo à saída do Secretário de Educação e Cultura, Grimaldi Ribeiro, a1º de fevereiro de 1960, o Governo Dinarte de Medeiros aprovou o Regulamentodo Ensino Primário e Normal do Rio Grande do Norte, Decreto n. 3.590. Nesseregulamento de 1960, atribuía-se ao estado absoluta prioridade pelaescolarização primária para todas as crianças de 7 a 13 anos de idade, oferecidanos grupos escolares, nas escolas reunidas e isoladas. A escolarização primáriacom seis anos de duração objetivava: a) a formação moral e desenvolvimentodas aptidões intelectuais, da sensibilidade e da imaginação; b) o conhecimentodo meio, estimulando o hábito de observação e da pesquisa pessoal e ointeresse pelos assuntos mais ligados à experiência do aluno, à sua região eao país; e, c) o estímulo ao gosto pelo trabalho e pelas atividades úteis [...],inclusive pela iniciação às técnicas mais correntes de trabalho (REGULAMENTODO ENSINO PRIMÁRIO..., 1960, p. 1).

As atividades de ensino e aprendizagem ancoravam-se nos estudos daLinguagem, da Matemática, dos Estudos Sociais, das Ciências Naturais, daRecreação e Jogos, da Cultura Artística e da Iniciação ao Trabalho,“adaptando-se ao tempo da escolarização dos alunos, das diferençasindividuais e das peculiaridades do meio” (REGULAMENTO DO ENSINOPRIMÁRIO..., 1960, p. 1). A aquisição dos conhecimentos intelectuais,morais, artísticos e daqueles inerentes ao trabalho útil, está legitimada pelorepertório teórico e metodológico da pedagogia da Escola Nova de naturezatécnica educacional e obedeceria:

a) à mais completa integração entre as suas várias formas de atividade,

articulando convenientemente o conhecimento teórico e a experiência

prática; b) à compreensão prática das coisas, fatos e técnicas ligadas à vida

corrente em vista da integração social do aluno; e c) à aplicação de métodos

baseados convenientemente nos interesses e atividades espontâneas da

criança (REGULAMENTO DO ENSINO PRIMÁRIO..., 1960, p. 1).

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Para homens da política como o Governador Dinarte de Medeiros Mariz eo Vice-governador José Augusto Varela, a educação escolar primáriaestruturada como outrora estava no início do ano de 1956, absolutamentenão era mais em nada compatível com o “mundo atual em que o indivíduo háque se entrosar com um processo científico e tecnológico galopante” (EMTORNO DO ENSINO, 1959, p. 2). Nos termos desse processo científico etecnológico, a elevação dos índices de rendimento educacional erainquestionavelmente indispensável.

Ao término do seu mandato de cinco anos (1956 a 1961), o GovernadorDinarte Mariz apreciava que a Reforma da Educação Escolar Primária no RioGrande do Norte, como uma política de governo, estava alicerçada nos preceitosatuais da pedagogia da educação nova. A Reforma da Educação EscolarPrimária já era então matéria de estudo de organismos internacionais, comomostra a afirmação:

[...] a Reforma do Ensino Primário, identificada com os princípios da Educação

Nova, se ampliou à vasta área do interior do estado, atingindo 32 municípios.

Vale ressaltar que as obras de educação ora levadas a efeito no Rio Grande

do Norte nos vieram situar em posição de pioneirismo no panorama do país,

havendo merecido destaque singular de ser recomendado como exemplo

no último relatório anual da Unesco, submetido à Assembléia Geral das

Nações Unidas (MARIZ apud RESUME O CHEFE DO EXECUTIVO SEU TRABALHO

DE QUATRO ANOS..., 1960, p. 1, grifos nossos).

2. A dimensão técnica educacional da Reforma do Ensino Normal

No dia 29 de maio de 1958, a Escola Normal de Natal festejou, assimcomo durante todo o ano de 1958, os seus cinqüenta anos em prol dadifusão da educação e da cultura no Rio Grande do Norte. Com meio séculode vida, a Escola avaliava que o momento exigia atualizar a missão doprofessor primário diplomado. E desde o início da Reforma do Ensino Normal,em 1958, essa instituição “vinha procurando incutir conhecimentos eaprimorar as vocações daqueles que poderiam chamar-se também deabnegados” (ESCOLA NORMAL, 1958, p. 3).

Para Anísio Teixeira, não haveria um magistério renovado sem uma teoriageral da educação de base psicológica, científica e social e muito menosuma reconstrução educacional sem o preparo qualificado didático, científicoe conteudístico do professor. Logo, a excelência da educação primáriadependeria soberanamente do rendimento pedagógico do curso magistériopúblico e do aperfeiçoamento continuado do professorado.

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A Reforma Educacional do Rio Grande do Norte, em correspondência comas formulações do Inep e evidentemente as teorizações ‘anisianas’, estabelececomo diretriz “que a formação do magistério elementar através das escolasnormais e de seus cursos, visará à preparação do professor, de acordo com asnecessidades e mudanças sociais da vida do estado e do país” naqueles anos50 (LEI n. 2171 de 1957..., p. 2). As autoridades educacionais idealizadorasdessa Reforma Educacional tinham o entendimento de que o aperfeiçoamentoe o rendimento educacional do professorado primário e normal decorreriam damaterialização eficaz dos objetivos, metas, estratégias e avaliação do rendimentodo Plano de Reformulação da Educação Primária e Normal do Estado.

Nessa direção, a formação renovada e uniforme do professor primário acargo do Instituto de Educação de Natal, dos Centros Educacionais de Formaçãodo Magistério Primário de Caicó e Mossoró e dos cursos normais regionais,indiscutivelmente estaria ancorada na combinação da teoria com a aprendizagemde uma rede de práticas escolares e de competências diversas no ambientedas escolas “primária e pré-primária destinadas ao campo de demonstração,experimentação pedagógica, bem como serviços de assistência e orientaçãoeducacional” (LEI n. 2171 de 1957..., p. 7).

Conforme menção anterior, o Plano de Reformulação da Educação EscolarPrimária e Normal do estado priorizou estrategicamente os anos de 1957 a1959 para o aperfeiçoamento de nosso de sistema de ensino, a começar peloponto básico, a capacitação do professor primário. Do ano de 1958 até o iníciode 1961, as autoridades educacionais responsáveis pela Reforma Educacionalvislumbraram “adentrar com profundidade no setor da educação pedagógica,donde se formam os professores, de cuja eficiência e capacidade intelectualdepende todo o êxito do Plano, em referência à orientação técnica educacional”(EDUCAÇÃO: NOVOS MÉTODOS NAS ESCOLAS DO ESTADO, 1958, p. 3). AReforma do Ensino Normal do estado, nos marcos de uma orientação técnicaeducacional, ateve-se à diretriz ‘anisiana’ “do Normal ser um curso vocacional,prático e de cultura aplicada” (TEIXEIRA, 1966, p. 286).

A Reforma Educacional, agora centralizada no Ensino Normal do estado,ao lado das comemorações dos cinqüenta anos da Escola Normal de Natal,motivou o Secretário de Educação e Cultura, Grimaldi Ribeiro, quando de umencontro de trabalho com Anísio Teixeira, a solicitar a vinda ao Rio Grande doNorte, da Mme. Hélène Brulé, inspetora do Departamento das Escolas Normaisde Paris, técnica da Unesco para a educação, então, consultora do CBPE,notadamente na Divisão de Aperfeiçoamento do Magistério.

Autorizada por Anísio Teixeira para colaborar nos primeiros momentosda execução da Reforma do Ensino Normal do Estado, a Missão Pedagógicaem que a Mme. Hélène Brulé atuou foi dividida em duas etapas. Na primeira,coube-lhe proferir uma conferência em Natal, aberta aos professores em

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geral e intitulada A Nova Concepção de Ensino Normal. Em seguida, pronunciouuma palestra destinada a alunos e professores da Escola Normal de Natalsobre A Organização do Ensino Normal na França. E, finalmente, organizoucírculos de estudos com as Congregações das Escolas Normais de Natal deCaicó e Mossoró, norteados pela temática A Preparação do Magistério Primáriona França e no Brasil (ESPECIALISTA FRANCESA EM EDUCAÇÃO COLABORÁNA APLICAÇÃO DA REFORMA....1959).

A segunda etapa dessa Missão Pedagógica constou de uma reunião deestudos, encerrando três seminários sobre A Reforma do Ensino Normal no RioGrande do Norte, os quais se realizaram em Caicó, Jardim do Seridó e Mossoró,promovidos pelo Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais da SEC-RN esupervisionados pela profª Lia Campos e a própria Mme. Helène Brulé. Osseminários acerca da Reforma do Ensino Normal no Rio Grande do Norte,englobando conferências, debates e reuniões de estudos, estiveram sob a direçãodos professores Cônego José Celestino Galvão, Diretor da Escola Normal Regionalde Caicó e responsável pelas Missões Pedagógicas no Seridó e do Padre Jalmirde Albuquerque, Diretor da Escola Normal Regional de Jardim de Seridó.

“Formar uma elite para o nosso magistério primário”, era a tarefa maior daReforma do Ensino da Escola Normal, como enfaticamente assinalou o ex-secretário Tarcísio Maia (MAIA apud PROGRAMAS DE ENSINO, 1958, p. 3), jáque a tarefa especial da Escola Normal, nas palavras de Anísio Teixeira, “era a de‘como’ ensinar e treinar, ‘como’ tratar de organizar o saber para a tarefa deensino em diferentes níveis e com diferentes objetivos” (TEIXEIRA, 1969, p. 242).

Evidentemente que uma Reforma Educacional orientada por critériosteóricos, metodológicos, técnicos e científicos, consubstanciados no Plano deReformulação da Educação Primária e Normal do Estado, requeria oestabelecimento de intersecções entre a Secretaria de Educação e o Inep,entre os Centros de Pesquisas Educacionais e instituições nacionais einternacionais, bem como, entre a Secretaria de Educação e Cultura e asescolas normais, a Associação dos Professores do Rio Grande do Norte e osprofessores, diretores e especialistas educacionais.

Em vista desses possíveis intercâmbios, articulações e conexões, a Cartade Lei que aprovou a Reforma Educacional de 1957 designava o Instituto deEducação de Natal, norteado pelo objetivo da melhoria do magistério primário,a oferecer “na medida de suas possibilidades, cursos de especialização eaperfeiçoamento, para o que, poderia procurar a cooperação de técnicosnacionais ou estrangeiros” (LEI n. 2.171 de 1957..., p. 7). Mais ou menosum decênio antes, Anísio Teixeira chamava a atenção para o fato de que a“unidade planetária, apenas esboçada, havia de refletir profundamente namentalidade do homem moderno, que tem que pensar em termos muito

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mais largos do que os de seu esplêndido isolamento local ou nacional deoutros tempos” (TEIXEIRA, 2000, p. 33).

Com a finalidade de aperfeiçoamento do trabalho pedagógico doprofessor da escola normal pelas balizas conceituais, valorativas, gerais eespecíficas das ciências da educação, as autoridades educacionais norte-rio-grandenses firmaram convênios entre a SEC-RN e o CBPE do Rio de Janeiroe com os Centros Regionais de Pesquisas Educacionais de São Paulo, PortoAlegre, Belo Horizonte, Salvador e Recife, dentre outras instituições, com“referendum” do Inep, que concedia bolsa de estudo ao professor do ensinonormal estadual.

No Rio Grande do Norte, o programa de capacitação do professor doEnsino Normal nos Centros de Pesquisas Educacionais já começou a serimplementando no final do governo Sylvio Piza Pedroza (1951-1956), quandoum número reduzido de professores não diplomados freqüentou, no mês dejaneiro de 1956, um Curso de Férias no Centro Regional de PesquisaEducacional de Porto Alegre, cuja ênfase fora dada no processo de ensino eaprendizagem pelo recurso da atividade.

O aperfeiçoamento do trabalho pedagógico do professor da escola normale também da escola primária, tornou-se uma meta ambiciosa e estratégicapara as autoridades políticas e para os promotores da Reforma Educacionalde 1957. Nos anos 1950, a educação escolar de qualidade estava assimiladacomo fator político estratégico para a prosperidade econômica e progressosocial. Nas palavras do Governador Dinarte Mariz, “a educação e a culturaconstituem para todo governo democrático, o mais legítimo programa deseu roteiro administrativo, porque são elementos integrantes de progressosocial e formação política” (MARIZ apud RESUME O CHEFE DO EXECUTIVOSEU TRABALHO DE QUATRO ANOS..., 1960, p. 1).

Posta dessa forma, a política de capacitação dos professores dos níveisprimário e médio se colocou, para o Governo Dinarte Mariz, como sendo umaestratégia para atingir o progresso social e a prosperidade econômica. Poressa estratégia, era primordial para os governantes locais investir na políticade capacitação do professorado da rede de ensino estadual, pelo menos.

A par dessa política de governo, no ano de 1958, três professoras dasescolas normais de Natal, Caicó e Mossoró estiveram, juntamente com osprofessores de mais sete estados, no 1º Congresso Brasileiro de Reformado Ensino Normal, realizado em abril de 1958 em Porto Alegre, com opropósito de trazerem contribuições à Reforma do Ensino Normal, “comoparte de um programa de ensino orientado no sentido de preparar melhoras novas gerações e abrir novos caminhos à sua cultura e ao seu progresso”(ENSINO NORMAL, 1958, p. 3). Após o congresso, a profª Elza Sena, Diretorada Escola Normal de Natal e o Cônego José Celestino Galvão, Diretor da

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Escola Normal Regional de Caicó, participaram de um curso de dois mesesno Centro Regional de Pesquisa Educacional sobre O Novo Sistema deEnsino Pedagógico.

Ao regressarem, a profª Elza Sena criou o Serviço de OrientaçãoEducacional na Escola Normal de Natal e o Cônego José Celestino Galvãoestruturou o Curso Pedagógico de Caicó para ser oficialmente instalado a23 de abril de 1958. Durante o ano de 1959, a profª Elza Sena freqüentouum Curso de Especialização em Ensino Normal, na Pontifícia Universidadede São Paulo.

Ainda no ano de 1958, a profª René Pinheiro Borges da Escola Normalde Natal, era autorizada a realizar por seis meses o Curso Recreação eAtividades Artísticas no CBPE do Rio de Janeiro. A profª Stela RodriguesFerreira da Escola Normal de Mossoró, conseguiu autorização para fazer,por seis meses, o Curso de Aperfeiçoamento em Música, no Conservatóriode João Pessoa. As professoras Concessa Cunha de Figueredo e IvaneidePereira dos Santos do Grupo Escolar Antonio de Azevedo e Escola NormalRegional de Jardim do Seridó, respectivamente, freqüentaram o Curso dePrática de Ensino no Centro Regional de Pesquisa Educacional de Porto Alegre,durante seis meses.

O médico Raimundo Nonato Cavalcanti Nunes, professor da cadeira deHigiene e Puericultura da Escola Normal de Natal realizou um Curso deAperfeiçoamento em Buenos Aires, pelo prazo permitido de quatro meses.A profª de Inglês, Maria Núbia da Câmara Borges do Colégio Estadual doAteneu Norte-rio-grandense foi designada para cumprir o Curso de Língua eLiteratura Espanhola, em Madrid, no primeiro semestre do ano de 1960. E aprofª Igara Wanderley de Almeida Rocha da Escola Profissional Feminina deNatal, foi autorizada a freqüentar, no segundo semestre do ano de 1960,um curso de música, no Conservatório de Canto Orfeônico no Rio de Janeiro.

No ano de 1959, o prof. Acrísio Freire foi contemplado com uma bolsado Inep para, nas férias de julho, conhecer a organização do Ensino Normale Primário Artesanal em Porto Alegre. Entre julho a dezembro dos anos1959 e de 1960, as professoras Concessa Cunha Figueredo do Curso NormalRegional de Jardim do Seridó, Anaíde Dantas do Curso Normal Regional deMacau, Maria das Neves Dantas do Grupo Escolar Caetano Dantas deCarnaúba dos Dantas, Carmem Fernandes Pedroza e Alda Aldira de Araújose especializaram, respectivamente, em Estudos Sociais, Metodologia daLíngua Pátria, Metodologia da Matemática, Currículo e Supervisão no Institutode Educação de Belo Horizonte, pelo Programa de Assistência Brasileiro-Americano ao Ensino Elementar (PABAEE), funcionando nessa capitaldesde 1958, como resultado de um convênio feito entre os governos dos

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Estados Unidos, (Ponto IV6), do Brasil e de Minas Gerais. Na capital mineira,as referidas professoras portadoras de bolsa de estudos do próprio PABAEE,tiveram um bom aproveitamento nas aulas teóricas e práticas e realizarampesquisas sob a orientação de professores brasileiros e americanos.

Em setembro de 1959, o Secretário de Educação e Cultura, GrimaldiRibeiro, foi especialmente convidado, e confirmado por Anísio Teixeira, peloInstituto of Inter American Affairs dos Estados Unidos a integrar a comitiva dedez educadores brasileiros, dentre eles, Jaime Abreu (Inep), Ovídio de Andradee Eduardo de Carvalho (Capes), Raimundo José da Mata (UFBA) e Luiz HenriqueTavares (Centro Regional de Pesquisa Educacional de Salvador) para realizarum curso de especialização por três meses (setembro a dezembro), sobre“métodos pedagógicos adotados naquele país, além do currículo dos níveisprimário, secundário e normal, que estão passando, atualmente, [naquelemomento] por um movimento de ampla renovação.” Após esse curso deespecialização, os nossos educadores visitaram as Universidades de Chicago,de Michigan e de Illiois (SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO REALIZARÁ CURSOINTENSIVO NOS ESTADOS UNIDOS, 1959, p. 1).

O Plano de Reformulação da Educação Primária e Normal havia estabelecidoque os professores e técnicos beneficiados com bolsas de estudo do Inep esalário integral para participação em cursos de especialização, aperfeiçoamentoou mesmo estágio em estabelecimentos de ensino modelos, tipo EscolaGuatemala do Rio de Janeiro e Escola Carneiro Ribeiro ou Escola-Parque de Salvador,ficavam obrigados a prestar cinco anos de serviço ao magistério do Rio Grande doNorte, dentre outras atribuições, participando das equipes docentes das “SemanasPedagógicas” e dos “Ciclos de Técnicas Pedagógicas” organizados pela SEC-RN.Tais semanas e ciclos eram geralmente dirigidos aos professores primários dasescolas de Natal e das cidades de porte médio, englobando os das cidadescircunvizinhas, exceto os professores da zona rural, que foram pedagogicamenteassistidos pelo Programa de Aperfeiçoamento do Magistério Primário (Pamp).

Essa estratégia seria fundamentalmente voltada à multiplicação dos sabereseleitos da linguagem, das Ciências Naturais, da Matemática, da História, daGeografia e das respectivas metodologias de ensino. Nas “Semanas Pedagógicas”e nos “Ciclos de Técnicas Pedagógicas”, a ênfase era substancialmente postano “como” ensinar e no “como organizar o saber”, sempre objetivando o melhoraproveitamento do processo escolar de ensino e aprendizado.

6 O Ponto IV dizia respeito ao Programa de Cooperação Técnica Internacional, criado em 1949 peloPresidente dos Estados Unidos, Herry Tuman, destinados aos países da América Latina. Compreendiaacordos de cooperação técnica e o intercâmbio nas áreas de economia, administração pública, saúde,educação, alimentação e assistência técnica. Na área de educação escolar, privilegiou a formação deprofessores em geral (XAVIER, 1999).

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Os professores de Prendas Domésticas e de Trabalhos Manuais da Capitalforam convocados, em agosto de 1960, pelo Centro de Estudos e PesquisasEducacionais da SEC-RN, para se fazerem presentes num Curso Intensivo deArtes Industriais, constando esse, das seguintes matérias: Metodologia dosTrabalhos Manuais e Técnicas de Trabalho em Cerâmica, Encadernação,Tapeçaria, Mosaico, Vitral, Azulejos, Monotipias, Madeira e Fantoche (NOTADA SECRETARIA DE ESTADO..., 1960). Um número expressivo de professoresdas escolas isoladas e das escolas reunidas das cidades interioranas foiconvocado a participar por um mês, de Curso de Aperfeiçoamento em ArtesIndustriais na Escola Profissional Feminina de Natal, cujo programa desenvolvidocompreendia também Metodologia dos Trabalhos Manuais e Técnicas deTrabalho em Cerâmica, Encadernação, Tapeçaria, Mosaico, Madeira e Fantoche.As aulas foram ministradas por professores que freqüentaram cursos nos Centrosde Pesquisas Educacionais ou em instituições vinculadas aos referidos Centros.

Note-se que como observado, a Reforma Educacional de 1957 sobreelevaria e dobraria a oferta da disciplina Artes Industriais, por se destinar àiniciação do aluno e futuro trabalhador na atividade fabril e destreza muscular.Era o começo de um novo tempo industrial e tecnológico, em que odesenvolvimento das vocações individuais, pressupunha-se, seria alcançado.Por essa razão, a SEC-RN investiu maciçamente na capacitação dos professoresde grande parte das escolas primárias e normais do Rio Grande do Norte.Também investiu em atividades extras escolares como Exposições de ArtesIndustriais e Material Audiovisual, organizadas no início do ano letivo de 1960.

O propósito de uma homogeneidade de saberes, metodologias e técnicasde ensino no plano estadual motivou a SEC-RN a convidar professores do MECe de outros estados, para ministrar, com a colaboração dos docentes locais,um curso de Psicologia Aplicada ao Ensino com oficinas de artes industriais,recreação e audiovisual. A efetivação plena das diretrizes da ReformaEducacional de 1957 no tocante à capacitação do conjunto do professoradodemandou ainda, já no terceiro ano do Governo Dinarte Mariz, outrasestratégias, novos acordos e imediatas decisões políticas educacionais.

Nesse sentido, um entendimento foi acertado pela SEC-RN com aAssociação dos Professores do Rio Grande do Norte (APRN), criada emdezembro de 1920, para que os seus associados colaborassem com a ReformaEducacional por meio da oferta de palestras, seminários, cursos e ateliês. De16 a 26 de outubro de 1958, a SEC-RN e a Divisão de Educação Física do MEC,com o apoio da APRN, ministraram em Natal, um Curso de Educação Física,com a presença de mais de 200 inscritos. Nesse mesmo período, ainda comapoio da APRN, por meio de seus associados, mais de 150 professores seinscreveram em seminários sobre Metodologia da Linguagem, Didática daMatemática e dos Estudos Naturais e Recreação.

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As ações entrelaçadas entre o Inep, a Secretaria de Educação e Cultura,os Centros de Pesquisas Educacionais, as instituições nacionais einternacionais, bem como entre a Secretaria de Educação do estado com asescolas normais, com a Associação dos Professores do Rio Grande do Norte,professores, diretores e especialistas educacionais permitiram, de algumamaneira, a materialização da dimensão formativa do educador científico,tão cara a Anísio Teixeira e que consistia em:

[...] aplicar o conhecimento científico nos três níveis da atividade educativa:

na organização e gestão dos serv iços escolares, na formação dos

professores e , por fim, no interior mesmo da escola, onde era preciso

introduzir o que Anísio chamava de espírito científico, percebido quase

como sinônimo de espírito experimentalista, de investigação e de pesquisa

(MEDONÇA, 1997, p. 4).

Seja como for, o entendimento de um “educador científico” perpassariaa carta de Lei n. 2.889 de 11 de janeiro de 1961, aprovada pela AssembléiaLegislativa do Rio Grande do Norte, dispondo a organização do Ensino Normalno estado, que compreendia o Curso Pedagógico de Nível Médio, com duraçãode três anos, e do Ensino Normal Regional de Nível Ginasial, com duraçãode quatro anos. Ao primeiro cabia oferecer uniformemente, Linguagem,Matemática, Estudos Sociais, Ciências Naturais, Recreação e Jogos, Músicae Artes Industriais para a Escola Primária, além de Fundamentos da Educaçãoe Prática de Ensino. Ao segundo cabia difundir homogeneamente, Português,Matemática, História Geral e do Brasil, Ciências Físicas e Naturais, ArtesAplicadas, Atividades Econômicas da Região, Música, Jogos e Recreaçãopara a Escola Primária, além de noções de Pedagogia, Prática de Ensino,Metodologia das Matérias do Ensino Primário e Fundamentos da Educação(LEI N. 2.889, 11 DE JANEIRO DE 1961).

O alcance da dimensão formativa do educador científico passavainexoravelmente pelo aprofundamento do conhecimento teórico,metodológico e didático, ministrado no âmbito da escolarização primária.Ser um educador científico naqueles anos de 1950 e início de 1960, emtese, resumia-se em dominar a didática e o conteúdo das disciplinasensinadas na escola primária e possuir os atributos de criatividade,disciplina, organização e o entusiasmo pela atividade de investigarconcomitante a de ensinar, além de uma adesão plena aos princípios,repertórios, métodos e técnicas da pedagogia da Escola Nova de cunhotécnico educacional. Para tanto, precisou-se incentivar mais e mais hábitosde leitura e escrita entre as novas gerações.

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O incentivo à cultura do ler e do escrever foi mais uma política adotadano governo Dinarte Mariz a partir do ano de 1959. Ora, se o governo DinarteMariz tinha o objetivo de impulsionar novos padrões de sociabilidade, acomeçar pela escola pública, as feiras de livros se tornaram extremamenteestratégicas em vista a esse intento e em que pese as suas ocorrênciassomente na capital Natal. Na Feira do Livro de 1959, seriam premiadasobras científicas e didáticas referentes: i) à literatura geral e regional; ii)às lendas, mitos e folclore; iii) à geografia, corografia, etnografia eantropologia nordestinas; iv) à sociologia da região nordestina; v) àmineralogia, geologia, paleontologia do Nordeste; vi) e a fatos econômicosda região Nordeste e do Rio Grande do Norte.

3. As diretrizes técnicas educacionais das construções escolares

Para o diretor do Inep, “nenhum outro dever é maior do que o dareconstrução educacional, e nenhuma necessidade é mais urgente que ade traçar os rumos dessa reconstrução e a de estudar os meios de promovê-la” (TEIXEIRA, 1953, p. 7). A esse respeito, sobre elevava-se a planificaçãodos edifícios e dos equipamentos escolares em todo país.

No Governo Sylvio Piza Pedroza (1951-1956), no dia 11 de março de1954, o prédio monumental do Instituto de Educação de Natal, equipadocom auditório, gabinete dentário e laboratórios – edifício de alto porte –nas palavras de Aderbal de França (1954, p, 3), foi inaugurado com apresença do vice-presidente da República, o norte-rio-grandense João CaféFilho e do diretor-geral do Inep, Anísio Teixeira. A vinda de Anísio Teixeirapara a inauguração do Instituto de Educação de Natal, que à época tambémsediou o Colégio Estadual do Ateneu Norte-rio-grandense, assimdenominado, deveu-se ao fato de que recursos financeiros para construçãodessa obra monumental serem, em parte, provenientes do Programa deCooperação Financeira às Unidades Federativas e em parte, recursos dotesouro do próprio estado.

Foi pelos novos critérios legais, Decreto n. 3.7082 de 24 de março de1955, tangentes aos progressos nos índices da escolarização primária emédia e aos recursos estaduais destinados à Educação Primária e Média,além do cumprimento integral dos convênios acordados com o planofederal, que o governador Dinarte Mariz celebrou novos convênios com oInep, com o compromisso institucional de aplicar os recursos provenientesdo Programa de Cooperação Financeira às Unidades Federativas na“construção de grupos escolares a serem distribuídos com prioridade noslugares onde mais prementes se fizessem sentir as necessidades doensino. Inclui-se também nessas cogitações, a melhoria da nossa rede

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escolar” (MENSAGEM DO EXMO SENHOR GOVERNADOR..., 1956, p. 1).Além disso, propunha-se ainda, distribuir merenda escolar a 34 mil alunosda rede primária pública, adquirida com recursos dos acordos assinadosentre o estado e a Divisão de Merenda Escolar do MEC.

Entre 1956 e 1961, no cumprimento dos convênios firmados com oInep, um número razoável de grupos escolares foram construídos einaugurados nas diversas regiões do Rio Grande do Norte. Na região doSeridó, por exemplo, foram edificados os Grupos Escolares Rotary eVillagran Cabritta, esse último, nas dependências do Batalhão deEngenharia da cidade de Caicó e o Capitão Mor-Galvão, em Currais Novos.Percebe-se que os grupos escolares projetados e inaugurados obedeciamàs diretrizes técnicas educacionais da Reforma Educacional de 1957,conferindo-lhes articulação entre o plano espacial e o organizacional, entreo ensino por atividade e práticas artísticas e entre pedagogia e psicologiaescolar. Progresso educacional e progresso intelectual apareciam lado alado na discussão, envolvendo a destinação social das construçõesescolares no estado.

A construção das obras escolares vem repercutindo favoravelmente e

chamando a atenção das maiores autoridades em educação do país, que

se mostram, sobretudo, surpresos com o arrojo da iniciativa de um estado

do polígono das secas que, enfrentando toda a sorte de percalços, não

descura da instrução de sua gente. Cabe, também, salientar a colaboração

patriótica e inestimável do Inep, que suprimindo a maior parte da nossa

deficiência material, possibilitou à administração estadual alcançar mais

um dos seus objetivos no plano das realizações em que se traçou, visando

ao progresso inte lectua l de nossa gente que merece melhores

oportunidades (PELA INSTRUÇÃO PÚBLICA, 1959, p. 3).

A Faculdade de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande doNorte também foi beneficiada com um auxílio financeiro do Inep, paraaquisição de poltronas anatômicas para o auditório, com 290 (duzentos enoventa) lugares. O jornal “A República” fez referência ao ocorrido, assimnotificando:

[...] é lícito afirmar que essa doação do Inep se deve a uma solicitação da

direção da escola, ao empenho do Secretário de Educação, Grimaldi

Ribeiro, e aos bons ofícios do Dr. Péricles Madureira de Pinho, que não

mediu esforços para que a UFRN recebesse do Inep essa cooperação

oportuna e valiosa (DOAÇÃO A UMA FACULDADE, 1959, p. 5).

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Em 26 de março de 1960, o Governador Dinarte Mariz inaugurou o Institutode Educação de Caicó, erigido com recursos do Programa de CooperaçãoFinanceira às Unidades Federativas, administrado pelo Inep, sendo o seuprimeiro diretor, o Conêgo José Celestino Galvão, que também dirigiu o CursoPedagógico por ele estruturado. O Instituto de Educação de Caicó7, criadopelo Decreto n. 2.639 de 22 de janeiro de 1960, assim como o de Mossoró,espécies de complexos educativos, reuniam o jardim de infância, a escola deaplicação, o curso secundário e o curso pedagógico, além de quadra de esportee espaços para recreação e artes industriais. O mobiliário escolar de um eoutro complexo foi comprado no Paraná, em fábricas especializadas naconfecção desse tipo de mobília.

Para orientar e acompanhar a implantação da Reforma Educacional emCaicó, o Secretário de Educação e Cultura, Grimaldi Ribeiro, solicitou a AnísioTeixeira um especialista do próprio Inep. Prontamente, o Diretor do Institutodesignou a profª Eny Caldeira, que em Caicó, permaneceu por mais ou menosdois anos. Durante a sua permanência na cidade, orientou a implantação daReforma Educacional no âmbito local, coordenou cursos e treinamentos paraprofessores da região do Seridó, notadamente sobre metodologia do ensinodo Português, Matemática e Estudos Sociais. Para Mossoró, o SecretárioGrimaldi Ribeiro designou a profª Dalvani Rosado, da própria cidade.

Em novembro de 1960, a profª Lia Campos, pelo eficiente trabalhodesenvolvido na Diretoria de Estudos e Pesquisas Educacionais da SEC-RN, foiindicada pelo governador Dinarte Mariz para compor o Conselho Estadual deEducação e Cultura, ao lado de autoridades educacionais e culturais, comoLuis da Câmara Cascudo, Max Cunha de Azevedo, Olidina Lima Gomes daCosta, Luciano Alves da Nóbrega e o atual Secretário de Estado de Educaçãoe Cultura, Romildo Fernandes e Gurgel, também presidente do ConselhoEstadual de Educação e Cultura (DIÁRIO OFICIAL, 1960).

O governo seguinte, de Aluísio Alves (1961-1964), deu continuidade àpolítica de capacitação docente, sob a regência da diretora de Estudos ePesquisas Educacionais da SEC-RN, a Profª Lia Campos. Além disso, renovouconvênios firmados com o Inep durante o governo Dinarte Mariz, assinouconvênios com a Aliança Para o Progresso e convidou o intelectual GrimaldiRibeiro de Paiva para reassumir a Secretaria de Estado de Educação e Cultura.

7 Em 1976, após a morte do político caicoense José Augusto Bezerra de Medeiros, o Instituto de Educaçãode Caicó passou a se chamar Centro Educacional José Augusto.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Textos de Anísio Teixeira

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Educação – problema da formação nacional. Revista Brasileira de EstudosPedagógicos, Rio de Janeiro, v. 29, n. 70, p. 21-32, abr./jun. 1958.

O problema de formação do magistério. Revista Brasileira de EstudosPedagógicos, Rio de Janeiro, v. 46, n. 104, p. 278-287, out./dez. 1966.

Educação é um Direito. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1968.

Educação não é privilégio. 2. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1968a.

Escolas de Educação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio deJaneiro, v. 51, n. 114, p. 239- 259, abr./jun. 1969.

Pequena introdução à filosofia da educação – A escola progressiva ou atransformação da escola. 6. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

Livros, Dissertações, Trabalhos em Anais e Artigos em Periódicos

As atividades do Inep e dos Centros de Pesquisas Educacionais (1958). RevistaBrasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 31, n. 73, p. 31-98,jan./mar.1959.

Ação do Inep e Centros de Pesquisas no Qüinqüênio 1956-60. RevistaBrasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 35, n. 81, p. 93-135,jan./mar. 1961.

AZEVEDO, Fernando de. Discurso proferido na inauguração do Centro dePesquisas Educacionais de São Paulo. Educação e Ciências Sociais, Rio deJaneiro, v. 1, n. 2, p. 5-12, ago. 1956.

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LOURENÇO FILHO, Manuel Bergstrõm. Antecedentes e primeiros tempos doInep. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 42, n. 95,p.8-17, jul./set. 1964.

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O Inep e os órgãos executores de planos especiais: Realizações em1956 enovos planos de trabalho. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio deJaneiro, v. 27, n. 65, p. 146-161, jan./mar. 1957.

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Matérias de Jornais

A Lei da Reforma. A República, Natal, 31 janeiro de 1958.

A Reforma do Ensino Primário. A República, Natal, 02 fevereiro de 1958.

Amanhã, na rádio Nordeste, palestra sobre a “Reforma Tarcísio Maia”:falará o Secretário de Educação. A República, Natal, 03 março de 1958.

A Reforma Tarcísio Maia. A República, Natal, 25 abril de 1958.

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285Uma Ousada Reforma Educacional do Governo Dinarte Marizno Rio Grande do Norte (1956-1961)

BOAVENTURA, Edivaldo M. Ensino com entusiasmo. Jornal A Tarde, Salvador(BA), 07. julho de 2000.

Curso de aperfeiçoamento para orientadores educacionais. A República, Natal,09 fevereiro de 1958.

Curso intensivo para professores de escolas reunidas isoladas. A República,Natal, 24 agosto de 1958.

Doação a uma faculdade. A República, Natal, 20 agosto de 1959.

Educação: novos métodos nas escolas do estado. A República, Natal, 31janeiro de 1958.

Elevação do nível educacional do estado, ema das diretrizes da atualadministração. A República, Natal, 31 janeiro de 1959.

Em torno da reforma. A República, Natal, 09 abril de 1958.

Em torno do ensino. A República, Natal, 12 dezembro de 1959.

Encerrado ontem, o Cilco de Técnicas Pedagógicas. A República, Natal, 01março de 1959.

Ensino Dinâmico. A República, Natal, 11 fevereiro de 1959.

Escola Normal. A República, Natal, 27 maio de 1958.

Especialista francesa em educação colaborá na aplicação da reforma do EnsinoNormal em nosso estado. A República, Natal, 19 agosto de1959.

França, Aderbal (pseudônimo Danilo). Ensino e educação. Diário, Natal, 13mar. 1954.

Missões Pedagógicas. A República, Natal, 18. setembro de 1958

Pela instrução Pública. A República, Natal, 10 agosto de 1959.

Programas de ensino. A República, Natal, 16 jun. 1958.

Posse do professor Luciano Nóbrega na direção do Departamento de Educação.A República, Natal, 08 janeiro de 1959.

Reforma Tarcísio Maia: trabalho de elevação do nível educacional primário. ARepública, Natal, 25 fevereiro de 1958.

Reforma do Ensino. A República, Natal, 17 junho de 1958.

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286 Anísio Teixeira na Direção do INEP: Programa para a Reconstruçãoda Nação Brasileira (1952-1964)

Resume o chefe do executivo seu trabalho de quatro anos e manifestaconfiança nos destinos do Rio Grande do Norte. A República, Natal, 02fevereiro de 1960.

Observa o Ensino Primário no Rio Grande do Norte a Professora Lia Campos.A República, Natal, 1º fevereiro de 1957.

Secretário de Educação ao professorado. A República, Natal, 21 fevereiro de1958.

Secretaria de Educação promoverá curso de habilitação para professores nãodiplomados. A República, Natal, 03 fevereiro de 1959.

Secretário de Educação Realizará curso intensivo nos Estados Unidos. ARepública, Natal, 09 setembro de 1959.

Leis, Decretos, Inquéritos

Rio Grande do Norte (Estado). Lei n. 2.171, de 6 de dezembro de 1957.Organiza e fixa as bases da educação elementar e da formação domagistério primário no Estado. Natal, Rn, 1957 (mimeo.).

Rio Grande do Norte (Estado). Governador (1956-1961): Dinarte de MedeirosMariz. Mensagem do Exmo Sr. Governador Dinarte de Medeiros Marizapresentada à Assembléia Legislativa Estadual a 1º de junho de 1956.Diário Oficial [do] Estado do Rio Grande do Norte, Natal, RN, v. 56, n.136, p. 1, 17 junho de 1956.

Rio Grande do Norte (Estado). Lei n. 2.225 de 09 de dezembro de 1957.Organiza a Secretaria de Estado de Educação e Cultura e dá outrasprovidências. Diário Oficial [do] Estado do Rio Grande do Norte, Natal,RN, v. 68, n. 132, p. 3, 4 dezembro de 1957.

Rio Grande do Norte (Estado). Decreto n 3.364 de 27 de agosto de 1959.Aprova o Regimento Interno do Colégio Estadual Ateneu Norte-rio-grandense. Diário Oficial [do] Estado do Rio Grande do Norte, Natal, RN,v. 70, n. 326, p. 1, 4 setembro de 1959.

Rio Grande do Norte (Estado). Regulamento do ensino primário e normaldo Estado do Rio Grande do Norte (Decreto n. 3.590 de 1º de fevereiro de1960). Diário Oficial [do] Estado do Rio Grande do Norte, Natal, RN, v. 70,n. 457, p. 1, 9 fevereiro de 1960.

Rio Grande do Norte (Estado). Nota da Secretaria de Estado de Educação eCultura do Rio Grande do Norte. Diário Oficial [do] Estado do Rio Grande doNorte, Natal, RN, v. 71, n. 375, p. 2, 21 agosto de 1960.

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287Uma Ousada Reforma Educacional do Governo Dinarte Marizno Rio Grande do Norte (1956-1961)

Rio Grande do Norte (Estado). Reunião do Conselho Estadual de Educação eCultura. Diário Oficial [do] Estado do Rio Grande do Norte, Natal, RN, v. 71, n.146, p. 2, 17 dezembro de 1960.

Rio Grande do Norte (Estado). Lei n. 2.889 de 11 de janeiro de 1961. Trata daorganização do Ensino Normal e dá outras providências. Diário Oficial [do] Estadodo Rio Grande do Norte, Natal, RN, v. 71, n. 189, p. 1, 12 janeiro de 1961.

Rio Grande do Norte. Estudos e levantamentos de ensino normal. ResponsávelEny Caldeira. Rio de Janeiro: Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais -Inep/MEC, 1959.

Entrevista

RÊGO, Zilda Lopes.

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