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1 ANJOS TAMBÉM MORREM... EM CASA!!! Maria Amélia Azevedo Pedagoga/FEUSP Advogada/FDUSP Doutora em Educação/FEUSP Livre Docente Titular/IPUSP Viviane Nogueira de Azevedo Guerra Assistente Social /PUCSP Doutora em Serviço Social / PUCSP 1.0 Introdução Fonte: Bolsanello, A. e Bolsanello, M. Augusta [1993] – Conselhos. Análise do Comportamento Humano em Psicologia. Curitiba: Editora Educacional Brasileira, p. 42

ANJOS TAMBÉM MORREM EM CASA!!!...Emergência vasculhavam o mato, os estacionamentos, os bueiros. Num helicóptero, policiais examinavam lagos e vias aquáticas enquanto equipes com

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ANJOS TAMBÉM MORREM... EM CASA!!! Maria Amélia Azevedo

Pedagoga/FEUSP Advogada/FDUSP

Doutora em Educação/FEUSP Livre Docente Titular/IPUSP

Viviane Nogueira de Azevedo Guerra

Assistente Social /PUCSP Doutora em Serviço Social / PUCSP

1.0 Introdução

Fonte: Bolsanello, A. e Bolsanello, M. Augusta [1993] – Conselhos. Análise do Comportamento Humano

em Psicologia. Curitiba: Editora Educacional Brasileira, p. 42

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A foto relembra duas crianças.

KIESHA (6 anos) KELCI (1 ano)

Distantes no tempo e no espaço, ambas foram assassinadas no lar, porque ANJOS

TAMBÉM MORREM... em casa!!!

Duas perguntas que não querem calar:

COMO ? POR QUE ?

Vamos tentar respondê-las, do ponto de vista de quem trabalha na PREVENÇÃO DA

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA em geral, mas principalmente da mais aterrorizante de todas: a

FATAL!

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2.0 COMO ?

O artigo sobre KIESHA e a notícia sobre KELCI dão algumas pistas.

2.1 A CAÇADA PARA ACHAR KIESHA

Seu desaparecimento chocou a comunidade. Mas dois detetives determinados não descansariam até resolver esse caso complicado...

________________________ Por Simon Bouda

O ALARME FOI DADO exatamente às 10h03 de

1º agosto de 2010, um domingo. < ‘Alô? Eu... acabei de acordar e notei que a

porta da frente estava aberta’, disse a mulher angustiada à telefonista da central de emergência. ‘E minha filha não está aqui!’ A mulher agora chorava. ‘Ela tem 6 anos... Está de pijama... É loura, de olhos azuis!’ >

Enquanto mandava a polícia para o local, um prédio de apartamentos em Mount Druitt, na periferia oeste de Sydney, a telefonista procurou obter mais detalhes. O nome da menina era Kiesha Weippeart. A mãe, Kristi Abrahams, dividia o apartamento com o companheiro Robert Smith. Ela disse à polícia que tinham posto a menina para dormir no quarto por volta das nove e meia da noite anterior. Explicou que tinham acordado umas 12 horas depois e encontraram o quarto vazio.

Era como se a menina simplesmente tivesse sumido na noite.

O desaparecimento de Kiesha provocou uma imensa busca pelo bairro. No fim da tarde, mais de cem policiais e voluntários do Serviço Estadual de

Emergência vasculhavam o mato, os estacionamentos, os bueiros. Num helicóptero, policiais examinavam lagos e vias aquáticas enquanto equipes com cães da polícia percorriam quintais e ruas atrás de alguma pista. O interesse da comunidade e dos meios de comunicação foi intenso.

Na manhã de segunda-feira eles ainda a procuravam, e o inspetor-detetive Russell Oxford, a caminho do trabalho, ouviu no rádio a notícia do desaparecimento de Kiesha. Oxford, um dos investigadores de homicídios mais experientes da Força Policial de Nova Gales do Sul, achou estranhas as circunstâncias mencionadas no boletim de ocorrência.

Na delegacia de homicídios, Oxford conversou com o comandante do esquadrão e, uma hora depois, ele e o sargento-detetive Andrew Marks estavam a caminho da delegacia de Mount Druitt. Formou-se uma força-tarefa para investigar o caso.

Os detetives, que no esquadrão tinham fama de trabalhar em silêncio, começaram examinando minuciosamente os detalhes disponíveis. O relato de

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Kristi combinava com o de Robert, mas os indícios pareciam contradizer a história deles. Os policiais fardados que compareceram ao apart amento tinham notado que a cama da menina estava arrumada: a colcha fora dobrada para trás e o travesseiro, afofado. Parecia que ninguém dormira ali ou que a cama fora feita antes de os policiais chegarem.

A porta da frente, que, segundo Kristi dissera à polícia, estava escancarada quando acordou, era do tipo corta-fogo, pesada, e se fechava automaticamente. Os dois detetives não encontraram nenhum indício de arrombamento, mas a maçaneta e a tranca pareciam defeituosas. Os próprios detetives tiveram dificuldade de manipulá-las. Não entendiam como uma menina de 6 anos conseguiria abri-las sozinha.

Por achar improvável que Kiesha houvesse aberto a porta, Oxford e Marks passaram à teoria de que algum estranho a tivesse sequestrado. Mas em nenhum lugar havia sinais de arrombamento. Também não existia qualquer outro sinal óbvio de intrusos. Se a menina estivesse viva ou consciente ao ser tirada do apartamento, os detetives tentaram imaginar como um sequestrador conseguiria segurar a criança no colo, amordaçando-a para abafar os gritos, e usar as duas mãos para abrir tanto a maçaneta quanto a tranca da porta. Não fazia sentido.

Mas, sem outros indícios, a polícia não tinha opção além de aceitar o relato do casal enquanto continuava a investigar. Com o passar das horas, a policia entrevistou e voltou a entrevistar o casal, procurando discrepâncias na história ou novas pistas do que acontecera a Kiesha.

Havia três teorias: um intruso arrombara a casa e sequestrara a menina, Kiesha saíra sozinha ou, finalmente, algo lhe acontecera dentro do apartamento.

A MULHER CHORAVA. “ELA TEM 6 ANOS... ESTÁ DE

PIJAMA... É LOURA, DE OLHOS AZUIS”.

Enquanto os detetives a entrevistavam, o caráter de

Kristi logo ficou óbvio. Fisicamente, parecia uma mulher dura, de rosto impassível; mesmo em fotos de família, raramente sorria. E, quando repassaram os acontecimentos do fim de semana, Oxford achou seus modos agressivos e autocentrados. Ela considerou a sondagem dos detetives um ataque direto à sua capacidade materna. E, quando perguntada sobre o sangue que os peritos acharam no apartamento. ela se zangou: “Não sei. O que vocês estão querendo dizer?”

Dois dias depois, os policiais jogaram uma importante cartada investigativa: pediram ao casal que desse uma entrevista coletiva à imprensa. Oxford alegou que apelar ao público ajudaria o progresso da busca. Kristi mostrou-se relutante, mas Oxford insistiu. Ele sabia que um apelo do casal poderia trazer à luz novas informações e dar aos investigadores a oportunidade de lhes avaliar a credibilidade.

Assim, a mãe e o padrasto de Kiesha se viram diante das câmeras. Oxford ficou por perto, tentando ler a linguagem corporal do casal, atento a todas as palavras que diziam.

“Se houver alguém que saiba ou tenha visto alguma coisa, basta se apresentar, entrar em contato com a polícia. Seria muito útil”, disse Robert, cercado de jornalistas. Kristi, parecendo emocionada demais para falar, soluçava. Estava de óculos escuros, e um lenço de papel lhe cobria o rosto.

“Alguém deve saber de alguma coisa”, continuou Robert. “Por favor, se apresente. Ela é linda, sabem, engraçada, sempre alegre. Não dá para descrever o que estamos passando. Não dá para saber até estar nesse lugar. Só espero que ela seja encontrada o mais depressa possível. É disso que precisamos, sã e salva. Ela estava sempre alegre, animada, e adorava brincar, como todas as crianças”.

Ela estava sempre alegre? Oxford ficou estupefato. Quem falaria de uma filha desaparecida com o verbo no passado? Só quem tivesse certeza de que ela nunca voltaria.

Um repórter perguntou: - Vocês têm ideia de algum conhecido que possa estar

com ela? A família deve ter pensado muito nisso... alguém tem alguma hipótese?

- Não temos ideia nenhuma — respondeu Robert. - Se eu tivesse alguma, estaríamos lá procurando.

A partir desse momento, Oxford e Marks tiveram praticamente certeza de que aquelas lágrimas eram de crocodilo, e Kristi Abrahams e Robert Smith se tornaram os principais suspeitos de uma investigação de homicídio.

Os dois detetives acreditaram que havia detalhes suficientes para indiciar Kristi a Robert pelo assassinato de Kiesha. Mas precisavam encontrar o corpo da menina para assegurar que o casal não Inventasse outra explicação para o desaparecimento que conseguisse convencer o júri.

Enquanto isso, o interesse do público e dos meios de comunicação pelo caso aumentava, e os policiais sabiam que tudo que fizessem - ou não - ficaria sob os holofotes. A comunidade exigia respostas, mas por enquanto elas não existiam. Oxford e Marks sabiam que só precisavam de um pouco de sorte para virar a situação a seu favor.

Os detetives resolveram verificar os movimentos do casal no fim de julho. Reuniram detalhes de transações com cartão de crédito e registros telefônicos, e aos poucos descobriram aonde tinham ido e o que tinham feito.

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KIESHA QUASE NUNCA IA ÀS AULAS; NA VERDADE, SÓ COMPARECERA QUATRO

DIAS À ESCOLA NAQUELE ANO. É difícil rastrear os movimentos de Kiesha ou de

qualquer criança pequena, porque elas não têm cartão de crédito, contas bancárias nem telefones para monitorar. No entanto, um quadro espantoso surgiu quando verificaram a escola local. Kiesha quase nunca ia às aulas; na verdade, só comparecera à escola quatro dias naquele ano. Também não fora vista por nenhuma testemunha nas três semanas que antecederam o telefonema da mãe ao serviço de emergência. Mas nem Kristi nem Robert dirigiam, e os detetives ficaram perplexos: se os dois mataram a menina em algum momento depois da última vez em que ela foi vista, como se livraram do corpo?

Surgiu uma possibilidade arrepiante: talvez o corpinho tivesse sido simplesmente jogado no lixo.

Uma força-tarefa de detetives visitou o depósito de lixo local para verificar se uma busca seria possível. Como o corpo de Kiesha poderia ter sido descartado em qualquer momento das três semanas anteriores ao chamado de emergência, eles perceberam que a tarefa seria hercúlea. O lixo vinha de uma área extensa e era compactado continuamente. Mesmo que a polícia pusesse três ou quatro equipes para trabalhar em turnos de dez horas, vasculhar o lixo levaria meses - sem garantia de sucesso. Havia caminhos melhores a seguir.

Semanas depois do desaparecimento da menina, Kristi e Robert decidiram se mudar para um hotel longe do apartamento, atribuindo a decisão ao assédio dos meios de comunicação. Sem querer, deram à polícia uma oportunidade promissora.

Com o apartamento vazio, peritos o revistaram sistematicamente atrás de pistas e, para novos exames, apreenderam vários itens, como o colchão, a roupa de cama e o tapete do quarto de Kiesha. Enquanto isso, outros policiais instalaram microfones para monitorar as conversas quando o casal voltasse.

O exame de laboratório revelou vestígios do sangue de Kiesha em todo o apartamento, além de marcas de dentes na estrutura de madeira da cama. Indícios mais arrepiantes surgiram dois dias depois, quando o casal voltou. Só demorou alguns minutos para a polícia ouvir as primeiras palavras de Kristi: “Levaram o colchão dela. Só vão achar xixi e cocô.” Era uma declaração fria e sem emoção de uma mãe supostamente angustiada.

O casal se mudou do apartamento para uma casa

subsidiada pelo governo. A polícia também a grampeou legalmente. E, nos oito meses seguintes, um posto de escuta secreto da polícia ouviu cada palavra pronunciada pelos suspeitos. Para os membros da equipe, era um trabalho emotivo e desgastante, mas eles ainda não tinham uma prova que garantisse a condenação por homicídio.

PARA A EQUIPE DA POLÍCIA, ERA UM TRABALHO DESGASTANTE, MAS

ELES AINDA NAO TINHAM PROVAS. Em dezembro de 2010, quatro meses depois do

desaparecimento de Kiesha, os investigadores elaboraram um novo plano para resolver o caso. Agentes disfarçados tentariam conquistar a confiança do casal, na esperança de que alguém baixasse a guarda e dissesse ou fizesse algo relevante para a investigação.

Dia após dia, semana após semana, em encontros ao acaso e conversas à toa, os agentes foram se insinuando na vida do casal, concentrando-se em quem viam como o elo mais fraco: Robert. Aos poucos, Robert passou a confiar nos novos “amigos”. Eles o convenceram de que poderiam ajudá-lo a ter uma vida melhor, e alimentaram seu ego, levando-o a pensar que poderia se tomar uma pessoa importante. O clímax aconteceu na noite de 21 de abril de 2011, quando Kristi e Robert se encontraram com os agentes disfarçados num hotel no centro de Sydney. Sem que soubessem, cada palavra seria gravada.

Finalmente, os agentes perguntaram se havia alguma coisa do passado que precisassem contar aos novos amigos. Explicaram que era fundamental que o casal fosse franco, senão a promessa de um novo futuro não se cumpriria. Com a respiração presa, Oxford e Marks, que observavam e escutavam no quarto ao lado, aguardaram a jogada que poderia ser a última desse jogo de xadrez. E, como esperavam, Kristi revelou como sua filha morrera.

Ela explicou que, cerca de duas semanas antes de

registrar o desaparecimento de Kiesha, foi ao quarto da menina, que chorava. Queria que a filha vestisse o pijama, e lhe deu uma “cutucada” com o pé. Kiesha pulou e bateu a cabeça na base da cama, e então ficou “esquisita”.

Kristi pôs Kiesha no chuveiro para tentar acordá-la, mas

a menina parecia de “geleia”. Kristi e Robert puseram a menina numa cama de armar e foram dormir. Quando acordaram, viram que Kiesha não respirava mais.

Kristi explicou aos agentes disfarçados que ela e Robert guardaram o corpo de Kiesha em uma mala, no armário, por vários dias.

Robert rodou a área, de bicicleta, em busca de um lugar no mato para enterrar o corpo. Então, por volta das cinco horas da manhã de 18 de julho, um domingo, eles usaram nome e endereço falsos para chamar um táxi que os levasse ao lugar remoto escolhido por Robert.

Com um martelo, Robert cavou uma cova rasa, jogou nela o corpo de Kiesha, despejou gasolina e pôs fogo. Os investigadores Já tinham o suficiente para prendê-los, mas queriam que o casal os levasse aonde estavam os restos mortais da menina, para que não restasse dúvida de sua culpa. Como pais, tanto Oxford quanto Marks se

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sentiam responsáveis por encontrar a menina onde fora deixada com tanta frieza e trazê-la de volta.

Kristi e Robert, talvez ansiosos para provar que a história quase inacreditável que tinham acabado de contar era mesmo verdade, concordaram em levar os agentes naquela noite ao lugar do sepultamento.

Oxford e Marks os seguiram a uma distância segura. À 1h12 da madrugada de 22 de abril, depois de levar os

agentes disfarçados até a cova rasa, Kristi e Robert saíram do mato isolado e assustador e foram recebidos por Oxford e Marks. A caçada terminara. Estavam presos.

O casal foi levado à delegacia de Mount Druitt e indiciado pelo homicídio de Kiesha. No dia em que a menina completaria 7 anos.

Os peritos acharam restos de ossos, dentes e cabelos na terra. Fraturas e lascas nos dentes teriam ocorrido mais ou menos na época da morte. Também havia indícios de lesões ósseas datadas das últimas semanas e meses.

Ao condenar Kristi Abrahams a até 22 anos de prisão, o juiz Ian Hanison, da Suprema Corte, declarou: “Numa comunidade civilizada, é angustiante pensar que uma mãe formularia racionalmente alguma razão possível para matar a própria filha.”

Ao condenar Robert Smith a pelo menos 12 anos de prisão, a juíza Megan Latham foi severa com sua “escolha covarde” de proteger seus interesses. “Essa criança indefesa e vulnerável dependia, para sua sobrevivência, tanto da pessoa que estava ali e nada fez quanto da pessoa que a atacou” disse ela.

Para Andrew Marks e Russell Oxford, a prisão de Kristi e Robert é um acontecimento que não esquecerão.

“Essa investigação mexeu conosco como pais”, diz Oxford. “Era um caso do qual simplesmente nunca íamos desistir”.

Fonte: Seleções, novembro 2015, p. 126-135

Brinquedos e flores diante do apartamento na Avenida Woodstock, em Mount Druitt, Sydney.

A polícia achou vestígios de sangue de Kiesha em vários cômodos.

Kristi Abrahams, de óculos escuro e com um lenço de papel na frente do rosto, e o companheiro Robert Smith fizeram um apelo emocionado diante das câmeras.

O sargento-detetive Andrew Marks (à esquerda) e o inspetor-detetive Russell Oxford explicam os nove

meses de investigação até ser descoberta a horrível verdade.

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2.2 GAROTO DE OITO ANOS SERÁ INDICIADO POR MORTE

Garoto de oito anos será indiciado por morte

No Alabama (EUA), bebê de um ano morreu espancada porque não parava de chorar

Um menino de oito anos será indiciado pela

morte por espancamento de uma menina de um

ano em Birmingham, no Alabama (EUA).

A mãe da menina saiu com uma amiga para ir a

uma casa noturna na noite de 11 de outubro. De

acordo com policiais, elas deixaram em casa seis

crianças com quem viviam. Nenhuma delas tinha

mais de oito anos.

O porta-voz da polícia de Birmingham, tenente

Sean Edwards, afirmou que o menino espancou

Kelci Lewis porque ela não parava de chorar.

“Esse garoto lidou com a bebê de forma violenta e

sem escrúpulos”, disse.

As duas crianças não eram parentes.

A mãe da bebê, Katerra Lewis, 26, responderá

por homicídio culposo. A criança foi encontrada

morta mais de oito horas depois do horário em

que, segundo a polícia, sua mãe voltou para casa.

“Este é de longe um dos casos mais tristes que

testemunhei desde que me tornei policial”, disse

Edwards. “[O indiciamento] manda uma

mensagem definitiva de que esse tipo de

comportamento irresponsável por parte de um pai

é totalmente inaceitável.”

A polícia já tem um mandado de prisão por

homicídio contra o garoto, que está sob custódia

da agência de proteção à infância do Alabama.

O caso tramitará pela Justiça de família estadual.

Não há idade mínima para ser indiciado no

Alabama.

O menino de oito anos era a mais velha das seis

crianças deixadas sozinhas em casa pela mãe e

pela amiga.

O advogado de Katerra Lewis, Emory Anthony,

declarou por e-mail: “A única coisa que posso

pedir no momento é que deixemos o processo

correr. Acho que teremos novas informações nos

interrogatórios”.

Fonte: Folha de S. Paulo/Mundo, 12 de novembro de 2015, p. A 15.

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3.0 POR QUE ?

Kieska e Kelci morreram nas mãos de seus cuidadores, ou seja, nas mãos de quem

deveria protegê-las. Em ambos os casos o que precipitou a agressão-desmedida e brutal – por parte dos cuidadores, foi o CHORO das crianças. Ironicamente, o comportamento mais característico delas. A agressão dos cuidadores revelou intolerância máxima ao contrário do que Leminski ensinava: “o que se pode aprender com uma criança é chorar com força pelo que se quer...”

O choro infantil é sempre um grito de insatisfação e não pode ser interpretado como fonte de perturbação!

O CHORO

Um dos problemas mais difíceis enfrentados pelos pais no estabelecimento de um padrão de cuidado para seus bebês é como interpretar as necessidades deles. Os bebês obviamente não conseguem articular suas necessidades ou expressar como estão se sentindo, mas têm uma maneira importante de assinalar que algo está errado – através do choro.

O choro aumenta do nascimento até aproximadamente seis semanas de idade e, então, começa a diminuir. Esse padrão de mudança ocorre em bebês do mundo todo, incluindo bebês prematuros (uma vez que seja feito o ajuste à idade gestacional). Essa regularidade conduz à conclusão de que o padrão reflete os processos universais de maturação (St. James-Roberts, I., Conroy, S., & Wilshir, K. (1996). Bases for maternal perceptions of infant crying and colic behavior. Archives of Diasease in Childhood, 75, 375-381).

O choro é um comportamento complexo que envolve a coordenação da respiração e dos movimentos do trato vocal. Inicialmente, ele é coordenado por estruturas do tronco cerebral, mas, após alguns meses, o córtex cerebral torna-se envolvido, permitindo aos bebês chorar voluntariamente. Essa mudança na organização neural do choro é acompanhada por mudanças físicas no trato vocal que diminuem a agudeza do choro dos bebês. Nesse ponto, os pais dos Estados Unidos começam a relatar que seus bebês estão “chorando de propósito”, para chamar a atenção, ou porque estão entediados (Lester B.M., Boukydis, C.Z., Garcia – Coll, C.T., Hole, W. and others (1992). Infantile Colic: Acoustic cry characteristics, maternal perception of cry and temperament. Infant Behaviour and Development, 15(1), 15-26).

Os choros dos bebês, têm um efeito poderoso sobre aqueles que os escutam. Tanto pais experientes quanto adultos sem filhos reagem aos choros dos bebês com aumentos na frequência cardíaca e na pressão arterial, ambos sinais fisiológicos de ansiedade (Bleichfeld, B. & Moely, B. [1984]. Psychophysiological response to an infant cry: Comparison of groups of women in different phases of the maternal cycle. Developmental Psychology. 20, 1082-1091). Os pais recentes reagem ainda mais fortemente aos choros dos bebês do que os adultos sem filhos ou os pais experientes (Boukydis, C.F.Z., & Burges, R. L. [1982]. Adult physiological response to infant cries: Effects of temperamento of infant, parental status, and gender. Child Development, 53, 1291-1298). Quando as mães que amamentam ouvem os choros de seus filhos, mesmo em gravações, seu leite pode começar a fluir (Newton, N., & Newton, M. [1972]. Lactation: Its psychological component. In J. G. Howells (Org.), Modern perspectives in psycho-obstetrics. New York: Brunner/Mazel).

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Provavelmente, os recém-nascidos choram porque algo lhes está causando desconforto. Para os pais ansiosos, o problema é descobrir o que pode estar provocando esse choro. Tanto os pais quanto aqueles que não estão regularmente em contato com bebês recém-nascidos conseguem distinguir entre os choros dos bebês (Zeskind, P.S., Klein, L., & Marshall, T.R. [1992]. Adults’ perceptions of experimental modifications of durations of pauses and expiratory sounds in infant crying. Developmental Psychology, 28(6), 1153-1162.). Segundo Philip Zeskind e sua equipe, quanto mais agudos os choros e mais curtas as pausas entre eles, mais urgentes e desagradáveis os consideram os adultos. Além disso, os ouvintes de várias culturas podem distinguir os choros mais agudos de bebês normais dos choros dos bebês que nasceram com baixo peso e dos bebês que foram expostos a álcool ou às substâncias químicas dos cigarros durante o período pré-natal (Worchel, F.F. & Allen, M. [1997]. Mother’s ability to discriminate cry types in low-birthweight premature and full-term infants. Children’s Health Care, 26(3), 183-195. Zeskind, P.S., Platzaman, K., Coles, C.D. and Schuetze, P.A.[1996] Cry analysis detects subclinical effects of prenatal alcohol exposure in newborn infants. Infant Behavior and Development, 19 (4), 497-500).

O choro deste bebê pode ser encarado como

um comando peremptório para alguém fazer algo rapidamente.

Apesar da sua capacidade para distinguir entre tipos de choro, até pais experientes muitas vezes não conseguem dizer precisamente porque o seu bebê está aflito, apenas pelos sons do seu choro. Uma razão para isso é que o choro prolongado de todos os tipos eventualmente entra no padrão rítmico do choro de fome. Em muitas situações, então, somente a intensidade da aflição está evidente. A fome é, evidentemente, uma razão para um bebê recém-nascido chorar. Os estudos de choros, antes e depois da alimentação, confirmaram que os bebês choram menos depois de serem alimentados (Wolff, P. H. [1969] The natural history of crying and other vocalizations in infancy. In B.M. Foss (org.). Determinants of infant behavior (Vol. 4). London: Methuen.

Costuma-se acreditar que algumas que algumas crianças sofrem de uma condição médica chamada cólica, que faz com que elas chorem excessivamente. Entretanto, embora haja diferenças individuais marcantes no choro, os bebês que se imagina sofrerem de cólica não são distinguíveis de outros que choram frequentemente. Esses resultados levaram Ian St. James-Roberts e sua equipe a concluir que as características audíveis do choro podem ser menos importantes nas reações dos pais

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do que “sua natureza imprevisível, prolongada, difícil de acalmar e inexplicada” (St. James-Roberts et al., 1996, art. cit., p. 375).

Essas incertezas dificultam para os pais saber o que fazer quando seu bebê chora, especialmente quando o choro não indica dor aguda. Uma reação natural é buscar o conforto do bebê. No entanto, quando os pais estão sob estresse ou o choro é persistente, a incerteza sobre de que maneira confortar a criança e as emoções negativas que o choro invoca nos adultos são, às vezes, demais para suportar, e alguns pais reagem abusando fisicamente de seus bebês (Frodi, A. [1985], When empathy fails: aversive infant crying and children abuse. In B. M. Lester & C.F.Z. Boukydis (Orgs.). Infant crying: Theoretical and research prospectives. New York: Plenum Press.

Fonte: Cole, M. e Cole, Sheila R. [2004]. O desenvolvimento da Criança e do Adolescente. 4ª ed. Porto Alegre: Artmed, p. 171-172.

A interpretação errônea do choro infantil pode estar ancorada numa falsa representação de

criança: não como um ser em condição peculiar de desenvolvimento a demandar proteção especial, mas como um ser malévolo, perturbador que importa fazer calar. Um tipo de bebê-morcego, por exemplo, como bem representou a artista Patricia Piccinini, nascida em Serra Leoa mas radicada na Austrália, desde os 7 anos.

Exposição “ComCiência” de Patricia Piccinini – BB/Centro Cultural

Fonte: Guia Folha. 13 a 19 de novembro de 2015, p. 7.

Faltou portanto aos cuidadores de Kiesha e Kelci, a consciência de que seu choro expressava

necessidades infanto juvenis, de natureza físico biológica e/ou emocional-social que precisavam ser satisfeitas de forma competente e rápida, para evitar a ocorrência de episódios de VIOLÊNCIA DOMÉSTICA (VDCA) de gravidade maior ou menor. As respostas dos cuidadores de Kiesha e Kelci foram extremamente violentas, desproporcionais e por isso mesmo fatais.

A Figura a seguir mostra de que forma a VDCA Fatal pode e deve ser interpretada como prática abusiva de desrespeito e desvalorização a necessidades infanto juvenis elementares.

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Fonte: Azevedo, M.A. e Guerra, V.N de [2015] – Prevenção/Curso de Difusão. SP. EAD,

www.recriaprojetos.com.br/kit Prevenção

Provavelmente faltou aos cuidadores de Kiesha e Kelci o fabuloso poder daquela fada rainha

capaz de “decodificar as mensagens não verbais de seu bebê, a partir de seus primeiros gritos” (De Fabianes, Valeria e Toro, Beatrice – Children – Making faces and throwing tantruns, 2006, White Star Cube Book, p. 306).

A ausência dessa capacidade expressa na resposta violenta e fatal dos cuidadores é indício de não aceitação ampla geral e irrestrita da criança. Embora se devesse esperar compreensão por parte dos cuidadores de Kiesha (mãe e padrasto), o mesmo não pode ser dito no caso de Kelci.

Seu cuidador era também uma criança e embora saibamos da existência de “crianças cuidadoras”, elas integram um segmento social já difícil, o da infância invisível (Cf. Azevedo, Mª Amélia. Infância invisível: crianças Latchkey. www.recriaprojetos.com.br, Nuvem de Estudos).

A mãe de Kelci não dimensionou os riscos, ao deixa-la sob os cuidados de outra criança, ao sair para divertir-se. Sem repertório de estratégias adequadas para lidar com o choro de Kelci, o menino acabou por mata-la, submetendo-a a espancamentos (cuja “eficiência” ele talvez já tivesse experimentado).

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A trágica consequência será imputada à mãe (homicídio culposo) e ao menino cuidador (homicídio) já que no Alabama não há idade mínima para imputabilidade penal.

A lição que se pode tirar desses casos é a de que Kiesha e Kelci não tiveram o direito de viver

num lar protegido e livre de VDCA. Seus cuidadores não praticaram Prevenção da VDCA, porque para eles Kiesha e Kelci talvez tenham sido “crianças-ninguém e não “anjos”.

Por isso, morreram em casa...

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APRENDENDO MAIS SOBRE O CHORO Aprender é mudar atitudes

Platão

Porque choramos por MANDY OAKLANDER

da Revista Time

Nossas lágrimas são muito mais importantes do que pensavam os cientistas

HÁ MUITA COISA que os cientistas não sabem - ou não concordam - sobre quem chora. Charles Darwin declarou que as lágrimas emocionais eram "sem propósito" e, quase 150 anos depois, o choro emocional ainda é um dos mistérios mais desconcertantes do organismo. Embora outras espécies derramem lágrimas como um reflexo em caso de dor ou irritação, os seres humanos são as únicas criaturas cujas lágrimas podem ser provocadas por sentimentos. Por quê?

Em geral, os pesquisadores se concentram mais nas emoções do que nos processos fisiológicos que seriam seus subprodutos.

"Os cientistas não estão interessados no frio na barriga, mas no amor", escreve Ad Vingerhoets, professor da Universidade Tilburg, nos Países Baixos, maior especialista mundial em choro, no livro Why On/y Humans Weep (Por que só os seres humanos choram).

Mas chorar é mais do que um sintoma de tristeza, como demonstram o professor Vingerhoets e outros estudiosos do assunto. Ele é provocado por uma série de sentimentos - de empatia e surpresa a raiva e pesar —, e, ao contrário daquele invisível frio na barriga de quando nos apaixonamos, as lágrimas são um sinal que os outros podem ver. Essa noção é básica nas ideias mais recentes sobre a ciência do choro.

Durante séculos, achou-se que as lágrimas se originavam no coração. Uma teoria predominante no século 17 era que as emoções, principalmente o amor, aqueciam o coração, que gerava vapor d'água para se resfriar. O vapor do coração subia à cabeça, se condensava perto dos olhos e escapava como lágrimas. Por fim, em 1662, o cientista dinamarquês Niels Stensen descobriu que a glândula lacrimal era o verdadeiro ponto de origem das lágrimas. Foi aí que os cientistas

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começaram a procurar o possível benefício evolutivo que o fluido que brota dos olhos poderia trazer. A teoria de Stensen sustentava que as lágrimas eram simplesmente um modo de manter os olhos úmidos.

Em seu livro, Vingerhoets lista oito teorias conflitantes. Algumas são simplesmente ridículas, como a ideia da década de 1960 de que os seres humanos evoluíram de macacos aquáticos e as lágrimas nos ajudavam a viver na água salgada. Outras teorias persistem apesar da falta de provas, como a ideia popularizada pelo bioquímico William Frey em 1985 de que chorar remove substâncias tóxicas do sangue que se acumulam em períodos de estresse.

Indícios que sustentam algumas teorias

novas e mais plausíveis vêm se acumulando. Uma delas é que as lágrimas provocam união social e conexão humana. Choramos desde tenra idade para provocar uma ligação com os outros. Os seres humanos chegam ao mundo fisicamente mal equipados para resolver qualquer coisa sozinhos. Embora mais capazes, os adultos nunca superam surtos ocasionais de desamparo.

“OS PESQUISADORES ACREDITAM QUE OS

ADULTOS - ASSIM COMO OS BEBÊS –

USAM AS LÁGRIMAS PARA

OBTER O QUE PRECISAM.

"Chorar mostra, a nós e aos outros, que, pelo menos temporariamente, algum problema importante está além de nossa capacidade", diz Jonathan Rottenberg, pesquisador de emoções e professor de psicologia da Universidade do Sul da Flórida.

Novas pesquisas também indicam que as lágrimas provocam nos outros uma reação além do que consegue a mera angústia. Num estudo publicado em fevereiro de 2016, pesquisadores constataram que as lágrimas ativam a compaixão. Quando mostraram aos participantes uma foto de alguém chorando, foi muito maior a probabilidade de quererem ajudar e de descreverem um sentimento maior de ligação com aquela pessoa do que quando viram a mesma foto com as lágrimas retiradas digitalmente.

Os cientistas encontraram alguns indícios de que as lágrimas emocionais são quimicamente diferentes das lágrimas derramadas quando picamos cebola. Além das enzimas, lipídios, metabólitos e eletrólitos que compõem todas as lágrimas, as emocionais contêm mais proteína. Uma hipótese é de que o alto teor de proteína deixa as lágrimas emocionais mais viscosas; assim, grudam com mais força na pele e escorrem mais lentamente pelo rosto, aumentando a probabilidade de serem vistas pelos outros.

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As lágrimas mostram aos outros que somos vulneráveis, e a vulnerabilidade é fundamental para as ligações humanas. "Ao ver alguém emocionado, ativamos as mesmas áreas neuronais do cérebro de quando nós mesmos nos estimulamos emocionalmente”: afirma Michael Trimble, neurologista comportamental do University College London. "Deve ter havido algum momento evolucionário em que a lágrima passou a provocar automaticamente empatia e compaixão nos outros."

Uma teoria menos reconfortante se baseia na capacidade de manipular os outros com o choro. Os pesquisadores acreditam que, assim como os bebês, os adultos também usam as lágrimas como ferramenta para obter o que precisam, tenham consciência disso ou não. "Logo aprendemos que chorar tem muita potência de neutralizar a raiva" explica Jonathan Rottenberg, e essa seria parte da razão para, segundo ele, as lágrimas serem tão importantes nas brigas de amantes, principalmente quando alguém se sente culpado e deseja o perdão do outro.

Um pequeno estudo muito citado, publicado na revista Science e bastante exagerado pela mídia, indicou que as lágrimas das mulheres continham uma substância que inibia o estímulo sexual dos homens. Quando cheiraram lágrimas reais, 24 homens se sentiram menos excitados por fotos de rostos de mulheres; e outros 50 tiveram o nível de testosterona da saliva drasticamente reduzido em relação à saliva coletada no momento em que cheiraram uma solução salina de controle.

O quadro maior, segundo Noam Sobel, um dos autores do estudo e professor de neurobiologia do Instituto Weizmann de

Ciência, em Israel, é que as lágrimas podem reduzir o ímpeto agressivo, algo que o estudo não examinou. As lágrimas dos homens também podem ter o mesmo efeito. Atualmente, ele e seu grupo estão examinando as mais de 160 moléculas das lágrimas para ver se alguma é responsável.

“AS PESSOAS SEM LÁGRIMAS TÊM MAIS

SENTIMENTOS NEGATIVOS COMO

RAIVA E NOJO DO QUE AS QUE CHORAM.

O que tudo isso significa? Essa é a pergunta que os pesquisadores estão fazendo agora. Michael Trimble, um dos maiores especialistas em choro do mundo, diz que "não sabemos nada sobre quem não chora".

Portanto, a pergunta é: se as lágrimas são tão importantes para a ligação entre os seres humanos, aqueles que nunca choram talvez tenham menos ligações sociais? É exatamente isso que as pesquisas preliminares estão constatando, de acordo com o psicólogo Cord Benecke, professor da Universidade de Kassel, na Alemanha. Ele realizou entrevistas íntimas com 120 indivíduos, semelhantes a sessões terapêuticas, para tentar descobrir se os que não choraram eram diferentes dos que choraram. E verificou que eram. "Os que não choraram tinham tendência a se isolar e descreviam suas experiências de relacionamentos como menos conectadas”; observa ele.

As pessoas sem lágrimas também apresentaram mais sentimentos negativos agressivos, como raiva, fúria e nojo, do que quem chorou. Mais pesquisas são

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necessárias para determinar se as pessoas que não choram são mesmo diferentes das outras, e algumas logo serão conhecidas: Michael Trimble está realizando o primeiro estudo científico de pessoas com essa tendência.

Até agora, embora pareça trazer benefícios interpessoais, não chorar não é necessariamente insalubre. Não há indícios de que o choro faça algum bem à saúde. Mas persiste o mito de que ele é uma desintoxicação emocional e física, "como se fosse um tipo de exercício físico para o corpo," diz Jonathan Rottenberg.

Uma análise comparou textos sobre o choro nos meios de comunicação dos últimos 140 anos e constatou que 94% o descreviam como bom para a mente e para o corpo e diziam que segurar as lágrimas resultaria no oposto. "É como uma fábula" diz Rottenberg.

Também é exagerada a ideia de que o choro é sempre seguido pelo alívio. Quando os pesquisadores passam um filme triste no laboratório e avaliam logo depois o humor dos participantes, os que choram

ficam em piores condições do que os que não choram.

Mas outros indícios sustentam a ideia do chamado choro bom que provoca catarse. Parece que um dos fatores mais importantes é dar aos efeitos positivos do choro - a liberação - tempo suficiente para acontecerem. Quando Ad Vingerhoets e seus colegas passaram um filme lacrimoso e avaliaram o humor dos participantes uma hora e meia depois e não logo após o filme, os que choraram estavam com humor melhor do que antes do filme. Depois que seus benefícios se instalam, explica ele, o choro pode ser um modo eficaz de se recuperar de uma emoção forte.

A pesquisa moderna sobre o choro ainda está no início, mas o mistério das lágrimas - e os indícios de que elas são muito mais importantes do que achavam os cientistas - incentiva Ad Vingerhoets e a pequena equipe de pesquisadores a continuar. "As lágrimas são de extrema importância para a natureza humana” diz Vingerhoets. "Choramos porque precisamos dos outros. Portanto, Darwin estava totalmente errado; conclui ele, rindo.

Fonte: Seleções, março 2017, pág. 84 – 97.

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4.0 Para saber mais

CRIANÇAS ASSASSINAS EM JULGAMENTO

Ao se buscar informações sobre o comportamento destas crianças pode-se observar que em termos de casos mais relatados mundialmente, a maioria deles se refere a crimes perpetrados contra vizinhos, que eram crianças menores de idade se comparadas a seus assassinos infantis. Relatos voltados ao assassinato de familiares por estas crianças realmente não são tão incidentes. No caso transcrito abaixo (Graham Young*) pode-se acompanhar um sofisticado planejamento dos crimes perpetrados por envenenamento, contra familiares e terceiros. Por outro lado, observa-se que mesmo com a pena de prisão imposta ao assassino o seu comportamento não parou, colocando-se em dúvida se o que foi feito em relação a ele realmente surtira ou não efeito. A simples prisão sem o adequado tratamento psiquiátrico se revelou inócua neste caso específico.

__________________________________________ *O caso Graham Young

Em uma determinada idade, Graham Young era fascinado por química, particularmente por venenos e seus efeitos sobre as

pessoas. Seu interesse era sempre idolatrar assassinos como o Dr. Hawley Crippen, Palmer William, Adolf Hitler e outros. Young começou suas experiências com venenos quando tinha 14 anos.

Ele normalmente mentia sobre sua idade e explicava para o vendedor que precisava comprar o veneno para um trabalho escolar de química e assim pudesse comprar os produtos químicos que precisava. Sua família e amigos foram suas vítimas. Seu pai, ao adoecer, inicialmente pensou que a doença era causada por algum tipo de vírus. Em seguida, a “aparente doença” atingiu sua esposa e filha. Todos sofriam de vômitos contínuos, diarréia e dores de estômago. Em 1962, a mãe da madrasta de Young morreu de envenenamento.

Em alguns casos de crianças assassinas há informes de que haviam sido submetidas a determinados tipos de Violência Doméstica por parte de seus pais ou substitutos legais. Um exemplo claro disto é o caso de Mary Bell, uma garota de 10 anos que assassina de forma brutal outras crianças de sua vizinhança. Depois se descobre os diferentes tipos de VDCA aos quais ela foi submetida por sua mãe e diversos companheiros da mesma. Sua trajetória pode ser acompanhada pelo livro: Sereny, Gitta – Gritos no Vazio – A história de Mary Bell (esta obra lançada no Brasil há algum tempo é difícil se ser encontrada).

Um outro caso interessante é o de Christian Fernandez – assassino do meio-irmão de 2 anos e

estupro do meio irmão de 5 anos., fatos ocorridos em 2011 – e que levaram este assassino a enfrentar um julgamento como adulto na Flórida – EUA. Este menino era o produto de um estupro quando sua mãe estava com 12 anos. Seu padrasto o espancava cotidianamente e se suicidara em 2010. Seus avós

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e mãe consumiam drogas com frequência e este menino assassino enfrentara violência sexual por parte de um primo em 2007. Portanto, vivia em um ambiente extremamente conturbado.

Quando se fala em crianças assassinas há sempre uma ênfase no sentido de que seriam

portadoras de distúrbios de comportamento (alguns falam em psicopatia, outros não aceitam tal rubrica), mas de forma geral estas crianças são pouco empáticas com o sofrimento alheio, costumam maltratar animais, não se socializam facilmente. Caberia aos pais uma verificação de eventuais distúrbios e o encaminhamento psiquiátrico necessário que definiria o correto diagnóstico e tratamento. Mas infelizmente muitas famílias também apresentam comportamentos inadequados em termos de tais crianças tornando impossível uma tarefa de natureza preventiva de tais homicídios. Há relatos da Genética no sentido de que o cérebro das crianças assassinas seria diverso do de outras crianças. Para tanto consulte-se: http://oaprendizverde.com.br/2012/10/11/pra-saber-mais-criancas-psicopatas/ - acessado a 5/12/2015.

Portanto, o que se pode inferir é que apenas o estabelecimento de pena de prisão de tais

crianças não seria o suficiente para deter o seu comportamento quando forem libertadas. Muitas vezes decreta-se a sua pena de morte ou o encarceramento definitivo. Isto geralmente ocorre em países onde vigora a pena de morte como os EUA, por exemplo.

Do ponto de vista de reabilitação o caso de Mary Bell parece bem mais interessante porque

teve até o momento frutos positivos como se pode inferir no livro escrito sobre ela ou demais informes obtidos através da Internet. Não só esteve afastada da sociedade, como foi muito bem acompanhada do ponto de vista psicológico e com medidas protetivas do Estado inglês, que permitiram que ela tivesse uma vida tranquila depois de libertada, se casasse, fosse mãe e se tornasse uma avó do século XXI.

__________________________________________ Uma vez ele se tornou uma vítima de seu próprio veneno quando comeu um alimento em que ele havia colocado veneno.

Young foi preso quando seu professor investigou sua carteira uma noite depois da aula, com a suspeita sobre as experiências de Young . O professor descobriu venenos, notícias sobre prisioneiros famosos, e desenhos de pessoas morrendo.

Estas revelações levaram o professor a chamar a polícia. Young foi enviado a uma clínica de segurança máxima, mas isso não o impediu de envenenar o pessoal do hospital e colegas de cela (um dos quais morreu). Seu conhecimento era tão amplo que poderia extrair cianeto de folhas de um arbusto de louro.

Young foi solto quando tinha 23 anos e foi morar com sua irmã. E continuou envenenando suas vítimas que na maioria das vezes eram colegas de trabalho. Young foi enviado de volta para a prisão e acabou morrendo lá mesmo.

Em termos brasileiros temos os casos de Davi Mota Nogueira que matou a professora e depois

se suicidou em 2011 – no ABC paulista e de Fabíola Santos Correia que - em 2012 – Belo Horizonte – MG – foi barbaramente assassinada por 2 amiguinhas de 12 e de 13 anos. As assassinas foram submetidas a exames psiquiátricos não revelados em termos de resultados e internadas de acordo com o que determina o Estatuto da Criança e do Adolescente.