8
XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 1 ANÁLISE HISTÓRICA DO PERÍODO CRÍTICO DE CHUVAS NA BACIA DO SISTEMA CANTAREIRA, REGIÃO SUDESTE DO BRASIL Isela Vásquez 1 ; Lígia M. N. de Araujo 2 *; Mariana de Araujo Abdalad 3 ; Arturo Sanchez 4 ; Humberto Alves Barbosa 5 & Otto C. Rotunno Filho 6 Resumo A estiagem prolongada que ocorre atualmente nas bacias de contribuição ao Sistema Cantareira, principal manancial para a cidade de São Paulo, região Sudeste do Brasil, é analisada por meio de dados históricos de precipitação e de vazão disponíveis e de fácil acesso. As séries temporais mais longas no caso da precipitação com observações desde o século XIX e no de vazões desde os anos 1930 foram consolidadas em níveis mensal e anual para análise por métodos convencionais, de análise de regressão e de médias móveis, e também com a técnica de análise espectral de wavelet Morlet. Os resultados mostram que a técnica de análise espectral é adequada para identificação de ciclos presentes nas séries, individualmente, assim como a de análise de coerência de wavelet para a verificação de correlações entre as variáveis. Foram encontrados ciclos de 5 a 7 anos e de 8 a 11 anos para as anomalias de precipitação e vazão. Gerou-se um quadro de referência para análise de probabilidade e previsibilidade de eventos extremos, em particular, de estiagens como a que afeta atualmente a região Sudeste do Brasil. Palavras-Chave estiagens históricas; período crítico da região Sudeste; análise espectral de wavelet Morlet. HISTORICAL ANALYSIS OF RAINFALL CRITICAL PERIOD OVER CANTAREIRA WATERSHED, SOUTHEAST REGION OF BRAZIL Abstract The current prolonged drought occurring in the river basins that contribute to the Cantareira System, the main water supply source for the city of São Paulo, Southeast region of Brazil, is analyzed using available and easily accessible historical rainfall and flow data. The longer time series - in the case of precipitation observations date from the XIX century and for flow rates since the 1930s - have been monthly and annually consolidated for analysis using conventional methods, such as regression analysis and moving averages, and also with the technique of Morlet wavelet spectral analysis. The results show that the spectral analysis technique is suitable for identifying cycles in the data series, individually, as well as the coherence wavelet analysis technique is for verifying correlation between the variables. Cycles from 5 to 7 years and from 8 to 11 years were found for anomalous precipitation and flow rates. A reference framework was created for analyzing the probability and predictability of extreme events, in particular, for droughts such as the one currently affecting the Southeast region of Brazil. Keywords – Rainfall shortages; critical period in the Southeast region of Brazil; Morlet wavelet spectral analysis. 1 Programa de Engenharia Civil, Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia - COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro, E-mail: [email protected]. 2 Agência Nacional de Águas e Programa de Engenharia Civil, Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia - COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro, E-mail: [email protected]. * Autor Correspondente 3 Escola Vila Verde - Alto Paraíso de Goiás, E-mail: [email protected]. 4 Laboratório de Processamento de Imagens de Satélites (LAPIS) - Universidade Federal de Alagoas (UFAL), E-mail: [email protected] 5 Laboratório de Processamento de Imagens de Satélites (LAPIS) - Universidade Federal de Alagoas (UFAL), E-mail: [email protected]. 6 Programa de Engenharia Civil, Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia - COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro, E-mail: [email protected].

ANÁLISE HISTÓRICA DO PERÍODO CRÍTICO DE CHUVAS NA …

  • Upload
    others

  • View
    1

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 1

ANÁLISE HISTÓRICA DO PERÍODO CRÍTICO DE CHUVAS NA B ACIA

DO SISTEMA CANTAREIRA, REGIÃO SUDESTE DO BRASIL

Isela Vásquez1; Lígia M. N. de Araujo 2*; Mariana de Araujo Abdalad 3; Arturo Sanchez4; Humberto Alves Barbosa 5 & Otto C. Rotunno Filho6

Resumo – A estiagem prolongada que ocorre atualmente nas bacias de contribuição ao Sistema Cantareira, principal manancial para a cidade de São Paulo, região Sudeste do Brasil, é analisada por meio de dados históricos de precipitação e de vazão disponíveis e de fácil acesso. As séries temporais mais longas – no caso da precipitação com observações desde o século XIX e no de vazões desde os anos 1930 – foram consolidadas em níveis mensal e anual para análise por métodos convencionais, de análise de regressão e de médias móveis, e também com a técnica de análise espectral de wavelet Morlet. Os resultados mostram que a técnica de análise espectral é adequada para identificação de ciclos presentes nas séries, individualmente, assim como a de análise de coerência de wavelet para a verificação de correlações entre as variáveis. Foram encontrados ciclos de 5 a 7 anos e de 8 a 11 anos para as anomalias de precipitação e vazão. Gerou-se um quadro de referência para análise de probabilidade e previsibilidade de eventos extremos, em particular, de estiagens como a que afeta atualmente a região Sudeste do Brasil. Palavras-Chave – estiagens históricas; período crítico da região Sudeste; análise espectral de wavelet Morlet.

HISTORICAL ANALYSIS OF RAINFALL CRITICAL PERIOD OVE R CANTAREIRA WATERSHED, SOUTHEAST REGION OF BRAZIL

Abstract – The current prolonged drought occurring in the river basins that contribute to the Cantareira System, the main water supply source for the city of São Paulo, Southeast region of Brazil, is analyzed using available and easily accessible historical rainfall and flow data. The longer time series - in the case of precipitation observations date from the XIX century and for flow rates since the 1930s - have been monthly and annually consolidated for analysis using conventional methods, such as regression analysis and moving averages, and also with the technique of Morlet wavelet spectral analysis. The results show that the spectral analysis technique is suitable for identifying cycles in the data series, individually, as well as the coherence wavelet analysis technique is for verifying correlation between the variables. Cycles from 5 to 7 years and from 8 to 11 years were found for anomalous precipitation and flow rates. A reference framework was created for analyzing the probability and predictability of extreme events, in particular, for droughts such as the one currently affecting the Southeast region of Brazil. Keywords – Rainfall shortages; critical period in the Southeast region of Brazil; Morlet wavelet spectral analysis.

1 Programa de Engenharia Civil, Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia - COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro, E-mail: [email protected]. 2 Agência Nacional de Águas e Programa de Engenharia Civil, Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia - COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro, E-mail: [email protected]. * Autor Correspondente 3 Escola Vila Verde - Alto Paraíso de Goiás, E-mail: [email protected]. 4 Laboratório de Processamento de Imagens de Satélites (LAPIS) - Universidade Federal de Alagoas (UFAL), E-mail: [email protected] 5 Laboratório de Processamento de Imagens de Satélites (LAPIS) - Universidade Federal de Alagoas (UFAL), E-mail: [email protected]. 6 Programa de Engenharia Civil, Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia - COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro, E-mail: [email protected].

XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 2

INTRODUÇÃO

O Sistema Cantareira (SC) é o maior manancial a abastecer a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). Atende 8,1 milhões de habitantes das zonas norte, central, parte da leste e oeste da capital e os municípios de Franco da Rocha, Francisco Morato, Caieiras, Osasco, Carapicuíba e São Caetano do Sul, além de parte de Guarulhos, Barueri, Taboão da Serra e Santo André (SABESP, 2015). As demandas hídricas dessa região a serem atendidas pelo SC, projetadas para 2020 e 2025, seriam vazões médias de 31,6 e 31,4 m³/s, respectivamente, considerando estratégias de restrição estabelecidas para os setores atendidos, de forma a compensar o crescimento vegetativo da população (ANA/DAE, 2004). O SC é formado pelos rios Jaguari, Jacareí, Cachoeira, Atibainha e Juqueri (SABESP, 2015). Seis reservatórios garantem a regularização de 33 m³/s de água, que é a capacidade da estação de tratamento (ETA) do Guaraú. Os quatro reservatórios de montante têm os mesmos nomes dos rios que regularizam, sendo os de maior capacidade Jaguari e Jacareí, interligados, que regularizam 22m³/s (DAE, 2015). Em 2010, a informação era de que a última vez que o SC havia chegado a 100% de sua capacidade tinha sido em 1999 e que o volume foi suficiente para garantir o fornecimento de água pelos três anos seguintes (SABESP, 2015).

A precipitação média anual, nas bacias de contribuição ao SC, varia de 1400 a 1600mm (ANA/DAE, 2004). O período chuvoso na bacia tem início, em geral, no mês de outubro. Nas cabeceiras, o trimestre mais chuvoso é NDJ, enquanto na região mais de jusante é DJF (CPRM, 2011). Nos últimos períodos chuvosos, dos anos 2010-2011, 2011-2012, 2013-2014 e 2014-2015, as chuvas apresentaram uma tendência decrescente, o que determinou o deplecionamento total dos reservatórios e o uso da capacidade de seu volume morto para garantir o abastecimento da população, constituindo o que ficou conhecido como a crise hídrica do estado de São Paulo.

A finalidade deste trabalho é fornecer um quadro referencial de análise probabilística e de previsibilidade da estiagem atual na região Sudeste do Brasil, em especial na bacia hidrográfica onde se encontra o SC, frente ao histórico de dados hidrometeorológicos mais remotos e extensos disponíveis, com técnicas objetivas de inferência de tendências, correlações e de ocorrência de ciclos.

MATERIAIS E MÉTODO

A Figura 1 apresenta a região da bacia em estudo, seus reservatórios e estações fluviométricas e pluviométricas com histórico de dados mais longos. A região de interesse foi estendida para o enquadramento geográfico de longitude oeste entre -49º a -41º e latitude sul entre - 24,2º e 19,8º, ampliando a disponibilidade de dados pluviométricos históricos. A região apresenta precipitação anual média de 1300 a 1700mm estando o enquadramento maior envolvido pela isoieta de 1400mm.

Foram pesquisados os dados pluviométricos disponíveis no Hidroweb (ANA, 2015) e no BDMEP (INMET, 2015). Pelo Hidroweb haveria 34 estações na área de interesse com indicação de registros de precipitação desde, pelo menos, 1915 com operação até os anos 2000. São cinco as estações com registros desde antes de 1900, das quais são disponíveis os dados de quatro: Luz Estação (SP), desde 1888; Horto Florestal, desde 1899; Tatuí, desde 1888; e Mineração Morro Velho (MG), a mais antiga do Brasil, segundo Rodrigues (2002), com dados desde 1855. Nenhuma das cinco apresenta dados no período atual, possivelmente tenham sido descontinuadas, como se pode ver na Tabela 1. As estações do INMET no BDMEP só têm dados disponíveis a partir de 1961, mesmo as mais antigas. As séries de precipitação apresentam extensos períodos de falhas que,

XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 3

em alguns casos, infelizmente, coincidem com os períodos de estiagem mais rigorosa do histórico. A estação mais completa é Luz (Estação), que foi analisada após preenchidas as suas falhas como mostrado na Tabela 1.

Figura 1 –Bacia hidrográfica dos rios Piracicaba e Alto Tietê (até Barra Bonita)

Tabela 1. Dados pluviométricos disponíveis

Código Nome Responsável Altitude

(m) Início Disponibilidade Anos e períodos com falhas Preenchidas com dados

da estação* 1943000 MINERAÇÃO MORRO VELHO ANA-CPRM 770 01/01/1855 1855-2003 - não usada 2247176 CAMPINAS - IA SAA-SP 693 01/11/1889 nenhuma - não usada

2346032 (E3-071) HORTO FLORESTAL FCTH-DAEE 790 01/01/1899 1899-2003

1901; Jan/1907 a Dez/1939; Jun-Ago/42; Out/1979; Mar-Mai/1980; 1981; 1983 a 1985; 1987 a 1990; 1996 e 1999

23 47026 até 1937; 2346045 até 1942 e 2346117 (83781) de 1979 em diante

2346045 (E3-036) LUZ (ESTAÇÃO) FCTH-DAEE 730 01/01/1888 1888-2004

1936 e 1937; 1951 e 1952; 1956 e 1957; 1976; 1978 a 1981; 1999 a 2002; 2004

23 47026 até 1937; 2346032 até 1957 e 2346117 (83781) de 1976 em diante

2346117 (83781) SÃO PAULO (MIRANTE SANTANA) INMET 792 01/02/1936 1961-2015 Fev-Nov 1983 2346045

2347026 (E4-036) TATUÍ FCTH-DAEE 610 01/01/1888 1888-2007

1889; 1896; 1898; 1900; 1902; 1922-1925; 1928-1935; 1938; 1965; 1999 a 2006

Usada somente p/ preencher as demais

Nota:* preenchimento por regressão linear simples

O Hidroweb indica que existem, ou existiram, 57 estações fluviométricas na sub-bacia do Alto Tietê, considerada até jusante de Barra Bonita. As estações ainda em operação nos dias de hoje seriam 29 e, dessas, as que iniciaram a operação antes de 1950 são 15, que tiveram seus dados avaliados quanto à disponibilidade. Todas essas estações estão a jusante dos reservatórios do SC. O resultado da pesquisa dos dados está sintetizado na Tabela 2, mostrando apenas a estação mais antiga em cada curso d'água do sistema. As falhas têm o mesmo padrão para as 15, o que dificulta a análise dos períodos críticos.

Tabela 2. Dados fluviométricos disponíveis Código Nome Área de Drenagem (km²) Curso d'água Responsável Início Disponibilidade Anos com falhas

62605000 BUENÓPOLIS 1.950 rio Jaguari FCTH-DAEE 01/02/1930 1930-2014 1930; 1981; 1983-83; 1999-2002; 2005-11; 2014

62625000 AMPARO 663 rio Camanducaia ou da Guardinha ANA-CPRM 01/11/1938 1938-2007

1938; 1970; 1975; 1977; 1979-83; 1989; 1992; 2007

62665000 PIRACAIA 431 rio da Cachoeira ANA-CPRM 01/06/1935 1935-2007 1935; 1983; 1989; 1992; 2003-04; 2007

62676000 BAIRRO DA PONTE 1.930 rio Atibaia FCTH-DAEE 01/10/1929 1929-2014 1929; 1997-2000; 2014

62715000 ARTEMIS 10.900 rio Piracicaba FCTH-DAEE 01/05/1943 1943-2014 1943; 2005; 2014

A Figura 2 mostra a variação da vazão média anual no rio Piracicaba em Artemis e na sub-bacia do Jaguari, nas estações Rio Abaixo, Buenópolis, Jaguariúna e Usina Ester. Os valores médios anuais estão calculados para o ano hidrológico da região, com início em setembro e término em agosto do ano seguinte.

XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 4

Figura 2. Regime de vazões na bacia do rio Piracicaba, antes e após a construção de Jaguari-Jacareí

A estação escolhida para a pesquisa dos períodos de vazões baixas foi Buenópolis - 62605000, com 1.950km² de área de drenagem, no período de 1930 a 1977, portanto antes da construção dos reservatórios. Vê-se na Figura 2 que houve períodos de vazões baixas entre 1931-1934, 1940-1943, 1952-1954 e 1970 a 1974. Sabe-se que o período crítico de vazões na região Sudeste, considerado para projeto da maioria dos reservatórios lá existentes, inclusive o do SC, ocorreu na década de 1950.

O período crítico caracteriza-se pelas menores vazões afluentes à seção do curso d'água de interesse do projeto, considerando a série temporal histórica de vazões naturais. O volume útil do reservatório corresponderia ao volume necessário para atender a demanda prevista no projeto, com a operação do reservatório durante um período de afluências iguais às do período crítico de projeto. Esse volume é encontrado, por exemplo, com o método de Rippl, ou diagrama de Rippl, que utiliza a curva de deflúvios acumulados (CDA) do curso d'água, na seção do barramento, e a compara com a curva de deflúvios acumulados de consumo ou demanda acumulada de projeto. A CDA é a integral da hidrógrafa e as tangentes à CDA, a cada tempo, correspondem às vazões naturais afluentes (Rondon de Souza, 1979).

A disponibilidade de dados de vazão no Brasil data da década de 1930 - a fluviometria sistemática teve início para fornecer dados básicos aos estudos de inventário e aos projetos de usinas hidrelétricas. O Código de Águas (Decreto 24.643/1934) estabeleceu a obrigatoriedade da instalação de estações fluviométricas pelos agentes autorizados de energia hidrelétrica (Rodrigues, 2002). O período crítico de projeto do Sistema Cantareira (1952-1954) é, possivelmente, o mais crítico dentro da disponibilidade de dados fluviométricos. Para analisar períodos mais remotos, é necessário contar com os dados pluviométricos disponíveis, alguns do século XIX. Seria mais adequado avaliar diversas estações para uma boa representação espacial das chuvas na área de contribuição à estação fluviométrica Buenóplois no rio Jaguari. Na ausência de estações ideais, escolheu-se a estação Luz, que tem longo histórico e poucas falhas, mas que está fora da bacia do Jaguari. A Figura 3 mostra a precipitação anual de 1888 a 2014, nela estão marcados em azul os períodos com mais de cinco anos de precipitação abaixo 1500mm, que é a média da região. A média móvel, calculada para 5, 6 e 7 anos, apresenta mínimos compreendidos nas sequências de totais anuais de precipitação abaixo da média e com mais de cinco anos de duração. Desde 2009, as precipitações anuais apresentam tendência decrescente e o período de baixas precipitações (< 1500mm), que teve início em 2012, poderá perdurar ainda por dois anos ou mais, como outras janelas anteriores marcadas na Figura 3.

Regime de vazões médias anuais na bacia do Piracica ba e na sub-bacia do Jaguari

0

50

100

150

200

250

300

350

1929

1932

1935

1938

1941

1944

1947

1950

1953

1956

1959

1962

1965

1968

1971

1974

1977

1980

1983

1986

1989

1992

1995

1998

2001

2004

2007

2010

2013

Vaz

ão (

m³/s

)62600000

62605000

62615000

62632000

62715000

início da operação de Jaguari - Jacareí em maio/1982

período de construção dos reservatórios de Jaguari - Jacareí 1977-1982

XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 5

Figura 3. Série de precipitações em Luz e médias móveis de totais anuais

As séries temporais de precipitação total mensal das estações 2346045, 2346032 e 83781, e de vazões médias mensais da estação 62605000 foram submetidas à análise espectral de wavelet Morlet, para verificar a periodicidade de anomalias. Foram usadas as séries anuais, relativas ao ano hidrológico da região (setembro-agosto), de total de precipitação e de vazão média, para verificar a correlação entre elas, mediante a análise espectral de coerência de wavelet Morlet.

A transformada de wavelet, ou coerência de wavelet com wavelet-mãe Morlet, permite representar um sinal ou uma série temporal por meio de um diagrama tempo-freqüência, conhecido como escalograma (Mallat, 2009), no qual os coeficientes são representados por meio de intensidade de cores. A cor azul significa menor intensidade do coeficiente wavelet ou energia e a cor vermelha representa maior intensidade dos coeficientes wavelet ou energia. A função de coerência de wavelet tem a mesma forma da função de coerência baseada em Fourier, que pode apresentar valores em módulo entre 0 e 1, quanto mais próximo de 1 estiver o valor, maior é a correlação entre os sinais.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A análise espectral mostra anomalias de maior frequência em períodos de precipitações baixas indicadas na Figura 3 para a estação Luz (1888-2014), que podem ser vistas nas Figuras 4a e 4b.

Figura 4. a - Espectro de wavelet Morlet para precipitação em Luz (2346045); e b - Espectro de wavelet Morlet para a estação INMET (83781).

Luz (Estação)- 2346045

0

500

1000

1500

2000

2500

01/0

9/18

88

01/0

9/18

92

01/0

9/18

96

01/0

9/19

00

01/0

9/19

04

01/0

9/19

08

01/0

9/19

12

01/0

9/19

16

01/0

9/19

20

01/0

9/19

24

01/0

9/19

28

01/0

9/19

32

01/0

9/19

36

01/0

9/19

40

01/0

9/19

44

01/0

9/19

48

01/0

9/19

52

01/0

9/19

56

01/0

9/19

60

01/0

9/19

64

01/0

9/19

68

01/0

9/19

72

01/0

9/19

76

01/0

9/19

80

01/0

9/19

84

01/0

9/19

88

01/0

9/19

92

01/0

9/19

96

01/0

9/20

00

01/0

9/20

04

01/0

9/20

08

01/0

9/20

12

P (

mm

)2346045

5 por. Méd. Móv. (2346045)

6 por. Méd. Móv. (2346045)

7 por. Méd. Móv. (2346045)

Tempo (anos).

Per

íodo

(an

os).

a) Estação 2346045: Espectro de Potencia Wavelet

1888 1893 1898 1903 1908 1913 1918 1923 1928 1933 1938 1943 1948 1953 1958 1963 1968 1973 1978 1983 1988 1993 1998 2003 2008 2013

2

4

8

16

320 2 4 6 8 10

x 104 Variância.

b) Potencia Global Wavelet

6 anos

5 anos

7 anos

Tempo (anos).

Per

íodo

(an

os).

a) Estação 83781: Espectro de Potencia Wavelet

1961 1966 1971 1976 1981 1986 1991 1996 2001 2006 2011

2

4

8

16

320 2 4 6 8 10 12

x 104 Variância.

b) Potencia Global Wavelet

7 anos

6 anos

5 anos

XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 6

A Figura 5 mostra a análise para precipitação e vazão de 1930 a1977.

Figura 5. a - Para precipitação em Luz (1930-1977); e b - Para vazões em Buenópolis (1930-1977).

As Figuras 4a e 4b e 5a e 5b mostram em comum um ciclo acentuado de 5 a 7 anos. As Figuras 5a e 5b mostram anomalias coerentes no período 1930-1977 entre vazão e precipitação.

O espectro de potência de wavelet para a precipitação anual (Figura 6a) mostra áreas com nível de significância de 5% correspondentes aos períodos de 1-3 anos (1941, 1942, 1966-1971), 4-7 anos (1965-1969) e de 8 a 11 anos (1934-1942). Por outro lado, o espectro de wavelet da vazão anual (Figura 6b) permitiu observar períodos de 2 anos (1967-1999). Esses resultados são de difícil interpretação quanto à associação entre as duas variáveis, ainda que seja possível observar que as áreas significativas estariam associadas a períodos secos ou úmidos.

Figura 6. Espectro de potência da wavelet usando a wavelet-mãe de Morlet a) precipitação anual b) vazão anual (ano hidrológico).

A associação entre as duas variáveis e as situações envolvidas podem ser identificadas através da análise de coerência de wavelet (Figura 7). Áreas significativas de coerência entre a precipitação e vazão são apreciadas para o período de 1930-1977 com frequências de 8 a11 anos. As áreas vermelhas delimitadas por uma linha negra indicam a presença de relação entre as variáveis precipitação e vazão com nível de significância de 5%. As setas de direção horizontal e orientadas para a direita indicam que ambos os fenômenos estão em fase e que sua correlação é positiva. Em caso contrário, as setas orientadas para a esquerda sugerem que os fenômenos têm correlação negativa e as que têm direção vertical indicam que os fenômenos não estão em fase ou estão em anti-fase. As áreas sombreadas (mais claras) indicam regiões onde o efeito de borda não pode ser ignorado.

Tempo (anos).

Per

íodo

(an

os).

a) Estação 2346045: Espectro de Potencia Wavelet

1930 1935 1940 1945 1950 1955 1960 1965 1970 1975

2

4

8

16

320 2 4 6 8 10

x 104 Variância.

b) Potencia Global Wavelet

5 anos

6 anos

7 anos

Tempo (anos).

Per

íodo

(an

os).

a) Vazão 62605000: Espectro de Potencia Wavelet

1930 1935 1940 1945 1950 1955 1960 1965 1970 1975

2

4

8

16

320 0.5 1 1.5 2

x 104 Variância.

b) Potencia Global Wavelet

5 anos

6 anos

7 anos

XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 7

Figura 7. Coerência de wavelet entre a precipitação e a vazão.

É notável a coerência entre a precipitação e a vazão nestas estações durante o período de 1957 a 1977, com frequências de 1 a 7 anos, em especial quando os fenômenos coincidem em fase, assim como durante o período de 1957 a 1977, com frequências de 5 a 7 anos.

Com frequências de 8 a 11 anos, ao longo de todo o histórico, há períodos com os fenômenos em fase e defasados, em que se destaca o período de 1951-1963 em que os fenômenos estiveram em fase. Na interpretação do comportamento conjunto das séries, é importante ter em conta que a estação pluviométrica não se encontra na bacia de contribuição à estação fluviométrica e, assim, a relação da precipitação com as vazões existiriam, possivelmente, para eventos mais abrangentes espacialmente de precipitação intensa ou de estiagem, que ocorreriam em ciclos maiores. Os ciclos de 5 a 7 anos (Figuras 4 e 5) ou de 8 a 11 anos (Figura 7) poderiam estar indicando as estiagens e períodos chuvosos prolongados encontrados ao longo do histórico de dados mostrados na Figura 3.

CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES

Inicialmente, observa-se a necessidade de manter em operação estações com longo histórico de dados, que são raras no Brasil. Não há como fazer previsões seguras na expectativa da não estacionariedade das séries, sem a possibilidade de estudar a variabilidade dos fenômenos locais e suas relações com outros fenômenos globais. As informações existentes devem estar disponíveis e de fácil acesso aos pesquisadores que, na ausência delas, acabam recorrendo a dados de re-análise, notadamente menos precisos em escala local. O Hidroweb da ANA é um exemplo de fonte de dados hidrometeorológicos, é abrangente e de fácil acesso, mas precisa ser alimentado com mais regularidade pelas demais entidades responsáveis por redes de monitoramento. O BDMEP (INMET) é também de fácil acesso, porém ainda não exibe dados anteriores a 1961.

Gerou-se um quadro de referência para análise de probabilidade e previsibilidade de eventos extremos, em particular da estiagem que afeta a região Sudeste do Brasil (2013-2014). Mostrou-se que é possível estabelecer análise mais rigorosa e prospectar sobre a sua duração, bem como antecipar futuras estiagens. Experimentaram-se as técnicas de espectro de potência de wavelet e de coerência de wavelet para detecção de semelhanças ou correlação entre sinais em séries temporais, usadas, principalmente, para sinais com alta variabilidade (não-estacionários). Os resultados mostram a eficiência da técnica para identificar, sem subjetividade, as anomalias de precipitação (máximas ou mínimas). Em alguns casos, notou-se que visualmente existe grande diferença entre a análise de espectro de potência de wavelet e de medida de coerência de wavelet, devida à dificuldade na visualização de escalas de baixo valor com o escalograma. A eficiência dos métodos utilizados está fortemente vinculada à escolha da wavelet- mãe, estudo detalhado sobre a questão é mostrado em Guido (2011). O método poderá ser explorado com outros tipos de wavelet, de formulações distintas e algoritmos próprios, visando a encontrar a melhor wavelet para cada tipo de

XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 8

sinal, como, por exemplo, a mais adequada para representar as precipitações ou sua ausência. Os ciclos encontrados de 5 a 7 anos e de 8 a 11 precisam ainda ter suas causas físicas investigadas.

AGRADECIMENTOS

Agradecimentos são dirigidos às agências de fomento CAPES, FAPERJ, CNPq e FINEP, que, por meio de bolsa CNPq concedida ao segundo autor, bem como suporte aos projetos FAPERJ – Pensa Rio – Edital 19/2011 (2012-2014) e Pensa Rio – Edital 34/2014 (2014-2017) – E-26/010.002980/2014, FAPERJ – Processo E-26/103.116/2011 (2012-2014) e CNPq Edital Universal No. 14/2013 – Processo 485136/2013-9, entre outros, estimulam o avanço científico-tecnológico brasileiro na temática que abrange o escopo desta pesquisa. Agradecimentos extensivos são dirigidos, em especial, a instituições como ANA, INMET e CPRM, que dedicam esforços ao monitoramento de bacias hidrográficas no Brasil.

REFERÊNCIAS ANA (2015). Hidroweb - Sistema de informações Hidrológicas. Disponível em: http://hidroweb.ana.gov.br/. Acesso em 1/05/2015.

ANA-DAEE (2004). Nota Técnica Conjunta. Subsídios para a análise do pedido de outorga do Sistema Cantareira e para a definição das condições de operação dos seus reservatórios. Disponível em: <http://www.comitepcj.sp.gov.br/download/Res_ANA-DAEE_428-04_Nota-Tecnica.pdf>. Acesso em 29/05/2015.

CPRM (2011). Projeto Atlas Pluviométrico do Brasil: SIG Altas. Disponível em: <www.cpmr.gov.br>. Acesso em 2/04/2013.

DAE (2015). Sistema Cantareira. Disponível em: <http://www.daescs.sp.gov.br/index.asp?dados=ensina&ensi=cantareira>. Acesso em 29/05/2015.

GUIDO R. C. (2011). A note on a practical relationship between filter coefficients and scaling and wavelet functions of Discrete Wavelet Transforms,” Applied Mathematics Letters, 24, 7, pp.1257- 1259, July 2011.

INMET (2015). BDMEP. Disponível em: <http://www.inmet.gov.br/portal/index.php?r=bdmep/bdmep>. Acesso em 24/05/2015.

MALLAT, S.G. (2009). A Wavelet Tour of Signal Processing: The Sparse way. Academic Press, San Diego, USA,.

RODRIGUES, M. S. (2002). Controle de Qualidade on-line de Dados Hidrológicos Teletransmitidos. 2002. 157p. (Mestrado em Ciências em Engenharia da Energia) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia da Energia, Universidade Federal de Itajubá, Itajubá, 2002.

RONDON DE SOUZA, D. J. (1979). Hidrotécnica I: Hidrologia e Reservatório de Estiagem. Rio de Janeiro: Escola de Engenharia Universidade Federal do Rio de Janeiro. D.A.P., 188p.

SABESP (2015). Sistema Cantareira garante abastecimento. Disponível em: <http://www.sabesp.com.br/CalandraWeb/CalandraRedirect/?temp=4&proj=AgenciaNoticias&pub=T&docid=3B3851C287055C148325770600671FDD>. Acesso em 29/05/2015.