Ano 1000 - Robert Lacey e Danny Danziger

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    TraduoAlfredo B. Pinheiro de Lemos

    Preencha a ficha de cadastro no final deste livroe receba gratuitamente informaes sobre os

    lanamentos e promoes daEditora Campus.

    Consulte tambm nosso catlogocompleto e ltimos lanamentos em

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    Do originalThe Year 1000Traduo autorizada do idioma ingls da edio publicadapor Little, Brown and Company

    Copyright 1999 by Robert Lacey & Danny Danziger1999, Editora Campus Ltda.Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 5.988 de 14/1 2/73. Nenhuma parte deste

    livro, sem autorizao prvia por escrito da editora, poder ser reproduzida ou transmitida sejam

    quais forem os meios empregados: eletrnicos, mecnicos, fotogrficos, gravao ou quaisquer

    outros meios.CapaLuciano Mello

    Monika MayerCopidesqueAna Paula Lessa da CunhaEditorao Eletrnica

    Domus Design GrficoReviso GrficaKtia

    Ferreira Edna

    Cavalcante

    Projeto GrficoEditora Campus Ltda.A Qualidade da InformaoRua Sete de Setembro, 111 - 16

    oandar

    20050-002 Rio de Janeiro RJ BrasilTelefone: (021) 509-5340 FAX (021) 507-1991e-mail: [email protected] 85-352-0431-8

    CIP-Brasil. Catalogao-na-fonte. Sindicato

    Nacional dos Editores de Livros, RJL142a

    Lacey, RobertO ano 1000 : a vida no incio do primeiro milnio / Robert Lacey, Danny

    Danziger; traduo Alfredo Barcellos Pinheiro de Lemos. - Rio de

    Janeiro : Campus, 1999Traduo de: The year 1000 Inclui

    bibliografia ISBN 85-352-0455-5

    1. Inglaterra - Condies sociais - At 1066. 2. Gr-Bretanha -

    Histria - 979-1016. 3. Ano mil da era crist. I. Ttulo

    99-0705 CDD 942.01CDU 942

    99 00 01 02 5 4 3 2 1

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    Para todos os nossos associados ecompanheiros da revista Cover

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    O lavrador alimenta todos ns. A pgina de janeiro do Calendrio

    de Trabalho de Julius, produzido na oficina de escrita daCatedral de Canterbury, por volta de 1020.

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    Agradecimentos

    Este livro teve sua origem numa idia de Danny Danziger, que aprendeu

    muito pouco da histria inglesa quando estudava na Harrow School. Mais

    aplicado foi seu colega de turma Tyerman, hoje o dr. Christopher Tyerman,chefe do Departamento de Histria em Harrow. Gostaramos de agradecer aChristopher pelo conhecimento histrico com que supervisionou nossotrabalho, embora a responsabilidade pelos erros, claro, seja toda nossa.

    Como jornalistas atuantes, nossa proposio era formular as perguntassobre a vida cotidiana e os hbitos que os livros de histria convencionaiscostumam ignorar. As perguntas seriam encaminhadas a alguns dos maiseminentes historiadores e arquelogos especializados. Christopher ajudou-nos a escolh-los. Gostaramos de agradecer a esses expertos por tolerar

    nossa ignorncia e dispensar tempo para responder s perguntas; e em muitoscasos, tambm por revisar os esboos iniciais. Passamos os ltimos dezoitomeses no ano 1000. Eles passaram a maior parte de suas vidas ali. Nossadvida com seus conhecimentos e generosidade incalculvel.

    Dra. Anna Abulafia, Lucy Cavendish College, CambridgeDra.Debby Banham, Newnham College, CambridgeDr.Matthew Bcnnett, Royal Military College, SandhurstDr.Mark Blackburn, Museu Fitzwilliam, CambridgeDr. John Blair, Queen's College, OxfordProfessor Don Brothwell, Universidade de York

    Dra.Michelle Brown, Departamento de Manuscritos,Biblioteca Britnica, Londres

    Professor James Campbell, Worcester College, Oxford

    Professor Thomas Charles-Edwards, Jesus College, Oxford

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    Sr. Eric Christiansen, New College, OxfordReverendo John Cowdrey, St. Edmund-Hall, OxfordDra.Katie Cubitt, Universidade de York

    Dr. Ken Dark, Universidade de ReadingProfessor Christopher Dyer, Universidade de BirminghamDr.Richard Hales, Universidade de KentDr.Ros Faith, Wolfson College, OxfordRichard Falkiner, expert em moedas e medalhasProfessor Richard Fletcher, Universidade de York

    Dr. Simon Franklin, Clare College, CambridgeDr. Richard Gameson, Universidade de KentDr. George Garnett, St. Hugh's College, Oxford

    Professor John Gillingham, Escola de Economia de LondresProfessor Malcolm Godden, Pembroke College, OxfordProfessor James Graham-Campbell, University College, Londres

    Dr. Allan Hall, Universidade de YorkDr. Richard Hall, Conselho de Arqueologia de YorkDr. David Hill, Universidade de ManchesterDr. Peregrine Hordern, All Souls College, OxfordDr. James Howard-Johnston, Corpus Christi College, OxfordDr. Gillian Hutchinson, Museu Martimo, Greenwich

    Dr. Andrew K.G. Jones, Universidade de Bradford e Conselho deArqueologia de YorkDr. Paul Joyce, St. Peter's College, OxfordDr. Simon Keynes, Trinity College, CambridgeDr. Ken Lawson, St. Paul's School, LondresDra. Henrietta Leyser, St. Peter's College, OxfordDr. John Maddicott, Exeter College, OxfordDr. Ailsa Mainman, Conselho de Arqueologia de YorkDr. Patrick McGurk, Birkbeck College, Londres

    Professor Henry Mayr-Harting, Christ Church, OxfordProfessora Rosamond McKitterick, Newnham College, CambridgeDra. Patrcia Morison, All Soul's College, OxfordProfessora Janet Nelson, King's College, Londres

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    Dr. Andy Orchard, Emmanuel College, CambridgeDr.Christopher Page, Sidney Sussex College, CambridgeSteve Pollington, Da Engliscan Gesidas (os Companheiros Ingleses)

    Dr.Eric Poole e Georgina Poole, tradutores de documentos clssicosJ. Kim Siddorn, Regia AnglorumDr. Richard Smith, Downing College, CambridgeProfessor Alfred Smyth, St. George's House, Windsor CastleProfessora Pauline Stafford, Universidade de HuddersfieldDr.Andrew Wathey, Royal Holloway College, LondresDr. Leslie Webster, Biblioteca Britnica, LondresProfessor Christopher Wickham, Universidade de Birmingham

    Sr. Patrick Wormald, Christ Church, Oxford

    Todas as entrevistas foram realizadas por Danny Danziger, com exceodaquelas com Richard Falkiner, dr. David Hill, dr. Patrick McGurk, dra.Patricia Morison. Steve Pollington, dr. Eric e Georgina Poole, e J. KimSiddorn, que foram entrevistados por Robert Lacey. No Museu Britnico, adra. Michelle Brown foi bastante gentil para dispensar tempo a ambos osautores e nos deixar examinar o Calendrio de Trabalho de Julius.

    Gostaramos de expressar um agradecimento particular ao trabalho do dr.Patrick McGurk, que efetuou a mais meticulosa pesquisa acadmica sobre o

    Calendrio de Trabalho de Julius at hoje, e ao dr. Eric e Georgina Poole,

    que fizeram uma traduo completa do texto do calendrio para o inglsmoderno. Cpias dessa traduo esto disponveis a pedido para os autores,a/c da editora.

    Regia Anglorum uma sociedade cujos quinhentos membros se renempara reconstituir a vida e os tempos dos vikings, anglo-saxes e outros

    habitantes das ilhas britnicas no sculo que levou conquista normanda, em1066. Para informaes sobre as quarenta sees regionais de RegiaAnglorum, entre em contato com J. Kim Siddorn, 9 Durleigh Close, Bristol

    BS13 7NQ; e-mail: [email protected]

    ; Internet:http://www/ftech.net/~re-

    gia. Somos gratos ao inspetor de autenticidade da

    sociedade, Roland Williamson, por revisar o manuscrito.Os autores desejam agradecer pela ajuda: os funcionrios da Sala de

    Manuscrito e da Sala de Leitura da Biblioteca Britnica, alm do

    mailto:[email protected]:[email protected]://www/ftech.net/~re-http://www/ftech.net/~re-http://www/ftech.net/~re-mailto:[email protected]
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    pessoal de reproduo fotogrfica; Fionnuala Jervis, que visitou a Aventura

    Viking, em Dublin, e o Museu Nacional da Irlanda, por nossa conta; LeonardLewis; a equipe da Biblioteca de Londres; Andrew e Malini Maxwell-

    Hyslop; os funcionrios e scios sempre prestativos da livraria John Sandoe,que descobriram recnditos tratados anglo-saxes; o especialista em podaGordon Taylor; dr. John Taylor; dra. Penny Wallis; o pessoal da aldeia

    anglo-saxnia em West Stow, Suffolk; o Centro Viking Jorvik, Coppergate,York, e o Conselho Arqueolgico de York; o Museu Shaftesbury, Dorset; oMuseu da Abadia de Shaftesbury, Dorset; a Casa da Abadia, Malmesbury;Dorothy White.

    Tambm queremos agradecer a nossos agentes literrios, Jonathan Lloyde Michael Shaw, da Curtis Brown; nossos inspirados editoradores na Little,

    BrownPhilippa Harrison, em Londres, e Bill Phillips, em Nova Yorketambm Betty Power, nossa imensamente eficiente editoradora de texto emBoston. Obrigado a Ruth Cross por seu ndice remissivo meticuloso esatisfatrio.

    Foi Nina Drummond quem sugeriu que este livro fosse lanado sob aforma de um calendrio, a fim de refletir o ritmo da vida no ano 1000. Elabateu mquina o manuscrito, desencavou livros e artigos obscuros e, nacompanhia de Osric, seu fiel springer spaniel anglo-saxo, visitou aldeias eabadias anglo-saxnias, e molhou os ps ao percorrer o caminho que osvikings atravessaram para lutarem a Batalha de Maldon. Este livro no seriapossvel sem ela... nem sem Sandi Lacey. Sua contribuio para o projeto eos conceitos humanos do texto est presente em cada captulo.

    Nossa outra grande dvida com nossos scios e colegas na Cover, apequena revista de grandes palavras e ilustraes que fundamos em 1997.Iniciamos a pesquisa para este livro na mesma ocasio em que comeamos atrabalhar na primeira edio de ensaio da revista. O prazer e o sucesso dosdois projetos devem muito equipe editorial e administrativa, que

    continuaram a produzir nmeros novos e brilhantes da revista, enquanto nsinvestigvamos o Viagra do milnio, como fazer um encantamento para um

    enxame de abelhas, ou como curar uma dor de cabea anglo-saxnica. Estelivro dedicado a eles... e, atravs deles, a nossos leais assinantes e leitores.

    Danny Danziger e Robert LaceyNovembro de 1998

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    Sumrio

    * * *

    Ilustraesdos captulos mensais do Calendrio de Trabalho de Julius c. 1020,Catedral de Canterbury, cortesia da Biblioteca Britnica.

    CapaOrelhaContracapa

    O Calendrio de Trabalho de JuliusA Maravilha da Sobrevivncia 14

    Janeiro . Para Todos os Santos 17

    Fevereiro . Bem-vindo a Engla-lond 29Maro . Cabeas por Comida 41

    Abril . Banquete 51

    Maio . Riqueza e L 63

    Junho . A Vida na Cidade 77

    Julho . O Hiato da Fome 89

    Agosto . Remdios 101

    Setembro . Pagos e Pannage 113

    Outubro . Jogos de Guerra 125Novembro . As Mulheres e o Preo de uma Carcia 137

    Dezembro . O Fim de Tudo, ou um Novo Comeo? 149

    O Esprito Ingls 161

    Notas 167

    Bibliografia 171

    ndice Analtico 176

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    Acolho efusivamente o seu desejo ansioso de saber alguma coisa sobre osfeitos e ditos dos grandes homens do passado, e de nossa nao em

    particular. Beda, o Venervel (673-735)

    * * *

    E h os que no tm qualquer memorial; os que perecem como se nuncativessem existido; e se tornam como se nunca tivessem nascido; e seus filhosdepois deles. Mas estes so homens misericordiosos, cujas virtudes noforam esquecidas.

    Ecclesiasticus, captulo xliv, versculo 9

    * * *

    No ousamos alongar este livro muito mais, pois perderia a moderao eprovocaria a antipatia dos homens por seu tamanho.

    Aelfrc, mestre-escola de Cerne Abbas, maistarde abade de Eynsham (c. 955-1020)

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    O CALENDRIO DE TRABALHO DE JULIUS

    A Maravilha da Sobrevivncia

    * * *

    OI UM CARVALHO QUE FORNECEU A TINTA, de umaprotuberncia parecida com um furnculo que se projetava de sua casca.

    Uma vespa roera a madeira para depositar seus ovos ali. A rvore, numareao de defesa, formou uma bolsa em torno da intromisso, circular e

    com uma capa dura, cheia de um cido transparente. "Encaustum" era comochamavam a tinta no ano 1000, do latim caustere, "morder", porque o lquidodas protuberncias no carvalho literalmente mordia o pergaminho, que eraesfolado da pele de cordeiro, bezerro ou cabrito. A tinta era um lquidopastoso naquele tempo. Voc esmagava os ndulos do carvalho em gua dechuva ou vinagre, engrossava com goma arbica, depois acrescentava sais deferro, para colorir o cido.

    A tonalidade escolhida por aquele escriba em particular proporcionou ummatiz meio marrom sua tinta preta. O livro bem pequeno, no mais grossoou mais alto do que qualquer volume de capa dura em sua estante. Encoste amo em sua superfcie flexvel e ainda sedosa: estar tocando na Histria.Quase que d para sentir o cheiro. Voc est em contato fsico com algo quefoi criado h quase mil anos, por volta do ano 1020, provavelmente por umclrigo que trabalhava na oficina de manuscritos da Catedral de Canterbury.

    Esse documento antigo conhecido hoje como o Calendrio de Trabalho

    de Julius. Com sua combinao de clculos de calendrio e desenhosimpressionistas (ver pgina 6), o mais antigo documento sobrevivente doseu tipo na Inglaterra. Proporciona a base para este livro moderno que voctem nas mos e comea a ler agora, um milnio depois. Nosso livro umatentativa de olhar

    F

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    15 O ANO 1000

    para trs e descobrir como era a vida na Inglaterra no ano 1000. Devemos asobrevivncia do documento a um colecionador de livros do sculo XVII, Sir

    Robert Cotton, que o recuperou da disperso de manuscritos que se seguiu dissoluo dos mosteiros por Henrique VIII. Sir Robert guardou o pequenovolume em sua grande biblioteca em Westminster. Cada estante era decoradacom o busto de um imperador romano Tibrio, Augusto, Diocleciano,Nero, Vespasiano, Jlio Csar. Esses ressonantes nomes imperiais tornaram-se a base para o sistema de catalogao de Cotton. Tibrio D. III indicava umlivro guardado na prateleira marcada com um D, terceiro volume a partir da

    extremidade, por baixo do busto de Tibrio. Nosso calendrio de trabalhoestava guardado por baixo do busto de Julius, ou Jlio Csar.1

    No momento em que este livro foi escrito, o Calendrio de Trabalho deJulius estava preservado por trs das colunas acaneladas do Museu Britnico,mas no ano 2000 deve ser transferido para a nova e espetacular BibliotecaBritnica, ao lado da estao de St. Pancras. Ao longo dos sculos, ocalendrio perdeu as grossas capas de madeira entre as quais foioriginalmente prensado, para evitar que o pergaminho revertesse ao formato

    do animal de que viera. Apresenta os arranhes e rabiscos das geraes...alm das cicatrizes do outrora obrigatrio carimbo vermelho do antigoMuseu Britnico.

    Na disposio, curiosamente contemporneo, com doze meses em dozepginas, com um cabealho que tem o nome do ms especfico e o signozodiacal. Seu propsito era religioso, relacionar os dias sagrados e os dias defestivais a serem celebrados pela igreja naquele ms, provavelmente comoum manual de instrues para os jovens monges. As 365 linhas de versos emlatim so de p-quebrado e montonos. Pode-se imaginar os jovens oblatasentoando esses versos, enquanto eram introduzidos nos rituais do ano cristo.Nesse sentido, o calendrio pertence a um mundo que desapareceu h muitotempo. Mas no esprito e aparncia no muito diferente de um calendrio

    de doze folhas pendurado na parede de uma moderna cozinha.Trata-se do mais antigo exemplar sobrevivente de um ingls expondo suavida numa rotina diria, manipulando o tempo, considerando as estaes econduzindo a vida espiritual. Os dias do ms esto relacionados por baixo dosigno zodiacal. No fundo de cada

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    JANEIRO 16

    folha h um pequeno desenho delicado, que ilustra o trabalho de cada ms:um lavrador barbudo com um arado empurrado por bois, pastoresconversando enquanto olham para as ovelhas, dois homens fazendo acolheita em harmonia, enquanto um terceiro descansa. O desenhista tem umtrao gil e animado, descrevendo seres humanos reais, no fantoches. Asfiguras so musculosas e barrigudas, carecas, exibem verrugas, franzem orosto... em suma, demonstram alegria e preocupao. So pessoas como ns.

    Convencionou-se que a histria inglesa moderna comea em 1066 com achegada de Guilherme o Conquistador e os normandos, mas aqui voltamos a

    um perodo anterior, o final da Inglaterra dos anglo-saxes, onde ospersonagens alegres e decididos do Calendrio de Trabalho de Julius abrem aporta para um mundo que ao mesmo tempo estranho e curiosamentefamiliar. Assim, seja bem-vindo ao ano 1000, eLege Feliciter, como Beda, oVenervel disse outrora: Que voc possa ler em felicidade!2

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    JANEIRO

    PARA TODOS OS SANTOS

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    E VOC CONHECESSE UM INGLS NO ANO 1000, ficariaimpressionado de imediato com sua altura, mais ou menos a mesma da

    mdia atual.

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    Acredita-se em geral que somos mais altos do que osnossos ancestrais, o que sem dvida verdade quando comparamosnossa estatura com o tamanho de geraes mais recentes. Desnutridos e comuma superpopulao, os habitantes da Inglaterra georgiana ou vitoriana nopodiam igualar nossa sade e fsico ao final do sculo XX.

    Mas os ossos retirados das sepulturas na Inglaterra nos anos em torno de

    1000 contam uma histria de um povo forte e saudvel, os anglo-saxes, queocuparam a maior parte das ilhas britnicas desde a partida dos romanos.Nove em cada dez viviam em campos verdejantes e sem poluio, com umadieta simples e sadia, que desenvolvia braos e pernas vigorosos... e dentesmuito saudveis. Foi nos sculos subseqentes ao primeiro milnio que asuperpopulao em reas restritas comeou a afetar a estatura e sade doseuropeus ocidentais. Escavaes de stios arqueolgicos medievaisposteriores revelam corpos que j so menores do que aqueles nos anos em

    torno de 1000. Os arquelogos que estudaram esses sculos dizem que quasepodem ver a devastao da Peste Negra nos esqueletos cada vez mais frgeise insalubres.4

    A vida era simples. As pessoas usavam tnicas que pareciam sacos, comos meies de que tanto rimos nos filmes de Monty Python, embora em cores

    que no eram to indistintas. Apesar da falta de pigmentos qumicos no ano1000, as tinturas vegetais naturais podiam produzir uma ampla variedade detons fortes e alegres, com vermelhos, verdes e amarelos brilhantes. Era ummundo sem

    S

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    botes, que ainda teriam de ser inventados. As roupas eram presas comfivelas e cordes.

    Vivia-se pouco. Um menino de doze anos tinha idade suficiente paraprestar um juramento de fidelidade ao rei. As meninas casavam no incio daadolescncia, muitas vezes com homens que eram bem mais velhos. Amaioria dos adultos morria na casa dos quarenta anos; as pessoas quepassavam dos cinqenta anos eram consideradas venerveis. Ningum "sematava de trabalhar", mas os sinais de artrite nos ossos de sepulturas anglo-saxnias indicam que a maioria das pessoas levava uma vida de rduotrabalho braal... e o Calendrio de Trabalho de Julius apresenta diversasformas que esse trabalho braal podia assumir. Ao longo do fundo da pgina

    do ms de janeiro, vemos o lavrador passar com seu arado, abrindo sulcos naterra mida e muitas vezes cheia de argila, com a pesada lmina de ferro queera tpica da paisagem rural inglesa.

    "O lavrador alimenta a todos ns", declarou Aelfric, o mestre-escola deWessex que ensinou a seus discpulos, de 987 a 1002, fazendo-os observar eanalisar as diferentes atividades econmicas que se desenvolviam ao seuredor. "O lavrador nos d o po e o que beber."5

    Parece-se algo lento e primitivo, o pesado arado arrastado pelos bois.Mas em comparao com as tecnologias agrcolas em muitas outras partes do

    mundo naquela poca, o arado de roda e lmina de ferro do noroeste daEuropa era excepcional, permitindo que apenas dois homens arassem umacre inteiro, com a ajuda de animais, que no apenas proporcionavam o"cavalo-vapor", mas tambm fertilizavam as plantaes com seu estrume.

    O arado com roda era a base da vida para a populao inglesa por voltado ano 1000. Abria o solo para o ar e a gua, permitindo que os mineraissolveis alcanassem camadas mais profundas, ao mesmo tempo em quearrancava as ervas daninhas e as jogava para o lado, a fim de definharem aoar livre. No era uma inveno nova. Na metade do primeiro sculo da era

    crist, o historiador romano Plnio o Velho descreveu um artefato assim emuso no norte dos Alpes. As evidncias sugerem que essa mquina poderosa ede fcil manejo foi o elemento crucial no cultivo das terras conquistadas sflorestas no noroeste da Europa.6 Um homem para segurar o arado, outropara conduzir os bois, induzindo e cantando, ou mesmo, quando eranecessrio, forando os animais a se

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    JANEIRO 21

    adiantarem com uma vara: o desenho mostra os sulcos da terra que acaboude ser revirada, o segredo da maneira como o solo foi subjugado no curso

    dos sculos anteriores. Eis por que, na passagem do milnio, a Inglaterra foicapaz de sustentar uma populao de um milho de habitantes.

    A pgina do calendrio em que o arado de rodas foi desenhadorepresentava tambm outra tecnologia prtica e desenvolvida: a medio dotempo. Hoje consideramos os calendrios como um fato corriqueiro.Empresas os distribuem gratuitamente no Natal. Mas o desafio de formularum sistema funcional de datas consumiu as energias das mentes maisbrilhantes por sculos, cada cultura e religio projetando seu prprio sistemade clculo. Na Cristandade, a confuso derivava em grande parte da

    determinao do festival mais importante da Igreja, a Pscoa.

    Os antigos cristos debatiam o assunto acaloradamente. Cristo foracrucificado quando os judeus se reuniam em Jerusalm para o seu festival daPscoa. Portanto, a poca da Pscoa dos cristos dependia do calendriolunar judeu, baseado no ciclo de 29 dias e meio, de lua nova a lua nova. Masplanejar uma seqncia de festivais religiosos no ano inteiro significava que

    o calendrio lunar tinha de ser ajustado rotao das estaes em 365 dias eum quarto, baseado no ciclo anual do sol... e qualquer que seja a maneira quese tente espremer 29 1/2em 365 1/4no d.

    "Tamanha era a confuso naquela poca", relatou Beda, o Venervel, ogrande cronista da poca, descrevendo as discusses sobre o calendrio naInglaterra em meados do sculo VI, "que a Pscoa era s vezes observadaduas vezes no mesmo ano. Assim, quando o rei encerrara a Quaresma erespeitava a Pscoa, a rainha e suas acompanhantes ainda jejuavam ecelebravam o Domingo de Ramos."7

    O rei era Oswy de Northumbria, o mais setentrional dos antigos reinosanglo-saxes. Oswy seguia o calendrio dos monges de influncia irlandesade Lindisfarne, responsveis pela converso da Northumbria. Enquanto isso,

    sua esposa recente, Eanfled de Kent, permanecia fiel aos clculos romanos,pelos quais fora criada, em Canterbury. Um snodo de sbios foi convocadoem Whitby, na costa do Yorkshire, para resolver esse e vrios outrosconflitos de prtica religiosa. Ressentimentos profundos afloraram.

    "A Pscoa observada por homens de diferentes naes e lnguas semprena mesma ocasio, na frica, sia, Egito, Grcia e no

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    resto do mundo", argumentou o representante de Canterbury. "Os nicos queestupidamente contestam o mundo inteiro so os irlandeses e seus parceiros

    na obstinao, os pictos e britnicos, que habitam apenas uma parte das duasilhas mais ao norte do oceano."8

    " estranho que nos chame de estpidos", protestou a delegaoirlandesa, citando o Apstolo Joo como a autoridade para seu calendrio.Eles defenderam seu sistema de manipulao dos ciclos da lua e do sol com asuperioridade desdenhosa da f mais antiga, j que os irlandeses haviam setornado cristos muito antes dos ingleses. So Patrcio fundara sua igreja naIrlanda um sculo e meio antes de Agostinho, enviado do Papa Gregrio,chegar a Canterbury para criar a igreja da Inglaterra. Alm disso, foram

    missionrios da Irlanda, no do Kent, que cristianizaram a Esccia e o norteda Inglaterra.

    Mas quando a conveno beira-mar concluiu seus debates, foiCanterbury que prevaleceu. Foi uma vitria, em termos de poltica da igreja,da autoridade centralizadora do Papa em Roma. Em termos de calendrio, adeciso permitiu que Beda, o monge de Tyneside, que era ao mesmo tempoum cronista histrico e um mestre da matemtica, desenvolvesse um sistemade fixao de datas que acabaria com a discusso de uma vez por todas.

    s vsperas do ano 2000, o ingls se interessa e se prepara para a

    passagem do segundo milnio graas a Greenwich, com seu tempo exato e alinha zero de longitude. Graas a Beda, o Venervel, o ingls do passadotambm pde se interessar pela passagem do primeiro milnio, marcada eprevista. Claro que no devemos procurar por domos ou monumentosespeciais ao milnio no ano 1000. Era uma data que, em princpio, s podiasignificar alguma coisa para as pessoas que datavam sua histria a partir donascimento de Jesus. Mesmo na Cristandade, havia interpretaes variadas a

    respeito. Mas se algum pas empenhou-se em fixar datas quereconheceramos hoje, foi a Inglaterra; e isso aconteceu por causa de Beda, o

    Venervel, que popularizou o uso do sistema do Anno Domini, atravs de suaobra famosaDe Tetnporum Ratione (Sobre o Clculo do Tempo).Feito em 725, De Tetnporum Ratione baseou-se nos clculos da Pscoa

    de um estudioso ctico do sculo VI, Dionysius Exiguus (Dionsio oPequeno). Ao compilar as tabelas da Pscoa para o Papa Joo I, Dionsiocomentou, quase que de passagem, como era

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    imprprio que a Igreja se baseasse no calendrio pago dos romanos, 9 aindamais porque seus anos remontavam ao grande perseguidor dos cristos,

    Imperador Diocleciano. No faria mais sentido, sugeriu Dionsio, datar a eracrist do nascimento do Salvador, que poderia ser designado como o ano 1 ?

    O estudioso cometeu dois grandes erros a esta altura. O conceito de zeroainda no entrara no pensamento matemtico ocidental, baseado nosnumerais romanos. Assim, a era crist de Dionsio perdia os doze meses doano 0 necessrios para se chegar ao comeo do ano 1. Ainda maisimportante, o ano que Dionsio escolheu para o nascimento de Cristo eraquatro anos depois da morte do notrio Rei Herodes, que ficara enfurecido,de uma forma to memorvel, com o nascimento em Belm de um rei dos

    judeus rival. A descrio do Evangelho do nascimento de Cristo comoocorrido no reinado de Herodes significa que Jesus provavelmente nasceu

    em 4 a.C, ou mesmo antes (o que tambm significa que o segundo milnio deseu nascimento deveria ser celebrado em 1996 ou 1997, no em 2000).

    Beda percebeu esse erro no proposto ano 1 de Dionsio, masevidentemente achou que os poucos anos de impreciso importavam menosdo que o conceito extraordinrio de datar a histria de acordo com os "Anosda Graa", a era do reinado de Cristo na Terra. Quando escreveu sua grandeEcclesiastical History of the English People, em 731, Beda usou o sistema de

    data do Anno Domini. Ao final do sculo seguinte, quando os escribas daAnglo-Saxon Chronicle iniciaram seu trabalho de registrar a histria inglesa,ano a ano, foi o sistema de Beda que eles adotaram.

    Persistia a confuso sobre o dia do verdadeiro incio do ano cristo. Bedaconsiderou que o ano deveria comear com o nascimento de Cristo, a 25 dedezembro. Mas, seguindo essa lgica atravs de nove meses de gravidez,chega-se ao dia 25 de maro, a Festa da Anunciao, ou Dia de NossaSenhora, celebrada pela igreja em comemorao da visitao do anjo Gabriel

    a Maria, com a notcia de que ela esperava o Cristo criana. Para um cristo,

    isso representava a mais antiga manifestao da Presena Divina nestemundo. Assim, o Dia de Nossa Senhora foi celebrado por sculos como overdadeiro incio do ano. Na dcada de 1660, Samuel Pepys ainda exps essaconfuso em seus Diaries, iniciando seu clculo dos anos no Dia de NossaSenhora (25 de maro), mas tambm registrando

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    a data consular romana de 1 de janeiro como o "Dia do Ano-novo".Toda essa complexa mistura dos imponderveis sol, lua, estrelas e os

    acrscimos falveis da histria humana est representada nas pginas doCalendrio de Trabalho de Julius, que apresenta os doze meses romanos comque estamos familiarizados, sobrepondo as filigranas da elaborao crist. Ascolunas de aparncia misteriosa no lado esquerdo de cada pgina, com letrase numerais, so parte do mecanismo para calcular a Pscoa e outros festivais

    religiosos. Os chamados nmeros Dourados indicam a ocorrncia da luanova, enquanto as letras Dominicais mostram onde cairo os domingos emqualquer ano determinado, j que esse calendrio no se relaciona com umconjunto especfico de doze meses. um calendrio perptuo. As

    codificaes complicadas so como o interior de um computador, deixando oleigo aturdido, mas abrindo o caminho do conhecimento para aqueles quecompreendem o cdigo.

    A dois e meio centmetros da esquerda da pgina, h uma coluna de

    numerais romanos, marcando o dia do ms de acordo com o complicadosistema romano de contar as coisas de trs para a frente. Iam de KL,Calendas, o primeiro dia do ms, passando pelas Nonas e os Idos, o meio doms, que caa no dia 13 ou 15. Mas o texto direita da data que realmenteimporta, pois ali estava relacionado o principal propsito do calendrio, os

    nomes dos santos e festivais religiosos que deveriam ser observados.O bem e o mal so companheiros ativos das pessoas no ano 1000. Quandose dizia que algum tinha o Diabo no corpo, os outros consideravamliteralmente. Jack Frosta personificao da temperatura de congelamento

    no representava o "tempo" para as pessoas que tinham de sobreviver semaquecimento central atravs de um mido inverno medieval. Em vez disso,

    era a personificao da maldade, um parente do Diabo, enregelando narizes ededos, tornando o solo duro demais para se trabalhar. Era um de uma legiode pequenas criaturas, elfos, duendes e fadas, que habitavam os temores e as

    fantasias das populaes medievais.A Igreja tambm tinha seu exrcito de espritos, os santos que haviamconduzido suas vidase perdendo-as com freqnciade acordo com osensinamentos de Jesus. O propsito principal do Calendrio de Trabalho deJulius era proporcionar um encontro dirio com esses santos, cujas vidaseram um exemplo e a promessa de como as coisas podiam melhorar. Era essaa funo espiritual do

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    calendrio. No nvel mais bsico, um guia para uma coletnea

    maravilhosamente variada de seres humanos, cujas vidas, aventuras e

    personalidades proporcionavam um entretenimento, o mais prximo quequalquer documento medieval podia chegar do que hoje se chama fofoca.

    Os retratos pessoais no existiam realmente na primeira parte da IdadeMdia. At os reis eram apresentados apenas como figuras simblicas eidealizadas em suas moedas. Mas quando se tratava da vida dos santos, haviauma oportunidade de analisar suas personalidades, ponderar as peculiaridadesde um personagem como Simeo Estilita, o eremita do sculo V que passougrande parte de sua vida no alto de colunas cada vez mais altas,completamente nu, ou tomar conhecimento da vida de Maria do Egito, a

    santa padroeira das mulheres decadas. Maria foi uma egpcia que saiu decasa aos doze anos. Foi viver na Alexandria do sculo V, onde se tornou umaprostituta, durante dezessete anos. Pela curiosidade, resolveu participar deuma peregrinao a Jerusalm, pagando a passagem com o oferecimento deseu corpo aos marinheiros. Ao chegar Cidade Santa, no entanto, junto comos outros peregrinos, ela descobriu que era impossvel entrar na igreja.Sentiu-se contida por uma fora invisvel. Quando levantou os olhos parauma imagem da Virgem Maria, ouviu uma voz lhe dizendo para atravessar orio Jordo, onde encontraria o repouso. Assim, segundo a lenda, ela comprou

    trs pes e foi viver no deserto. Passou o resto da vida ali, alimentando-secom tmaras e bagas. Quando suas roupas se gastaram, os cabelos tornaram-se bastante longos para cobrir o corpo e manter o recato. Ela dedicou sua vida orao e contemplao. Maria aparece com freqncia nas crnicasmedievais e imagens da Igreja, identificada pelos cabelos compridos e os trspes que se tornaram simblicos.10

    As pessoas identificavam-se com as personalidades e sutilezas dos santos,assim como sentem hoje que conhecem a fundo os astros e as estrelas dasnovelas de televiso. As hagiografias que relatavam suas histrias eram

    panegricos suaves e estereotipados, em geral escritas por leais seguidores e

    amigos. Mas os indcios humanos espreitavam nos detalhes. O santo de cadadia do ms apresentava seu prprio drama. Nos mosteiros, as oraesmatutinas eram dedicadas s figuras sagradas daquele dia. A orao era omeio de pedir a um santo que dispensasse ateno s suas preocupaes

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    pessoais. Cantar era uma linda maneira de dizer "Por favor, escute". O Deusda Idade Mdia era um Deus que interferia ativamente na vida diria. Era

    essa a mensagem dos milagres feitos por Jesus e continuados por seus santos.Portanto, uma funo do culto era garantir a interveno divina em seu favor.

    Depois da prima, o primeiro servio do dia, ao amanhecer, os mongesencaminhavam-se para seu captulo a sala de reunio do mosteiro ,onde as vidas dos santos do dia eram lidas. Um dos sermes pregados nacapela podia muito bem partir de um incidente na vida do santo especfico dodia, como o trampolim para algum ensinamento prtico.11 O dia 5 de janeiroera dedicado a Simeo Estilita, o eremita que vivia no alto de uma coluna.Outros dias eram consagrados a Isidoro de Sevilha, que proclamara que

    devia haver uma catedral-escola em cada diocese; Santa Genevieva, quesalvou Paris de tila o Huno, e cuja vela foi apagada pelo demnio quandofoi rezar noite; So Luciano, que foi aprisionado por causa de sua f peloimperador Diocleciano; So Timteo, um companheiro de So Paulo que foiapedrejado at a morte pelos pagos; So Secundinus, que escreveu o maisantigo hino latino conhecido na Irlanda; e o eremita So Paulo de Tebas, queteria sobrevivido por mais de cem anos de devoo e austeridade no deserto.

    Cada heri ou herona tinha sua lio para ensinar. Podia levar pessoaao longo do dia um talism psquico de encorajamento. A geografia dos

    santos, de Antiquia a Sevilha, do norte a Paris e Irlanda, era por si s umalio sobre as formas e caractersticas variadas de um mundo que se estendiamuito alm do que podemos imaginar. Os anglo-saxes conheciam trscontinentesEuropa, frica e siae tambm tinham conhecimento dandia. Ao final do sculo IX, o rei Alfred enviou dinheiro para ajudar osmissionrios cristos ali.

    A prpria Inglaterra era uma rede de lugares mgicos. O altar de cadaigreja continha as relquias fsicas de pelo menos um santo. A origem datradio pela qual muitas igrejas modernas so dedicadas a um santo

    determinado remonta ao princpio bsico da convico da Igreja Romana de

    que um santo est presente onde quer que se encontrem suas relquias. Oparaso era visualizado como algo parecido com a corte real. Deus sentava aliem julgamento, como o rei, e dispensava mais ateno aos que podiamalcanar seu ouvido. Nesse mundo, eram os grandes guerreiros e os magna-

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    tas que contavam com esse acesso. No paraso, eram os santos. Suas vidassantas e os sofrimentos aqui haviam lhes valido a transferncia direta da

    Terra para a presena de Deus, sem qualquer espera no purgatrio.Acreditava-se que seu corpoou partes do corporepousando no altar daigreja que lhe era dedicado, ainda permanecia vivo. Eram inmeros os relatosde tmulos de santos sendo abertos e se descobrindo sinais de vida, comocabelos ou unhas crescendo, braos e pernas ainda contendo sangue. Issoprovava a vitalidade e a eficcia do deus cristo. As igrejas cujos santosdemonstravam ser mais poderosos tornavam-se centros de culto eperegrinao.

    Quando o rei Ethelbert de Kent recebeu o primeiro grupo de sacerdotes

    cristos que traziam cumprimentos do Papa em Roma, no ano 597, exigiuque o encontro fosse ao ar livre, para que o vento dissipasse osencantamentos que pudessem tentar lhe lanar com sua magia estrangeira.12

    Quatrocentos anos depois, a magia crist tinha toda a Inglaterra sob a suainfluncia, com os santurios dos santos proporcionando nao seus centrosde energia. No norte estavam as relquias de Beda, o Venervel, cultuadasdesde sua morte em 735 pelos monges de Tyneside e Wear. Cinqenta anosdepois de sua morte, o culto a Beda, o Venervel, como um santo j foraconsolidado pelas testemunhas locais de que suas relquias haviam realizado

    curas milagrosas. A fora dos ossos de Beda era to grande que muitos osreivindicaram. Em meados do sculo XI, foram transferidos para Durnham.Em Wessex, Glastonbury reivindicou algumas relquias de Beda, a fim deaumentar a reputao de sua abadia como um dos lugares mais sagrados da

    Inglaterra. Segundo a lenda posterior, o prprio Jesus passou por Glastonburynos tempos antigos, conhecendo "as pastagens mais aprazveis da Inglaterra".So Jos de Arimatia tambm teria passado por l, a fim de plantar ofamoso Espinho de Glastonbury, tirado da coroa de Cristo, que floresciatodos os anos no Natal.13

    No corao de Wessex, na grande catedral em Winchester, est o corpode St. Swithin, bispo de Wessex em meados do sculo IX. Ele se tornou ocentro de um culto movimentado um sculo depois de sua morte. SegundoAelfric, o mestre-escola e grande prosador de seu tempo, os doentes iam paraWinchester em vastos nmeros para serem curados. "Num prazo de dezdias," registrou Aelfric, "duzentos homens foram curados; e tantos em dozemeses que

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    nenhum homem podia cont-los. O cemitrio ficava lotado de aleijados, de

    tal maneira que no era fcil visitar a catedral."14

    Aelfric era professor na escola do mosteiro em Cerne Abbas, a poucosdias de viagem de Winchester. Ele prprio estudara ali. Assim sendo, pareceprovvel que seus relatos tenham sido de observao direta. Como viveu eensinou por mais de uma dzia de anos sombra do gigantesco Cerne Abbas,o grande deus pago da fertilidade, com uma exuberante genitlia esculpidana encosta de greda por cima da aldeia, no de surpreender que o irnicoAelfric demonstrasse uma viso imparcial de certas alegaes humanas aocontato com o sobrenatural: "Alguns sonhos so na verdade de Deus, mesmo

    quando os lemos em livros", escreveu ele. "Outros so do Diabo, por algumaimpostura, procurando descobrir at que ponto pode perverter a alma." MasAelfric no tinha a menor dvida sobre os milagres ocorridos no apinhadocemitrio de Wessex no sculo X: "Todos ficaram to milagrosamentecurados em poucos dias que no se podia encontrar cinco homens doentesnaquela vasta multido."15

    Aquela era uma poca de f. As pessoas acreditavam to fervorosamentenos ossos de santos quanto muitos acreditam hoje que farelo de trigo,exerccios fsicos ou a psicanlise podem aumentar a soma da felicidadehumana. Os santos levaram vidas reais. Confrontaram seus princpios comabsoluto destemor contra a adversidade... e muitos haviam vivido em temposrecentes, j que no existia um processo formal de canonizao comoacontece hoje. Um amado abade ou abadessa local podia se tornar um santoem sua localidade poucos anos depois de sua morte. Manifestaes coletivas

    de pesar como a que acompanhou a morte de Diana, Princesa de Gales, em1997, eram o primeiro passo para a santidade no ano 1000. O passo seguinteera o testemunho dos fiis sobre a ocorrncia de pressgios e milagres.

    Voc no ficava sozinho. Havia a mensagem confortadora do Calendriode Trabalho de Julius, com seu relato dos festivais dos santos ao longo dos

    doze meses. Deus ali estava para ajudar, assim como toda uma rede de sereshumanos, do passado distante sua poca. No ano 1000, os santos eram umapresena to vital e dinmica quanto qualquer bando de elfos ou demnios.Constituam uma comunidade viva, para a qual se rezava, no meio da qual sevivia.

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    BEM-VINDO A ENGLA-LOND

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    TEMPO DE CONHECER ALGUM DO ANO 1000, pelo menos na

    medida em que ressequidos documentos legais podem nos proporcionarum contato humano, depois de tanto tempo. Aqui est Aelfflaed, umamulher da nobreza que morreu em algum momento entre 1000 e 1002,

    deixando vastas propriedades em Essex e East Anglia.16 Aqui est Wulfgeatde Donnington, em Shropshire, um proprietrio de terras mais modesto, combens que legou para a esposa e a filha.17 E aqui est o caridoso bispo

    Aelfwold de Crediton, no West Country, que morreu em 1008, ansioso emlibertar todos os escravos que haviam trabalhado em suas terras.18 Temosconhecimento de Aelfflaed, Wulfgeat e do bispo Aelfwold por seustestamentos; e pela natureza dos testamentos, sabemos mais sobre seus bensmateriais do que podemos descobrir sobre suas vidas pessoais e espirituais.Mas o testamento de Aelfflaed nos revela que ela supervisionava o cultivo demuitos acres com aparente xito, dando ordens a homens numa sociedade depredomnio masculino. Wulfgeat de Donnington, por sua vez, no

    considerava nada de excepcional deixar suas terras para serem administradaspelas mulheres de sua famlia. No h mulheres descritas no Calendrio deTrabalho de Julius, mas como veremos em seguida as mulheres que possuambastante fora de carter podiam reivindicar o poder e exercer autoridade naInglaterra do ano 1000. Era de se esperar que um bispo deixasse alguns

    legados devotos, mas o testamento de Aelfwold nos revela que havia trabalhoescravo na Inglaterra dos anglo-saxes... ao mesmo tempo em que sugere queas pessoas sentiam-se apreensivas o bastante com o fato para libertar osescravos ao passar para a outra vida. Os documentos legais

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    que sobreviveram a um milnio apenas nos fornecem algumas indicaes;mas com sua ajuda e de outras fontes podemos nos aprofundar um pouco nas

    mentes e nos coraes das pessoas.As medies de crnios demonstram que a capacidade cerebral de um

    homem ou uma mulher vivendo no ano 1000 era exatamente igual nossa. 19No eram pessoas com as quais deveramos ser condescendentes. Eramprticas e independentes, nunca propensas a angstias ou auto-anliseexcessivas, a julgar pelas poucas que registraram seus pensamentos no papel.Seriam o tipo ideal para se escolher como companheiro numa ilha deserta,pois eram hbeis e podiam usar as mos para fazer qualquer coisa. Sabiamcomo fazer e consertar. Ao final de um dia de trabalho, podiam tambm ser

    uma excelente companhia, j que uma das coisas mais importantes queaprendiam em suas vidas era como se divertirem. O conhecimento raramentevinha dos livrosapenas uma pequena minoria sabia lere conservavamas informaes sem a ajuda de fichrios ou sistemas mecnicos dearquivamento. Aprendiam tudo pela observao e imitao, em geral sepostando ao lado de um adulto, quase sempre o pai ou a me, para memorizar

    tudo que era necessrio para sobreviver e enriquecer suas vidas.Seus poemas e histrias mal comeavam a ser escritos. Os anglo-saxes

    aprendiam a maior parte de seu folclore pela tradio oral. Podiam fazer

    relatos longos e complexos da histria de sua famlia, quem gerou quem,desde o tempo em que os primeiros ancestrais chegaram Inglaterra,

    procedentes das florestas no outro lado do mar. E adoravam recitar de cor osantigos poemas folclricos, sagas violentas e sangrentas de animaisselvagens e guerreiros, com os ecos das viagens que trouxeram seusantepassados das "ilhas exteriores", na beira do grande oceano.

    O poeta Robert Graves comentou que o ritmo da antiga poesia inglesa

    parecia com o ato de remar, o som lembrando o barulho dos remos entrandona gua e puxando. No resta a menor dvida de que o grande pico anglo-

    saxo Beowulf, relatando uma histria antiga e sobrevivendo num livro quefoi escrito por volta do ano .1000, adquire uma vida especial quandodescreve uma viagem martima:

    Over the waves, with the wind behind herAnd foam at her prow, she flew likc a birdUntil her curved neck had covered the distance

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    And on following day, just when they hoped to,

    Those seafarers sighted land,Sunlit cliffs, sheer crags,And looming headlands, the landfal they sought.20 *

    Beowulf(traduzido aqui para o ingls por Seamus Heaney) era uma obraexcepcional por ser escrita. Por isso, um testemunho dos mais valiosos...como o Calendrio de Trabalho de Julius. O desenho para o ms de fevereiromostra uma viosa plantao de videiras sendo podadas, um processo que,por tradio, comeava no dia de So Vicente, a 22 de janeiro.21 Como

    acontece com o desenho do arado de janeiro, a apresentao desse processoagrcola aparentemente rotineiro tinha um profundo significado, j que oobjetivo da poda orientar as energias de crescimento de uma planta para oscanais desejados pelo lavrador. Assim como o arado com roda representava omilenar domnio do solo pelo homem, a poda hbil de galhos demonstravasua capacidade de criar uma proveitosa e funcional associao com osarbustos, videiras e rvores de Deus.

    Os galhos das plantas se contorcem de uma maneira quase ameaadoranesse trabalho especfico do ms. As videiras, crescendo com o vigor que seencontra em Joo e o P-de-Feijo, parecem imbudas de tanta vida quanto

    os homens que as podam. Mas os lavradores mantm o controle, graas ssuas serps, as lminas de ferro compridas e achatadas, como relhas de aradocom um cabo. Simbolizava a capacidade para moldar o ambiente... e amoderna paisagem inglesa que nos proporciona o testemunho fsico maisindiscutvel do que os homens e as mulheres do ano 1000 fizeram com suas

    vidas. Os anglo-saxes deixaram sua marca indelvel na zona rural inglesa.Por volta do ano 1000, a maioria das cidades e aldeias da moderna Inglaterra

    j fora fundada por marujos, que se revelaram competentes colonos elavradores. E seu legado ainda

    * Sobre as ondas, com o vento por trs,E a espuma na proa, o navio voava como uma ave

    At seu pescoo curvo percorrer a distnciaE no dia seguinte, quando todos esperavam,

    Aqueles marujos avistaram terra,Rochedos iluminados pelo sol, penhascos escarpadosE promontrios enormes, a terra que procuravam.

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    mais amplo foi a lngua que falavam, de extremo vigor, simplicidade eriqueza. Veio a se tornar a base primria da maneira como milhes de

    pessoas no mundo inteiro hoje em dia falam, pensam e formulam suas idias.A lngua inglesa chegou na Inglaterra j se sabe na ponta de uma

    espada... e chegou duas vezes. A primeira invaso foi com os anglos, saxes,jutos e outras tribos do norte da Holanda e da Alemanha, que atravessaram omar do Norte nos anos depois de 450, para preencherem o vazio deixado pelapartida dos romanos. Eram agressores robustos e determinados, "guerreirosansiosos por fama", segundo a Anglo-Saxon Chronicle, "orgulhosossoldados", parentes dos mesmos "brbaros" alemes que seguiam para o sul ese envolveram nos dois lados das batalhas sobre Roma (muitos alemes

    lutaram como mercenrios ao lado de Roma). No tiveram muita dificuldadepara assimilar os cordiais britnicos. Os recalcitrantes foram expulsos para aCornualha, Gales, Esccia e Irlanda, o crescente ocidental de charnecas emontanhas varridas pelo vento que se tornou conhecido como a orla cltica.22Entre 450 e 600, os anglo-saxes assumiram o controle sobre a maior parteda rea que corresponde Inglaterra moderna. Referiam-se aos britnicosdespojados como wealisc, significando "estrangeiros", de onde veio a palavraWelsh, gals em portugus.

    Para os celtas despojados, os invasores germnicos eram todos saxes...

    de onde vem a palavra escocesa insultuosa Sassenach, para designar osingleses. Mas muitos dos recm-chegados comearam a se classificar comoanglos. Beda absorveu a palavra, descrevendo-os como gens Anglorum. Alngua que falavam passou a ser conhecida como Englisc. Era falada com umcerto ritmo e continha muitas palavras que podemos reconhecer hoje, mesmosem compreender coisa alguma. Eles se organizaram num conjunto depequenos reinos, de Northumbria no norte, passando por Mrcia, queocupava mais ou menos a rea da moderna Midlands, enquanto ao sul o passe dividia entre East Anglia, Kent, Essex, Sussex e Wessex (os reinos dos

    saxes do leste, saxes do sul e saxes do oeste).Anlises de computador da lngua inglesa como falada hoje comprovamque as cem palavras usadas com mais freqncia so todas de origem anglo-saxnia: the, is, you, os fundamentos

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    bsicos.23 Quando Winston Churchill quis mobilizar a nao em 1940, foi

    linguagem dos anglo-saxes que recorreu: "Lutaremos nas praias; lutaremos

    nos pontos de desembarque; lutaremos nos campos e nas ruas; lutaremos nascolinas; nunca nos renderemos." Todas essas palavras em ingls vinham doOld English, a lngua que se falava no passado. A exceo era o verbo final,surrender, uma importao francesa que veio com os normandos em 1066.Quando o homem pisou na lua, em 1969, as primeiras palavras humanaspronunciadas ali tinham ecos similares: One small step for a man, one giantleap for mankind. (Um pequeno passo para um homem, um salto gigantescopara a humanidade.) Cada uma das famosas palavras de Neil Armstrong eraparte do Old English por volta do ano 1000.

    Talvez seja tambm o momento conveniente para ressaltar que inmeraspalavras chulas, muitas vezes descritas como "anglo-saxnias", s chegaram Inglaterra em tempos relativamente recentes: fokkinge (intercurso sexual),cunt (vagina), crappe (excremento) e bugger (sodomita) so importaesbem posteriores, talvez da Holanda, quase ao final da Idade Mdia, uma

    poca confusa de grandes viagens e exploraes martimas. No habsolutamente imprecaes ou obscenidades no ingls anglo-saxo, pelomenos como a lngua nos chegou, em documentos compostos pelos escribasdos mosteiros. Os anglo-saxes podiam jurarfazeralguma coisa, ou podiam

    jurarporalguma coisa, mas no h registro de jurar (no sentido de praguejar)

    contra qualquer coisa.Quando Santo Agostinho e seus missionrios cristos chegaram, em 597,

    para converter os anglos em anjos (angles em angels, em ingls), o engliscdemonstrou ser admiravelmente flexvel e acolhedor para a terminologia danova religio. A prpria palavra angel,junto com disciple (discpulo), martyr

    (mrtir), relic (relquia) e shrine (santurio) so uns poucos exemplos dasmuitas palavras gregas e latinas que foram assimiladas sem a menorhesitao pela lngua. Mas a invaso que deu a contribuio decisiva para a

    lngua foi uma segunda onda de agressores escandinavos, os vikings, quecomearam a ocupar reas no norte e leste da Inglaterra na esteira dosataques iniciados na dcada de 790. Essa nova gerao de guerreirosmartimos vinha da mesma regio do mar do Norte dos invasores anglo-saxes originais. Falava uma lngua similar. No decorrer do sculo seguinte,os vikings devastaram a Northumbria, Mrcia,

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    East Anglia e Essex. Apenas Wessex resistiu aos terrveis nrdicos, aos quaisos ingleses se referiam como danes, os dinamarqueses. Isso aconteceu porcausa do extraordinrio jovem rei de Wessex, Alfred, que subiu ao trono em871, depois da morte de seus trs irmos mais velhos.

    A famosa histria de Alfred queimar os bolos por estar to preocupadoem encontrar uma maneira de derrotar os vikings entrou no folclore inglsnum documento escrito por volta do ano 1000. Sugere que Alfred foi oWinston Churchill dos ingleses na passagem do primeiro milnio... ou talvez,mais precisamente, seu George Washington, porque a retirada de Alfred comum pequeno bando de seguidores para o refgio pantanoso em Somersetparece com o histrico inverno dos rebeldes americanos em Valley Forge. O

    destino dos ingleses nas mos de Alfred e seu decidido bando de guerreirosna ilha fortificada de Athelney. Foi ali, segundo a lenda, que ele deixouqueimar os bolos que a mulher de um lavrador lhe pedira para vigiar(provavelmente eram pores de massa numa grelha, por cima de um fogoaberto). As reflexes tiveram conseqncias proveitosas, pois no apenas elesaiu dos pntanos com uma estratgia militar que expulsou os vikings, mastambm com um inspirado conjunto de reformas e inovaes queproporcionariam uma identidade decisiva ao pas, que quela altura eraconhecido como "Engla-lond", a terra dos anglos.

    Por volta do ano 1000, Alfred j estava morto h um sculo, masdestacava-se, ao lado de Beda, o Venervel, como um formador daidentidade em desenvolvimento da Inglaterra. Sua maior inspirao foicompreender como o conhecimento liberta... que o conhecimento poder. "Acoisa mais triste em qualquer homem ser ignorante", disse ele em certaocasio. "J a coisa mais emocionante o fato de um homem saber.'" Cheiode curiosidade intelectual e tecnolgica, o rei estava ansioso em determinar ahora exata do dia. Por isso, inventou uma vela graduada em que se podiaverificar as horas, medida que queimava. Como ventava muito em seus

    palcios, ele projetou uma campnula para pr em cima da vela, evitando quea chama fosse apagada. Com quase quarenta anos de idade, no meio do quedescreveu como "os vrios e complexos cuidados de seu reino", Alfredcomeou a aprender latim, a fim de poder traduzir para o ingls alguns textoslatinos essenciais. "Parece melhor para mim...", escreveu ele, "que devamostraduzir

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    certos livros, mais necessrios para todos os homens conhecerem, na lnguaque todos possam compreender, e tambm providenciar para que os filhos

    dos homens livres do povo ingls... sejam capazes de ler e escrever emingls".

    O rei incumbiu estudiosos de realizarem a maior parte do trabalho, masverificou tudo que eles escreveram, acrescentou seus comentrios e reflexess tradues, no que devia ser uma espcie de seminrio permanente. Alfredfoi uma extraordinria inspirao, o nico monarca ingls a que se concedeuo ttulo de "O Grande". A maior realizao de seu reinado foi a criao daprimeira histria da Inglaterra em lngua inglesa, a Anglo-Saxon Chronicle.Por volta do ano 1000, a Chroniclej existia h pouco mais de um sculo, o

    trabalho de monges em mosteiros to distantes quanto Canterbury,Winchester, Worcester e Peterborough.

    Nas esferas militar e poltica, as realizaes de Alfred foram arecuperao do controle de Wessex e o incio da reconquista do resto daEngla-lond. Poucas dcadas depois de sua morte, em 899, os inglesesvoltaram a dominar todo o sul da Inglaterra e at Midlands, com os nrdicosrechaados para o norte e leste do pas, numa rea que se tornou conhecidacomo "Danelaw". O limite entre o territrio original dos anglo-saxes eaquela segunda onda de invasores seguia mais ou menos a linha da Watling

    Street, a antiga estrada romana que cortava o pas em diagonal, de Londres aChester. Mas muitos ingleses continuavam a viver em Danelaw; e enquantolidavam no dia a dia com os invasores, cuja lngua era similar, mas tambmestranhamente diferente da sua, surgiu a primeira e mais importantevariedade dopidgin ingls, o jargo usado como lngua franca.

    Antes das invases vikings, tanto o englisc quanto o norse, a lngua faladapelos habitantes medievais da Escandinvia, os nrdicos, eram lnguas defortes inflexes, com os complicados terminais gramaticais que persistem athoje no alemo e, num grau menor, no francs. Se um anglo-saxo de

    Wessex queria dizer a algum, em Danelaw, Have you a horse to sell? (Temum cavalo para vender?), perguntaria Haefst the hors to sellenne?, o quecorrespondia aHefir thu hross at selja? em norse. O nrdico responderia Ekhefi tvau hors enn einn er aldr, significando "Tenho dois cavalos, mas um velho", o equivalente aIc haebbe tu hors ac and is eald, em englisc. Os doishomens compreendiam as palavras impor-

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    tanteshors e hross, ealde aldrmas tinham dificuldades com o conflito

    gramatical.

    24

    A soluo foi eliminar do uso cotidiano as complicadas terminaesgramaticais. Os plurais mais modernos do ingls hoje em dia so formadospelo simples acrscimo de um s one horse, two horses (um cavalo, doiscavalos) com os adjetivos permanecendo iguais no singular e plural. Ossubstantivos no so divididos em femininos e masculinos, como aconteceem alemo, francs, espanhol, italiano... e em quase todas as outras lnguaseuropias. O norse tambm acrescentou uma flexibilidade extra ao ingls,ampliando o mbito de alternativas verbais: voc pode rear(ingls) ou raise(norse) uma criana (as duas palavras significando criarem portugus). Podetambm transmitir distines sutis entre wish (I) e want(N) (mais ou menosdesejo e necessidade), craft (I) e skill (N) (mais ou menos ofcio ehabilidade), ou hide (I) e skin (N) (pele de animal e pele humana).25 Por voltado ano 1000, uma lngua hbrida surgira da integrao das duas grandesondas de invasores. Passou a existir uma lngua comum, que era mais oumenos compreendida em todas as regies do pas.

    A lngua ajudou e refletiu a unificao poltica. Por uma hbilcombinao de alianas pelo casamento e batalhas, os filhos e netos deAlfred expandiram sua autoridade para Danelaw, no incio do sculo X, at

    controlarem todas as reas do que reconheceramos hoje como a Inglaterra.Athelstan, o mais astuto dos netos do grande rei, coroou-se em Kings-ton (acidade do rei), a moderna Kings-ton-on-Thames, em 925. Num gestograndioso, intitulou-se "Rei de toda Bretanha". Confirmou sua autoridade,pelo menos sobre a Inglaterra, ao derrotar uma fora invasora de escoceses e

    irlandeses, numa sangrenta batalha que a Anglo-Saxon Chronicle celebroucom um arroubo de versos beowulfianos:

    The field darkenedwith soldiers' blood, after the morning-timewhen the sun, that glorious star,briqht candle of God, the Lord eternal,qlided over the depths...They left behind to divide the corpses,to enjoy the carrion, the dusty-coated,horny-beaked black raven,

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    and the grey-coated eagle, white-rumped,greedy war-hawk, and the wolf,grey beast in the forest.26 *

    Nos anos subseqentes morte de Athelstan, em 939, a Chronicleregistrou eventos grandes e pequenos que fizeram a histria da Engla-lond,agora unificada. Em 962, houve uma "vasta pestilncia" e "um grandeincndio fatal" em Londres, em que a igreja de So Paulo, a principal dacidade, foi destruda. Em 973, o rei Edgar, bisneto de Alfred, foi ungido emBath, numa coroao solene, usando uma liturgia que permanece a base dascoroaes inglesas at hoje. Se o arcebispo Dunstan ou qualquerrepresentante do clero oficiando em Bath se descobrisse na abadia deWestminster em 1953, no teria muita dificuldade para celebrar os rituais dacerimnia de coroao da rainha Elizabeth II.

    No ano de 978, a Chronicle registrou um acidente tragicmico emWiltshire, onde o conselho real, quase que por completo, caiu pelo assoalhode uma manso real recm-construda, em Calne, com a perda de vriasvidas. Foi um importante registro na histria da arquitetura inglesa, j queoferece a prova escrita mais antiga de uma habitao que tinha mais de um

    andar. Mas bvio que ainda tinham de ser desenvolvidos certos avanos nas

    tcnicas de construo. A Chronicle achou significativo ressaltar que,embora algumas das mais importantes figuras seculares da Inglaterrativessem cado com o assoalho desabado, "o santo arcebispo Dunstan foi onico que permaneceu de p numa viga".27

    Antes de deixar o ms de fevereiro, vamos dispensar um reconhecimentoa Valentim, o sacerdote do sculo III que foi martirizado em Roma noreinado do imperador Cludio e cujo dia foi

    * O campo escureceucom o sangue dos soldados, depois da manhquando o sol, a estrela gloriosa,a vela brilhante de Deus, o Senhor eterno,deslizava sobre as profundezas...Eles deixaram em sua esteira para dividir os cadveres,desfrutar a carnia, o corvo negrocoberto de poeira, de bico duro,a gua cinzenta, de traseira branca,o voraz gavio e o lobo,a besta cinzenta da floresta.

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    celebrado a 14 de fevereiro, o que continua a acontecer at hoje. Os detalhesda vida de So Valentim so obscuros. Os estudiosos eclesisticos noconseguiram descobrir qualquer motivo para que ele se tornasse o santopadroeiro dos namorados e do romance. Os historiadores lembram quemeados de fevereiro era a ocasio do licencioso festival romano dafertilidade, Lupercalia, quando as mulheres procuravam cura para ainfertilidade. Os folcloristas, por sua vez, remontam a orgia moderna deenvio de cartes e jantares luz de velas antiga convico rural de que asaves iniciam o acasalamento a 14 de fevereiro. Qualquer das duas ou ambas

    as explicaes podem ser corretas. Parecem ilustrar a habilidade com que osantigos lderes da Igreja se apropriaram de supersties pags para seuspropsitos. Mas no h qualquer razo crist para que So Valentim seja onico santo no calendrio cuja festa celebrada hoje com um fervoruniversal.

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    MARO

    CABEAS POR COMIDA

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    OJE EM DIA FALAMOS SOBRE AS PESSOAS comuns como ohomem ou a mulher que encontramos nas ruas. No ano 1000, a mdia

    era representada pelo homem com a p... ou, na ilustrao docalendrio para este ms, pelo homem com o ancinho, a picareta e oavental cheio de sementes. O lavrador e sua famlia eram a base da nao.

    O ms de maro anunciava a chegada da primavera. O inverno finalmentese abrandava, pois maro era o ms do equincio da primavera. Era um diamgico, 21 de maro, abenoado com a mesma quantidade exata de luz eescurido no curso de vinte e quatro horas, o que indicado por doisconjuntos de numerais romanos no fundo do calendrio: NOX HOR II (Horasnoturnas 12); HABET DIES HOR XII (O dia tem 12 horas). Em janeiro, ocalendrio indicava dezesseis horas de noite e apenas oito horas de luz dodia; para fevereiro, os dados eram de quatorze para dez. Mas de 21 de maroem diante, o sol anexaria mais e mais da noite. O ciclo do cultivo podia entoser iniciado.

    A tranqilidade da vida numa aldeia medieval inglesa seria o fato quemais impressionaria um visitante de hoje, pois no havia o som de avies

    passando por cima, nem o rumor do trfego. Pare de ler este livro por uminstante. Pode ouvir alguma coisa? Uma mquina em funcionamento? guapassando por um cano? Um rdio distante ou uma britadeira abrindo a rua?Entre todas as variedades de poluio moderna, o barulho a mais insidiosa.

    No ano 1000, no entanto, podiam-se ouvir os murmrios das sebes.

    Podiam-se ouvir filhotes de passarinhos gorjeando nos ninhos. O nico rudomecnico vinha do sibilo dos foles do ferreiro. Em

    H

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    algumas aldeias, podia-se ouvir o sino na torre da igreja, ou o rangido demadeira nos moinhos de gua, construdos nos ltimos duzentos anos. Se

    vivesse perto de uma das catedrais da Inglaterra, em torno de uma dzia,voc ouviria ainda os sons metlicos dos tubos de cobre de um dos rgosrecentemente importados. Mas isso era tudo. Com as abelhas zumbindo e os

    pombos arrulhando, podia-se ouvir a criao de Deus e encontrar prazer nassutis variedades.

    O ano 1000 era um mundo vazio, com muito mais espao para a pessoase esticar e respirar. Com uma populao inglesa total de pouco mais de ummilho de habitantes, havia apenas uma pessoa para cada quarenta oucinqenta que nos cercam hoje. A maioria das pessoas vivia em pequenas

    comunidades, cerca de duas dzias de casas em torno da praa de uma aldeiaou ao longo de uma nica rua sinuosa. Era a tpica pequena aldeia oupovoado, a que o moderno beco-sem-sada suburbano presta umahomenagem nostlgica. Os sculos levando ao ano 1000 foram a poca em

    que as pessoas escolhiam a encruzilhada, vale ou regato em que achavam quepodiam ganhar a vida. As aldeias construdas em torno de uma praa talveztivessem um padro circular original, a fim de proporcionar proteo para ogado, contra lobos ou outros incursores. Ao final do primeiro milnio, quasetodas as modernas aldeias inglesas j existiam e tinham seu nome atual.

    Esses nomes podem indicar se a aldeia foi primariamente formada por anglo-saxes ou pelos danes.Os nomes de lugares terminados em ham, a palavra do Old English para

    "povoado", indicam uma origem anglo-saxnia, como em Durham, Claphamou Sandringham. Outras terminaes anglo-saxnias incluem ing (como emReading), stowe (como em Felixstowe), stead(como em Hampstead) e ton(como em Kingston). Os povoados vikings podem ser identificados pelaterminao by, que originalmente significava uma fazenda (como emWhitby, Derby ou Grimsby); e outras terminaes dinamarquesas incluemthorpe (como em Scunthorpe), toft, significando um terreno (como emLowestoft), e scale, uma cabana ou abrigo temporrio (como em Windscale).

    Com esses dados, podemos analisar os nomes das aldeias ao longo deuma extenso pantanosa da costa de Lincolnshire e constatar como os anglo-

    saxes e danes conviviam lado a lado. Os anglo-saxes viviam para ointerior, em povoados como Covenham e Alvingham. A menos de oitoquilmetros de distncia, havia danes vivendo em North Thoresby, ou maisperto do mar, em Grainthorpe. E havia tambm lugares em que as duasheranas se misturavam. A

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    cidade de Melton quase que certamente comeou como o povoado anglo-

    saxo de Middletoun. Mas quando os vikings vieram, trocaram Middle para

    Meddle; e os anos subseqentes reduziram Meddletoun para Melton.28A aldeia em que vivia era o incio e quase o fim do mundo de um ingls.

    Ele sabia que vivia na Engla-lond. Provavelmente conhecia o nome do rei,cuja tosca imagem estava gravada nas moedas que comeavam adesempenhar um papel importante na economia da aldeia. Talvezexcursionasse ao topo de colinas prximas, a fim de contemplar as outrasaldeias, que podia visitar. Quase com certeza, viajava cidade-mercado maisprxima, beira de uma das trilhas mais batidas que circulavam entre oscampos.

    Parado no alto da colina, ele no veria extenses mais significativas debosques do que hoje. Com bastante freqncia, muitos supem que aInglaterra medieval era coberta por densas florestas. Mas os bretesneolticos j haviam comeado a cortar rvores e fazer plantaes em 5000a.C. Os romanos foram grandes administradores de terras, construindo villas,cultivando os campos, abrindo estradas por toda parte. Os arados anglo-saxes continuaram o processo. Assim, um anglo-saxo que no ano 1000 sepostasse no alto da Box Hill, no Surrey, por exemplo, contemplaria umpadro de vegetao no muito diferente do que foi admirado pela Emma de

    Jane Austen oitocentos anos depois.Aquele anglo-saxo tambm veria uma ou duas das novas igrejasparoquiais, de pedra, que se tornariam o centro da vida na aldeia inglesa nosegundo milnio. Os mais antigos missionrios cristos na Inglaterra erammonges que saam das catedrais de abadias para pregar ao p das cruzes altasque ainda sobrevivem hoje no centro de umas poucas cidades e aldeiasantigas. A cruz alta assinalava o lugar em que os habitantes da aldeiareuniam-se para rezar. A medida que a igreja se tornava mais rica, porm, ascongregaes podiam construir prdios para o culto, primeiro de madeira e

    depois de pedra.

    A casa do ingls era com certeza uma estrutura de madeira, baseada numaarmao de vigas resistentes, fincadas na terra e juntadas por cavilhas de pau.Essa armao era coberta em seguida por tbuas, ou servia como a base paraum pesado entrelaamento de galhos de salgueiro ou aveleira, sobre o qual seestendia o cob, uma mistura de argila, palha e esterco de vaca, a mesmausada at tempos recentes na construo de chals em Somerset e Devon. Os

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    telhados eram de colmo ou juncos, enquanto as janelas eram pequenasaberturas nas paredes, com persianas de vime, j que o vidroo produto dacinza de faia metido num forno de carvo com areia lavadaera um artigoprecioso, provavelmente importado.29

    As comunidades das aldeias proporcionavam um constante aspectotranqilizador para uma vida. O anglo-saxo mdio talvez pudesse

    reconhecer cada pato, galinha e porco em sua aldeia, sabendo a quempertenciam... assim como sabia tudo sobre a vida de seus vizinhos. O crculosocial no preencheria mais do que trs ou quatro pginas num modernoFilofax. Ele nunca precisaria de folhas novas para atualizao de endereos,

    j que os pais de seus vizinhos haviam sido os vizinhos de seus pais. Seus

    filhos estavam destinados a viver lado a lado com os filhos dos vizinhos.Como a vida podia ser? O paralelo moderno mais prximo se encontra nocrculo restrito e repetitivo de amigos que cercam as famlias centrais dos

    personagens nas novelas de televiso. No ano 1000, os mesmos nomescristos eram muitas vezes mantidos pela tradio na famlia. Mas no haviasobrenomes. Ainda no havia necessidade.

    Na rea em torno das aldeias, os campos comeavam a assumir umaforma que reconheceramos, graas ao trabalho do lavrador com seu arado eo vigoroso grupo de bois. Abriam sulcos longos e profundos na terra, mas era

    difcil virar os animais quando se chegava extremidade do campo. Assim,da mesma forma que o gado pastava junto em pastagens comuns, os camposcultivados tambm eram organizados numa base comunitria. Cada unidadede terra arada tinha a forma de uma faixa comprida e relativamente estreita.

    Aelfric, o mestre-escola de Cerne Abbas, punha seus alunos parapraticarem o latim com um dilogo em que desempenhavam os papis delavradores, descrevendo seu trabalho para um amo que os interrogava:

    Amo O que voc diz, lavrador? Como realiza

    seu trabalho?"Lavrador" Trabalho muito, meu senhor. Saio de casa ao

    raiar do dia. Levo os bois para o campo eprendo o arado; por medo do meu senhor, noh inverno to rigoroso em que eu ouse meesconder em casa; mas os bois jungidos, arelha e a lmina

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    no arado, devo arar um acre ou mais todos os

    dias.Amo Tem algum companheiro?

    "Lavrador" Tenho um rapaz que conduz os bois com aaguilhada, que agora est rouco por causa do

    frio e dos gritos.

    Amo O que mais voc faz durante o dia?

    "Lavrador" Fao mais do que isso, com toda certeza.Tenho de encher o estbulo dos bois com feno,dar gua, remover o estrume.

    Amo E mesmo um trabalho rduo.

    "Lavrador" um trabalho duro, senhor, porque no soulivre.

    O colquio do lavrador chama a ateno para a realidade bsica e nadaromntica da vida inglesa no ano 1000: a dependncia do trabalho escravo.Em 1066, os normandos levariam para a Inglaterra a sua disposio de basemilitar para a propriedade da terra, conhecida por geraes de estudantes

    como o sistema feudal, com sua hierarquia de servos, viles e senhores, cujassutilezas tm sido muito discutidas pelos historiadores. Mas antes de 1066,praticamente todas as fontes documentaistestamentos, escrituras de terrase a literatura da poca indicam sem qualquer sombra de dvida que ofundamento bsico da economia rural em vrias partes da Inglaterra era uma

    classe de trabalhadores que s podia ser descrita como escrava. um lugar comum que a escravido constitua a base da vida no mundo

    clssico, mas s vezes presume-se que a escravido acabou com a queda de

    Roma. Na verdade, as tribos germnicas que conquistaram Romacapturavam, mantinham e negociavam escravos com o mesmo vigor dosromanos... como tambm faziam os conquistadores rabes do Mediterrneo.Os objetivos das guerras nos sculo V a X eram tanto capturar corpos quantoconquistar terras. As tribos da regio central da Alemanha tinham um grandesucesso nos ataques aos vizinhos eslavos. Se voc comprava um servo nos

    sculos anteriores ao ano 1000, era bem possvel que fosse um slav (eslavo),da a palavra slave, escravo em ingls.

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    Na Inglaterra, os anglo-saxes demonstraram ser escravocratascomparveis a seus primos germnicos. Weallas, ou Welshman (gals), era

    uma das palavras do Old English para escravo... o que indicava onde osanglo-saxes conseguiam seus escravos. Quando os normandos, em 1086,efetuaram o levantamento de Domesday da terra que haviam conquistado,verificou-se que havia significativamente mais escravos no oeste daInglaterra do que no leste, refletindo a proximidade com Gales. Alm disso,Bristol era um porto de comrcio de escravos, com os mercadores vikingsbaseados na Irlanda. Segundo as crnicas contemporneas, a cidade deDublin tinha no sculo XI o maior mercado de escravos da EuropaOcidental.

    Mas a guerra no era a nica fonte de escravos. Os cdigos legais anglo-saxes citavam a "escravido" como a penalidade por crimes, que variavamde certos tipos de roubo ao incesto. No ltimo caso, o homem envolvidotornava-se um escravo do rei, enquanto a mulher era entregue ao servio dobispo local.30 A execuo era evidentemente considerada uma pena severademais para um crime assim, enquanto a priso a longo prazo no era umapossibilidade prtica. As prises no proliferaram at que as construes depedra e as barras de ferro as tornaram viveis. Como os criminososempobrecidos no tinham dinheiro para pagar multas, a nica coisa que

    podiam ter confiscada era sua capacidade de trabalho.As pessoas tambm se submetiam escravido em perodos de fome oudificuldades, quando no conseguiam mais sustentar a famlia. Em sculosposteriores, surgiriam os asilos de pobres e a lei da falncia para ajudar alidar com essas tragdias, mas no ano 1000 o homem faminto no tinha outrorecurso seno ajoelhar-se diante de seu senhor ou senhora, entregando acabea s suas mos. No havia qualquer documento legal envolvido. Onovo servo recebia uma faca de poda ou uma aguilhada como smbolo de seuincio na servido. Era uma transao bsica: cabeas por comida. O

    significado original de lord no Old English era "aquele que d po",

    loafgiver. Geatfleda, uma dama de Northumbria, deixou a transao explcitaem seu testamento, que elaborou na dcada de 990: "Pelo amor a Deus e pelanecessidade de sua alma, [Geatfleda] concedeu liberdade a Ecceard, oferreiro, e Aelfstan e sua esposa e todos os seus filhos, nascidos e por nascer,e Arcil e Cole e Ecgferth [e] a filha de Ealdhun, e todas aquelas pessoas cujascabeas ela tomou por sua comida nos dias difceis."31

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    Atualmente a escravido ainda existe em algumas partes do mundo. Dasegurana de nossa prpria liberdade, consideramos o conceito degradante edesumano. Mas no ano 1000, bem poucas pessoas eram livres no sentido emque compreendemos a palavra hoje. Quase todos eram subordinados aalgum mais poderoso. Os homens e as mulheres que se submetiam servido viviam em condies que no eram muito diferentes de quaisqueroutros membros das classes trabalhadoras. "Escravo" a nica maneira dedescrever essa servido, mas no devemos imagin-los acorrentados, comoos escravos de gals nos tempos antigos. Tambm no viviam segregados emsenzalas como os escravos do sculo XVIII nas plantaes de algodo... ou,de fato, como os trabalhadores nas minas sul-africanas em nossos tempos. A

    maioria dos servos vivia no que descreveramos agora como acomodaes"restritas", numa aldeia, com a famlia. E bem provvel que criassem seuprprio gado. Eram os homens com as ps.

    No ano 1000, as pessoas no podiam se imaginar sem um protetor. Voctinha um senhor no cu e precisava de um senhor na terra. O lavrador noColloquy de Aelfric falava ressentido do medo de seu senhor, do fato de quetrabalhava tanto porque seu amo assim exigia. Mas outros documentos

    medievais propunham o servio fiel a um bom amo como uma fonte deconsidervel satisfao, como aconteceu com muitos servos at os nossos

    tempos. uma inovao do final do sculo XX desdenhar o conceito de"servio". No ano 1000, cada aldeia inglesa tinha o seu senhor local, queoferecia segurana e proteo para a vizinhana. Esse relacionamento

    envolvia um elemento significativo de respeito mtuo. Os senhores anglo-saxes nunca exerceram, nem tentaram reivindicar, o notrio droit deseigneur, pelo qual a lei de algumas regies da Europa concedia ao senhorlocal o direito de ir para a cama com as jovens esposas da aldeia na noite docasamento. Havia limitaes definidas para seus poderes.

    O grande sacerdote ingls da poca foi Wulfstan de York, o Billy Graham

    do ano 1000, cujos sermes inflamados faziam as pessoas tremerem. Comoprincipal executivo de duas grandes dioceses Wulfstan foi bispo deWorcester e arcebispo de York o grande orador tinha de administraralgumas das maiores propriedades da Inglaterra. Segundo uma teoria, ele foio autor de Rectitudines Singularum Personarum,32 um tratado que tentavafixar os direitos e as obrigaes que regulavam a senhoria e a servido. Numdocumento relacionado sobre os deveres do administrador da

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    propriedade, ou reeve33, o arcebispo analisou a mecnica do sucesso decuidar de negcios agrcolas. Relacionou todas as ps, enxadas, ancinhos,

    aguilhadas, baldes, barris, manguais, peneiras e outras ferramentasnecessrias, at a ltima ratoeira.

    Wulfstan descreveu os vrios tipos de trabalhadores que se podiaencontrar numa aldeia anglo-saxnia mdia. O relato deixa claro que olavrador e seu ajudante com a aguilhada eram quase que certamente servos,cuidando dos bois que pertenciam ao senhor local, que podia ser um bispo, oprior de um mosteiro, ou um nobre. A tarefa primria era arar a terra dosenhor, mas tambm arava os terrenos de outros habitantes da aldeia, quepagavam pelo servio com vrios tipos de aluguel em espcie.

    Ele relacionou ainda as vantagens e desvantagens de um sistemacentralizado e autoritrio, que permitia uma margem para a livre iniciativa: seo lavrador possua sua prpria vaca, podia deix-la pastar junto com osanimais do senhor; era direito do pastor dispor do uso do estrume por dozenoites no Natal, alm de ficar com o leite de seu rebanho durante os seteprimeiros dias depois do equincio; o cottagerera algum que cultivava pelo

    menos cinco acres, pagando por isso com o trabalho para seu senhor todas assegundas-feiras do ano, alm de trs dias por semana em agosto, na poca dacolheita. No era suficiente apenas comparecer para um dia de trabalho. O

    cottagerdevia colher um acre inteiro de aveia durante um dia de agosto, oumeio acre de trigo... mas tinha permisso de levar para casa um feixe inteiro,como bonificao.

    Descreveu tambm as complexidades de dar e receber em qualquerpropriedade, enfatizando como os regulamentos deviam ser flexveis,reagindo s variadas condies locais. Ele escreveu: "Devemos conhecer asleis num distrito, se no queremos perder a opinio favorvel napropriedade." Concluiu seu levantamento com um catlogo da mecnica decelebrao que juntava todos nos estgios fundamentais do ano agrcola: um

    festival depois da colheita, um festival de bebida para o plantio, umarecompensa para a ceifa bem-sucedida, uma refeio no monte de feno, umtronco da carroa de lenha, uma medida da carroa que leva o trigo, "emuitas coisas que no posso relatar".34

    Por mais rduos que fossem, os trabalhos do ms envolviam momentosde intensa diverso e celebrao no ano 1000. A medida que maro seaproximava do fim, a aldeia aguardava ansiosa um dos maiores festivais, aPscoa.

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    OSTRE ERA A DEUSA DO AMANHECER PARA AS tribos daEscandinvia. Seu nome vinha de east, leste, a direo da qual o sol

    chegava todas as manhs. Seu festival especial era o equincio daprimavera, a alvorada do reinado do sol no ano setentrional. A tradiopag falava do "Rei do Ano", a vtima humana que era escolhida esacrificada quando o inverno se transformava em primavera. O corpo,enterrado nos campos, voltava vida por magia, com o crescimento do trigo.Todos podiam celebrar o milagre de seu renascimento ao comerem o po que

    se fazia com esse trigo.O festival cristo da Pscoa absorveu essas tradies pr-Crists. A partir

    dos clculos de Beda, a igreja catlica inglesa celebrava a Pscoa no primeirodomingo depois da primeira lua cheia depois do equincio da primavera. Osfiis eram estimulados a experimentar a Paixo de Cristo em termos quasepessoais. Havia uma tradio de que as pessoas deviam se abster de usarpregos ou ferramentas de ferro na Sexta-Feira Santa, por causa do ferro queperfurou as mos de Cristo no Calvrio. No dia seguinte, os fiis iam igreja

    para um sombrio ritual de viglia no sbado, seguindo Cristo para o tmulo.Cinco gros de incenso eram postos numa vela, representando as cincochagas do Salvador.

    Nas celebraes do Domingo de Pscoa, a Eucaristia assumia umsignificado especial, j que a Pscoa era um dos raros dias de festa os

    outros eram o Natal e Pentecostes , em que os membros comuns dacongregao tinham permisso para consumir o po e o vinho. No se tratavade uma questo de doutrina, mas de disponibilidade. Afinal, no havia tantovinho e po para se distribuir todas as semanas. Aelfric aproveitou aespecialidade da

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    ocasio para explicar o significado do sacramento, numa homlia preparadapara sacerdotes paroquiais lerem em suas igrejas locais:

    Meus amados amigos, sei que j ouviram falar com freqncia da ressurreio de nosso Salvador, como nestedia Ele se elevou da morte, depois de sua Paixo. Agora,pela graa de Deus, explicaremos a Sagrada Eucaristia,para a qual devem ir... para que nenhuma dvida sobre oalimento vivo possa prejudic-la.

    ... Muitos homens j questionaram, alguns continuam aquestionar, como o po que produzido do trigo e cozidopelo calor do fogo pode se transformar no corpo de Cristo;ou o vinho, que feito de muitas uvas espremidas, pode seconverter, por qualquer bno, no sangue do Senhor?

    Declaramos agora para esses homens que algumas coisassobre Cristo so ditas em termos figurativos. ... Ele denominado "po", "cordeiro", "leo" e assim por diante,

    figurativamente. Ele chamado "po" porque a nossa vidae a vida dos anjos; "cordeiro", por causa de sua inocncia;"leo", pela fora com que supera o poderoso Diabo. Mas,apesar disso, de acordo com a verdadeira natureza, Cristono po, nem cordeiro, nem leo...

    Se consideramos a Sagrada Eucaristia num sentidomaterial, ento verificamos que... po corruptvel e vinho

    corruptvel. Mas pelo poder da palavra divina, de fato ocorpo e o sangue de Cristo; portanto, no material, masespiritual.35

    Os ensinamentos de Aelfric sobre a Eucaristia diferem de uma maneirasignificativa da doutrina posterior da transubstanciao, como fixada pelaIgreja Catlica. Ao ressaltar o simbolismo do po e vinho, o monge era quaseprotestante em seus ensinamentos. O tratado em que baseou sua homlia foimais tarde condenado, a igreja romana dando ordens para sua destruio.Mas o que impressiona o leitor moderno no tanto a teologia, mas sim aclareza e o vigor da exposio do monge sobre um assunto complicado,composto e transmitido (em englisc) sem condescendncia ou excesso desimplificao.

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    O festival da Pscoa era ainda mais apreciado pelas pessoas que sedefrontavam com a realidade da fome. Hoje assistimos fome pela televiso.

    Mas quase no uma fonte de ansiedade pessoal para as pessoas que vivemno Ocidente desenvolvido. outra das distines cruciais entre ns e o ano1000, quando a possibilidade da fome sempre existia e atormentava aimaginao.

    "Proverei... as necessidades da vida", prometeu Piers Plowman, na fbulamedieval, mas com uma condio: "desde que a terra no falhe".36 Osdesastres naturais e as dificuldades que acarretavam eram espectrosconstantes. As pessoas datavam suas vidas pelos anos em que a terra e otempo falhavam. As pginas da Anglo-Saxon Chronicle relacionaram os

    marcos de sofrimento:

    975 Houve uma grande fome...976 Nesse ano ocorreu a grande fome na raa inglesa...986 Nesse ano a grande pestilncia chegou Inglaterra,

    primeiro entre o gado...1005 Nesse ano houve uma grande fome entre toda a raa

    inglesa, to intensa que ningum podia se lembrar deoutra mais terrvel antes...

    1014 Nesse ano, na Vspera de So Miguel (28 de setembro),uma grande inundao veio do mar, que se espalhoupara o interior, como nunca acontecera antes.Muitos povoados foram cobertos pela gua eincontveis seres humanos se afogaram...

    1041 Todo esse ano foi de dificuldades intensas, sob muitos

    e variados aspectos: tanto no mau tempo quanto nascolheitas do solo; e durante esse ano mais gadomorreu do que em qualquer outra ocasio anterior,ao que algum pudesse se lembrar, tanto por causa dedoenas quanto por causa do mau tempo.37

    Esses eram os anos ruins em que os homens eram obrigados a se ajoelhare a pr a cabea nas mos de seu senhor. Em tempos de fome, segundo um

    cdigo anglo-saxo, "um pai pode vender seu filho com menos de sete anos

    como um escravo se a necessidade o forar a isso".38 Nem mesmo oinfanticdio era considerado crime.39 Beda relata uma comovente histria depactos de suicdio

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