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ANO: 78 Nº 106 2019 ISSN: 0020-3890

ANO: 78 Nº 106 2019 ISSN: 0020-3890 · 2019-07-18 · atuação e bibliografia em torno da influência da Arte da Guerra no Mundo Antigo e Medieval no modo de fazer a guerra em Portugal

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REVISTA DO INSTITUTO DE GEOGRAFIAE HISTÓRIA MILITAR DO BRASIL

O IGHMB foi fundado em 7 de novembro de1936. Órgão Consultivo Oficial dos Assuntos de

Geografia e História Militar reconhecido peloDecreto nº 27.512, de 26 Nov 49, e Órgão deUtilidade Pública do Estado do Rio de Janeiro

pela Lei nº 2.217, de 28 Ago 73.Filiado à Comissão Internacional de História

Militar

Diretor e editor da Revista do Instituto deGeografia e História Militar do Brasil

Cel Carlos Roberto Carvalho Daróz

SecretárioCel Cláudio Luiz de Oliveira

Conselho Editorial – DiretorCel Antônio ferreira Sobrinho

Membros do Conselho EditorialCel Antônio Ferreira Sobrinho

Cel Carlos Roberto Carvalho DarózCel Manoel Cândido Andrade Netto

Casa Histórica de DeodoroPraça da República, 197 – Centro

Rio de Janeiro, RJ – BrasilCEP: 20.211-350

Tel (21) 2232-2691ighmb.org.br

[email protected]

SUMÁRIO3 – Editorial

5 – A pena de MarteProf. Fábio Neves Luiz Laurentino

17 – Os franceses na História Militar ColonialbrasileiraCel Carlos Roberto Carvalho Daróz

27 – Os holandeses e a numismática brasileiraAntônio Tomaz

34 – General Gabino Suzano de Araújo BesouroSten José Carlos Meireles da Silva

54 – A primeira fase da Guerra da Tríplice Aliança eo fechamento do Instituto de Menores Artesãos1º Ten Douglas de Araújo Ramos Braga

70 – Modelos GlobaisCel Av Manuel Cambeses Júnior

74 – Doutrina: princípio ou procedimento?Cel Av Tacarijú Thomé de Paula Filho

79 – O Regimento 9 de Julho na RevoluçãoConstitucionalista de 1932Cap PM Fernando de Medeiros Vasconcelos

85 – Correspondentes de guerraProf. Cleber Almeida de Oliveira

119 – Transmissões da FEBProf. Israel Blajberg

129 – A Marinha na Amazônia OrientalCMG Ricardo Jacques Ferreira

151 – Resenha – Extermine o inimigoCel Carlos Roberto Carvalho Daróz

EXPEDIENTE

Os conceitos emitidos nas matérias assinadas são de exclusiva responsabilidade de seus autores.Estão autorizadas as transcrições integrais ou parciais das matérias publicadas, desde que mencionados o autor e a fonte.

Por imposição do espaço, a redação do artigo poderá receber pequena modificação, sem alterar o seu entendimento e a sua compreensão.Os anúncios desta revista são de total responsabilidades dos anunciantes, tirando qualquer responsabilidade do IGHMB.

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Editorial

É com satisfação que disponi-bilizamos para os associados e parao público interessado a edição de2019 da revista do Instituto deGeografia e História Militar doBrasil. Nossa instituição destina-seao estudo, pesquisa e divulgação dahistória militar,da geografia, daestratégia, dageopolítica, dasrelações interna-cionais, dentreoutros temasafins.

No intuitode oferecer aosnossos leitoresuma variadagama de conhecimentos, disponibi-lizamos, na presente edição darevista, artigos que abarcam umamplo espectro de tempo, que vaidesde a Antiguidade clássica atétemas da Contemporaneidade.

O artigo A Pena de Marte tra-ta da evolução da arte da guerra naAntiguidade e no Medievo, sob aótica do historiador português RuiBebiano.

O período colonial brasileiro éestudado em dois trabalhos. O pri-

meiro analisa asincursões de cor-sários e as tenta-tivas dos france-ses de instalaremcolônias no Bra-sil português,entre os séculosXVI e XVIII.Outro artigo a-borda o uso demoedas pela

Companhia das Índias Ocidentaisholandesa durante a ocupação doNordeste brasileiro, verificadaentre 1625 e 1654.

A Guerra da Tríplice Aliançacontra o Paraguai, tema constanteem nossa Revista, é contemplada

Editorial

É com satisfação que disponi-bilizamos para os associados e parao público interessado a edição de2019 da revista do Instituto deGeografia e História Militar doBrasil. Nossa instituição destina-seao estudo, pesquisa e divulgação dahistória militar,da geografia, daestratégia, dageopolítica, dasrelações interna-cionais, dentreoutros temasafins.

No intuitode oferecer aosnossos leitoresuma variadagama de conhecimentos, disponibi-lizamos, na presente edição darevista, artigos que abarcam umamplo espectro de tempo, que vaidesde a Antiguidade clássica atétemas da Contemporaneidade.

O artigo A Pena de Marte tra-ta da evolução da arte da guerra naAntiguidade e no Medievo, sob aótica do historiador português RuiBebiano.

O período colonial brasileiro éestudado em dois trabalhos. O pri-

meiro analisa asincursões de cor-sários e as tenta-tivas dos france-ses de instalaremcolônias no Bra-sil português,entre os séculosXVI e XVIII.Outro artigo a-borda o uso demoedas pela

Companhia das Índias Ocidentaisholandesa durante a ocupação doNordeste brasileiro, verificadaentre 1625 e 1654.

A Guerra da Tríplice Aliançacontra o Paraguai, tema constanteem nossa Revista, é contemplada

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com pesquisas sobre Gabino Be-souro, célebre voluntário da Pátriaque alcançou o generalato durantea República; e tratando do Institutode Menores Artesãos, instituiçãoque precisou fechar suas portas emrazão do conflito.

No plano da geopolítica, pu-blicamos um trabalho sobre osmodelos globais, uma homenagempóstuma ao coronel aviador Manu-el Cambeses Júnior, destacadoarticulista e ex-vice-presidente doInstituto, falecido em 2019.

Um interessante ensaio desta-ca a dicotomia doutrinária entreprincípio e procedimento, aplicadaà aviação de caça, com fulcro nahistória da Segunda Guerra Mundi-al.

Dois artigos estudam a parti-cipação do Brasil no conflito mun-dial, um abordando o papel doscorrespondentes de guerra junto àForça Expedicionária Brasileira, eoutro analisando a atuação da armade Comunicações, na época deno-minada Transmissões e vinculada àEngenharia.

A revista publica, ainda, umartigo sobre a atuação da Cavalaria

da Força Pública de São Paulo porocasião da Revolução de 1932, eoutro tratando do importante papeldesempenhado pela Marinha doBrasil na Amazônia Oriental

Finalizando nossa revista, des-tacamos o livro do professor Den-nison de Oliveira, Extermine oinimigo, que realiza um estudoanalítico das forças blindadas bra-sileiras durante a Segunda GuerraMundial.

Desejamos uma boa leitura.

O editor.

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A Arte da Guerra no Mundo Antigo eMedieval e sua influência no sistemamoderno português: comentário de

A Pena de Marte, de Rui Bebiano

Fábio Neves Luiz Laurentino ª

Resumo: Rui Bebiano em A pena de Marte: escrita da guerra em Portugal e naEuropa (sécs. XVI – XVIII) estuda o desenvolvimento de uma discursividade a pro-pósito da problemática da guerra em Portugal entre os séculos XVI e XVIII, a partirda carência coletiva ou individual de imaginar e de organizar, no domínio concei-tual, a própria prática da guerra. Entre os objetivos principais deste estudo, oautor procura definir, desde o seu início, uma busca de conexões e de sentidosque toma a atividade bélica como fenômeno histórico crucial na sociedade portu-guesa, e que representa, nas palavras do autor, algo que se encontra por fazer. Opresente artigo tem um objetivo mais sucinto e pragmático: levantar a discussão,atuação e bibliografia em torno da influência da Arte da Guerra no Mundo Antigoe Medieval no modo de fazer a guerra em Portugal entre os séculos XVI e XVIII,encontrado no capítulo introdutório desta obra.Palavras-chave: História Militar, Guerra em Portugal, Rui Bebiano.

INTRODUÇÃO

É a partir de duas problemáti-cas que se define todo o estudo deRui Bebiano em A Pena de Marte:escrita da guerra em Portugal e naEuropa (sécs. XVI-XVIII): a busca

de conexões e de sentidos que tomaa atividade bélica como fenômenohistórico cultural em Portugal entreos séculos XVI e XVIII, e a lutapara alterar uma certa noção deprogressiva decadência da “questãomilitar”, que em determinada altura

__________a Historiador. Mestrando em História Militar pela Universidade de Lisboa..

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serviu para caracterizar essa épocana história de Portugal, segundouma historiografia liberal, comoforma de entendimento crítico deum período marcado pela acentua-da centralização do poder político.

Todo esse estudo, explica oautor1, é orientado não só por suadefinição disciplinar na históriamilitar, mas também no campo dahistória das ideias, tendo comoprincipal foco a história do pensa-mento europeu, baseando-se nosescritos de Frank L. Baumer2, Ar-thur O. Lovejoy3, Leonard Krieger4

e outros.A obra é dividida em capítulos

que se ocupam desde traçar umconjunto de conexões que vincu-lem a orientação tomada pela pre-paração e pela prática da guerra emPortugal (nos últimos séculos desua história moderna); passa pelasestratégias criadas desenvolvidasno domínio político pelas formassupremas de poder que vão sendoestabelecidas; trata das formas deabordagem literária do problema daguerra que confluem na fixação deuma imagem desta por parte dasexpressões de pensamentos domi-

nantes e, em seus capítulos finais,uma análise de um discurso mo-nárquico acerca da guerra na eramoderna e um estudo aprofundadodesta abordagem, pesquisando aslinhas de forças que a literatura daarte militar desenvolveu em Portu-gal ao longo dos séculos XVII eXVIII.

É sabido que os estudos sobrehistória militar têm desenvolvidoum crescente interesse por compre-ender os exércitos como um fenô-meno de alcance social e econômi-co mais amplo, investigando ques-tões relacionadas com logística,origem de recrutamento, abasteci-mento, impacto das guerras e ou-tras questões. Na literatura militar,é de fundamental valor olhar paraos tratados militares como fontes,para se fazer novas perguntas equestionamentos. Segundo Berme-jo5, é a partir dos anos 2000 queautores ibéricos (dentre eles RuiBebiano) assinalam a necessidadede investigar o que denominavamcomo “cultura militar”, um campoque incluía as influências que essestratados militares poderiam ter nasociedade.

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Assim, nosso compromissoneste artigo remete-se a olhar parauma bibliografia relativa à tratadosmilitares sobre a influência doMundo Antigo e Medieval no sis-tema militar moderno português,discussão contida no capítulo in-trodutório desta obra. É de interes-se ressaltar que este breve papertrabalhará somente com o capítulointrodutório desta obra e tratarásomente das questões da guerraterrestre, deixando para outro mo-mento as reflexões da guerra nomar com suas dimensões e com-plexidades muito próprias.

GUERRA E HISTÓRIA EMPORTUGAL

Tendo a guerra como seu focoprincipal, analisa Bebiano atravésda consideração de Gaston Bou-thoul6, que a violência é a granderesponsável por produzir memóriahistórica. É neste sentido que oautor faz uma linha do tempo sobrea organização de uma memória dascoisas da guerra, exemplificando

como nasce e se justifica a consa-gração de uma violência guerreira.

Neste ponto, Bebiano exem-plifica no mundo grego a declara-ções de Heraclito de Éfeso de co-mo guerra é um instrumento indis-pensável para a ordem providenci-al7. Em Heródoto, Tucídides ouXenofonte, que escreveram embusca de uma explicação para con-flitos que estavam próximos do seutempo (as guerras Pérsicas e doPeloponeso) e que representaramvitórias vitais para afirmação dacivilização da qual pertenciam, ouem Tito Lívio e Suetônio sobre ocontexto romano, ou ainda, noperíodo medieval, as canções degesta, tendo como exemplo máxi-mo a Chanson de Roland8, lem-brando os atos dos companheirosde Carlos Magno. Na Renascença,mesmo na sua revolução cultural,não se alterou os fundamentos daorganização de uma memória dascosias da guerra, a atividade inte-lectual tem como referência doheroico o passado clássico, que eraainda, em grande parte, aquele quetinha sido traçado nos campos debatalha9. Durante o período moder-

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no, com o surgimento das acade-mias constituídas por iniciativarégia, dá corpo a esta tendência,tornando-a “oficial” e dominante.A Académie Française, fundadaem 1635 com apoio do cardealRichelieu, é um instrumento im-portante para um conjunto de pro-pagandistas do poder na França,por exemplo, na busca de umaassunção de soberania imperialeuropeia, designada para a reunifi-cação da cristandade, a partir deuma absoluta primazia guerreira.

Segundo Bebiano, assim, ahistória afirmava-se como gêneroliterário, assumindo, nessas condi-ções, o papel de uma espécie decenário cultural do poder: “aomesmo tempo que o panegiristapreservava para o futuro as glóriasdo seu tempo, o historiador, mobi-lizado ao serviço dos mitos maiscaros do absolutismo, forneciaencadeamento criteriosamenteelaborados de um passado quedeveria apresentar-se como mode-lar”10.

Em Portugal não será diferen-te. A partir dos séculos XI e XII,no contexto da Reconquista, na

segurança dos espaços conventu-ais11, desenvolve-se uma tradiçãoque culminará nos denominadoscronicões, textos imprescindíveispara o conhecimento dos primeirospassos da história portuguesa, sen-do identificada e estudada por Pier-re David12. As Chronicon Conim-bricense, a Chronica Gothorum, aschamadas “pequenas crónicas” deSant Cruz de Coimbra ou a Crôni-ca Geral de Espanha de 1344,onde ocasiões de violência e guerrasão marcantes, são exemplos prin-cipais13.

A primeiras produções histo-riográficas sobre os descobrimen-tos continuarão neste mesmo cami-nho: justificação para um fenôme-no novo, que foram os lançamentosdas campanhas do norte da África edas navegações de descobrimento,revelando, no seu essencial, relatosde guerra. Em a Carta das Novasque vieram a El Rei nosso Senhordo Descobrimento do Preste João14

e a Verdadeira Informação dasterras do Preste João das Índias,de autoria do padre Francisco Ál-vares, em 1540, transmitem preo-cupação com o problema estratégi-

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co em torno da presença muçulma-na no espaço europeu, enquanto aHistória do Descobrimento e Con-quista da Índia pelos Portugueses,de Fernão Lopes15, traçam um o-lhar mais literário sobre a questão.Já em o Soldado Prático, de Diogodo Couto, ou na obra anônimaPrimor e Honra da Vida Soldades-ca no Estado da Índia a intenção émostrar o lado épico do evento, aoinvés da enunciação dos eventos.

Com a fundação da AcademiaReal da História por D. João V(dezembro de 1720), antecessorada Academia Portuguesa da Histó-ria, é “institucionalizada” a tendên-cia da referência aos atos de guerranuma lógica global de afirmaçãodo poder monárquico absolutonuma Europa barroca. Neste con-texto, os escritos de Inácio BarbosaMachado, Fastos políticos e milita-res e História Militar do Brasil16

assumem uma característica de atosguerreiros orientados para um obje-tivo político e uma imagem deheroicidade de generais e nobresvividas nos territórios ultramarinos.

Já na segunda metade do sécu-lo XVIII, com a fundação da Aca-

demia Real das Ciências (dezem-bro de 1779), inicia-se a procura deum maior rigor na fundamentaçãodocumental e maior diversidadeanalítica e temática na escrita dahistória, distanciada dos escritosambiciosos anteriormente produzi-dos, este movimento é inspiradogradualmente pelos intelectuais doperíodo iluminista. Mesmo assim,ainda há a permanência do redu-cionismo do objeto histórico volta-da para fatos e datas, com o intuitode enaltecer o Estado e suas institu-ições com a trajetória dos seusheróis guerreiros.

A ESCRITA DA ARTE MILI-TAR NA EUROPA MODERNA

Segundo Bebiano, o processode evolução da guerra do mundoAntigo e Medieval para a idadeModerna é acompanhada de umdesenvolvimento de uma ampla emultifacetada literatura militar,produzida com uma discursividadeautônoma, sendo ela indispensávelpara compreender o fenômenobélico e o trajeto das instituições

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militares, tanto em tempo de guerracomo durante os anos de paz. So-bressaem dois autores que se man-tiveram utilizados no mundo oci-dental durante o medievo: FrontinoSexto, governador romano nasregiões britânicas, com seu Strate-gematicon libri III e; Flavius Vege-tius Renatus, o consagrado Vegé-cio, com a conhecida obra Epitomarei militaris, que se manteve nodomínio da teoria da guerra porquase mil anos17.

Mesmo assim, Bebiano levan-ta a problemática18 do quão foramutilizados esses tratados, de fato,no campo de batalha, dada a limi-tada ou nula formação intelectualdos chefes militares, explicando aprovável permanência desses escri-tos nas bibliotecas de palácios e deespaços religiosos ao final da idadeMédia.

É a partir de Raimondo Mon-tecuccoli, italiano ao serviço dosHabsburgos, que entre 1640 e

Pormenor da Crônica Geral de Espanha de 1344.Fonte: http://edicionesboreal.com/libros-y-facsimiles/cronica-geral-de-espanha-de-

1344/gmx-niv36-con738.htm.

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militares, tanto em tempo de guerracomo durante os anos de paz. So-bressaem dois autores que se man-tiveram utilizados no mundo oci-dental durante o medievo: FrontinoSexto, governador romano nasregiões britânicas, com seu Strate-gematicon libri III e; Flavius Vege-tius Renatus, o consagrado Vegé-cio, com a conhecida obra Epitomarei militaris, que se manteve nodomínio da teoria da guerra porquase mil anos17.

Mesmo assim, Bebiano levan-ta a problemática18 do quão foramutilizados esses tratados, de fato,no campo de batalha, dada a limi-tada ou nula formação intelectualdos chefes militares, explicando aprovável permanência desses escri-tos nas bibliotecas de palácios e deespaços religiosos ao final da idadeMédia.

É a partir de Raimondo Mon-tecuccoli, italiano ao serviço dosHabsburgos, que entre 1640 e

Pormenor da Crônica Geral de Espanha de 1344.Fonte: http://edicionesboreal.com/libros-y-facsimiles/cronica-geral-de-espanha-de-

1344/gmx-niv36-con738.htm.

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1670, escreve uma série de obras(sob influência de Maquiavel19)onde se buscava uma formulaçãogeral da guerra com o propósito dedomínio prático do assunto, citan-do autores do mundo antigo. EmTrattato dela guerra, Zibaldone,Dell’arte militare, Delle Battaglie,Della guerra con Turco in Unghe-ria e Aforismi dell’arte bellica,aponta para a necessidade de ochefe militar não ser apenas segurocom a espada, mas também comohomem dotado de vasta formaçãocultural, cuja a formação livrescanão seria apenas enfeite ou excen-tricidade.

Nos escritos do visconde deTurenne e Maurice de Saxe apare-cem aprimoradas as ideias de Ma-quiavel sobre o uso da aritméticadecimal, o cálculo dos espaços e datrigonometria como matérias ne-cessárias para se fazer a guerra.Escreve Saxe sobre a necessidadeda existência de um sistema mili-tar, englobando todos os aspectosda guerra, reconhecendo a necessi-dade de observar as ideias militaresdo passado. Sobre a prática, semostra discipulo de Montecuccoli,

insistindo na necessidade de coope-ração das armas, criação de tropasligeiras para uso em reconhecimen-to e perseguição ao adversário.Simpatizante da guerra indireta,teoriza sobre a possibilidade davitória militar obtida sem necessa-riamente travar a batalha20.

Igualmente destacada quandose fala sobre o processo de defini-ção de um pensamento militar mo-derno, a obra do marquês de Puy-ségur, Art de la guerre par prínci-pes et par régles21, consideradacomo a primeira obra a propor umateoria geral da guerra, dá real valorà observação histórica, citandoTurenne, Montecuccoli, Homero,Heródoto, Xenofonte, Tucídides,Políbio, Vegécio e outros. Trazcomo novidade a importância dageometria em prever e regular osmovimentos das tropas. AfirmaBebiano22 que esta evolução torna-rá imprescindível a profissionaliza-ção do militar de carreira, tornandoquase inútil todo quadro militarsuperior que não detivesse essaespécie de conhecimento.

Já em Portugal, a origem dateoria militar nessa época perpassa

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pela simples ou nula instrução doschefes militares, era contida basi-camente pelas lições colhidas atra-vés de suas próprias experiênciasaté o reinado de D. João I. Tomarásua própria definição a partir dos“complexos histórico-geográficos”23 do processo expan-sionista português, com a distribui-ção e presença do poderio militarportuguês nos territórios ultramari-nos. Essa produção literária estáligada nomeadamente à engenhariamilitar, também sobre a presençada artilharia nas fortificações colo-niais e, sobretudo, destinada a for-mação (do ponto de vista da suaespecialidade) do profissional mili-tar24.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao olhar para a literatura mili-tar e para o ensino aprendizagemmilitar português no início da idadeModerna é perceptível a presençade instituições, formais ou não,associadas ao poder do Estado, aodireito e ao uso legal da violência,que são, por sua vez, permeadas de

novas realidades e comportamen-tos. A instituição militar é umarealidade presente no Portugal pós-medieval. A partir de um olhartradicionalista, vê-se a instituiçãocomo uma construção natural deuma sociedade. Sob a perspectivaprogressista, a instituição nasce apartir de uma criação artificial,pensada para criar realidades ousuprir velhas deficiências. Em am-bas, o desenvolvimento da escritavoltada para a vida militar é pre-sente e fundamental, onde a guerraé entendida como justa porque énecessária à sobrevivência e a umdesigno maior: à Deus e o Rei.

A instituição militar não existeformalmente, mas encontra-sepermeada de códigos, classes edireitos, para atingir a uma únicafinalidade: a afirmação política esocial da nobreza. Sempre quenecessário essa busca por legitima-ção usará de exemplos do mundoclássico para fundamentar o uso daviolência, da organização social edo poder na estrutura do Estado.

Após o período importante datransformação da guerra, na cha-mada revolução militar, e das in-

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vestidas marítimas dos descobri-mentos, torna-se imprescindível oauxílio da literatura militar para adisciplina nas tropas e as vitóriasnas campanhas, apresentando vá-rios níveis de organização social efuncional. Seja através dos solda-dos profissionais ou dos dignitárioslocais – magistrados, vereadores ouhomens bons – quando necessáriaà sua participação em campanhasmilitares numa organização efetivada defesa territorial, em se tratandode instrução, o exemplo do mundoclássico se mostrará sempre pre-sente em paralelo as ideias renova-doras nos tratados militares e nasmemórias dos grandes generais doPortugal moderno.

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1 BEBIANO, Rui. A Pena de Marte: aescrita da guerra em Portugal e naEuropa (sécs. XVI-XVIII). Coimbra:Minerva Coimbra, ano 2000, pp. 52.2 BAUMER, Franklin L. O pensamen-to europeu moderno. Lisboa: Edições70, 1990.3 LOVEJOY, Arthur Oncken. Thestudy of the History of Ideias. In: Pres-ton King (ed.), The History of Ideas.London: Croom Helm, 1983.4 KRIEGER, Leonard. The Autonomyof Intellectual History. In: The Historyof Ideas: Canon and Variations. Ro-chester: Rochester University Press,1990.5 BERMEJO, Saúl Martínez. Antiguadisciplina: el ejemplo romano en los

tratados militares ibéricos, c. 1560-1600. In: Hispania, 2014, vol. LXXIV,nº. 247, mayo-agosto, pp. 357-384.6 BOUTHOUL, Gaston. Traitè depolémologie. Sociologie des guerres.Paris: Payot, 1991, pp. 5.7 “há de saber que a guerra é comume a justiça é luta, e tudo se passa naluta”. Entende-se que o combate vio-lento é a origem de todas as coisas e,por isso, separa aquelas que merecemser livres dos que devem permanecerescravos e dependentes. In: Heraclito,Fragmentos, 53 (versão obtida a partirdas traduções de Abel Jeannière, emLa Pensè d’Heraclite d’Éphese. Paris:Éditions Montaigne, 1959, e deCharles H. Khan, em The art andthought of Heraclitus: an edition of thefragments with translation and com-mentary. Cambridge: Cambridge Uni-versity Press, 1981.8 A Canção de Rolando. Edição bilin-gue. Lisboa: Europa-América, 1987.9 BEBIANO, Rui. Op. Cit. pp. 19.10 BEBIANO, Rui. Op. Cit. pp. 25.11 MATTOSO, José. A cultura monás-tica em Portugal (711-1200). In: Ar-quivos de História da Cultura Portu-guesa. Vol. III, n 2, Lisboa, 1969.12 DAVID, Pierre. Études historiquessur la Galice et le Portugal du VIe auXIIe siècle. Lisboa: Institut Français auPortugal, 1947, pp. 257-340.

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13 Transcritos por Alfredo Pimenta nasFontes Medievais da História de Por-tugal, vol. I – Anais e crônicas. Lisbo-a: Sá da Costa, 1948.14 Ver verbete “Preste João” por Vito-rino Magalhães Godinho, em Dicioná-rio de História de Portugal, dir. deJoel Serrão, vol. V, Porto, IniciativasEditoriais, 1975.15 Ver GOUVEIA MONTEIRO, João.Fernão Lopes. Texto e contexto. Co-imbra: Minerva, 1988.16 Inácio Barbosa Machado, HistóriaMilitar do Brasil. Manuscrito na Bi-blioteca Nacional de Lisboa, códice848, folhas 49 e seguintes. Ver tam-bém Sebastião da Rocha Pita, Históriada América Portugueza, desde o anode 1500 do seu descobrimento até o de1724. Lisboa, José António da Silva,1730.17 Segundo Bebiano, é perceptível, porexemplo, nas Sentenças para a ensi-nança e doutrina do Príncipe D. Se-bastião, de André Rodrigues de Évora,escrita na segunda metade do séculoXVI, os conceitos de Vegécio. Sobre aimportância de Vegécio na escrita daguerra medieval, ver Josette A. Wis-man, “L’Epitoma rei militaris de Ve-gece et sa fortune au Moyen Âge”, LeMoyen Âge, no. 85, Paris, 1979, pp.13-31; Bernand S.Bachrach, “ThePratical Use of Vegetius: De Re Mili-tari during the Early Middle Ages”.The Historian, no 47, 1985, pp. 239-

255, e Sean Mc Glynn, “The myths ofmedieval warfare”, History Today,vol. 44, London, 1944, pp. 28-57.18 BEBIANO, Rui. Op. Cit. pp. 356.19 Arte della guerra, de Maquiavel,“propõe” a ampla aplicação de conhe-cimentos para o uso militar, nomea-damente a matemática. A apresentaçãoda aritmética decimal, do cálculo dosespaços nas operações militares e datrigonometria tem especial dedicaçãonos capítulos iniciais desta obra. VerBARBUT, Marc. “L’Art de la Guerre”et la praxéologie mathématique. Anna-les. Économies, Sociétés, Civilisations.N 3, ano XXV, Paris, 1970, pp. 567-573. Consultar também VELTMAN,Kim. Military surveying and topogra-phy: the practical dimension of Re-naissance Linear Perspective. Revistada Universidade de Coimbra, volXXVII, Coimbra, 1979, pp. 263-279.20 BEBIANO, Rui. Op. Cit. pp. 365.21 Marquis de Puységur. Art de laguerre par príncipes et par régles.Paris: C. A. Jombert, 1748.22 BEBIANO, Rui. Op. Cit. pp. 366.23 GODINHO, Vitorino Magalhães. Aevolução dos complexos histórico-geográficos. In: Ensaios, vol II, 2ª Ed.,Lisboa: Sá da Costa, 1978, pp. 19-28.24 Sobre instrução militar e os autoresver Arte Militar Quinhentista, separatado Boletim do Arquivo do Exército,Lisboa, 1953.

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Os franceses na História MilitarColonial Brasileira

Carlos Roberto Carvalho Darózª

Resumo: Desde a chegada da esquadra de Pedro Álvares Cabral, as costas do Bra-sil foram visitadas por diversos navios estrangeiros, inclusive franceses. A Françatentou instalar uma colônia no Brasil em diferentes oportunidades, além de reali-zar ações de corso, sendo os franceses, contudo, repelidos pelas forças portugue-sas na maioria das vezes. O presente ensaio revisita as incursões e tentativas deocupação realizadas pelos franceses no território do Brasil Colonial.Palavras-chave: Invasões francesas, defesa do litoral, História Colonial.

INTRODUÇÃO

A presença de franceses noBrasil é registrada desde osprimeiros anos da colonizaçãoportuguesa. Assim que ficouconhecida na Europa a existência,na terra de Santa Cruz, de madeiraútil à indústria de tinturas, naviosfranceses começaram a freqüentarseu litoral, realizando o comércioclandestino com os nativos.Apenas quatro anos após a chegadade Cabral ao Brasil, esteve na Ilhade São Francisco e em outrospontos do litoral o francês

Paulmier de Goneville. Outrasreferências dão conta da presençade armadores procedentes deDieppe, Rouen, Saint Malo e deoutros portos franceses, inclusiveem Pernambuco e na Bahia.1

Após a divisão do mundoentre Portugal e Espanha,estabelecida pelo Tratado deTordesilhas em 1494, França, In-glaterra e Holanda - que tinhamsaído atrasadas na corrida ultrama-rina - passaram a contestar suavalidade jurídica. A crítica do Reida França Francisco I, ao arguir oparadeiro do testamento de Adão

__________a Coronel de Artilharia. Associado titular do Instituto de Geografia e HistóriaMilitar do Brasil.

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que o afastara da partilha domundo, deixou claro que não pre-tendia reconhecer a soberania dePortugal sobre o recém-descobertoterritório. Nesse sentido,incentivou, inicialmente, a práticadas ações de corso para o escambodo pau-brasil e, ainda no séculoXVI, evoluiu para apoiar astentativas de colonização no litoraldo Rio de Janeiro (1555) e na costado Maranhão (1594).

A França, nessa época, viviamomentos de intranqüilidadereligiosa, com enfrentamentosentre católicos e calvinistas.2 Ainstalação de uma colôniaultramarina poderia servir comoválvula de escape para estastensões e possibilitaria a vida semperseguições religiosas.

Esta foi, basicamente, amotivação para a criação da FrançaAntártica.

A FRANÇA ANTÁRTICA(1555-1567)

A instalação da colôniafrancesa no Brasil coube ao Vice-Almirante da Bretanha3 Nicolas

Durand de Villegagnon, cavaleiroda Ordem de Malta e membrodestacado da corte francesa. Noverão de 1554 Villegagnon visitouem segredo a região de Cabo Frio,na costa do Brasil, onde osfranceses realizavam a maior partedo escambo do pau-brasil. Nestesítio, tratou de obter informaçõessobre os portugueses junto aosíndios Tamoios, e escolheu o localpara a instalação doempreendimento colonial - a baíade Guanabara – tendo em vista queesta era evitada pelos portuguesesdevido à hostilidade dos indígenaslocais.

O planejamento inicialconsistia em transformar o novoestabelecimento colonial em umapoderosa base militar e naval, apartir da qual a França poderiainterferir no controle do comérciocom as Índias. Por ocasião dessaexpedição de reconhecimento,Villegagnon estabeleceu boasrelações com ambos os povosnativos - Tamoios e Tupinambás -recolhendo, além das valiosasinformações, uma carga razoável

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de pau-brasil, com a qual lucrou noretorno à França.

Já na França, Villegagnonexpôs seus planos para o ReiHenrique II e conseguiu a provaçãoe o financiamento para aempreitada. O soberanodeterminou ao seu principalministro, Almirante Gaspard deColigny, a preparação de umaexpedição sigilosa ao Brasil, cujocomando foi entregue aVillegagnon.

Com duas naus e umaembarcação menor para transportarmantimentos, somando umcontingente de cerca de seiscentaspessoas, Villegagnon zarpou deDieppe em 14 de agosto de 1555.Sua expedição encerrava doisobjetivos geopolíticos: instalar umnúcleo colonizador para ocomércio com a Metrópole einterferir no comércio marítimocom as Índias. Após ser fustigadapela artilharia espanhola deTenerife, nas ilhas Canárias, apequena esquadra francesaalcançou a costa do Brasil,próximo a Búzios, em 31 deoutubro, e, dez dias depois, chegou

à baía de Guanabara. Inicialmente,Villegagnon desembarcou na IsleRattier4, com a intenção de ergueruma bateria defensiva, o que nãofoi possível em razão da alta damaré. Os franceses, em seguida,ocuparam a ilha de Serigipe5, ondese estabeleceram definitivamente eergueram o Forte Coligny, o qual,quando pronto, dispunha de cincobaterias apontadas para o mar.

A colônia, denominada FrançaAntártica, abrigava colonoscalvinistas e elementos católicosque procuravam evitar as querelasreligiosas que dividiam a França.Villegagnon imprimiu intensoritmo de trabalho para melhorar asfortificações da Ilha de Serigipe eestabeleceu padrões de disciplinarigorosos, que o levariam a serdetestado pelos colonos. Comonão havia mulheres na colônia, osfranceses procuravam as indígenaslocais, relacionamento que foiproibido por Villegagnon. Ainsatisfação gerada pelo regimedisciplinar e pelas inevitáveisdivergências religiosas seintensificou, chegando ao ponto dealguns colonos conspirarem para

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assassinar Villegagnon. Aodescobrir este plano antes de suaexecução, Villegagnon agiu comfirmeza, condenando à mortevários colonos, expulsando oscalvinistas para as margens da baía.

Em 26 de fevereiro de 1557chegaram da França três navios,sob o comando do sobrinho deVilegagnon, Bois-le-Compte,transportando um contingente decerca de 300 pessoas, inclusive

Mapa francês da baía de Guanabara, c. 1555. Rico em detalhes, mostra a conformaçãotopográfica original do Pão de Açúcar (Pot de Beurre), afastado da praia. Com os

morros da Urca e Cara-de-Cão, ele formava a Ilha da Trindade, que hoje está integradaao continente em conseqüência de assoreamento e de um aterro no final do séculoXVII. Outra curiosidade é a indicação de pontos de interesse, ora em francês, ora em

língua indígena.

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dois teólogos calvinistas. O estadodisciplinar da colônia dereriorou-se, o que resultou no retorno dealguns colonos à França e na fugade outros que optaram pela vidajunto aos indígenas. Em 1559,desiludido com a falta de progressoe as disputas internas da colônia,Villegagon retornou à França,prometendo retornarposteriormente à colônia, o que nãocumpriu. Bois-le-Comtepermaneceu no comando dacolônia.

Após a partida deVillegagnon, coube aoGovernador-Geral do Brasil Memde Sá a tarefa de expulsar osfranceses da Guanabara. Partindode Salvador com duas naus e oitonavios menores, Mem de Sá obtevereforços nas capitanias de Ilhéus,Porto Seguro, Espírito Santo e SãoVicente e, na madrugada de 16 demarço de 1560, conseguiuconquistar o Forte Coligny,destruindo-o completamente no diaseguinte. Como não dispunha deefetivo para guarnecer aGuanabara, Mem de Sá retornoupara Salvador, o que permitiu aos

franceses remanescentesprosseguirem com suas atividadeseconômicas no continente, com oauxílio dos nativos.

Com a continuidade das ativi-dades francesas na Guanabara, umanova expedição militar foi organi-zada, sob o comando de Estácio deSá, contando com seis navios deguerra artilhados. Após receberreforços da capitania de São Vi-cente, em primeiro de março de1565, Estácio de Sá fundou a ci-dade de São Sebastião do Rio deJaneiro, que serviria, inicialmente,de base na luta contra os francesese seus aliados indígenas. Mesmoapós a fundação do Rio, os france-ses não deixaram a cidade. Em1567, no dia 18 de janeiro, Mem deSá mandou reforços para enfrentá-los. A batalha final aconteceu em20 de janeiro, dia de São Sebastião,no Outeiro da Glória, com a vitóriados portugueses. No entanto, Está-cio de Sá foi ferido no rosto e mor-reu um mês depois. Com a suamorte, Mem de Sá transferiu a ci-dade da vila no morro Cara de Cão,para o morro do Descanso6.

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A FRANÇA EQUINOCIAL(1594-1615)

Expulsos da Guanabara, osfranceses tentaram se estabelecerna Bahia e em Alagoas semsucesso. O estabelecimento dachamada França Equinocialiniciou-se em Março de 1612,quando uma expedição francesapartiu da Bretanha, sob o comandode Daniel de La Touche, Senhor dela Ravardière. Diferentemente daexpedição de Villegagnon, que forafinanciada, em parte, porarmadores privados da França, atentativa de fixação francesa noMaranhão recebeu recursos daprópria Coroa francesa.

Com aproximadamentequinhentos colonos a bordo de trêsnavios, a expedição dirigiu-se àcosta norte do atual estadobrasileiro do Maranhão. Parafacilitar a defesa, os colonosestabeleceram-se numa ilha, ondefundaram um povoado denominadode Saint Louis7, em homenagem aosoberano Luís XIV da França.

Cientes da presença francesana região, os portugueses

procuraram eliminá-lo antes queaumentasse. O governador Gasparde Souza organizou uma esquadracom oito navios, sob o comando deJerônimo de Albuquerque. Essaexpedição construiu, no litoral doCeará, o Forte de N.S. do Rosário,de onde partiram para dar combateaos franceses no Maranhão. Após achegada de reforços diretamente dePortugal, as forças portuguesas enativas venceram os franceses emnovembro de 1615.

Poucos anos mais tarde, apartir de 1620, iniciou-se o afluxode colonos portugueses, tendo apovoação de São Luiz começado acrescer, com uma economiabaseada principalmente na agro-manufatura açucareira. São Luizseria, anos mais tarde, importanteponto de apoio para a expansãoportuguesa na Amazônia.

A INCURSÃO DE DUCLERC(1710)

A cidade do Rio de Janeironasceu em decorrência da lutacontra os franceses de Villegagnon.

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Com a descoberta do ouro emMinas gerais, no final do séculoXVII, o porto do Rio de Janeiro erabastante movimentado, pois por eleera escoado o metal precioso. Noinício do século XVIII, apopulação da cidade havia crescidoe sua economia se desenvolvido.

Acreditando que no Rio deJaneiro houvesse grandequantidade de ouro, , em agosto de1710 o corsário Jean-FrançoisDuclerc decidiu invadir a cidadecom o objetivo de apresar o ouro.No comando de seis navios e cercade 1.200 homens, Duclerc tentouadentrar a barra da baía deGuanabara, sendo, contudorepelido pelo fogo combinado daFortaleza de Santa Cruz da Barra eda Fortaleza de São João. Apósisso, o corsário rumou para a IlhaGrande e, posteriormente,desembarcou em Pedra deGuaratiba, de onde investiu porterra contra a cidade do Rio deJaneiro. Ao adentrarem no casarioda cidade, os franceses sedispersaram e foram atacados evencidos pela população em armas.Os oficiais da expedição foram

enviados para Salvador e ossoldados aprisionados nasfortalezas da barra, enquantoDuclerc recebeu a cidade do Rio deJaneiro por menagem. Em marçode 1711, contudo, o corsáriofrancês foi assassinado em suaresidência, em condiçõesmisteriosas, por desconhecidos.

A população da cidadefestejou entusiasticamente a vitóriadurante vários dias. Infelizmente,as autoridades coloniaissuperestimaram a capacidade dosistema defensivo da barra,difundindo-se a crençageneralizada de que, após tamanhaderrota, corsário algum voltariatentar forçá-la, o que se mostrouirreal.

A PILHAGEM DE DUGUAY-TROUIN (1711)

Sob o pretexto de indignaçãocom o assassinato de Duclerc, aFrança enviou, sob o comando docorsário René Duguay-Trouin, umaesquadra com dezoito navios,artilhada com 740 peças e 10

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morteiros, com um efetivo de5.764 homens, a qual chegou aoRio de Janeiro em 12 de setembrode 1711. Favorecida por forte ne-voeiro, penetrou na cidade sem servista e ocupou com 500 homens aIlha das Cobras. Em seguida de-sembarcaram 3.800 homens napraia de São Diogo e ocuparam,sem resistência, os morros de SãoDiogo, da Providência, do Livra-mento e da Saúde. Em 20 de se-tembro, às 11 horas da noite, de-pois do bombardeio da cidade pe-las forças de Duguay-Trouin, ogovernador Francisco de CastroMorais abandonou a cidade e fugiupara o interior. A população, to-mada pelo pânico, seguiu o mesmocaminho.

Em 10 de outubro foi assinadauma convenção para o pagamentode grande soma em dinheiro peloresgate da cidade. O sucesso docorsário custou caro à cidade, quenecessitou pagar um valiosoresgate pela sua liberdade8. Em denovembro, após receber a últimaparcela do valor acordado, Du-guay-Trouin evacuou a cidade e astropas francesas partiram do Rio de

Janeiro, deixando para trás umacidade totalmente devastada.

REFLEXÕES FINAIS

As invasões francesas noBrasil representaram os primeirosepisódios de naturezaverdadeiramente militar no Brasil erefletiram a evolução da arte daguerra. É oportuno destacar osobjetivos geopolíticos daexpedição de Villegagnon e deDaniel de La Touche: instalar umnúcleo colonizador para ocomércio com a França e interferirno comércio marítimo com asÍndias. A efetiva instalação deuma colônia francesa no Brasilpermitiria à França projetar seupoder naval sobre as principaisrotas comerciais do século XVI eameaçar a hegemonia da Espanha ede Portugal.

No que diz respeito aos fatoresgeográficos, a França Antártica foiinstalada entre os dois principaiscentros populacionais eeconômicos da colônia – Salvadore São Vicente – ameaçando dividir

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o domínio colonial português emdois territórios descontínuos.Muito mais do que o interesse pelaGuanabara, considerada insalubrepelos portugueses, essa ameaçamotivou a Coroa portuguesa a seapressar em expulsar os invasores emanter a integridade da colônia.

As diversas investidasfrancesas revelaram diferentestipos de liderança militar.Villegagnon exerceu sua liderançade maneira enérgica edisciplinadora, imprimindo umritmo de trabalho intenso edemonstrando pouca flexibilidadediante das necessidades de seushomens. Sua liderança terminoupor custar-lhe a lealdade de muitosde seus comandados e foi um dosmotivos do fracasso da FrançaAntártica. Dois séculos depois,Duclerc falhou no aspecto doconhecimento do inimigo, julgandoerroneamente a existência degrande quantidade de ouro no Riode Janeiro e levando suas tropas àderrota em um terreno que lhe eratotalmente desconhecido. No ladoportuguês, Mem de Sá, Estácio deSá e Jerônimo de Albuquerque

destacaram-se positivamentedurante as operações militarescontra os franceses, embora cadaum deles tivesse experiênciamilitar diferenciada. Por outrolado, ficou clara a falta deliderança e a incompetência dogovernador Francisco de CastroMorais em estabelecer uma defesaeficiente da cidade do Rio de ja-neiro quando ameaçada por Du-guay-Trouin em 1711, não lhe res-tando alternativa senão abandonara cidade e fugir para o interior.

Finalmente, as tentativasfrancesas de conquistar parte doterritório brasileiro fizeram comque a Coroa portuguesa atentassepara a necessidade de intensificar acolonização e organizar um aparatodefensivo adequado no Brasil.Logo após a expulsão dosfranceses de Villegagnon daGuanabara, com a fundação dacidade de São Sebastião do Rio deJaneiro, Portugal iniciou ostrabalhos de construção defortificações na barra daGuanabara. Outros redutos efortalezas surgiram ao longo depraticamente todo o litoral da

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colônia, inclusive no Nordeste,favorecendo a defesa contrapossíveis invasões estrangeiras.

Mergulhada em seus própriosproblemas internos e envolvida emnumerosos conflitos na Europa, aFrança terminou por desistir dainstalação de um núcleo colonialno território brasileiro.

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1 VIANNA, Hélio. História do Brasil.Rio de Janeiro: Melhoramentos, 1972.p. 532 Também denominados hugenotes.3 Tratava-se de um cargo político, nãomilitar.4 Atual Ilha da Laje, situada bem nocentro da barra da baía de Guanabara.5 Atual Ilha de Villegagnon, onde estálocalizada a Escola Naval.6 Posteriormente denominado comoAlto da Sé, Alto de São Sebastião,morro de São Januário e, finalmente,Morro do Castelo, desmontado em1922.7 Atual São Luiz.8 No total os franceses receberamcomo resgate pela cidade 610.000cruzados em moeda, 100 caixas deaçúcar e 200 cabeças de gado bovino.

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Os holandeses e a numismática brasileira

Antônio Tomaz ª

Resumo: Durante o século XVII, a Companhia das Índias Ocidentais holandesarealizou duas tentativas de implantação de uma colônia no Nordeste do Brasil,inicialmente na Bahia e depois em Pernambuco. O período holandês trouxe aoBrasil Colônia uma série de contribuições culturais e materiais, inclusive moedaspróprias. O presente artigo analisa a circulação desse dinheiro de origem holan-desa no Nordeste brasileiro.Palavras-chave: Invasões holandesas, numismática, economia, História Colonial.

As invasões holandesas ocor-ridas no Brasil são suficientementeconhecidas por todos os nacionais,de alguma leitura. “Matéria dedestaque em todas as escolas pri-márias, secundárias e terciárias doBrasil e alhures”, como diria Fra-dique Mendes.

A Holanda, já bastante liberalainda no século XVII, montou aCompanhia das Índias Ocidentais ea Companhia das Índias Orientais,uma espécie de “terceirização co-lonial”. O foco deles eram os ex-tremos: ocidental e oriental! Acompanhia do oriente teve mais

sucesso, ficaram por lá até o finalda Segunda Guerra Mundial. Nãofosse “uma pressãozinha”, teriamficado ainda mais tempo! Tudovirou Indonésia e outros, menosvotados.

A Ocidental, com várias in-cursões pela América, em 1630,aporta em Pernambuco e arredoresfazendo o seu reduto até seremcolocados definitivamente parafora em 1654. Quando da expulsão,os do “alto comando” regressaramà Holanda, os “intermediários”para Nova Iorque, então NovaAmsterdã, e a “raia miúda” ficou

__________a Secretário da Sociedade Numismática Paranaense.

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ali por Curaçao, Aruba, Bonaire eoutras ilhas caribenhas, as quaissão mantidas até hoje como pos-sessões e/ou áreas de influência.Estes, ao partirem daqui, levaramconsigo o idioma português, aju-dando a formar o Papiamento (ouPapiamentu, língua crioula, a prin-cipal falada naquelas regiões; éderivada do português e línguasafricanas, com influências indíge-nas da América mais inglês, neer-landês e espanhol). Dialeto difícilde falar, mas fácil de entender.Bom para os negócios... deles!

A estada desses bávaros noNordeste brasileiro se revestia decaráter eminentemente coloniza-dor. Não eram aventureiros explo-radores, vieram para ficar. A ideiaera montar um pequeno país paraeles, ou uma colônia, como sequeira entender. Tinham vasta es-trutura e construíram muita coisa.Trouxeram especialistas de váriasáreas, deles e também de outrospaíses europeus. Até um astrônomofazia parte do grupo mais acadêmi-co. Era um alemão, de nome Mar-graff. Um possível descendente ouparente, pois ostenta o mesmo so-

brenome, é hoje um dos grandesestudiosos da numária brasileira,com livros publicados e artigosperiódicos em boletins especializa-dos. Trata-se do coronel IldemarMargraff, radicado em Ponta Gros-sa-PR.

Muitas obras e realizações fo-ram deixadas em Pernambuco poraqueles colonizadores dos PaísesBaixos. Tanto assim, que Portugalteve de pagar a conta! Pelo Tratadode Paz de Haia, assinado em 6 deagosto de 1661, nossa pátria-mãese comprometeu a pagar uma inde-nização de 8 milhões de florins,equivalentes a 63 toneladas deouro. Isso em “suaves prestações”,que duraram 40 anos. Como se vê,os créditos e os endividamentosnão são algo tão novo como sesupõe!

Embora “meio que sem que-rer”, motivados por circunstâncias,os holandeses acabaram por seremos primeiros a emitir moedas ecédulas por aqui, com o nome“Brasil” estampado. Antes e mes-mo durante a invasão, por aquicirculavam moedas portuguesas eespanholas. Muito praticado tam-

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bém era o escambo. A primeiracasa de moeda brasileira só viria asurgir em 1694, em Salvador/BA,com as primeiras emissões ocor-rendo em 1695.

No que tange ao papel-moeda,era muito raro no mundo, naquelestempos. F. dos Santos Trigueiroscita, em sua obra “Dinheiro noBrasil” (Editora Reper, Rio deJaneiro, 1966, p.58):

“No século XVII, os holande-ses, instalados militarmente emparte do território brasileiro, es-tavam sujeitos aos ataques dastropas empenhadas em expulsá-los. Confinados na área ocupa-da, sem rápida assistência daMetrópole, sofreram várias cri-ses monetárias. Para solucioná-las, emitiram ‘ORDENS DEPAGAMENTO’ que, circulan-do como moeda, permitiramsaldar os compromissos urgen-tes, sobretudo os da tropa, nemsempre disposta a esperar. Es-sas ordens eram resgatadasquando chegavam as remessasde moeda da Holanda.”

Em 1640, a ameaça de ataquepor parte da Espanha provocou odesaparecimento da “moeda de

giro”, escondidas por seus possui-dores. Assim, foram emitidas as“ORDENANÇAS”, de curso legale forçado dentro dos territóriosocupados. A emissão exageradadesses bilhetes acarretou a alta damoeda metálica e, também, dosgêneros alimentícios, afetando ocusto de vida. Na prática – a infla-ção, que no caso também não éalgo novo. Essas “ORDENAN-ÇAS” foram a primeira manifesta-ção de papel-moeda no Brasil.Pena que delas não se conheçanenhum exemplar, apenas regis-tros. Não constam em catálogosbrasileiros exatamente por falta defotos, ao contrário do que as moe-das metálicas. Dessas, há exempla-res em museus e em coleções parti-culares. São raras e muitas falsifi-cações apareceram, no decorrer doperíodo. São conhecidas como“MOEDAS OBSIDIONAIS” (deemergência, de assédio, de ocupa-ção, de cerco), emitidas em doisperíodos distintos.

Após a Batalha das Tabocas,que os holandeses perderam, asituação ficou periclitante. Tropasem pagamento não é fácil de ad-

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ministrar! Foram salvos por umasituação inusitada: um navio ho-landês, que transportava ouro daÁfrica para a Holanda, aportou noRecife. À revelia das autoridadesda Metrópole, o Alto Cônsul “lan-çou mão” de um caixote de 250quilos do metal precioso. Estavasalva a honra da pátria! Em setem-bro de 1645, pouco mais de 82quilos foram convertidos em moe-das. Em agosto de 1646, poucomais de 81 quilos, também o fo-ram. O restante foi vendido, com oouro à razão de 37 florins a onça.Não puderam ser convertidos emmoedas por falta de cadinho (vasode material resistente, usado parafundir metais).

Tudo era feito de maneiramuito artesanal, até mesmo “meioque no improviso”. Não havia umaestrutura montada especialmentepara fundição e cunhagem de moe-das. O ouro foi laminado, cortado àtesoura em peças quadradas irregu-lares. A gravação, feita a martelo,na forma losangular.

Os seus valores eram: III flo-rins, pesando 1,80 g.; VI florins,com peso de 3,70 g; e XII florins,

de 7,60 g. Todas elas emitidas nosanos de 1645 e 1646. Embora ten-do-se a informação da quantidadedo ouro utilizado e do pesos dasmoedas, faltam registros das quan-tidades expedidas para cada valor.Estima-se que não mais de 32 milpeças tenham sido cunhadas. Essasmoedas estampavam, no anverso: ovalor (III, VI e XII) e a sigla G WC (Geoctroyerde WestindischeCompagnie - Cia Privilegiada dasÍndias Ocidentais), em letras entre-laçadas. No reverso: ANNO –BRASIL – 1645 ou 1646.

Essas moedas são extrema-mente raras, face uma série de ra-zões: o tempo decorrido, a baixaquantidade de cunhagem e o fatode que quase a sua totalidade foralevada para a Holanda quando doretorno e lá refundida para outrosfins. As que haviam ficado nasmãos de brasileiros, em sua grandemaioria foram derretidas, pois eracrime possuir moedas dos invaso-res. Pouquíssimas foram as que sesalvaram.

Em 1654, justamente no anoda expulsão definitiva, as coisasficaram ainda mais difíceis para os

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da Casa de Orange. Obrigaram-se afazer uma segunda emissão. Dessavez, em prata, a moeda de XII sol-dos, que era uni face. Constavanela apenas o valor, a sigla dacompanhia e o ano, 1654. O nomeBrasil não foi gravado. Essa pratafora obtida graças à doação de umabaixela, oferecida pelo generalWalter van Shoenenborch e o AltoConselheiro Hendrick Haecx. Es-sas moedas em prata são aindamais raras do que as de ouro. Emi-tidas “bem na hora de irem emborae de uma baixela”, não se poderiaesperar muita coisa, quanto à apre-sentação! Especula-se, e algunscatálogos mencionam, a emissãotambém dos valores de X, XX,XXX e XXXX soldos, igualmenteem 1654. Eram valores decimais,as outras eram todas duodecimais.Essas possíveis emissões são muitocontroversas.

Alguns numismatas e estudio-sos de renome consideram-nascomo falsificações, feitas a poste-riori. Dentre eles, Kurt Prober, umdos maiores expoentes da numáriabrasileira, autor de várias obras.Cita, em seus trabalhos, que “As

cunhadas regularmente foram bas-tante falsificadas”. Como se issonão bastasse, os falsários foramalém. Criaram emissões inexisten-tes, como de 1647, e valores nuncautilizados (X, XX, XXX e XXXX),os quais aquele autor chama depseudo-subers (soldos). Comun-gamos inteiramente com ele. Porquê, em um mesmo ano, dois sis-temas? Um decimal e outro duode-cimal? E, fazendo cálculos sumá-rios, “não era muita moeda parapouca baixela”? Além do mais, oscunhos são diferentes.

Os holandeses fizeram a partedeles. Inovando, improvisando eadministrando. Alguns, depois, malintencionados, fizeram outra, ten-tando levar vantagem!

Ainda sobre o tema, falsifica-ções, em 1967 surge a famosa his-tória da “Botija do Recife”. Naverdade a “famosa botija” teriasido encontrada em Rio Formoso,por ocasião da construção de umaobra rodoviária. Nela aparecem asfiguras do motorista, do tratorista,tudo com nome descrito, detalhesda descoberta, forma da partilha,etc. O fato é que, em 1973, essas

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moedas do precioso achado esta-vam sendo vendidas no Rio deJaneiro. Em sendo um pouco dife-rentes das já conhecidas, a explica-ção era de que os holandeses havi-am feito uma “segunda cunhagem”e as enterrado antes de irem embo-ra! Esse “tal achado” levou mais de300 anos para acontecer! Segundoalguns, a quantidade “encontrada”nem caberia na tal botija. O fato éque muita gente entrou nessa histó-ria e nessa conversa...

Prober diz claramente: “Dasobsidionais, há falsificações, dasfalsificações, das falsificações”. Ouseja, cópias das cópias, das có-pias...

Essa tal “botija” deu o que fa-lar e ainda está dando. Até “docu-mentos do enterramento” já encon-traram. Curioso, mas bem real,para que algo se torne importante ecomercialmente atrativo nesse ra-mo, é imprescindível que em voltadele haja uma história. Sem ela, “acoisa não flui!”

Além dessa, a mais famosa,lembramo-nos de outras. Em Curi-tiba, em uma obra urbana no AltoSão Francisco, foi encontrado um

potinho. Algo aí em torno de umas30 moedas. Dessas, do achado,foram vendidas mais de 300! NoRio, foram “achadas” moedas dedatas raras e em estado flor de cu-nho. Estavam guardadas em umcofre que não era aberto desde1835 (?). No Ceará, foi “encontra-da” uma bolsa de couro com mui-tas moedas de boa qualidade. Ti-nham até o vestígio da terra nelaimpregnadas. Tal achado só acon-teceu em virtude de uma caçada detatu! Buraco para o tatu, cheio demoedas.

Em Alagoas, recentemente,em uma obra, foram achados váriospatacões. Um numismata e comer-ciante bem conhecido foi chamadoa avaliá-las. Muito “vivo”, conhe-cedor das histórias e de como ascoisas se desenrolam nesse ramo,levou parte de seu acervo de peçasidênticas. As encontradas chega-ram a ser vendidas a R$ 500,00. Assuas, ele as vendia a R$ 70,00,preço de mercado e que praticavaem sua loja. A expedição, contudo,acabou rendendo-lhe altos negó-cios!

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É assim, convenhamos, que ascoisas são. Com uma boa história ea mídia “dando força”, tudo fluipositivamente no universo de com-pra e venda de antiguidades, moe-das inclusas! Existe muita genteque nem é do ramo, não conhecenada do assunto mas, mesmo as-sim, se aventura em participar dele.Como sempre escrevia Prober, emsuas obras “Enganar neófitos ebisonhos não é tarefa difícil”.

Finalizando, temos a acrescen-tar que os holandeses não têm nadaa ver com isso! Eles só fizeram aparte deles, o que lhes cabia nasituação. Nós é que fizemos o res-tante.

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General Gabino Suzano de Araújo Besouro:a trajetória militar durante aGuerra da Tríplice Aliança

José Carlos Meireles da Silvaª

Resumo: A guerra da Tríplice Aliança, ocorrida na segunda metade do século XIX,foi o maior conflito já verificado na América do Sul. O Império brasileiro, ante oataque paraguaio, viu-se diante da necessidade de organizar suas forças militarespara conter a ameaça. Nesse sentido, foram organizados os Corpos de Voluntá-rios da Pátria, reunindo homens de todas as províncias do Império. O presenteestudo analisa a trajetória de Gabino Besouro, voluntário de Alagoas que comba-teu na guerra e que, já no período republicano, ascendeu ao generalato do Exérci-to Brasileiro.Palavras-chave: Guerra da Tríplice Aliança, Biografia, Voluntários da Pátria.

INTRODUÇÃO

O objeto deste estudo é apre-sentar a trajetória de Gabino Suza-no de Araújo Besouro, militar queingressou voluntariamente na car-reira das armas no 2º Corpo Polici-al de Alagoas (CPA), e, mais tarde,passou a integrar o efetivo do E-xército Imperial. Destaca-se, dessaforma, a atuação do militar no epi-sódio que ficou conhecido como

Guerra da Tríplice Aliança (GTA).O conflito foi o mais longo e vio-lento já registrado na América doSul e contou com a participação daArgentina, do Brasil, do Paraguai edo Uruguai.

Vale lembrar que a guerra foimotivada quando as tropas do E-xército e da Armada Imperial doBrasil, e grupos militares do Uru-guai, em 1864, iniciaram uma in-tervenção armada contra o governodo presidente Atanásio Cruz Aguir-

__________a Subtenente de Intendência. Pesquisador do Centro de Estudos e Pesquisa emHistória Militar do Exército.

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re. Os uruguaios viviam uma guer-ra civil, de um lado, os membrosdo Partido Blanco, formado espe-cialmente por grandes latifundiá-rios do interior, e do outro, os inte-grantes do Partido Colorado for-mado por grandes comerciantes deMontevidéu.

Em virtude desse evento e, a-inda, dos tumultos que vinhamacontecendo na região fronteiriçaentre brasileiros e uruguaios aca-bou motivando o Brasil adotarmedidas firmes contra o país limí-trofe. Os fazendeiros de gados,gaúchos, reclamavam dos roubosde animais na região, e apontavammembros do país vizinho como ospossíveis responsáveis pelas ações.Em contrapartida, os uruguaiosqueixavam-se dos trabalhos força-dos a que eram submetidos, emregime de escravidão, métodosmuito utilizados pelos estancieirossul-riograndenses.

Diante das circunstâncias, ogoverno brasileiro tratou de criaruma missão diplomática, que foienviada ao Uruguai para resolver oimpasse. Mesmo assim, Aguirre,não deu importância à comissão

brasileira, ficando evidente o totaldescaso com a diplomacia nacio-nal. Em consequência, o Brasilenviou tropas terrestres e uma for-ça naval comandada, respectiva-mente, pelo General João PropícioMena Barreto e pelo AlmiranteJoaquim Marques Lisboa, o barãode Tamandaré, para resolver oempecilho.

A tropa comandada pelo Ge-neral Mena Barreto chegou a Pay-sandú, em 29 de dezembro de1864, com duas Brigadas de Infan-taria e um Regimento de Artilharia,este último sob o comando do te-nente-coronel Emílio Luís Mallet.1

Após dominar a cidade, as tropasseguiram para conquistar a cidadede Montevidéu, onde foi assinadono dia 20 de fevereiro de 1865, oConvênio sobre a Campanha doUruguai. A guerra contra Aguirreteve a participação brasileira emassuntos ligados à política internado Uruguai, o conflito entre os doispaíses ficou conhecido como“Guerra contra Aguirre, ou Guerrado Uruguai”.

O presidente do Paraguai,Francisco Solano López, havia

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aconselhado o governo brasileiroque qualquer tipo de intervençãona política do governo do uruguaiopoderia acarretar em severas alte-rações na região do rio da Prata.Segundo Júlio José Chiavenatto aocupação do Uruguai pelas tropasdo Brasil ofendia o tratado de 1850- não havia outra saída para SolanoLópez, desde que toda uma conjun-tura estava armada contra o Para-guai, que deveria fazer cumprir oacordo de defesa mútua com osorientais2.

Em 14 de novembro de 1864,Solano López rompeu as relaçõesdiplomáticas com o Império doBrasil3. No mesmo dia, o navioMarquês de Olinda foi aprisionadopor tropas guaranis quando subia orio Paraguai. Vale ressaltar que abordo da embarcação estava o no-vo governador da Província doMato Grosso, o coronel FredericoCarneiro de Campos, que acabousendo vitimado pelo contingente doditador paraguaio.

Em dezembro de 1864, SolanoLópez aproveitou-se da fraca defe-sa brasileira ordenando que suastropas atacassem o Mato Grosso e

ocupassem Corumbá. SegundoMércio Pereira Gomes, a região eracaracterizada essencialmente pelapresença indígena e cujo extermí-nio não havia se consolidado, comoocorreu, por exemplo, na Provínciado Ceará4. As etnias existentes naregião não ofereceram quaisquerresistências ao inimigo. Inclusive,muitos grupos indígenas buscaramabrigos em lugares afastados, o quesignificava abandonar suas terrascorrendo o risco de perdê-las5.Essas medidas facilitaram a ocupa-ção pelas tropas do tirano na regiãodo conflito.

Em abril do ano seguinte, astropas do ditador invadiram e to-maram Corrientes, província daArgentina, uma vez que, o seupróximo alvo seria o Rio Grandedo Sul. Francisco Doratioto afirmaque já existia a “necessidade de oParaguai ter acesso ao OceanoAtlântico para ampliar seu comér-cio exterior, o que teve como con-sequência levar o governo para-guaio a interessar-se pelas lutaspolíticas platinas”6.

Portanto, em 1º de maio de1865, reuniram-se em Buenos Ai-

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res, o presidente da Argentina,Bartolomeu Mitre, do Uruguai,Venâncio Flores e representando oImpério brasileiro, o senhor Fran-cisco Otaviano de Almeida Rosa,com a intenção de firmarem o a-cordo conhecido como “o Tratadoda Tríplice Aliança”. Para MarceloSantos Rodrigues o tratado tinhapor desígnio:

firmar o compromisso entre ospaíses aliados de fazer umaguerra contra o governo de So-lano Lopez, sem prejuízo dapopulação paraguaia. Firma-ram, no compromisso, que ne-nhum dos aliados deporia asarmas, antes da queda do dita-dor, e tampouco poderia adotarposições em separado7.

A Guerra do Paraguai foi omomento ímpar da história do Bra-sil, em que a mobilização de ho-mens se fez necessária como formade auxiliar o Exército Imperial. OEstado Brasileiro requisitou a par-ticipação de habitantes para ajudarna luta contra o inimigo hostil.Segundo Augusto Tasso Fragoso,“o Império mobilizou cerca de139.000 homens de uma população

geral de nove milhões de habitan-tes. Isso quer dizer que cerca de1,5% da população brasileira teriaparticipado diretamente do conflitono teatro de operações”8.

A MOBILIZAÇÃO: GABINOBESOURO NA GTA

Após o Brasil declarar guerraao Paraguai, verificou-se a neces-sidade de ampliar o Exército Impe-rial para atender a extraordináriasituação em que vivia o país. Paraisso, foi instituído o Decreto nº3.371, de 07 de janeiro de 1865,que designava a formação dosCorpos de Voluntários de Pátria(CVP) para as condições de inte-gridade do Império brasileiro. Nes-te sentido, os CVP deveriam supriras necessidades da guerra, confor-me retratado no Art. 1º

são criados extraordinariamenteCorpos para o serviço de guer-ra, compostos de todos os cida-dãos maiores de dezoito e me-nores de cinquenta anos, quevoluntariamente se quiserem a-listar [...]9.

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O decreto criava alguns bene-fícios para os CVP como forma deestimular os cidadãos recrutados,mas não poderia ser membros daGuarda Nacional (GN). Ressalta-se, que o procedimento adotadopara os GN estava previsto no De-creto nº 3.383 de 21 de janeiro de1865, em que deveriam cumprir adeterminação prevista na lei, e aofinal de um ano, seriam dispensa-dos sem quaisquer indenizações.

Em contrapartida, os CVP re-ceberiam um valor compensatório,equivalente ao soldo auferido aos“Voluntários de Exército, mais 300reis diários e uma gratificação de300$000 quando dessem baixas, eum prazo de terras de 22.500 bra-ças quadradas nas colônias milita-res ou agrícolas”10. Além disso, osvoluntários teriam todos os privilé-gios e direitos das praças do Exér-cito, podendo inclusive, ser pro-movidos ao posto de oficial.

É bom salientar que desde ainterferência do Brasil na políticado Uruguai, em 1864, já existiacerto entusiasmo da populaçãobrasileira pela carreira das armas.O sentimento de patriotismo cres-

ceu ainda mais, quando começou aguerra contra o Paraguai e com acriação dos CVP. Para Doratioto oalistamento se dava da seguintemaneira:

Homens se alistavam comoVoluntários da Pátria semreivindicar seus prêmios emdinheiro e funcionários pú-blicos abriram mão de seusvencimentos para custear aformação desse corpo militare eram comuns as doaçõesfinanceiras de particularesou de movimentos patrióti-cos11.

Ricardo Salles, no seu livroGuerra do Paraguai: Escravidão eCidadania na Formação do Exér-cito, adverte, que, com a publica-ção do decreto de convocação dosVoluntários da Pátria, aumentou,especialmente, a procura nos meiosestudantis e em setores da popula-ção urbana12. Essa procura impres-sionou muito as autoridades, já quea população era extremamenteresistente a qualquer forma de re-crutamento militar. Para Vitor I-zecksohn, a primeira onda de re-

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crutamento aconteceu entre 1864 e1865 que conseguiu reunir umcontingente suficiente para [...]expulsar o Exército paraguaio doRio Grande do Sul13.

De qualquer forma, o governoImperial por meio de relatório doMinistro dos Negócios da Guerraafirmava que havia a necessidadede aumentar o efetivo de voluntá-rios. Assim sendo, o Desembarga-dor João Batista Gonçalves deCampos, governador da Provínciadas Alagoas, atendendo a reivindi-cação constante no documentoescreveu o seguinte:

Ordenei às autoridades policiaisque ativassem o recrutamento eprincipiou a aparecer algum re-sultado.Ordenei aos Comandantes Su-periores da Guarda Nacionalque por si e por seus subalter-nos procedessem ao recruta-mento na mesma Guarda Na-cional, de modo a produzir, pe-lo menos, quatro recrutas porcompanhia. Espero que apare-çam efetivo recrutas nesta ra-zão14.

Partindo desse princípio, Ga-bino Besouro, nascido em 1851, na

cidade de Penedo, Alagoas, aos 14anos, tomou parte ativamente daGuerra do Paraguai. Mesmo con-trariando o que previa o Decreto deMobilização dos Voluntários daPátria: o alistamento deveria ser atodos os cidadãos com idade entremaiores de dezoito e menores decinquenta anos. Em 25 de agostode 1866, o jovem Gabino incorpo-rou como praça na graduação desegundo sargento, em que foi de-signado para compor o 2º CPA15.Em outubro do mesmo ano, o jo-vem militar foi promovido à gra-duação de primeiro sargento porseu desempenho profissional.

O 2º CPA, assim como o 20ºCorpo de Voluntários da Pátria(20º CVP), foram “organizados emMaceió, Capital da Província dasAlagoas, tendo por núcleo o CorpoPolicial da Província, sendo refor-çado pelo voluntariado e elementosda Guarda Nacional”16. A forma-ção desses Corpos, só foi possívelquando o Governador da Provínciadas Alagoas ficou sabendo da notí-cia que ditador do Paraguai haviadeclarado guerra ao Brasil.

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Em virtude disso, por meio doofício nº 157, de 20 de novembrode 1867, o Palácio da Presidênciada Província das Alagoas resolveudirecionar ao Ministro da Guerra,Henrique Beaurepaire Rohan, oefetivo do 2º CPA:

Ilustríssimo e excelentíssimoSenhorTenho a honra de levar ao co-nhecimento de V. Exa., quepromovi em comissão para o 2ºCorpo Provisório que se estáorganizando, os seguintes ofici-ais e instrutores: tenente-coronel Manoel Joaquim PintoPacca; major, o capitão Fran-cisco Honorato de CerqueiraBarbosa; capitão, tenente Vi-cente Marinho de Viveiros; te-nente, o Alferes Miguel Frago-so de Bulhões Tamarindo; alfe-res, os sargentos Verano da Ro-cha Wanderley, Francisco JoséGonçalves Júnior, José Joaquimdo Patrocínio, EpaminondasBelmiro dos Santos, Manoel daCosta Pinto e João Henrique deCarvalho, todos estes da Guar-da Nacional, à exceção do sar-gento Patrocínio que pertenceao Exército; portanto, peço a V.

Exa que se digne aprovar estemeu ato, porque todos se apre-sentaram voluntariamente, afim de seguirem para o teatroda guerra17.

Ressalta-se que o 20º CVP foiincorporado ao 52º CVP em 1867,esse último, estava acampado emCuruzu, que foi designado “parareforçar o 2º Corpo de Exército,quase às vésperas do combate deCurupaiti, como elemento da Bri-gada Auxiliar, enviada de Tuiu-ti”18. No mesmo período, a Provín-cia das Alagoas enviou o efetivo do2º CPA para reforçar o 52º CVP.Tal medida só foi possível, umavez que esse contingente já vinhatreinando desde o início da Guerra.

Em 29 de maio de 1867, o 2ºCorpo de Exército foi transferidopor ordem superior de Curuzu paraPasso da Pátria, “em virtude deuma grande inundação de todo oacampamento de Curuzu, pelotransbordamento dos rios Paraná eParaguai, nos derradeiros dias da-quele mês”.19 Outros fatores quetambém contribuíram para a mu-dança de área foram às baixas so-

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fridas pelas tropas e a epidemia decólera20 nas regiões de Curuzu eCurupaiti, que escarmentou o seuefetivo, entre abril e maio 1867.21

Mesmo assim, o Comandantedo 2º Corpo deixou uma guarniçãona região endêmica cuja finalidadeera fazer frente ao inimigo em casode um combate. Para isso, a tropada Antiga Brigada Auxiliar foiescolhida para essa missão, quemais tarde recebeu o reforço do 1ºCorpo, às vésperas do assalto con-tra as fortificações de Curupaiti.22

No entanto, em 30 de maio domesmo ano, quando o grosso do 2ªCorpo estava saindo do Teatro deOperações (TO), os soldados para-guaios trataram de atacar as tropasbrasileiras, arremessando entornode 1.400 projetis sobre o acampa-mento da Brigada Silva Paranhos,conduzida pelo tenente-coronelAntônio da Silva Paranhos. O ata-que do Paraguai trouxe transtornosàs tropas brasileiras, que acaboucom 31 homens fora de combate.

É bom lembrar que a Brigadacontava com o reforço de cincoUnidades, o 6º Batalhão de Infanta-ria de linha, 41º CVP, 42º CVP,

46º CVP e 52º CVP, esse último,estava o primeiro sargento GabinoBesouro no front de batalha. Em 04de julho de 1867, foi determinadoao contingente comandado porParanhos, que deixasse à região deCuruzu e se recolhesse ao Passo daPátria para juntar-se o 2º Corpo deExército. Outras mudanças foramfeitas ao longo da guerra pelo mar-quês de Caxias, que planejou aredistribuição e o posicionamentodas tropas do 1º Corpo de Exércitoe do 2º Corpo no TO.

Sendo assim, o 1º Corpo queocupava e guardava as áreas deTuiuti e Passo da Pátria, passou aresponsabilidade para 2º Corpo apartir de 22 de julho 1867. Na ver-dade, essas áreas foram transfor-madas em bases de operações dosaliados durante a guerra. Essa mu-dança entre os Corpos provocou areorganização do 2º Corpo do E-xército, que ficou definido assim:O 52º CVP passou a pertencer a10ª Brigada de Infantaria, do coro-nel Antônio da Silva Paranhos,recém promovido, que passou acontar com o 6º Batalhão de Infan-

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taria e os Corpos 41º, 42º, 45º, 46º,52º e 54º.23

Diante das mudanças, o pri-meiro sargento Gabino passou aintegrar ao 54º CVP, em fevereirode 1868, onde tomou “parte nacoluna que atacou o lado esquerdodo inimigo fronteiro em Tuiuti.Além disso, assistiu o ataque dodia vinte e um levado pelo 2º Cor-po e de que resultou a tomada dastrincheiras inimigas”24. Em junhodo mesmo ano, o militar foi exclu-ído do 54º CVP, por ter sido trans-ferido para o 1º Regimento de Arti-lharia à Cavalo, ao qual se apresen-tou no dia 8 e tomou parte no com-bate do Passo Benites, nas proxi-midades da Ilha de Araçá/Paraguai,sendo elogiado por seus superiorespela brilhante atuação durante ocombate.

O marquês de Caxias após terconquistado a região de Humaitá,decidiu transferir a base de opera-ções de Curupaiti “para o recintoda fortaleza, que oferecia melhoresvantagens sob todos os pontos devista, inclusive pelo aproveitamen-to das instalações ali encontra-das”.25 López havia abandonado

Humaitá na esperança de estabele-cer uma linha defensiva junto aorio Tebiquari, já que a região “ofe-recia qualidades topográficas [...]na defesa contra a aproximaçãoaliada que ameaçava vir do Sul,mas decidiu estabelecer aí seuquartel general, sua linha de defesae uma fortificação, conhecida co-mo Augostura”26 . As tropas doditador paraguaio deixaram a forta-leza em 27 de março de 1868, se-guindo em direção ao Chaco, “on-de teve de sustentar renhidos com-bates, particularmente na LagunaVerá, na tentativa de furar o blo-queio que ali estabeleceram portropas brasileiras e argentinas”27.

A nova base de operações fi-cou sob o Comando do MarechalArgolo Ferrão que tinha a missãode reorganizar as tropas, tendo emvista a continuidade da campanha.Segundo Paulo de Queiroz a ideiaera coordenar os movimentos dasUnidades e Grandes Unidades queseguiriam ao encontro do inimi-go28. Portanto, o grosso do ExércitoImperial, era formada pelos 1º e 3ºCorpos, que marchou para o Nortelevando junto suas forças, a Divi-

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são Oriental do General HenriqueCastro. Assim, o Exército Imperialfoi subdividido em divisões deinfantaria conforme citação porDuarte:

A 12ª Brigada de Infantaria, re-unida à 11ª formava a 4ª Divi-são de Infantaria, comandadapelo Brigadeiro Hilário Maxi-miniano Antunes Gurjão, pro-movido a este posto por decretode 18 de janeiro de 1868.Pertencendo à 4ª Divisão, for-mou a 12ª Brigada no 1º Corpodo Exército, do Brigadeiro Ja-cinto Machado Bittencourt, quemarchou ao clarear da jornadada quarta-feira, 19 de agosto,com o grosso do Exército, fa-zendo a vanguarda o 3º Corpodo General Osório.No dia 28, passava a 4ª Divisãoo Arroio Jacaré, acampando nasua margem direita; prosseguiua marcha a 2 de setembro se-guinte; atravessou o rio Tebiqu-ri e acampou em São Fernando;a 8, retornou a marcha e foi a-campar em Ounebi-bi a 24, tu-do de setembro.29

As tropas brasileiras notaramque o Exército paraguaio dispunhade uma forte posição estratégica naregião de Piquiciri, pois as condi-

ções do terreno dificultavam quais-quer movimentações na região. OComando-Chefe, então, decidiudesviar os militares para uma novaposição em relação ao contingentede López. Para isso, foram gastos,aproximadamente 36 jornadas paraprosseguir até a região de Palmas,onde se encontrava o grosso doExército brasileiro acampado. Omarquês de Caxias começou asoperações de reconhecimento naárea, mas observou que existia, àfrente, uma forte posição do inimi-go. Para vencer essas barreirasseria necessário adotar algumasestratégicas:

Se impunha uma manobra des-bordante pela esquerda, atravésde uma marcha pelo Chaco on-de, pela própria disposição enatureza do terreno, era neces-sário levar o grosso das forçasde manobra para a margem di-reita, atravessando o caudal doParaguai, e ali construir uma es-trada, pela qual pudesse a tropapassar além do fortim de An-gostura, já reconhecido pelaEsquadra, e que os paraguaioshaviam construído na margemesquerda, um pouco abaixo dapovoação de Villeta.30

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O Comandante-Chefe mobili-zou um pequeno contingente comintuito de explorar o terreno e re-formular a estratégia, que seriaimprescindível à realização damanobra. A missão ficou a cargodo marechalArgolo Ferrão,que estava emHumaitá, maspor determina-ção superiorfoi emitidouma ordempara buscá-loimediatamente.Cabe destacar,que, antes dachegada do 2ºCorpo, foirealizado umreconhecimen-to preliminarpela tropa do tenente-coronel An-tônio Tibúrcio Ferreira de Souza,que era “formado dos 4º e 16º Ba-talhões de linha, um esquadrão decavalaria, uma ala do Batalhão deEngenheiros e duas bocas de fogo,com a missão de abrir uma picada

e ganhar tempo na construção daalmejada estrada”.31

Em 13 de outubro de 1868,seguiram mais dois corpos para oChaco no intuito de reforçar o des-tacamento do tenente-coronel Ti-

búrcio. Mas, nodia 15 desem-barcou emPalmas, o Ge-neral ArgoloFerrão “quelogo foi levadopara a margemdireita com3.510 homensque trouxeraconsigo deHumaitá, fi-cando naquelafortaleza igualnúmero decombatentes”32.

A chegada do 2º Corpo foi o quefaltava para reforçar a tarefa, que jávinha sendo desenvolvido peloscontingentes do tenente-coronelTibúrcio.

Em 21 de novembro do mes-mo ano, a unidade de Gabino Be-souro, que estava acampado em

Gabino Besouro, aqui fotografado no postode general.

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O Comandante-Chefe mobili-zou um pequeno contingente comintuito de explorar o terreno e re-formular a estratégia, que seriaimprescindível à realização damanobra. A missão ficou a cargodo marechalArgolo Ferrão,que estava emHumaitá, maspor determina-ção superiorfoi emitidouma ordempara buscá-loimediatamente.Cabe destacar,que, antes dachegada do 2ºCorpo, foirealizado umreconhecimen-to preliminarpela tropa do tenente-coronel An-tônio Tibúrcio Ferreira de Souza,que era “formado dos 4º e 16º Ba-talhões de linha, um esquadrão decavalaria, uma ala do Batalhão deEngenheiros e duas bocas de fogo,com a missão de abrir uma picada

e ganhar tempo na construção daalmejada estrada”.31

Em 13 de outubro de 1868,seguiram mais dois corpos para oChaco no intuito de reforçar o des-tacamento do tenente-coronel Ti-

búrcio. Mas, nodia 15 desem-barcou emPalmas, o Ge-neral ArgoloFerrão “quelogo foi levadopara a margemdireita com3.510 homensque trouxeraconsigo deHumaitá, fi-cando naquelafortaleza igualnúmero decombatentes”32.

A chegada do 2º Corpo foi o quefaltava para reforçar a tarefa, que jávinha sendo desenvolvido peloscontingentes do tenente-coronelTibúrcio.

Em 21 de novembro do mes-mo ano, a unidade de Gabino Be-souro, que estava acampado em

Gabino Besouro, aqui fotografado no postode general.

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Palmas, recebeu à ordem para mar-char em conjunto com a cavalariaem direção ao reduto de Angosturae de Lomas Valentina. SegundoLeandro José Clemente Gonçalves,a região estava com cerca de 22mil soldados do ditador paraguaio,que prontamente adotou o seguinteartifício:

López buscou entricheirar-se aonorte do rio Tebicuary, porém,notando que a posição na mar-gem direita (setentrional), dorio Piquiciri, acima do Tebicu-ary, oferecia qualidades topo-gráficas que proporcionavamuma melhor defesa contra a a-proximação aliada que ameaça-va vir do sul, decidiu estabele-cer aí seu quartel-general, sualinha de defesa e uma fortifica-ção, conhecida como Angosturadeixada ao comando do tenen-te-coronel inglês Thompson.33

Mesmo com a estratégia em-pregada por Solano López, o avan-ço das tropas foi inevitável, umavez que a região já havia sido ma-peada anteriormente. E, para con-solidar a ofensiva do contingentebrasileiro foram construídas: estra-das, pontes, trincheiras, fortifica-

ções, dentre outras colaborações(embarque e desembarque de mate-riais e tropas, organização dos a-campamentos e reconhecimen-tos)34, todos esses fatores facilita-ram o confronto com inimigo. Des-taca-se, que o trabalho da engenha-ria foi decisivo ao organizar o ca-minho para o Chaco, possibilitandouma série de ações das tropas, queficou conhecida como Dezembra-da, no fim de 1868, tendo comoalvos Itororó, Avaí, Lomas Valen-tinas e Angostura. A transposiçãoda ponte é descrita pelo tenente-coronel Carlos de Carvalho daseguinte maneira:

Os meios de que dispúnhamosconstavam apenas de três pon-tões de goma elástica, quatrochalanas, construídas de propó-sito, e duas canoas, que foramcompradas no Mandisobi. A-queles pontões prestaram-semaravilhosamente ao seu fim,e, se tivéssemos pelo menosmais seis, teríamos efetuado apassagem em dois dias, em lu-gar de quatro. Entretanto, a tra-vessia de 14.000 homens, comgrande bagagem, nove bateriase mais duzentas viaturas, sobreum rio, como o Mocoretá, que

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nessa mesma ocasião tinha 50braças 170 de largura e duas deprofundidade, e em tão curtoespaço de tempo é um fato no-vo nesses países [...]35.

Sérgio Morgado afirma que oGeneral Argolo iniciou o movi-mento em direção à ponte do Ar-roio Itororó, através de uma estradacercada de capoeiras e ligeiramenteacidentada [...]. Dispunha de ele-mentos de cavalaria, um esquadrão,e de uma bateria de canhões doRegimento de Artilharia a Cava-lo36. O regimento do primeirosargento tomou posição frente aoinimigo atacando a posição noflanco direito do reduto de Angos-tura. A perseguição ao oponentecontinuou, com novos bombardeiosda unidade de Gabino, onde assal-taram e apoderaram-se de todaartilharia inimiga, mas só foi com-pletamente derrotado em PotreiroPires37. Nesse episódio, o primeirosargento acabou sendo ferido deleve, mas continuou atuando nocombate contra as tropas paraguai-as.

Em 1869, o comandante doregimento, por meio de decreto,elogiou o jovem militar pela belís-sima atuação durante sua participa-ção nos ataques contra o inimigohostil. Ainda no mesmo ano, foidestacado para fazer parte da 1ªBateria que atacou a vanguarda dePiquiciri. O regimento de GabinoBesouro, em junho 1869, saiu emdireção à Villa Rica numa campa-nha, mas para surpresa de todos, sedepararam com o inimigo no desfi-ladeiro de Sapucahy”38, sendo tra-vado um combate de certa duração.

Em 21 de junho, o primeirosargento, foi promovido ao postode segundo tenente, permanecendono 1º Regimento de Artilharia àCavalo, sendo incluído no efetivoda 1ª Bateria. Em 28 de junho de1869, o Governo Imperial, resolveucondecorar por atos de bravura, pormeio do Decreto nº 4.131, de 28 demarço de 1869, o recém-promovido ao posto de tenenteGabino Besouro, com a Medalhade Mérito Militar pela participaçãonos combates dos dias 21, 25 e 27de dezembro de 1868.

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Em janeiro de 1869, foi o pe-ríodo determinante para a GTA,uma vez que, as forças aliadas daTríplice Aliança haviam ocupado àcidade de Assunção. SegundoFrancisco Doratioto, a cidadetransformou-se num verdadeiroacampamento militar quando “ossoldados brasileiros se instalaram eos argentinos acamparam nos arre-dores. Ela tornou-se um centro decomércio, com cerca de duas milcasas de negócios e, ainda, quatromil mulheres, que acompanhavamas tropas”39.

A cidade tornou-se o ponto deapoio para os refugiados vindos dointerior do país. Essas pessoas, namaioria das vezes estavam doentes,ou até com fome, mas não haviainfraestrutura para recebê-los, tor-nando o quadro caótico40. Valelembrar que as funções administra-tivas da cidade eram desempenha-das por componentes ligados aoExército Imperial, mas tinhampoucas habilidades para lidar comesses cidadãos. Assim sendo, pararesolver as necessidades dos civis,foi criado o Tribunal Militar Misto(TMM) de forma que pudesse a-

poiar a população local. O TMMajudou o Paraguai ingressar numanova fase da política, instituindoum governo provisório que denota-va a conclusão da guerra, ainda quea morte do presidente paraguaio,Solano López, tenha ocorrido em1º de março de 187041.

Ao findar a guerra, grandeparte dos Voluntários da Pátriaforam desmobilizados, mas GabinoBesouro, por determinação superi-or, foi mandado se apresentar noBatalhão da Corte. O militar nãosabia, mas uma nova fase em suavida se iniciava, de imediato, foiconcedido licença para matricular-se no Curso da Escola Militar. Aideia dos seus superiores era efeti-vá-lo no Exército Imperial e man-tê-lo no posto que havia conquista-do durante a GTA. Em 1871, nodecorrer do curso, foi promovidoao posto de “segundo tenente decarreira”, por antiguidade a contarde 1870, sendo aprovado no exameprático da arma de Artilharia42.

Anos mais tarde, foi promovi-do ao posto de primeiro tenente em12 de novembro de 1881 e a capi-tão em 15 de dezembro de 1888.

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No entanto, por ser um militar do-tado de grande capacidade intelec-tual, não custou para ser promovi-do sucessivamente aos postos demajor em 7 de abril de 1892, tenen-te-coronel em 8 de agosto de 1895,coronel em 2 de agosto de 1905,general de brigada em 14 de no-vembro de 1910 e a general dedivisão em 8 de abril de 1914.

O General Gabino Besourocomandou a Escola de Estado-Maior, a Inspetoria de Ensino Mili-tar, a 5ª Divisão e 7ª Região Mili-tar, a 3ª Divisão e a 5ª Região Mili-tar. No ano de 1915, foi nomeadocomo o primeiro Comandante doEnsino Militar, função que posteri-ormente daria origem à InspetoriaGeral de Ensino do Exército, oatual Departamento de Educação eCultura do Exército (DECEX).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Enquanto elaborava o artigo,observei a admirável trajetóriamilitar de Gabino Besouro. O jo-vem militar juntamente com seuscompanheiros ingressou no CVP e

pode representar o Brasil com per-sistência no maior conflito armadoda América do Sul. Afinal, a Guer-ra do Paraguai é um evento mar-cante para a historiografia, ondehouve a participação de váriosvoluntários no combante ao ditadorparaguaio. Segundo Ricardo Salles,a tropa de voluntários não tinha omenor preparo e nem condições deatuar nos campos de batalhas.

Apesar do questionamento dohistoriador, mesmo com o poucotempo de preparo, o exército devoluntários conseguiu superar asdificuldades encontradas duranteos combates. Nesse contexto céle-bre, surgia o personagem de 14anos de idade, que participou combravura dos combates mais longín-quos da GTA.

A Fé de Ofício, em suas entre-linhas, revela todas as missões aele confiada no decorrer da Guerrado Paraguai. O resultado incidiu norecebimento das menções elogio-sas, medalha por atos de bravura epromoções, que denotam o reco-nhecimento de seus superiorespelos feitos nos campos de batalha.

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Ressalta-se ainda, que o mili-tar conquistou com muita labuta oseu lugar no efetivo do ExércitoImperial no pós-guerra. Cabendoser lembrando pelos feitos positi-vos ao longo de sua carreira mili-tar. A história do General GabinoBesouro é pouco conhecida noâmbito militar e tampouco pelabibliografia especializada.

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1Centro de Comunicação Social doExército. Tomada de Paissandu. Noti-ciário do Exército, Brasília, 2016, p. 01acesso em: 07 de dezembro de 2017.2CHIAVENATTO, Julio José. GenocídioAmericano: A guerra do Paraguai.1979, p.109.3Ibid., p.109.4GOMES, Mércio Pereira. Os índios e oBrasil. Petrópolis: Editoras Vozes,1988, p. 23.5MARQUES, Adriana Vargas. Um Exér-cito Invisível: a Participação de Indíge-nas na Guerra Contra o Paraguai.Revista Urutágua - revista acadêmicamultidisciplinar - Departamento deCiências Sociais. Universidade Estadu-al de Maringá, 2006, p.3.http://www.urutagua.uem.br/010/10marques.htm acesso: no dia 22 denovembro de 2017.6DORATIOTO, Francisco Monte Oliva .O Brasil no Rio Prata (1822 – 1994).Brasilia: FUNAG, 2014, p.39.7RODRIGUES, Marcelo Santos. Os (in)voluntários da Pátria na Guerra doParaguai: a participação da Bahia noconflito. Salvador, [Dissertação deMestrado], Universidade Federal daBahia, 2001, p. 21.

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8FRAGOSO, Augusto Tasso. História daguerra entre Tríplice Aliança e o Para-guai. Rio de Janeiro: Imprensa doEstado Maior do Exército, 1934, p.220.9BRASIL, Decreto nº 3.371, de 7 deJaneiro de 1865, extraído:http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-3371-7-janeiro-1865-554492-publicacaooriginal-73111-pe.html,acesso em: no dia 19 de outubro de2017.10Art.2 do Decreto nº 3.371, de 7 deJaneiro de 1865, extraído:http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-3371-7-janeiro-1865-554492-publicacaooriginal-73111-pe.html,acesso: no dia 19 de outubro de 2017.11DORATIOTO, Francisco F. Monteoli-va. O conflito com o Paraguai. A gran-de guerra do Brasil. São Paulo: Ática,1996, p. 47.12SALLES, Ricardo. Guerra do Para-guai: Escravidão e Cidadania na For-mação do Exército. São Paulo: Paz eTerra. 1990, p. 96.13IZECKSOHN, Vitor. “Resistência aorecrutamento para o Exército duranteas guerras Civil e do Paraguai. Brasil eEstados Unidos na década de 1860”Revista de Estudos Históricos, nº 27,Rio de Janeiro, 2001, p. 03.

14DUARTE, Paulo de Queiroz. Os Vo-luntários da Pátria na Guerra do Para-guai. Rio de Janeiro: Bibliex, 1989, v.2,t.III, p 10415Fé de Ofício do General GABINOSUZANO DE ARAÚJO BESOURO, extra-ído do Arquivo Histórico do Exército(AHEx), em 11 de outubro de 2017.16DUARTE, Paulo de Queiroz. Os Vo-luntários da Pátria na Guerra do Para-guai. Rio de Janeiro: Bibliex, 1989, v.2,t.III, p 104.17DUARTE, Paulo de Queiroz. Os Vo-luntários da Pátria na Guerra do Para-guai. Rio de Janeiro: Bibliex, 1989, v.3,t.IV, p 102-103.18DUARTE, Paulo de Queiroz. Os Vo-luntários da Pátria na Guerra do Para-guai. Rio de Janeiro: Bibliex, 1989, v.3,t.IV, p 102.19DUARTE, Paulo de Queiroz. Os Vo-luntários da Pátria na Guerra do Para-guai. Rio de Janeiro: Bibliex, 1989, v.3,t.IV, p 103.

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20É uma doença causada por umabactéria que se multiplica rapidamen-te no intestino humano produzindouma potente toxina que provoca diar-reia intensa.http://www.dicionarioinformal.com.br/significado/c%C3%B3lera/2026/acesso em: 11/01/2018.21DUARTE, Paulo de Queiroz. Os Vo-luntários da Pátria na Guerra do Para-guai. Rio de Janeiro: Bibliex, 1989, v.3,t.IV, p 103.22DUARTE, Paulo de Queiroz. Os Vo-luntários da Pátria na Guerra do Para-guai. Rio de Janeiro: Bibliex, 1989, v.3,t.IV, p 103.23DUARTE, Paulo de Queiroz. Os Vo-luntários da Pátria na Guerra do Para-guai. Rio de Janeiro: Bibliex, 1989, v.3,t.IV, p 10524Fé de Ofício do General GABINOSUZANO DE ARAÚJO BESOURO, extra-ído do Arquivo Histórico do Exército(AHEx), em 11 de outubro de 2017.25DUARTE, Paulo de Queiroz. Os Vo-luntários da Pátria na Guerra do Para-guai. Rio de Janeiro: Bibliex, 1989, v.3,t.II, p.183.26GONÇALVES, Leandro José Clemen-te. Tática do Exército Brasileiro naGuerra do Paraguai entre 1866 e1869, 2009, [mestrado em história].

Universidade Estadual Paulista, Fran-ca, 2009, p.41.27DUARTE, Paulo de Queiroz. Os Vo-luntários da Pátria na Guerra do Para-guai. Rio de Janeiro: Bibliex, 1989, v.3,t.II, p.182.28DUARTE, Paulo de Queiroz. Os Vo-luntários da Pátria na Guerra do Para-guai. Rio de Janeiro: Bibliex, 1989, v.3,t.II, p.183.29DUARTE, Paulo de Queiroz. Os Vo-luntários da Pátria na Guerra do Para-guai. Rio de Janeiro: Bibliex, 1989, v.3,t.II, p.183.29DUARTE, Paulo de Queiroz. Os Vo-luntários da Pátria na Guerra do Para-guai. Rio de Janeiro: Bibliex, 1989, v.3,t.III, p.166.30DUARTE, Paulo de Queiroz. Os Vo-luntários da Pátria na Guerra do Para-guai. Rio de Janeiro: Bibliex, 1989, v.3,t.III, p.166.31DUARTE, Paulo de Queiroz. Os Vo-luntários da Pátria na Guerra do Para-guai. Rio de Janeiro: Bibliex, 1989, v.3,t.III, p.167.32DUARTE, Paulo de Queiroz. Os Vo-luntários da Pátria na Guerra do Para-guai. Rio de Janeiro: Bibliex, 1989, v.3,t.III, p.168.33GONÇALVES, Leandro José Clemen-te. Tática do Exército Brasileiro naGuerra do Paraguai entre 1866 e

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1869, 2009, [mestrado em história].Universidade Estadual Paulista, Fran-ca, 2009. p.41.34VAZ, Braz Batista. O final de umaGuerra e suas Questões Logísticas: OConde D’ Eu na Guerra do Paraguai(1869-1870), 2011, [doutorado emhistória]. Universidade Estadual Pau-lista, Franca, 2011. P.82.35tenente-coronel Carlos de Carvalhoapud TAVARES, op. cit., p. 75.36http://www.funceb.org.br/images/revista/21_5v2z.pdf Acesso em:15/12/2017.37Fé de Ofício do General GABINOSUZANO DE ARAÚJO BESOURO, extra-ído do Arquivo Histórico do Exército(AHEx), em 11 de outubro de 2017.38Fé de Ofício do General GABINOSUZANO DE ARAÚJO BESOURO, extra-ído do Arquivo Histórico do Exército(AHEx), em 11 de outubro de 2017.39http://www.academia.edu/28560464/A_ocupa%C3%A7%C3%A3o_pol%C3%ADti-co_militar_brasileira_do_Paraguai_1869_1876_.pdf Acesso em: 11 de de-zembro de 2017.40http://www.academia.edu/28560464/A_ocupa%C3%A7%C3%A3o_pol%C3%ADti-co_militar_brasileira_do_Paraguai_18

69_1876_.pdf Acesso em: 11 de de-zembro de 2017.41RODRIGUES, Marcelo Santos. Guerrado Paraguai: os caminhos da Memóriaentre a Comemoração e o esqueci-mento. [Doutorado em Ciências Hu-manas]. Universidade de São Paulo,São Paulo, 2009, p 31.42Fé de Ofício do General GABINOSUZANO DE ARAÚJO BESOURO, extra-ído do Arquivo Histórico do Exército(AHEx), em 11 de outubro de 2017.

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A primeira fase da Guerra da Tríplice Aliançae o fechamento do Instituto deMenores Artesãos (1861-1865)

Douglas de Araújo Ramos Braga ª

Resumo: A Guerra da Tríplice Aliança impactou de diferentes maneiras na compo-sição da sociedade brasileira. O presente artigo contempla um estudo sobre oInstituto de Menores Artesãos, instituição que terminou por ser fechada comoconsequência do conflito.Palavras-chave: Guerra da Tríplice Aliança, Sociedade.

INTRODUÇÃO

Arrostando Nas últimas déca-das, inúmeros trabalhos vêm sendopublicados em relação à temáticada história das políticas públicaspara a infância no Brasil. Estudio-sos e pesquisadores vêm refletindoacerca da história das práticas deinstitucionalização de crianças noBrasil, desde o período imperial, eperpassando o período republicano.

No Brasil, principalmente nacidade do Rio de Janeiro, o proces-

so de urbanização e crescimentodemográfico se expande a partir dasegunda metade do século XIX. ACorte passa a receber cada vezmais capitais internacionais, utili-zados em grande parte no setor deserviços públicos (com a fundaçãode companhias de gás, transporte eesgoto), e também capitais prove-nientes do setor cafeicultor, tor-nando-se sede de diversos bancos elugar privilegiado para a vinda denegociantes estrangeiros..

Entretanto, se por um lado a

__________a 1º Tenente do Quadro Complementar de Oficiais.

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cidade se modernizava, visando osideais de “progresso” e de “civili-zação”, por outro crescia também,tal qual ocorreu nas grandes cida-des europeias, a população paupe-rizada, que se tornou alvo de con-trole por parte do Estado. Cortiçose casas de cômodos proliferam portodo o Rio de Janeiro, sendo vistoscomo lócus de doenças, pobreza ecriminalidade.

Como ressalta Londoño1, aquestão da criança abandonada,vadia e infratora passou a ser umaquestão de assistência e proteção,garantida pelo Estado através deinstituições e patronatos. A atençãoa esta criança passou a ser propostacomo um serviço especializado,diferenciado, com objetivos especí-ficos, o que significava a participa-ção de saberes como os do higie-nista, que devia cuidar da sua saú-de e higiene; os do educador, quedevia cuidar de disciplinar, instruire tornar o menor apto para se rein-tegrar á sociedade; e os do jurista,que devia conseguir que a lei ga-rantisse essa proteção e essa assis-tência. Assim, da segunda metadedo século XIX à primeira metade

do século XX, “menor” deixa deser uma palavra associada exclusi-vamente à idade, para designarprincipalmente as crianças pobresabandonadas ou que incorriam emdelitos, no contexto em que se tor-nou fundamental a preocupaçãocom a preservação da ordem socialaparentemente ameaçada e o inte-resse em assegurar a modernizaçãobrasileira. O Rio de Janeiro doséculo XIX encontrava-se em am-plo processo de urbanização e decrescimento demográfico, em queos paradigmas de “civilização” e“progresso” norteavam as açõesdas classes dirigentes do Império.2

Como também aponta Duar-te3, diversas mudanças ocorreramna cidade do Rio de Janeiro nasegunda metade do século XIX,com cada vez mais trabalhadoreslivres convivendo com trabalhado-res escravos urbanos. A cidade erao porto mais importante do país, esede de grandes bancos e negocian-tes estrangeiros. Ao mesmo tempo,a presença de capitais provenientesda cafeicultura e do comércio, ummercado consumidor cada vez maisligado pela rede ferroviária e a

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mão-de-obra abundante favorece-ram a implantação das primeirasfábricas. Um sistema de rede deágua encanada e de redes de esgo-tos (administrado por companhiasestrangeiras) começou a ser im-plantado, com grande parte da po-pulação trabalhadora vivendo a-montoada em cortiços e casas decômodos sem condições de higie-ne, e que favoreciam a propagaçãode doenças.

Ao mesmo tempo em que acidade do Rio de Janeiro se urbani-zava e era o centro da vida culturale intelectual do país, buscando amodernização e o progresso, Riz-zini4 destaca que era também “ló-cus da desordem, da doença, dacriminalidade e da imoralidade”. Apopulação pauperizada crescia, ecrianças e jovens estavam semprepresentes no cenário de abandonoda cidade. A pobreza urbana, as-sim, tornou-se alvo de interesse eobjeto de intervenção na tentativade controle, com os pobres sendosistematicamente tipificados comoameaças a serem contidas.

Da mesma forma, a ideia dotrabalho como forma de evitar a

marginalidade passou a predominarneste período. Segundo Teixeira5,em contraposição à rua (local pró-prio à vadiagem), a educação pelotrabalho era vista como uma possi-bilidade de regeneração para ainfância desvalida. A ideia predo-minante em boa parte da sociedadeligava crianças pobres e trabalhocomo forma de evitar a marginali-dade. A ideologia do trabalho, por-tanto, servia como estratégia deregeneração, controle social e or-denação urbana, além do objetivode disciplinarização das classespopulares, a partir da educação desuas crianças. A criação de institui-ções assistenciais para retirar decirculação e reeducar estes jovensatravés do trabalho, coibindo futu-ros ociosos e criminosos, tornou-sefundamental. Através destas insti-tuições, de acordo com a autora, osmenores deveriam aprender a obe-diência, o respeito à hierarquia e apromoção da civilidade, como ga-rantia de preparação de novos tra-balhadores e de manutenção daordem urbana. Buscava-se, portan-to, disciplinar essas crianças para otrabalho e afastá-las da ociosidade,

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recuperando socialmente aquelasque perambulavam pelas ruas. As-sim, “as instituições, ao segregar omenor carente, tirá-lo-ia das ruas,da vadiagem e do contato perigosocom familiares incapacitados.”6

Até então, já existiam institui-ções militares que recebiam estesmenores. Teixeira7 aborda estaquestão, afirmando que na décadade 1830, pensando na instrução decrianças pobres a fim de formar umcontingente profissional para atuarna Marinha e na Guerra, o Impériodeterminou o envio de órfãos paraestes arsenais. Na década seguinte,foram instituídas as Companhias deAprendizes Artífices e as Compa-nhias de Aprendizes Marinheirosao longo do território imperial,iniciando-se assim a formaçãocompulsória de trabalhadores paradiversos ofícios, através do enca-minhamento de crianças e adoles-centes às oficinas dos arsenais mi-litares, do Ministério da Guerra ouda Marinha. O objetivo central eraevitar que crianças desvalidas tor-nassem-se futuros vadios, inúteis eperigosos à sociedade. Na décadade 1850, começaram a ser fundadas

Casas de Educandos Artífices, queensinavam ofícios profissionaispara menores.

O Instituto de Menores Arte-sãos surgiu exatamente como res-posta a uma necessidade do séculoXIX de criação de novas institui-ções para recebimento dos “meno-res”, vistos como potenciais amea-ças para a sociedade, para que estesfossem corrigidos e aprendessemum ofício, tornando-se úteis para asociedade.

Foi neste momento, portanto,que se regulamentou o Instituto deMenores Artesãos, em 13 de Feve-reiro de 1861, funcionando nomesmo espaço institucional daCasa de Correção da Corte (1850)e da Casa de Detenção (1856).Trabalhamos aqui com a hipótesede que o Instituto foi a primeirainstituição não militar diretamenteligada ao Estado a receber estesmenores (e não o Asilo de MeninosDesvalidos, de 1875, comumenteapresentado com a primeira institu-ição). Após a abolição do tráfico,em 1850, a urgência por mão-de-obra qualificada e o grande númerode detentos na Casa de Correção,

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esta se viu obrigada a separar seusdetentos por faixa etária e por sexo,na perspectiva de direcioná-losmelhor na pedagogia do trabalho.O aproveitamento de menores jáera constante na Casa de Correção,inclusive durante a sua construção,ao longo das décadas de 1830 e1840.8

Conforme previsto pelo decre-to N. 2745, que criou e regulamen-tou a instituição, o Instituto tinhacomo finalidade a educação morale religiosa dos menores e era divi-dido em duas seções: a primeiracom 180 vagas, que recebia meno-res enviados pela polícia comovadios ou abandonados, ou envia-dos por pais ou tutores por má ín-dole; e a segunda com 120 vagas,recebendo menores que não pude-ram receber educação convenienteem outro lugar. Dentro de cadaseção, havia ainda duas divisões:uma dos que tivessem 14 anos oumais, e outra dos que tivessemmenos. Para ser admitido, ele deve-ria passar por um exame de sanida-de, para checar se ele estava são,robusto e vacinado. O jovem po-deria ficar na instituição até com-

pletar 18 anos (embora muitoscontinuassem após essa idade),ocupando um dos seguintes ofícios:canteiros, carpinteiros, encaderna-dores, ferreiros, funileiros, marce-neiros, pedreiros, segeiros, serra-lheiros e tanoeiros. Também erautilizada uma classificação, segun-do a qual havia quatro classes demenores: distintos (bom compor-tamento moral, aplicação no traba-lho, sentimentos religiosos); úteis(aplicados e aproveitam o ofício);produtores (aplicados ao ofício); eaprendizes (fora das anteriores).Além disso, eram preenchidas ta-belas com o número de menoresque entraram e saíram ao longo decada ano.

Como meio de correção dosmenores, o Diretor deveria usar da“autoridade paternal”, estandoproibidos os castigos físicos. Omenor que infringisse alguma nor-ma poderia ser rebaixado dentre asclassificações já citadas aqui, porum tempo determinado ou definiti-vamente.

Findo o tempo de permanên-cia do menor na instituição, elepoderia ser empregado, ou o Dire-

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tor o abonaria com enxoval corres-pondente à sua condição, e a fer-ramenta própria do seu ofício. Elespodiam permanecer no Institutopor oito anos, caso admitidos commenos de 13 anos, por sete anos setivessem entrado com 13 anos,epor seis anos caso a admissão fossefeita aos 14 anos.

As dificuldades para a admi-nistração da instituição eram imen-sas, como a análise das fontes vemdemonstrando. Nos relatórios doDiretor da Casa de Correção aoMinistério da Justiça ou ao Chefede Polícia9, fica claro como eradifícil a administração do Instituto,com a ocorrência de assassinatos,insubordinação e fugas constantes,além de indicar uma circulação deinformações entre várias instânciasadministrativas da Corte.

Por outro lado, ao longo desua breve existência, menores fo-ram constantemente enviados paratrabalharem em outras instituiçõesdo Império ou com particulares.Neste sentido, Jorge Prata de Sou-sa10 compreende a experiência doInstituto de Menores Artesãos co-mo um rito de passagem, através

do qual a infância ociosa passava àserventia do trabalho adulto nasinstituições administrativas doImpério. A função do Institutofazia-se cumprir, adestrando amão-de-obra menor e fazendo-aproduzir, para em seguida distribu-í-la aos órgãos imperiais. A institu-ição, portanto, representou umdeterminado projeto de aproveita-mento da mão-de-obra menor, im-primindo uma política para o traba-lho.

Entretanto, apesar dos cons-tantes casos de fugas, roubo e vio-lência dentro do Instituto, muitospais requeriam, principalmenteatravés da Secretaria de Polícia, aadmissão de seus filhos na institui-ção, a fim destes aprenderem umofício. A troca de informaçõesentre a Secretaria e a Casa de Cor-reção fica evidente nestes requeri-mentos, e também muitos menoresforam enviados para trabalhar naforça policial. Como destaca Sou-sa11, nestes pedidos de entrada, ospais apelam sobretudo para o ar-gumento da pobreza, tendo comoobjetivo principal a possibilidadedo filho adquirir um ofício que os

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possibilite sair da situação miserá-vel em que se encontram.

Ao mesmo tempo, percebe-sepela documentação que, de fato,muitos menores foram enviadospara outras instituições como mão-de-obra. A maioria foi destinada ainstituições militares, principal-mente a Marinha. Um indício datroca de informações entre o Dire-tor da Casa de Correção, o Minis-tro da Justiça e a Marinha pode serpercebida neste despacho do dire-tor ao ministro em setembro de1863:

Com ofício do chefe encarrega-do do Quartel General da Mari-nha, foi-me por ordem do Exm.Ministro daquela repartição de-volvido o menor Cazemiro daRocha Vieira, que por aviso deV. Excia. de 13 de agosto findofoi destinado ao Corpo de Im-periais Marinheiros, pelo maucomportamento obtido no Insti-tuto de Menores Artesãos, desteestabelecimento a que pertenci-a. A vista pois do ocorrido, nãopodendo continuar nesta Cazasem destino o mesmo em ques-tão, peço à V. Excia se sirvaordenar o que for justo, livran-do este estabelecimento do con-

tágio de um indivíduo tão in-corrigível.12

Assim, menores que eram vis-tos como portadores de comporta-mento “incorrigível” poderiam serenviados para a Marinha. A partirde agora, analisaremos o processoque levou ao encerramento dasatividades do Instituto.

A GUERRA DA TRÍPLICE A-LIANÇA: A PRIMEIRA FASE(1864-1865)

Enfocaremos, no presente tra-balho, o primeiro ano da Guerra daTríplice Aliança, entre fins de 1864e 1865. O historiador militar VitorIzecksohn13 aponta mudanças naestrutura política da região do Pratae da política externa do Paraguaicomo causas diretas da guerra. Parao Brasil, o principal foco de tensãoera o Uruguai. Com a ascensão dopartido Blanco ao poder, em 1862,as disputas entre brasileiros e uru-guaios se tornaram mais evidentes.O partido adotou política favorávelà nacionalização das fronteiras, o

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que implicava a taxação dos brasi-leiros ali residentes e o controle degado e escravos que circulavamentre os dois países. Líderes gaú-chos pressionavam o governo bra-sileiro a apoiar os colorados, quetambém passaram a contar comapoio argentino. Em agosto de1864, o Brasil interveio no Uru-guai, promovendo o bloqueio navaldo porto de Paissandu. A ação bra-sileira e ao apoio dado pelos brasi-leiros aos colorados teriam irritadoo então ditador paraguaio, SolanoLópez.

A situação na região era tensa.Como afirmam os historiadoresAmado Cervo e Clodoaldo Bueno:

A guerra civil uruguaia, opondoblancos e colorados, é o pontode partida da crise. Os blancosno poder indispõem contra si oImpério, e razão de sua hostili-dade tradicional e da persegui-ção aos súditos brasileiros queacabavam se envolvendo nosconflitos políticos. Indispõemtambém o governo argentino deMitre, com seus acenos a Ur-quiza, o adversário derrotado.Isolam-se, pois, restando-lhesinsuflar o ditador paraguaio, oqual, sem experiência, das rela-

ções internacionais, se deixa ar-rastar por um plano simplório einsensato.14

Segundo os referidos historia-dores, de longa data o Paraguaivinha se fortalecendo militarmente.Contudo, os planos de Solano Ló-pez eram vagos, pensando em seconstituir árbitro das questões pla-tinas, demonstrando sua presençana região. De nada lhe serviram asadvertências feitas insistentementepelo Parlamento brasileiro acercade seu militarismo.15

O historiador Leslie Bethell16

aponta a sequência dos aconteci-mentos. Em 12 de novembro de1864, após a captura pelo Paraguaide um vapor mercante brasileiroque saía de Asunción para Corum-bá, levando o presidente da provín-cia do Mato Grosso a bordo, oBrasil rompeu relações diplomáti-cas com aquele país. Em 13 dedezembro, Solano López tomou agrave decisão de declarar guerra aoBrasil e invadiu o Mato Grosso.Quando a Argentina negou autori-zação do Exército paraguaio paraatravessar Misiones, e para invadir

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o Rio Grande do Sul, Solano Lópeztambém declarou guerra a ela, em18 de março de 1865, e no mêsseguinte invadiu a província deCorrientes.

O sentimento de patriotismoteria se espalhado pela populaçãobrasileira neste momento, com osentimento de que os brasileirosdeveriam defender a honra nacio-nal, como destaca o autor VitorIzecksohn

A intensidade e a frequênciadas manifestações popularesdurante o primeiro semestre de1865 e o espaço reservado àsnotícias de guerra nos jornaisde todo o país demonstram aconsolidação do sentimento depatriotismo. (...) enraizavam-setanto a repulsa pela invasãosem declaração prévia de guerraquanto o senso de pertencimen-to a um recorte territorial cujaconsolidação datava de apenasduas décadas. Sociedades patri-óticas foram espontaneamenteestabelecidas em todas as pro-víncias, com coletas de donati-vos e organização de grupos devoluntários.17

Bethell18 argumenta que, fos-sem quais fossem as ponderações

que nortearam suas ações, a deci-são de Solano López em declararguerra primeiro ao Brasil e depoisà Argentina, e em invadir os doisterritórios, se demonstrou um graveerro de cálculo, que traria conse-quências trágicas para o povo doParaguai. Ele superestimou o pode-rio econômico e militar paraguaio;subestimou o poder militar, empotencial, se não efetivou, do Bra-sil, e sua disposição para lutar; eerrou em pensar que a Argentinapoderia ficar neutra. A imprudên-cia de López resultou exatamentenaquilo que ele mais temia, a uniãode seus dois vizinhos mais podero-sos, a quem se uniu o Uruguai. Em1º de maio de 1865, assim, foi as-sinado por Brasil, Argentina e U-ruguai o Tratado da Tríplice Alian-ça que previa, entre suas cláusulas,a derrubada da ditadura de SolanoLópez e a livre navegação dos riosParaguai e Paraná.

No mesmo mês, o Exércitoparaguaio finalmente atravessouMisiones e invadiu o Rio Grandedo Sul. No dia 14 de setembro, ocomandante paraguaio coronelEstigarribia se rendeu ao presidente

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Mitre (então comandante das for-ças aliadas), ao imperador d. PedroII (em sua única visita à zona deguerra) e ao presidente uruguaioFlores, em Uruguiana. O Exércitoparaguaio então se retirou atraves-sando o rio Paraná e se preparoupara defender a fronteira sul dopaís. Enquanto isso, em 14 de ju-nho, na Batalha do Riachuelo, norio Paraná, a Marinha brasileiratinha praticamente destruído a Ma-rinha paraguaia e criado um blo-queio cerrado do Paraguai, que semanteve até o fim da guerra.19

Izecksohn20, contudo, apontaque a campanha seria penosa edifícil. Havia grandes dificuldadeslogísticas, sérios problemas infra-estrutura, numerosas baixas pordoenças e a necessidade de amplia-ção do contingente por meio denovas políticas de recrutamento,como a criação dos corpos de Vo-luntários da Pátria (em que o impe-rador se alistou como voluntárionúmero um, demonstrando simbo-licamente a unidade de todos osbrasileiros), e uma lei de d. PedroII de 1866, tomando decisão delibertar número mais significativo

de escravos para lutar contra oParaguai.

O autor destaca a centralidadede Caxias neste processo. O entãomarquês assumiu o comando dastropas aliadas com o afastamentode Mitre, em fins de 1866. Parareorganizar o Exército, Caxiaschegou a necessitar de alguns me-ses de paralização, decisão critica-da por seus adversários políticos,mas que no fim se mostrou acerta-da, tendo sido essencial para a pre-paração e o treinamento da tropa,inclusive no que se refere ao uso dearmas de fogo, e para a escavaçãode trincheiras que permitiram aampliação do cerco à Fortaleza deHumaitá, principal baluarte dosparaguaios. Como afirma o histori-ador,

Caxias era nome influente doPartido Conservador, símboloda unidade nacional e condes-tável do Império. (...) Caxias a-liava conhecimentos e experi-ência na organização de exérci-tos com talentos políticos quefacilitavam o entendimentocom os comandantes dos exér-citos aliados. (...) Nessas cir-cunstâncias, a nomeação de

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Caxias correspondia ao desejodo governo imperial em dotar oExército de comando unificado,para guerra cuja complexidadetotal só foi atingida lentamentee com dificuldade.21

Embora não seja foco do pre-sente artigo, Bethell22 descrevebrevemente o processo final daguerra. Em 5 de agosto de 1868, osaliados ocuparam Humaitá, e em27 de dezembro daquele ano, aderrota decisiva dos paraguaios naBatalha de LomasValentinas, sob ocomando o marechal Luís Alves deLima e Silva, o marquês de Caxiasque citamos anteriormente. Emprimeiro de janeiro de 1869, asforças aliadas entraram em Asun-ción. Mas a guerra entrou então emuma terceira fase. Solano Lópezformou um novo Exército a leste eAsunción e iniciou uma campanhade Guerrilha. Caxias, já cansado,decidiu se afastar, e o imperadornomeou seu genro, o Conde d’Eu,comandante-em-chefe. Junto comsua companheira irlandesa ElizaLynch, López foi perseguido pormais alguns meses por tropas brasi-leiras ao norte, até ser finalmente

acuado e morto em Cerro Corá, noextremo nordeste do Paraguai, emprimeiro de março de 1870. Em 27de julho de 1870 foi, então, assina-do um tratado de paz preliminar.

Analisaremos, agora, o impac-to da Guerra para o Instituto deMenores Artesãos.

A GUERRA E O FECHAMEN-TO DO INSTITUTO DE ME-NORES ARTESÃOS

O Instituto acabou fechandoas portas por Aviso de 30 de agostode 186523, com a maioria dos me-nores nele presentes sendo envia-dos para a luta na Guerra da Trípli-ce Aliança.

Segundo Renato Pinto Venân-cio24, o governo imperial não esta-va preparado para um conflito lon-go, imaginando que em vez doscinco anos e quatro meses necessá-rios para derrotar o inimigo, aguerra duraria não mais que seismeses. Ao perceber a gravidade dasituação, o governo imperial foiprocurando medidas para contornaras deficiências de planejamento no

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período anterior à entrada no con-flito. Escravos, libertos e prisionei-ros foram recrutados para o Exérci-to, enquanto a Marinha começou aesvaziar as companhias de aprendi-zes, enviando os meninos para osbatalhões navais. As companhiassó não fecharam as portas porquese montou uma “máquina” de re-crutamento, na qual a polícia de-sempenhou um papel de fundamen-tal importância.

E, paralelamente à ação poli-cial, o recrutamento também con-tou com outra importante fonte debraços: as oficinas de aprendizesartífices. Por este motivo, o Institu-to de Menores Artesãos foi extintoem 1865, e grande parte dos meno-res ali residentes foram enviadospara o Batalhão de AprendizesMarinheiros.

O Aviso também justificou ofechamento afirmando que a insti-tuição não produzia resultadoscondizentes com as suas altas des-pesas, e mandando o diretor daCasa de Correção demitir todos osfuncionários do Instituto. O deses-pero se instalou entre os pais quetinham seus filhos matriculados no

local, por medo de que os mesmosfossem mandados para a guerra.Porém, muitos pedidos de paisforam respondidos com negativas,tendo em vista que os menores jáestavam nas forças armadas. Osdespachos entre o Diretor da Casade Correção e o Ministro da Justiçacontinuavam e, em comunicado desetembro de 1865, o referido dire-tor afirma que, dos 277 menorespresentes no Instituto, 186 foramenviados às forças armadas imperi-ais.

Como consta no texto do Avi-so, o Diretor da Casa de CorreçãoJosé Nabuco de Araújo se dirige aoImperador, afirmando que

1° Vm despedirá todos os em-pregados do mesmo Instituto:2° entregará ao Ministro da Ma-rinha os 172 menores que com-põem a 1ª Secção do Instituto,para ali remetidos pelo Chefede Polícia a fim de que pelomesmo Ministério sejão aplica-dos nas officinas do Arsenal deMarinha, ou como for conveni-ente; 3° quanto aos 105 meni-nos que compõem a 2 ª Secçãodo Instituto, para ali remetidosa pedido dos pais ou tutores,Vm majestade publicará editaes

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por 15 dias, para que seus paisou tutores os vão receber sendoque, findo este prazo, serão el-les entregues ao Ministério daGuerra ou Marinha para seremaplicados convenientemente.25

Contudo, não localizamos nadocumentação a identificação des-tes menores, ou o destino que elesforam enviados em relação à guer-ra, aspecto que pode ser objeto deestudo em pesquisas futuras,

CONCLUSÃO

Podemos perceber que o pro-blema da infância abandonada,desvalida e criminosa cresceu naEuropa e no Brasil do século XIX.Não somente se consolidou a ideiada infância como uma fase especí-fica da vida, como as diversastransformações urbanas trouxeramum novo personagem social à tona,a criança pobre que vagava pelasruas, para a qual se constituiu umacategoria específica de “menor”.Ao longo do século, e mais especi-ficamente no Rio de Janeiro, o“menor” se constituiu como um

problema a ser enfrentado peloEstado, em um processo de cons-trução da nação e de combate àvadiagem e à ociosidade.

Embora desde a década de1830, instituições já recebessemmenores para introduzi-los na pe-dagogia do trabalho, principalmen-te a Companhia de AprendizesMarinheiros, o Instituto nos pareceter sido a primeira de caráter nãomilitar fundada no Rio de Janeiroque atuava junto a crianças pobrese abandonadas. E, mesmo tendofuncionado somente por um curtoperíodo de tempo, entre 1861 e1865, a sua constituição já indicacomo o Estado vinha procurandoformas de lidar com a questão damenoridade.

Analisamos também, o mo-mento inicial da Guerra da TrípliceAliança, com as ofensivas para-guaias e seus desdobramentos noano inicial dos conflitos. Vale res-saltar a centralidade que o entãomarquês de Caxias teria a partir de1866, sendo suas ações como lídermilitar e político fundamentais paraa vitória dos aliados.

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O Instituto de Menores Arte-sãos foi fechado em 1865, comparte dos menores ali residentessendo enviados para as forças ar-madas do Império. Contudo, nãolocalizamos a identificação ou odestino destes meninos durante oconflito, o que pode ser objeto depesquisas futuras.

BIBLIOGRAFIA

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COSTA, Emília Viottida. Da Mo-narquia à República: momentosdecisivos. São Paulo: Editora U-nesp, 1998.

DUARTE, Leila. Pão e Liberdade:uma história de padeiros escravos elivres na virada do século XIX. Riode Janeiro: APERJ/Mauad, 2002.

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SALLES, Ricardo. O Brasil Impe-rial. Volume II: 1831-1870. Rio deJaneiro: Civilização Brasileira,2009.

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TEIXEIRA, Heloísa Maria. A cri-ança no processo de transição dosistema de trabalho – Brasil, se-gunda metade do século XIX. ISeminário de História do Institutode Ciências Humanas e Sociais:Caminhos da historiografia con-temporânea, Mariana, 2006.

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VENÂNCIO, Renato Pinto. OsAprendizes da Guerra. In: DELPRIORE, Mary (org.). História dasCrianças no Brasil. São Paulo:Contexto, 1999.

FONTES PRIMÁRIAS

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Arquivo Nacional. Série Justiça,Fundo Casa de Correção. Ofícioscom anexos. Notação IJ7-15.

Arquivo Nacional. Série Justiça.Fundo Casa de Correção. NotaçãoIIIJ7-164.

Arquivo Nacional. Série Justiça.Fundo Casa de Correção. NotaçãoIIIJ7-165.

Arquivo Público do Estado do Riode Janeiro. Fundo Casa de Deten-ção. Notações 02 e 03.

BRASIL. Ministério da Justiça.Decreto n.2475 de 13 de fevereirode 1861. Rio de Janeiro, 1861.

BRASIL. Ministério da Justiça.Código Criminal de 1830.

Relatórios Ministeriais (1821-1960). Ministério da Justiça. In:http://www.crl.edu/brazil/ministerial/justica

1 LONDOÑO, Fernando Torres. A Ori-gem do Conceito Menor. In: DELPRIORE, Mary (org.). História da Crian-ça no Brasil. São Paulo: Contexto,1991.2 SCHUELER, Alessandra F. Martinezde. Crianças e escolas na passagem doImpério para a República. São Paulo:Revista Brasileira de História, vol.19,n.37, Set.1999.3 DUARTE, Leila. Pão e Liberdade: umahistória de padeiros escravos e livresna virada do século XIX. Rio de Janei-ro: APERJ/Mauad, 2002, p.38.4 RIZZINI, Irene. O Século Perdido:Raízes Históricas das Políticas Públicaspara a Infância no Brasil. São Paulo:Cortez Editora, 2007, p.33.5 TEIXEIRA, Heloísa Maria. A criança noprocesso de transição do sistema detrabalho – Brasil, segunda metade doséculo XIX. I Seminário de História doInstituto de Ciências Humanas e Soci-ais: Caminhos da historiografia con-temporânea, Mariana, 2006, p.20.6 Ibid, p.21.7 Ibid., p.2.8 SOUSA, Jorge Prata de. A Mão-de-obra de menores: escravos, libertos elivres nas instituições do Império. In:SOUSA, Jorge Prata de. Escravidão:ofícios e liberdade. Rio de Janeiro:APERJ, 1999.

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9Arquivo Nacional. Série Justiça, Fun-do Casa de Correção.10 SOUSA, op.cit., p.59.11 Ibid, p.63.12Arquivo Nacional. Série Justiça, Fun-do Casa de Correção. Ofícios comanexos. Notação IJ7-14.13 IZECKSOHN, Vitor. A Guerra doParaguai. In: GRINBERG, Keila; SALLES,Ricardo. O Brasil Imperial. Volume II:1831-1870. Rio de Janeiro: CivilizaçãoBrasileira, 2009, p.391-394.14 CERVO, Amado Luiz; BUENO, Clodo-aldo. A Política Externa Brasileira:1822-1985. São Paulo: Ática, 1986.15 Ibid., p.33.16 BETHELL, Leslie. O Brasil no Mundo.In: CARVALHO, José Murilo de. AConstrução Nacional: 1830-1889. Riode Janeiro: Objetiva, 2012, p.161.17 IZECKSON, op.cit.,p.397.18 BETHELL, op.cit. p. 163.19 Ibid., p.164.20 IZECKSON, op.cit.,p.399.21 Ibid., p.408.22 BETHELL, op.cit., p. 165.23Relatórios Ministeriais (1821-1960).Ministério da Justiça. In:http://www.crl.edu/brazil/ministerial/justica

24 VENÂNCIO, Renato Pinto. Os A-prendizes da Guerra. In: DEL PRIORE,Mary (org.). História das Crianças noBrasil. São Paulo: Contexto, 1999,p.202.25Relatórios Ministeriais (1821-1960).Ministério da Justiça. In:http://www.crl.edu/brazil/ministerial/justica

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Modelos globais

Manuel Cambeses Júniorª

Resumo: Os diversos modelos globais, que se manejam nos dias atuais, encon-tram-se em uma escala de graduação que abarca desde o acendrado otimismo do"Fim da História" até o acentuado pessimismo dos cultores do caos. A verdadedeve encontrar-se em algum ponto intermediário entre os dois extremos e deveincluir boa parte das ideias sustentadas por cada um dos paradigmas apresenta-dos. Em mais essa contribuição no campo da Geopolítica, rendemos uma home-nagem póstuma ao coronel aviador Manuel Cambeses Júnior, recentemente fale-cido e que deixou um legado de pensamento geopolítico e estratégico.Palavras-chave: Geopolítica, guerra fria, modelos globais.

O termo Guerra Fria foi cu-nhado por Bernard Baruch, umrenomado economista norte-americano, e popularizado pelocélebre jornalista Walter Lippman.Entre 1945 e 1989, a ordem mun-dial encontrou-se regida pelasnormas definidas pela Guerra Fria.Nestas condições o planeta ficoudividido em dois grandes blocosenfrentados em uma intensa com-petição pela supremacia.

Quando acompanhávamos osacontecimentos na Nicarágua ouem El Salvador, nos anos 80 do

século passado, por exemplo, podí-amos não estar entendendo, muitasvezes, as raízes desses conflitos,mas os situávamos dentro de ummarco de referência bastante co-nhecido. Sabíamos que se tratavade mais um capítulo da GuerraFria. Neste sentido, a mesma cons-tituía-se em modelo.

O termo "modelo" encontra-sena moda em nossos dias. Na essên-cia, este pode definir-se como umavisão simplificada do mundo e quebusca proporcionar um sentido dedireção. É exatamente por isso que

__________a Coronel Aviador. Associado titular do Instituto de Geografia e História Militardo Brasil. Este artigo é publicado in memoriam, em homenagem ao autor.

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ao enquadrar-se qualquer conflitoregional, qualquer enfrentamentoétnico ou cultural, dentro do con-texto de uma competição entre assuperpotências, a Guerra Fria pas-sou a assumir o caráter de "mode-lo".

Com a queda do Muro de Ber-lim sua preeminência desapareceu.A partir desse momento, aparece-ram novos paradigmas disputandoo lugar que durante 45 anos corres-pondeu ao período da bipolaridademundial.

O primeiro dos modelos sur-gidos à luz do esfacelamento daUnião Soviética e também o maissimplista deles foi o proclamado nolivro de Francis Fukuyama O fimda História. De acordo com o au-tor, o mundo estava chegando a umponto definitivo em seu processoevolutivo, como resultado da ho-mogeneização de valores e crenças.O duplo triunfo da democracia e daeconomia de mercado passaria aunificar as diversas regiões do pla-neta, brindando-lhes com um clarodenominador comum.

Ainda que esse modelo tenhasido questionado por seu excessivo

otimismo, são muitos, ainda, osque creem que, com a imposiçãodos valores da economia de merca-do e da democracia, o mundo estáse voltando para um lugar muitomais seguro e apto para a prosperi-dade ilimitada.

Outro dos modelos que surgi-ram com o ocaso da Guerra Friadiz respeito ao aspecto cultural.Seu máximo expoente é SamuelHuntington, para quem "a cultura eas identidades culturais estão dan-do forma aos padrões de coesão,desintegração e conflito no mundopós Guerra Fria [...] e as políticasglobalizadas estão sendo reconfi-guradas ao redor de linhas cultu-rais". Com diversas variáveis ematizes, este paradigma cultural étambém esposado por autores co-mo Lawrence Harrison, ThomasSowel, Roger Peyreffite e Benja-min Barber.

Muito curiosamente o próprioFukuyama, após haver divulgadosua teoria, parece ter acolhido comsimpatia a este outro modelo. Jáem seu livro Confiança, surgidoem 1995, o autor reconsidera mui-tas de suas ideias e convicções

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sobre a homogeneização dos valo-res para concluir que o mundocontinua sendo um lugar marcadopela diversidade de culturas e, por-tanto, de valores.

Entre os modelos emergentesencontramos o denominado "DoisMundos". Este pretende explicar aorientação dos novos tempos sob aótica de "zonas de paz e prosperi-dade" e "zonas de conflito e regres-são". Baseado nele, cairiam todasaquelas teorias que visualizavam omundo a partir de uma clara linhadivisória entre países e regiões quemarcham para cima e os que cami-nham para baixo.

Entre aqueles que sustentameste pensamento, encontram-seautores como Robert Gilpin, Jac-ques Attali e Jean Christophe Ruf-fin. O primeiro profetizou sobreum mundo formado por algumaspoucas ilhas de riqueza em meio aum mar de pobreza global. O se-gundo referiu-se ao surgimento deum "Novo Muro de Berlim" entre aprosperidade crescente do mundoindustrializado e a miséria irrever-sível do terceiro mundo. O últimoassinala que, entre os hemisférios

Norte e Sul, não existe articulaçãopossível e que são duas esferastotalmente divorciadas que se mo-vimentam em direção contrária.

Outro dos novos modelos é odo "Caos". Segundo essa visão, omundo está adentrando em uma erade quebra da autoridade governa-mental, de crises e secessão dosEstados; de intensificação dos con-flitos étnicos, tribais e religiosos;de consolidação das máfias crimi-nais internacionais; de proliferaçãoindiscriminada de armas de destru-ição em massa; de expansão doterrorismo e de generalização demigrações massivas.

Entre os que sustentam estatese encontram-se autores comoWalter Saqueur, Patrick Moyna-han, Zbignew Brzezinski e MichaelKlare. A diferença fundamentalentre os apologistas desta linha edos que esposam as ideias contidasno modelo dos "Dois Mundos" éque para uns o caos é seletivo en-quanto que, para outros, é global.

Os diversos modelos, que semanejam nos dias atuais, encon-tram-se em uma escala de gradua-ção que abarca desde o acendrado

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otimismo do "Fim da História" atéo acentuado pessimismo dos culto-res do caos. A verdade, como ocor-re, deve encontrar-se em algumponto intermediário entre os doisextremos e deve incluir boa partedas ideias sustentadas por cada umdos paradigmas apresentados.

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Doutrina: princípio ou procedimento?

Tacariju Thomé de Paula Filho

Resumo: De acordo com uma dentre tantas definições, a doutrina militar consisteno conjunto de valores, de princípios gerais, de conceitos básicos, de concepções,de normas, de métodos e de processos, que tem por finalidade orientar a organi-zação, o preparo e o emprego das Forças Armadas. Com base em sua experiênciaprofissional como aviador da Força Aérea Brasileira e seus conhecimentos dehistória militar, o autor problematiza a aplicação da doutrina, destacando suasinterpretações como princípio e procedimento.Palavras-chave: Guerra no ar, doutrina, aviação.

Há um lugar em minha estanteonde costumo deixar os livros quenão tenham relação com o que estáme interessando no momento. Nãosei bem a razão, mas fui levado a"fuçar" o passado representado emtais livros. Romance clássico,"best-seller", livros de psicologiaaplicada, religião, filosofia, circula-ram em minhas mãos naquele dia,trazendo-me à lembrança os mo-mentos em que fazia a "arqueolo-gia" destes assuntos.

De repente, peguei um volumemeio desconjuntado, caindo a capa

e algumas folhas, no qual, em al-gum momento do passado, assina-lei alguns trechos, que julguei im-portantes. Era o livro do vice-marechal-do-ar J. E. Johnson sobrea história da aviação de caça:Guerra no Ar (Full Circle em in-glês).

Abri a primeira página e esta-va lá: Tacariju, 1o/4o Grupo deAviação, maio de 1967. Como numsonho, a realidade do presente seafastou e deu lugar ao devaneio eàs lembranças. Tinha então 25 anosde fantasias, que previam para mim

__________a Coronel Aviador.

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um futuro de ás da caça. Felizmen-te, descobri com aquele livro nasmãos, que o aspirante que o com-prara dera lugar a alguém de cabe-los brancos que sonha menos, éverdade, mas ainda se emocionacom sonhos antigos.

Johnson foi o piloto aliadocom mais vitórias na Europa du-rante a 2a Guerra, além de ter luta-do na Coreia. Seu livro fala deacontecimentos, estratégias e táti-cas, que "habitaram" seus momen-tos de combate, e de suas pesquisassobre o passado da caça, princi-palmente a 1a Guerra. Suas pala-vras serviram de argumento paramim durante várias conversas tidasnaquele tempo em que comprei olivro. Conversas sobre a melhormaneira de se lutar como um guer-reiro-herói de uma ideia e de umanação.

Ainda devaneando, sentei-meno sofá e abri a Guerra no Ar deJohnson sem escolher a página.Surpreendentemente, a frase que limisturava Filosofia e Psicologia,assuntos que me despertam da so-nolência do cotidiano. A frase era aseguinte: "Quanto tempo fora pre-

ciso para reaprender a doutrina deOswald Boelcke!" Imediatamente,a memória percorreu os diferentescapítulos e localizou Boelcke, em1916, voando com o lendário Imel-lmann. A doutrina desse caçadorera simples: Apoio Mútuo! Fiqueime perguntando, já que a memóriafalhava, o que Johnson queriamesmo dizer com reaprender adoutrina do apoio mútuo.

A frase que me chamou a a-tenção finaliza o capítulo 15 “Fo-lhas de Outono”, que trata da duralição sofrida pelos ingleses, aoesquecerem o apoio mútuo comoprincípio doutrinário. Suas forma-turas eram rígidas de três aviões,fáceis de serem observadas à dis-tância, e se desfaziam ao serematacadas pelos alemães. Daí parafrente, era cada um por si. Suarigidez dificultava a vigilância doespaço e, quase sempre, a RAF(Royal Air Force) era surpreendidapela Luftwaffe, que voava em linhade frente de dois elementos garan-tindo o apoio mútuo e a flexibili-dade.

Antes de prosseguir, gostariade falar um pouco de uma discus-

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são que participei, quando fazia umcurso de Filosofia. O assunto era sea doutrina é um princípio, ou seestá relacionada com um conjuntosistemático de concepções e proce-dimentos. Fazendo uma analogia, oapoio mútuo seria um princípio e aformatura (disposição dos caças noespaço) seria um conjunto sistemá-tico de concepções e procedimen-tos.

Ocorre que é o conjunto sis-temático que dá sentido ao princí-pio, que, por sua vez, dá o atributoao conjunto. Isso quer dizer, queum não pode existir sem o outro.A questão, portanto, é saber se aformatura possui tal atributo. Pare-ce que os ingleses esqueceramdisso! ... Por que teria havido talesquecimento?

Fazendo um pequeno giro,talvez seja interessante relatar oque se passou com os alemães.Será que esqueceram o apoio mú-tuo? Vejamos o que disse Johnsonna página 88 de seu livro:

Uma das mais importantes li-ções extraídas da luta aérea naGuerra do Kaiser apontava co-

mo a melhor formação de com-bate a linha de frente, com osescoteiros lado a lado e um a-fastamento de cinquenta ou ses-senta metros entre um e outro,de modo que os pilotos podiamconservar seus lugares pela ob-servação recíproca, voar pertodo chefe sem risco de colisão,vigiar o céu em volta para pre-caver-se contra ataques de sur-presa e virar uns por dentro dosoutros para fazer frente a umataque vindo de trás. Esta fór-mula, incutida nos pilotos tantobritânicos como alemães pelomalhar constante e implacávelda batalha, registrada em milha-res de memórias e memoran-dos, pareceu perder-se à ordemde cessar fogo. Com efeito,quando os Messerschmitts co-meçaram a lutar na Espanha,voavam numa formação cerradade ponta de asa contra ponta deasa, absolutamente inadequadaao combate pela falta de espaçopara manobrar e pela ausênciade cruzamento.

Lendo essa passagem, pareceque existe uma espécie de vírus,que ataca a memória do guerreiro eo impede de se lembrar das liçõesdoutrinárias do passado. O parado-xal é que, quando o guerreiro nocomeço se lembra de alguma coisa,

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volta-lhe a imagem do conjuntosistemático de concepções e proce-dimentos, escondendo-se o princí-pio em algum lugar, do qual só saidepois das derrotas e do sofrimen-to.

Como o contextose altera no tempo eno lugar, concepçõese procedimentos queservem para um nãoservem para outro.Diferentes aviões emtamanho, poder epotência, voando emépocas e lugares dife-rentes, aplicam dife-rentes procedimentos, sem esque-cer o princípio do apoio mútuo.Contudo, alemães e ingleses trilha-ram o caminho do esquecimento doprincípio e sofreram com o sanguede suas perdas ao imitar procedi-mentos anacrônicos e sem sentido.

Fechei o livro e pensei no meutempo. Será que o vírus alcançou acaça que conheci? Parece que sim.Entre 1967 e 1975 voei a linha defrente mais preocupado com a po-sição em relação ao líder do que"ligado" à vigilância do espaço. A

estética era mais importante do quea operacionalidade da formatura.Durante uma curva, nem é bompensar... Se a curva fosse para cimado ala, não se via mais nada até

que o líder cruzassepelas seis horas.

Um dia, em 1975,alguns caçadores brasi-leiros chegaram ao425º em WilliamsAFB, Arizona, paravoar o F-5. Durante otreinamento, conhece-ram a "tactical spre-ad", ou linha de frentetática. A diferença da

nossa linha de frente estava basi-camente na forma de fazer as cur-vas. O caça de fora iniciava a cur-va, até quase desaparecer às seishoras do outro caça, quando, então,o outro caça fazia sua curva de 90graus.

Com isso, mais tempo é dedi-cado ao apoio mútuo do que a ma-nutenção da posição na formatura,ao contrário de minha preocupaçãoentre 1967 e 1975. Essa histórianão teria o menor interesse se olivro de Johnson não revelasse o

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volta-lhe a imagem do conjuntosistemático de concepções e proce-dimentos, escondendo-se o princí-pio em algum lugar, do qual só saidepois das derrotas e do sofrimen-to.

Como o contextose altera no tempo eno lugar, concepçõese procedimentos queservem para um nãoservem para outro.Diferentes aviões emtamanho, poder epotência, voando emépocas e lugares dife-rentes, aplicam dife-rentes procedimentos, sem esque-cer o princípio do apoio mútuo.Contudo, alemães e ingleses trilha-ram o caminho do esquecimento doprincípio e sofreram com o sanguede suas perdas ao imitar procedi-mentos anacrônicos e sem sentido.

Fechei o livro e pensei no meutempo. Será que o vírus alcançou acaça que conheci? Parece que sim.Entre 1967 e 1975 voei a linha defrente mais preocupado com a po-sição em relação ao líder do que"ligado" à vigilância do espaço. A

estética era mais importante do quea operacionalidade da formatura.Durante uma curva, nem é bompensar... Se a curva fosse para cimado ala, não se via mais nada até

que o líder cruzassepelas seis horas.

Um dia, em 1975,alguns caçadores brasi-leiros chegaram ao425º em WilliamsAFB, Arizona, paravoar o F-5. Durante otreinamento, conhece-ram a "tactical spre-ad", ou linha de frentetática. A diferença da

nossa linha de frente estava basi-camente na forma de fazer as cur-vas. O caça de fora iniciava a cur-va, até quase desaparecer às seishoras do outro caça, quando, então,o outro caça fazia sua curva de 90graus.

Com isso, mais tempo é dedi-cado ao apoio mútuo do que a ma-nutenção da posição na formatura,ao contrário de minha preocupaçãoentre 1967 e 1975. Essa histórianão teria o menor interesse se olivro de Johnson não revelasse o

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mais surpreendente. Primeiro por-que considerei naquele tempo(1975) que a linha de frente táticaera uma tremenda novidade e, se-gundo, por que descobri no últimocapítulo que, já na Coreia, se voavadesse modo. Isso quer dizer que,desde 1954, a linha de frente táticanão era novidade em combate e nósnão a conhecíamos. Não precisadizer que o livro Full Circle foieditado na Inglaterra em 1964, trêsanos antes de me tornar um pilotode caça.

Se não me falha a memória,ouvi de um americano em 1975que, se não fossem a Guerra dosSeis Dias e a do Yom Kippur, nãohaveria o resgate da linha de frentetática. A memória pode ter mefalhado ao contar essa história, masfaz um tremendo sentido...

Aos garimpeiros do passado,sugiro procurar na página 254 des-te livro maravilhoso um esquemarepresentando a curva em linha defrente. Vão se surpreender com asemelhança entre os desenhos queforam trazidos pelos pilotos brasi-leiros, que voaram no 425º, e o

desenho de David Shepherd, queilustrou o livro de Johnson.

Na verdade, entre lembrançase interpretações, fiquei atento àpsicologia do esquecimento, o talvírus que assola a memória dosguerreiros de todas as nações emtodos os tempos. Foi por isso querelacionei Filosofia, Psicologia eDoutrina naquela pequena frase,que li ao abrir a Guerra no Ar.

De qualquer forma, foi umaleitura que me levou a um univer-so, que atravessei por algum temponum passado não tão distante. Vivio esquecimento do princípio, dadoutrina, tal como os guerreirosalemães, ingleses e muitos outros ofizeram. Junto comigo, nessa faltade memória, estavam meus maiscaros amigos da caça, que me ensi-naram, ou foram ensinados pormim.

Lembrar não é repetir proce-dimentos anacrônicos, mas susten-tar princípios de combate, que, porserem atemporais, não podem seresquecidos.

Quem sabe onde está a curadesse vírus?

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O Regimento de Polícia Montada 9 de Julhona Revolução Constitucionalista de 1932

Fernando de Medeiros Vasconcelosª

Resumo: No princípio da década de 1930, o Regimento de Cavalaria da ForçaPública de São Paulo já estava consolidado como uma tropa de elite da corpora-ção. Vislumbrando suas possibilidades de atuação, o coronel Euclydes Figueiredo,elaborador do planejamento operacional empregado no movimento civil-militarde 1932, atribuiu, desde o primeiro momento, importantes missões para a unida-de. O presente artigo, escrito por um integrante do Regimento do início desteséculo XXI, tem por objetivo analisar o papel desempenhado pela cavalaria paulis-ta durante as jornadas de combate iniciadas em 9 de julho de 1932.Palavras-chave: Revolução de 1932, cavalaria, Força Pública de São Paulo.

INTRODUÇÃO

Também notamos que osRegimentos e Esquadrõesque rechaçamos paravam aretaguarda de sua linha,organizavam-se voltando aconcentrar-se com os seusdemais. Ficamos admiradosem encontrar uma tropa aoqual não estávamos acos-tumados, pois, depois quecontamos isso aos outros,descobrimos que acabáva-mos de enfrentar os Paulis-tas, que constituíam a me-lhor Cavalaria inimiga.

(Trecho da carta do GeneralAvelar, Comandante-em-

Chefe do Exército Argenti-no em 1827, durante aGuerra contra o Brasil)

Não é de se estranhar que oespírito guerreiro sempre acompa-nhou os paulistas desde o BrasilColônia até os dias atuais. Com aCriação da Milícia Bandeirante em1831, trinta homens foram desta-cados para comporem uma Seçãode Cavalaria, e, posteriormente,esses cavalarianos evoluíram em

__________a Capitão da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

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conjunto com a instituição, che-gando, em 1892, ao status de Re-gimento.

Porém, em 1906, com a vindada Missão Militar Francesa, é que aCavalaria teve a sua maior evolu-ção profissional se tornando umaverdadeira máquina militar de Se-gurança Publica e bélica. Não é atoa que Rui Barbosa, quando emvisita às terras de Piratininga, dis-se: “A mais perfeita tropa do país”,realmente reconhecendo o nível deprofissionalismo e disciplina daForça.

Em 23 de maio de 1932, as-sume o Comando Geral da ForçaPública do Estado de São Paulo otenente-coronel Júlio MarcondesSalgado, que dois dias depois épromovido ao posto de coronel.Militar que havia servido de Sol-dado a tenente-coronel na Cavala-ria da Força, tratou logo de intervirno Regimento, retirando os Ofici-ais “miguelistas” que seguiam ogeneral Miguel Costa, de suas fun-ções.

Com a eclosão da Guerra Pau-lista em 9 de julho de 1932, toda aForça Pública do Estado de São

Paulo (FPSP), mais de 10.000 ho-mens, se mobilzou para servir àcausa paulista, e, com isso, o Re-gimento de Cavalaria da Força,Unidade estratégica, teve seu Co-mandante, o tenente-coronel DanielCosta, irmão do general MiguelCosta, afastado de sua função, as-sumindo o comando o então tenen-te-coronel Azarias da Silva.

O Regimento teve sua tropadividida para lutar em várias fren-tes no interior do Estado e aindacontinuou com parte do seu efetivopara defender a cidade de São Pau-lo. Cabe ressaltar que o objetivodas tropas federais era chegar até acapital paulista e ocupá-la.

Em 8 de julho, véspera da de-flagração do movimento, o Regi-mento entra em prontidão rigorosaa partir das 20 horas. No dia 9,logo pela manhã, a primeira missãoda cavalaria será a tomada do Des-tacamento de Aviação Militar doExército Brasileiro, no Campo deMarte, com a captura das instala-ções físicas e das aeronaves, bemcomo a detenção do tenente Casi-miro Montenegro, comandante daunidade e futuro marechal-do-ar da

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Força Aérea Brasileira, e demaismilitares que não aderiram à causa.Tal Destacamento pertencera aFPSP e havia sido tomado peloGoverno Federal após a Revoluçãode 1930, durante a intervenção deGetúlio Vargas no Estado.

No dia 18 de julho é enviadapara Itararé, no Setor Sul, a tropado 3º Esquadrão, com um contin-gente de 130 homens com 115cavalos; em 23 de julho envia paraoperar na região de Ribeirão Pretoum Destacamento com 125 homenscomandados pelo capitão Sebastião

do Amaral, que, posteriormente,atuaria no Setor Sul. Em 30 dejulho, devido ao aumento da inten-sidade dos combates, é enviadapara a cidade de Cruzeiro a tropado Esquadrão de Comando e Ser-viço, com 12 homens, o 1º Esqua-

drão, com 92 homens, comandadospelo capitão Manoel da RochaMarques, e o 3º Esquadrão, com 69homens, comandados pelo capitãoJosé Camili Gomes.

Todo o efetivo, que estava emCruzeiro teve um reforço de 15homens, que chegaram no dia 1º de

Cavalaria da FPSP desfila pelas ruas da capital paulista

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Força Aérea Brasileira, e demaismilitares que não aderiram à causa.Tal Destacamento pertencera aFPSP e havia sido tomado peloGoverno Federal após a Revoluçãode 1930, durante a intervenção deGetúlio Vargas no Estado.

No dia 18 de julho é enviadapara Itararé, no Setor Sul, a tropado 3º Esquadrão, com um contin-gente de 130 homens com 115cavalos; em 23 de julho envia paraoperar na região de Ribeirão Pretoum Destacamento com 125 homenscomandados pelo capitão Sebastião

do Amaral, que, posteriormente,atuaria no Setor Sul. Em 30 dejulho, devido ao aumento da inten-sidade dos combates, é enviadapara a cidade de Cruzeiro a tropado Esquadrão de Comando e Ser-viço, com 12 homens, o 1º Esqua-

drão, com 92 homens, comandadospelo capitão Manoel da RochaMarques, e o 3º Esquadrão, com 69homens, comandados pelo capitãoJosé Camili Gomes.

Todo o efetivo, que estava emCruzeiro teve um reforço de 15homens, que chegaram no dia 1º de

Cavalaria da FPSP desfila pelas ruas da capital paulista

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agosto. No dia 16 segue para omunicípio de Queluz o 2º tenenteJoão Oliveira de Mello, liderando45 homens.

Em 28 de julho parte para oSetor Sul o Regimento de Cavala-ria do Rio Pardo formado por 326homens, comandados pelo capitãoAlfredo Feijó, tal unidade era com-posta por homens do Regimento deCavalaria e por jovens voluntáriosda região de Ribeirão Preto, todosmontados em mangas-largas doa-dos pela sociedade daquela locali-dade. Tal unidade participou dasHonras fúnebres prestadas ao coro-nel Júlio Marcondes Salgado, quehavia falecido devido a ferimentoscausados durante uma demonstra-ção de um morteiro e que seriapromovido a general post mortem.O “Rio Pardo” partiu no dia se-guinte ao enterro, às 8 horas, daestação Barra Funda, em um tremmilitar que os levou até Itapetinin-ga, onde pernoitaram, dando inícioàs operações de guerra no dia se-guinte.

No Setor Sul o Regimento en-trou em combate com o objetivo deevitar o avanço das tropas que vi-

nham do Sul do país, suas ações seconcentraram na região que com-preende os municípios de Itapeti-ninga, Itararé e Buri, onde houveuma das mais desesperadas bata-lhas do conflito, com um grandenúmero de mortos e prisioneiros.As tropas federais foram rechaça-das pelos paulistas graças à atuaçãoda Cavalaria em Capão Bonito,Faxina (hoje Itapeva) e Itapira.

Durante o conflito, a Cavalariaatuou em vários tipos de missões,como reconhecimento, contenção(nesse tipo de missão foram utili-zadas suas unidades de metralhado-ras), patrulhamento de estradas,destruição de pontes, ações de cho-que durante as batalhas e, princi-palmente, apoio aos batalhões deinfantaria. Houve um episódio noqual o capitão Alfredo Feijó, quan-do em deslocamento com sua tro-pa, viu um grande contingente detropas federais iniciando a travessiade uma ponte, de imediato ordenouao seu Pelotão de Metralhadoras,que eram conduzidas por muares,que apeassem e armassem tais ape-trechos, em seguida ordenou aopelotão que abrisse fogo. Com tal

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manobra, conseguiu ganhar tempoe atrasar o avanço do inimigo.

Atuando em movimento, nãoficando aferradas ao terreno, asunidades a cavalo eram constante-mente alvos dos aviões inimigos,conhecidos como “vermelhinhos”,que, ao verem a cavalaria se deslo-cando, abriam fogo com metralha-doras ou lançavam bombas incen-diárias.

Por principio, a Cavalaria nãomarcha durante a noite e, no teatrode operações, era muito comum oscavalarianos dormirem equipadosao relento, onde somente o equi-pamento dos cavalos era afrouxadopara evitar lesões. Ao longo dacampanha, muitos cavalos morre-ram ou foram deixados para trásnas marchas, devido algum tipo delesão, debilidade ou doença. Taissolípedes eram substituídos poroutros, requisitados junto às fazen-das locais. Um dado interessante éque os cavalos que morriam, foramenterrados como manda a tradiçãomilitar, e não deixados para servi-rem de alimentos aos abutres.

Durante as marchas, uma dasmanobras mais difícil de ser reali-

zada é a transposição de cursosd´agua, e houve um momento emque a tropa precisou passar paraoutra margem do rio Paranapane-ma. Oas animais foram desequipa-dos e homens e cavalos fizeram atravessia a nado, todo o equipa-mento foi transportado em barcosimprovisados. Durante a travessiahouve a perda de solípedes e sol-dados, que morreram afogadosdevidos ao grande volume de águadaquele rio.

Em toda a campanha, a Cava-laria seguiu a risca quatro verbos:zelar, marchar, vigiar e lutar.

Em 2 de outubro o armistícioé assinado na cidade de Cruzeiro,pondo fim a Guerra paulista quecausara tantas mortes de brasilei-ros. No dia 5, do mesmo mês, ini-cia o regresso das tropas destaca-das ao Regimento.

Durante a epopeia, dois ofici-ais do Regimento chegaram a co-mandar unidades de infantaria: ocapitão Cândido Bravo, que co-mandou o Batalhão “14 de julho”,formado por voluntários da EscolaPolitécnica e do Mackenzie, e ocapitão Arlindo de Oliveira que,

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promovido a major por telegrama,assumiu o Setor de Fundão, dentrodo Setor Sul, após sua promoção.Sua Unidade ficou conhecida como“Batalhão Arlindo”. Durante umamissão de observação, ele foi cap-turado por tropas gaúchas, vindo aser solto depois do conflito.

Após a guerra o “Eterno Re-gimento”, da rua Jorge Miranda,voltou à sua missão principal, degarantir a ordem e tranquilidadepública em suas atividades de Polí-cia Montada. No decorrer da cam-panha demonstrou ser uma unidadediferenciada, possuidora das maisbelas tradições militares e de ho-mens abnegados com grande espí-rito de corpo, que, com coragem,enfrentaram o inimigo de formaaguerrida e honrosa, cumprindocom seu dever, pondo suas vidasem holocausto por uma sociedademais justa e livre de uma ditadura.

Devido a sua heroica partici-pação durante a Revolução Consti-tucionalista, o Exmo. Governadordo Estado de São Paulo, Dr. JânioQuadros, de 1955 a 1959, determi-nou que a Cavalaria da Força ane-xasse a data “9 de julho”, dia do

início da Revolução, a seu nome,passando a se chamar Regimentode Cavalaria “9 de julho”, que, em1970, com a reestruturação da ins-tituição, mudou o seu nome para oatual: Regimento de Polícia Mon-tada “9 de julho”.

BIBLIOGRAFIA

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BORGES, V. P. Memóriapaulista. São Paulo: EdUSP, 1997.

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MELO, C. E. Pro Brasilia. SãoPaulo: AFAM, 2010.

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RODRIGUES, J. W. Tropaspaulistas de outrora. São Paulo:Governo de Estado de São Paulo,1978.

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Correspondentes de guerra:uma visão presencial e espectral de

um cenário surreal

Cleber Almeida de Oliveiraª

Resumo: A relação entre a mídia e a guerra é antiga. Heródoto, consagrado nahistoriografia como o “Pai da História”, registrou suas impressões da guerra dosgregos contra os persas. No decorrer dos séculos, a cobertura e a escrita sobre asguerras evoluiu, e surgiram os correspondentes de guerra: jornalistas especializa-dos em cobrir as operações e registrar, em suas reportagens, a experiência brutaldo campo de batalha. O presente artigo analisa o trabalho dos correspondentesde guerra junto à Força Expedicionária Brasileira, força militar enviada pelo Go-verno Brasileiro à Itália para combater o nazifascismo, durante a Segunda GuerraMundial.Palavras-chave: Mídia, correspondentes de guerra, Segunda Guerra Mundial,Força expedicionária Brasileira.

Ao se tratar sobre a guerra,pode-se reconhecer, nas suas en-trelinhas, duas condições humanasessenciais: a necessidade de supe-rar o milenar e permanente conflitosócio-civilizatório, de sobreviver ede aprender com os percalços; e anecessidade de se relatar tudo oque foi experimentado e vivenci-ado nessas situações extremas de

incerteza e de perigo – pessoal ecoletivo.

Há que se perceber que a mis-são do correspondente de guerra,seja ele um representante oficial –civil ou militar – de algum Estadobeligerante, ou então um especta-dor/observador civil autorizado –normalmente alguém dos meios decomunicação –, se encontra com-

__________a Historiador, pesquisador associado do Centro de Estudos e Pesquisa de Histó-ria Militar do Exército..

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primido entre duas reais expectati-vas de narrativa da “terra de nin-guém”, a qual nada mais é do que aapreciação e a descrição idiossin-crática tanto do cotidiano como dosmelindres – ambas oficiais ou não– de qualquer conflito bélico. Nu-ma visão bem objetiva e simplista,sem as mesuras acadêmicas e/oudos discursos oficiais, Karl Krausexprime a noção segundo a qual “Aguerra, a princípio, é a esperançade que a gente vai se dar bem; emseguida, é a expectativa de que ooutro vai se ferrar; depois, a satis-fação de ver que o outro não se deubem; e finalmente, a surpresa dever que todo mundo se ferrou”,enquanto que, numa linha maisreducionista e apologética da ma-triz salvacionista e evolutiva daguerra como uma lógica atemporale cíclica, afinada com os princípiosda Realpolitik prussiano-teutônica,Bertolt Brecht afirmava que “Nãoconseguireis desgostar-me da guer-ra. Diz-se que ela destrói os fracos,mas a paz faz o mesmo.”

É inegável, e inquestionável,que, desde a aurora dos tempos,povos, culturas e civilizações sem-

pre forma fascinados pelas narrati-vas das guerras, desde as proezassobre-humanas dos heróis, pas-sando pelas estratégias e manobrasvencedoras dos grandes líderesmilitares até as histórias de penú-ria, sacrifício e superação doscombatentes – de ambos os lados –e das populações afetadas – diretae/ou indiretamente – por esses e-ventos colossais e dramáticos. E édessa demanda/necessidade quesurgem tanto as obras e os relatosin loco dos seus participantes comoo discurso e a desinforma-ção/manipulação/reengenhariaoficiais – ou de grupos rivais – dosfatos.

Nesse particular, e com extra-ordinária clareza explanatória,Borges1 afirma textualmente que ahistória da correspondência deguerra caminha a passos largoscom a história da literatura e dasguerras, já que, em si, é impossíveldesvincular essas três vertentes.Fincando pé num passado tão lon-gínquo quanto proximal, lem-brando, por exemplo, a Ilíada(Homero), de De Bello Gallico(Júlio Cesar) e A Arte da Guerra

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(Sun Tzu), grandes batalhas foramtransformadas em livros épicos(lidos até hoje) numa tentativa deesclarecer para um povo o desen-rolar e as consequências de umaguerra. Confirmando a noção ba-silar de que é fato que a guerrasempre exerceu um estranho mag-netismo sobre as pessoas, ao relatarsobre: o embate travado entre doispovos, o front, onde milhares desoldados dão suas vidas por umideal, muitas vezes desconhecidoou que não lhes pertence, o patrio-tismo de milhares de jovens quenão chegam à vida adulta, tudo istoestimula o imaginário das pessoas;toda a aura que envolve a guerrachama a atenção de quem fica naretaguarda, protegido pelos seus“bravos pracinhas”.

Por princípio ético da profis-são2 o papel do jornalista de infor-mar os fatos, a “verdade”, torna-sealgo secundário dentro de um am-biente onde a hostilidade e a sedepela vitória imperam, caminhandosempre no “fio da navalha”, naperspectiva de que publicar qual-quer coisa que coloque a nação emrisco ou choque a opinião pública

pode ser e é encarado como umaameaça e o seu divulgador deveenfrentar as consequências de seusatos. Por isso que é vital a compre-ensão de que o percurso dos cor-respondentes de guerra em seusquase dois séculos de existência,muitas vezes não como jornalistas,mas como integrantes da engrena-gem da máquina de propagandados países beligerantes.

Cria-se, então, uma místicaque cerca a figura desses partici-pantes que nos mantém, ao mesmotempo, a par da situação no front edos demais aspectos das campa-nhas militares sem que para issoprecisemos abandonar a segurançados nossos lares/locais de trabalho;e bem longe das zonas de conflito.A guerra afeta a todos, mas muitosdos seus ferimentos não são nota-dos pelas vítimas no momentoimediato e nem deixam cicatri-zes/marcas aparentes ou visíveis,mas que com certeza irão gerarsequelas permanentes e dolorosas;e os correspondentes de guerra nãosão exceção à regra.

Focando nessa lógica per-versa, mas inevitável, Diniz3 com-

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partilha da noção de que uma aurade glamour acompanha o trabalhode correspondente de guerra desdeque o primeiro jornalista foi envi-ado a um campo de batalha pararelatar seus horrores, e que isso sedeu na guerra da Crimeia, em1854, William Howard Russel, dojornal The Times, mandava seusdespachos via telégrafo. Assim, umséculo e meio depois, as notícias sepropagam em tempo real, com odiferencial de que mesmo quemnão é jornalista profissional podeser convertido em porta-voz deinformações – por exemplo, vídeosfeitos por celular e postados nainternet da Guerra da Síria pormoradores locais.

Usando de uma licença poé-tica ingênua e pueril4, grande partedo senso comum considera quetrabalhar em zonas conflagradaspara mostrar ao mundo as atroci-dades de um conflito armado éencarado como o lado mais ro-mântico da profissão, mas o cotidi-ano daqueles que estão no front ébem diferente. Num viés mais rea-lista, o correspondente de guerraganha fama e visibilidade, no en-

tanto, a rotina é dura e os perigos,constantes, mas o encanto que estaatividade exerce no cidadão co-mum, e entre jovens e jornalistas –ou mesmo jovens jornalistas – éuma constante.

Para quem nunca esteve fisi-camente presente e/ou atuandorotineiramente numa zona de con-flito, num front de combate teorizarsobre como os fatos são percebidoe a maneira pela qual as notíciasdevem ser elaboradas e veiculadasnão passa de um mero, e cômodo,exercício acadêmico/intelectualcom as vantagens inerentes dodistanciamento seguro da possibi-lidade de sofrer efeitos – diretos oucolaterais – do ambiente confla-grado. Trocando em miúdos, taispostulados não passam de concei-tuações desprovidas de uma práticacomprobatória, mas com o adendode que se tais produções estiveremfundamentadas em relatos criveis econsubstanciados por agentes quepassaram por tais cená-rios/contextos – da miséria e daestupidez humanas –, há sim valoragregado a elas.

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O trabalho desses profissio-nais é tão necessário quanto poten-cialmente perigoso, e mesmo mor-tal, há que se deixar de lado a ilu-são romântica e enganosa de quepor simplesmente serem o que sãoe por fazerem o que fazem os cor-respondentes de guerra se tornamimunes a qualquer artefato bélico,arma ou retaliação dos beligeran-tes, ou então são agraciados comalgum dom divino de “corpo fe-chado” no desempenho das suasfunções. Guerras matam pessoas,mutilam e causam feridas/sequelasno corpo e na alma, não impor-tando se são combatentes – solda-dos ou forças não convencionais –,população civil, desavisados mi-grantes ou espectado-res/observadores/relatores dessesconflitos.

BREVE HISÓRICO E PE-RICULOSIDADE INCUTIDA

Desde as primeiras coberturasjornalísticas das guerras, Carvalho5

demonstra que daí em diante inici-aram-se os anos de glória da im-prensa que chegariam ao fim por

volta de 1914, quando do início daprimeira grande guerra com a im-posição da censura governamental,foi a era em que as mídias cultiva-ram e alargaram o seu poder deinfluência sobre os cidadãos co-muns, no que toca aos conflitosbélicos. Nesse período áureo, oscorrespondentes passaram a servistos como heróis, não só pelosleitores, mas também por si mes-mos, colocando-se no centro dashistórias que contavam e culti-vando a sua própria figura, comduas consequências atreladas: oseditores e diretores das publica-ções, por sua vez, fizeram uso daliberdade de que dispunham e edi-tavam tudo sem qualquer censura;e os leitores não podiam estar maissatisfeitos.

Sucumbindo ao embate mer-cadológico6, o problema deste cres-cimento foi permitir a criação da-quilo que conhecemos como sensa-cionalismo, o yellow journalism,jornalismo amarelo, pois devido àenorme liberdade de que as publi-cações dispunham, alguns jornaiscomeçam a praticar um falso jor-nalismo, que aliado à procura de

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maior lucro, começa a transformarinvenções em realidade e mentirasem verdades jornalísticas. Respal-dando a veracidade de tal distor-ção, o caso mais flagrante, e talvezo maior exemplo destes eventos,remete para o magnata da imprensaamericana William Randolph He-arst, dono do New York Journal,que à procura de maiores lucros, ena tentativa de bater o rival NewYork World, fez da guerra pelaindependência de Cuba uma autên-tica novela.

Desde então, com um maiorvolume de recursos de comunica-ção e de rapidez de transmissão dedados7, a guerra torna-se, assim, oobjeto mais desejado da imprensa,e desde que William Russell ini-ciou a atividade, esta especializa-ção jornalística não deixaria deevoluir. Há que se ressaltar umadualidade presencial imposta: e seno que toca ao jornalismo isso eraalgo benéfico, para o lado dos go-vernos não era bem assim; os Esta-dos estavam a perder um impor-tante sigilo, e com tanta liberdade,com o yellow journalism em cres-cimento, e com a primeira grande

guerra prestes a começar, algotinha de ser feito para travar o po-der dos media; os jornais tinham deser mais controlados, o que levariaa uma nova era do jornalismo deguerra, a da censura preventiva.

Complementando a informa-ção acima8, a verdade é que apenasa partir de 1915 os jornalistas pas-sam a poder cobrir a guerra, noentanto, o grupo seria escolhido adedo (sistema pool) e apenas cincojornalistas aprovados seguirampara a frente. E trabalhando sobuma censura apertada e altamentecontrolada pelos militares, apenasas informações da vida das trin-cheiras eram objeto de publicação,e, com o adendo de que, quando seescrevia sobre os combates, o as-sunto era descrito da forma que ogoverno entendia e apenas quandoas batalhas tivessem terminado.

Iniciando com o telegrafo e afotografia, ainda nos conflitos doséculo XIX – Guerra Civil Ameri-cana, Guerra da Criméia, Guerrado Paraguai etc –, e, logo depois,no século XX, o uso do cinema edo rádio – da Primeira GuerraMundial em diante –, e depois da

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televisão – a partir da Guerra doVietnã, mas intervalos de transmis-são para os Estados Unidos decerca de dois dias –, e das redes decomputadores no final do séculoanterior – na primeira metade doséculo XX não havia internet, po-rém todos esses elementos já fa-ziam parte do quotidiano, e talcomo hoje, já eram usados parafazer jornalismo, incluindo o deguerra, sem esquecer do fax –, taisferramentas possibilitaram umamaior e mais detalhada coberturajornalística dos conflitos armados.Frisando que, dentro desse viésevolutivo e tecnológico9, a primeiradécada do século XXI trouxe a erada informação sem limites: com oaperfeiçoamento da internet e a suamassificação mundial, temos hoje ànossa disposição texto, fotografia,som, vídeo e comunicação inter-pessoal, tudo numa só plataforma eà distância de um clique.

O grande problema gerado poresse imediatismo de um noticiáriono ar 24 horas era a necessidadeconstante de suprir o público comnovas notícias. O resultado dessapressão de desdobra em uma dupla

conotação: ou uma mesma notíciaera repetida por mais de um apre-sentador/jornalista “por reveza-mento”; ou então por qualquerprofissional desqualificado comocorrespondente de guerra e que sórelata aquilo que a própria audiên-cia podia identificar e concluir porsi mesma.

Assim10, quando se assiste aosalto da simples e estática WorldWide Web (www) para a inovadorae interativa Web 2.0, o jornalismoganha um novo aliado e as páginasonline um novo significado e rele-vância, já que não fosse assim enenhum jornal estaria a apostar nosconteúdos noticiosos pagos online,ou em outros serviços premium quefidelizem o utilizador à sua páginada Net além do meio mais tradicio-nal. E, no que toca à especializaçãoabordada, o meio digital trouxe trêsgrandes novidades que podem tor-nar os outros media obsoletos:imediatismo melhorado, conver-gência de conteúdos e liberdade decriação.

Em temos comparativos, gros-so modo, de acordo com Carvalho,quanto à primeira, a internet con-

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segue uma grande vantagem emrelação à televisão, por exemplo, emesmo apesar de se manter o riscoda publicação de conteúdo desne-cessário (como acontece na TVcom o excesso de diretos) o seuconteúdo pode ser ignorado peloutilizador, que pode escolher nãoabrir as notícias – ao passo que natelevisão, assim como na rádio,para tal tem de mudar a estação.Existe uma maior seleção ao nívelde conteúdo, como não existe nodireto da TV e rádio, onde o re-pórter fala diretamente, e: algumexcesso de informação é facilmentesubtraído ao texto, ao mesmo tem-po em que a voz ou o vídeo podemser editados.

O que se pode, e se deve fazer,é se ilustrar para poder filtrar ainformação, checar fontes e atestaras suas credibilidades, ligações eintencionalidade, além de tratar dequestões como censura, autocen-sura, forjamento de provas e falsojornalismo. O que se pode ter cer-teza de que nenhum meio de co-municação se revelou perfeito paraa cobertura de um conflito11, noentanto, ao mesmo tempo, vale

realçar e enaltecer que a especiali-zação de guerra evoluiu muito emcerca de um século e meio de exis-tência, uma vez que desde WilliamHoward Russell até à PrimaveraÁrabe foi um longo e árduo cami-nho pela melhoria da informação.

Seguindo a lógica de Lavoi-sier de que “na natureza nada secria, nada se perde, tudo se trans-forma”, a atual “imprensa marrom”– uma expressão de cunho pejora-tivo, utilizada para se referir a veí-culos de comunicação (principal-mente jornais, mas também revis-tas e emissoras de rádio e TV), emesmo na internet, consideradossensacionalistas, ou seja, que bus-cam elevadas audiências e venda-gem através da divulgação exage-rada de fatos e acontecimentos,sem compromisso com a autentici-dade – é a versão mais recente doyellow journalism, do século XIX.E seguindo esses trâmites bombás-ticos, temos o avolumamento daexplosão/extrapolação de notíciasfalsas (sendo também muito co-mum o uso do termo em inglêsfake news), que são um ti-po/subproduto de imprensa mar-

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rom que consiste na distribuiçãodeliberada de desinformação ouboatos via jornal impresso, televi-são, rádio, ou ainda online, comonas mídias sociais.

Vieira12 assevera que, como sesabe, a cobertura internacional éampla, pois abrange desde a polí-tica e cultura até acidentes de gran-de magnitude, desastres naturais eguerras, e como consequência, oprofissional que ocupa a funçãopode ter um dia tranquilo seguidode outro em que fica a dois passosda morte. Então, é preciso ter muitacoragem, pois a realidade é violen-ta e triste – com 30 jornalistas mor-tos nos primeiros meses de 2015(Committe to Protect Journalists),sendo 10% de correspondentesinternacionais – pois enquantoalguns morrem em acidentes decarro em coberturas de eventosesportivos, por exemplo, outros sãovítimas de explosões e ataquesterroristas em locais públicos – ounos fronts, decapitados por gruposcomo o ISIS – e que matam cente-nas de pessoas de uma vez; ou demesmo de sequestros e torturas.

Fica patente, pois que13 as atu-ais guerras, conflitos armados e osurgimento de grupos consideradosterroristas é um dos fatores quecontribui para os riscos da profis-são do correspondente, com o a-gravante de que por ser cidadão deoutro país, a vida do correspon-dente é encarada como moeda detroca por grupos extremistas, sendopotencialmente negociável com ogoverno de seu país de origem,fatos que costumam ser reportadosnos telejornais, quando o própriojornalista é a notícia: os sequestra-dos capturam o correspondente emandam mensagens em vídeo fa-zendo exigências para que ele pos-sa ser libertado ou, no mínimo,para que não seja morto.

Cabe destacar que se trata daapresentação de um cenário primá-rio, sem considerar outras variáveistão sinistras quanto macabras14, ouseja, essas são apenas algumasdemonstrações que dão relevânciaaos atuais riscos da profissão: eleexiste, é real. O efeito mais imedi-ato e danoso é o medo que acom-panha tais constatações e ocorrên-cias, e mesmo que seja a título

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preventivo, sempre se pondera poruma limitação da atuação dessesprofissionais, e, por isso mesmo,associado a outros fatores, pode serdecisivo (ou pelo mesmo um forteargumento) para a diminuição donúmero de correspondentes – tantopor parte das empresas jornalísticascomo por parte dos próprios jorna-listas.

O que de fato então os pro-tege? Não se pode deixar de frisarque as guerras contemporâneas sãoregidas por convenções e tratadospautados pelo Direito InternacionalPúblico, assim15, para proteger(pessoas) e controlar (conflitos),em 1864, na cidade de Genebra, foirealizada uma convenção com oobjetivo de traçar certas normaspara as guerras, contudo é, porém,uma falsa visão acreditar que antesdisso não houvera a tentativa deimpor limites às ações dos confli-tos, pois desde que há guerras, háuma tentativa da humanidade deimpor restrições legais e morais aoseu uso e aos seus costumes. Des-tacando que a Convenção de 1864foi a primeira de uma série realiza-das ao longo da segunda metade do

século XIX e todo o século XX,sendo que o resultado desses en-contros é o que conhecemos hojepor Direito Internacional Humani-tário, que tem como principal ob-jetivo orientar e proteger as vítimasdos conflitos armados.

Igualmente importante, dentroda visão de Borges16 é fazer a dis-tinção superficial entre o DireitoInternacional Humanitário e osDireitos Humanos. Objetivamente,enquanto o primeiro é um “direitode exceção, de urgência, que inter-vém em caso de ruptura da ordemjurídica internacional”, o segundo“tem como objetivo garantir, emtodo momento, aos indivíduos,desfrutar dos direitos e das liberda-des fundamentais e protegê-los dascalamidades sociais.”

Embora tendam, por natureza,a se intercalar, são diferenciados. Oque se pretende promover é a no-ção límpida e cristalina de que17,assim, o Direito Internacional Hu-manitário é um direito de guerra,promovido pelo Comitê Interna-cional da Cruz Vermelha, enquantoos Direitos Humanos – criado em1948 – é um direito de paz, promo-

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vido pela Organização das NaçõesUnidas. Fica claro, entretanto, queambos se complementam e nasce-ram do interesse comum de res-peitar a dignidade humana, seja emtempos de “paz” ou de guerra.

A cobertura de guerra e conflitodiverge do jornalismo conven-cional. Com uma rotina incerta,o correspondente que se pro-põem a trabalhar nessa área a-caba por ter que lidar com a a-brangência de temas fora de seupaís de origem, tendo acesso, aoutra cultura, política, econo-mia e linguagem particulares.Além do mais, com interessesmuitas vezes camuflados. Ojornalismo de guerra e conflitose torna fundamental, sendoque é através dele que temos anoção real do que acontece, tan-to no nosso país, como nos ou-tros, além do mais “é um ab-surdo afirmar que ‘toda guerraé absurda’, para a quebra destetabu existe o jornalismo deguerra com o propósito de en-frentar certos constrangimentospara nos relacionar com o mun-do.” O jornalismo de impacto,como o de cobertura de guerra éresponsável por garantir aos re-ceptores, visões de um meio,onde a realidade não é a mesmada que vivenciam. Capaz de

criar conceitos e embasamentosdiferenciados com relação a pa-íses distintos, o correspondenteinternacional que se vale de seuconhecimento para transmitiraos demais a sua versão dos fa-tos, garante um novo rumo àhistória. Muitas vezes, apon-tando, uma crítica que gera areflexão das pessoas.18

O que Forentin e Bertol19

transparecem é a prova inequívocade que a intensidade do trabalhoabala diretamente o rendimento dotrabalhador, mas mesmo assim oprofissional tem maior facilidadeem reportar uma dor física do quepsíquica, “falar da saúde é sempredifícil, já que evocar o sofrimento ea doença é, em contrapartida, maisfácil, pois todo mundo o faz, e,como se, a exemplo de Dante, cadaum tivesse em si experiência sufi-ciente para falar do inferno e nuncado paraíso. Certo é de que quandomais a pessoa ficar exposta e vul-nerável maior o risco de ter umadoença, a capacidade de recupera-ção e defesa do organismo vãodiminuindo, com o que aumenta avulnerabilidade a fatores patogêni-

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cos externos e, em consequência, orisco geral de adoecer.”

Agravando tal quadro20, osmeios de comunicação buscamsuprir suas necessidades e promo-ver o show sem pensar na saúdedos profissionais, o perigo está noglamour e o charme funcionaremcomo cortinas de fumaça a escon-der as feridas abertas e os pontosobscuros do nosso ofício, de modoque as situações patológicas seapresentam em um espetáculo in-formativo, onde o insignificantenos parece importante, a incoerên-cia nos parece saudável. Vê-se que,dessa forma, é perceptível a im-portância da psicologia do traba-lho, sendo que a mesma pode inter-ferir na organização e no ambientede trabalho a fim de zelar peloequilíbrio emocional das pessoas,sem deixar de considerar que nostraumas psicológicos, estresse pós-traumático (TEPT) etc.

Talvez o caso mais emblemá-tico e tétrico dessas afetações psi-cológicas é o acontecido (suicídio)com Kevin Carter21, um premiadofotojornalista sul-africano, quefotografou uma criança faminta

tentando chegar a um centro dealimentação da Organização dasNações Unidas (ONU), próximo àaldeia de Ayod, quando um abutre-de-capuz apareceu nas proximida-des, e essa foto foi tirada no ano de1993, no Sudão (numa área quehoje pertence ao Sudão do Sul); naépoca, o país estava arrasado poruma longa guerra civil. Na época,vendida para o The New York Ti-mes, a fotografia foi publicada pelaprimeira vez em 26 de março de1993 e foi repassada para muitosoutros jornais ao redor do mundo,e, em 1994, a imagem ganhou oPrêmio Pulitzer de Fotografia Es-pecial.

Refinando um pouco mais,Borges22 chama a atenção para odetalhe, nem sempre aven-tado/ventilado, de que, por outrolado, esse mesmo direito humanitá-rio distingue dois tipos de jorna-listas de guerra. Antes de expor talseparação há que se saber que am-bos são enquadrados como pessoasque seguem as forças armadas sem,entretanto, fazer parte delas, quesão: o primeiro é o embedded, quesegue um exército, com autoriza-

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ção e proteção de um dos ladosbeligerantes, usa um uniforme eganha uma patente; o segundo é ojornalista independente que não sesubmete às regras ou proteções dequalquer um dos lados beligeran-tes.

Mediante tal quadro, medidasprotetivas foram tomadas:

Assim, observa-se claramenteque desde a Conferência deGenebra de 1974-1977 os cor-respondentes de guerra possu-em uma posição privilegiadadentro dos conflitos armados. Oartigo 79 do Protocolo I trataespecificamente disso:Artigo 79 - Medidas deproteção de jornalistas1. Jornalistas que realizamtrabalhos profissionais riscosem áreas de conflito armadoserão considerados pessoascivis na acepção do n.o 1 doartigo 50.2. Eles serão protegidos comoteem conformidade com asconvenções e presenteProtocolo, desde que nenhumaação seja tomada sua condiçãode civis e sem prejuízo dodireito de correspondentes deguerra credenciados às forçasarmadas de benefício estatuto

previsto no artigo 4A.4 daConvenção.3. Eles podem obter um cartãode identidade de acordo com omodelo anexo ao Anexo II dopresente Protocolo. Este cartão,que será emitido pelo governodo estado do qual eles sãonacionais, ou no território deque residem ou onde a agênciaou imprensa que os emprega,atestará a qualidade do trabalhodo jornalista titular.23

Obedecendo a essa retóricadevidamente abalizada, Cinelli24

reafirma que, de fato, a violênciamaciça organizada é a única carac-terística que distingue a guerra detodas as outras atividades humanas,já que o papel desempenhado peloEstado e seus agentes, notadamenteos responsáveis pela administraçãoda violência, é decisivo para que alegitimidade nessa aplicação sejamantida. Nessa estrutura institu-cionalizada e centralizada, issopassa, por exemplo, pela preocupa-ção com a difusão adequada doconteúdo dos diversos tratados enormas humanitárias a todos osreais e potenciais destinatários,tanto na paz quanto na guerra.

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Não se pode ignorar o fato dea guerra estar sob a tutela absolutae exclusiva do Estado foi um im-portante marco rumo à consolida-ção do próprio conceito de Estado,frisando que, a despeito de algumasopiniões contemporâneas diver-gentes, aparentemente assim conti-nuará a ocorrer. Numa visão maisencadeada pelos estudos e indica-dores mais confiáveis, mesmo queoutras variáveis surjam como in-tervenientes, decorrentes das “no-vas guerras” ou da “governançaglobalizada”, é provável que aindaassim permaneçam imutáveis al-gumas convicções, principalmenteaquelas ligadas à ênfase na condu-ção de conflitos armados sem per-der de vista o aspecto humanitário.

Assim, em sua essência25, anoção de legitimidade correspondeà ideia de uma relação harmônicade uma instituição, uma pessoa, umato determinado, com o seu fun-damento ético, que pode ser ummodelo pessoal, humano — herói,profeta ou super-homem — oudivino; ou então, da conformidadecom um conjunto de princípios eregras de comportamento, e, sob

esse aspecto, a legitimidade nadamais é do que uma forma de justi-ça. Levando em consideração que aguerra é a primeira e mais antigadas relações internacionais, e quejá nos tempos antes da História, osucesso guerreiro aparecera muitocedo, com seu aspecto de o maisviolento e teatral entre os fenôme-nos sociais, a necessidade de regu-lar as hostilidades bélicas entre asnações deu origem, recentemente,ao DICA (Direito Internacional dosConflitos Armados) – o qual deveexercer ao longo do processo deci-sório militar, o que tange à condu-ção ética de um conflito armado –,portanto, a ancestral interligaçãoentre guerra e direito é uma evi-dência de sua indissociabilidade

Embora pareça controverso emesmo desproporcional, CostaJúnior26 comprova que o DireitoInternacional Público não existecomo direito, pelo menos é o quedeixa transpassar por lhe faltar aprevisão de sanções, um poderverdadeiramente sancionador comcondições de coercibilidade e quevai esbarrar na soberania dos Esta-dos. E tem mais: por orientar-se,

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não por um universo normativo,mas por interesses de pessoas natu-rais específicas e dos Estados quegovernam, nem sempre das naçõesou dos povos que, proporcional-mente, nem sempre estão a dar seuaval àquele que tem o poder consti-tucional de fazer a guerra.

Até para um leigo27, certamen-te que isso não é Direito, muitoembora se o possa conceber comoum esboço de universo formadopor elementos regentes do chama-do concerto das nações. Nesse jogodo xadrez do equilíbrio do podermundial, tudo se dá sob a batuta deuns poucos que governam o mundoe tem, sob a sua chancela, o poder,a ganância e um Direito interna-cional que ainda não consegueestabelecer normas realmente efi-cazes e limites realmente delimita-dores dos direitos irreais que temalguns governantes.

No caos da guerra a letra dalei parece ser alvo prioritário deaniquilação. A indiscriminação dasvítimas parece ser a única certezade homogeneidade e de uma certacondição igualitária sombria e te-nebrosa que não diferencia os que

tombam ante a senda criminosa decertos combatentes sanguinários.

TENDENCIONISMO ECENSURA

Algo que precisa ser entendi-do de imediato é que28 o corres-pondente, como o antropólogo,necessita de algum tempo paraentender aquela nova sociedadecom a qual vai lidar em seu traba-lho, portanto, a etnografia (o estu-do descritivo das diversas etnias,de suas características antropológi-cas, sociais etc; o registro descriti-vo da cultura material de um de-terminado povo) depende dissotanto quanto a cobertura jornalísti-ca. A individualidade, a formação eas convicções desses profissionaisfuncionam como filtros, mas otrabalho de ambos, no entanto,devem ser baseados em suas pers-pectivas nacionais sob a culturaestrangeira sobre a qual reporta, e épor essa condição cultural e civili-zatória que diversos antropólogosescreveram a respeito do olhar deestranhamento e exterioridade porparte do pesquisado em relação ao

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seu objeto, ou seja, essa seria umaatitude necessária e até natural,provinda da presença de sua pró-pria cultura e de sua origem, quenão devem ser descartadas devidoao contato com uma nova cultura.

Para que não se perca o “olharde alteridade”, evitando dispersõesfocais e de comunicação efetiva einteligível entre o emissor (corres-pondente) e o receptor (leitores,público alvo), Rusky29 pondera queum correspondente muito tempoem um país pode deixar de pensarcomo seus leitores e pensar comosuas fontes, o que pode ser fatalpara um bom trabalho. A razão dese evitar essa maior interação so-ciocultural com os “nativos” sebaseia na percepção de que é im-portante que o correspondente,além de informado sobre o queacontece em seu país, lembre-se daforma de pensar de seus conterrâ-neos, para conseguir traduzir a elesuma realidade estranha: ele (o cor-respondente) tem que traduzir arealidade do país em que está efazer o máximo possível de compa-rações que permitam às pessoasidentificar o que está acontecendo

com os referenciais que estão acos-tumadas a usar aqui em casa; ocorrespondente não pode, de ma-neira alguma, perder o contato como seu país.

Por outro lado, também não sepode, e nem se deve, deixar desuprir seus leitores/público cominformações e curiosidades sobreaquele pedaço do nosso planetaonde ele se encontra para que nãose crie a ilusão que existe umahomogeneidade internacional con-tínua e clonada. Analogias sãomuito bem vindas, úteis mesmo, jáque as comparações são uma formade trazer mais para perto o que éalheio30, hipoteticamente, se acon-tece um escândalo envolvendo umjogador de futebol americano nosEstados Unidos, por exemplo, éprovável que o brasileiro médionão o conheça, e compará-lo comalgum jogador brasileiro tão famo-so quanto, mas de futebol, esportepopular no Brasil, pode ser umaboa saída para que o brasileiroentenda a proporção do caso.

Moretti31 compartilhada dacerteza de que o jornalismo, cujocompromisso maior deveria ser

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com a verdade, como diz um co-nhecido slogan, nem sempre pri-mou pela ética durante sua turbu-lenta história. Assim, distorções defatos, meias-verdades, exageros,narrações tendenciosas de aconte-cimentos são elementos presentesnessa atividade, provavelmentedesde que um tambor pioneiroressoou transmitindo a primeiranotícia a distância, ou desde queuma testemunha ocular resolveunarrar o que viu para outras pesso-as. Desde quando?

Já nos primeiros relatos deguerra de que se tem notícia,aqueles do Antigo Testamentoda Bíblia, temos pontos de vistaclaramente tendenciosos, prin-cipalmente quando se tratava denarrar os combates do povo he-breu contra os filisteus, egíp-cios ou qualquer outro povo.Posteriormente, outros relatosde guerra igualmente distorci-dos foram sendo produzidos aolongo da história, muitos naforma de poemas épicos, comoa Ilíada de Homero, outros naforma de crônicas, como ascampanhas de Júlio César naInglaterra.Até então, seus redatores eramanônimos. O primeiro corres-

pondente de guerra que merecetal nome só apareceu no séculoXIX, especificamente na Guer-ra da Crimeia (1854), que en-volveu a Inglaterra e a Rússianuma disputa de fronteiras. Opapel de correspondentes era a-tribuído a jovens soldados quemandavam cartas das frentes debatalha, expediente bastante in-satisfatório, pois não apenas es-ses soldados-correspondenteseram altamente seletivos com oque escreviam, como mal en-tendiam o processo jornalístico.Foi então que o editor do TheTimes londrino enviou para ocampo de batalha um repórterespecialmente contratado para afunção: William Howard Rus-sell, o primeiro correspondentede guerra. Ele fez tamanho su-cesso cobrindo a guerra que de-pois reportou outros conflitos,como a Guerra de SecessãoEUA e a Guerra Franco-Prussiana.32

Surge, dos comportamentosdesviantes e posturas aéticas e an-tiprofissionais, um novo filão naindústria jornalística, e sobre a qualMoretti destaca que com o sucessoda cobertura dessa guerra, os cor-respondentes se tornaram estrelas,trata-se da Era de Ouro dessa cate-

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goria de jornalistas, e que foi entre1865 e 1914.33 Nessa esteira, rapi-damente, o correspondente se tor-nou o herói de suas próprias histó-rias, contando-as com toda a cor eintensidade, contexto onde o crédi-to ‘Do nosso correspondente’ foieliminado e substituído pelo nomedo próprio repórter, e que tinhampor características: meio malucos,meio aventureiros, viajavam emcavalo, jegue, camelo, de esqui, denavio ou de trem para onde fosse;carregavam cartas de crédito, peçasde ouro e, como não poderia deixarde ser, um par de pistolas semprecarregadas; alguns deles chegaraminclusive a servir ao Ministério dasRelações Exteriores de seus paísescomo espiões e informantes.34

Lopes35, ao abordar a relaçãocomensal e simbiótica entre oscorrespondentes de guerras e acensura a que são submetidos, re-lembra, a priori, que, por definição,a correspondência de guerra con-siste na transmissão periódica denotícias de uma guerra por jornalis-tas profissionais enviados por ór-gãos de imprensa ou freelancers auma zona conflagrada no exterior,

além do que, nesse sentido, estaprática consiste em um tipo especí-fico de jornalismo profissionalinternacional, exercido por umrepórter no local dos acontecimen-tos. Sem deixar de citar que, aolongo da história da correspondên-cia de guerra, o mito em torno dojornalista que vai ao front foi cres-cendo entre leitores e dentro daprópria categoria profissional naqual se insere o repórter, a ponto deser visto como uma estrela dentroda profissão.

Reforçando afirmações anteri-ormente estabelecidas36, historica-mente, a relação entre jornalistas eo acontecimento guerra confereembasamento à notória frase dosenador americano Hiram Johnson,que, em 1917, afirmou: “A primei-ra vítima, quando começa a guerra,é a verdade”. Com a ressalva deque a dualidade/dubiedade dessassituações caóticas, e mesmo o dua-lismo ético – bem x mal – deve serpercebida e conhecida antes de seramaldiçoada e defenestrada: aguerra é uma situação extrema,confrontado com cenas de violên-cia, em que sua vida está em risco,

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o ser humano costuma expressarinstintos primitivos, como a lutapor sobrevivência, o ódio, a indife-rença; mas, em algumas ocasiões,também expressa solidariedade esenso de proteção da família e deseu círculo social.

A guerra e seus corresponden-tes jornalísticos vivem essa relaçãode amor e de ódio, mas acabam setornando inseparáveis por simples“retroalimentação”: Informação époder, seu controle/censura é umaarma vital.

Lopes37, numa breve análiseprimária, afirma que o controle dainformação é considerado por es-trategistas militares uma arma im-portante utilizada na guerra, poissendo o jornalista um agente doconflito disposto a tornar públicasdescrições e narrativas sobre oacontecimento, é presumível queseu trabalho, capaz de influenciaras demais forças envolvidas e aopinião pública, seja alvo de con-trole. Daí, em muitos casos, o jor-nalista acaba por se engajar noesforço guerra, com relatos a favordo governo de seu país, onde éfrequente o jornalista, em situações

de conflito, se deixar manipular porfontes militares ou governamentais,sendo que a regra geral na cobertu-ra de guerra é o repórter mais oumenos aderir acriticamente às cau-sas e racionalidades que sua naçãodefende no conflito.

Dessa forma38, passa a valori-zar a coragem e a bravura dos sol-dados, sem questionamentos, sendoque a relação entre o jornalista e osgovernantes começa a sofrer afeta-ções mais intensas – equilibrando-se entre conivência, aceitações,conflitos e censura - no final doséculo XIX. E já no início da IGuerra Mundial, na Grã-Bretanha,sob o Decreto de Defesa do Reino,foi criado um sistema de censuratão severo que seu legado estende-se até hoje, e, como bônus, a boavontade dos proprietários de jor-nais na aceitação desse controle esua cooperação na disseminação dapropaganda trouxe-lhes a recom-pensa do status social e do poderpolítico; mas também minou aconfiança do público na imprensa.

No irromper da Grande Guer-ra (1914-1918), Lopes39 destacaque, inicialmente, o correspondente

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de guerra não se enquadrou noesforço de propaganda – os propri-etários de jornais estavam ansiososem cobrir a guerra, principalmenteporque ela seria um bom negóciopara os periódicos, as dificuldadeseram imensas, e para piorar o go-verno britânico ordenara que qual-quer correspondente encontrado nocampo fosse preso, tivesse seupassaporte apreendido e fosse ex-pulso da região. Nesse contexto,enquanto o continente mergulhavano conflito, alguns correspondentesentravam e saíam da prisão, outrosingressavam clandestinamente naAlemanha e, outros ainda, conse-guiam suas primeiras informaçõesexclusivas, como Granville Fortes-cue, que noticiou, em primeira mãopara o Daily Telegraph de 3 deagosto de 1914, a reportagem “Paísinvadido por soldados alemães. ABélgica era ocupada pela Alema-nha”.

Apesar de toda essa arquitetu-ra desinformativa40, é importantetrazer uma vez mais as palavras deRibeiro: “se guerra é ruim, guerrasem jornalista (ou escritor) porperto é pior”, pois, dentre outros

serviços meritórios e humanitáriosprestados, foi a cobertura dos cor-respondentes britânicos que levouo governo a melhorar as condiçõesde higiene e de assistência médicanos campos de batalha. Avançandoum pouco mais no tempo, e naevolução dos meios e ferramentasde comunicação, cabe relembrarque foi a cobertura no Vietnã –sobretudo a dos norte-americanos,e lá, principalmente, a de televisão– que fez com que, pela primeiravez na história, a população dosEUA se colocasse contra seu pró-prio governo, de tal forma que fezminar o apoio político ao conflito,e como consequência derradeira,isso abalou o moral das tropas,levando os Estados Unidos a con-frontarem com a mais humilhantederrota militar de sua história.

Em brevíssimo comentário a-cerca da temática desse simpósio,cabe destacar que41, no caso dacobertura brasileira na II GuerraMundial, o trabalho dos correspon-dentes era triplamente censurado:pelo V Exército Aliado, pela ForçaExpedicionária Brasileira (FEB) epelo Departamento de Imprensa e

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Propaganda (DIP): os exageradoselogios aos soldados nacionaiscontidos nos textos dos correspon-dentes chegavam a tal ponto que,às vezes, provocavam constrangi-mentos entre os próprios pracinhas.Sobressai-se a prática de RubemBraga teria sido exceção, uma vezque o profissional teria conseguidodriblar o controle governamentalpara fazer chegar ao público seupensamento sobre a guerra, e ape-sar de ter o seu trabalho de cober-tura de guerra sensivelmente limi-tado, desenvolveu o seguinte estra-tagema: por outro lado, parado-xalmente, ele conseguiu uma liber-dade que não havia usufruído noBrasil estadonovista; utilizando-se,para isso, de recursos literáriosinseridos dentro do seu trabalhojornalístico, como contar a trajetoria de personagens que causassemsimpatia e identificação do leitorou relatar situações que validassema sua opinião; através da análise dasociedade italiana e de outros as-pectos da guerra, ele conseguiaexpressar as suas opiniões políticase a sua visão de mundo, o que seria

muito difícil de se obter no jorna-lismo brasileiro da época.

Borges42 reitera que o papeldo jornalista de informar os fatos, a“verdade”, torna-se algo secundá-rio dentro de um ambiente onde ahostilidade e a sede pela vitóriaimperam. Entendendo-se que pu-blicar qualquer coisa que coloque anação em risco ou choque a opini-ão pública pode ser e é encaradocomo uma ameaça e o seu divulga-dor deve enfrentar as consequên-cias de seus atos.

Ecoa aqui, de forma retum-bante, a certeza de que43, nessesentido, a última coisa que veremosdentro da cobertura de guerra é aliberdade de imprensa, independen-te do país onde ela é feita e para oqual ela é realizada, pois nenhumconflito jamais travado pela huma-nidade e coberto de uma forma oude outra pelos jornalistas estevelivre da censura; nem mesmo aguerra do Vietnã como muitosquerem crer. De sorte que, fossenum ambiente ou em outro, a cen-sura estava sempre presente e tra-balhando para manter a opinião do

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público interno ignorante dos acon-tecimentos do front.

Quando trocamos o DireitoNatural pelo Direito Positivo, hámilhares de anos, para vivermosnuma sociedade com instituições egovernos, parte da liberdade foisacrificada em nome de duas açõesque se faz querer serem encaradascomo umbilicais e estritamentenecessárias para a garantia da ca-minhada civilizatória: a manuten-ção da ordem pública e a preserva-ção da paz social. Em já existindorestrições e censuras prévias dentroda normalidade dessas situaçõesaceitas pela população, não causaestranheza nem tampouco repulsa ofato de que durante períodos deguerra tais “amarras” sejam aindamais apertadas.

Estabelece-se, pois, nessa sea-ra de dicotomia primordial44, aconexão entre comunicação e con-flitos, a qual é, então, bastante vi-sível, já que, desde o século XVI,guerras e disputas marcaram toda aEuropa, seja no seu período mer-cantilista, seja na fase capitalista econtinuam a marcar até a atualida-de, com o advento da globalização,

de modo que notícias de guerras efeitos militares assinalam o inícioda imprensa e permeiam toda a suahistória. Como luz e trevas cami-nham sempre juntas, a imprensatrouxe consigo, entretanto, outranovidade: a censura, conhecidapela primeira vez durante a guerrados Trintas Anos (1618-1648), naAlemanha, esta foi a primeiragrande guerra europeia, caracteri-zada por um conflito religioso en-tre católicos e protestantes, que seestendeu de 1618 a 1648, e provo-cou o esfacelamento do Sacro Im-pério Romano-Germânico.

Outros governos/países copia-ram essa “prática preventiva”45,uma vez que foi também para im-pedir que as notícias desse longoconflito chegassem em detalhes aoconhecimento do público inglêsque o Star Chamber Decree, emvigor de 1632 a 1638, inviabilizavaparte da imprensa britânica e decerto modo dava a ela novos ru-mos. Dessa feita, a censura vinhana forma de imposições governa-mentais, proibição de circulação dejornais que não fossem os oficiais,taxações exorbitantes, bem como: é

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interessante notar, porém, que acensura surge dentro de uma im-prensa claramente voltada para asnotícias que vinham de terras dis-tantes; sua explicação se deve àintenção dos governantes locais deimpedir a disseminação do gérmendas grandes revoltas ou revoluçõesdentro de seus países e evitar im-pugnações às medidas oficiais.

Revisitando uma no-ção/entendimento basilar já exaus-tivamente reprisada até aqui, Cinel-li46 nos faz rememorar a compreen-são primária, e histórica, de que omonopólio dos meios destinados àaplicação da violência e às açõesconstabulares (poder de polícia) éuma das principais característicasdo Estado moderno, permeandoseus elementos constitutivos (povo,território e governo soberano).Relembrando ainda que isso o ca-racteriza, dentre outras razões,porque o distingue das comunida-des pré-modernas, onde a ameaçade violência humana por parte deexércitos invasores, bandoleiros esenhores da guerra locais era cons-tante e indiscriminada.

Sem esquecer-se de asseverar,enfaticamente, que47 o que nóstendemos a perceber como guerra,o que habitualmente se define co-mo guerra é, de fato, um fenômenoque tomou forma na Europa entreos séculos XV e XVIII e está inex-tricavelmente ligado à evolução doEstado moderno. Em assim sendo,eis porque a guerra legítima precisaser, para ser de fato legítima, geri-da exclusivamente pelo Estado,que a monopoliza, administrandoos meios e, por extensão, dosando-lhes a sua aplicação.

O conjunto de medidas restri-tivas de informação é, por isso,rotulado como Lei de Censura,frisa-se o destaque para a prece-dência e procedência da expressãofirme da “Lei”.

Enquanto prerrogativa do Es-tado, nas situações aquém e alémda normalidade da divisão entrePoderes constituídos (Executivo,Legislativo e Judiciário), e no res-peito a sua autonomia e destina-ções próprias, o direito de se fazerleis de exceção em nome tanto dasegurança como da soberania na-cionais encontra na guerra um ter-

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reno fértil para sua expansão, di-versificação e aprofundamento.

SEGUNDA GUERRAMUNDIAL E CORRESPON-DENTES BRASILEIROS

Para muitos estudiosos e pes-quisadores a Segunda GrandeGuerra Mundial (1939-1945) nadamais é do que a continuação daPrimeira Grande Guerra Mundial(1914-1918), após um interregno,uma suspensão das hostilidades, deum reenquadramento geopolítico,durante um breve intervalo comu-mente denominado como PeríodoEntre Guerras (1918-1939). Essa“meia-verdade” – se é que tal coisade fato exista, ou que seja possível– esbarra em um dos aspectos maisdeterminantes e diferenciais desseintervalo nesse grande jogo bélicodo século XX, a saber: o uso mas-sivo e profissional da propagandacomo instrumento de poder e deaparato ideológico a partir da dé-cada de 1920.

Em auxílio a essa argumenta-ção basilar, Henn48 corrobora oentendimento de que uma caracte-

rística fundamental da SegundaGuerra Mundial refere-se à exis-tência de outra guerra, paralela àbélica, para a qual foi dada umagrande importância por parte dosgovernos dos países beligerantes.Ação direcionada e vocacionadaprematuramente, cenário onde aluta pela dominação das consciên-cias da população atingiu tamanhaproporção que tornou a guerra pro-pagandística um ponto central doconflito, assim: a propaganda esta-va inserida em todos os veículos decomunicação, não havendo ne-nhum órgão de imprensa que esca-passe dessa realidade; desde a vei-culação de notícias até os anúnciospublicitários, tudo fazia parte dapropaganda estratégica de guerra.

Com o adendo de que49, ante-riormente, na Primeira Guerra, játinham sido usadas técnicas propa-gandísticas, mas, desta vez, emconsequência da evolução tecnoló-gica dos meios de comunicação,essas técnicas apresentavam umenorme grau de sofisticação. Con-tudo há um importante diferencial,enquanto, no conflito anterior, apropaganda e a censura eram ge-

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ralmente responsabilidades domesmo departamento, agora, exis-tiam pessoas com a função especí-fica de realizar a propaganda.

Deixando de lado a aborda-gem como o ódio étnico, o racismoe a difamação política e ideológicaque marcaram o envolvimento daimprensa e da propaganda, de for-ma ostensiva, monstruosa e ignó-bil, durante a Segunda GrandeGuerra Mundial, destaca-se que50,no que tange à cobertura jornalísti-ca, a Segunda Guerra caracterizou-se por marcar a consolidação dorádio como principal meio de co-municação popular mundial, comexceção de esporádicos filmes comcaráter documental exibidos noscinemas, as pessoas não tinhamacesso a imagens reais dos comba-tes; a televisão só iria se difundirapós o término da guerra. Portanto,sendo assim, somente o rádio pode-ria transmitir ao vivo das zonas decombate, era a partir da narraçãodo locutor que o público ouvinteconstruía a sua imagem das bata-lhas, o que fez com que o rádiocumprisse um papel fundamentalno sistema de propaganda elabora-

do pelos aliados51: os locutoresestavam cientes do papel que lhescabia: incrementar o interesse dapopulação pela guerra, levando aque a torcida pela vitória dos seuscompatriotas contagiasse o maiornúmero de pessoas; por isso, pro-curavam fazer as transmissões deforma dinâmica e emotiva.

E como e onde o correspon-dente de guerra entra nessa arena?

Acentua-se, dentro da análisepontual de Henn52 que a Testemu-nha Ocular era a única pessoa en-carregada e com autorização deassistir ao andamento das ações naszonas em que as autoridades proi-bissem a entrada dos demais cor-respondentes e, posteriormente, dedivulgar o seu relato aos colegas,além do que na Segunda Guerra,esta pessoa era um jornalista esco-lhido pelos responsáveis militares,diferentemente da Primeira, naqual era um militar de carreira.Bem como, de outra parte, não erasomente ele que deveria trabalharsob o severo controle das autorida-des militares, já que qualquer umque se interessasse em atuar comocorrespondente de guerra deveria

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passar por um complexo ritual deaceitação, e nesse processo, antesde seu credenciamento, estava su-jeito a ficar concentrado em umquartel por um prazo estipulado,recebendo instruções e aprendendoos regulamentos militares, assimcomo tinha de, obrigatoriamente,assinar um documento comprome-tendo-se a encaminhar o seu texto atodas as censuras instituídas pelocomando.

Obtendo sucesso na sua “edu-cação inicial”53, depois disso, ves-tia um uniforme de tropas regula-res, com a insígnia de War Corres-pondent bordada em dourado noombro e um soldado encarregadode ser seu motorista era-lhe desig-nado. Mas, apesar de contar com oposto simbólico de capitão, eracredenciado formalmente como“junto às tropas”, ou seja, não eraconsiderado parte das tropas regu-lares.

Não se pode deixar de pautarque o correspondente faz parte deuma complexa engrenagem – na-cional e estratégica – que é o esfor-ço de guerra. E naquele momentohistórico crucial e decisivo para os

rumos civilizatórios da humanida-de54, devido à abrangência da ali-ança contra o fascismo e o nazismona maior parte dos países do mun-do, era extremamente difícil, senãoimpossível, encontrar correspon-dentes de guerra que não se en-quadrassem voluntariamente noesforço de guerra, quer seja aquelesque eram jornalistas, muitas vezescom experiência em cobertura deoutros conflitos, seja os que eramescritores e trabalhavam nesta fun-ção pela primeira vez, todos, deforma mais ou menos acentuada,sucumbiram ao trabalho da propa-ganda patriótica.

O choque inevitável, porém namaioria das vezes adiado, por cau-sa do engajamento, do nacionalis-mo e da responsabilidade que lhespesavam sob os ombros, entre averdade dos fatos e a narrativaproduzida cobrou altos preços.Henn55 esclarece que é interessanteconstatar que alguns corresponden-tes tenham feito, posteriormente aotérmino do conflito, exames deconsciências sobre as suas atuaçõesengajadas no esforço de guerra deseus países, mas que, no entanto,

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nem todos que o fizeram lamenta-ram terem trabalhado deste modo,já que grande parte defendeu alegitimidade de suas atuações, por-que se tratava, segundo eles, deuma guerra justa, ou seja, do bemcontra o mal.

No campo inimigo56 na Ale-manha, desde o início da década de30, existiam órgãos governamen-tais com a função específica deelaborar propaganda do regime,Joseph Goebbels era o Ministro daPropaganda e defendia em seusdiscursos que a adesão da popula-ção ao nazismo não deveria serfeita somente através da coerçãofísica, embora admitisse a sua im-portância, e, para ele, as pessoasdeveriam ser cooptadas ideologi-camente através da propaganda, aqual, devido à sua relevância, de-veria ser formulada com profundorigor científico.

Formulações similares tam-bém se deram no campo dos Alia-dos. Henn57 explica que, dessaforma, tendo em vista o perigo de aEuropa ser dominada pelo nazis-mo, a partir do momento que Grã-Bretanha, Estados Unidos e União

Soviética se engajaram definitiva-mente na guerra, a tendência natu-ral para os meios de comunicaçãoera integrarem-se voluntariamenteà propaganda de seus países, situa-ção na qual os próprios correspon-dentes se autocensuravam, hesitan-do antes de noticiar qualquer in-formação que pudesse prejudicar oesforço de guerra, receando seremconsiderados traidores dentro deseus países. Na outra ponta da ca-deia midiática, os diretores e pro-prietários dos meios de comunica-ção tampouco consideravam des-cabida a censura, ao contrário,achavam que ela era inevitável emépoca de guerra: com efeito, emfevereiro de 1945, ocorreu a visitade três representantes da SociedadeNorte-Americana de Redatores dejornais à Londres com o objetivode discutir o livre fluxo de notíciasentre os países no pós-guerra; re-presentantes de jornais inglesesdeclararam serem francamentefavoráveis a essa liberdade de in-formações, mas somente depois determinado o conflito mundial.

Marchioro58, ao expor sobre aparticipação de correspondentes de

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guerra brasileiros nos campos debatalha da Europa, inicia obser-vando que a Segunda GrandeGuerra iniciou-se em 1939, noentanto foi apenas em 1944 que ocombate começou a ser decidido,bem como que o Brasil participouda guerra entre setembro de 1944 emaio de 1945, enviando 25445soldados e oficiais para o front. Eque durante o tempo em que a FEBesteve na Itália, foram enviadosjornalistas e correspondentes, edentre estes estavam Rubem Braga,junto ao Alto Comando Aliado, eJoel Silveira, sobre eles descreve:Braga permaneceu na Itália desetembro de 1944 a abril de 1945, edurante este período escreveu amaioria dos relatos que compõem oseu livro Crônicas de guerra: coma FEB na Itália; Joel Silveira em-barcou para a Itália no mesmo anoem que Braga, estiveram juntos emmuitos momentos na guerra, e vá-rias vezes passaram pelos mesmoslugares relatando suas experiên-cias.

Numa breve retrospectiva his-tórica dessa faceta do jornalismo59,a primeira vez que se tem registro

do envio de correspondentes deguerra da imprensa brasileira foi naGuerra do Paraguai (no séculoXIX), posteriormente na guerraque ficou conhecida como Guerrade Canudos – o escritor Euclidesda Cunha foi como correspondente(O Estado de S. Paulo) e daí jáhavia confluências entre literatura ejornalismo, da sua viagem escreveuOs Sertões –, e, em 1932, RubemBraga cobriu como correspondentea Revolução Constitucionalista deSão Paulo. Dessa feita, pode-sedizer que Rubem Braga foi um dospioneiros desse tipo de jornalismono país.

Complementando essa narra-tiva, Marchioro60 relata que poucoantes do envio das tropas brasilei-ras para a Europa, durante a Se-gunda Guerra Mundial, os princi-pais jornais do Brasil pedirampermissão para que seus corres-pondentes de guerra fossem cre-denciados junto às tropas. Com aconcessão assegurada, os primeirosrepresentantes dos jornais brasilei-ros rumaram para a Itália em 22 desetembro de 1944, e entre eles es-tava Rubem Braga, do Diário Cari-

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oca; e em 23 de novembro, juntoao 4º escalão, embarcou Joel Sil-veira, dos Diários associados.

Comparando os estilos dosdois correspondentes em destaque:

Pode-se dizer que a crônica deJoel Silveira é aparentementemais informativa e relacionadaà linguagem jornalística que ade Rubem Braga, entretantoambos os autores conseguem a-tingir o leitor cogitando refle-xão e proporcionando fruição.No caso de Silveira, tal impactoé atingido porque ele selecionamomentos exatos de seus rela-tos onde se utiliza da informa-ção para inserir algo que repre-sente uma quebra na linguagemjornalística – o que aproximaseu texto da prosa ficcional,como é o caso da crônica “A-quilo lá é Bolonha”. RubemBraga é tido pela crítica comoum cronista lírico [...] Nessesentido, tanto Braga quanto Sil-veira, apesar de todas as condi-ções adversas (censura, distân-cia, meio de transporte), trouxe-ram, além de informações, e-moções e experiência às famí-lias que ficaram no Brasil.61

Concorda-se, em amplo espec-tro, com Charlon62 na assertiva de

que o pesquisador por meio daescritura/narrativa de Rubem Braga– e de outros correspondentes deguerra – está diante do “outro”materializado em escritura/textos e,desta forma, em narrativas queabrigam interlocuções de vozes, decontextos e fronteiras. Sem esque-cer-se de destacar que as históriasproduzidas durante a guerra foramacolhidas por suportes diferentes eem tempos diferentes, gerandoreceptores, experiências, diferen-tes, uma vez que, no movimento,rumo à guerra, os soldados, mastambém o correspondente de guer-ra encontrarão outros homens vin-dos de outras terras que ao se des-locarem, carregam em suas baga-gens suas histórias.

Jamais se pode deixar de refle-tir/ponderara/argumentar que elesestarão juntos num outro país que aguerra manejada pela força impie-dosa e devastadora do fascismotransformou em campo de batalha,bem como que, logo, eles irãocompartilhar um espaço pluricultu-ral.63 Especificamente no caso docorrespondente de guerra, deslocar-se para viver uma guerra mundial

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significa também viver a circulaçãode sentidos e as trocas culturais nãoapenas como jornalista correspon-dente de guerra, mas também comohomem, e, na derradeira e homo-gênea nivelação, todos, sem dife-renças de divisas, estarão, igual-mente, expostos às interpretações eàs trocas, em regiões de fronteiras.

Se “A cobra Fumou”, certa-mente alguém relatou.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Somos, desde sempre, e parasempre, sedentos/viciados por in-formação, e quando o assunto éguerra, qualquer uma, essa deman-da é ainda mais urgente e diversifi-cada. Ninguém é tão ingênuo, oudesprovido do mínimo de sensocrítico e de lógica/razão, para aven-tar a possibilidade de que tem algofaltando ou que alguma coisa pare-ce demais exagerada e fora de con-texto nas narrativas de guerra, poiso jornalismo nessas ocasiões seconfunde – intencionalmente ounão – tanto com propaganda nacio-

nalista e patriótica como com amais desmedida ficção.

E com os avanços midiáticos edos meios de comunicação, princi-palmente das transmissões instan-tâneas e na internet, o componentenotícias de guerra se tornou algotão presencial quanto corriqueiro; eaté mesmo uma mercadoria. Con-tudo, nem todos sabem o que falamou fazem, e por isso é que é precisocriar “filtros” para selecionar o quepresta ou é fake news e/ou desin-formação nesse contexto.

Certo é que nada substitui afigura e a presença do correspon-dente de guerra atuando in loco.Afinal de contas eles são nossosolhos, ouvidos e boca nofront/campos de batalhas; e tam-bém parte da nossa alma e coração.

BIBLIOGRAFIA

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título de Mestre em Comunicação,pelo Programa de Pós-Graduaçãoem Ciência da Comunicação daUniversidade do Vale do Rio dosSinos – UNISINOS. São Leopoldo,2015.

MARCHIORO, Camila. RubemBraga e Joel Silveira: dois cronis-tas no front. Londrina (PR): Revis-ta Estação Literária, v. 11, jul.,2013, pp. 252-262.

MORETTI, Marco Aurélio Morro-ne. A ética no jornalismo: o jorna-lismo em tempos de guerra. SãoPaulo: Cenários da Comunicação(UNINOVE), vol. 3, dez., 2004, pp.89-102.

RUSKY, Renata Silveira. O perfile a rotina de correspondentes in-ternacionais. Monografia apresen-tada ao Curso de ComunicaçãoSocial, da Faculdade de Comuni-cação da Universidade de Brasília,como requisito parcial para obten-ção do grau de Bacharel em Jorna-lismo. Brasília: 2013.

VIEIRA, Maria Clara Nicolau.Correspondente internacional: es-tudo sobre a atual conjuntura daprofissão. São Paulo: Revista AL-TERJOR, Grupo de Estudos Alter-jor: jornalismo popular e alternati-vo (ECA/USP), ano 6, vol. 2, ed.12, jul.-dez., 2015, pp. 123-134.

1 BORGES, Lorena Araújo de Oliveira.Entre a informação e a censura nofront: a guerra perdida dos corres-pondentes. Monografia apresentadaao Curso de Graduação em Comunica-ção Social com habilitação em Jorna-lismo da Faculdade de ComunicaçãoSocial e Biblioteconomia da Universi-dade Federal de Goiás, para a obten-ção do título de bacharel em Jornalis-mo. Goiânia: 2005, p.9.2 Ibid.3 DINIZ, Lília. Correspondente de guer-ra: a rotina da cobertura no front.2011. Disponível em:http://observatoriodaimprensa.com.br/jornal-de-debates/correspondente-de-guerra-a-rotina-da-cobertura-no-front/. Acesso em 6 mai. 2018.4 Ibid.5 CARVALHO, Élvio da Silva. Jornalismode Guerra: o caso da Imprensa Portu-guesa. Dissertação para obtenção doGrau de Mestre em Jornalismo (2ºciclo de estudos), Universidade daBeira Interior, Artes e Letras. Covilhã(PT): 2013, p.13.6 Ibid.7 Ibid.8 Ibid., p. 16.9 Ibid., p. 13.10 Ibid., p. 20.

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11 Ibid, p. 21.12 VIEIRA, Maria Clara Nicolau. Corres-pondente internacional: estudo sobrea atual conjuntura da profissão. SãoPaulo: Revista ALTERJOR, Grupo deEstudos Alterjor: jornalismo popular ealternativo (ECA/USP), ano 6, vol. 2,ed. 12, jul.-dez., 2015, pp. 123-134,p.128.13 Ibid., p. 128-129.14 Ibid, p. 129.15 BORGES, op.cit., p. 58.16 Ibid., p. 59.17 Ibid.18 FIORENTIN, Luana; BERTOL, SoniaRegina. Reação de jornalistas apóssituações traumáticas: estudo descri-tivo-analítico. Anais do Intercom –Sociedade Brasileira de Estudos Inter-disciplinares da Comunicação, XVIICongresso de Ciências da Comunica-ção na Região Sul. Curitiba: de 26 a28/05/2016, p.4.19 Ibid., p. 10.20 Ibid.21 GARCIA, Maria Fernanda. A foto, oprêmio e o suicídio. 2017. Disponívelem:<http://observatorio3setor.org.br/noticias/foto-o-premio-e-o-suicidio/>Acesso em: 10 maio 2018.22 BORGES, op.cit., p. 60.

23 Ibid., p. 61.24 CINELLI, Carlos Frederico Gomes.Direito internacional dos conflitosarmados: legitimidade e confiançaontológica. Juiz de Fora: Centro dePesquisas Estratégicas Paulino Soaresde Souza, 2008, p. 7.25 Ibid.26 COSTA JÚNIOR, Emanuel de Olivei-ra. A guerra no direito internacional.Revista Jus Navigandi, Teresina, n.114, 26 out. 2003. P.6.27 Ibid.28 RUSKY, Renata Silveira. O perfil e arotina de correspondentes internacio-nais. Monografia apresentada aoCurso de Comunicação Social, da Fa-culdade de Comunicação da Universi-dade de Brasília, como requisito par-cial para obtenção do grau de Bacha-rel em Jornalismo. Brasília: 2013, p.26.29 Ibid.30 Ibid., p. 27.31 MORETTI, Marco Aurélio Morrone.A ética no jornalismo: o jornalismo emtempos de guerra. São Paulo: Cenáriosda Comunicação (UNINOVE), vol. 3,dez., 2004, pp. 89-102, p. 91.32 Ibid.33 Ibid., p. 92.34 Ibid., p. 92-93.

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35 LOPES, Rodrigo Guimarães. A práti-ca jornalística em áreas de guerra:uma experiência brasileira na cobertu-ra do conflito na Líbia. Dissertaçãoapresentada como requisito parcialpara obtenção do título de Mestre emComunicação, pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Comunica-ção da Universidade do Vale do Riodos Sinos – UNISINOS. São Leopoldo(RS): 2015, p. 28.36 Ibid., p. 29.37 Ibid., p.35.38 Ibid.39 Ibid., p.36.40 Ibid., p.39.41 Ibid.42 BORGES, op.cit., p. 9.43 Ibid.44 Ibid., p. 14.45 Ibid.46 CINELLI, op.cit., p. 2.47 Ibid., p. 3.48 HENN, Leonardo Guedes. Os cor-respondentes de guerra e a coberturajornalística da Segunda Guerra Mun-dial. Santa Maria (RS): Revistas Sociaise Humanas (Universidade Federal deSanta Maria/Centro de Ciências Soci-ais e Humanas), vol. 26, nº. 03,set./dez., 2013, pp. 670-686, p. 670.

49 Ibid.50 Ibid., p. 674-675.51 Ibid52 Ibid., p. 676.53 Ibid.54 Ibid., p. 681.55 Ibid., p. 682.56 Ibid.57 Ibid.58 MARCHIORO, Camila. Rubem Bragae Joel Silveira: dois cronistas no front.Londrina (PR): Revista Estação Literá-ria (UEL), vol. 11, jul., 2013, pp. 252-262, p. 256.59 Ibid.60 Ibid.61 Ibid., p. 260-261.62 CHARLON, Maria de Lourdes Patrini.Rubem Braga: correspondente deguerra na Itália. Anais do XV Congres-so da ABRALIC (Associação Brasileirade Literatura Comparada), com atemática Experiências Literárias eTextualidades Contemporâneas, Uni-versidade do Estado do Rio de Janeiro(UERJ). Rio de Janeiro: de 07 a 11 deagosto de 2017, p. 6783.63 Ibid.

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Transmissões da FEB:homens e equipamentos que fizeram história

Israel Blajberg ª

Resumo: Dissertar sobre as comunicações no Brasil do pós-guerra traz a luz obri-gatoriamente a atuação do pessoal militar especializado, seja da ativa ou da re-serva, oriundos das três forças singulares, e com natural predominância quantita-tiva do Exército, dado o seu maior efetivo geral e setorial. Foi relevante a atuaçãodestes pioneiros da área militar. O presente estudo discorre sobre as origens daArma de Comunicações no Exército Brasileiro, cujas raízes remontam à MissãoMilitar Francesa e à Companhia de Transmissões da Força Expedicionária Brasilei-ra.Palavras-chave: Comunicações, Telecomunicações, História Militar

INTRODUÇÃO

Arrostando o intenso frio doinverno italiano e o fogo inimigo,eles lançavam sobre a terra geladaas linhas que garantiam as comuni-cações da Força ExpedicionáriaBrasileira (FEB). Numa época emque a Internet e os celulares sequereram sonhados, os poucos bravosda Companhia de Transmissões doBatalhão de Engenharia escreve-

ram páginas de glória da HistoriaMilitar contemporânea.

Lançando linhas telefônicas eestabelecendo enlaces via rádio,provaram-se a altura da epopeiavivida pelo Marechal Rondon aoconstruir as primeiras linhas tele-gráficas na Hileia Amazônica, eleque mais tarde seria consagradoPatrono da Arma de Comunicaçõesdo Exército Brasileiro.

Queremos aqui trazer umamodesta contribuição aos estudio-

__________a Engenheiro e professor. Associado titular do Instituto de Geografia e HistóriaMilitar do Brasil.

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sos da participação do Brasil na 2ªGuerra Mundial, no que concerneas ações da ulterior e novel Armado Comando, principalmente asnovas gerações, já agora sob aperspectiva de 7 décadas passadas,considerando que a literatura sobreas Transmissões da FEB, ao quenos parece, é menos abundante queaquela dedicada as demais opera-ções no Teatro de Operações Itali-ano.

Mas nem só no combate aCompanhia se provou eficiente.Numa época em que o verdadeirofeito da comunicação internacionalera monopólio de companhias es-trangeiras, através de pouquíssimoscanais viabilizados por enormescampos de antenas HF, o Serviçode Transmissões do Exército járealizava transmissões internacio-nais entre o Brasil e a Itália, para aépoca, um notável feito tecnológi-co.

Este trabalho procura tambémfazer justiça a homens que voltan-do ao Brasil, muito deram de si natarefa de erguer este que é hoje omoderno e eficiente Sistema Brasi-leiro de Telecomunicações, seja

nas lides militares das Unidades deComunicações, seja na vida civilintegrando equipes pioneiras deplanejamento e implantação.

O Brasil e as Telecomunica-ções Brasileiras muito devem aestes idealistas, na guerra e na paz.De Rondon à Empresa Brasileirade Telecomunicações (EMBRA-TEL), passando pela FEB – Solda-dos das Telecomunicações, os res-ponsáveis pela notável epopeia deinterligar o Brasil do pós-guerra,sob a inspiração e o exemplo deRondon, grande brasileiro e pionei-ro na construção das linhas telegrá-ficas na Amazônia, o Marechal daSelva - Eternizar a memória dasTransmissões da FEB é a melhorhomenagem que se poderia prestar.

AS TRANSMISSÕESMILITARES

Em suas origens, as comuni-cações militares foram historica-mente denominadas Transmissões,do francês Transmission, sob ainfluência da Missão de InstruçãoFrancesa, que, como resultado do

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acordo Brasil-França, nos trouxeuma grande experiência oriunda dasua vitória na 1ª Guerra Mundial(1914-1918).

As Transmissões eram atribui-ções orgânicas das Unidades deEngenharia. Os equipamentos eramoperados por telegrafistas, a maio-ria preparada no Departamento deCorreios e Telégrafos, em empre-sas civis e na Escola de Transmis-sões de Deodoro. O processo demodernização do Exército Brasilei-ro no período entre as duas GuerrasMundiais permitiu um primeiroimpulso no avanço das telecomuni-cações.

Paulatinamente, redes própriasforam interligando cidades-sede deunidades. As redes administrativaseram fixas, e as redes operacionaistinham certo grau de mobilidade,sendo móveis ou semimóveis, afim de acompanhar o deslocamentodas tropas. O material era essenci-almente importado e de baixa ca-pacidade.

A Arma de Comunicações se-ria criada já depois da guerra, aos25 de agosto de 1956, com a san-ção da nova Lei de Organização

Básica do Exército. Sua organiza-ção seria definida apenas em 1959,e a regulamentação fixada em1960, sendo criados os Batalhõesde Comunicações Divisionários (BCom Div) e Companhias de Co-municações (Cia Com), e o impul-so dado a Fábrica de Material deComunicações e ao Serviço Rádiodo Exército, com pessoal militarespecífico da nova Arma.

UNIDADES DETRANSMISSÕES

Desde o Império já havia ati-vidades de transmissões nas unida-des da Arma de Engenharia, osantecedentes da moderna Arma deComunicações.

Em 1915, uma rede de esta-ções radiotelegráficas foi formadacom estações na Companhia deTelegrafistas, e outra em Niterói,atendendo aos fortes. Foi a redeque mais tarde daria origem aoServiço Radiotelegráfico Geral doExército, e, posteriormente, aoServiço Rádio do Ministério daGuerra.

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A vinda da Missão MilitarFrancesa em 1919 trouxe inova-ções na área. Em 1921 foi criado oServiço Rádio do Exército, a pri-meira organização militar (OM) deTransmissões, subordinada à Dire-toria de Engenharia. Em 1924, foicriado o Centro de Instrução deTransmissões, sob direção de ofici-ais da Missão Francesa, de cujaevolução futura resultou a atualEscola de Comunicações (EsCom).

Na década de 1930 as trans-missões sofreram reformas com acriação da Diretoria do ServiçoTelegráfico, tendo como orgãossubordinados: o Serviço Rádio doExército, os Serviços de Transmis-sões da Regiões e CircunscriçõesMilitares, a Companhia Telegráficado Exército (Organização Militarde Tropa), o Depósito Central deMaterial Telegráfico e o Centro deInstrução de Transmissões (CIT).

A Diretoria do Serviço Tele-gráfico, acompanhando a evoluçãodo Exército, teve o seu nome mu-dado par Subdiretoria de Transmis-sões (16/02/1938), para Diretoriade Transmissões (10/03/1943) e,

finalmente, para Diretoria de Co-municações (1953)

ESCOLA DECOMUNICAÇÕES

Existe um grande paralelo en-tre a história das Comunicações doExército Brasileiro (EB) e a histó-ria da EsCom, que data de 1921,quando foi criado, na Vila Militar oCentro de Instrução de Transmis-sões da 1ª Região Militar (RM),embrião da atual Escola de Comu-nicações, denominação esta quedata de 1953.

A Escola de Comunicações foicomandada por alguns nomes ilus-tres, que passaram a história dastelecomunicações brasileiras, den-tre eles:

- Cel Higino Caetano Corsetti,instrutor de Comunicações na Aca-demia Militar das Agulhas negras(AMAN) e, mais tarde, Ministrodas Comunicações;

- Gen Kleber Rollim Pinheiro,foi Diretor Geral do DepartamentoNacional de Telecomunicações(DENTEL);

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- Cel Nelson Souto Jorge, pre-sidiu a Companhia Telefônica Bra-sileira (CTB) ao longo de momen-tos difíceis, como as obras do Me-trô que causaram inúmeros e ex-tensos acidentes na Rede Externa.

1º BATALHÃO DE COMUNI-CAÇÕES DIVISIONÁRIO (1º BCom Div)

Unidade tradicional, o 1º Ba-talhão de Comunicações Divisioná-rio, cujas origens remontam a 21de agosto de 1945, data em que foicriada a Companhia Escola deTransmissões. Em 1966, foi trans-formada em 1º Batalhão de Comu-nicações. Dentro da política deremanejamento das unidades, em1993, o 1º B Com Div teve suasede transferida do Rio de Janeiropara Santo Ângelo-RS. Em 13 deoutubro de 2000, foi-lhe concedidaa denominação histórica de "Bata-lhão General Mário da Silva Mi-randa", uma justa homenagem aocomandante da 1ª Companhia deTransmissões da 1ª Divisão deInfantaria Expedicionária e ilustre

integrante da Arma de Comunica-ções.

FORÇA EXPEDICIONÁRIABRASILEIRA (FEB–1942/1945)

No período pré-guerra já ope-ravam Companhias Independentesde Transmissões com sedes nasdiversas Regiões Militares, comSeções de Construção de Linhas eoutras. Tais unidades possuíam atépombais. Na época era relativa-mente comum o esporte do pombo-correio, havendo associações decolumbofilia disseminadas peloBrasil

Uma das unidades mais im-portantes era o Batalhão VillagranCabrita, situado na Vila Militar.Embora tivesse o nome do patronoda Engenharia, originalmente eraum Batalhão de Transmissões, comtrês Companhias de Transmissões emais uma Companhia Extra.

Ao ser formada a FEB, o Ba-talhão estava passando da situaçãode hipomóvel para automóvel, oque ademais ocorria também com aArtilharia, onde as baterias de arti-

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lharia de dorso Schneider 75mm(peças desmontáveis transportadaspor muares) e baterias hipomóveisKrupp 75mm davam lugar a umanova geração de obuses de 105 e155mm autorrebocados, como o

Regimento Floriano, unidade FE-Biana sucedendo o antigo 1º Regi-mento de Artilharia Montada.

Hoje, este Batalhão situa-seem Santa Cruz, e na Vila Militartemos o Batalhão Escola de Comu-nicações - Batalhão Barão de Ca-

panema, que até hoje comemora ofeito de 14 de setembro de 1944,quando foram estabelecidas asprimeiras transmissões radiotele-gráficas intercontinentais da FEBna Itália para o Rio de Janeiro,

durante a 2ª Guerra Mundial,Analisando ainda que de mo-

do sintético o papel das Transmis-sões da FEB, descobre-se o iníciodos caminhos mais tarde trilhadopor alguns de seus integrantes, queocuparam cargos importantes na

Oficiais e alunos da Escola de Transmissões em 1951

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lharia de dorso Schneider 75mm(peças desmontáveis transportadaspor muares) e baterias hipomóveisKrupp 75mm davam lugar a umanova geração de obuses de 105 e155mm autorrebocados, como o

Regimento Floriano, unidade FE-Biana sucedendo o antigo 1º Regi-mento de Artilharia Montada.

Hoje, este Batalhão situa-seem Santa Cruz, e na Vila Militartemos o Batalhão Escola de Comu-nicações - Batalhão Barão de Ca-

panema, que até hoje comemora ofeito de 14 de setembro de 1944,quando foram estabelecidas asprimeiras transmissões radiotele-gráficas intercontinentais da FEBna Itália para o Rio de Janeiro,

durante a 2ª Guerra Mundial,Analisando ainda que de mo-

do sintético o papel das Transmis-sões da FEB, descobre-se o iníciodos caminhos mais tarde trilhadopor alguns de seus integrantes, queocuparam cargos importantes na

Oficiais e alunos da Escola de Transmissões em 1951

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esfera do Ministério das Comuni-cações e no setor privado. Aliás,diga-se de passagem, tal não foiprivilégio do pessoal das Transmis-sões, de vez que diversos FEBianosde outras armas também vieram ase tornar figuras de destaque.

Para cumprir a sua missão, aCompanhia de Transmissões con-tava com 10 oficiais e 212 praças, eequipamentos de dotação da 1ªDivisão de Infantaria Expedicioná-ria (DIE): 730 telefones de campa-nha, 600 rádios, 55 criptógrafos e 4teletipos.

Eram os seguintes os Oficiaisde Engenharia afetos às Transmis-sões:

- Major Arnaldo Augusto daMatta, Chefe do Serviço de Trans-missões da DIE;

- Capitão Mario da Silva Mi-randa, Comandante da Companhia;

- 1° Ten Hélio Richard;- 1° Tenente Marcelo de Mena

Barreto de Barros Falcão;- 1° Tenente Gernes da Silva

Costa;- 1° Tenente Antônio Carlos

Sequeira;

- 1° Tenente Osvaldo Siquei-ra, Intendente;

- 1° Tenente Hervê BerlandezPedrosa;

- 1° Tenente Afrânio ViçosoJardim;

- 2º Tenente Aristides Pereirade Morais.

Os 1º Tenentes Gernes da Sil-va Costa, Comandante do GrupoTelefônico-Telegráfico, e AfrânioViçoso Jardim, do Serviço deTransmissões da 1ª DIE, foramferidos em 04 de janeiro de 1945por estilhaços de obus de artilhariainimiga, que explodiu próximo aojipe em que viajavam.na região dePorreta Terme. Foram evacuadospara tratamento de saúde nos EUA.

A 1ª Companhia de Transmis-sões da 1ª DIE teve mais 12 ho-mens feridos, e os seguintes mortosem campanha:

- 2º Sargento Assad Feres –Radiotelegrafista;

- 3º Sargento Geraldo Santana– Radiotelegrafista;

- Soldado Miguel FranciscoDias – Serviços Gerais;

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- Soldado Ulpiano dos Santos– Motorista e Agente de Transmis-sões.

Entre os Soldados das Tele-comunicações da FEB, que maistarde ingressaram no setor civil,podemos referenciaros que seguem:

- 2º Ten de Ar-tilharia GustavoNilo Romero Ban-deira de Mello, quena FEB serviu noGrupo de Artilharia,formando-se poste-riormente em Co-municações pela Escola Técnica doExército (EsTEx, atual InstitutoMilitar de Engenharia), e ao passarpara a reserva, como general, foium colaborador muito próximo doGen Alencastro, Presidente da TE-LEBRÁS, tendo sido ainda um dosfundadores do Curso de Engenha-ria de Telecomunicações da Uni-versidade Federal Fluminense.

- Cap de Artilharia FranciscoAugusto de Souza Gomes Galvão,posteriormente Gen Bda ao passarpara a Reserva, tendo presidido a

EMBRATEL durante a implanta-ção do sistema básico da empresa.

- 1º Ten de Engenharia HelioRichard, declarado Aspirante aoficial pela escola Militar do Rea-lengo em 1942, tendo cursado a

Eastern SignalCorps School (EU-A). Foi, durantetoda a Campanha, osubcomandante daCompanhia deTransmissões da 1ªDIE. Após a FEB,formou-se pela Es-TEx em 1949. Ain-

da na Ativa, como coronel, exerceua função de chefe do DENTEL em1964. Na Reserva, como Gen Bda,integrou os quadros de engenhariada Petrobrás e da Embratel.

- 1º Ten de Engenharia HervêBerlandez Pedroza, especialista emrádio do Exército, motivo que olevou a integrar a FEB, na qualcoube-lhe comandar o Destaca-mento de Transmissões, com atua-ção destacada nas ligações da FEBcom o Brasil, via rádio. Após aFEB, diplomou-se em Engenhariade Telecomunicações em Stanford.

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- Soldado Ulpiano dos Santos– Motorista e Agente de Transmis-sões.

Entre os Soldados das Tele-comunicações da FEB, que maistarde ingressaram no setor civil,podemos referenciaros que seguem:

- 2º Ten de Ar-tilharia GustavoNilo Romero Ban-deira de Mello, quena FEB serviu noGrupo de Artilharia,formando-se poste-riormente em Co-municações pela Escola Técnica doExército (EsTEx, atual InstitutoMilitar de Engenharia), e ao passarpara a reserva, como general, foium colaborador muito próximo doGen Alencastro, Presidente da TE-LEBRÁS, tendo sido ainda um dosfundadores do Curso de Engenha-ria de Telecomunicações da Uni-versidade Federal Fluminense.

- Cap de Artilharia FranciscoAugusto de Souza Gomes Galvão,posteriormente Gen Bda ao passarpara a Reserva, tendo presidido a

EMBRATEL durante a implanta-ção do sistema básico da empresa.

- 1º Ten de Engenharia HelioRichard, declarado Aspirante aoficial pela escola Militar do Rea-lengo em 1942, tendo cursado a

Eastern SignalCorps School (EU-A). Foi, durantetoda a Campanha, osubcomandante daCompanhia deTransmissões da 1ªDIE. Após a FEB,formou-se pela Es-TEx em 1949. Ain-

da na Ativa, como coronel, exerceua função de chefe do DENTEL em1964. Na Reserva, como Gen Bda,integrou os quadros de engenhariada Petrobrás e da Embratel.

- 1º Ten de Engenharia HervêBerlandez Pedroza, especialista emrádio do Exército, motivo que olevou a integrar a FEB, na qualcoube-lhe comandar o Destaca-mento de Transmissões, com atua-ção destacada nas ligações da FEBcom o Brasil, via rádio. Após aFEB, diplomou-se em Engenhariade Telecomunicações em Stanford.

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Como Major, foi Instrutor-chefedos cursos de especialização deoficiais da então Escola de Trans-missões. Passando para a Reservano posto de coronel, continuoudedicando-se ao setor de telecomu-nicações, destacando-se nas fun-ções de Secretário Geral do Minis-tério das Comunicações. Na suagestão como Diretor de Telégrafosdo DCT, foram instaladas sob acoordenação do Cel Jorge MarsiajLeal as primeiras duas CentraisTelex a operar no Brasil (Rio deJaneiro e Brasília). Ao chegar naItália, o Tenente Hervê, com a suahabilidade e conhecimento conse-guiu modificar um equipamentorádio transmissor de pequena po-tência na faixa de 3 a 18 MHZSCR-399. Era um equipamentoinstalado numa carroceria de GMCde 2 1/2 toneladas 4x4, potência daordem de 400 watts, com o qual,com muita habilidade, poderiatransmitir da Europa para o Brasil.

Este transmissor SCR-399 queera operado pelo Tenente Aristidesem telegrafia, transmitindo todas asmensagens da Itália para o Brasil,foi utilizado durante toda a guerra

para as Comunicações Itália-Brasilda Força Expedicionária Brasileira,e, posteriormente, na Estação Rá-dio PTA-2 (Batalhão Suez).

O início dos serviços de co-municação com o Batalhão Suez naFaixa de Gaza deveu-se, ainda, àantiga 1ª Companhia de Transmis-sões, então comandada pelo CapHervê Berlandez Pedroza, querecebeu a missão de instalar umaEstação Rádio no pátio central doQuartel-General (QG) em condi-ções de se comunicar com os co-mandos das Regiões Militares doExército.

A estação rádio SCR 399 erachefiada pelo1° Ten Haroldo Cor-rêa de Mattos, que um dia viria aser Ministro das Comunicações, eentre as praças, estava o então SgtAntônio André, futuro Major An-dré, grande ativista da Casa daFEB, onde ocupou diversos cargos,inclusive de Presidente do Conse-lho Deliberativo.

Era um serviço inestimável,depois prestado por uma RAD.400,com a ligação diária para o QG doExército no Rio de Janeiro (a16.000 km de distância), em grafia

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e em fonia, de que toda a tropa sebeneficiava.

A estação rádio PTA-2 de Ra-fah foi chefiada ao longo de 20contingentes por diversos especia-listas, dos quais aqui citamos al-guns, nomes importantes da Enge-nharia Militar: José Antônio deAlencastro e Silva, depois Presi-dente da CETEL e da TELEBRAS,José Nunes Camargo, Nilo ChavesTeixeira, Helvécio Gilson, depoisPresidente da EBT, e Olival Mano-vanelli Netto, Cap Alcio Barbosada Costa e Silva, Maj Inf Wilsonda Silveira Brito, 1º chefe da PTA-2, e responsável pela sua instalaçãona Faixa de Gaza. Maj Art Natali-no da Silveira Brito, 2º chefe daPTA-2, sendo irmão do anterior.Cap Jorge Marsiaj Leal, 3º chefe daPTA-2, durante o período 1958-1959, e comandante do 3º Contin-gente do Batalhão Suez que inte-grava a Força de Emergência dasNações Unidas.

BIBLIOGRAFIA

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BARONE, João. 1942. O Brasil esua guerra quase desconhecida.São Paulo: Nova Fronteira, 2013.

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LAMARÃO, Benjamim da Costa.As Comunicações Militares. Rio deJaneiro: s/d.

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OLIVEIRA, Euclides Quandt. Re-nascem as Telecomunicações:construindo a base. Rio de Janeiro:EDITEL, 1992.

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A Marinha do Brasil na Amazônia Oriental:história, atualidade e perspectivas

Ricardo Jacques Ferreiraª

Resumo: A conquista e a manutenção da Amazônia, devido à sua dimensão, as-pectos fisiográficos e dificuldade de circulação, sempre se constituíram comodesafio ao Estado brasileiro. Juntamente com o Exército e a Força Aérea, a Mari-nha do Brasil tem sido, ao longo da história, um vetor essencial para o desenvol-vimento de tão importante região do país. O presente artigo, elaborado peloComandante do Grupamento de Patrulha Naval do Norte, descortina o papel daforça naval brasileira na Amazônia Oriental, em uma perspectiva histórica e analí-tica, com foco nas principais atividades desenvolvidas pelo 4º Distrito Naval,grande comando naval responsável pela área: patrulha naval, ações cívico-sociais,fuzileiros navais, segurança do tráfego aquaviário, busca e salvamento e hidrogra-fia.Palavras-chave: Marinha do Brasil, Amazônia, Geopolítica.

INTRODUÇÃO

A Amazônia Oriental é umaregião de características peculiares,com concentrações populacionaisesparsas e ás margens dos rios. Adensa cobertura florestal e as ca-racterísticas climatológicas dificul-tam o estabelecimento de rodoviase outros modais terrestres, aumen-

tando ainda mais a importância dosmais de 6.000 km de rios navegá-veis para o desenvolvimento eco-nômico e integração dessa região.

A conquista e ocupação desseespaço se deu com o sacrifício deexploradores, lutando contra asadversidades da floresta amazôni-ca, da inexistência de apoio logísti-co, do clima inóspito e em rios

__________a Capitão de Mar e Guerra. Comandante do Grupamento de Patrulha Naval doNorte.

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sinuosos e com batimetria variávelao longo do ano. Além disso, oisolamento da região em relaçãoaos grandes centros de Poder criou,ao longo da história, momentos devulnerabilidade à soberania nacio-nal, demandando a presença daMarinha do Brasil nessa região tãodesafiadora.1 Esse conjunto defatores tornou necessária a adoçãode um planejamento mais eficienteno final do século XIX, para oestabelecimento da presença daMarinha na Amazônia Oriental.Era essencial que os navios pudes-sem controlar e monitorar a áreafluvial, com a capacidade de ope-rar, por longos períodos de tempo,afastados de suas bases.2

Com o passar dos anos, novosdesafios surgiram, como o aumentodo tráfego aquaviário para o esco-amento logístico do agronegócio,os crimes transfronteiriços e ambi-entais, aumentando as importânciasdas tarefas da Autoridade Maríti-ma3 e daquelas afetas à PatrulhaNaval.

O aprofundamento dos estu-dos de segurança no século XXI eo estabelecimento da Amazônia

como área de interesse estratégico4

ressaltaram a importância de elabo-ração de políticas e estratégiascooperativas, levando a Marinhado Brasil a planejar e executarmudanças organizacionais e deprocessos para enfrentar os novosdesafios.

Em virtude deste cenário queora se vislumbra, visando a ampliara discussão em torno da nova con-juntura e seus reflexos na Marinhado Brasil (MB), este artigo temcomo propósito apresentar trêsaspectos assim definidos: um brevehistórico da evolução da Marinhana Amazônia Oriental, os resul-tados obtidos à luz dos desafiosatuais e as perspectivas para o futu-ro. Em face da dimensão do as-sunto, será atribuída ênfase às a-ções operacionais e afetas à Auto-ridade Marítima no período de2016 a 2018.

BREVE HISTÓRIA DAMARINHA NA AMAZÔNIAORIENTAL

Em 12 de janeiro de 1616, foifundada a cidade de Belém, sendo

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seu marco inicial a construção doForte do Castelo do Senhor SantoCristo do Presépio de Belém, umaedificação de pau-a-pique, à mar-gem, do Igarapé Piri na Baía doRio Guajará. Esta localização jáconsiderava a relevância da nave-gação fluvial para a vida econômi-ca e defesa do território. Naquelaépoca, a principal preocupação eraa disputa por colônias entre as po-tências europeias, resultando mui-tas vezes em ataques de corsáriosholandeses, ingleses e franceses.Assim, optava-se pelo modelo dese defender por meio de fortifica-ções em terra com canhões contraas invasões vindas pelo rio. Algunsnavios eram designados pela coroaportuguesa para permaneceremestacionados temporariamente emBelém para se contrapor a eventu-ais inimigos.

O verdadeiro embrião da Ma-rinha do presente na Amazônia foia criação, pelo Governador Geral eCapitão-Mor do Maranhão e GrãoPará, Alexandre de Souza Freire,em 1728, da primeira Força-Navalaqui sediada de forma permanentee a fundação, em 1729, de um con-

junto de oficinas para construção ereparo naval, a que se deu o nomede Casa das Canoas5, sendo este oprimeiro registro de criação dosestaleiros oficiais na Amazônia.

Em 1761, este conjunto de o-ficinas foi transferido para o Con-vento São Boaventura, onde passoua se chamar Arsenal de Marinha doPará. A transferência trouxe maisatribuições, entre elas a construçãode navios de guerra de maior portepara operarem em mar aberto. Noápice de sua atividade, na época daGuerra do Paraguai, o Arsenal deMarinha do Pará construiu umanau armada com 74 canhões, 5fragatas de 44 canhões, 4 charruase 12 calupas artilheiras6. Nos anosdo pós-guerra, o Arsenal se limitouaos reparos nos navios de guerra,que, mais tarde, constituiriam aFlotilha do Amazonas.

Em 1809, como parte das reta-liações impostas pela Coroa Portu-guesa a Napoleão, foi realizada aprimeira Operação Ribeirinha emcenário amazônico, com a Tomadade Caiena, na Guiana Francesa. Naocasião, percebeu-se a dificuldadede operar com navios que deveriam

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ter características duais (atuar emmar aberto e em área fluvial) eafastados dos grandes centros ur-banos do Brasil.

Este mesmo afastamento aca-ba explicando a maior afinidadecom as cidades Portuguesas. Porconta do regime de correntes e deventos era mais fácil chegar à cida-de do Porto do que ao Rio de Janei-ro.7 Tal situação acabou fazendocom que o processo de indepen-dência na província do Grão Paráfosse demandou a presença de na-vios e tropas a fim de garantir aunidade e soberania nacionais,arrastando-se até a adesão do Pará,ocorrida em 15 de agosto de 1823.

Nos anos seguintes, a regiãonorte do país se viu mergulhadanum tempo de incertezas e dúvidas,onde a elite local estava divididasobre o que era realmente ser brasi-leiro. As camadas mais pobres dasociedade, percebendo a fragilida-de da elite local e a estagnação desuas condições sociais mesmo nonovo regime, acabaram por tomarparte em movimentos revoltosos,que culminaram com a Cabanagemno período de 1835-1840, já no

período regencial. Mais uma vez, aMarinha participou de forma deci-siva, contando, inclusive com apresença de Tamandaré que, à épo-ca, tenente, comandava o brigueCacique. Destacam-se duas mis-sões relevantes, a evacuação doPresidente da província, marechalManoel Jorge Rodrigues, encurra-lado no palácio do governo, comoitenta voluntários e dezenas derefugiados e o ataque e a recon-quista de Oeiras, último redutocabano no Pará.

Contudo, mesmo com toda ainstabilidade política da região e adespeito da estrutura de reparos eda logística já existente, apenas em1861 a cidade de Belém recebeu oPirajá, 1º navio a ser estacionadopermanentemente na cidade. Atéentão, os navios eram enviados emexpedições de períodos variáveis,retornando às suas sedes em segui-da. O Pirajá recebeu entre outrasmissões a de navegar e explorar osrios Negro, Madeira e Purus.

No período de 1861 a 1866, aMarinha Imperial se dedicou aexplorar os rios da bacia amazôni-

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ca, em um trabalho pioneiro e emcondições muito adversas.

A abertura do rio Amazonaspara a navegação internacional, em1866, após anos de pressões ex-ternas e de batalhas diplomáticas8

deixava latente a necessidade depovoar a região e de maior deta-lhamento estratégico para ocupa-ção militar. A Marinha decidiu,então, criar a Flotilha do Amazonasem 1866, com sede em Manaus,reforçando a importância da pre-sença de meios navais na região.

Com a eclosão das GrandesGuerras Mundiais no século XX,tornou-se necessário reavaliar o po-sicionamento estratégico das basesde apoio logístico e, já na décadade 1920, a conclusão apontava paraa localização estratégica do portode Belém. Contudo, por restriçõesorçamentárias, apenas em 1950, asoficinas do Arsenal da Marinha doPará foram finalmente transferidaspara a Base Naval de Val-de-Cães,tornando-se responsável pelo repa-ro dos navios, e por prover umlocal adequado para a permanênciados navios. As antigas instalaçõesdo Arsenal passaram a ser ocupa-

das pelo Comando do 4º DistritoNaval (Com4ºDN).

O aumento das instalações deterra e a percepção da importânciadas operações ribeirinhas fizeramcom que a MB decidisse por in-crementar o efetivo de FuzileirosNavais na área, passando a contar,em 1959, com o Grupamento deFuzileiros Navais de Belém, cominstalações iniciais junto ao prédiodo Com4ºDN.

Em 1974, a necessidade decriar um grupo de navios com ca-pacidade de operar tanto nos rioscomo no mar levou à criação doGrupamento Naval do Norte a par-tir da antiga Flotilha do Amazonas.A partir de então, passou à respon-sabilidade do Grupamento a áreafluvial abrangida pelo rio Amazo-nas e seus afluentes desde Jurutiaté a foz, além do arquipélago doMarajó e os litorais do Amapá,Pará, Maranhão e Piauí.

As décadas de 70 e de 80, naAmazônia, foram marcadas peladualidade do emprego das Corvetase dos Navios Patrulha Fluviais.Durante anos, estes meios foram amarca da presença na região, seja

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na realização de Patrulhas comonas ações de assistência hospitalar,quando, então, passaram a ser co-nhecidos como “Navios da Espe-rança”.9

Os Anos 1980, entretanto,trouxeram uma novidade, a chega-da dos Navios de Assistência Hos-pitalar, possibilitando um atendi-mento de melhor qualidade e maisespecífico para a população ribeiri-nha e comunidades indígenas iso-ladas. Muitos brasileiros passarama ver esses navios como a represen-tação da presença do Estado naAmazônia.

A década de 90 foi marcadapelo impacto da aquisição dos no-vos Navios-Patrulha para o Grupa-mento Naval do Norte. Os navios-patrulha Classe "Grajaú" e os Clas-se "Bracuí" trouxeram um novosopro de vida e substituíram asheroicas Corvetas Classe "ImperialMarinheiro" após mais de 50 anosde serviço. A chegada desses navi-os trouxe inovações tecnológicasconsideráveis para a região, alémde combinar velocidade e autono-mia, permitindo que a Marinhaatuasse com mais flexibilidade nos

binômios Rio-Mar e Patrulha-Busca e Salvamento.

No início do século XXI e, emconsonância com o crescimentoeconômico que se apresentava, aMarinha iniciou os estudos do Pla-no de Articulação e Equipamentosda Marinha do Brasil (PAEMB),em decorrência disso, em 2016, oGrupamento de Fuzileiros Navaisde Belém foi elevado a 2º Batalhãode Operações Ribeirinhas, possibi-litando maior capacidade operacio-nal ao Comando do 4º DistritoNaval, seja para as operações ribei-rinhas, para atuação em portos einstalações de interesse ou paraGarantia da Lei e da Ordem(GLO).

Por fim, em 2017, a intensifi-cação do tráfego aquaviário e aevolução da logística para atenderao agronegócio e à atividade mine-radora tornaram necessária a cria-ção do Centro de Hidrografia eNavegação do Norte, aumentandoa capacidade de levantamentoshidrográficos da Marinha na regi-ão.

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A MARINHA NA AMZÔNIAORIENTAL

Movida pela latente necessi-dade regional, a estrutura da MBfoi sendo aperfeiçoada, como apre-sentado anteriormente, culminandocom a criação, em 1940, do Co-mando Naval do Amazonas, poste-riormente denominado ComandoNaval do Norte (1942), até receber,em 1945, a atual denominação deComando do 4º Distrito Naval.

Desde então, a presença daMarinha na Amazônia foi-se afir-mando, contribuindo para a preser-vação da soberania nacional, resga-tando a cidadania e levando apoiode toda sorte às populações ribeiri-nhas.

Hoje, são realizadas as tarefasde patrulha do mar e dos rios, deinspeção naval, de operações ri-beirinhas, de assistência às popula-ções ribeirinhas, de formação depessoal, de incremento da segu-rança da navegação e da salva-guarda da vida humana no mar, oque resulta na integração da Mari-nha com as populações dos Estadosdo Pará, Maranhão, Piauí e Amapá,

com especial atenção às suas co-munidades marítima e fluvial.

A área de jurisdição doCom4ºDN ocupa aproximadamente23,6% de todo o território nacional,apresentando características marí-timas e fluviais singulares. Englobaos Estados do Pará, Maranhão,Piauí e Amapá, este último possu-indo uma significativa extensão defronteira com a França (GuianaFrancesa). Encontra-se sob suaresponsabilidade uma área maríti-ma de, aproximadamente, 180.000MN², às quais se somam mais de3.000 milhas fluviais interioresnavegáveis, dimensões essas quedificultam o cumprimento das ati-vidades operativas e de adestra-mento, bem como as demais tarefasatribuídas. Cabe ainda destacar asdistâncias observadas entre os di-versos pontos de atuação que ge-ram dificuldades logísticas de todaordem. Outro aspecto relevante é obaixo Índice de DesenvolvimentoHumano (IDH) dos Estados abran-gidos, evidenciado pela carência dapopulação assistida quer no aspectosocial quer no aspecto econômico.

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Para executar as tarefas des-critas anteriormente, o Com4ºDNestá assim organizado conta com14 organizações militares subordi-nadas e 11 navios, assim distribuí-dos (Fig.1):

Esta estrutura permite a esseComando Distrital desempenharcinco macroprocessos finalísticos:

1 - Defesa das fronteiras marí-timas e fluviais;

2 - Salvaguarda da vida hu-mana no mar e hidrovias interiores;

3 - Contribuição para a segu-rança do tráfego aquaviário;

4 - Fiscalização do cumpri-mento de leis e regulamentos; e

5 - Acompanhamento e con-trole do tráfego marítimo e fluvial.

Cada um desses macroproces-sos finalísticos se desenvolve naárea de jurisdição do 4º DistritoNaval, em um cenário cheio de

desafios, obstáculos naturais e óbi-ces logísticos, tornando mais árduoo cumprimento da missão desseComando de Força Distrital.

O quadro a seguir (Fig.2), exi-be de maneira simplificada queatividades são desenvolvidas den-tro de cada macroprocesso para aconsecução dos objetivos traçadospelo Com4ºDN:

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Fig.1 - Com4ºDN - Cadeia de Comando e Organizações Militares SubordinadasFonte: Adaptado de https://www.marinha.mil.br/estrutura-organizacional

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A seguir apresentaremos asprincipais conquistas em face dosdesafios atuais ao longo do biênio2016-2018.

PRINCIPAIS CONQUISTAS

a) Patrulha navalA atividade de Patrulha Naval

é realizada pelos 7 navios do Co-mando do Grupamento de PatrulhaNaval do Norte (ComGptPatNavN)e é regulamentada pelo Decreto nº5.129, de 6 de julho de 2004 e pordocumentos específicos da Mari-

nha do Brasil. A Patrulha Navaltem a finalidade de implementar efiscalizar o cumprimento de leis eregulamentos, em águas jurisdicio-nais brasileiras, na PlataformaContinental brasileira e no alto-mar, respeitados os tratados, con-venções e atos internacionais ratifi-cados pelo Brasil.

Em mar aberto, a principalpreocupação tem sido a verificaçãoda presença de embarcações pes-queiras estrangeiras ou de outrasenvolvidas na atividade de pesqui-sa e de exploração de petróleo que

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Fig 2 – Quadro de atividades desenvolvidas dentro de cada macroprocessoFonte: Planejamento Estratégico do Comando do 4º Distrito Naval (PEO–Com4ºDN)

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não estejam autorizadas a atuaremna região. Além disso, há a preo-cupação com a pesca em áreas nãoautorizadas (unidades de conserva-ção) e desrespeitando os períodosde defeso. Entretanto, nos últimosanos tem sido observada a presençade veleiros10 e até o registro de umcaso único de um semisubmerssí-vel autopropulsado11 envolvidos notráfico de entorpecentes, além deembarcações envolvidas em con-trabando e descaminho.

Já nas hidrovias interiores, asmaiores atenções estiveram, poranos, voltadas para as infrações àLei da Segurança do Tráfego A-quaviário. Contudo, a baixa pre-sença do Estado na Amazônia Ori-ental criou um ambiente propíciopara os crimes ambientais e para osilícitos transnacionais, aumentandoa carga de trabalho dos órgãosfederais. Este cenário tornou-seainda mais complicado com a criseeconômica vivida pelo país desde2015.

Em função das novas atribui-ções estabelecidas pelo Decreto dePatrulha Naval e pelos novos de-safios já citados, o Com4ºDN esta-beleceu algumas estratégias para oenfrentamento desses problemas.Dentre elas, buscou-se empregar osnavios de forma mais eficiente,sempre convidando outros órgãosfederais para embarque, conferindocaráter interagencial às PatrulhasNavais. Além disso, a utilização deinteligência por meio de imagenssatélites e do levantamento de á-reas de concentração de barcos depesca permitiu a otimização dosrecursos seja para o cumprimentodas tarefas da MB como em aten-dimento a outros órgãos.

O quadro a seguir (Fig.3)mostra que mesmo com o corteorçamentário, a atividade de Patru-lha Naval conseguiu aumentar seusindicadores de eficiência, tendoconseguido até agosto de 2018apreender mais de 9.600 m3 demadeira transportada ilegalmente.

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b) Ações Cívico SociaisA cessação do repasse de re-

cursos do Governo do Estado doPará no convênio firmado com aMB limitou a atuação do Navio-Auxiliar Pará no atendimento àscomunidades ribeirinhas. Adicio-nalmente, a obsolescência dos pro-pulsores tornava o navio lento epouco confiável, demandando aatuação do Com4ºDN para o en-frentamento dessas questões.

A solução dos dois problemaspassou pela busca de novos parcei-

ros e do envolvimento de parla-mentares na busca de emendas quepudessem reverter a situação orça-mentária, possibilitando que o na-vio pudesse operar.

Assim, foram estabelecidosnovos convênios com órgãos pú-blicos do Amapá12 em 2016 e como Ministério da Justiça13, por meiodessas parcerias, a Marinha ampli-ou a gama de serviços prestados àsociedade, não se limitando apenasà assistência hospitalar, mas levan-

Fig 3 - Quadro OrçamentárioFonte: Levantamento Estatístico realizado por este autor com apoio

da Seção de Operações do ComGptPatNavN

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do justiça e cidadania às comu-nidades ribeirinhas.

Em paralelo, a busca por e-mendas parlamentares tambémsurtiu efeito e o navio recebeu nobiênio 2017/2018 R$ 1.400.000,00,que somados aos recursos orça-mentários da MB permitiram aretomada das operações e a conclu-são da remotorização do navio.

A Fig.4 apresenta uma estatís-tica resumida dos atendimentosrealizados.

c) Fuzileiros NavaisEm 2016, deu se início à re-

tomada da capacidade de realiza-

ção de Operações Ribeirinhas pormeio da realização do I Simpósiode Operações Ribeirinhas na Ama-zônia Oriental, A iniciativa per-mitiu a reavaliação de procedimen-tos operativos e o treinamento doplanejamento segundo a Doutrina.Enquanto isso eram efetuados no-vos embarques de pessoal de formaa garantir o efetivo necessário para

a ativação do 2º Batalhão de Ope-rações Ribeirinhas (2ºBtlOpRib).

Ainda em 2016, os Fuzileirosforam empregados na CampanhaZIKA ZERO e em Garantia da Leie da Ordem durante as eleições emSão Luís-MA. Estas operações

Fig. 4 – Estatística de AtendimentosFonte: Levantamento Estatístico realizado por este autor

com apoio da Seção de Logística do ComGptPatNavN

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serviriam como teste final para aconclusão da elevação do Grupa-mento a Batalhão.

Em 2017, o 2ºBtlOpRib ini-ciou sua participação no ProgramaForças no Esporte (PROFESP),aumentando sua interação com asociedade local e contribuindo paraa formação de crianças e adoles-centes.

Ainda no mesmo ano, o Bata-lhão participou da RIBEIREX201714 na região do médio Amazo-nas em conjunto com o ComGpt-PatNavN. Na oportunidade, em-pregaram-se pela primeira vez oscães de guerra recebidos.

Ressalta-se ainda a participa-ção anual dos Fuzileiros Navais nasegurança da procissão terrestre doCírio de Nazaré.

d) Segurança do Tráfego Aquaviá-rio

No que compete às atribuiçõesda Autoridade Marítima, no biênio2016-2018, foram realizadas co-missões de Patrulha Naval (PAT-NAV) e Inspeção Naval (IN), alémda Fiscalização do Tráfego Aqua-viário (FTA). Essas ações visaram

à fiscalização do cumprimento deleis e regulamentos nas águas ju-risdicionais do Com4ºDN, tendosido obtidos os seguintes números:

Pode se notar que, mesmocom as restrições orçamentáriasvigentes, o número de embarcaçõesabordadas tem aumentado, resulta-do de ações estratégicas por meiodo posicionamento das lanchas dascapitanias e dos navios doComGptPatNavN em pontos focaisdo tráfego fluvial, como no caso doPontão na entrada de Santarém, dorecém criado posto avançado daCapitania dos Portos da AmazôniaOriental (CPAOR) no furo do Ar-rozal e do emprego de navios noCarnapijó. Trata-se de uma con-quista relevante em função do au-mento do tráfego aquaviário, cau-sado principalmente pelo aumentodo escoamento da produção doagronegócio15.

Outra conquista foi o estabe-lecimento, em 2017, do FórumPermanente de Segurança do Trá-fego Aquaviário da Amazônia Ori-ental com o propósito de analisaras questões relativas à segurançada navegação, à salvaguarda da

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vida humana nas águas e à preven-ção da poluição hídrica nas águasinteriores do Arquipélago do Mara-jó e da região lindeira dos rios Paráe Guamá no que diz respeito aotransporte fluvial. Uma vez mais apalavra sinergia foi fundamentalpara a resolução de uma questãoenvolvendo diversos órgãos e a-gências. A partir das reuniões doFórum, foram planejadas diversasações de fiscalização conjunta,além do estabelecimento de proce-dimentos comuns e do lançamentode bases para assinatura de convê-nios entre a MB e agências regula-

doras para a fiscalização do tráfegoaquaviário.

As parcerias também foram aresposta para a continuidade doscursos do Ensino Profissional Ma-rítimo, evitando que houvesse re-dução dessa atividade em funçãoda escassez de recursos.

Todas as Comissões, sejam dePATNAV/IN ou ACiSo, intensifi-caram as atividades do plano deenfrentamento para erradicação doacidente de escalpelamento, ha-vendo a instalação gratuita de co-berturas de eixo padronizadas emembarcações, além de palestras

Fig. 5 - Fiscalização do cumprimento de leis e regulamentosnas águas jurisdicionais do Com4ºDN

Fonte: Levantamento Estatístico realizado por este autor com apoio da Seção de Ope-rações do Com4ºDN

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educativas e distribuição de mate-rial de divulgação para as popula-ções ribeirinhas, a fim de orientá-las sobre os riscos do acidente.

Por fim, acrescenta-se o inícioda construção da Divisão Opera-cional da Capitania dos Portos doAmapá no Oiapoque. A alta admi-nistração naval já tinha ciência danecessidade de presença perma-nente da MB no Oiapoque por setratar de uma área de fronteira,com intenso tráfego fluvial e com oregistro de crimes transfronteiri-ços.16 Com essa nova instalação, a

MB poderá intensificar as Inspe-ções Navais, disponibilizar servi-ços cartoriais e cursos do EnsinoProfissional Marítimo.

e) Busca e SalvamentoO Com4ºDN também atua

como SALVAMAR NORTE, cujatarefa é salvaguardar a vida hu-mana no mar e hidrovias interioresnas suas águas jurisdicionais. Osquadros a seguir apresentam umresumo das ocorrências no biênio2016-2018 (Fig.6):

Apesar do número de casos de

Fig. 6 - Resumo das ocorrências no biênio 2016-2018Fonte: Levantamento Estatístico realizado por este autor com apoio do SALVAMAR

NORTE (Com4ºDN)

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busca e salvamento se manter emtorno de 30, observa-se uma flutu-ação nos custos envolvidos, decor-rentes de diversos fatores envolvi-dos, como duração da missão, dis-tância do local do incidente atéuma organização militar da estrutu-ra do SALVAMAR, bem como otipo de navio empregado. Em2018, houve pouca necessidade deemprego de navios e aeronaves, re-duzindo consideravelmente os cus-tos envolvidos com o empregoprioritário das lanchas das capita-nias dos portos.

Observou-se, ainda, um signi-ficativo número de acidentes fataispela falta ou uso indevido dos cole-tes salva-vidas. O Com4ºDN temorganizado campanhas de doaçõesde coletes salva vidas para comu-nidades carentes, bem como temcoordenado a interação entre asdiversas esferas do poder públicopara a adoção de políticas de esta-do voltadas para a segurança danavegação, como, por exemplo,audiências públicas realizada naAssembleia Legislativa do Estadodo Pará e as ações em campanhaseducacionais junto às Secretarias

de Educação de Santarém e Maca-pá.

f) HidrografiaA ativação do Centro de Le-

vantamentos e Sinalização Náuticada Amazônia Oriental em 2015,posteriormente denominado CHN-4 em 2017 trouxe a atividade hi-drográfica para novo patamar. Comessa mudança, o processo de corre-ção das cartas náuticas tornou-semais célere, passando a ser reali-zada por uma OM local por meiode uma reestruturação de pessoal,equipamentos e informatização debancos de dados com recursos ob-tidos pelo orçamento da MB e, emgrande parte, provenientes de acor-dos de cooperação técnica entre aCompanhia Docas do Pará (CDP) eo Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes (DNIT).Esta celeridade foi fundamentalpara permitir que a MB acompa-nhasse a rápida evolução do trans-porte de cargas na região.

Ao longo do biênio 2016-2018, o Comando do 4º DistritoNaval, por intermédio do CHN-4,apoiado por seus quatro navios

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subordinados, realizou levantamen-tos hidrográficos na Amazônia Ori-ental, totalizando 6884 km² deáguas interiores navegáveis hidro-grafadas. Aliado à constante atuali-zação cartográfica náutica, 863sinais foram inspecionados, sendoque 70 sinais fixos e 793 sinaisflutuantes sofreram manutenção,buscando assegurar uma navegaçãomais segura na Bacia Amazônica.

Ao longo do ano, buscou-seotimizar o emprego das aeronavesdo Esquadrão HU-3, a fim de fa-cilitar a inspeção e manutenção dosfaróis em toda a área de jurisdição,tendo sido realizadas cinco opera-ções deste tipo.

Ampliando a estratégia deparcerias para captação de recur-sos, o Com4ºDN firmou um novoconvênio de R$ 6,8 milhões em 5anos com o DNIT, visando o in-cremento na conscientização anti-vandalismo dos sinais náuticos pormeio de campanhas educativas,gerar produtos cartográficos naárea dos estreitos, Tapajós e To-cantins e obter informações a res-peito das condições de navegação

das hidrovias para divulgação naRadio Marinha.

Além disso, há mais um con-vênio com o DNIT para levanta-mento hidrográfico do canal Gran-de do Curuá, na barra Norte do rioAmazonas e para manutenção dobalizamento ali existente, com orecebimento de R$ 5,9 milhões em30 meses. Ressalta-se o ineditismodo emprego do Navio de ApoioOceânico (NApOc) Iguatemi commilitares do CHN-4 para a realiza-ção de campanhas hidrográficas.

Por fim, a Associação dosTerminais Portuários e Estações deTransbordo de Cargas da Amazô-nia (AMPORT) contratou a MB,por meio da Empresa Gerencial deProjetos Navais (EMGEPRON)para a supervisão técnica de esta-ções meteoceanográfica e maregrá-fica com disseminação de informa-ções via mensagens de texto portelefonia celular e outros serviços,que viabilizará a navegação segurano canal do Quiriri, incrementandoa atividade econômica da região epermitindo o acesso de navios demaior calado e capacidade de cargaao porto de Vila do Conde, tornan-

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do-o ainda mais competitivo paraatender a demanda internacional.

PERSPECTIVAS ECONCLUSÃO

Em que pese a crise econômi-ca, o agronegócio17 e a atividade demineração18 continuam e expansão,aumentando a demanda da autori-dade marítima para a fiscalizaçãoda segurança do tráfego aquaviárioe para a atualização das cartas náu-ticas e manutenção dos auxílios anavegação. A solução do problemadas infrações à LESTA passaráobrigatoriamente pela intensifica-ção das campanhas educativas pormeio de parcerias com os governoslocais e com o Departamento Na-cional de Infraestrutura de Trans-portes (DNIT) e pela atuação emconjunto com as Secretarias deSegurança Pública Estaduais bus-cando o enquadramento no códigopenal dos casos mais graves. Já aquestão da condução dos novoslevantamentos hidrográficos para aatualização das cartas passará obri-gatoriamente pelo estabelecimento

de convênios com o DNIT e deparcerias com entidades privadas.A continuidade do processo deampliação do calado para navega-ção nos rio Pará e na barra norte dorio Amazonas e a conclusão dasobras de derrocamento do Pedraldo Lourenço19 no rio Tocantinsconsolidarão ainda mais a posiçãodo arco norte como hub logísticono Brasil.

O incremento no tráfego a-quaviário também poderá provocarum aumento na atividade de buscae salvamento, considerando-se oaumento do número de embarca-ções na região devido ao aumentoda carga transportada. Adicional-mente, resolvendo-se as questõesambientais20 na margem equatorial,a exploração de petróleo no marpoderá finalmente chegará região,instalando-se a uma distância demais de 400 MN de Belém. Paraenfrentar tal desafio a MB estárecebendo um novo navio o Naviode Apoio Oceânico Iguatemi, comgrande autonomia e elevada capa-cidade de salvamento. Além disso,as tratativas para o recebimento dasaeronaves UH-15 avançam para

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que, em breve, seja ativado umesquadrão de helicópteros em Be-lém, conferindo mais agilidade eflexibilidade na condução das ope-rações de busca e salvamento.

Entretanto, o aumento da a-preensão de entorpecentes na regi-ão da Amazônia Oriental e da ocor-rência de roubos de carga e de pas-sageiros nas embarcações21 podemconstituir ameaças ao desenvolvi-mento econômico e á segurançapública. A MB tem agido na regiãodentro do previsto no marco jurídi-co brasileiro22, realizando PAT-NAV sempre com a presença deórgãos como PF, Secretaria daReceita Federal (SRF), InstitutoBrasileiro do Meio Ambiente e dosRecursos Naturais Renováveis(IBAMA) e até órgãos públicosestaduais, intensificando-se tam-bém a troca de inteligência entretodas as instituições envolvidas.Tornou-se também mandatórioaumentar a presença na região dosEstreitos e na faixa de fronteira,seja por meio de ações de fiscaliza-ção como pela presença do Estadopor meio do Navio-Auxiliar Pará,

levando saúde, cidadania e justiçaàs comunidades ribeirinhas.

Enfim, a vastidão da Amazô-nia Oriental com suas característi-cas específicas, que geram óbiceslogísticos de difícil transposição ea perspectiva de manutenção daatual situação orçamentária23 con-tinuarão exigindo uma abordagemsinérgica para o enfrentamento dosdesafios na região, estimulandoações cooperativas e de integraçãoentre os órgãos públicos das dife-rentes esferas.

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1 A Marinha teve participação funda-mental na adesão do Pará à Indepen-dência em 1823 (MARTINS, 2006) e noenfrentamento da Cabanagem em1835.2 NOGUEIRA, Domingos Savio Almei-da. A Marinha na Amazônia Ocidental.Rio de Janeiro: Centro de Comunica-ção Social da Marinha, p. 15, 2016.3 A Lei Complementar nº 97, de 9 dejunho de 1999, revogou a Lei Com-plementar nº 69/91, mantendo asmesmas atribuições subsidiárias daMarinha, e definindo a "AutoridadeMarítima".4 BRASIL. Decreto n. 6.703 de 18 dedezembro de 2008. Aprova a Estraté-gia Nacional de Defesa, e dá outrasprovidências. Diário Oficial [da Repú-blica Federativa do Brasil], Brasília, DF,19 dez. 2008, Seção 1, p.4, Disponívelem: <https://www.defesa.gov.br/eventos_temporarios/2009/estrategia/arquivos/estrategia_defesa_nacional_portugues.pdf>.Acesso em 26 mar. 2010.

5 MESQUITA, João Lara. Embarcaçõestípicas da costa brasileira. São Paulo:Terceiro Nome, p.65, 2009.6 LOPES, Thoríbio. Arsenal de Marinhado Pará: sua origem e sua história.Belém: [s/ed], 1945.7 RICCI, Magda. Cabanagem, cidadaniae identidade revolucionária: o pro-blema do patriotismo na Amazôniaentre 1835 e 1840. Tempo, v. 11. Re-vista do Departamento de História daUFF. Rio de Janeiro, 2006, p. 15-40.8 PALM, Paulo Roberto. Abertura doRio Amazonas à Navegação Interna-cional e o Parlamento Brasileiro. Brasí-lia, p. 15-29, 2009.9 RODRIGUES, João Augusto. Os Navi-os da Esperança. Rio de Janeiro: Acti-on, 2009, p.45-6310 Em 2012, Uma operação da PolíciaFederal (PF) e da Capitania dos Portosdo Piauí apreendeu 270 kg de cocaínaem um veleiro no litoral do Piauí11 Em 2015, a Polícia Civil do Paráapreendeu um semisubmerssível naregião de Vigia, no nordeste do Pará.12

http://g1.globo.com/ap/amapa/noticia/2016/11/navio-da-marinha-vai-levar-servicos-de-saude-e-justica-para-o-interior-do-ap.html13

http://www.cnj.jus.br/noticias/judicia

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rio/84916-de-navio-juizes-federais-julgam-1-6-mil-processos-na-ilha-de-marajo14 https://g1.globo.com/pa/santarem-regiao/noticia/operacao-ribeirex-da-marinha-do-brasil-inicia-no-rio-amazonas.ghtml15 Em 2017, os portos públicos tiveramcrescimento de 6,3% e terminais deuso privado de 9,3%, movimentandoum total de 1,086 bilhão de toneladas.Destaque para o Arco Norte, quemovimentou 51,2 milhões de tonela-das, aumento de 80% (BRASIL, 2017)16 Durante a Operação AGATA 10 Umaoperação conjunta entre a Marinha doBrasil e a Polícia Federal (PF) resultouna detenção de 61 imigrantes ilegaisque tentavam entrar na Guiana Fran-cesa.17

https://revistagloborural.globo.com/Colunas/caminhos-da-safra/noticia/2018/04/arco-norte-deve-exportar-ate-50-da-soja-de-mato-grosso-em-cinco-anos.html18

http://revistamineracao.com.br/2018/06/11/empresas-chinesas-planejam-investimentos-no-para/19

http://www.dnit.gov.br/noticias/dnit-

apresenta-acoes-do-derrocamento-do-pedral-do-lourenco-em-maraba-pa20

https://g1.globo.com/ap/amapa/noticia/expedicao-descobre-corais-dentro-de-area-destinada-a-exploracao-de-petroleo-na-costa-do-amapa.ghtml21

https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,custo-com-ataques-de-piratas-vai-direto-para-o-frete,7000190153722 VIDIGAL, Armando Amorim Ferreira.A Missão das Forças Armadas para oSéculo XXI. Revista Marítima Brasilei-ra. Rio de Janeiro, v. 4, n. 10/12, p.101 a 115, out./dez. 2004.23 Lei de Diretrizes Orçamentárias para2019 prevê o menor orçamento paracusteio e investimento em 12 anos,com valor abaixo de R$ 100 bilhões(BRASIL, 2018).

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RESENHA

Extermine o inimigo:blindados brasileiros na Segunda Guerra

Mundial1

Dennison de Oliveira

OLIVEIRA, Dennison. Extermine o inimigo: blindados brasileiros na SegundaGuerra Mundial. Curitiba: Juruá, 2015.

1 Resenha elaborada pelo Cel Carlos Roberto Carvalho Daróz.

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A criação e manutenção deforças blindadas para fins militaresenvolve considerável montante derecursos financeiros, materiais ehumanos. O uso de blindados noscampos de batalha só poderá sereficaz se houver estreita coordena-ção com outras unidades militares,implicando na aquisição de experi-ência que somente o combate real,ou extensos períodos de treinamen-to podem proporcionar.

O livro se dedica a examinar operíodo formativo da primeira divi-são blindada brasileira à época daSegunda Guerra Mundial e, simul-taneamente, o emprego em comba-te nos campos de batalha da Cam-panha da Itália do esquadrão deCavalaria da Força expedicionáriaBrasileira, única unidade de blin-dados a lutar naquele conflito.

No entendimento de ambos osfenômenos, sção analisados e in-terpretados aspectos como a moto-rização do exército Brasileiro, anatureza da aliança militar firmadaentre Brasil e Estados Unidos daAmérica e a mudança tecnológicaque afetou o desenvolvimento des-se tipo de armamento.

O professor Dennison de Oli-veira é pós-Doutor em Estudosestratégicos pela UniversidadeFederal Fluminense. Doutor emCiências Sociais e Mestre em Ci-ência Política pela Universidadeestadual de Campinas. Bacharel eLicenciado em História pela Uni-versidade Federal do Paraná. Atuanos programas de pós-graduaçãoem História da Universidade Fede-ral do Paraná.

Publicou os livros Os solda-dos brasileiros de Hitler, Os sol-dados alemães de Vargas, O túneldo tempo: um estudo de História eaudiovisual, História e audiovisualno Brasil do século XXI e AliançaBrasil-EUA: nova história do Bra-sil na Segunda Guerra Mundial.

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REVISTA DOINSTITUTO DE GEOGRAFIA

E HISTÓRIA MILITARDO BRASIL