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Bonifácio Mourão entregou à Comis- são Constitucional o anteprojeto da nova Carta, baseado no texto da Constituição Federal e nas 10 mil su- gestões populares recebidas pouco mais de um mês antes. O anteprojeto foi publicado no dia seguinte, no Diá- rio do Legislativo. De 10 a 21 de mar- ço, ficou aberto o prazo para apresen- tação e discussão de emendas. Foram exatas 2.411. Em 3 de abril, duas se- manas depois, foi publicado no Diário do Legislativo o parecer do relator sobre todas elas. O anteprojeto foi aprovado pela Comissão Constitucional em 6 de abril, com emendas, à exceção das 340 que foram destacadas. Estas foram votadas em separado, ao lon- go de dez reuniões extraordinárias. Duas delas chamaram a atenção pelo teor inusitado. A primeira determina- va a adoção do regime parlamenta- rista em Minas Gerais, a despeito de a Constituição Federal adotar o pre- sidencialismo; a segunda legalizava os cassinos no Estado. Ambas rece- beram parecer contrário do relator, mas foram aprovadas pela comissão. Elas acabaram derrubadas na fase seguinte, durante a análise do proje- to da Constituição, entregue ao Ple- nário da Assembleia Constituinte Mineira, em reunião solene, no dia 2 de maio. Emendas populares Os 18 assessores comandados por Maria Coeli liam e analisavam os milhares de emendas apresenta- das, para, em seguida, auxiliar o relator na elaboração dos parece- res. Mas a rotina de trabalho era pesada também para quem atuava na ponta do processo, recebendo as emendas. Era o caso da servidora A década de 1980, embora cha- mada de “década perdida” pelos economistas brasileiros por causa da estagnação econômica e da inflação descontrolada, não foi, de forma al- guma, um período de retrocesso em outros campos. Pode não ter tido o charme dos anos 1960, com a bos- sa nova, que fez a cabeça do Primei- ro Mundo. Ou a intensidade dos anos 1970, com a música e o teatro de protesto e com a irreverente Tropicália. Mas, musicalmente, é a déca- da da consolidação do rock nacio- nal, de grupos como Kid Abelha, Paralamas do Sucesso, Blitz, Titãs. É também a década de Madonna, Michael Jackson, Cindy Lauper, Xuxa, segundo o livro Almanaque dos anos 80, de Luiz André Alzer e Mariana Claudino. Na TV faziam sucesso o seriado Chaves, o humo- rístico TV Pirata e o infantil Balão Mágico. As crianças e os adoles- centes brincavam com o Atari e o Genius. Mas os anos 1980 foram, sobre- tudo, a década da redemocratização, com a volta das eleições diretas para governador de Estado, em 1982; o retorno de um civil ao comando da Nação, em 1985, ainda que escolhido de forma indireta pelo Colégio Eleito- ral; e, finalmente, com a primeira elei- ção direta para presidente da Repú- blica, em 1989, num novo cenário par- tidário marcado pela afirmação de si- glas como o PT e o PSDB – este últi- mo fruto da dissensão ocorrida no PMDB, em 1988. Foi ainda o tempo em que os brasi- leiros reaprenderam a se manifestar politicamente, voltando às ruas para protestar contra a inflação, os preços altos, os salários baixos. Os anos 1980 foram marcados principalmente pela reorganização de sindicatos de servi- dores públicos, professores e trabalha- dores da saúde. Em 1986, houve 2 mil greves no País, culminando em 1989 com 4 mil paralisações, segundo dados do Núcleo de Pesquisas da Universida- de Estadual de Campinas (Unicamp). Anos 80: década perdida? Adriana Gomes jornalista da ALMG

Anos 80: década perdida? - almg.gov.br · para presidente levam o grupo Ultraje a Rigor a parodiar a voz corrente de que o brasileiro não estava pronto para votar: “inútil, a

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Bonifácio Mourão entregou à Comis-são Constitucional o anteprojeto danova Carta, baseado no texto daConstituição Federal e nas 10 mil su-gestões populares recebidas poucomais de um mês antes. O anteprojetofoi publicado no dia seguinte, no Diá-rio do Legislativo. De 10 a 21 de mar-ço, ficou aberto o prazo para apresen-tação e discussão de emendas. Foramexatas 2.411. Em 3 de abril, duas se-manas depois, foi publicado no Diáriodo Legislativo o parecer do relatorsobre todas elas.

O anteprojeto foi aprovado pelaComissão Constitucional em 6 deabril, com emendas, à exceção das340 que foram destacadas. Estasforam votadas em separado, ao lon-go de dez reuniões extraordinárias.Duas delas chamaram a atenção peloteor inusitado. A primeira determina-va a adoção do regime parlamenta-rista em Minas Gerais, a despeito dea Constituição Federal adotar o pre-sidencialismo; a segunda legalizavaos cassinos no Estado. Ambas rece-beram parecer contrário do relator,mas foram aprovadas pela comissão.Elas acabaram derrubadas na faseseguinte, durante a análise do proje-to da Constituição, entregue ao Ple-nário da Assembleia ConstituinteMineira, em reunião solene, no dia 2de maio.

Emendas populares

Os 18 assessores comandadospor Maria Coeli liam e analisavamos milhares de emendas apresenta-das, para, em seguida, auxiliar orelator na elaboração dos parece-res. Mas a rotina de trabalho erapesada também para quem atuava naponta do processo, recebendo asemendas. Era o caso da servidora

A década de 1980, embora cha-mada de “década perdida” peloseconomistas brasileiros por causa daestagnação econômica e da inflaçãodescontrolada, não foi, de forma al-guma, um período de retrocesso emoutros campos. Pode não ter tido ocharme dos anos 1960, com a bos-sa nova, que fez a cabeça do Primei-ro Mundo. Ou a intensidade dos anos1970, com a música e o teatro deprotesto e com a irreverenteTropicália.

Mas, musicalmente, é a déca-da da consolidação do rock nacio-nal, de grupos como Kid Abelha,Paralamas do Sucesso, Blitz, Titãs.É também a década de Madonna,Michael Jackson, Cindy Lauper,Xuxa, segundo o livro Almanaque

dos anos 80, de Luiz André Alzer eMariana Claudino. Na TV faziamsucesso o seriado Chaves, o humo-rístico TV Pirata e o infantil BalãoMágico. As crianças e os adoles-centes brincavam com o Atari e oGenius.

Mas os anos 1980 foram, sobre-tudo, a década da redemocratização,com a volta das eleições diretas paragovernador de Estado, em 1982; oretorno de um civil ao comando daNação, em 1985, ainda que escolhidode forma indireta pelo Colégio Eleito-ral; e, finalmente, com a primeira elei-ção direta para presidente da Repú-blica, em 1989, num novo cenário par-tidário marcado pela afirmação de si-glas como o PT e o PSDB – este últi-mo fruto da dissensão ocorrida noPMDB, em 1988.

Foi ainda o tempo em que os brasi-leiros reaprenderam a se manifestarpoliticamente, voltando às ruas paraprotestar contra a inflação, os preçosaltos, os salários baixos. Os anos 1980foram marcados principalmente pelareorganização de sindicatos de servi-dores públicos, professores e trabalha-dores da saúde. Em 1986, houve 2 milgreves no País, culminando em 1989com 4 mil paralisações, segundo dadosdo Núcleo de Pesquisas da Universida-de Estadual de Campinas (Unicamp).

Anos 80:

década perdida?Adriana Gomes – jornalista da ALMG

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Ponto alto da mobilização popularfoi a emenda das Diretas Já (emen-da Dante de Oliveira), que previaeleição presidencial já em 1985. OPaís se mobilizou de norte a sul emgigantescos comícios, mas, votadano Congresso, em novembro de1984, a proposta foi derrotada. Em1985, houve o retorno à legalidade departidos como o PCB e o PCdoB, e deentidades como a União Nacional dosEstudantes (UNE). E a liberdadese estende também aos costumes,como comprova o sucesso da no-vela Roque Santeiro, da TV Glo-bo, de autoria do dramaturgo DiasGomes, um deboche dos costumesbrasileiros.

O mundo apresenta transforma-ção que, sutil no início da década, de-ságua na completa reformulaçãogeopolítica do planeta. São dessa dé-

cada os primeiros passos da abertu-ra política (Glasnost) e econômica(Perestroika), do então presidente daUnião Soviética, Mikhail Gorbachev,que resultam na fragmentação daque-le país, no final dos anos 1980. O co-munismo sofre mais um duro golpe,com a queda do Muro de Berlim, emnovembro de 1989, e com a reuni-ficação das Alemanhas, no ano se-guinte. A China ensaia os primeirospassos de abertura ao capitalismo,depois das manifestações estudan-tis na Praça da Paz Celestial, em1989.

A década tem também a marca dasolidariedade. Assim foi em 1985, coma gravação da música We are the

world, que gerou uma série de showsbeneficentes mundo afora, pelas víti-mas da fome e da Aids na África. Étambém o período que mudou a forma

de se pensar o mundo, a partir dosnovos paradigmas de comunicaçãotrazidos com o início da World Wide

Web (www), em 1989. Antes disso,em 1986, ocorre o pior acidente nu-clear do mundo, em Chernobyl, naUnião Soviética.

A volta de um civil à presidência

A eleição indireta do mineiroTancredo Neves para presidente, peloColégio Eleitoral, em janeiro de 1985,foi a sequência da mobilização dasDiretas Já e um arranjo que uniu di-versos partidos. Arranjo este materi-alizado na Frente Liberal, criada pelotambém mineiro Aureliano Chaves,vice-presidente do último governo mi-litar, o de João Figueiredo. Tancredomorre em 21 de abril de 1985, semassumir o poder. Seu corpo é levadoem carreata por São Paulo, Brasília eBelo Horizonte, arrastando milhares depessoas às ruas e causando enormecomoção pública. Na Capital mineira,uma multidão se espreme nos portõesdo Palácio da Liberdade, fazendo de-sabar uma grade, que deixa quatromortos.

Ao assumir o governo federal, ovice-presidente José Sarney encon-tra um cenário econômico adverso,fruto de políticas econômicas ilusó-rias, como o “milagre econômico” dosanos 1970. Sucessivos ministros daFazenda basearam a política econô-mica do País em planos para contro-lar a inflação, como ocorre tambémem fevereiro de 1985, com o Plano

Cruzado. Saudado como “a salvaçãoda Pátria”, o plano substituiu a moe-da, congelou os preços e salários,acabou com a correção monetária einstituiu o reajuste salarial mediantegatilho, a cada vez que a inflação atin-gisse 20%.

O presidente da Constituinte Federal, Ulisses Guimarães, participa de

encontro de presidentes de Assembleias promovido pela ALMG em 1987

Marcelo Metzker

REVISTA DO LEGISLATIVO 53

É desse período o movimento dos“fiscais do Sarney”, que levava hordasde populares aos supermercados paradenunciar os aumentos de preço. Osucesso do Plano Cruzado influenciadecisivamente as eleições estaduaisde 1986, levando o PMDB àhegemonia em 22 dos 23 Estados bra-sileiros. Mas se, por um lado, o con-gelamento reduz a inflação, por outro,provoca uma explosão de consumo edesabastecimento. A população con-vive com a falta de produtos básicos,como feijão, carne, óleo, café. Açõeseram perpetradas pela Polícia Fede-ral, como o confisco de bois no pasto,para garantir o abastecimento de car-ne. Após a eleição, vieram o Plano

Cruzado II e o Plano Bresser, quetambém não conseguiram reduzir ainflação. A última cartada foi o Plano

Verão, em janeiro de 1989, que tam-bém fracassou em seus propósitos.

A música brasileira se esbaldavacom o fracasso político e econômico,como a letra da música Tô pê da vida,do grupo Dominó, que cantava “tô pêda vida, mas não me sinto derrotado,não tem gatilho, nem cruzado”. A frus-tração com a derrota das Diretas Já ea ausência ainda das eleições diretaspara presidente levam o grupo Ultrajea Rigor a parodiar a voz corrente deque o brasileiro não estava pronto paravotar: “inútil, a gente somos inútil/agente não sabemos escolher presiden-te/a gente não sabemos tomar contada gente/a gente não sabemos nemescovar os dentes”.

Constituinte Federal

Os debates sobre a redemo-cratização refletem-se na convocaçãoda Assembleia Nacional Constituinte,um dos principais consensos políticosjá na época dos acordos para a eleição

de Tancredo Neves pelo Colégio Elei-toral. Em 1987, a Constituinte é insta-lada sob intensa mobilização de toda asociedade, e seu produto, a Constitui-ção Federal, torna-se a primeira Cartaa receber emendas populares. A im-prensa, livre das amarras da ditadura,reflete os debates da Constituinte ediscute livremente temas como direi-tos das minorias, reforma agrária, for-ma de governo, reforma política, tem-po de mandato presidencial. Promul-gada em 5 de outubro de 1988, aConstituição aprova mandato de cincoanos para Sarney e reafirma o regimepresidencialista no Brasil. É também oinício dos trabalhos constituintes mi-neiros.

Minas acompanha as mudanças

Minas vive o reflexo do contextonacional e internacional e, em 1985,começam a se intensificar os movi-

O então deputado federal Luiz Inácio Lula da Silva discursa em manifestação do movimento grevista do

funcionalismo público na ALMG, em1987, acompanhado por sindicalistas e parlamentares

Marc

elo

Metz

ker

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mentos de servidores públicos. O fun-cionalismo se organiza a partir das gre-ves de professores e da criação daUnião dos Trabalhadores do Ensino(UTE), em 1983. Em Belo Horizonte,intelectuais, professores, estudantese artistas mineiros se reúnem em tor-no das peças de Pedro Paulo Cava,das conversas na Cantina do Lucas,das bebedeiras no Chorare e no

Saloon e nos fins de semana dançan-tes do Western House.

Em 1986, é eleito Newton Cardo-so para o governo mineiro, no esteioda onda oposicionista liderada peloPMDB. Da mesma forma, a Assem-bleia Legislativa reflete a ondapeemedebista, elegendo 45 deputa-dos por essa sigla, 55% do total dascadeiras do Legislativo. A oposiçãoa Newton Cardoso é comandada en-tão pelo PFL, que elege 17 deputa-dos; pelo PT, com cinco parlamenta-res; e, em determinados momentos,pelo PDT.

O funcionalismo público estadualdeflagra greves e paralisações suces-sivas sob a bandeira do arrocho dos sa-lários. É criada a Coordenação Sindicaldos Trabalhadores no Serviço Público,que dita oposição ao governo do Esta-do. Um dos movimentos mais marcantesfoi a greve dos professores de 1987,cujos manifestantes acamparam no Halldas Bandeiras, hoje Espaço Democrá-tico José Aparecido de Oliveira daALMG por 71 dias. Ali os grevistas co-zinhavam, lavavam roupas e criaram atéum cardápio denominado Sopa Jaburu,referência ao presidente da Assembleiaà época, deputado Neif Jabur (PMDB).A ocupação só termina em 9 de julho de1987. Antes desse grande movimento,houve a passeata de 50 mil servidorese estudantes na Praça da Rodoviária,em Belo Horizonte.

Impeachment do governador

O governador Newton Cardoso foipressionado pela oposição e opinião

pública, sendo alvo de dois pedidosde impeachment, por iniciativa da Co-ordenação Sindical. No segundo se-mestre de 1988, foi apresentado naAssembleia o primeiro pedido, anexa-do a um abaixo-assinado com mais de100 mil assinaturas. O pedido foi ar-quivado pelo então presidente, NeifJabur. Também na Assembleia, é ins-talada a Constituinte Mineira, em 7de outubro. Ainda nesse ano, cuja in-flação acumulada foi de 1.037,56%, oentão governador de Alagoas,Fernando Collor, já aparece na mídianacional como o “caçador de marajás”.

Em 1989, a Coordenação Sindicalreapresenta o pedido de cassação deNewton Cardoso, amparada no“Dossiê da Corrupção”, que contémdenúncias de irregularidades naCemig, nas Secretarias de Estado deEducação e de Justiça, no Departa-mento de Estradas de Rodagem(DER), na Hidrominas, na Loteria Mi-neira e na Fundação Hospitalar do Es-

Em 1988, integrantes da Coordenação Sindical e parlamentares entregam ao então presidente da ALMG,

deputado Neif Jabur, pedido de impeachment do governador Newton Cardoso

Ala

ir Vie

ira

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tores. Entretanto, segundo Mônica,aparecia de tudo no protocolo, inclu-sive gente pedindo informações di-versas. “Trabalhávamos em pé otempo todo. O cansaço era grande,mas a gente sabia que não era emvão”, afirma.

E as emendas não paravam dechegar. No 1º turno, o projeto deConstituição recebeu 2.013, sendo22 populares. A votação estendeu-se de 10 a 26 de julho de 1989. No2º turno, foram outras 280 emen-das, agora para corrigir omissões,erros e contradições no texto. A vo-tação foi de 24 a 30 de agosto. Nodia 14 de setembro, foi votada a re-dação final da nova Constituição doEstado.

Mônica Campomori, da Gerência deAcompanhamento da Execução Orça-mentária, que cumpriu jornada dupladurante a Constituinte. De manhã, tra-balhava como técnica de pesquisa daCasa, seu cargo na época. À tarde,ficava no protocolo da Constituinte,num espaço montado no térreo doPalácio da Inconfidência.

Nesse lugar, Mônica recebia asemendas de deputados e também asemendas populares, mais um meca-nismo de participação da sociedadeprevisto no Regimento Interno (leia

matéria na página 73). Elas podiamser apresentadas por qualquer cida-dão, por meio de entidades legalmen-te constituídas, desde que tivessema assinatura de pelo menos 5 mil elei-

Deputado Agostinho Patrús, deputada Maria Elvira e deputados Antônio Genaro,

Narciso Michelli e Domingos Lanna, durante os trabalhos da Comissão Constitucional

tado de Minas Gerais (Fhemig), en-tre outros órgãos. Já sob a presi-dência do então deputado KemilKumaira (PMDB), o processo é ins-taurado e analisado por uma comis-são especial de 21 deputados, du-rante uma convocação extraordiná-ria da ALMG, de 24 a 31 de julho.

O processo foi acompanhado por in-tensa mobilização social com o apoiodos jornais Estado de Minas e Diá-

rio da Tarde, que faziam oposiçãoao governador. Ao final, em 9 deagosto de 1989, foi aprovado o re-latório do deputado João Rosa(PMDB), com parecer pelo arquiva-mento do processo.

Nesse mesmo período, aAssembleia experimentava aefervescência dos trabalhos da Car-ta mineira e, além do impeachment,vivia a polêmica de Comissões Par-lamentares de Inquérito (CPIs),como a da Loteria Mineira. Em 21de setembro de 1989, é promulga-da a Constituição Estadual. Nessemesmo ano, começam os trabalhosda Lei Orgânica da Capital. E, de-pois de 21 anos de ditadura militar,1989 traz de volta a eleição diretapara presidente da República, comFernando Collor ganhando do hojepresidente Luiz Inácio Lula da Silva,no segundo turno.

Pesquisa:

– Diálogo com o tempo: 170 anos doLegislativo Mineiro – Maria Auxiliadora de

Faria e Otávio Soares Dulci

– Impeachment do Governo do Estado –

Assembleia Legislativa – 1988

– Sandra Starling – Uma eterna aprendiz no PT– publicação da internet

– jornais da época

Marcelo Metzker

REVISTA DO LEGISLATIVO56

A preparação da AssembleiaLegislativa para elaborar a Carta Es-tadual envolveu também o acompa-nhamento do processo constituinte fe-deral. Após o simpósio Minas Gerais

e a Constituinte, em 1986, a Casapromoveu, em parceria com as Secre-tarias de Educação do Estado e de BeloHorizonte, a Miniconstituinte de Mi-nas. Entre 29 e 31 de outubro de 1986,foram recolhidas sugestões de estu-dantes da Capital para a nova Cons-tituição da República. O documento

com as propostas foi entregue emBrasília. Quase dois anos depois, emmeados de 1988, os estudantes vol-tariam a opinar, por meio de um con-curso de redações sobre o tema A im-

portância do Legislativo na democra-

cia representativa, que mobilizou 80mil alunos de escolas de 150 cidadesmineiras.

Em 1987, nos dias 20 e 21 deabril, a ALMG esteve à frente da or-ganização do I Encontro de Presiden-tes de Assembleias. A cidade esco-

lhida foi Ouro Preto, no aniversáriode 198 anos da Inconfidência Minei-ra. O encontro culminou com a assi-natura do Compromisso de Ouro

Preto, que estabelecia as diretrizespara a participação das AssembleiasLegislativas na elaboração da Cons-tituição Federal.

A discussão da Carta Federal ain-da estava em andamento quando aALMG instalou, em 8 de outubro de1987, a Comissão Preparatória dosTrabalhos da Assembleia Constituin-

Inovação institucional orientoutrabalhos preparatórios

Alair Vieira

O professor Paulo Neves de Carvalho discursa durante o Simpósio A nova Constituição Federal e o processo constituinte mineiro, em

dezembro de 1988. O eventou contou com a participação, entre outros, de Antonio Anastasia e do então sindicalista Roberto Carvalho

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te, com a dupla função de elaborar oRegimento Interno da ConstituinteMineira e acompanhar os trabalhos emBrasília. Vinte deputados integrarama Comissão Preparatória, presididapor Kemil Kumaira. O vice-presidenteera Luiz Vicente Calicchio (PFL-PSDB); o secretário, Márcio Maia(PMDB); e o relator, José BonifácioTamm de Andrada (PDS).

Com o auxílio do corpo técnico daALMG, a Comissão Preparatória pro-moveu o resgate da história constitu-cional de Minas Gerais, ao editar co-letâneas de Regimentos Internos dasAssembleias Constituintes Mineiras eo livro Constituições do Estado de

Minas Gerais – 1891, 1935, 1945,

1947 e 1967 e suas alterações.Os mais de dois anos de prepa-

ração permitiram à ALMG instalar aAssembleia Constituinte de MinasGerais em 7 de outubro de 1988, ape-nas dois dias após a promulgação daCarta Federal. Ela era composta dosdeputados eleitos em 1986. O presi-dente da Casa era José Neif Jabur(PMDB) – Kemil Kumaira assumiriao posto em 1º de março de 1989. Nadata da instalação, foi inaugurado omonumento do artista plásticoAmílcar de Castro que marca obicentenário da Inconfidência Minei-ra. Produzido em ferro, ele é forma-do por um triângulo vazado que, sim-bolicamente, dá passagem à repre-sentação popular e por um círculo queretrata a aliança entre o PoderLegislativo e a sociedade.

Em 22 de dezembro, foi eleita aComissão Constitucional, com 21 de-putados. O presidente era CamiloMachado, e o relator, BonifácioMourão. No mesmo dia, foi promul-gado o Regimento Interno da Consti-tuinte, que já previa a participação po-

pular na elaboração da nova CartaEstadual. Um dos pontos altos dessaparticipação deu-se nas audiênciaspúblicas de janeiro e fevereiro de1989.

“Nós convocamos o povo minei-ro para vir até a Assembleia dizer oque pensava e pretendia”, lembra opresidente da Assembleia Constitu-inte Mineira, deputado KemilKumaira. E não só o povo veio àAssembleia, como a Assembleia foiao interior. De 18 a 21 de janeiro de1989, a Comissão Constitucionaldividiu-se e percorreu 17 cidades-polo do Estado, em audiências pú-blicas regionais. A peregrinaçãocomeçou em Ouro Preto e passou tam-bém por Ponte Nova, Ipatinga,Divinópolis, Patos de Minas, Curvelo,Juiz de Fora, Governador Valadares,Passos, Uberlândia, Montes Claros,

Deputado Antônio Faria entrega a estudante diploma de participação na

Miniconstiuinte de Minas, que colheu sugestões para a Constituição Federal

Almenara, Poços de Caldas, TeófiloOtoni, Lavras, Uberaba e Unaí.

Logo em seguida, entre 23 de ja-neiro e 3 de fevereiro, a ComissãoConstitucional promoveu mais umarodada de audiências públicas. Foram19 reuniões, divididas por temas, to-das elas no Palácio da Inconfidência.Durante os encontros, a Comissão deSegmentos, formada por 33 entida-des, fomentava a mobilização e auxi-liava os representantes da sociedadea elaborar propostas.

Ao fim das reuniões na Capital eno interior, a Comissão Constitucio-nal acumulou o incrível volume de 10mil sugestões da sociedade, reunidasem 2,8 mil documentos. Começava alio período mais intenso de trabalhopara os deputados e servidores daALMG, que foi a votação do projetoda nova Constituição Estadual.

Acervo ALMG

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Atuação política ganhou comassessoria técnica

anos, já era considerado um especia-lista em Direito Administrativo e Cons-titucional. Coeli, que havia sido colegade Anastasia na Faculdade de Direitoda UFMG, lembra que ele chegou àAssembleia cercado de alguma descon-fiança do corpo técnico da Casa. Como tempo, no entanto, entrosou-se detal forma, que é apontado, do ponto devista técnico, como um dos pilares doprocesso constituinte.

Apesar do volume de emendas e doprazo apertado, o resultado final daConstituição de 1989 é consideradoexemplar pelos que participaram do pro-cesso e chegou a servir de modelo paraoutras cartas estaduais. Parte dessemérito deve ser creditada à qualidadedo corpo técnico da AssembleiaLegislativa e dos consultores externoschamados a contribuir na elaboraçãodo Texto Constitucional.

Além dos assessores subordina-dos à Secretaria-Geral da Mesa, ha-via uma equipe de servidores da Casatrabalhando no apoio à ComissãoConstitucional. Dos que não faziamparte da ALMG, quatro nomes se des-tacaram. O assessor do relator daConstituinte era o então técnico An-tonio Augusto Anastasia, da Funda-ção João Pinheiro, atualmente vice-go-vernador de Minas Gerais. Aos 27

Deputado Camilo Machado, presidente da Comissão Constitucional, recebe sugestões de grupos

de professoras da rede estadual durante os trabalhos de elaboração da nova Carta, em maio de 1989

Marcelo Metzker

REVISTA DO LEGISLATIVO 59

Além de Anastasia, a Assembleiacontou com o auxílio externo dos pro-fessores de Direito Paulo Neves deCarvalho, Raul Machado Horta e JoséAlfredo de Oliveira Baracho, todos jáfalecidos. Eles formaram uma comis-são de notáveis que prestou consul-toria à ALMG.

Segundo Maria Coeli, o mais en-tusiasmado dos três era Paulo Nevesde Carvalho, mestre dela e deAnastasia nos tempos de faculdade.O professor chegava a passar horasno Palácio da Inconfidência, envolvidonas discussões técnicas sobre a novaConstituição. A então secretária-ge-ral da Mesa lembra, particularmente,de uma frase que ele gostava de re-petir: “Eu queria ter a caneta do consti-tuinte para escrever apenas isto: ‘Opovo tem direito a governo honesto edecente’”. Carvalho não teve a ca-neta do constituinte, mas, por influ-ência dele, o artigo 73 da Constitui-ção Estadual diz o seguinte: “A socie-dade tem direito a governo honesto,

obediente à lei e eficaz”. Apesar deseu caráter mais pedagógico do queefetivo, o artigo foi uma novidade àépoca e não tem paralelo na Consti-tuição Federal.

“A estrutura da Assembleia para orelator e a Comissão Constitucionalera muito grande, bem montada. Ocorpo técnico era de altíssimo nível.Havia a comissão de notáveis, refe-rência para o trabalho, além do pro-fessor Anastasia, que passou a inte-grar a equipe a partir de indicação dorelator”, lembra o desembargador doTribunal de Justiça de Minas Gerais(TJMG) Edgard Amorim, na épocaassessor jurídico do gabinete deSandra Starling.

“Eles eram meus anjos da guarda”,afirma Bonifácio Mourão, sobre Ma-ria Coeli e Antonio Anastasia. Eram osdois que socorriam o relator, quandohavia necessidade de emitir um pare-cer no meio de uma reunião. Mourãoacrescenta que Maria Coeli, apesar dejovem, esbanjava habilidade política na

relação com os deputados e os de-mais servidores. Ela se destacou, ain-da, por sua capacidade de trabalho.“A Coeli foi a alma da assessoria daConstituinte”, diz o ex-diretor-geral daALMG Antônio Geraldo Pinto, hojeaposentado. Servidor da Casa desdea década de 1950, assessorou a Mesada Casa durante a elaboração da novaCarta.

A reunião de novos talentos e ser-vidores experientes marcou a atuaçãodo corpo técnico na ocasião. Entre osjovens estavam a própria Maria Coeli,Anastasia e Menelick de CarvalhoNetto, integrante da assessoria e hojeprofessor da Universidade de Brasília(UnB). A eles coube a maior parte dotrabalho pesado. Tanto que, para su-portar as longas jornadas, Menelickrecorreu a um composto antiestresse,vendido em farmácias, e recomendou-oà colega Maria Coeli.

De acordo com o relato da entãosecretária-geral da Mesa, tudo iabem até que, num mesmo dia, ela e

A secretária-geral da Mesa, Maria Coeli Simões Pires, deputados Kemil Kumaira e Romeu Queiroz e os servidores Maria das Dores

Abreu Amorim, Menelick de Carvalho Netto, Sebastião Moreira, Natália de Miranda Freire e Marcílio França Castro

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REVISTA DO LEGISLATIVO60

Menelick chegaram à Assembleiaqueixando-se de fortes dores nas per-nas. Um médico consultado por elesdiagnosticou como causa o uso docomposto antiestresse, que provoca-va problemas na circulação sanguínea.Mesmo sem o remédio, Maria Coeli eMenelick levaram o trabalho até o fim,com muitas madrugadas em claro.

Entre os servidores experientes,destacaram-se dois ex-diretores-ge-rais da ALMG: Sebastião Moreira, jáfalecido, e Antônio Geraldo Pinto.Moreira chamava a atenção pelo bomtrânsito entre os deputados e ajudoua aparar arestas entre parlamentarese servidores. Antônio Geraldo, espe-cialista no Regimento Interno doLegislativo mineiro, é o pai de uma ino-vação que perdura até hoje e que con-tribuiu para a agilidade do processo.

Até a Constituinte, o Plenário vo-tava as proposições artigo por artigo,emenda por emenda, o que tornava oprocesso muitas vezes exaustivo. An-tônio Geraldo elaborou um sistema quepermite a apreciação de projetos emsua totalidade e de emendas em blo-co. Por sua vez, as emendas sobre asquais não houvesse concordância pas-sariam a ser votadas em separado.

Por esse e outros motivos, MinasGerais foi o primeiro Estado brasileiroa promulgar sua nova Constituição, 11meses e meio após a entrada em vi-gor da Carta Federal.

Relação com a assessoria técnica

A harmonia entre o corpo técnico eos parlamentares é apontada pelos doislados como um dos fatores da qualida-de e abrangência da Constituição mi-neira. De acordo com o gerente de Re-dação da Gerência-Geral de Consul-toria Temática da ALMG, Marcílio Fran-ça Castro, havia a preocupação de con-

ciliar os aspectos técnicos e as deman-das políticas na elaboração do texto.“Nenhuma proposta era negligenciadaou tratada como menor. Havia sempreuma atenção muito grande com tudoaquilo que aparecia, vindo de quem fos-se, pois havia a participação parlamen-tar e também a popular. É lógico quehavia, muitas vezes, uma pressão doponto de vista teórico e técnico parareprimir a entrada de certas demandas.Só que naquele momento existia umanecessidade de afirmação política, eessa afirmação se dava, muitas vezes,pela presença no texto na Constitui-ção”, diz Marcílio, na época um dosassessores da Secretaria-Geral daMesa.

Mas nem tudo eram flores nessarelação. O desequilíbrio de forças en-tre a equipe do relator e os assesso-res da minoria parlamentar, represen-tada sobretudo pelo PT, provocou atri-tos. “O relator tinha uma assessoriaenorme, inclusive assessor plantadoali no Plenário. E a gente se virava”,lembra Sandra Starling.

A então deputada do PT destacaa competência do corpo técnico, masdiz que a voz da minoria era abafadapelo aparato institucional vinculado àPresidência da ALMG. Com a ressal-va de que não se trata de crítica pes-soal, mas à instituição, Sandra cita es-pecificamente a atuação de MariaCoeli e Antônio Geraldo. “Eu, com todoo respeito à Coeli, chamava-a de 78ªdeputada. E, toda vez que a gente fa-zia uma questão de ordem, o AntônioGeraldo ia lá falar na orelha do presi-dente para dar uma solução, paraafastar a resposta que a gente sabiaque era correta. Quero enfatizar isso.De um lado, a competência técnica daspessoas; de outro, a estrutura, que éfeita para esmagar a minoria”, afirma.

O período da Assembleia Cons-tituinte foi um dos mais conturba-dos, na história mineira, na relaçãoentre Legislativo e Executivo. Minasera um Estado dividido entre os de-fensores do governo Newton Car-doso e seus opositores. Na ALMG,não era diferente. A relação tensadesembocou num inédito processode impeachment contra o governa-dor. A votação final foi em 9 de agos-to de 1989, durante a Constituinte,com vitória apertada de Newton.

Como os deputados dividiam-se entre a elaboração da nova Car-ta e a atuação parlamentar de roti-na, os embates entre os dois ladosrefletiam-se na Constituinte. “Foium momento grave, porque muitasvezes a discussão era distorcida.Felizmente, nós tínhamos na oposi-ção um bom diálogo. O radicalismoàs vezes aparecia em alguns, mas agente conseguia, com os mais ex-perientes, chegar ao entendimentoe fazer um texto que fosse não a fa-vor de um governador nem contraele, mas a favor de Minas”, avalia odeputado Sebastião Helvécio (PDT),que foi, naquele período, líder dabancada do PMDB, partido deNewton Cardoso.

O ex-deputado Felipe Néri(PMDB), que era líder do Governo,resgata uma frase do colega SamirTannús (PDS) para resumir sua atua-

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Constituinte foi marcada por tensão entreExecutivo e Legislativo

ção naquele período: “Ser líder doGoverno é igual a carregar embrulhode manga, tem sempre uma escapan-do aqui ou ali”. Certamente, as man-gas daquele embrulho eram bem maio-res que as habituais.

De acordo com Maria Coeli, o Po-der Executivo acabou tendo uma par-ticipação tímida nas discussões do

Texto Constitucional, em comparaçãocom o Poder Judiciário, o MinistérioPúblico e os diversos segmentos so-ciais. Mas os atritos entre governo eoposição quase mancharam a festa depromulgação da Constituição mineira.

A solenidade, que começou commissa na Praça da Assembleia, cele-brada, entre outros, pelo então arce-

bispo de Mariana, Dom Luciano Men-des de Almeida, teve momentos ten-sos na tarde de 21 de setembro de1989. Os vereadores petistas RobertoCarvalho (hoje vice-prefeito da Capi-tal) e Durval Ângelo (atualmente de-putado estadual) e o sindicalista EulerRibeiro montaram uma banca de fru-tas na Praça, como parte do protesto

Deputado Narciso Michelli, deputada Sandra Starling e deputado Luiz Vicente Calicchio (de frente), durante

os trabalhos da Comissão Constitucional, cuja rotina era acompanhada por entidades da sociedade civil

Marcelo Metzker

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contra o governador. A Polícia Militarentendeu que eles pretendiam arre-messar as frutas em Newton e pren-deu os três. Eles foram soltos apósquase uma hora, com a intervençãode Kemil Kumaira.

Houve tumulto também quandodezenas de servidores públicos ten-taram entrar no saguão do Palácio daInconfidência com faixas e cartazes deprotesto contra o governador. Elesentraram em choque com a seguran-ça da Casa e uma porta de vidro che-gou a ser quebrada. Para completar,no dia mesmo da promulgação,Newton fez críticas a alguns pontosdo texto, como a isenção de ICMSpara os produtores de leite.

Radicalismo político

A oposição ao governador chegoua unir dois adversários ferrenhos daditadura militar, o PT e o PFL. E issonão era pouco. Naquele tempo, oPartido dos Trabalhadores, com menosde dez anos de existência, era sinôni-mo de radicalismo político. “Era o PTcontra todos. Nós já estávamos na de-mocracia, mas agíamos como se aindaestivéssemos na ditadura”, lembra opresidente da Fundação PerseuAbramo, Nilmário Miranda, que lidera-va a bancada petista na Constituinte.

Fo i também uma época deaprendizado democrático. SegundoNilmário, a relação com os outros par-tidos na Assembleia proporcionou a elee aos colegas de bancada uma expe-riência fundamental para os anos se-guintes. “Na Constituinte nós abrimosum canal de diálogo, aprendemos aconversar. Eu resumiria assim a expe-riência: brigam as ideias, não os ho-mens. Como deputado federal eu jálevei em conta isso, tanto que fui con-siderado um dos bons negociadores

nos 12 anos que passei na Câmarados Deputados”, assinala.

Um sintoma da mudança de pos-tura ao longo da Constituinte foi a as-sinatura do original da Constituiçãomineira pelos cinco integrantes dabancada do PT. Um ano antes, os par-lamentares do partido na Câmara dosDeputados haviam-se recusado a as-sinar a Carta Federal, por discorda-rem de diversos aspectos do texto.

Experiência compartilhada

No mesmo momento em que aAssembleia Legislativa pôs o pontofinal na Constituição mineira, teve iní-cio um novo capítulo da história políti-ca do Estado. “O processo constituin-te tem de se tornar algo referencial, éo nosso ponto de partida na ordemdemocrática. Não é tanto o texto queimporta, mas muito mais o que somoscapazes de fazer com esse texto acada geração”, afirma Menelick deCarvalho Netto.

A primeira consequência foi ime-diata. O material reunido nas audiên-cias públicas regionais e temáticas foiaproveitado em uma série de ativida-des de orientação às câmaras munici-pais para a elaboração das leis orgâ-nicas dos municípios. “Essas comis-sões temáticas foram tão profícuas eo material que se coligiu foi tão gran-de que nós discutimos como aprovei-tar o acervo que havíamos recebido.Era um excesso de democracia, apósum período ditatorial, termos aquilonas mãos, que era a vocação do povocolocada ali, junto aos deputados. Nósficamos com uma preciosidade nasmãos”, afirma o ex-deputado LuizVicente Calicchio (PFL-PSDB).

A solução foi compartilhar o mate-rial com as câmaras municipais. Logoapós o encerramento da Constituinte,

a Assembleia Legislativa promoveuuma reunião de vereadores para tra-tar das leis orgânicas. Os deputadosfizeram também visitas ao interior,com o objetivo de orientar os parla-mentares municipais, que já eram alvode escritórios oportunistas. “Chegueiaté a fazer, juntamente com o pessoalda Assembleia, uma cartilha elemen-tar, que foi usada depois pelos verea-dores. Na época, a novidade era tãogrande que apareceram escritórios deadvocacia, propondo lei orgânica pron-ta para vender aos municípios. Erauma coisa absurda. Então, eu saía pre-gando por aí, dizendo: ‘Olha, é prefe-rível uma colcha de retalhos, uma leimalfeita, mas que vocês tenham fei-to’”, recorda-se Calicchio.

E a Constituição de 1989 continuaa produzir efeitos, entre os quais umaAssembleia Legislativa mais aberta àsdemandas populares. “Quanto maisnós tivermos audiências públicas, par-ticipação de todos os níveis, ouvindoàqueles que pensam de forma dife-rente, mais nós estaremos próximosdesse projeto permanente de constru-ção de cidadania que uma Constitui-ção democrática requer”, diz Menelick.

Para Calicchio, a maior virtude daConstituição mineira, que foi promul-gada há 20 anos, pode ser assim resu-mida: “Ela abriu a boca do povo. O povofala, esta é a grande conquista”.

As falas de Carlos Calazans, Felipe Neri, Flávio

Couto e Silva de Oliveira, Kemil Kumaira, LuizVicente Calicchio, Menelick de Carvalho Netto,

Nelinho Rezende e Sandra Starling utilizadasnesta reportagem foram retiradas de depoi-

mentos concedidos à coleção de documentários

Memória & Poder, da TV Assembleia