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1 Carlos Gomes ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO - resistir.info · 1.1 – Evolução e desenvolvimento agrícola 1.2 – Métodos de cultivo 1.3 – Instrumentos agrícolas 1.4 – Irrigação e drenagem

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    Carlos Gomes

    ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

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    Cumpre, porm, e sempre, advertir que a

    realidade no uma rgua, nem uma srie de caixas: no tem marcas distintas, nem conhece separaes absolutas. Quando, portanto, estabelecemos, para nossa convenincia mental, fases e perodos na vida e na histria, e indicamos certos fenmenos como sinais do princpio e do fim dessas fases, no devemos esquecer que esses fenmenos, que nos servem convenientemente de balizas, no so instantneos mas prolongados; e que, assim, h um largo espao em que duas pocas sucessivas se confundem e se misturam, a ponto de no podermos bem dizer se tal ano ou caso est em uma ou outra delas, ou se no estar, por assim falar, em duas ao mesmo tempo. Com esta reserva fundamental tm sempre que entender-se as classificaes que se fazem na vida e, sobretudo na histria.

    Fernando Pessoa, em Revista do Comrcio e Contabilidade, n 3, Maro de 1926

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    ALGUNS DADOS BIOGRFICOS Nasceu na cidade do Porto, Portugal, em 1925. Licenciado em Finanas pelo

    ISCEF Instituto Superior de Cincias Econmicas e Financeiras, da Universidade Tcnica de Lisboa, exerceu sempre a sua actividade profissional em instituies financeiras. Frequentou numerosos cursos e seminrios, em pases europeus, nas reas de operaes bancrias, organizao e gesto de empresas. No exerccio da sua profisso assumiu a responsabilidade pela montagem e instalao dos servios de um banco portugus em Angola, Moambique e Frana e ainda pela renovao e modernizao da sua sede social, no Porto. Por incumbncia do Banco de Portugal coordenou em 1975 a actividade de todos os bancos nacionalizados portugueses no Norte e Centro do Pas.

    Foi membro das administraes ou conselhos fiscais de diversas empresas dos ramos metalrgico, turstico e editorial e da direco de cooperativas e associaes culturais.

    Como residente na cidade de Almada, desempenhou as funes de deputado na Assembleia Municipal durante oito anos, participando da Comisso de Administrao e Finanas e assumindo a sua presidncia nos ltimos quatro anos.

    Colaborou na extinta revista Economia EC, questes econmicas e sociais, na revista Vrtice e em algumas publicaes peridicas. Ultimamente tem-se dedicado investigao e escrita de temas relacionados com a Cincia Econmica e, ainda, reviso cientfica da traduo para portugus de livros da sua especialidade, designadamente: Breve Dicionrio de Economia, da autoria de Jos Maria Lozano Irueste, professor emrito da Universidade Complutense, de Madrid, e As Estruturas Sociais da Economia, da autoria de Pierre Bourdieu.

    Em Novembro de 2002 foi editado pela Editora Campo das Letras, do Porto, o seu livro ECONOMIA DO SISTEMA COMUNITRIO, com o subttulo Enquanto a mercadoria e a moeda no existem, resultante de uma prolongada e meticulosa investigao durante vrios anos. O texto integral deste livro encontra-se tambm publicado na Biblioteca Virtual de Economia do Grupo de Investigao EUMED.NET, sediado na Universidade de Mlaga, na seco de Libros Gratuitos de Economia, e na Biblioteca Virtual Miguel Cervantes, seco Bibliotecas del Mundo, da Universidad de Alicante.

    Em Setembro de 2004 apresentou no VIII Congresso Luso-Afro-Brasileiro, realizado na Universidade de Coimbra, uma comunicao com o ttulo Economia do Sistema Comunitrio Objecto de investigao e divulgao, cujo texto completo foi publicado pela revista Vrtice, de Coimbra, e pelo Grupo EUMED.NET, na seco de Contribuciones a la Economia. Em colaborao com as iniciativas deste Grupo, tem participado em alguns dos seus Encontros Virtuais Internacionais de Economia. Presentemente, acabou de concluir a redaco de um novo livro, com o ttulo de ANTECEDENTES DO CAPITALISMO, que aborda o processo econmico, as actividades, as relaes e estruturas econmicas e sociais, ou seja, as mudanas ocorridas aps o sistema comunitrio que conduziram formao de novas estruturas econmicas e, finalmente, emergncia do Sistema Capitalista.

    Almada, Abril de 2008

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    Contacto e-mail: [email protected] Residncia: Praa S. Joo Baptista, 5 10. Esq. 2800-199 Almada PORTUGAL Tel. 351 212467956

    ANTCEDENTES DO CAPITALISMO NDICE PREFCIO I PARTE FACTORES DO PROCESSO ECONMICO 1 PRODUO DE BENS E SERVIOS 1.1 Processo produtivo 1.2 Foras produtivas 1.3 Relaes de produo 1.4 Modos de produo 2 TRABALHO 2.1 Processo de trabalho 2.2 Carcter social do trabalho 2.3 Fora de trabalho 2.4 Objectos de trabalho 2.5 Meios de trabalho 2.6 Produtividade do trabalho 2.7 Intensidade do trabalho 2.8 Prestao de servios 3 MEIOS DE PRODUO 3.1 Meio ambiente

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    3.2 Populao 3.3 Matrias-primas

    3.4 Energia 3.5 Utenslios e instrumentos de trabalho 3.6 Infra-estruturas

    3.7 Conhecimentos cientficos 3.8 Meios tcnicos de produo 3.9 Linguagem oral e escrita

    3.10 Organizao e gesto 4 MEIOS DE CIRCULAO 4.1 - Distribuio 4.2 Permuta e troca directa

    4.3 Troca indirecta 4.4 Valor de uso 4.5 Mercadoria 4.6 - Valor 4.7 Valor de troca 4.8 Preo 5 MEIOS MONETRIOS E FINANCEIROS 5.1 Dinheiro e suas funes 5.2 Moeda e sua origem 5.3 Massa monetria 5.4 Circulao monetria 5.5 Inflao 5.6 Transaces cambiais 5.7 Crdito 6 PROCESSO DE CONSUMO 6.1 Consumo econmico 6.2 Auto-consumo 6.3 Consumo de bens culturais e de lazer 6.4 Desperdcio e luxo 6.5 Carncia alimentar e fome 7 CAPITAL E INVESTIMENTO

    7.1 Capital 7.2 Capital constante e capital varivel 7.3 Circulao de capital 7.4 Investimento econmico II PARTE ACTIVIDADES ECONMICAS E SOCIAIS 1 ACTIVIDADES AGRCOLAS E PECURIAS 1.1 Evoluo e desenvolvimento agrcola 1.2 Mtodos de cultivo 1.3 Instrumentos agrcolas

    1.4 Irrigao e drenagem 1.5 Produo agrcola alimentar 1.6 Produo agrcola no alimentar 1.7 - Caa 1.8 Pesca e alimentos martimos

    1.9 Pastorcia, pecuria, criao de animais 1.10 Conservao e armazenamento 1.11 Industria alimentar 2 ACTIVIDADES EXTRACTIVAS E METALRGICAS 2.1 Extraco do sal

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    2.2 Extraco de minrios 2.3 - Metalurgia

    2.4 Rochas, pedras 2.5 Cobre e bronze 2.6 Ouro e prata 2.7 Ferro 3 ACTIVIDADES TRANSFORMADORAS 3.1 Artefactos de madeira 3.2 Fiao, tecelagem, vesturio 3.3 Curtumes e trabalho com pele 3.4 Olaria, cermica e vidraria 3.5 Mquinas e ferramentas 3.6 Papel e impresso 3.7 Objectos de prestgio 3.8 Construo de habitaes 3.9 Infra-estruturas urbanas 4 ACTIVIDADES TRANSPORTADORAS 4.1 Sistema de transportes 4.2 Comunicaes terrestres 4.3 Comunicaes fluviais 4.4 Comunicaes martimas 4.5 - Construo naval 4.6 - Portos 5 ACTIVIDADES COMERCIAIS 5.1 Desenvolvimento do comrcio 5.2 - Mercadores 5.3 Mercados e feiras 5.4 Instrumentos de medida 5.5 Comrcio interno 5.6 Comrcio externo 5.7 Trfico de escravos 6 ACTIVIDADES ADMINISTRATIVAS 6.1 Servios e funes administrativas 6.2 Administrao da produo e do patrimnio 6.3 Administrao de rendimentos 7 ACTIVIDADES MONETRIAS E FINANCEIRAS 7.1 Criao de moeda e papel-moeda 7.2 Meios de pagamento 7.3 Sistema fiscal 7.4 Transaces bancrias 7.5 Operaes de crdito 7.6 Instabilidade monetria 8 ACTIVIDADES CULTURAIS E SOCIAIS 8.1 Conhecimentos cientficos e tecnolgicos 8.2 Produo literria 8.3 Produo artstica 8.4 Formao escolar 8.5 Sade 8.6 Actividades religiosas III PARTE RELAES ECONMICAS E SOCIAIS 1 RELAES DE TRABALHO

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    1.1 Trabalho escravo 1.2 Trabalho servil 1.3 Trabalho livre e contratado 1.4 Trabalho compulsivo ou forado 1.5 Trabalho assalariado 1.6 Trabalho administrativo e intelectual 1.7 Diviso tcnica e profissional do trabalho 1.8 Diviso social do trabalho 1.9 Desemprego 2 RELAES DE PRODUO 2.1 Produo domiciliria 2.2 Produo em palcios e templos 2.3 Produo agrcola 2.4 Produo artesanal 2.5 Corporaes artesanais 2.6 Manufactura 2.7 Produo industrial 2.8 Transportes 3 RELAES COMERCIAIS

    3.1 Comrcio 3.2 Leis do mercado 3.3 Corporaes comerciais 4 RELAES DE REPARTIO 4.1 Excedente econmico 4.2 Regime e remunerao do trabalho 4.3 Rendimentos da tributao 4.4 Rendas 4.5 Impostos 4.6 - Juros

    4.7 Ddivas e oferendas 4.8 Mais-valia 4.9 - Lucros 4-10 Acumulao de riqueza 5 RELAES FINANCEIRAS 5.1 Acumulao de capital 5.2 Centralizao e concentrao de capital 5.3 Investimento financeiro 6 RELAES DE PROPRIEDADE 6.1 Formas de propriedade 6.2 Domnio comunal 6.3 Domnios senhoriais 6.4 Propriedade da terra 6.5 Propriedade dos meios de produo 7 CLASSES E GRUPOS SOCIAIS 7.1 Caractersticas das classes sociais 7.2 Formao de classes sociais 7.3 Aristocracia 7.4 Burguesia rural 7.5 Burguesia urbana 7.6 Caractersticas dos grupos sociais 7.7 Relaes entre classes e grupos sociais 7.8 Luta de classes 8 RELAES ENTRE POPULAES

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    8.1 Costumes, leis e legitimidade 8.2 Mobilidade demogrfica 8.3 Populaes rurais e urbanas 8.4 Povos nmadas e sedentrios 8.5 Relaes pacficas entre povos 8.6 Conflitos e guerras 8.7 Corso e pirataria IV PARTE SISTEMAS E ESTRUTURAS ECONMICAS 1 SISTEMAS ECONMICOS PR-CAPITALISTAS 1.1 Sistema comunitrio

    1.2 Sistema tributrio 1.3 Sistema mercantil

    2 ESTRUTURAS ECONMICAS E SOCIAIS 2.1 Estrutura de subsistncia

    2.2 Estrutura rural 2.3 Estrutura tribal 2.4 Estrutura nmada 2.5 Estrutura escravista 2.6 Estrutura senhorial 2.7 Estrutura feudal 2.8 Estrutura urbana 3 ESTRUTURAS ESTATAIS 3.1 Estado. O que , onde e quando surge? 3.2 Poder Estatal 3.3 Poltica econmica 3.4 Formas organizacionais 3.5 Estados e naes 3.6 Imperialismo e expansionismo 4 ESTRUTURAS PROTO-CAPITALISTAS 4.1 Empresas e sociedades por aces 4.2 Instituies financeiras 4.3 Bolsas

    4.4 Monoplios 4.5 Regimes coloniais 4.6 Entrepostos comerciais e feitorias 4.7 Companhias 5 SISTEMA CAPITALISTA 5.1 Razes do sistema capitalista 5.2 - Transio para o sistema capitalista 5.3 Formao do sistema capitalistas

    5.4 Revoluo industrial

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    ANTECEDENTES DO CAPITALISMO P R E F C I O Excluindo os estudos tcnicos especializados, muito pobre a literatura

    portuguesa sobre a Economia Poltica, sendo muito limitada a contribuio dos economistas, naturalmente mais motivados para se pronunciarem acerca dos fenmenos actuais inerentes ao prprio sistema capitalista ou sobre temas de organizao e gesto empresarial ou administrativa. , alis, compreensvel esta atitude face s mais diversas mensagens que permanentemente fluem perante todos ns, provindo dos mais variados quadrantes do mundo. Equacionar e debater os fenmenos econmicos e financeiros, tentar dar respostas acertadas para os complexos problemas ocorridos na actualidade, representa um intenso trabalho de investigao que, sem dvida, urge realizar e divulgar.

    Tem o autor assumido a opinio de que a investigao econmica no tem envolvido os sistemas, estruturas e modos de produo que ainda permanecem, se interligam e sucedem uns aos outros e que essa investigao no tem abrangido todos os povos, limitando-se apenas a debruar-se sobre aqueles que mais intensamente participam no desenvolvimento de uma determinada poca histrica. O facto de no se analisar em pormenor os modos de produo surgidos em perodos anteriores ao sistema capitalista, e que ainda coexistem na actualidade, cria dificuldades extremamente srias aos investigadores, limita e pode dar lugar omisso ou extraco de concluses erradas. O estudo da cincia econmica no deve abranger apenas a actividade das sociedades modernas, mas tambm a de todas as sociedades, mesmo daquelas que se encontram em eventual via de extino.

    Numa Comunicao que apresentei ao VIII Congresso Luso-Afro-Brasileiro de

    Cincias Sociais, realizado em Setembro de 2004, na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, numa das suas sesses temticas, expressei a seguinte questo:

    Desde quando e onde comeam a surgir actividades produtivas do homem com reflexo nas relaes sociais?

    Sobre este tema desenvolvi algumas consideraes que me permito transcrever: O conhecimento destes fenmenos, a sua observao, anlise e investigao,

    incluem-se entre os objectivos da Cincia Econmica. Quando o homem exerce uma actividade consciente e intencional, aplicando as suas capacidades fsicas e intelectuais na adaptao e transformao dos recursos naturais ou na criao e utilizao de meios por si criados, materiais ou imateriais, com o fim de satisfazer as suas necessidades, interesses ou desejos colectivos, poder concluir-se que deu incio a uma actividade produtiva. O homem adquire assim a sua qualidade de produtor, cria instrumentos de trabalho, exerce a sua influncia sobre a natureza no sentido de satisfazer os seus objectivos. Atravs do processo produtivo os homens estabelecem entre si determinadas relaes de natureza social, no sentido em que tm de se associar e cooperar em quaisquer circunstncias.

    E mais adiante conclu: Neste Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Cincias Sociais parece fazer todo o

    sentido incluir este tema, na medida em que no conjunto dos pases desta rea ainda se

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    mantm situaes de modos de produo comunitrios, tributrios, feudais ou mercantis e subsistem economias mistas, assentes no trabalho de grupos familiares ou comunitrios, a servir de fonte complementar de rendimentos e de satisfao de necessidades bsicas, em paralelo com uma produo destinada aos mercados locais ou regionais onde estes produtores se apresentam a vender os seus excedentes de origem agrcola ou artesanal e a adquirir os seus instrumentos de trabalho e outras mercadorias. Parece estar fora de dvida que esta situao, ainda actual, no pode ser ignorada pela Economia Poltica. As tendncias liberal ou de globalizao constituem no presente uma grande ameaa a estas formas de produo, pois evidente o objectivo de as eliminar, por vezes, com o recurso a meios agressivos e violentos.

    O surgimento de um novo sistema econmico com posies dominantes em algumas regies do globo e em momentos diferenciados no tempo, no significa que a investigao econmica s tenha de existir aps o seu aparecimento. pergunta acima formulada: Desde quando e onde comea a surgir uma actividade produtiva do homem com reflexo nas relaes sociais?, poderemos pois responder com a premissa de que a economia deve incorporar a investigao a partir do momento em que o homem aplica as suas foras produtivas em conjunto e em constante mobilidade, da resultando o estabelecimento de relaes sociais especficas.

    Dentro deste critrio escrevi um livro, a que dei o ttulo ECONOMIA DO

    SISTEMA COMUNITRIO Enquanto a mercadoria e a moeda no existem, editado em Novembro de 2002 por Campo das Letras Editores e, mais tarde, em edio digital, pelo Grupo de Investigao eumed.net, da Universidade de Mlaga, que o incluiu na sua Biblioteca de Economia, na Seco de Libros de economia grtis.

    Impunha-se, porm, prosseguir! Para estudar os sistemas econmicos indispensvel conhecer os recursos, as

    actividades, as categorias econmicas, as relaes e as estruturas existentes em cada um deles. Foi o que procurei analisar, com algum pormenor, no decorrer do trabalho de pesquisa que deu lugar a este livro.

    No sistema comunitrio, no modo de produo recolector, o homem procura obter os bens necessrios sua subsistncia apropriando-se dos produtos que a natureza lhe oferece atravs de contnuas deslocaes e da criao dos primeiros artefactos e instrumentos de trabalho, ainda que rudimentares, que utiliza em proveito colectivo, recproco e solidrio.

    Com o incio da domesticao e criao de animais e plantas, novos instrumentos de trabalho so criados ou aperfeioados, o modo de obteno de alimentos amplia-se e as populaes tendem a fixar-se em espaos prprios. O homem consegue adaptar, em certas condies, o ambiente s suas necessidades e interesses e realizar uma produo consciente, j planeada embora de forma emprica.

    A produo intensiva de alimentos por iniciativa do prprio homem acaba por conduzir rotura da partilha comunal e alterao profunda das relaes sociais existentes entre as comunidades e mesmo no seu interior. A intensificao da produo agrcola e pecuria permitiu obter excedentes em gneros, no j partilhados por toda a comunidade, que se concentraram na mo dos chefes das comunidades criando as premissas para uma apropriao coerciva e o aparecimento de desigualdades sociais. As terras arveis, os animais e os pastos, embora permanecendo como propriedade comunal, comeam a ser atribudas a famlias inseridas na comunidade agrcola, que tendem a explorar por sua prpria conta. Esta apropriao torna-se incompatvel com a

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    partilha igualitria. Nos ltimos estdios do regime comunitrio acentua-se a diferenciao entre as pessoas ou as famlias conforme a sua posio em relao posse dos meios de produo e distribuio igualitria dos bens produzidos, e assiste-se formao duma estratificao social em fase nascente, embora ainda no institucionalizada.

    Seguiu-se uma mudana, iniciada por volta do IV milnio a. C., que no foi geral e apenas ocorreu em algumas regies onde as condies de vida eram mais propcias. Estas alteraes foram to complexas que justificam analisar e aprofundar o conjunto de factores econmicos que conduziram emergncia de novos sistemas econmicos e encontrar as caractersticas fundamentais das relaes sociais decorrentes e das diferentes estruturas econmicas da sociedade que se sucederam.

    O territrio que alberga uma comunidade, declarado pertena dos deuses, torna-se na prtica em domnio estatal, representado pelo soberano e a sua corte, chefe de tribo ou de comunidade, e partilhado pelas instituies religiosas e pela aristocracia. Estas classes dominantes apropriam-se dos excedentes produzidos por outras classes a elas subordinadas sob a forma dum tributo regular constitudo por pores significativas de colheitas ou um certo nmero de cabeas de gado ou por prestao de trabalho obrigatrio nos seus domnios. O rendimento da tributao permite s classes dominantes acumular riquezas, viver sem produzir, sustentar os seus escravos e servos, efectuar o pagamento em espcies a funcionrios, guerreiros, artesos e outros indivduos a trabalharem directamente nos seus territrios e domnios.

    A riqueza das classes dominantes no se baseava apenas na intensificao das diversas modalidades de explorao, mas tambm no alargamento da base territorial onde se apoderavam de novos tributos e capturavam escravos, o que originava sucessivos conflitos e guerras de conquista.

    A diviso social do trabalho acentuou a necessidade da troca, primeiro directa, entre os diferentes produtores. A par duma produo destinada ao consumo e entrega do tributo, os camponeses, os artesos, os caadores ou os pescadores, comeam a consagrar uma parte dos bens recolhidos ou produzidos troca, estabelecendo relaes de carcter mercantil. Tambm a acumulao de bens na posse das classes dominantes estimulou o desenvolvimento da troca interna e externa, como forma destas classes adquirirem bens de prestgio, de luxo ou outros, fora das suas esferas de influncia. Com a produo intencional de excedentes destinados troca, nasce a mercadoria e a figura do mercador como intermedirio nas trocas entre as diferentes comunidades. Os mercadores passaram a desempenhar importantes funes ligadas ao exerccio do poder, ao servio das classes dominantes.

    O sistema econmico pr-capitalista comea a ser caracterizado e dominado pela existncia duma produo destinada especificamente troca. Os camponeses e artesos caem sob a dependncia duma nova classe social, a dos comerciantes que figuram como intermedirios na troca das mercadorias, como fornecedores de matrias-primas ou como emprestadores financeiros. O mbil dominante desta nova classe, a burguesia, a procura dum lucro monetrio to elevado quanto possvel, a acumulao de capital indispensvel obteno de rendimentos e formao de empresas nos diversos sectores de actividade.

    Os camponeses e os artfices mais pobres so empregues como trabalhadores assalariados, o mesmo acontecendo classe servil e, mais tarde, aos prprios escravos. A fora de trabalho aparece como mercadoria, sujeita s condies do mercado, apresentando uma forma especfica de excedente, a mais-valia.

    A expanso da grande produo deixa de estar limitada pelo comrcio e passa a ser influenciada pela quantidade do capital investido e pelo nvel de desenvolvimento da

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    produtividade. No sector agrcola surgem grandes propriedades fundirias que permitem uma produo extensiva agrcola e pecuria. A indstria alcana uma posio dominante com a transformao gradual da actividade artesanal e a desintegrao do sistema das corporaes. A concentrao da riqueza monetria contribui para a expanso da produo destinada venda em grande escala nas mais diversas regies, facilitada pelo desenvolvimento das comunicaes terrestres e martimas.

    Em certas regies do globo comeam a viver comunidades mais amplas e organizadas, submetendo-se a certas disciplinas, gozando das vantagens das cidades e no limitando o seu modo de existncia a uma simples sobrevivncia. Aparecem os Estados centralizados, representando unidades polticas nacionais, desejosos de alargarem mercados externos atravs da aquisio de colnias e da supremacia terrestre e martima. Estes fenmenos econmicos, com a produo como ponto de partida, no se desenrolam de igual modo em todos os espaos territoriais ou nas mesmas pocas histricas, embora na sua evoluo ocorram formas semelhantes que conduzem definio de leis econmicas.

    Estes temas, sinteticamente referidos neste Prefcio, sero objecto duma interpretao econmica, to aprofundada quanto possvel, de acordo com as descries histricas, que nos fornecem e descrevem os factos. uma tarefa complexa, esperando o autor que este livro possa, pelo menos, constituir um meio til de investigao e de divulgao de conhecimento deste tema.

    A existncia de novos conceitos, de categorias e duma terminologia tcnica que nem sempre os especialistas conseguem ultrapassar nos contactos de divulgao, cria uma impresso de esoterismo inconveniente que exige uma disposio e um esforo capaz de facilitar a sua interpretao e compreenso, sem o que fica reduzida a capacidade de os levar ao conhecimento pbico com a necessria clareza e rigor. Procurou-se redigir o texto de forma a atingir tal objectivo.

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    I PARTE FACTORES DO PROCESSO ECONMICO O processo econmico abarca o conjunto das fases da actividade econmica que

    formam um movimento contnuo e repetido, ou sejam: a produo, a circulao e o consumo. A produo desempenha o papel principal pois determina a criao e caractersticas dos artigos de consumo, a sua distribuio e troca, factores que exercem uma importante influncia sobre a produo. Estas fases no constituem processos paralelos, pois resultam de operaes interdependentes umas das outras que esto, por sua vez, dependentes dos modos de produo existentes em determinadas pocas e regies.

    1 PRODUO DE BENS E SERVIOS

    1.1 PROCESSO PRODUTIVO O conceito de produo inerente actividade humana que, consciente e

    intencionalmente, aplicando a sua capacidade fsica e intelectual, visa adaptar e transformar os recursos naturais ou os criados pelo prprio homem com o fim de satisfazer as suas necessidades, interesses ou desejos sociais. A sociedade no poderia existir nem progredir sem a produo. inimaginvel que pudesse cessar a produo, mesmo por um breve prazo. A produo uma condio permanente da vida da sociedade. Uma particularidade importante consiste no facto da satisfao das necessidades humanas suscitar, por sua vez, a apario de novas necessidades, interesses sociais ou estmulos, que influem na produo. Na sociedade estabelece-se assim uma correlao entre as necessidades e a produo.

    Produzir em primeiro lugar trabalhar. A fora de trabalho em aco, com o seu dispndio de energia fsica e mental, constitui uma condio indispensvel ao processo produtivo. Porm, a produo no se circunscreve unicamente ao trabalho.

    O processo produtivo determina a forma como se podem obter os bens e os servios, sejam eles corpreos ou incorpreos, desejados pelas populaes para seu interesse e benefcio prprios. Para atingir tal objectivo so indispensveis trs elementos:

    .- a actividade do indivduo com os seus conhecimentos e hbitos, ou seja, o trabalho propriamente dito;

    - a existncia de objectos sobre os quais exerce a sua actividade, que o homem encontra na natureza, modifica ou cria com o seu trabalho;

    - a existncia dos meios necessrios para actuar sobre os objectos de trabalho, tais como instrumentos de trabalho, mecanismos, energia, dispositivos tcnicos, conhecimentos cientficos, organizao e outros.

    Na execuo do processo produtivo os homens aproveitam os recursos naturais que esto ao seu alcance, criam e adaptam instrumentos apropriados para transformar em seu benefcio esses mesmos recursos, concebem meios artificiais atravs dos conhecimentos e experincias herdados de perodos anteriores e vo-se, entretanto, apercebendo de leis que regem o desenvolvimento da natureza e da sociedade. Como adverte Armando de Castro ...os objectos materiais so por si mesmo inertes, sendo preciso fecund-los pelo trabalho para passarem a ser meios de produo. (A Evoluo Econmica de Portugal, vol. IV, pg. 294, Portuglia Editora)

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    Ao transformar a natureza e ao criar novos bens e servios o homem desenvolve as suas prprias faculdades, eleva o seu nvel cultural e conhecimentos. Estes por sua vez permitem introduzir mudanas e inovaes, que engendram o desenvolvimento da produo. Estabelece-se assim uma interaco recproca entre os elementos material e pessoal.

    O movimento e a renovao incessante do processo produtivo essencial para assegurar a prpria existncia dos aglomerados populacionais, ao lanar os bens na circulao e no consumo. Para consumir indispensvel continuar a produzir. Este fenmeno econmico, de repetio constante da produo, origina todo um processo de reproduo simples que tem de manter o arsenal produtivo, conservar ou substituir os meios de produo existentes, aumentar ou alargar o conjunto dos instrumentos produtivos indispensveis renovao dum novo ciclo. As fases sucessivas do processo de reproduo esto estreitamente ligadas, influenciam-se reciprocamente e exercem, por sua vez, uma determinada influncia sobre a produo, pois s possvel distribuir, trocar e consumir aquilo que produzido num determinado perodo de tempo. Parte dos bens produzidos podem destinar-se produo de outros bens. Quando os factores de produo so regularmente substitudos e a sua quantidade aumenta periodicamente, estamos perante um processo de reproduo alargada, trao caracterstico do sistema capitalista.

    Em toda a produo relativamente desenvolvida, qualquer mudana substancial num ramo de actividade repercute-se inevitavelmente nos restantes. Por exemplo, o progresso da produo industrial conduz ao reequipamento tcnico da agricultura ou mecanizao dos trabalhos de construo; por sua vez, a intensificao do uso de adubos artificiais na agricultura impulsiona a indstria qumica. A sociedade tem de ter em conta esta lgica do desenvolvimento da produo.

    O processo produtivo , por definio, um processo social. Nele destacam-se dois elementos bsicos e fundamentais: um, o das foras produtivas que incluem os elementos indispensveis ao desenrolar do processo produtivo, criado pela sociedade; outro, o das relaes de produo caracterizadas pelo modo de interaco entre as pessoas determinado pela sua ligao com os meios de produo no seio da diviso social do trabalho. Com o crescimento das foras produtivas alteram-se as relaes sociais de produo. Estas actuam, por sua vez, sobre o desenvolvimento das foras produtivas, como se concluir ao longo deste estudo.

    1.2 FORAS PRODUTIVAS As foras produtivas incluem o prprio homem, na qualidade de produtor, e os

    meios materiais e intelectuais de que necessita para produzir. Integram o resultado duma actividade prtica anterior de que se vale a sociedade para exercer a sua influncia sobre a natureza e a transformar. Os conhecimentos adquiridos, a experincia e os hbitos de trabalho, permitem aos homens movimentar os instrumentos de produo e aperfeio-los, inventar mquinas, dominar a energia e, simultaneamente, aperfeioar o seu saber. As foras produtivas so o resultado da actividade prtica dos seres humanos, embora limitada pelas condies, espaciais e temporais, em que se encontram situados.

    Ao aplicar as suas capacidades fsicas e mentais, os conhecimentos, experincia e hbitos adquiridos ao longo dos tempos, o homem desenvolve o seu nvel cultural e tcnico. Estas caractersticas humanas materializam-se na criao ou aperfeioamento de novos meios de produo. Estes, por sua vez, foram os homens a adaptarem-se a eles e a us-los, a moldarem-se aos novos instrumentos e tcnicas. O pensamento um

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    dos elementos activos das foras produtivas ao assumir as funes de conhecimento, de memorizao de conduta e controlo do processo de produo. Considerar que o homem uma fora produtiva no significa rebaix-lo ao nvel duma coisa. Pelo contrrio, significa reconhecer a sua capacidade de desenvolver uma actividade que o elevou a uma posio superior em relao ao reino animal e assegurou o domnio sobre a natureza.

    O expoente do progresso das foras produtivas a produtividade do trabalho social. O progresso tcnico, com a criao e aperfeioamento de instrumentos e meios de trabalho de maior rendimento, um factor essencial do aumento da produtividade. Os meios de produo incluem as riquezas naturais, as matrias j antes submetidas a algum trabalho, a energia, os instrumentos de trabalho, os conhecimentos cientficos e as tcnicas utilizadas na produo, o modo como a produo est organizada e toda a variedade de elementos necessrios para produzir os bens materiais e os servios. O pensamento e a linguagem, enquanto forma pela qual o pensamento se exprime socialmente, so elementos activos das foras produtivas. Estes meios podem distinguir-se como tangveis ou intangveis.

    A mobilidade das foras produtivas reflecte-se intensamente nas relaes econmicas e sociais que se estabelecem nas diferentes pocas e nas regies onde ocorrem. Por outro lado, as alteraes nas relaes de produo desencadeiam uma incessante transformao das foras produtivas, em particular dos meios de produo, que se reflecte nos diferentes ramos de actividade econmica. impossvel analisar as causas do desenvolvimento das foras produtivas margem das condies sociais em que se opera esse desenvolvimento, isto , separadamente do sistema concreto de relaes de produo. Este fenmeno particularmente relevante nos modos de produo que se seguem ao sistema comunitrio. 1.3 RELAES DE PRODUO

    Com a produo de bens o homem passa duma existncia meramente biolgica a

    uma existncia social. Para produzir os homens no podem permanecer isolados; agem em comum nos campos, nas oficinas, nas comunidades, nas instituies, em grupos ou em associaes. Surgem leis de comportamento social que presidem actividade e ao desenvolvimento da vida humana. Essa vida social no apenas existncia em conjunto, comporta tambm relaes necessrias, definidas pelos homens pela posio que ocupam na produo e nos demais tipos de actividade. Estas relaes vo-se multiplicando quantitativa e qualitativamente. Todas tm de comum derivarem directamente da actividade produtiva e de se desenvolverem de forma irreversvel em consequncia da crescente capacidade produtiva e dos aperfeioamentos que vo surgindo nos instrumentos e nas tcnicas, com um paralelo aumento do nmero de profisses e com uma certa especializao dentro de cada ramo.

    Segundo Karl Marx, ...na produo social da sua vida, os homens entram em determinadas relaes, necessrias, independentes da sua vontade, relaes de produo que correspondem a uma determinada etapa de desenvolvimento das suas foras produtivas materiais (Marx, Engels, Obras Escolhidas, tomo I, pg. 530, Edies Avante, 1982)

    Quaisquer que elas sejam, as relaes de produo assumem as trs funes seguintes:

    -determinar a forma social do acesso s fontes e ao controlo dos meios de produo;

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    -redistribuir a fora de trabalho social entre os diversos processos de trabalho que produzem a vida material, organizam e descrevem esse processo; -determinar a forma social de diviso, redistribuio dos produtos do trabalho individual e colectivo e, por essa via, as formas de circulao ou no circulao desses produtos. Com o desenvolvimento das foras produtivas as relaes de produo

    modificam-se adquirindo novas formas. Em funo dos grandes tipos de relaes de produo assumem formas peculiares as relaes de dependncia que separam aquelas que se desenvolvem na agricultura das que se desenvolvem no artesanato, no transporte ou no comrcio. A utilizao dos meios de produo na explorao do trabalho alheio traduz-se no aparecimento de novas relaes sociais de produo.

    No decorrer destas relaes, que se estabelecem durante o processo de produo e determinam o papel de cada ser humano nesse processo, destacam-se de forma relevante as relaes de propriedade dos meios de produo que do origem a uma definio das classes sociais de acordo com o lugar que ocupam em relao propriedade destes meios.

    A introduo efectiva de progressos tecnolgicos origina o estabelecimento de novas relaes entre os elementos produtivos que se evidenciam pela diviso do trabalho, pelo aparecimento de novas profisses e alargamento das actividades distributivas e mercantis.

    Quando os meios de produo se alteram e, consequentemente os processos de trabalho, modificam-se as foras produtivas. Esta mudana no tem reflexos imediatos nas relaes de produo. As primeiras evoluem com maior rapidez que as segundas. As foras produtivas em crescimento reclamam a supresso das relaes de produo caducas e o estabelecimento de novas relaes capazes de contribuir para a continuidade do incremento das primeiras. Por sua vez, as relaes de produo agem sobre o desenvolvimento das foras produtivas. H pois um vnculo mtuo entre estas duas categorias. A actividade das relaes de produo positiva quando, correspondendo s foras produtivas em constante movimento, contribui para o seu desenvolvimento e negativa quando se altera este estado de coisas e as relaes de produo travam o desenvolvimento das foras produtivas. A produo desenvolve-se ento duma maneira desigual, com altos e baixos, com perodos de prosperidade e de crises. 1.4 MODOS DE PRODUO

    Os modos de produo so formados pelo conjunto das foras produtivas e pelo

    conjunto das relaes de produo, na sua interaco, num certo estdio de desenvolvimento. Simultaneamente designam as condies tcnicas e sociais que constituem a estrutura dum processo historicamente determinado. Os homens ao produzirem bens materiais criam, com isso mesmo, um regime para a sua vida. O modo de produo uma forma determinada da actividade vital dos indivduos, um determinado modo de vida.

    Podem-se distinguir alguns tipos historicamente mais significativos de modos de produo: um, destinado satisfao directa das necessidades dos produtores; um segundo, destinado a manter uma classe dominante atravs da entrega regular de tributos e de trabalho compulsivo; outro, baseado na produo de mercadorias; e, finalmente, um outro assente na lgica da obteno do mximo lucro. Uma das particularidades dos modos de produo consiste na sua transformao permanente,

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    sendo de salientar que o seu desenvolvimento e alterao determinam a modificao do regime social no seu conjunto.

    A evoluo dos modos de produo explica-se pelo facto do desenvolvimento das foras produtivas levar, a certa altura, a uma contradio com as relaes sociais de produo, de tal forma que estas se revelam como um obstculo ao pleno desenvolvimento daquelas. Estes fenmenos no existem desunidos, so partes integrantes do processo produtivo e podem ser considerados como uma mudana estrutural da economia.

    A fase de formao dum novo modo de produo constitu um perodo muito agitado e de excepcional importncia na vida concreta das sociedades. Os modos de produo existentes enfrentam cada vez maiores dificuldades em manter a estrutura econmica em que se baseiam, tentam reorganizar-se e resistir influncia dos novos modos de produo, por vezes atravs de formas perturbadoras ou at violentas. Surgem realidades diferentes com novas formas de apropriao dos meios de produo, alterao dos modelos redistributivos ou de relaes de trabalho, mudanas na composio das classes ou grupos sociais.

    Quando o novo modo de produo assume um papel preponderante numa determinada sociedade, acompanhado pelo declnio dos existentes, embora estes continuem a subsistir em espaos econmicos onde ainda no surgiram as condies econmicas e sociais que originaram a mudana. Os traos e as propriedades dos modos de produo manifestam-se de maneira diferente nas vrias regies. O modo de produo dominante assume a determinao dos processos, das relaes e das instituies fundamentais.

    O reconhecimento da forma especfica de cada modo de produo implica a recolha e anlise dos dados que os distinguem. Entre outros factores, indispensvel observar: o nvel de desenvolvimento das foras produtivas, com relevncia para a formao dos trabalhadores, os instrumentos e as tcnicas adoptadas; o tipo de relaes existentes entre os membros da sociedade e o papel de cada classe social no processo produtivo; a propriedade dos meios de produo e os direitos de cada grupo social ou classe sobre esses meios; o objectivo da actividade econmica, conforme se destina a satisfazer as necessidades e interesses dos produtores, dos mercadores ou dos no produtores, mas que se apropriam dos excedentes; a ordem de grandeza, a forma, a utilizao e a apropriao do produto do processo de trabalho entre os membros da sociedade; a forma como est assegurada a reproduo social.

    2 TRABALHO

    2.1 PROCESSO DE TRABALHO

    O trabalho um processo entre a natureza e o homem, realizado em condies

    histricas que se modificam, inclusive dentro do mesmo sistema econmico, pois o imobilismo no existe na actividade social. Ao trabalhar o homem pe em movimento uma srie organizada de aces directas ou indirectas sobre a natureza de modo a separar alguns dos seus elementos das suas conexes com as condies naturais de existncia. Os elementos separados tornam-se teis quer na sua forma natural quer aps as vrias mudanas de configurao e de estado que os conduzem forma final sob a qual so utilizveis, ou seja, consumveis.

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    Com o desenvolvimento do processo econmico, o homem adquiriu a capacidade no s de transformar a natureza, mas tambm a de criar novas formas de sociedade. Esta influncia sobre a natureza manifesta-se igualmente por uma interveno activa concreta ou por uma interveno atravs do pensamento e da capacidade de concepo. O prprio homem altera tambm as suas caractersticas, tanto fsicas como intelectuais; modificam-se alguns rgos, principalmente as mos, e desenvolve-se o crebro, o que lhe permite acumular os conhecimentos adquiridos, transmitir informaes atravs da linguagem e da escrita.

    No processo de trabalho o homem aplica o seu esforo duma forma consciente e intencional, ao utilizar as suas foras fsicas, conhecimentos e faculdades manuais e intelectuais. Este esforo no significa uma forma instintiva de actividade, mas antes uma capacidade de agir racional e orientada para um objectivo concreto, que tem por alvo a apropriao de bens naturais e, com eles, a criao dos produtos necessrios sua existncia e a criao de objectos teis sua vida social, ou seja, produzir bens e servios econmicos. Valendo-se dos instrumentos de trabalho, que entretanto vai criando, o homem procura adaptar ou transformar os produtos socialmente teis com um dispndio efectivo dos seus msculos, nervos, crebro.

    Aquilo que o homem, como produtor, tira de benefcio representado pelo valor do seu trabalho. O seu ganho corresponde incorporao, no produto, do trabalho que foi necessrio para o obter. O trabalho pode resultar estril ou improdutivo quando no se manejam correctamente os meios utilizados, no se conhece o fim da sua aplicao ou os produtos obtidos so prejudiciais ou sem qualquer utilidade.

    A valorizao do trabalho reflecte a estrutura social de cada poca, o grau de civilizao de cada regio ou a posio assumida pelas classes sociais, produtivas ou no produtivas. Para alguns povos, e em algumas pocas, o trabalho tem sido considerado como uma maldio que pesa sobre o gnero humano, como meio de ganhar o sustento, mas sem lhe ser atribuda qualquer dignidade, ou ento como um fenmeno precioso que permite separar o homem do resto do mundo e torn-lo dono da natureza. Para a aristocracia grega, o trabalho fsico significava: castigo, fadiga, sofrimento, infelicidade, suplcio doloroso; era incumbncia dos miserveis e dos escravos, ocupao esgotante e degradante, que reduzia o homem posio de gado. Sob o Imprio Romano, a classe dirigente adoptou uma atitude de desprezo por aqueles que desenvolviam um trabalho fsico. O trabalho tribal considerado intermitente, descontnuo, suspenso desde que j no necessrio. O homem trabalha e produz na sua qualidade de pessoa social, integrada numa famlia, numa mesma linhagem, ou como membro dum cl ou duma aldeia. Ser trabalhador no um estatuto em si prprio. O trabalho resulta dos laos comunitrios e do exerccio das relaes preexistentes.

    2.2 CARCTER SOCIAL DO TRABALHO O homem adquire a qualidade de produtor quando comea a colocar, em

    conjunto com outros seres humanos, a natureza ao servio das suas necessidades e objectivos, cria instrumentos de trabalho e revela-se capaz de obter os meios necessrios sua subsistncia. O seu propsito pode ser a criao de produtos para consumo directo ou a criao de materiais de trabalho, de energia, de meios de informao, de realizao de servios ou de aces organizveis da conduta no trabalho.

    O trabalho pressupe uma determinada forma de sociedade e de relaes sociais entre os homens. Na sua actividade laboral os homens colaboram e ligam-se entre si num esforo colectivo e estabelecem relaes no interior de grupos sociais a que

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    pertencem e entre as diversas comunidades. O desenvolvimento das relaes laborais contribui para o seu aperfeioamento. A actividade conjunta inconcebvel sem o estabelecimento e manuteno duma certa ordem e organizao, aceite por todos.

    O carcter social do trabalho manifesta-se de forma diferente conforme o modo de produo. No regime de comunidade primitiva, o trabalho realizado em comum. Na produo familiar e at em algumas tribos, aldeias ou outras comunidades, predomina ou permanece um trabalho solidrio e colectivo. Entre os membros do agregado estabelece-se uma distribuio de tarefas que se evidencia medida que se acentua a diviso social do trabalho.

    Com a formao de classes dominantes, constituram-se grupos de indivduos que deixaram de participar na actividade produtiva e passaram a viver custa dos produtores obrigados a entregar uma parte dos bens por eles produzidos.

    Na economia mercantil, com a existncia da propriedade privada sobre os meios de produo, factor que causa a desunio dos produtores, o trabalho aparece individualizado. O carcter social do trabalho revela-se no processo de troca. Atravs da compra e venda, as mercadorias so equiparadas e s ento se reconhece como socialmente necessrio o trabalho especfico do produtor.

    Na economia capitalista, o emprego simultneo de numerosos trabalhadores opera uma revoluo nas condies objectivas do processo de trabalho. Uma parte dos meios de produo concentrada e consumida em comum no executar do processo de trabalho. A uma s unidade de produo correspondem os edifcios em que muitos trabalham, os armazns, os recipientes, as ferramentas, as mquinas, etc.

    2.3 FORA DE TRABALHO Por fora de trabalho entende-se a capacidade possuda pelo conjunto de

    indivduos que participam no decurso do processo econmico, detentores das capacidades fsicas e mentais j existentes no corpo humano ou adquiridas atravs da experincia e da formao de base acumulada de gerao em gerao, e que o homem pe em movimento ao produzir valores de uso.

    O uso da fora de trabalho a condio fundamental do processo produtivo em qualquer sociedade. O dispndio de fora de trabalho tem como objectivo o trabalho concreto, ou seja, a produo de valores de uso previamente definidos. No processo de produo, o homem no s actua sobre a natureza que o rodeia, como actua no sentido de desenvolver os seus hbitos e experincia de trabalho.

    A capacidade produtiva do trabalho depende duma srie de factores, entre os quais se encontram o grau mdio de agilidade do trabalhador, o nvel das aplicaes prticas do progresso da cincia e da tecnologia, a organizao social do processo de produo, a diviso tcnica do trabalho, o volume e a eficcia dos meios de produo, a formao profissional, as condies naturais e muitos outros factores. Estes factores no actuam de igual modo nas distintas estruturas econmico-sociais e a sua aco determinada pelas relaes sociais existentes.

    A produo de fora de trabalho consiste na sua prpria reproduo ou conservao. Historicamente, o homem enriquece a sua experincia graas ao conhecimento que vai absorvendo, mesmo que seja emprico. Aprende a compreender determinados comportamentos das foras naturais e vai aperfeioando a tcnica produtiva. Os hbitos adquiridos no trabalho so tambm factores que melhoram o nvel dos seus conhecimentos e afectam a produtividade. Os indivduos empregam a

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    experincia acumulada pelos seus antepassados e so influenciados pelas condies do ambiente social da sua poca.

    O carcter do trabalho e a forma como o trabalho se vincula com os meios de produo dependem do modo de produo dominante. No modo de produo prprio ou autnomo, o pequeno agricultor, pastor ou arteso utiliza a sua fora de trabalho na produo destinada ao seu consumo, ao pagamento de tributos ou incorporao nos produtos que pretende trocar. No modo de produo capitalista, a necessidade mais imediata do trabalhador livre, indispensvel sua sobrevivncia, a venda da sua fora de trabalho, procurando valoriz-la e reproduzi-la.

    A fora de trabalho s se pode considerar mercadoria quando negocivel. Neste caso, as capacidades de trabalho so adquiridas e vendidas tal como as mercadorias que possuem um valor de uso ou um valor, ficando o homem reduzido a uma coisa. As condies necessrias para que a fora de trabalho se converta em mercadoria so:

    1. A possibilidade do indivduo dispor livremente da sua fora de trabalho; 2. A carncia de meios de produo no que respeita ao trabalhador; 3. A necessidade do trabalhador vender a suas capacidade de trabalho para obter

    os meios de subsistncia. O valor da fora de trabalho determinado pelo valor dos meios de vida

    indispensveis para manter a normal capacidade de trabalho do seu possuidor, o sustento da sua famlia e os gastos da sua aprendizagem. Tal como o de qualquer outra mercadoria, determinado pelo tempo de trabalho necessrio para a sua produo ou reproduo, ou seja, para a conservao dos seus detentores. Quando este valores se alteram com o avano das foras produtivas e o desenvolvimento da sociedade, o valor da fora de trabalho muda tambm de magnitude. medida que a produo progride regista-se uma tendncia geral para que se eleve o nvel das necessidades do trabalhador e aumento do valor da fora de trabalho. As diferenas no desenvolvimento econmico dos pases, originadas pelas suas particularidades nacionais e histricas, assim como pelas condies ambientais, do origem a que o valor da fora de trabalho apresente diferenas substanciais entre eles.

    Quando a fora de trabalho se assume como mercadoria, o aparecimento do dinheiro facilita e desenvolve o sistema de trabalho assalariado. No acto de compra e venda da fora de trabalho, esta est sujeita como qualquer outra mercadoria a um valor de troca e, portanto, lei da oferta e da procura. O comprador tem assim interesse em que exista uma ampla oferta para situar o respectivo preo abaixo do seu valor real. A reduo do preo dos produtos necessrios reproduo da fora de trabalho traduz-se numa reduo do seu valor.

    A mercadoria fora de trabalho precisa de se mostrar disponvel em quantidades adequadas nos lugares onde for necessria e, para isso, a mobilidade da populao trabalhadora surge como condio essencial. com o aparecimento no mercado da fora de trabalho que se instaura verdadeiramente a produo capitalista e a sua forma especfica de excedente, a mais-valia. A possibilidade da sua acumulao e a necessidade do seu investimento produtivo inscrevem-se na prpria lgica do sistema capitalista.

    2.4 OBJECTOS DE TRABALHO objecto de trabalho tudo que se destina a ser adaptado, transformado ou criado

    pelo trabalho humano, tudo aquilo que objecto de laborao com o fim de corresponder s necessidades do consumo pessoal ou produtivo. Alguns objectos de

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    trabalho so proporcionados directamente pela natureza, outros so produtos do trabalho anterior.

    Em sntese, os objectos de trabalho integram: 1. Os recursos proporcionados pela Natureza, ou seja, todas as coisas que o

    trabalho destaca da sua conexo imediata com o todo terrestre; 2. As matrias sobre as quais o homem ainda tem de actuar para realizar a

    produo; 3. A criao ou aperfeioamento dos meios de trabalho; 4. O aproveitamento e desenvolvimento dos recursos provenientes da capacidade

    fsica e intelectual do prprio homem; 5. Os servios a prestar, sejam de natureza econmica, social ou cultural, aos

    indivduos ou comunidade. Os recursos provenientes da Natureza integram: a terra, solo e subsolo, incluindo

    a gua, como objecto universal do trabalho humano; o peixe, que separado do seu elemento de vida; os animais e as plantas que o homem consegue domesticar ou criar; a madeira cortada na floresta virgem; o minrio extrado do seu filo; a energia proporcionada pelos ventos, a gua ou o fogo; etc. Os recursos vegetais, animais e alguns recursos minerais, como a argila, desempenharam uma funo essencial nas sociedades comunitrias. A extraco de minrios assume uma grande importncia quando se inicia a actividade metalrgica.

    Entre os materiais j submetidos ou a submeter a algum trabalho humano destacam-se as matrias-primas ou subsidirias, os produtos semi-acabados. Conforme o objectivo que pretende atingir, o homem utiliza as propriedades fsicas, qumicas, biolgicas ou energticas das coisas que pretende transformar. O seu conhecimento inicialmente emprico mas, a pouco e pouco, comea a descobrir essas propriedades e a us-las em seu benefcio. Os materiais podem ser extrados directamente da natureza circundante e convertidos em produtos ou submetidos a uma elaborao prvia

    O trabalho do homem no processo de produo, que incide sobre as coisas ou conjunto de coisas, materiais ou imateriais, que se destinam a ser adaptadas, transformadas ou criadas, auxiliado por instrumentos de trabalho j criados, a conceber ou aperfeioar, tais como recipientes, utenslios, ferramentas ou mquinas, e ainda pelos meios usados para aproveitar os factores energticos que consiga dominar e utilizar em seu benefcio.

    Os meios de que o homem se serve para agir sobre os objectos de trabalho so, antes de mais, ele prprio com as suas capacidades fsicas e intelectuais, ou seja, a sua fora de trabalho. Os objectos de trabalho que formam a base material do produto denominam-se materiais fundamentais e os que apenas facilitam o processo de trabalho ou se incorporam aos materiais fundamentais constituem os materiais auxiliares.

    2.5 MEIOS DE TRABALHO Os meios de trabalho so as coisas ou o complexo de coisas com o auxlio das

    quais os produtores agem sobre os objectos de trabalho, os modificam e adaptam s suas necessidades. Para isso, e conforme o seu objectivo, o homem utiliza as propriedades fsicas ou qumicas das coisas e a energia. So porm os factores econmicos e as relaes de produo que comandam em grande medida a sua aplicao concreta.

    Alm da terra, que serve como meio universal de trabalho, fazem parte dos meios de trabalho, entre outros:

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    1. Os instrumentos utilizados na produo, desde os mais primitivos at s ferramentas, mquinas e equipamentos usados em pocas anteriores;

    2. As construes destinadas a actividades econmicas como abrigos, edifcios, construes destinadas produo, armazns, recipientes, estbulos, portos;

    3. Os caminhos, estradas, animais de carga, gado de lavoura, barcos e outros meios de deslocao e transporte;

    4. Os equipamentos destinados captao, conservao, utilizao e conduo da gua e da energia;

    5. As vias de transmisso e acumulao da comunicao e da informao; 6. A aplicao prtica dos conhecimentos tcnicos e cientficos acumulados ao

    longo da vida do homem; 7. Em geral, todas as condies materiais ou imateriais sem as quais a produo

    no pode ter lugar. Continuamente os homens criam e aperfeioam os seus meios de trabalho e

    pem-nos em movimento. Eles prprios criam os seus hbitos, experincias e conhecimentos; aproveitam os conhecimentos das geraes anteriores e transmitem-nos s geraes seguintes, acompanhando sempre as mudanas entretanto ocorridas, embora sujeitos aos meios de trabalho j existentes.

    A composio dos meios de trabalho muito diversa e muda dum espao ou duma poca econmica para outra. No processo de produo tm-se utilizado desde os simples artefactos, ferramentas e outros instrumentos simples at os mais complexos, como o caso das mquinas ou os meios auxiliares necessrios para variados fins como: transporte de produtos, captao de energia, conservao e armazenamento de produtos.

    Os meios de trabalho esto sujeitos a uma perda de valor devido a um desgaste fsico, ao crescimento da produtividade do trabalho e ao progresso tcnico. As mquinas, embora desgastadas, mas em condies de explorao comeam a refrear a produtividade. Decorrido algum tempo, as mesmas mquinas vm a ser produzidas mais baratas ou surge nova maquinaria de maior rendimento e mais econmica. O perodo de vida dos meios de trabalho depende do nmero maior ou menor de processos de trabalho repetidos.

    As mudanas contnuas ou peridicas nos meios de trabalho originam posteriores e profundas modificaes na estrutura econmica da sociedade e nas relaes sociais consequentes.

    2.6 PRODUTIVIDADE DO TRABALHO A produtividade a relao entre o resultado til dum processo produtivo e a

    utilizao dos factores de produo, ou seja, a quantidade de produto por unidade de factor produtivo, geralmente o factor trabalho. Pode-se determinar a produtividade escala dum espao determinado, dum ramo de actividade, duma unidade de produo, produtor directo, oficina ou empresa, dum s trabalhador ou dum conjunto de trabalhadores.

    Com a mudana das foras produtivas, modifica-se a produtividade. Os nveis de crescimento da produtividade dependem de muitos factores: umas terras so naturalmente mais frteis que outras; alguns trabalhadores so mais fortes, mais habilidosos ou possuem mais conhecimentos que outros; a tecnologia pode ter uma aplicao prtica mais ou menos eficiente; o uso de inovaes pode constituir uma boa contribuio; a organizao das unidades de produo; o aumento da fertilidade do solo

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    com uma preparao adequada, etc. A criao de novos utenslios e outros meios de maior rendimento, ou seja o progresso tcnico, aumenta a produtividade. Por exemplo, a produtividade aumentou com o comeo da produo de instrumentos de trabalho em ferro, quando o homem conseguiu aproveitar a energia hidrulica ou adquiriu a aptido necessria para usar a mquina.

    O homem colocado face ao esforo fsico e mental que lhe exigido pela actividade laboral, procura minorar o seu esforo para obter um dado resultado, isto , procura elevar a produtividade dentro dos limites que lhe so impostos pelas condies sociais em que labora. A eficcia do trabalho constituiu uma necessidade objectiva do desenvolvimento econmico da sociedade. O nvel da produtividade do trabalho um ndice importantssimo do carcter progressivo do modo de produo dum dado regime social. O acrscimo da produtividade permite obter uma fraco crescente de bens que se exprime no apenas num sentido absoluto, mas tambm em relao ao nmero de indivduos empenhados na produo.

    O tempo, ao tornar-se unidade de medida do trabalho, adquiriu uma grande relevncia, transformando-se num factor essencial da produo: para o campons o tempo, embora ligado ao crculo da natureza, dependia tambm dos mtodos de cultivo e de colheita; para o arteso a determinao do tempo era necessria ao bom funcionamento da sua oficina; para o mercador, o tempo representava a capacidade de acelerar a movimentao do dinheiro. O aparecimento dos relgios mecnicos foi o resultado normal e fonte de progresso no domnio da determinao do tempo. Em perodos longos visvel a elevao geral da produtividade do trabalho, isto a diminuio do tempo absorvido na produo da maior parte dos bens e servios, o que traduz a tendncia para uma reduo do valor das mercadorias. O aumento da produtividade do trabalho na agricultura e no artesanato teve como consequncia o crescimento do sobreproduto.

    A produtividade do trabalho depende tambm do aperfeioamento e ajustamento das ferramentas. Quando as diversas operaes dum processo de trabalho esto desligadas umas das outras torna-se necessria a transformao das ferramentas para adquirem formas fixas particulares para cada aplicao. So criadas as condies materiais para o aparecimento das primeiras mquinas, que representam a juno de ferramentas.

    O grau de produtividade da mquina no depende da diferena entre o seu valor prprio e o valor da ferramenta por ela substituda, mas sim pela diferena entre o valor que ela acrescenta ao produto e o valor que o trabalhador acrescentaria ao objecto de trabalho com a sua ferramenta. A produtividade da mquina mede-se, portanto, pelo grau em que ela substitui fora de trabalho humana.

    O progresso da tecnologia e, ao mesmo tempo, o avano da produtividade tornou o trabalho servil e o trabalho escravo cada vez menos rendvel e portanto antieconmico para as classes dominantes. O acrscimo da produtividade conduziu a um processo tendencial de adaptao dos laos de dependncia no domnio da actividade produtiva. Verificou-se um movimento que conduziria ao aligeirar das relaes de subordinao da servido e da escravido e sua passagem a uma situao mais atenuada e, posteriormente, a uma situao de aparente liberdade individual.

    Com a produtividade o custo social da produo diminui. H portanto um ganho para a sociedade no seu conjunto. A repartio destes ganhos beneficia essencialmente as classes exploradoras. Pode, porm, trazer algum benefcio aos consumidores atravs duma reduo de preos ou, indirectamente, aos prprios trabalhadores atravs das condies de remunerao ou diminuio do tempo de trabalho.

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    O ndice de produtividade exprime-se pela quantidade de tempo gasto na criao duma unidade de produto, ou pela quantidade de produtos criados numa unidade de tempo, geralmente baseada no factor trabalho. Para medir a propriedade combinada de todos os factores so necessrios termos de valor. Elevar a produtividade significa reduzir o tempo socialmente necessrio para produzir uma unidade de mercadoria e consequentemente rebaixar o seu valor. Os progressos da produtividade do trabalho viram-se ento contra o trabalhador, o que tende e reduzir o seu interesse pelos melhoramentos tcnicos e organizativos.

    O sistema de produo abrange fenmenos que resultam dos limites impostos pela produtividade, em especial pela produtividade agrcola, em face duma tendncia de diversificao das relaes sociais que nem sempre pode vencer esses limites. Alm do crescimento das necessidades da aristocracia e das camadas mais ricas da burguesia, h que considerar a ampliao de grupos populacionais, separados da produo agrcola, dedicados a outros mesteres, como o artesanato, os transportes, o comrcio ou os servios. Na actividade mercantil, o acrscimo da produtividade do trabalho permite obter uma fraco crescente de bens no s em sentido absoluto como tambm no seu crescimento relativo ao nmero de indivduos empenhados na produo. O desenvolvimento da produtividade do trabalho social representa ento uma poderosa alavanca da acumulao de capital.

    2.7 INTENSIDADE DO TRABALHO A intensidade do trabalho uma tcnica de produo em que mais acentuada a

    relao do factor trabalho com os restantes factores. O grau de intensidade do trabalho determinado pelo dispndio de trabalho gasto numa unidade de tempo. A alterao da intensidade de trabalho depende da jornada de trabalho e do maior ou menor consumo de fora de trabalho por unidade de tempo, em consequncia do aumento ou diminuio da velocidade com que se executam as operaes laborais. Um trabalho mais intenso, mantendo-se iguais as restantes condies, cria mais valor por unidade de tempo. A intensidade de trabalho provoca a elevao da quantidade de mais-valia, agravando o grau de explorao dos trabalhadores. um factor que influenciado pelo nvel de civilizao em que se encontram as comunidades e o comportamento das classes dominantes.

    Entende-se por jornada de trabalho o tempo dirio durante o qual o trabalhador exerce a sua actividade laboral. Um dos meios para agudizar a intensidade de trabalho consiste no prolongamento da jornada de trabalho determinada pelas relaes de produo que dominam a sociedade. As classes dominantes procuram sempre aumentar a sua durao. Esta prtica, enfrenta, porm, certos limites, pois o trabalhador necessita de algum tempo para satisfao das suas necessidades fsicas indispensveis, mentais e sociais. A aplicao de sistemas extenuantes de trabalho esgotam os trabalhadores, mina a sua sade, acelera o desgaste da fora de trabalho, provoca o seu envelhecimento prematuro, aumenta casos de enfermidade e de acidentes de trabalho. A tentativa de prolongar a jornada de trabalho choca constantemente com a resistncia dos prprios trabalhadores, sendo a sua durao determinada pela correlao de foras na luta entre as classes senhoriais ou capitalistas e os trabalhadores. O mtodo alcanou uma grande difuso quando nas empresas predominava ainda o trabalho manual. Posteriormente, a burguesia recorreu aos trabalhos realizados atravs de horas suplementares, estabelecendo jornadas extraordinrias de trabalho sobretudo nos pases economicamente dependentes ou colonizados.

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    2.8 PRESTAO DE SERVIOS

    Do ponto de vista econmico, servio qualquer actividade laboral que satisfaz,

    de imediato ou a prazo, necessidades ou interesses doutros homens. A prestao de, servios uma funo econmica ao mesmo nvel que a produo de bens materiais, contribuindo de igual modo para a formao do produto. um trabalho que no envolve transformao de matrias-primas, embora possa ter necessidade de as usar, mas que til para o produtor e para o consumidor. So considerados servios: a reparao ou manuteno dum objecto, a elaborao dum projecto, as actividades administrativas, os servios intelectuais, culturais ou de investigao, educativos ou de sade, os servios financeiros e muitos outros que asseguram a proteco e organizao da sociedade.

    Os servios so bens econmicos que no tm realidade fsica, classificados como bens intangveis por no serem materiais. Sempre que h um aspecto fsico ou material misturado ou intercalado, o servio no completamente intangvel. Embora no sejam materiais, so por vezes necessrios bens intermdios para produzir os servios. Estes constituem uma categoria muito heterognea onde se mistura tudo o que no comporta a entrega dum bem. Com frequncia so consumidos no momento e no lugar da sua produo. Porm, os produtos cientficos, tcnicos, artsticos ou literrios, prolongam-se ao longo do tempo.

    3 MEIOS DE PRODUO

    3.1 MEIO AMBIENTE

    O meio ambiente humano inclui o conjunto de todas as condies externas que

    possibilitam a existncia e o desenvolvimento duma comunidade. um sistema complexo que inclui o meio natural e um meio artificial criado pelo prprio homem.

    A influncia do meio ambiente natural uma das mais importantes condies materiais da actividade humana, mas no decisiva, porquanto o seu aproveitamento depende do nvel das foras produtivas e do tipo de relaes sociais existentes numa determinada poca e sociedade. As caractersticas do conjunto do meio natural em que se vive influem sobre o processo produtivo e, por conseguinte, sobre o tipo de actividade econmica exercida pelo homem. Uma pluviosidade varivel, com precipitaes que podem ser violentas ou fracas, raras ou frequentes, influem directamente sobre a quantidade de cereais, frutos ou produtos lcteos. Os cereais e outros produtos sobem de preo e quando as reservas faltam a fome generaliza-se.

    O meio geogrfico exerce uma grande influncia sobre o desenrolar da actividade produtiva, embora este condicionalismo tenda a ser cada vez mais dominado pelo homem. As barreiras naturais, montanhas ou desertos, florestas densas, savanas, grandes rios e lagos ou oceanos, influenciam as relaes entre os povos e do lugar a agrupamentos com posies econmicas e expresses culturais distintas. As cadeias de montanhas, na sua maior parte cobertas pela selva densa apresentam srias dificuldades para a comunicao entre as regies. A presena de desertos constitui uma barreira a separar povos durante longos perodos e onde a agricultura pode no ser possvel ou apenas ser praticada em territrios restritos como os osis. As florestas densas constituram obstculos comunicao entre povos e formao de civilizaes fundadas sobre uma agricultura intensiva.

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    Os grandes rios constituram, por um lado, obstculos comunicao entre os homens e sua deslocao para outras regies; por outro lado, constituram fontes de riqueza e progresso. A disponibilidade dum curso de gua navegvel reduz bastante o custo dos transportes e favorece a agricultura. Nas suas margens surgiram terras frteis que se tornaram pontos cruciais no desenvolvimento dos primeiros grandes Estados divididos em classes. Nos dois pases do Mdio Oriente, Egipto e Mesopotmia, os rios atravessam o centro da plancie e inundaes peridicas enriquecem e renovam o solo. O cultivo regular fixou o homem terra, contribuiu para a sua fixao e permitiu cultivar mais do que era necessrio. Os rios Nilo, Eufrates, Tigre, Indo e Amarelo, tornaram-se pontos cruciais no desenvolvimento de grandes Estados.

    Na primeira fase da sua evoluo, a humanidade desenvolveu-se com maior xito em regies com um clima mais ameno e com um bioma rico. Porm, no se pode explicar esta evoluo apenas com a influncia do meio geogrfico. Ainda hoje, zonas com um solo, um mundo vegetal e animal rico e um clima favorvel, mantm uma economia atrasada e um nvel de cultura bastante baixo. Em contrapartida, esta situao no se verifica em reas com solos pouco ricos e difceis condies climatricas.

    A influncia das condies climticas no processo produtivo deu lugar a que numa cidade do Per, no II milnio a.n.e., fosse criado um centro especializado na transmisso de informaes sobre os ciclos climticos de importncia para a produo agrcola, servio que era pago em bens manufacturados pelas comunidades que os recebiam.

    Os recursos naturais ocorrem e distribuem-se pelas camadas geogrficas em conformidade com a evoluo dos processos naturais, mas o seu aproveitamento e transformao verifica-se segundo a aplicao dos esforos meritrios humanos. Extensas regies situam-se em ambientes complexos, montanhosos ou desrticos, baseadas em diferenas de altitude e acessos de chuvas de mono, com uma grande variao de clima e diversificao de vegetao. Os povos das zonas glaciares, das zonas equatoriais e tropicais atrasaram-se no seu nvel de desenvolvimento. Os mongis no teriam alcanado uma tal expanso e poder se o clima no tivesse favorecido a humidificao das terras de pasto que alimentava os seus cavalos. As deslocaes dos povos tm muito a ver com estes obstculos naturais. A chuva excessiva to prejudicial s colheitas como a falta dela. Ambas as situaes causam tormento e desolao.

    O meio ambiente artificial resulta duma motivao e aco consciente dos homens que depende, em particular, do nvel dos conhecimentos tcnicos e cientficos e da sua aplicao til. A influncia humana sobre o ambiente natural tornou-se muito importante com a expanso da produo: foram abertos caminhos atravs das montanhas, construdas pontes, barragens, canais de irrigao, foram fertilizadas as terras, desbastadas florestas atravs de queimadas, intensificada a domesticao e criao de animais e plantas, construdos povoados e cidades, meios de transporte, etc. Esta aco sobre a natureza efectivou-se num quadro social definido pelas relaes econmicas entre as diversas classes sociais. A actividade humana exercida sobre o meio ambiental traduziu-se tambm em consequncias negativas, tais como, por exemplo: a reduo da diversidade biolgica que passou a ficar dependente do pastoreio e da irrigao; o desbaste dos limites das florestas com efeitos nas alteraes climticas, na distribuio das espcies animais que contribuiu para eroso dos solos; a explorao excessiva ou inadequada dos terrenos de cultivo originada por interesses das classes dominantes, etc.

    As condies ecolgicas ou existem na natureza e so directamente utilizveis ou apresentam-se sobre a forma de materiais a transformar. O meio ecolgico exerce uma

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    aco permanente e vinculativa que requer a sua renovao. A sua influncia na produo pode facilitar ou refrear as foras produtivas. Por sua vez, as actividades produtivas humanas exercem um intenso e duradouro impacto sobre os equilbrios naturais, o que aconselha a definir os modos de produzir a fim de salvaguardar o ambiente.

    3.2 POPULAO A populao o total dos habitantes do planeta ou o conjunto de pessoas que

    vivem habitualmente numa dada zona geogrfica, numa dada poca. Considera-se que a populao activa quando se encontra em condies de fornecer a sua fora de trabalho ao processo econmico. A populao inactiva quando no possui capacidade para integrar a esfera produtiva ou se recusa a exercer qualquer actividade por pertencer a uma classe social dominante, por razes de ordem tradicional, religiosa ou comportamentos complexos de difcil explicao.

    A aco dos factores demogrficos deve ser examinada em conjunto com as circunstncias ecolgicas e scioeconmicas que influem no desenvolvimento da sociedade. Entre esses factores incluem-se o nmero de habitantes e a sua distribuio territorial, o crescimento e a densidade da populao, o povoamento e as migraes, a estrutura e a influncia recproca entre os diferentes povos.

    Segundo algumas fontes, a populao mundial rondava, por volta de 500 anos a. C., os 120 milhes e atingia os 250 milhes no incio da era crist. Em 1500, este montante teria j duplicado. Os primeiros censos da populao eram uma tradio antiga, mas a sua realizao efectiva e peridica estava relacionada com a recolha de rendas, tributos ou cobrana de impostos e, ainda, com recrutamentos militares. Assim, eram especialmente inventariados os agregados familiares, a ocupao dos chefes de famlia, a propriedade da terra e do gado. Estes registos eram, por vezes efectuados por conservadores profissionais.

    O aumento da populao mundial ficou a dever-se principalmente ao aperfeioamento das tcnicas agrcolas e artesanais, disseminao da metalurgia do ferro e ao crescimento do comrcio. As inovaes tcnicas e culturais e a urbanizao conduziram a uma exploso demogrfica, formando-se grandes cidades com algumas centenas de milhares de habitantes. O aumento demogrfico desempenhou, por sua vez, um papel essencial na aco de pr em prtica as diferentes tcnicas elaboradas, o que exigiu uma profunda especializao nos mtodos de trabalho e na distribuio dos produtos.

    O aumento do nmero de pessoas depende do grau de desenvolvimento da produo, mas nem sempre se verifica uma correlao entre o ritmo de crescimento da populao e a produo dos meios de existncia. Em alguns casos esse ritmo pode acelerar o desenvolvimento e noutros pode trav-lo. O crescimento e a estrutura da populao, a sua constituio profissional e etria so influenciadas no s pelo modo de produo, mas tambm por outros factores como a cultura, as tradies dos povos, epidemias, fome, acontecimentos histrico, guerras, etc.

    Razes ambientais ou outras, contriburam para diminuir, deter a expanso ou alterar as zonas de fixao de numerosas populaes. o caso das doenas com origem em insectos que afectam tanto pessoas como o gado, aves e outros animais, as grandes epidemias como a peste, o contacto entre povos europeus e amerndios com consequncias desastrosas, as guerras com o seu rol de massacres, a fome que dizima as populaes de tempos a tempos. As epidemias disseminaram-se ao longo das rotas

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    mercantis. A crescente concentrao demogrfica nas cidades cria condies favorveis ao rpido contgio.

    A populao excedentria no o resultado dum crescimento da populao demasiado rpido, mas antes a consequncia duma determinada forma de organizao social. O aumento significativo da populao reflecte-se na sua disseminao pelas reas possveis de utilizao produtiva. A existncia de um excedente de populao e de mo-de-obra (trabalhadores livres, mas tambm servos e escravos) conduziu circulao de pessoas e bens e fundao de colnias que se estenderam por vastas reas.

    A demografia estuda a estrutura, a dinmica das populaes humanas e, sobretudo, o processo da sua reproduo, migrao e mobilidade. A presso demogrfica define-se como a relao entre a dimenso da populao e a dimenso do territrio. A fraca densidade populacional uma das caractersticas das zonas desrticas, geladas e das regies montanhosas ou onde imperam as florestas tropicais. A densidade populacional tem sido sempre superior junto costa, aos grandes rios, aos vales ou plancies de terras frteis. Nas terras de osis, a presena da gua determina os padres de fixao dos seus habitantes. O transporte martimo permitiu o povoamento de numerosas ilhas, at a no habitadas, em consequncia de viagens de marinheiros e mercadores. Os factores demogrficos influem na actividade econmica e at na evoluo do modo de produo. objecto da demografia econmica e social o estudo das relaes entre os fenmenos demogrficos e os fenmenos econmicos e sociais.

    O povoamento estava relacionado com os meios de presso praticados com o fito de manter os cultivadores e outros profissionais nas povoaes dos domnios senhoriais. Quando os governantes se confrontavam com os espaos que iam ocupando pela fora, urgia pr a funcionar a actividade econmica, nica forma de poderem cobrar as rendas dos produtores. Em algumas regies o povoamento serviu de apoio a viagens martimas e ao estabelecimento de entrepostos comerciais.

    No sculo XVII, nas sociedades mais evoludas, comearam a surgir os primeiros estudos sobre a evoluo das populaes com o aparecimento das estatsticas demogrficas e a elaborao de tbuas de mortalidade. Todavia, os arrolamentos eram organizados por razes fiscais e, para corresponderem a essa finalidade, eram elaborados na base de lares ou casas. Eram objecto de ateno preferencial das entidades fiscais.

    3.3 MATRIAS-PRIMAS Os recursos naturais s so considerados matrias-primas depois de j terem

    sofrido uma modificao mediante um trabalho anterior. Os files de minrio, a argila, a terra virgem, a floresta, os animais ou plantas a domesticar, so objectos de trabalho dados pela Natureza que s adquirem a categoria de matrias-primas aps serem submetidos a alteraes ou deslocaes desencadeadas pelo trabalho.

    Toda a matria-prima objecto de trabalho, mas nem todo o objecto de trabalho matria-prima. Com excepo das actividades cujo objecto de trabalho dado pela natureza, todos os ramos de actividade produtiva tratam de objectos que j so matrias-primas. As matrias-primas adquirem, com a interveno do trabalho, uma caracterstica activa econmica.

    Uma matria-prima pode ser de consumo imediato ou entrar num processo produtivo tornando-se matria-prima dum novo produto. Neste caso ter de percorrer todo um processo faseado em que figura sempre modificada e funcionando de novo

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    como matria-prima at ao processo de trabalho final. Pode integrar-se durante o processo de criao dum novo produto e perder a sua figura anterior, ou entrar apenas como matria auxiliar na sua formao.

    Nas estruturas econmicas senhoriais os recursos naturais faziam parte dos territrios dominiais e, como tal, pertenciam aos soberanos, nobreza, s instituies religiosas ou aos chefes tribais. Em geral, encontravam-se sobre a alada senhorial as jazidas de minrios, o mesmo acontecendo, em parte, com outras substncias como a argila ou as madeiras das matas existentes nos seus domnios. A sua utilizao pelos produtores implicava o pagamento de tributos sob a forma de renda ou outras modalidades. Por vezes, algumas matrias-primas escapavam posse dominial, sendo obtidas directamente pelos produtores ou adquiridas atravs de transaces comerciais.

    Com o desenvolvimento das trocas o incremento do acesso s matrias-primas tornou-se inevitvel. Para procurar e transportar a matrias-primas fixaram-se rotas martimas, fluviais e terrestres, sobretudo durante o modo de produo mercantil. A aquisio de matrias-primas e o seu fornecimento indstria tornou-se numa ocupao especfica de mercadores e comerciantes.

    A introduo da mquina e o desencadear da industrializao, durante o processo de formao do modo de produo capitalista, provocaram um aumento intenso da procura de matrias-primas, que envolveu todos os continentes. Algumas regies, dominadas pelos pases colonizadores da Europa Ocidental, foram por isso coagidas a produzir algodo, l, juta, cana-de-acar e outros produtos.

    3.4 ENERGIA A energia a capacidade dos corpos para desenvolver fora e servir de meio de

    trabalho. A energia desempenha um papel fundamental na produo, contribuindo para impulsionar o desenvolvimento econmico nas diferentes pocas. No processo de produo so aproveitadas diversas fontes de energia, desde a prpria fora muscular do homem e dos animais domesticados at fora do vento, da gua ou do fogo.

    A energia proveniente do fogo teve consequncias sociais e econmicas importantes: a possibilidade de vida nas cavernas, a expanso das populaes para zonas frias, o cozimento dos alimentos, a fundao do lar, a defesa perante animais predadores, a comunicao com outros homens, o aquecimento e a iluminao. A luz artificial obtida pelo homem era uma luz frouxa proveniente dos fogos e tochas. Em algumas regies, o homem conseguiu recolher resina e utiliz-la para fazer archotes, que podem ser considerados como as lmpadas mais antigas.

    A fora muscular do corpo humano era e utilizada em toda a actividade produtiva, pois permite transportar pessoas e bens e mover instrumentos de trabalho. A fora muscular do homem foi utilizada para puxar zorras ou andas para auxiliar a mover cargas, para puxar o arado, arrastar barcos ou manobrar os remos e assim deslocar-se nos rios ou no mar. Ainda hoje, alguns povos se servem da sua fora para mover moinhos e prensas manuais e para pisar ou triturar substncias slidas com o pilo, usando o almofariz; a fora humana, em vez da fora animal, ainda uma das principais fontes de energia para o cultivo dos campos.

    Como meio de aumentar a sua capacidade muscular, o homem inventou a alavanca usada para deslocar pedras ou outras cargas. Este foi talvez o primeiro engenho inventado e com ele iniciou-se o uso da energia mecnica. O arco esteve na origem das armas de arremesso e foi o primeiro engenho propulsor na sequncia da fora humana do brao. O princpio de propulso provocado por uma mola permitiu a

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    acumulao da energia que se podia libertar quando necessria; teve grande aplicao na arte da guerra e, mais tarde, na medio do tempo e na relojoaria; a catapulta, foi usada como arma de arremesso capaz de lanar grandes bolas de pedra ou setas a grandes distncias; no escorpio, a propulso partia duma manivela ou duma alavanca accionadas pelo homem. A alavanca foi usada tambm em prensas de lagar do vinho ou do azeite. Nela se baseavam outros meios mecnicos como a cunha, o torno, a roldana e a roda com eixo.

    O uso da fora de traco animal para poupar a energia humana no foi imediato, pois o homem continuou a usar, durante longo tempo, a sua prpria fora na agricultura quando puxava o arado. A utilizao de conjuntos de animais de carga e de traco contribuiu para um grande avano, sobretudo nos trabalhos agrcolas e no transporte terrestre. A conjugao da fora animal com as invenes da roda e do jugo revolucionaram a deslocao de pessoas e bens. A fora animal contribuiu tambm para o estabelecimento da hegemonia militar dos grupos que dispunham de cavalos ou elefantes. Os povos do continente americano apenas puderam usar o lama como animal de transporte e montada, mas no se serviram dele como animal de traco. Talvez por isso no conheceram a roda.

    A energia hidrulica foi largamente utilizada para activar moinhos e noras. O aproveitamento das correntes fluviais e martimas externas tornou possvel a utilizao da fora hidrulica para mover moinhos, facilitando assim a disperso de povoamentos e as trocas A azenha fazia um racional aproveitamento mecnico duma fonte de energia natural. A nora era um instrumento impulsionado por ps, por tambores rotativos ou ainda por cabrestantes, que atravs da elevao de gua movida por animais tornou possvel o cultivo de reas agrcolas mais vastas.

    A energia hidrulica teve uma grande importncia no desenvolvimento da agricultura e da metalurgia, servindo para accionar os martelos das ferrarias e os foles. Com a inveno da serra hidrulica a riqueza florestal era dizimada para alimentar as grandes fornalhas das forjas metalrgicas, no corte de pedra, lapidao de pedras preciosas e cunhagem mecnica de discos monetrios. Uma descoberta notvel foi o veio motriz que permitiu que o movimento contnuo fosse transformado num movimento alternado, controlando-se assim a presso da gua para dar energia a martelos, malhos e piles.

    Os moinhos foram dos primeiros instrumentos construdos pelo homem que adquiriram a particularidade de serviram como autnticos servo-mecanismos. Tornaram-se numa verdadeira mquina industrial. Foi uma inovao que se difundiu por outras regies atravs das deslocaes dos artesos, monges, mercadores e, mais tarde, pelos navegadores para outros continentes. Apesar da sua utilidade, as rodas hidrulicas tinham algumas limitaes, pois necessitavam duma corrente ou queda de gua constante. Os chineses usaram o sistema de biela-manivela que transforma um movimento de vaivm em movimento circular.

    Os moinhos serviram para moer cereais, esmagar e misturar outras substncias. As suas aplicaes estenderam-se a diversos tipos de produo como serrao, pisoagem de txteis, toro de fio da seda, esmagamento de trapos para produo de papel, curtumes, minerao, fundio, etc. Os moinhos de mars no eram to rendveis como os fluviais, pois estavam dependentes da subida e da descida da gua do mar. Alm disso destinavam-se apenas a moer os cereais ou pisoar o pano. Os moinhos de panificao eram importantssimos instrumentos atravs dos quais se reduziam os gros de cereal a farinha. Num moinho piso um s homem fazia o trabalho de quarenta trabalhadores txteis. Tal mecanizao trouxe um aumento de produtividade na produo de tecidos com o consequente crescimento de exportao. Trouxe tambm

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    outros efeitos, pois foi acompanhada do empobrecimento e a emigrao dos trabalhadores que viviam da pisoagem manual ou pedestre.

    A energia elica foi utilizada nas primeiras embarcaes vela para navegao fluvial e depois na navegao martima comercial. Mas as correntes atmosfricas permitiram tambm o aproveitamento de fora do vento utilizada aps a inveno dos moinhos a vento. Estes moinhos serviam para retirar a gua, foram muito teis na bombagem de gua e na irrigao nas zonas onde a gua no era suficiente para as necessidades produtivas. A maior parte destes moinhos eram mquinas simples viradas para os ventos dominantes e convinham sobretudo nas regies onde a fora do vento era relativamente regular. O seu aparecimento exigiu o uso de novos materiais, especialmente os fortes panos de que se fabricavam as velas, da decorrendo relaes entre os moageiros e os artfices do sector txtil. Desempenharam um papel importante na economia para fazer subir a gua ou para tarefas menores que no exigiam uma fora motriz constante. Os moleiros que operavam com os moinhos, os construtores e os vrios tipos de ferreiros que os mantinham e reparavam, acabaram por adquirir um conhecimento emprico de mecnica aplicada e estabelecer relaes econmicas inevitveis.

    Os moinhos eram considerados como um investimento do Estado, da aristocracia, da burguesia ou de instituies concelhias. Eram cobrados tributos ou impostos aos camponeses que necessitavam de moer as sementes das respectivas produes ou aos artesos para pisoar os tecidos. O pagamento deste nus limitou a sua difuso e obrigou alguns produtores a continuar a moer manualmente. Os detentores destes engenhos que usufruam duma importante fonte de rendimento com os moinhos, procuravam tambm deter e gerir a gua dos rios atravs da construo de represas.

    As primeiras experincias utilizando o vapor como recurso de energia foram feitas por cientistas que se interessavam pela fsica experimental. Nos primeiros anos do sculo XVIII, a descoberta duma mquina a vapor destinada a bombear gua veio revelar a possibilidade de utilizao de fontes de energia alternativas aos msculos humanos. Pela primeira vez a energia do vapor era aprisionada. A mquina a vapor constituiu o ponto de partida para a transformao dos mtodos de produo. A Inglaterra foi a principal beneficiada com esta mudana, o que lhe permitiu assistir ento ao impulso da sua economia.

    3.5 UTENSLIOS E INSTRUMENTOS DE TRABALHO Os utenslios so objectos criados pelo homem para auxlio da vida quotidiana.

    S se tornam meios de produo quando manejados com o objectivo de auxiliar o processo produtivo, o que acontece com frequncia.

    Os instrumentos de trabalho so elementos utilizados como auxiliares na transformao dos objectos de trabalho. Podem ser extrados da prpria natureza ou inventados e construdos pelo homem. Nos instrumentos de produo naturais, os indivduos esto subordinados Natureza, mas a sua utilizao implica a interveno do trabalho humano. Os primeiros instrumentos eram constitudos por fragmentos retirados de rochas, lascas ou seixos, com a finalidade de serem utilizados em diversas tarefas. Os instrumentos criados pelo homem resultam j dum trabalho realizado com esse objectivo. O homem utiliza constantemente no s os instrumentos de trabalho existentes como cria outros novos. Os mais complexos surgem na base dos mais simples.

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    As primeiras ferramentas utilizadas eram de madeira ou pedra polida e foram gradualmente substitudas pelas suas congneres em bronze. O aparecimento e aperfeioamento de ferramentas metlicas, sobretudo de ferro, desempenharam um importante papel no incremento das foras produtivas. A componente metlica aumentou substancialmente, a produo de ferro fundido e o aproveitamento do carvo, existente nas profundezas da terra, deram lugar chegada da idade do carvo e do ferro. A eficincia do funcionamento das ferramentas determina a produtividade do trabalho social e influencia as possibilidades materiais de que dispe a sociedade para o seu desenvolvimento.

    Os instrumentos de trabalho so a base determinante do desenvolvimento da produo e o indicador mais relevante da produtividade. Com o aparecimento de novos instrumentos de maior rendimento, a tcnica existente envelhece e exige a sua substituio, o que obriga a sociedade a ter em conta a lgica do desenvolvimento da produo. Em toda a produo relativamente desenvolvida, qualquer mudana substancial numa dada actividade repercute-se de maneira inevitvel nas restantes.

    A mquina um conjunto de mecanismos construdos pelo homem para a realizao duma ou vrias funes de carcter produtivo. Partiu de elementos simples para outros mais complexos accionados pelo homem ou conjuntamente por outros meios por ele utilizados. A mquina dispe de componentes a actuar de forma combinada para receber energia, transform-la e restitui-la sob uma forma apropriada a fim de obter um determinado efeito. A fora motriz que a movimenta pode ser fornecida pelo prprio trabalhador, pela traco animal, pelo vento, pela gua corrente, pelo carvo, pelo vapor ou por outras fontes de energia.

    As primeiras mquinas eram, na sua maior parte, feitas de madeira e construdas, tanto quanto possvel, nas localidades em que viviam os homens que as usavam e por arte