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H oje em d ia, falar em destradiciona.lização parece, de inicio, estranho, sobretudo em razão da ênfase que algumas formas do pe sarne nto ós-moderno colocam . no reto -lfQ à- tradição. Entretanto, falar de des \ radi,Çionalização não nifica falar de LJma sem :trast.Wões-- longe disso .. .. Em u111 conlexto de cosmopolitanismo global, as precisam se defender, pois estão . sempre sendo contéstadas. É de particular ir,nportância, neste aspecto, o fato de o "substrato o. culto" da modernidade, er)volveodo tradições que afetam os gêneros, a família, as comunidades locais e outros aspectos da vida social cotidiana, ter fica- do exposto e submetido à dimensão pública. ISBN 85· 7139-143·2 9 391437 Modernização eflexiva ESTÉTICA MODERNA

Anthony Giddens - Modernidade Reflexiva

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Educação na Modernidade

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  • Hoje em dia, falar em destradiciona.lizao parece, de inicio, estranho, sobretudo em razo da nfase que algumas formas do pe sarnento ps-moderno colocam. no reto -lfQ - tradio. Entretanto, falar de des\ radi,ionalizao no si9.~ nifica falar de LJma so-cied~eh!~ sem :trast.Wes-- longe disso.... Em u111 conlexto de cosmopolitanismo global, as tradi~s precisam se defender, pois esto .sempre sendo contstadas. de particular ir,nportncia, neste aspecto, o fato de o "substrato o.culto" da modernidade, er)volveodo tradies que afetam os gneros, a famlia, as comunidades locais e outros aspectos da vida social cotidiana, ter fica-do exposto e submetido dimenso pblica.

    ISBN 85 7139-1432

    9 788~71 391437

    Modernizao eflexiva

    ESTTICA MODERNA

  • FUNDAO EDITORA DA UNESP

    Presidente do Conselho Curador Marcos Macari

    Diretor-Presidente Jos Castilho Marques Neto

    Editor-Executivo Jzio Hernani Bomfim Gutierre

    Conselho Editorial Acadmico Antonio Celso Ferreira

    Cludio Antonio Rabello Coelho Jos Roberto Ernandes

    Luiz Gonzaga Marchezan Maria do Rosrio Longo Mortatti

    Mario Fernando Bolognesi Paulo Csar Corra Borges

    Maria Encarnao Beltro Sposito Roberto Andr Kraenkel

    Srgio Vicente Motta

    Editores-Assistentes Anderson Nobara

    Denise Katchuian Dognini Dida Bessana

    ONIVERSIOADE FEDER~L 00 f'~M S\Si..IOTECA CENTRAL

    ULRICH BECK ANTHONY GIDDENS

    SCOTT LASH

    ""' MODERNIZAAO

    REFLEXIVA POLTICA, TRADIO E ESTTICA

    NA ORDEM SOCIAL MODERNA

    Traduo de

    Magda Lopes

    Reviso tcnica de

    Cibele Saliba Rizek

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  • Copyright 1995 by Ulrich Beck, Anthony Giddens, Scott Lash. Ttulo original em ingls: Reflexive Modernizqtion:

    Politics, T radtion and Aesthetics in the Modem Sol::al Order.

    Copyright 1995 da traduo brasileira: Fundao Editora da UNESP (FEU).

    Praa da S, 108 (')1001-900- So Paulo- SP

    Tel.: (Ox:xll) 3242-7171 Fax: (Oxxll) 3242-7172 l'u-N:IV--E-.iS~FEi;Ei~LD- p,\R .editoraunesp.com.br l BIBLIOTECA CENTRAL [email protected]

    ~'--\6}5 Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    (Cmara Brasileira do Uvro, SP, Brasil)

    Beck, Ulrich, 1944-Modernizao reflexiva: poltica, tradio e esttica na ordem social

    moderna/ Ulrich Beck, Anthony Giddens, Scott l.ash; traduo de Magda Lopes. - So Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulis-ta, 1997. - (Biblioteca bsica)

    Ttulo orginaf: Reflexive Modernzation. Bibliografia. ISBN 85-7139-143-2

    1. Civilizao moderna 2. Estrutura social 3. Ps-modernismo I. Giddens, Anthony. li. Lash, Scott III. Ttulo. IV. Srie.

    97-0720 CDD-305

    ndice para catlogo sistemtico:

    1. Estrutura social: Sociologia 305

    Editora afiliada:

    lllill Asoclacln de Ed!toriales Unlversltarias Associao Brasileira de

    de Amrica Latina y e! Caribe Editoras Universitrias

    7

    11

    73

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO PA~A.

    Prefcio

    Captulo 1

    BIBLIOTECA CENTRAL

    UNIVERSIDADE FEDERAl DO PARA PPG CltNCIAS SOCIAIS

    SUMRIO

    A reinveno da poltica: rumo a uma teoria da modernizao reflexiva Ulrich Beck

    Introduo: o que significa modernizao reflexiva? Autocrtica da sociedade de risco Subpoltica - retorno dos indivduos sociedade Caminhos para uma nova modernidade A inveno do poltico

    Captulo 2 A vida em uma sociedade ps-tradicional Anthony Giddens

    As ordens da transformao Depreciando a carne A repetio como neurose: a questo do vicio Escolhas e decises A natureza e a tradio como complementares A tradio contextual Guardies e especialistas Sabedoria e especializao Tradio na .modernidade Globalizao e abandono da tradio Destradicionalizao Tradio, discurso, violncia

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  • 6

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    MODERNIZAO REFLEXIVA

    Captulo 3 A reflexividade e seus duplos: estrutura, esttica, comunidade Scott Lash

    Por que modernidade "reflexiva"? Ao ou estrutura? Retlexividade: cognitiva ou esttica? O "eu" ou o "ns" Concluses: a comunidade reflexiva e o self

    207 Captulo 4 Rplicas e crticas

    255

    Autodissoluo e auto-risco da sociedade industrial: o que isso significa? Ulrich Beck Risco, confiana, reflexividade Anthony Giddens Sistemas especialistas ou interpretao situada? instituies no capitalismo desorganizado Scott Lash

    ndice remissivo

    Cultura e

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO PA ~A ' PPG CltNCIAS SOCIAIS . K

    PREFCIO

    A idia deste livro foi originalmente sugerida por Ulrich Beck. Scott Lash havia lecionado durante algum tempo na Alemanha, e Lash e Beck comearam a enxergar alguns pontos comuns no trabalho um do outro. S posteriormente Giddens e Beck observaram detidamente os escritos recprocos. No entanto, uma vez estabelecido este intercmbio triplo, muitas convergncias surpreendentes emergiram entre o que de incio se constitua de linhas de trabalho diferentes. Elas convergiam para vrios temas dominantes. A reflexividade - embora compreendida de maneiras muito diferentes em cada um dos trs autores - um dos temas mais importantes. Para todos ns, a prolongada discusso sobre modernidade versus ps-modernidade tornou-se cansativa e, assim como muitas discus-ses desse tipo, acabou resultando pouco produtiva. A idia da moder-nizao reflexiva, independente de se usar ou no esse termo como tal, rompe as amarras em que essas discusses tenderam a manter a inovao conceitual.

    A noo de destradicionalizao, entendida de modo adequado, um segundo tema comum. Hoje em dia, falar em destradicionalizao parece, de incio, estranho, sobretudo em razo da nfase que algumas formas do pensamento ps-moderno colocam no retorno tradio. Entretanto, falar de destradicionalizao no significa falar de uma

    ~

  • 8 MODERNIZAO REFLEXIVA

    sociedade sem tradies - longe disso. Ao contrrio, o conceito refere-se a uma ordem social em que a tradio muda seu status. Em um contexto de cosmopolitanismo global, as tradies precisam se defender, pois esto sempre sendo contestadas. de particular importncia, neste aspecto, o fato de o "su,bstrato oculto" da modernidade, envolvendo tradies que afetam os gneros, a famlia, as comunidades locais e outros aspectos da vida social cotidiana, ter ficado exposto e submetido discusso pblica. As implicaes desse fato so profundas e ao mesmo tempo de mbito mundial.

    Um terceiro enfoque comum uma preocupao com questes ecolgicas. Embora aqui, mais uma vez, existam algu~as diferenas entre ns, concordamos em que as questes ecolgicas no podem ser sim-plesmente reduzidas a uma preocupao com o "ambiente". O "ambien-te" soa como um contexto externo ao humana. Porm as questes ecolgicas s vieram tona porque o "ambiente" na verdade no se encontra mais alheio vida social humana, mas completamente penetrado e reordenado por ela. Se houve um dia em que os seres humanos souberam o que era a "natureza", agora no. o sabem mais.

    Atualmente, o que "natural" est to intrincadamente confundido com o que "social", que nada mais pode ser afirmado como tal, com certeza. Da mesma forma que muitos aspectos da vida so governados pela tradio, a "natureza" transformou-se em reas de ao nas quais os seres humanos tm de tomar decises prticas e ticas. A "crise ecolgica" abre uma grande quantidade de questes relacionadas essencialmente plas-ticidade da vida humana atual - o afastamento do "destino" em tantas reas das nossas vidas.

    Os paradoxos. do conhecimento humano que alimentaram as vises ps-modernas - em que eles esto com freqncia relacionados morte da epistemologia - podem ser agora compreendidos em termos mais mundanos, sociolgicos. Hoje em dia, os mundos social e natural esto totalmente influenciados pelo conhecimento humano reflexivo; mas isso no conduz a uma situao que nos permita ser, coletivamente, os donos do nosso destino. Muito ao contrrio: o futuro se parece cada vez menos com o passado e, em alguns aspectos bsicos, tem se tomado muito ameaador. Como espcie, no temos mais uma sobrevivncia garantida, mesmo a curto prazo - e isto uma conseqncia de nossos prprios atos, como coletividade humana. Hoje em dia, a noo de "risco" fundamental para a cultura moderna justamente porque grande parte do

    MODERNIZAO REFLEXIVA 9

    nosso pensamento tem de ser do tipo "como se". Em muitos aspectos de nossas vidas, tanto individual quanto coletiva, temos de construir regularmente futuros potenciais, sabendo que essa mesma construco pode, na verdade, impedir que eles venham a acontecer. Novas reas. de imprevisibilidade so muito freqentemente criadas pelas prprias ten-tativas que buscam control-las.

    Nessas circunstncias ocorrem transies importantes na vida coti-diana, tanto no carter da organizao social quanto na estruturaco dos ~istemas globais. As tendncias para a intensificao da glob~lizao mteragem com - e so a causa de - mudanas na vida cotidiana. No presente, muitas mudanas ou tomadas de deciso polticas de muita influncia sobre nossas vidas no derivam da esfera ortodoxa da tomada de deciso: o sistema poltico formal. Ao contrrio, elas moldam e ajudam a redefinir o carter da ordem poltica ortodoxa.

    Conseqncias polticas prticas fluem da anlise dessas questes. Nossos vrios diagnsticos do que poderiam ser essas ramificaces polticas diferem entre si. Entretanto, todos ns negamos a paralisi~ da vontade poltica que aparece na obra de tantos autores que, aps a dissoluo do socialismo, acreditam no haver mais lugar para programas polticos ativos. O que ocorre mais ou menos o contrrio. O mundo da reflexividade desenvolvida, em que a interrogao das formas sociais toma-se lugar-comum, um mundo que em muitos casos estimula a crtica ativa.

    O formato deste livro o seguinte: cada um de ns escreveu independentemente um -ensaio substancial sobre aspectos da ll).Odemi-zao reflexiva. Os trs ensaios foram guiados pela perspectiva comum

    . acima mencionada, embora no tenhamos procurado esconder nossas , diferenas um do outro. Subseqentemente, cada um de ns escreveu respostas crticas s contribuies dos outros dois. Estas aparecem no final do livro na mesma seqncia das apresentaes originais.

    As contribuies de Ulrich Beck foram traduzidas do alemo para o ingls por Mark Ritter.

    " Ulrich Beck

    Anthony Giddens Scott Lash

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  • CAPTULO l

    A REINVENO DA POLTICA: RUMO A UMA TEORIA DA MODERNIZAO REFLEXIVA

    Ulrich Beck

    Introduo: o que significa modernizao reflexiva?

    razovel prever que o ano de 1989 vai ficar na histria como a data simblica que marca o fim de uma poca. Sabemos muito bem que 1989 foi o ano em que, de forma bastante inesperada, acabou o mundo comunista. Mas isto ser lembrado desta forma daqui a cinqenta anos? Ou o colapso dos Estados-naes comunistas do Centro e do Leste Europeu ser ento interpretado de modo similar ao atentado de Saraje-vo? Apesar de sua aparente estabilidade e postura auto-indulgente, j podemos perceber que o Ocidente tambm foi afetado pelo colapso do Leste. "As instituies afundaram e~ seu prprio sucesso", diria Mon-tesquieu. Uma firmao enigmtica, mas excepcionalmente atual: O Ocidente confrontado por questes que desafiam as premissas funda-mentais do seu prprio sistema social e poltico. A principal questo que ora enfrentamos se a simbiose histrica entre o capitalismo e a democracia - que caracterizava o Ocidente - pode ser generalizada em uma escala global, sem consumir suas bases fsicas, culturais e sociais. Ser que no veremos o retorno do nacionalismo e do racismo na Europa

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  • 12 MODERNIZAO REFLEXIVA

    precisamente como uma reao aos processos da unificao global? E -depois do final da Guerra Fria e da redescoberta da amarga realidade da guerra "convencional" - no chegaremos concluso de que temos de repensar, na verdade reinventar, nossa civilizao industrial, agora que o velho sistema da sociedade industrializada est se desmoronando no decorrer do seu prprio sucesso?, Ser que no esto por surgir novos contratos sociais?

    "Modernizao reflexiva" significa a possibilidade de uma (auto)des-truio criativa para toda uma era: aquela da sociedade industrial.1 O "sujeito" dessa destruio criativa no a revoluo, no a crise, mas a vitria da modernizao ocidental.

    A burguesia no pode existir sem continuamente revolucionar os instrumentos de produo, ou seja, as relaes de pr~duo, e, portanto, todos os relacionamentos sociais. A manuteno inalterada do antigo modo de produo, ao contrrio, era a condio primria para a existncia de todas as classes industriais anteriores. A revoluo cons~nte da produo, a perturbao ininterrupta de todas as relaes sociais, a incerteza e agitao permanentes distinguem a era burguesa de todas as anteriores. Todos os relacionamentos estabelecidos e fixados, com sua srie de idias e pontos de vista venerveis, esto sendo destrudos; todos os novs tomam-se obsoletos antes de poderem se fixar. Tudo o que slido dissolve-se no ar, tudo o que sagrado profanado, e as pessoas so finalmente obrigadas a enfrentar com racionalidade as condies reais de suas vidas e de suas relaqes com seus semelhantes. 2

    Se, no fundo, a modernizao simples (ou ortodoxa) significa primeiro a desincorporao e, segundo, a reincorporao das formas sociais tradicionais pelas formas sociais industriais, ento a modernizao reflexiva significa primeiro a desincorporao e, segundo, a reincorpora-o das formas sociais industriais por outra modernidade.

    Assim, em virtude do seu inerente dinamismo, a sociedade moderna est acabando com suas formaes de classe, camadas sociais, ocupao, papis dos sexos, famlia nuclear, agricultura, setores empresariais e, claro, tambm com os pr-requisitos e as formas contnuas do progresso tcnico-econmico. Este novo estgio, em que o progresso pode se transformar em autodestruio, em que um tipo de modernizao destri outro e o modifica, o que eu chamo de etapa da modernizao reflexiva. ,

    A idia de que o dinamismo da sociedade industrial acaba com suas prprias fundaes recorda a mensagem de Karl Marx de que o capita-

    A REINVENO DA POLTICA 13

    lismo seu prprio coveiro, mas significa tambm algo completamente diferente. Primeiro, no a crise, mas, repito, as vitrias do capitalismo que produzem a nova forma social. Segundo, isto significa que no a luta de classe, mas a modernizao normal e a modernizaco adicional que esto dissolvendo os contornos da sociedade industriai. A constela-o que est surgindo como resultado disso mbm nada tem em comum com as utopias at agora fracassadas de uma sociedade socialista. Em vez disso, o que se enfatiza que o dinamismo industrial, extremamente veloz, est se transformando em uma nova sociedade sem a exploso primeva de uma revoluo, sobrepondo-se a discusses e decises polticas de parlamentos e governos.

    Por isso, supe-se que modernizao reflexiva signifique que uma mudana da sociedade industrial - ocorrida sub-repticiamente e sem planejamento no incio de uma modernizao normal, autnoma, e com uma ordem poltica e econmica inalterada e intacta - implica a radica-lizao da modernidade, que vai invadir as premissas e os contornos da sociedade industrial e abrir caminhos para outra modernidade.

    O que foi afirmado exatamente aquilo que considerado fora de questo no antagonismo unnime existente entre as duas principais autoridades da modernizao simples - os marxistas e os funcionalistas - ou seja, no haver uma revoluo, mas uma nova sociedade. Desta forma, o tabu que estamos rompendo a equao tcita entre latncia e imanncia na mudana social. A idia de que a transio de uma poca social para outra poderia ocorrer no intencionalmente e sem influncia poltica, extrapolando todos os fruns das decises polticas, as linhas de conflito e as controvrsias partidrias, contradiz o auto-entendimento democrtico desta sociedade, da mesma forma que contradiz as convic-es fundamentais de sua sociologia.

    Do ponto de vista convencional, est acima de todos os desastres e perincias amargas que marcam as revoltas sociais. Mas isso no precisa

    acontecer. A nova sociedade nem sempre nasce da dor. No apenas a pobreza crescente, mas tambm a riqueza crescente, e a perda de urrit-ival no Leste, produzem uma mudana axial nos tipos de problemas, no escopo da relevncia e na qualidade da poltica. No somente as causas do desastre, mas tambm ~ intenso crescimento econmico, a tecnifica-o rpida e a maior segurana no emprego podem desencadear a

    mpestade que vai impulsionar ou impelir a sociedade industrial rumo a uma nova era.

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  • 14 MODERNIZAAO REFLEXIVA

    A maior participao das mulheres no mercado de trabalho, por exemplo, bem-vinda e encorajada por todos os partidos polticos, pelo menos aparentemente, mas tambm causa uma revoluo . na lenta marcha das ordens ocupacionais, polticas e privadas convencionais. A flexibilizao temporal e contratual do trabalho assalariado tem sido reivindicada e modernizada por muitos, mas em resumo rompe as velhas linhas limtrofes existentes entre o trabalho e o no trabalho. Exatamente porque essas pequenas medidas com grandes efeitos cumulativos no surgem de maneira espalhafatosa, por meio de votaes controvertidas no parlamento, antagonismos polticos programticos ou sob a bandeira da mudanca revolucionria, a modernizao reflexiva da sociedade industrial ~corre silenciosamente, por assim dizer, despercebida pelos socilogos, que, sem questionar, continuam a coletar dados de acordo com as antigas categorias. A insignificncia, a familiaridade e freqente mente o desejo de mudanas escondem seu escopo da sociedade em mutaco. Apenas-uma maior quantidade dos mesmos acontecimentos-assiU: acreditam as pessoas - no pode produzir nada qualitativamente novo.

    O desejado +o familiar = nova modernidade. Esta frmula soa e parece paradoxal e suspeita.

    A modernizaco reflexiva, como uma modernizao ampla, solta e modificadora da e~trutura, merece mais que curiosidade filantrpica por . ser uma espcie de "nova criatura". Tambm politicamente, esta mo~ernizaco da modernizaco um fenmeno importante que requer a matar aten~o. Em certo asp~cto, implica inseguranas de toda uma sociedade, difc~is de delimitar, com lutas entre faces em todos os nveis, igual-mente difceis de delimitar. Ao mesmo tempo, a modernizao reflexiva envolve apenas uma dinamizao do desenvolvimento, que, em si, embora em contraposio a uma base diferente, pode ter conseqncias exatamente opostas. Em vrios grupos culturais e continentes isso associado ao nacionalismo, pobreza em massa, ao fundamentalismo religioso de vrias faces e credos, a crises econmicas, crises ecolgicas, possivelmente guerras e revolues, sem esquecer ?s estados ~e eme.r-gnda produzidos por grandes catstrofes - ou seJa, no senndo mats estrito, o dinamismo do conflito da sociedade de risco.

    claro que a modernizao reflexiva deve ser analiticamente distin-guida das categorias convencionais da mudana social - crise, transfor-mao social e revoluces - mas pode tambm coincidir com essas

    A REINVENAO DA POLTICA 15

    conceituaes tradicionais, favorecendo-as, sobrepondo-se a elas e inten-sificando-as. Desse modo, seria possvel perguntar:

    Primeiro, sob que condies a modernizao reflexiva se transforma em determinado tipo de crises sociais?

    Segundo, que desafios polticos esto ligados aos desafios reflexivos e que respostas a eles so em princpio concebveis?

    Terceiro, qual o significado e a implicao das superposies da ~odernizao. reflexiva com os desenvolvimentos antagnicos _ prospe-ndade e segundade social, crise e desemprego em massa, nacionalismo, pobreza mundial, guerras ou novos movimentos migratrios? Como ento as modernizaes reflexivas devem ser decodificadas em constela-es contraditrias em uma comparao internacional e intercultural?

    Ser que a modernidade - quando aplicada a si mesma - contm ~ma chave para. seu auto~ontrole e sua autolimitao? Ou essa abordagem stmplesmente ltbera mats um redemoinho em um turbilho de aconte-cimentos sobre os quais no se tem mais nenhum controle?

    Autocrtic-a da sociedade de risco

    . Qualquer um que conceba a modernizao como um processo de movao autnoma deve contar at mesmo com a obsolescncia da sociedade industrial. O outro lado dessa obsolescncia a emergncia da sociedade de risco. Este conceito designa uma fase no desenvolvimento da sociedade moderna, em que os riscos sociais, polticos, econmicos e individuais tendem cada vez mais a escapar das instituies para

    0 controle e a proteo da sociedade industrial.

    Duas .fases podem ser aqui distinguidas: primeiro, um estgio em que os efettos e as auto-ameaas so sistematicamente produzidos, mas no se torna.m questes pblicas ou o centro de conflitos polticos. Aqui; o a~toconcetto da sociedade industrial ainda predomina, tanto mulpli-cando como "legitimando" as ameaas produzidas por tomadas de deciso, como "riscos residuais" (a "sociedade de risco residual").

    . Segundo, uma situao completamente diferente surge quando os pengos da sociedade industrial come_am a dominar os debates e conflitos pblicos, tanto polticos como privados. Nesse caso, as instituices da sociedade industrial tornam-se os produtores e legitimadores das a~eaas

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  • 16 MODERNIZAO REFLEXIVA

    que no conseguem controlar. O que acontece aqui que alguns aspectos da sociedade industrial tornam-se social e politicamente problemticos. Por um lado, a sociedade ainda toma decises e realiza aes segundo o padro da velha sociedade industrial, mas, por outro, as organizaes de interesse, o sistema judicial e a poltica so obscurecidos por debates e conflitos que se originam do dinqmismo da sociedade de risco.

    Reflexo e reflexividade

    A luz desses dois estgios, o conceito de "modernizao reflexiva" pode ser diferenciado em contraposio a um equvoco fundamental. Este conceito no implica (como pode sugerir o adjetivo "reflexivo") reflexo, mas (antes) autocorifrontao. A transio do perodo industrial para o perodo de risco da modernidade ocorre de forma indesejada, despercebida e compulsiva no despertar do dinamismo autnomo da modernizao, seguindo o padro dos efeitos colaterais latentes. Pode-se virtualmente dizer que as constelaes da sociedade de risco so produ-zidas porque as certezas da sociedade industrial (o consenso pata o progresso ou a abstrao dos efeitos e dos riscos ecolgicos) dominam o pensamento e a ao das pessoas e das instituies na sociedade industrial. A sociedade de risco no uma opo que se pode escolher ou rejeitar no decorrer de disputas polticas. Ela surge na continuidade dos processos de modernizao autnoma, que so cegos e surdos a seus prprios efeitos e ameaas. De maneira cumulativa e latente, estes ltimos produzem ameaas que questionam e finalmente destroem as bases da .

    sociedade industrial. O tipo de confrontao das bases da modernizao com as conse-

    qncias da !Uodernizao deve ser claramente distinguido do aumento do conhecimento e da cientificao no sentido da auto-reflexo sobre a modernizaco. Vamos recordar a transico autnoma, indesejada e . . despercebida da refiexividade da sociedade industrial para aquela da sociedade de risco (para diferenci-la e contrast-la com refiexo). Sendo assim, "modernizao reflexiva" significa autoconfrontao com os efeitos da sociedade de risco que no podem ser tratados e assimilados no sistema da sociedade industrial - como est avaliado pelos padres institucionais desta ltima. 3 O fato de esta prpria constelao poder mais tarde, em um segundo estgio, vir a se tornar objeto de reflexo (pblica,

    A RElNVENO DA POLTICA 17

    poltica e cientfica) no deve obscurecer o mecanismo no refletido e quase autnomo da transio: exatamente a abstrao que produz e proporciona realidade . sociedade de risco.

    Com o advento da sociedad de risco, os conflitos da distribuico em relao aos "bens" (renda, empregos, seguro social), que constitur~m o conflito bsico da sociedade industrial clssica e conduziram s solues tentadas . nas instituies relevantes, so encobertos pelos conflitos de distribuio dos "malefcios". Estes podem ser decodificados como conflitos de responsabilidade distributiva. Eles irrompem sobre o modo como os riscos que acompanham a produo dos bens (megatecnologia nuclear e qumica, pesquisa gentica, a ameaa ao ambiente, supermili-tarizao e misria crescente fora da sociedade industrial ocidental) podem ser distribudos, evitados, controlados e legitimados.

    No sentido de uma teoria social e de um diagnstico de cultura, o conceito de sociedade de risco designa um estgio da modernidade em que comeam a tomar corpo as ameaas produzidas at ento no caminho da sociedade industrial. Isto levanta a questo da autolimitao daquele desenvolvimento, assim como da tarefa de redeterminar os padres (de responsabilidade, seguranca, controle, limitaco do dano e distribuico das conseqncias do danb) atingidos at aq~ele momento, levando ~m conta as ameaas potenciais. Entretanto, o problema que aqui se coloca o fato de estes ltimos no somente escaparem percepo sensorial e excederem nossa imaginao; mas tambm no poderem ser determi-nados pela cincia. A definio do perigo sempre uma construo cognitiva e social. Por isso, as sociedades modernas so confrontadas com as bases e com os limites do seu prprio modelo at o grau exato em qtte eles no se modificam, no se refletem sobre seus efeitos e do continuidad~ a uma poltica muito parecida. O conceito de sociedade de risco provoca transformaes notveis e sistmicas em trs reas de referncia.

    Primeiro, h o relacionamento da sociedade industrial moderna com os recursos da natureza e da cultura, sobre cuja existncia ela consff\.Ila, mas que esto sendo dissipados no surgimento de uma modernizaco amplamente estabelecida. Isto se aplica natureza no humana e cul~ra humana em geral, assim como aos modos de vida culturais especficos (por exemplo, a famlia nuclear e a ordem baseada na diferena entre os sexos) e aos recursos de trabalho social (por exemplo, o trabalho domstico da esposa, que convencionalmente no tem sido reconhecido

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  • 18 MODERNI~O REFLEXIVA

    como trabalho, ainda que tenha sido ele, em primeiro lugar, que possibilitou o trabalho assalariado do marido).4

    Segundo, h o relacionamento da sociedade com as ameacas e os problemas produzidos por ela, que por seu lado excedem as b~ses das idias sociais de segurana. Por essa razo, assim que as pessoas tomam conscincia deles, so capazes d j\ ,

  • 20 MODERNIZAO REFLEXIVA

    mas que no podem ser resolvidos dessa maneira. sua ambivalncia fundamental que distingue os problemas de risco dos problemas de ordem, que por definio esto voltados para a clareza e a faculdade de deciso. Em face da crescente ausncia de clareza - e este um desenvolvimento que vem se intensificando - desaparece quase obrigatoriamente a f na factibi-lidade tcnica da sociedade. 6

    A categoria do risco defende um tipo de pensamento e ao social que no foi de forma alguma percebido por Max Weber. ps-tradicional e, em certo sentido, ps-racional, pelo menos no sentido de no ser mais instrumentalmente racional (post-zweckrational). Entretanto, os riscos tm sua origem precisamente no triunfo da ordem instrumentalmente racio-nal. Somente depois da normalizao, seja de um desenvolvimento industrial alm dos limites do seguro, seja do questionamento e da forma perceptvel de risco, toma-se reconhecvel que ..: e em que extenso - as questes de risco anulam e fragmentam, por seus prprios meios e de dentro para fora, as questes de ordem. Os riscos tomam-se mais evidentes na matemtica. Estas so sempre apenas probabilidades, e nada mais, que no excluem nada. Hoje em dia possvel afugentar as crticas com um risco de quase zero, somente para lamentar a estupidez do futuro pblico - aps a ocorrncia da catstrofe - por m interpretao das declaraes de probabilidade. Os riscos so infinitamente reprodutveis, pois se reproduzem juntamente com as decises e os pontos de vista com que cada um pode e deve avaliar as decises na sociedade pluralista. Por exemplo, como os riscos das empresas, dos empregos, da sade e do ambiente (que por sua vez se transformam em riscos globaf'e locais, ou importantes e sem importncia) devem se relacionar um com o ou~o, ser comparados e colocados em uma ordem hierrquica? ~

    Nas questes de risco, ningum especialista, ou todo mundo especialista, porque os especialistas pressupem o que se espera que eles tornem possvel e produzam: a aceitao cultural. Os alemes vem o mundo perecendo ao mesmo tempo que as suas florestas. Os britnicos esto escandalizados com os ovos - contendo substncias txicas -que co:o.somem no caf da manh; dessa forma que comea a sua converso causa: ecolgica.

    Entretanto, o ponto decisivo que o horizonte se obscurece medida que os riscos crescem. Pois os riscos nos dizem o que no deve ser feito, mas no o que se deve evitar. Algum que considera o mundo como um

    A REINVENO DA POLTICA 21

    risco vai finalmente se tomar incapaz de agir. O ponto que se destaca aqui que, por fim, a expanso e a intensificao da inteno do controle terminam produzindo o oposto.

    Isto significa, no entanto, que os riscos no apenas pressupem decises, mas definitivamente tambm liberam decises - . tanto indivi-duais como em um sentido fundamental. As questes de risco no podem ser transformadas em questes de ordem, porque . estas ltimas se asfixiam, por assim dizer, por causa do pluralismo imanente das questes de risco e se metamorfoseiam sub-repticiamente por trs das fachadas da estatstica, em questes morais, questes de poder e de puro decisionis-mo. Considerando de outra maneira, isso tambm significa que as questes de risco necessitam ou - mais cautelosamente - apelam para o "reconhecimento da ambivalncia". 7

    Em sua reviso de Risk Society,8 Bauman criticou o "otimismo" -alguns chamariam de iluso - que tambm uma base do meu diagnstico. Esta crtica, como pode ser dito a partir da minha perspectiva, fundamenta-se no difundido equvoco de que as questes de risco so questes de ordem, ou pelo menos podem ser consideradas como tal. So exatamente isso, mas tambm justamente isso o que no so. Ao contrrio, so a forma pela qual a lgica instrumentalmente racional do controle e da ordem conduzida em virtude do seu prprio dinamismo ad absurdum (compreendido no sentido da "reflexividade", ou seja, despercebido e indesejado, no necessariamente no sentido da "reflexo"; ver anteriormente). Isto implica que aqui comea uma ruptura, um conflito no interior da modernidade sobre as bases da racionalidade e o autoconceito da sociedade industrial, e isto est ocorrendo bem no centro

    da prpria modernizao industrial (e no em suas zonas marginais ou naquelas que se sobrepem ao mbito da vida privada).

    A sociedade industrial, a ordem social civil e, particularmente, o welfare state e o Estado previdencirio9 esto sujeitos exigncia de se fazer que as situaes da vida humana sejam controlveis pela racidnali-dade instrumental, manufaturvel, disponvel e (individual e legalmente) contabilizvel. Por outro lado, na sociedade de risco, o lado imprevisvel e os efeitos secundrios desta demanda por controle conduzem ao que tem sido considerado superado, o reino da incerteza, da ambivalncia -em suma, da alienao. Entretanto, esta tambm a base de uma autocrtica da sociedade - expressa por mltiplas opinies.10

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  • 22 MODERNIZAO REFLEXIVA

    Pode-se demonstrar que no somente as formas e medidas organiza-cionais, mas tambm os princpios e categorias ticos e legais, como responsabilidade, culpa e o princpio de punir o poluidor (procurando a origem dos danos, por exemplo}, assim como os procedimentos de deciso poltica (como o princpio da maioria} no so adequados para compreender ou legitimar este retorno da incerteza e da falta de controle. Analogamente, verdade que as categorias e os mtodos da cincia social falham diante da vastido e da ambivalncia dos fatos que devem ser apresentados e considerados.

    No somente as decises devem ser consideradas aqui ao contrrio ' ' '

    vital restabelecer as regras e as bases das decises, as relaes de validade e a crtica das conseqncias imprevisveis e irresponsveis (conceituali-zadas a partir da reivindicao de controle). Sendo assim, a reflexividade e a impossibilidade de controle do desenvolvimento social invadem as sub-regies individuais, desconsiderando jurisdies, classificaes e limites regionais, nacionais, polticos e cientificas. No caso extremo, quando se trata de enfrentar as conseqncias de uma catstrofe nuclear, no h mais a possibilidade de algum ser no participnte. Inversamen-te, isto tambm implica que todos os que esto sob esta ameaa so necessrios como participantes e parte afetada, e podem parecer igual-mente auto-responsveis.

    Em outras palavras, a sociedade de risco tendencialmente tambm uma sociedade autocrtica. Os especialistas em seguros (involuntariamen-te) contradizem os engenheiros de segurana. Enquanto estes ltimos diagnosticam risco zero, os primeiros decidem: impossvel de ser segura-do. Especialistas so anulados ou depostos por especialistas de reas opostas. Polticos encontrani resistncia de grupos de cidados, e a gerncia industrial encontra boicotes de consumidores organizados e politicamente motivados. Ali administraes so criticadas pelos grupos de auto-ajuda. Finalmente, at os setores poluidores (por exemplo, a indstria qumica no caso de poluio martima) devem enfrentar a resistncia dos setores afetados (neste caso, a indstria da pesca e os setores que vivem do turismo litorneo). Estes poluidores pqdem ser questionados pelos outros setores, controlados e talvez at corrigidos .. Na verdade, a questo de risco divide as famlias, grupos profissionais de trabalhadores qumicos especializados em todos os nveis at a gerncia, 11

    e com muita freqncia at os prprios indivduos. O que a cabea quer e a lngua diz pode no ser o que a mo (finalmente) faz.

    A REINVENO DA POLTICA 23

    No estamos nos referindo aqui queles antagonismos mltiplos fundamentalmente difusos, ambivalentes e resmunges em sua tendncia e efeito polticos gerais, que os crticos praticantes do criticismo podem e desejam rejeitar por serem "superficiais" e no afetarem a "lgica" do desenvolvimento social. Em vez disso, um conflito fundamental revela-se por trs disso; um conflito que promete se tornar caracterstico da poca de risco. Este conflito j est minando e corroendo as coordenadas polticas da velha sociedade industrial, ou seja, os antagonismos ideol-gicos, culturais, econmicos e polticos que se agrupam em torno da dicotomia seguro/inseguro e tentam se distinguir uns dos outros. Em um sentido poltico e existencial, a questo e deciso fundamental que aparece : ser que a nova impreviso e desordem fabricadas sofrero oposio segundo o padro do controle racional instrumental - ou seja, recorrendo s velhas ofertas da sociedade industrial (mais tecnologia, mercado, governo etc.)? Ou esto tendo incio aqui um repensar e uma nova maneira de agir, que aceitam e afirmam a ambivalncia- mas, ento, com conseqncias de longo alcance para todas as reas da aco social? Em correspondncia ao eixo terico, pode-se chamar o primei r~ de linear e o segundo de reflexivo. Ao longo da interpretao analtica e emprica desta distino, a interpretao "politicamente emprica" e "filosfica normativa" desses termos gmeos est se tornando possvel e necessria (mas isso ultrapassa o propsito deste ensaio).

    Esta constelao metaterica social, poltica e terica aparece e se intensifica com a modernizaco reflexiva. Somente na redefinico do presente os limites da velha o~dem explodem e as ambivalncias irredu-tveis - o novo distrbio da civilizao de risco - aparecem abertamente. Desse modo, h cada vez menos formas sociais (padres de atuao) produzindo ordens de ligao e fices de segurana importantes para a ao. Esta crise das fices da segurana da sociedade industrial implica que as oportunidades e compulses para a ao se abram, e entre elas uma deve permanentemente decidir, sem qualquer reivindicao de solues definitivas - um critrio pelo qual viver e agir na incerteza torna-se uma espcie de experincia bsica. Quem pode fazer e apr~ncler isso, como e por qu, ou por qu no, torna-se por sua vez uma pergunta biogrfica e poltica fundamental da poca atual.

    Muitos dizem que o colapso do socialismo real puxou o tapete de qualquer crtica social. O oposto, sim, verdadeiro: o contexto para a crtica, mesmo para a crtica radical, jamais foi to favorvel. A petrificao

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  • 24 MODERNIZAO REFLEXIVA

    da crtica, que foi um significado da predominncia da teoria marxista entre a intelligentsia crtica por mais de um sculo, acabou. O pai todo-poderoso est morto. Na verdade, a crtica social pode agora tomar nOvo flego, assim como abrir seus olhos e torn-los mais perspicazes.

    Muitos candidatos posio de objeto entraram e saram do palco da histria mundial e intelectual: a classe trabalhadora, a intelligentsia crtica, a esfera pblica, os movime~tos sociais das mais variadas tendn das e composio, mulheres, subculturas, juventude e especialistas alternativos. Na teoria da modernizao reflexiva, a base para a crtica concebida, de certo modo, como autnoma. No h objeto claramente defmvel. Em virtude de sua dinmica independente e de seus sucessos, a sociedade industrial est escorregando para uma terra de ningum, de ameaas sem garantia. A incerteza retoma e prolifera por toda parte. A crtica no marxista da modernizao, pequena e concreta, mas tambm grande e fundamental, est se tornando um fenmeno cotidiano dentro e fora de sistemas e organizaes (no somente s margens e nas zonas de justaposio das esferas da vida privada). Linhas de conflito esto surgindo em relao a o qu e ao como do progresso, e esto se tornando capazes de organizar e de realizar coalizesP

    Subpoltica- retorno dos indivduos sociedade

    A palavra "individualizao"13 no contm vrios dos significados que muitas pessoas lhe atribuem com o intuito de serem capazes de pensar que ela no significa absolutamente nada. No significa atomiza-co isolamento solido - o fim de todos os tipos de sociedade - ou . . ' ' desconexo. Tambm se ouve com freqncia a declarao refutvel de que ela significa a emancipao ou a renovao dos indivduos burgueses aps sua morte. Mas se todos esses so equvocos convenientes, ento o que poderia ser um consenso em relao ao significado do termo?

    "Individualizao" signific~, primeiro, a desincorporao, e, segun do, a reincorporao dos modos de vida da sociedade industrial por outros modos novos, em que os indivduos devem produzir, representar e acomodar suas prprias biografias. Da a palavra "individualizao". A desincorporao e a reincorporao (nas palavras de Giddens) no ocorrem por acaso, nem individualmente, nem voluntariamente ou por

    A REINVENO DA POLTICA 25

    diversos tipos de condies histricas, mas sim ao mesmo tempo e sob as condies gerais do welfare state, na sociedade desenvolvida de trabalho industrial, como vem se desenvolvendo desde a dcada de 1960 em muitos pases industriais do Ocidente.

    A individualizao como forma sodal

    Na imagem da sociedade industrial clssica, as maneiras coletivas de viver so compreendidas de uma forma que se assemelha s bonecas russas que se encaixam uma dentro da outra. A classe supe a famlia nuclear, que presume os papis dos sexos, que presume a diviso do trabalho entre homens e mulheres, que presume o casamento. As classes tambm so concebidas como a soma das situaes familiais nucleares, que se parecem uma com a outra e so diferenciadas de outras "situaes familiais" tpicas de classe (aquelas da classe alta, por exemplo).

    At a definio emprico-operacional do conceito de classe faz uso da renda familiar, ou seja, a renda do "chefe da famlia", uma expresso inclusiva, mas que na prtica implica claramente caractersticas masculi-nas. Isso significa que a parti~ipao do trabalho das mulheres no est de modo algum "registrada" ou "avaliada" na anlise dedasse.14 Dito de outro modo: quem considera como base a renda do homem e a renda da mulher, separadamente, deve traar a imagem de uma estrutura social dividida, que nunca poder ser novamente reunida em uma nica imagem. Estes so apenas exemplos de como, de certa maneira, as categorias das situaes de vida e da conduta de vida da sociedade industrial presumem uma outra. Com a mesma certeza, elas esto sendo sistematicamente desincorporadas e reincorporadas - essa a importn da da teoria da individualizao.

    Elas esto sendo substitudas no por um vazio (que precisamente o alvo da maior parte das refutaes teoria da individualizao), ~as antes por um novo tipo de conduo e disposio da vida - no mais obrigatria e "incorporada" (Gidd~ns) nos modelos tradicionais, mas baseada em regulamentos do welfare state. Este ltimo, no entanto, considera o indivduo como ator, planejador, prestidigitador e diretor de cena de sua prpria biografia, identidade, redes sociais, compromissos e convices. Colocando em termos mais simples, "individualizao" . significa a desintegrao das certezas da sociedade industrial, assim como

  • 26 MODERNIZAO REFLEXIVA

    a compulso para encontrar e inventar novas certezas para si e para os outros que no a possuem. Mas tambm significa novas interdependn-cias, at mesmo globais. A individualizao e a globalizao so, na verdade, dois lados do mesmo processo de modernizao reflexiva.15

    Para colocar de outra maneira ainda, a reclamao sobre a individua-lizao que est atualmente em moda - a invocao dos "sentimentos compartilhados", a dissociao dos estrangeiros, a tendncia a mimar a famlia e os sentimentos de solidariedade, transformados em uma teoria moderna, o comunitarismo - tudo isso propagado em contraposio a um passado baseado na individualizao estabelecida. Estas so, em sua maioria, reaes experimentao de aspectos intolerveis da individua-lizao, que est assumindo caractersticas anmalas.

    Mais uma vez, a individualizao no baseada na livre deciso dos indivduos. Usando a expresso de Sartre, as pessoas so condenadas individualizao. A individualizao uma compulso, mas uma com-pulso pela fabricao, .o autoprojeto e a auto-representao, no apenas da prpria biografia, mas tambm de seus compromissos e articulaes medida que as fases da vida mudam, porm, evidentemente, s~b as condies gerais e os modelos do welfare state, tais como o sistema educacional (adquirindo certificados), o mercado de trabalho e a regra social, o mercado imobilirio e assim por diante. Mesmo as tradies do casamento e da famlia esto se tornando dependentes de processos decisrios, e todas as suas contradies devem ser experimentadas como riscos pessoais.

    Por isso, "individualiza" significa que a biografia padronizada toma-se uma biografia escolhida, uma biografia do tipo "faa-voc-mes-mo" (Ronald Hitzler), ou, como diz Giddens, uma "biografia reflexiva" .16

    Independente do que um homem ou uma mulher foi ou , o que ele ou ela pensa ou faz constitui a individualidade do indivduo. Isso necessaria-mente no tem nada a ver com coragem civil ou personalidade, mas sim com opes divergentes e com a com,_pulso para apresentar e produzir esses "filhos bastardos" das decises t6Ifiadas por si mesmo e pelos outros

    " 'd d" ,;.!i!' como uma um a e . if{ Mas como se deve conceber mais precisamente a conexo entre a

    individualizao e o welfare state, entre a individualizao e o mercado de trabalho legalmente protegido? Um exemplo que poderia esclarecer isso a biografia profissional: para os homens, isso ponto pacfico, mas para as mulheres algo controvertido. No obstante, em todos os pases

    A REINVENO DA POLTICA 27

    industriais a metade das mulheres (pelo menos) trabalham fora de casa, inclusive aquelas que tm filhos. As pesquisas documentam que para a prxima gerao de mulheres, uma carreira e a maternidade sero certamente consideradas parte de seus planos de vida. Se a tendncia para as famlias de duas carreiras continuar, ento duas biografias individuais - educao, trabalho, carreira - tero de ser consideradas juntas e mantidas sob a forma de famlia nuclear.

    Anteriormente, as regras do casamento baseado no status domina-vam como imperativos (a indissolubilidade do casamento, os deveres da maternidade e assim por diante). Isso certamente reduzia o escopo da ao, mas tambm obrigava e forava os indivduos a ficarem juntos. Em contraste com isso, hoje em dia no h um modelo, mas vrios modelos, especificamente aqueles negativos: modelos que requerem que as mulhe-res construam e mantenham carreiras educacionais e profissionais pr-prias como mulheres, porque do contrrio enfrentaro a runa em caso de divrcio e permanecero dependentes do dinheiro do marido dentro do casamento - com todas as outras dependncias simblicas e reais que isso lhes traz. Estes modelos no consolidam a unio das pessoas, mas a dissolvem e multiplicam as dvidas. Assim, forcam todo homem e mulher, tanto dentro como fora do casamento, a op~rar e persistir como agente individual e planejador de sua prpria biografia.

    Direitos sociais so direitos individuais. As famlias no podem reivindic-los, somente os indivduos, e mais precisamente os indivduos trabalhadores (ou aqueles que esto desempregados, mas desejam traba-lhar). A participao nas protees e benefcios materiais do welfare state pressupe na grande maioria dos casos participar da fora de trabalho. Isto est confirmado pelo debate sobre as excees, entre outras, salrios para o trabalho domstico ou uma penso para as donas de casa. A participao no trabalho, por sua vez, pressupe uma participao na educao, e ambos pressupem a mobilidade e a prontido a ser mbil. Todas essas exigncias no ordenam nada, mas requerem que o indiv-duo consinta em se constituir como um indivduo, para plad'ejar, compreender, projetar e agir - ou sofrer as conseqncias que lhe sero auto-infligidas em caso de fracasso.

    Aqi novamente o mesmo quadro: decises, possivelmente decises impossveis, certamente no decises ivres, masforadas pelos outros e arrancadas de si mesmo, a partir de modelos que conduzem a dilemas. Estas so tambm decises que colocam o indivduo como um indivduo

    ~ .

  • 28 MODERNIZAAO REFLEXIVA

    que est no centro das coisas e desestimula os modos de vida e a interao tradicionais. Talvez contra a sua vontade, o welfare state seja um arranjo experimental para o cc,mdicionamento dos modos de vida centralizados no ego. Pode-se injetar o bem comum nos coraes das pessoas como uma vacina obrigatria. Esta ladainha da comunidade perdida permanece dualista e moralmente ambivalente, enquanto a mecnica da individua-lizao permanece intacta, e ningum realmente as questiona seriamente nem deseja oU capaz de faz-lo.

    . Poltica e subpoltica

    Este tipo de individualizao no permanece privado - toma-se poltico em um sentido novo, definido: os indivduos individualizados, aqueles que lutam consigo mesmos e com seu mundo, no so mais os

    .. "protagonistas" da sociedade industrial simples e clssica, como supunha . o funcionalismo. Os indivduos so construdos atravs de uma interao . discursiva complexa que muito mais aberta do que supunha o modelo . funcionalista de papis sociais. Ao contrrio, o fato que as instituies esto se tomando irreais em seus programas e fundaes, e por isso dependentes dos indivduos. As usinas nucleares, que podem destruir ou contaminar por todo um milnio, so avaliadas como riscos e "legitimadas" em comparao ao hbito de fumar, que estatisticamente mais perigoso. Nas instituies, est comeando a haver uma busca pela conscincia de classe perdida "l em cima" e "c embaixo", porque os sindicatos, os partidos polticos e outros construram seus programas, a filiaco de seus membros e o seu poder tendo isso como base. A diss~luo das famlias pelo pl~ralismo ps-familial est sendo despejada nas velhas garrafas conceituais, arrolhada e armazenada. Em resumo, um mundo duplo est adquirindo vida, e uma parte dele no pode ser representada na outra: um mundo catico de conflitos, jogos de poder, instrumentos e arenas que pertencem a duas pocas diferentes, aquela do "no ambguo" e aquela da modernidade "ambivalente" ~ Por um lado,

    , \1 est se desenvolvendo um vazio poltjQ das instituies; po~m ~ renascimento no institucional do polti.cu.- O su$_ito inclM.dual retoma .

    ~instituices @_sociedade-.- - --- ~~i~ira vista, quase tudo parece argumentar contra isso. As questes que so discutidas nas arenas polticas - ou, poder-se-ia ficar

    A REINVENAO DA POLITICA 29

    tentado a dizer, cujos antagonismos so ali estimulados -raramente ainda oferecem quaisquer explosivos que possam produzir lampejos do polti-co. Sendo assim, est se tornando cada vez menos possvel extrair decises da superestrutura corporativista e poltico-partidria. Inversamente, as organizaes dos partidos, os sindicatos e grupos de interesses similares fazem uso das inmeras questes livremente disponveis p~ra martelar juntos os pr-requisitos programticos para a continuao de sua existn cia. Interna e externamente, pelo menos assim parece, o poltico est ~ perdendo sua polarizao e tambm sua qualidade utpica, criativa. .(

    ' Em minha opinio, este diagnstico se apia em um erro,de categoria, L o"..) a equaca.-o entre poltica e Estado, entre a poltica e o sistema poltico; a o <

    c: correco desse erro no priva o diagnstico de seus elementos verdadei- ...1 1-. ~ z ros, mas apesar disso transforma-o em seu oposto.17 As pessoas esperam Q:: w encontrar a poltica nas arenas a ela designadiJ> , e executada pelos agentes gj 0 devidamente autorizados: parlamento, partidos polticos, sindicatos etc. ~ ~ ~e os relgios da poltica param aqui; desse ponto de vista, o poltico w ~ t mo um todo parou de funCionar. Isso desconsidera duas coisas. ~ Q

    \ Primeiro, a imobilidade do aparato governamental e de seus rgos. ~ i -subsidirios perfeitamente capaz de acompanhar a mobilidade dos ex. a

    UJ agentes em todos os nveis possveis da sociedade, ou seja, o fracasso da > poltica com a ativao da subpoltica. Qualquer um que olhe a poltica ~de cima e espere resultados est negligenci~ndo a auto-organitao do poltico, que- pelo menos potencialmente- pode movimentar "subpo liticamente" muitos ou at todos os campos da sociedade.

    Segundo, o monoplio poltico das instituies e dos agentes polticos, dos quais os ltimos dominavam a constelao poltica da sociedade industrial clssica, est incorporado em opinies e julgamentos. Este continua a ignorar o fato de que o sistema poltico e a constelao historicamente poltica podem ter um com o outro a mesma relao existente entre as realidades de duas pocas diferentes. Por exemplo, o aumento do bem-estar social e o aumento dos riscos condicionam mutuamente um ao outro. Na medida em que isso se toma (publicam~~t) consciente, os defensor~s da segurana no esto mais no mesmo barco que os planejadores e produtores de riqueza econmica. A coalizo da tecnologia e da economia fica abalada, porque a tecnologia pode aumentar a produtividade, mas ao mesmo tempo coloca em risco a legitimidade. A ordem judicial no estimula mais a paz social, pois sanciona e legitima as

    . desvantagens juntamente com as ameaas e assim por diante.

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    30 MODERNIZAO REFLEXIVA

    Em outras palav~s, o poltico invade e irrompe alm das responsa-bilidades e hierarquias formais. Isso mal compreendido, particularmen-te por aqueles que claramente comparam a poltica com o Estado, com o sistema poltico, com as responsabilidades formais e com as carreiras polticas de tempo integral. Um "conceito expressionista de poltica", ambivalente e de muitos nveis {Jrgen Habermas), que nos permite posicionar a forma social e a poltica como mutuamente variveis, est sendo introduzido aqui por uma razo muito simples. Porque abre a possibilidade de pensar aquilo que cada vez mais enfrentamos hoje em dia: a constelao poltica da sociedade industrial est se tornando no poltica, enquanto o que era no poltico no industrialismo est se tornando poltico. Esta uma transformao de categoria do poltico sem mudanas de instituies e com elites de poder intactas que no foram substitudas por novas.18

    Assim, procuramos o poltico no lugar errado, nas tribunas erradas e nas pginas erradas d~s jornais. Aquelas reas de tomada de deciso 1 que tm sido protegidas pelo poltico no capitalismo industrial - o setor privado, os negcios, a 'cincia, as cidades, a vida cotidiana etc . . - so aprisionadas nas tempestades dos conflitos polticos da modernidade reflexiva. Um ponto importante aqui que quanto mais este processo avana, o que ele significa e para onde ele conduz mais depende das decises polticas, que no podem ser simplesmente aceitas, mas devem ser formadas, programaticlmente planejadas e transformadas em possi-bilidades para a ao. A poltica determina a poltica, ampliando-a e lhe concedendo poder. So essas possibilidades de uma poltica da poltica, uma (re)inveno do poltico aps a comprovao de sua morte, que devemos ampliar e f;Sclarecer.

    O fenmeno social mais assombroso e surpreendente - e talvez o menos compreendido - da dcada de 1980 foi o inesperado renascimento de uma subjetividade poltica, dentro e fora das instituies. Neste sentido, no exagero dizer que os grupos de iniciativa do cidado toma~am o poder politicamente. Foram eles que colocaram em debate a questo de um mundo em perigo, contra a resistncia dos partidos estabelecidos. Em parte alguma isso est to claro quanto no espectro da nova "aparente moralidade" que est assombrando a Europa. A compul-so para se engajar na salvao ecolgica e na renovao do mundo, enquanto isso, torna-se universal. Ela une os conservadores aos socialistas e a indstria qumica a seus arquicrticos do Partido Verde. Pode-~e quase

    A REINVENO DA POLTICA 31

    temer que as indstrias qumicas venham a continuar com suas propa-gandas de pgina inteira e se reestabeleam como uma associao conservacionista.

    Confessadamente, tudo isso apenas "fachada", oportunismo pro-gramtico e, de vez em quando, at um repensar intencional. As aes e os pontos de origem dos fatos esto em grande parte intocados. Mas isso permanece verdadeiro: os temas do futuro, que agora esto na boca de todos, no se originaram da previso dos governantes ou das brigas no parlamento ...:. e certamente tambm no tiveram sua origem nas catedrais do poder do mundo dos negcios, da cincia e do Estado. Foram colocados na agncia social em contraposio resistncia concentrada desta ignorncia institucionalizada pelos grupos moralizadores e grupos dissidentes, ambos em dificuldades, disputando uns com os outros o encaminhamento mais adequado, divididos e cheios de dvidas. A subpoltica conseguiu uma vitria temtica absolutamente improvvel.

    Isto se aplica no somente ao Ocidente, mas tambm ao Leste Europeu. H grupos de cidados - contrrios a toda a intelligentsia da cincia social - que partiram do zero, sem nenhuma organizao, em um sistema de conformidade vigiada, e apesar de tudo, sem mquinas copiadoras ou telefones, conseguiram obrigar o grupo governante a recuar e ceder, apenas se reunindo em uma praa. Esta rebelio dos indivduos da vida real contra um "sistema" que supostamente os dominava por completo em sua existncia cotidiana inexplicvel e inconcebvel nas categorias e teorlas prevalecentes. Mas no apenas a economia planejada que est falindo. A teoria dos sistemas, que concebe a sociedadecomo independente do sujeito, tambm tem sido amplamente contestada. Em uma sociedade sem consenso, desprovida de um cerne legitimador, evidente que at mesmo urna simples rajada de vento, causada pelo grito por liberdade, pode derrubar todo o castelo de cartas do poder.

    As diferenas entre os exuberantes cidados do Leste e do Oeste so bvias e tm sido freqentemente discutidas, mas no bem isso que ocorre em relao ao seu considervel terreno ~omum: ambos tm: u\na orientao superficial, extraparlamentar, no s~o vinculados a classes ou partidos, e do ponto de vista organizacional e programtico so dispersos e inimigos uns dos outros. O mesmo ocorre com suas carreiras vertigi-nosas da pobreza para a riqueza: criminalizados, marginalizados, ridicu-larizados, mas posteriormente participantes de programas polticos e das declaraes do governo ou at da derrubada de um governo.

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    32 MODERNIZAO REFLEXIVA

    claro que se poderia dizer: tempi passati. Para muitas pessoas, a introjeo pode ser difcil, mas mesmo os "caadores" que tm se mobilizado nas ruas da Alemanha desde o vero de 1992 contra os "estrangeiros" (e qualquer um que considerem com~ tal), assim como o apoio dissimulado e indeterminado que e-ncontraram no caminho para o topo da poltica - em maio , de 1993, a modificao do direito constitucional fundamental ao asilo teve o apoio de uma maioria de dois tercos no Parlamento - sim, at esta ral est utilizando e se aproveitando da~ oportunidades da subpoltica. Isto deixa uma amarga lio. A subpoltica est sempre,disponvel para o lado oposto ou para o partido da oposio, com seus objetivos contrrios.

    O que parecia ser "uma retirada no poltica vida privada", "nova introjeo" ou "cuidado das feridas emocionais" da antiga viso da poltica pode, quando visto do ngulo oposto, representar a luta por uma nova dimenso do poltico.

    A impresso ainda prevalecente de que a conscincia e o consenso .social "evaporam" no "calor" dos processos de individualizao, com certeza no inteiramente falsa, mas tambm no absolutamente correta. Ela ignora as compulses e as possibilidades de se fabricarem compromissos e obrigaes sociais, no importa at que ponto sejam experimentais (por exemplo, a representao do novo consenso geral em relao s questes ecolgicas). Estas podem tomar o lugar das velhas categorias, mas no podem ser nelas expressadas e contidas.

    Faz sentido distinguir entre contextos e formas diferentes de indivi-dualizao. Em alguns pases, particularmente na Sucia, Sua, Holanda e Alemanha, estamos lidando com uma "individualizao a todo risco". Ou seja, os processos de individualizao surgem a partir e no interior de um ambiente de prosperidade e segurana social (no para todos, mas para a maioria das pessoas). Por outro lado, as condies do lado oriental da Alemanha - e em especial nos pases anteriormente comunistas e no Terceiro Mundo- conduzem a uma inquietao de dimenso completa-mente diferente. .

    A cultura individualizada do dia-a-dia do Ocidente simplesmente uma cultura de acmulo de conhecimento e autoconfiana: educao mais aprimorada e em maior escala, assim como empregos e oportuni-dades melhores para se ganhar dinheiro, em que as pessoas no mais apenas obedeam. Os indivduos ainda se comunicam e atuam em conformidade com as antigas frmulas e instituies, mas tambm se

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    BIBLIOTECA CENTRAL A REINVEN

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR PPG CI~NCIAS SOCIAIS

    AO DA POLTICA 33

    afastam delas, junto com pelo menos parte de sua existncia, sua id~~tidade, seu compromisso e sua coragem. Sua retirada, no entanto, no apenas uma retirada, mas ao mesmo tempo uma emigrao para novos locais de atividade e identidade. Estes parecem to obscuros e inconsistentes, especialmente porque esta imigrao interna freqente-mente ocorre de maneira pouco convicta, com um dos ps, digamos assim, enquanto o outro est ainda apoiado na velha ordem.

    As pessoas deixam o "ninho" do seu "lar poltico" passo a passo e questo por questo. Mas isso significa que ora as pessoas esto do lado da revoluo, ora esto apoiando a reao; ora esto se afastando, ora esto se envolvendo. Isso no se ajusta mais no planejamento de uma ordem sobre a qual os especialistas em pesquisa do mapa poltico podem basear sua anlise. Aqui tambm se aplica o "fim da clareza" (Bauman). As formas de envolvimento poltico, protesto e retirada misturam-se em uma ambivalncia que desafia as velhas categorias de clareza poltica.

    Desse modo, a individualizao dos conflitos e dos interesses polti-cos no significa desengajamento, "democracia da pesquisa de opinio" e esgotamento da poltica. Mas surge um engajamento mltiplo contra ditrio, que mistura e combina os plos clssicos da poltica de forma que, se pensarmos nas coisas em relao sua concluso lgica, todo mundo pensa e age como um direitista ou um esquerdista, de maneira radical ou conservadora, democrtica ou no democraticamente, ecolgi-ca e antiecologicament, poltica e no politicamente, tudo ao mesmo tempo. Todos so pessimistas, pacifistas, idealistas e ativistas em aspectos parciais do seu ser. Entretanto, isso s significa que as clarezas at.ais da poltica - direita e esquerda, conservador e socialista, retraimento e participao - no so mais corretas ou efetivas.

    Para este tipo de prtica, que pode ser mais facilmente percebida de forma negativa que positiva - no instrumental, no dominadora, n~ executora, no determinada por papis, no instrumentalmente racional - h somente conceitos esmaecidos e confusos, que ostentam e zombam de maneira quase caluniadora com palavras como "comunal" e "hofisti-co". Toda essa recusa de rtulos pode ser bem-sucedida apenas negando ou omitindo o estado das coisas, mas no se livrando dele. Abaixo e por trs das fachadas da velha ordem industrial, que s vezes ainda est brilhantemente polida, esto ocorrendo mudanas radicais e novos pontos de partida, de modo no completamente inconsciente, mas tambm no inteiramente consciente e de uma forma dirigida. Mais

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  • 34 MODERNIZAO REFLEXIVA

    parecem uma coletividade cega, sem uma bengala ou um co, mas com um faro para o que pessoalmente correto e importante e, se elevado ao nvel da generalidade, no pode ser totalmente falso. Esta no-revoluo tipo centopia est em andamento. Est expressa no rudo de fundo das polmicas em todos os nveis e em todas as questes e grupos de discusso, no fato, por exemplo, de nada mais "passar em brancas nuvens"; tudo deve ser inspecionado, seccionado em pequenos pedaos, discutido e debatido incansavelmente, at que afinal, com a bno da insatisfao geral, ocorra esta "reviravolta" particular que ningum deseja, talvez apenas porque do contrrio h o risco de uma paralisia geral. Estas so as dores do parto de uma sociedade de ao nova, uma sociedade de autocriao, que deve "inventar" tudo, mas no sabe como, com quem faz-lo e com quem absolutamente no faz-lo.

    A cincia poltica ampliou e elaborou seu conceito de poltica em trs aspectos. Primeiro, investiga a constituio institucional da comuni-dade poltica em que a sociedade se organiza (polity); segundo, a substiin- \ cia dos programas polticos para determinar as circunstncias sociais (polcy), e, terceiro, o processo de conflito poltico com relao diviso de poder e s posies de poder (politics). * Aqui no o indivduo que considerado apropriado poltica; as questes que so dirigidas aos agentes corporativos, ou seja, coletivos.

    Em primeiro lugar, a subpoltica (sub-politics) distingue-se da "poltica" porque se permite que os agentes externos ao sistema poltico ou corpo-rativo apaream no cenrio do planejamento social (este grupo inclui os grupos profissionais e ocupacionais, a intelligentsia tcnica nas fbricas, as instituies e o gerenciamento de pesquisa, trabalhadores especializa-dos, iniciativas dos cidados, a esfera pblica e assim por diante), e, em segundo, porque no somente os agentes sociais e coletivos, mas tambm os indivduos, competem com este ltimo e um com o outro pelo poder de conformao emergente do poltico.

    * As palavras policy, policy e politics tm a mesma traduo em portugus - "poltica". Em ingls, elas tm diferenas sutis. Segundo o Dicionrio Oxford, polity (1) a forma ou o processo de governo; (2) a sociedade como um Estado organizado. Policy definido como uma declarao escrita dos termos de um contrato de seguro. E po!itics como vises e crenas pol!ticas. Para manter a diferena estabelecida pelo autor, optamos por

    incluir as palavras policy, policy, sub-polity e sub-policy no original. (N. R. T.)

    A REINVENO DA POLTICA 35

    Se se transfere a distino entre polity, policy .e politics para a subpoltica (sub-poltics) (isto equivale investigao das multivariadas prticas de modificao da estrutura da modernidade), ento vm tona as seguintes perguntas:

    Primeiro, como a subpoltica (sub-polity) constituda e organizada institucionalmente? Quais so as fontes do seu poder, suas p~ssibilidades de resistncia e o seu potencial para a ao estratgica? Onde esto seus pontos de mudana e quais os limites da sua influncia? Como o escopo e o poder de moldar as coisas emergem no despertar da modernizaco reflexiva? '

    Segundo, com que objetivos, contedo e programas a subpoltica (sub-policy) conduzida, e em que reas de ao (ocupaes, profisses, fbricas, sindicatos, partidos etc.)? Como a subpolitica (sub-policy) objetivada, restrita, conduzida e implementad~ em no-poltica (non-pol-icy)? Que estratgias - por exemplo, "precaues de sade", "seguridade social" ou "necessidades tcnicas" - so aplicadas para este propsito, como e por quem?

    Terceiro, que formas e fruns organizacionais da subpoltica (sub-pol-itics) esto emergindo e podem ser observados? Que posies de poder esto abertas, solidificadas e modificadas aqui, e como? Ser que h conflitos internos em relao poltica (policy) de uma empresa ou de um grupo (poltica de trabalho, de tecnologia ou de produto)? Ser que h coalizes informais ou formalizadoras pr ou contra algumas opes estratgicas? Ser que os crculos ou os grupos de trabalho especializados, ecolgicos e feministas esto se separando no interior dos ' grupos ocupacionais ou das relaes de trabalho nas fbricas? Que grau e. qualidade de organizao estes ltimos exibem (contatos informais, encontros para discusso, estatutos, revistas especializadas, trabalho de publicidade dirigido, congressos ou cdigo de tica)?

    Subpoltica (sub-politics), ento, significa moldar a sociedade de baixo para cima. Visto de cima, isto resulta na perda do poder de implementa-o, no encolhimento e na minimizao da poltica. No desperta} da subpolitizao h oportunidades crescentes de se ter uma voz e uma participao no arranjo da sociedade para grupos que at ento no estavam envolvidos na tecnificao essencial e no processo de industria-lizao: os cidados, a esfera pblica, os movimentos sociais, os grupos especializados, os trabalhadores no local de trabalho; h at mesmo oportunidades p~ra os indivduos corajosos "moverem montanhas" nos

  • 36 MODERNIZAO REFLEXIVA

    centros estratgicos de desenvolvimento. Por isso, a politizao impli~a um decrscimo da abordagem da regra central; significa que os processos que anteriormente sempre se desenvolveram sem atrito malograram,

    resistindo a objetivos contraditrios. Estas so condies em que os vrios grupos e nveis de tomada de

    deciso e participao mobilizam uns contra os outros os recursos do estado constitucional. Isso ocorre no somente na confrontao das instituies e dos grupos de cidados, mas tambm nos conflitos da poltica nacional e local, entre uma administrao com preocupaes ecolgicas e a velha administrao industrial, e assim por diante. Nenhum lado toma seu partido, nem os opositores do poder neni o prprio poder, quando esses conceitos tomam-se to relativos na realidade como deveri-am ser em pensamento. Surge ento uma "paralisia relativa" geral (e ela prossegue sem dizer que os grupos de cidados tamb~ foram afetados), que o outro lado da ativao subpoltica. Mas o prprio malogro do processo de implementao da industrializao, que costumava ser tq bem lubrificado pelo consenso - que agora produz perdedores em todos os nveis - pode retardar o processo e pode ser um precursor de uma autolimitao e. um autocontrole anrquicos e desregulados. Talvez "anything goes" signifique "rien neva plus" e "nada funciona mais"?

    Na subpoltica (sub-politics), o "instrumento do poder" o "conges-tionamento" (em sentido prprio e figurado), como a forma moderniza-da da greve involuntria. A frase que os motoristas de Munique podem ler em um local de tpico congestionamento - "Voc no est em um engarrafamento, voc o engarrafamento", esclarece este paralelo entre

    greve e congestionamento.

    Caminhos para uma nova modernidade

    Com o fim da Guerra Fria, ocorreu uma situao paradoxal. O que era completamente inesperado, e que na verdade tinha provado estar fora de cogitao - o renascimento poltico da Europa - no levou a uma renovao das idias da Europa, a um purgatrio e a um paraso qo questionamento, mas sim a uma paralisia geral. s vezes positiva, s vez~s negativamente, um tipo de fatalismo contradiz e corrobora o outro. Assim, apesar de toda a inclinao da Europa ao realismo, ao ceticismo

    A REINVENO DA POLTICA 37

    e ao niilismo, as pessoas confundem e pem de lado o que constitui verdadeiramente a vitalidade da EL!ropa: ser capaz de se renovar por meio de uma autocrtica radical e da destruio criativa. O Iluminismo a exceo em que o vencido vence atravs da derrota. O fatalismo otimista e pessimista concordam em um aspecto: que h apenas uma forma de modernidade - aquela da sociedade industrial, cuja compulso em um momento produz aquela mistura beneficente da sociedade de consumo e da democracia, e no momento seguinte acelera o declnio geral. Tertium non datur. Tertium datur! Muitas modernidades so possveis; esta a rplica da modernizao reflexiva. Segundo a velha frmula do Iluminis-mo, este conta com a modernizao para superar a modernizaco. Como .isso pode ser conceitualizado, metodolgica e teoricamente? .

    A sociologia - ou, mais precisamente, a sociologia envelhecida da modernizao - deve se tornar um tanto astuta, . ou seja, um tanto galhofeira, para se libertar de seus prprios bloqueios intelectuais. Poder-se-ia chamar isso de a qumica das premissas; opor as verdades pseudo-eternas, esfreg-las e agit-las umas contra as outras, e fundi-las umas nas outras at que o tubo de ensaio do teste intelectual comece a liberar centelhas e fumaa, odores e perdigotos.

    Como a imagem da sociedade industrial "funcionalmente diferencia-da" se modifica quando a ela se aplicam as premissas da "diferenciaco funcional"? Por que as variedades do funcionalismo sociolgico sem~re pintam uma imagem da sociedade diferenciada no sentido de uma diferenciao final, enquanto as outras diferenciaces da sociedade industrial que operam no mo~ento esto possivelm~nte abrindo cami-nho para novos tipos de modernidade?

    Por que a modernidade deveria estar esgotada na autonomizaco e culminao de todas as coisas na "auto-referencialidade", como d~clara Luhmann? E por que ela no encontraria campos novos e frteis concen-trando-se no oposto, isto , na especializao nos inter-relacionamentos, nos entendimentos contextuais e na comunicao sem fronteiras? Quem sabe a premissa de autonomia da moderna teoria dos sistemas ele\rada

    . ' ao nvel do autismo virtual, seja apenas a tabela bsica da multiplicao, enquanto a aritmtica decimal comece apenas onde uma autonomia est interligada com outra, onde tomam forma as instituies de negociao, e assim por diante? Quem sabe a modemizaco reflexiva comece onde termina a lgica da diferenciao e da dissec~, e esteja combinada com - e oposta a - uma lgica da mediao e da autolimitao?

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  • 38 MODERNIZAO REFLEXIVA

    No um tanto entediante - certo, esta no uma categoria cientfica, portanto, digamos, um tanto insuficientemente complexa - procurar sempre a desintegrao do velho mundo em "cdigos binrios"? No

    0 momento de romper este grande tabu da simplificao sociolgica e, por exemplo, investigar as snteses dos cdigos, para procurar saber onde e como estes j esto sendo produzidos hoje? A combinao de arte e cincia, tecnologia e ecologia, economia e poltica, resultando em algo diferente, alguma terceira entidade, ainda desconhecida e ainda por ser descoberta, est na verdade fora de questo, simplesmente porque a tabela bsica de multiplicao do funcionalismo a considera fora de questo? Por que a prpria cincia, que muda tudo, deve ser concebida e conduzida como imutvel? Ou talvez seja possvel que a maneira pela qual uma mudanca na estrutura da cincia seja concebida e rejeitada afaste a possibidade real de autolimitao e de mudana no que est disponvel e no que a incumbncia das cincias? Isto seria a auto-abertura do monoplio sobre a verdade, que est se tornando possvel e necessrio para _ e ao mesmo tempo com - as dvidas metodolgicas, as quais a prpria

    cincia homenageia. No h dvida de que o fatalismo tem seus lados bons. Ele evita,

    por exemplo, 0 ativismo de uma modernizao da mo~erni~ade, que abriria a caixa de Pandora. Mas tambm atua como uma cuurgta cerebral para os socilogos, que, em sua conscincia da autonomia da moderni-dade, probem a si mesmos at de se levantar e discutir a ques~o das modernidades alternativas de uma maneira sistemtica. A auto-aphcao era a palavra mgica que deveria enfraquecer e superar essas velhas barreiras cognitivas. Ao expressar este pensamento, pretendemos proce-der metodicamente e em nome do respectivo princpio da modernidade industrial, que deve ser aplicado prpria s~iedade industrial (na experincia do pensamento). Depois, deveremos investigar que face_ da modernidade aparece se o que inevitvel se transforma em verdade, tsto

    . d d . d tr'al 19 , se a modernizao transpe at mesmo a socte a e m us 1

    Qualquer um que investigue a "diferenciao funcional" da socie--dade "funcionalmente diferenciada" est, em primeiro lugar, levantando a questo da diferenciao adicional (revol~cionria) d: socieda~e industrial. Se utilizarmos como base o concetto-chave de autonomta funcional" duas questes da modernidade reflexiva podem ento ser . obtidas: e~ternamente, em segundo lugar, a questo da mediao inter-sistmica e das instituies de negociao; e, internamente, em

    A REINVENO DA POLTICA 39

    terceiro lugar, a investigao das condies que tornaro possvel a "sntese do cdigo". Estes indicadores bastante diferentes das moderni-dades alternativas sero cognitivamente abordados e acompanhados apenas em alguns aspectos.

    Outra diferenciao da sociedade industrial

    A porta para a modernidade industrial foi aberta bruscamente pela Revoluo Francesa, que separou a questo do poder de suas prescries e proscries religiosas. Contrariamente a todas as confisses de impos-sibilidade e contra a retrica conservadora, a "plebe" tornou-se soberana - pelo menos em termos de demanda e processo. Isto lana os padres para as bases polticas do poder, s quais at os ditadores tm tido de se sul;Jmeter, pelo menos verbalmente, at os dias de hoje.

    A Revoluo Industrial tambm conduz modernidade industrial. Isso proporcionou permanentemente aos donos do capital, classe mdia empresarial o direito permanente inovao. A mudana, impossvel de ser detida e controlada, algo que parecia ser completamente incon-cebvel - e at blasfemo - em perodos anteriores, agora tacitamente assumida, uma certeza que merece ser questionada; ela torna-se a lei da modernidade a que cada um deve se submeter, sob risco de morte poltica.

    Este lembrete de que a "diferenciao sistmica funcional" outra palavra para revoluo extremamente necessrio. S assim 'pode-se compreender o que acontece quando as pessoas questionam o que as diferenciaes sistmicas funcionais podem extrair da sociedade indus-trial. Hoje em dia duas delas esto se tornando claras: por um lado, o terremoto da revoluo feminista; por outro, a diferenciao sistmica da naU! reza "na era da sua reprodutibilidade tcnica", na expresso de Bhme.20 Pelo menos algo adicional pode ser lanado na aren~ das possibilidades como uma hiptese que torna o impensvel pens-J'eh a tecnologia que deseja escapar do destino de sua "mediocridade", de sua submisso ao jugo do utilitarismo econmico e militar, para se transfor-mar ou ser nada alm de pura tecnologia.

    A revolta das mulheres, ao contrrio da exploso da Revoluo Fran-cesa, uma revoluo que avana furtivamente, uma sub-revoluo que se comporta como um gato: suavemente, mas sempre com as garras afiadas.

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  • 40

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    MODERNIZAO REFLEXIVA 41

    Onde ela toca, modifica o lado inferior sensvel da sociedade industrial, a esfera privada, e da (e do passado?) parte para alcanar o apogeu da dominao e da certeza masculinas. A sub-revoluo das mulheres, que vai minando o sistema nervoso da ordem cotidiana da sociedade, apesar dos revezes, pode certamente proporcionar sociedade uma face diferen-te. necessrio apenas arriscar es'ta experincia do pensamento: uma sociedade em que homens e mulheres fossem realmente iguais (no importa o que isso pudesse implicar nos detalhes), sem dvida nenhuma, seria uma nova modernidade. O fato de as barreiras que impedem isso terem sido edificadas pela natureza, pela antropologia e por idias de famlia e felicidade materna, com a cooperao deliberada das mulheres, outra questo. Na opinio de muitas mulheres, este no o menor de todos os choques precipitados pelo fracasso da revoluo feminista permanente que serve como medida para as mudanas que vamos enfrentar a partir do seu sucesso. Como demonstram os estudos das cincias sociais, uma ampla variedade de fundamentalismos so reaes patriarcais, tentativas de se reordenar as "leis da gravidade" masculinas.

    J est se tornando reconhecvel que a natureza, a grande constante da poca industrial, est perdendo seu carter pr-ordenado, est se tornando um produto, a "natureza interna" integral e ajustvel (neste sentido) da sociedade ps-industrial. A abstrao da natureza conduz so-ciedade industrial. A integrao da natureza na sociedade vai alm da sociedade industrial. A "natureza" torna-se um projeto social, uma utopia que deve ser reconstruda, ajustada e transformada. Renaturalizao significa desnaturalizao. Neste contexto, o apelo da modernidade para ajustar as coisas tem sido aperfeioado sob a bandeira da natureza. A natureza transforma-se em poltica. No caso extremo que j pode ser hoje observado, torna-se o campo de solues da engenharia gentica para os problemas sociais (ambiente, seguridade social e tcnica, e assim por diante). Entretanto, isso significa que a sociedade e a natureza se fundem em uma "natureza social", seja pelo fato de a natureza se tornar socializada ou de a sociedade se tornar naturalizada. Mas isso s significa que ambos -os conceitos - natureza e sociedade - perdem e mudam seu significado.

    As direes que so seguidas aqui s podem ser previamente determinadas pela profecia - e por algumas aplicaes dos princpios da produo: os sistemas industriais que so convertidos em produo . natural so transformados em sistemas naturais que tornam as mudanas sociais permanentes. A "natureza" (no significado no simblico e

    materializado da palavra) fabricada, a "natureza determinada", torna na verdade possvel a produo de matrias e corpos. Neste caso, uma poltica da criao produz um mundo de criaturas vivas que pode ocultar o carter fabricado do que ele cria e representa.

    A questo e o movimento ecolgicos, que parecem estar fazendo um apelo para a salvao da natureza, aceleram e aperfeioam este processo de consumao. No sem nus que a palavra "ecologia" de tal forma ambivalente que tudo, desde os sentimentos de volta terra natal at o hipertecnologismo, pode encontrar nela um lugar e um espao.

    A remoo da tecnologia de seus contextos de utilitarismo militar e econmico, sua desintegrao funcional e seu estabelecimento como um subsistema autnomo (ver p.39) seriam comparveis, dentro da sociedade industrial, abolio da ordem feudal divinamente ordenada. A regra sem restries da tecnologia e os tcnicos da zona obscura entre a lei e a poltica seriam fragmentados e destrudos e dariam lugar a uma segunda separao dos poderes, agora entre o desenvolvimento da tecnologia e a utilizao da tecnologia. Por um lado, afirmao e negao para a tecnologia, e, por outro, a utilizao da tecnologia, seriam funcionalmente separados e, assim, possibilitariam, em primeiro lugar, o construtivismo fantstico, a dvida interna e o pluralismo da tecnologia; em segundo, outras novas instituies para negociaco e intermediaco - e codetermi-nao democrtica - em que as consideraes econn~icas ocupam um lugar menos importante. Isso s seria possvel caso se desejasse pegar o projeto nas nuvens e traz-lo de volta terra, se a tecnologia fosse declarada uma atividade oficial - como aconteceu com a educaco no sculo XX - e financiada com recursos pblicos. Est fora de q~esto? Seja como for, concebvel e, portanto, uma prova de que a tecnologia, a quintessncia da modernidade, est organizada de maneira antiquada.

    ~idando om a ambivalncia: o modelo da "mesa-redonda"

    Qualquer um que no deseje mais aceitar o "destino" da produo de efeitos colaterais e riscos, e assim deseje forar a perda de legitimao associada ao desenvolvimento tecno-industrial, deve considerar como a "nova ambivalncia" pode se tornar aceitvel e capaz de formar um consenso. A resposta so as instituies de mediao inter-sistmicas.

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  • 42 MODERNIZAO REFLEXIVA

    Estas existem em uma forma rudimentar nos vrios modelos da "mesa-redonda" ou nas comisses de investigao, ticas e de risco. As teorias da modernizao simples concebem a modernizao de uma forma autista, enquanto as teorias da modernizao reflexiva a concebem como interligada, especificamente, segundo o modelo de especializao do contexto. Enquanto a modernizao simples concebe a diferenciao funcional post hoc e, "naturalmente", a modernizao reflexiva concebe a diferenciaco funcional no sentido de um "processo de diviso" substantivo, ~m que os limites entre os subsistemas podem ser planejados de maneira diferente ou atravs de colaborao, ou seja, de forma cooperativa. Em outras palavras, a questo das formaes de sistema multivalentes, permitindo e possibilitando ambivalncias e limites trans-cendentes, est agora se tornando fundamental.zt

    Na sociedade de risco, as novas vias expressas, instalaes de incinerao de lixo, indstrias qumicas, nucleares ou biotcnicas, e os institutos de pesquisa encontram a resistncia dos grupos populacionais imediatamente afetados. isso, e no (como no incio da industrializao) o jbilo diante deste progresso, que se torna previsvel. Administraes de todos os nveis vem-se em confronto com o fato de que o que eles planejam ser um benefcio para todos percebido como uma praga por alguns e sofre sua oposio. Por isso, tanto eles quanto os especialistas em instalaces industriais e os institutos de pesquisa perderam sua orientaco .. Esto convencidos de que elaboraram esses planos "racional-mente": com o mximo do seu conhecimento e de suas habilidades,. considerando o "bem pblico". Nisso, no entanto, eles descuram a ambivalncia envolvida.22 Lutam contra a ambivalncia com os velhos meios da no-ambigidade.

    Primeiro, os benefcios e as cargas mais ou menos perigosos e onerosos da produo ou dos planos da infra-estrutura nunca podem ser distribudos "eqitativamente". Segundo, por causa disso o instrumento convencional de consulta poltica, a opinio especializada, fracassa. Mesmo o interjogo entre a opinio e a contra-opinio no resolve os . conflitos, mas apenas fortalece os limites. Esto comeando a surgir apelos para um "sindicato ecolgico". em muitas fbricas que lidam com materiais ou produtos perigosos. E a mesma coisa em toda parte: demandas de formas e fruns de cooperao, criando um consenso entre a indstria, a poltica e o povo. Entretanto, para isso acontecer, deve ser abolido o modelo de racionalidade instrumental no ambgua.

    A REINVENO DA POlTICA 43

    Primeiro, as pessoas devem dizer adeus noo de que as adminis-traes e os especialistas sempre sabem exatamente, ou pelo menos melhor, o que o certo e o bom para todos: desmonopolizao da especializao.

    Segundo, o crculo de grupos com permisso de participar no pode continuar fechado em razo de consideraes internas aos especialistas, mas, ao contrrio, deve estar aberto de acordo com padres sociais de importncia: informalizao da jurisdio.

    Terceiro, todos os participantes devem estar conscientes de que as decises ainda no foram tomadas e agora precisam apenas ser "vendi-das" ou implementadas externamente: abertura da estrutura da tomada de deciso.

    Quarto, a negociao a portas fechadas entre os especialistas e aqueles que tomam decises deve ser transferida para - e transformada em - um dilogo entre a mais ampla variedade de agentes, tendo como resultado um descontrole adicional: a criao de um carter pblico parcial.

    Quinto, as normas para este processo - modos de discusso, protocolos, debates, avaliaes de entrevistas, formas de votao e apro-vao - devem ser resolvidas de comum acordo e sancionadas: autolegis-lao e auto-obrigao.

    As instituies de negociao e mediao deste tipo devem experi-mentar procedimentos novos, estruturas de tomada de deciso, sobrepo-sies de competncia e incompetncia e jurisdies mltiplas. Elas no podem mais existir sem a destruio dos monoplios e da delegao do poder, como tambm no poderiam faz-lo com as velhas exigncias e com os modelos de no-ambigidade eficiente. Todos -as autoridades e as empresas envolvidas, assim como os sindicatos e os representantes polticos - devem estar preparados para se superarem, do mesmo modo que, ao contrrio, os opositores radicais devem estar dispostos e ser capazes de assumir compromissos. muito mais provvel que isso seja conseguido e ampliado se a velha - e instrumentalmente racional -ordem, segundo a qual a tarefa dos especialistas "esclarecer" os ldgos , for menos considerada.

    Os fruns de negociao certamente no so mquinas de produo de consenso com uma garantia de sucesso. Eles no podem abolir o conflito nem os perigos incontrolveis da produo industrial. Entretan-to, podem estimular a preveno e a precauo e atuar rumo a uma simetria de sacrifcios inevitveis. E podem praticar e integrar ambivaln-

    ~

  • 44 MODERNIZAO REFLEXIVA

    das, do mesmo modo que revelar vencedores e perdedores, tomando-os pblicos e, assim, melhorando as precondies para a ao poltica.

    Na civilizaco de risco, a vida cotidiana culturalmente cega,B os sentidos anunciam a normalidade em que - possivelmente -vislumbra-se o perigo. Oito de outra forma, o risco aprofunda a dependncia dos especialistas. Uma maneira diferente de lidar com a ambivalncia presu-me que a experincia mais uma vez possibilitada e justificada na sociedade - tambm e particularmente em contraposio cincia. H muito tempo a cincia deixou de ser baseada na experincia; muito mais uma cincia de dados, procedimentos e fabricao.

    Neste contexto, convm distinguir dois tipos de cincia que esto comeando a divergir na civilizao da ameaa. Por um lado, h a velha e florescente cincia de laboratrio, que penetra e abre o mundo matemtica e tecnicamente, mas desprovida de experincia e est envolvida em um mito de preciso; por outro, h uma discursividade pblica da experincia, que traz ton, de uma maneira controvertida, objetivos e meios, restries e mtodos. Ambos os tipos tm sua perspectiva particular, falhas, restries e mtodos. A cincia de labora-trio , sistematicamente, mais ou menos cega s conseqncias que acompanham e ameaam seu sucesso. Por outro lado, a discusso pblica - e a ilustrao - de ameaas, por exemplo, est relacionada vida cotidiana, impregnada com a experincia, e faz pouco dos smbolos culturais. tambm dependente da mdia, fabricvel, s vezes histrica e, em qualquer caso, desprovida de um laboratrio, dependente nesse sentido da pesquisa e da argumentao, precisando, por isso, de uma cincia que a acompanhe (tarefa clssica das universidades). Sendo assim, mais baseada em uma espcie de cincia das perguntas do que em uma cincia das respostas. Tambm pode sujeitar os objetivos e as normas a um teste pblico no purgatrio da opinio contrria, e, exatamente dessa maneira, pode estimular as dvidas reprimidas, que so cronicamente excludas da cincia padronizada, com sua cegueira s ameaas e conse-

    qncias. Em ambos os casos estamos preocupados, de um lado, com um tipo

    de conheci