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7/27/2019 antigo regime nos trpicos e escravido
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A FAMLIA ESCRAVA E O ANTIGO REGIME NOS TRPICOS II: a questo daMicro-Histria e os estudos de escravido.1
Denise Vieira Demetrio.Mestranda PPGHIS-UFF.
Resumo: Este artigo trata das relaes de compadrio constitudas pelos escravos e as eliteslocais da freguesia de Santo Antnio de Jacutinga (Recncavo da Guanabara) entre 1686 a1721. O trabalho procura demonstrar que tais redes de compadrio se caracterizaram por umainterdependncia entre senhores e escravos como uma forma de consolidar interesseshorizontais (entre elites e entre escravos) e verticais (entre elites e escravos) pautados sob algica do Antigo Regime nos Trpicos.Palavras-chave: famlia escrava, compadrio, elites coloniais.
A partir dos anos 90, diversos pesquisadores, muitos por influncia direta ou indiretado contato com os trabalhos de Robert Slenes, vm-se dedicando a demonstrar que a famlia
escrava era uma forma comum da organizao comunitria cativa.2 Constatar a existncia da
famlia escrava , atualmente, redundante. Vrios estudiosos tentam, agora, ir alm na
interpretao dos dados empricos, questionando-se sobre seus mecanismos de viabilizao,
em que a observao de costumes africanos, o parentesco e a linhagem aparecem como
objetos privilegiados.
Entretanto necessrio frisar que os estudos sobre a famlia escrava centram-se nosculo XIX e no Sudeste. Estudos sobre perodos anteriores existem, mas so poucos. 3
Mesmo considerando que o Sudeste era, no sculo XIX, o eixo da economia do Brasil
1 Apresentado originalmente naII Semana de Histria Poltica. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Julhode 2007.2 Vrias dissertaes de mestrado e teses de doutoramento foram escritas sobre a famlia escrava, destacando-se:Jos Flvio Motta, Corpos escravos, vontades livres. Estrutura de posse de cativos e famlia escrava em umncleo cafeeiro (Bananal, 1801-1829), tese apresentada ao Departamento de Economia da Universidade de SoPaulo, 1990; Ana Lugo Rios, Famlia e transio. Famlias negras em Paraba do Sul, 1872-1920, dissertao
apresentada ao Programa de Ps-Graduao da Universidade Federal Fluminense, Niteri, 1990; Jos RobertoPinto de Ges, Escravos da pacincia: um estudo sobre a obedincia escrava no Rio de Janeiro (1790-1850),tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao da Universidade Federal Fluminense, Niteri, 1998; _____, Ocativeiro imperfeito. Um estudo sobre a escravido no Rio de Janeiro da primeira metade do sculo XIX, Vitria,Lineart, 1993 (originalmente dissertao de mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Histria daUniversidade Federal Fluminense).3 Cito, entre outros: Alida C. Metcalf, A famlia escrava no Brasil Colonial: um estudo de caso em So Paulo,Histria e Populao. Estudos sobre a Amrica Latina. So Paulo, Abep, 1990; ______, Families ofplanters,peasants and slaves: strategies for survival in Santana de Parnaiba, Brazil, 1720-1820, Texas,University Microfilms International, 1983; Stuart Schwartz; Robert Slenes; Iraci Del Nero da Costa, A FamliaEscrava em Lorena (1801),Revista de Estudos Econmicos, Nmero 17 (2), So Paulo, IPE/USP, 1987; MariaLuiza Marclio, A cidade de So Paulo. Povoamento e populao 1750-1850, So Paulo, Pioneira-Editora daUniversidade de So Paulo, 1973; Horacio Gutirrez, Crioulos e africanos no Paran, 1798-1830,Escravido,Revista Brasileira de Histria, vol. 8, Nmero16, So Paulo, ANPUH/Marco Zero, 1988; Sheila de Castro Faria,A colnia em movimento. Fortuna e famlia no cotidiano colonial, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1998.
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imperial, ficam faltando estudos que dem conta de Provncias como Bahia e Pernambuco,
onde o acar, apesar de desbancado pelo caf vale-paraibano, no decorrer deste sculo,
mantinha sua importncia como gerenciador da oferta de escravos para outras paragens.4 O
rompimento de laos familiares escravos, nesse contexto, precisa ser melhor estudado.
Em relao a reas que no eram significativas em termos econmicos, o silncio
historiogrfico ainda maior, para qualquer parte do Brasil. Desconhecemos, portanto, a
organizao familiar de locais parcialmente tocados pelo trfico africano e cuja produo se
destinava ao mercado interno, como o caso de algumas Freguesias do Recncavo do Rio de
Janeiro, sobretudo no perodo colonial.
Est mais do que evidente que necessrio levar em conta as expectativas, as
esperanas e as recordaes (parafraseando Robert Slenes)5 dos escravos em suas
estratgias de vida, para tentarmos entender as formas com que as organizaes familiares se
apresentaram nas diversas regies e nos diversos tempos do Brasil escravista .
O principal balano que se pode fazer com base nos trabalhos e debates desenvolvidos
o de que se torna urgente explorar a histria dos povos africanos, origem sem dvida das
variaes encontradas nas diversas comunidades escravas do Brasil e que, ainda hoje,
aparecem em traos culturais fortes de cidades e estados que tiveram sua presena marcante e
duradoura. De novo citando Robert Slenes, preciso considerar que
(...) se os escravos no eram seres anmicos, triturados at a alma peloengenho do cativeiro, se eles tinham herana cultural prpria e bastanteautnoma e instituies, mesmo que imperfeitas, para a transmisso ecriao dessa herana, ento o fato de que eles provinham de etniasafricanas especficas e no eram, digamos, noruegueses torna-seimportante.6
Dentre as questes que motivaram este estudo est a percepo de que os autores, em
quase sua totalidade, se restringem a anlises que privilegiam o sculo XIX, no podendo,
sem restries, serem admitidas de imediato numa anlise referente aos sculos XVII e XVIII.
Uma outra questo a carncia de referncias bibliogrficas sobre algumas freguesias do
Recncavo sobretudo as que hoje compe a Baixada Fluminense atual para o perodo
colonial onde na poca predominavam os engenhos de acar, a produo de alimentos e
4 Para a Bahia, no sculo XIX, registro o trabalho de Ktia de Queirs Mattoso, Famlia e sociedade na Bahia dosculo XIX, So Paulo, Corrupio, 1988. Desconheo outros.5 Ttulo do trabalho de Robert Slenes. Na senzala, uma flor: esperanas e recordaes na formao da famlia
escrava Brasil sudeste, sculo XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.6 Idem, Ibidem, p. 4.
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principalmente as engenhocas de cachaa, como o caso de Santo Antnio de Jacutinga,
freguesia aqui contemplada. Nessas reas de pequena e mdia produo, distantes do trfico,
uma anlise mais detida das condies da escravatura e suas relaes familiares e de
compadrio entre escravos e com a populao livre local se faz necessria e o objeto aqui
privilegiado.
As leituras bibliogrficas e a explorao das fontes tm apontado tambm para a
necessidade de se inserir essas relaes familiares nos quadros do Antigo Regime num
esforo de aproximar a produo historiogrfica que o aborda com a que trata da escravido.
Para alm do interesse no casamento escravo torna-se fundamental, para compreend-los,
centrar ateno tambm em seus proprietrios, muitos deles envolvidos com a administrao
colonial. Concordando com Silvia Hunold Lara preciso conectar as duas historiografias,
pois se os estudos sobre os modos de governar s tem a ganhar se passarem a incorporar em
suas reflexes as aes e os valores daqueles que aparentemente eram excludos das redes do
poder, tambm as pesquisas sobre a escravido sero beneficiadas se voltarem a olhar mais
cuidadosamente para o comportamento dos senhores e das autoridades coloniais.7
Tomo para minha pesquisa as perguntas da autora: Quais seriam as especificidades
das relaes entre senhores e escravos numa sociedade em que as hierarquias sociais eram to
marcadas? Como relacionar as disputas entre as elites locais, coloniais e metropolitanas com
relao ao controle dos escravos?.8 Assim partimos tambm numa tentativa de conectar a
famlia escrava s redes de reciprocidades/solidariedades que se formavam no Imprio
portugus entre distintos segmentos sociais, em que pesem as relaes de compadrio entre
livres e escravos, donde advm a contribuio deste artigo.
Micro-histria e famlia escrava
No rastro das crticas sobre a micro-histria, a obra organizada por Jacques Revel,
Jogos de Escalas, deu um gigantesco passo na flexibilizao das idias propostas pelos micro-historiadores, no momento em que valorizou a adoo de inmeras escalas para a visualizao
de diferentes tipos de conhecimento.9 Nessa lgica, o local passou a ser entendido como uma
das diversas escalas que o historiador poderia utilizar de acordo com seu interesse particular;
7 LARA, Silvia Hunold. Conectando historiografias: a escravido africana e o Antigo Regime na Amricaportuguesa. In: BICALHO, Maria Fernanda e FERLINI, Vera Lcia Amaral. Modos de Governar. Idias eprticas polticas no imprio portugus. Sculos XVI a XIX. So Paulo: Alameda Casa Editorial, 2005, p. 37.8 Idem. Ibidem. pp. 36-37.
9 REVEL, Jacques (Org.)Jogos de Escalas: a Experincia da Microanlise. Rio de Janeiro: Editora da fundaoGetlio Vargas, 1998.
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como se o historiador tivesse constantemente em suas mos um microscpio, no qual suas
lentes pudessem transformar moscas em monstros ou vice-versa em questes de segundo,
sempre privilegiando as intenes prescritas por aquele que est fazendo a anlise.10 Talvez a
opo pelos jogos de escalas e mais propriamente pela histria local, tambm redunde da
prpria facilidade de visualizao da pluralidade das relaes de poder que nestas
circunscries de anlise so possveis. A formao dos grupos oligrquicos, a relao entre
as instituies e a prpria formao de uma identidade especificamente local so algumas das
conseqncias quando optamos por uma anlise vista por todos os ngulos.11 E so
indiscutivelmente estas temticas que so fundamentais para o entendimento do papel
desempenhado pela freguesia de Santo Antnio de Jacutinga para a formao de famlias
escravas e vice-versa.
A Famlia escrava em Santo Antnio de Jacutinga
Santo Antnio de Jacutinga foi uma das freguesias da regio do Recncavo da
Guanabara inserida, desde o sculo XVI, no contexto de produo e de entreposto de
mercadorias voltadas para o abastecimento do centro urbano da colnia. Nas margens dos rios
Iguau e Meriti habitavam os ndios Jacutingas, que chamavam esta regio de Trairaponga.
Em 1503, Gonalves Coelho e o navegador Amrico Vespcio levaram para Portugal 40
escravos indgenas, onde mais da metade deles eram mulheres da aldeia Jacutinga.12 Segundo
as cartas do padre Jos de Anchieta de 1584 havia cerca de 7 a 8 beneditinos franceses que
vestiam os meninos gentios com seus hbitos brancos, realizando um trabalho de catequizao
e de plantio nas margens do rio Iguau. A atuao francesa, porm, foi interrompida durante a
guerra contra os portugueses, o que acarretou a morte ou a fuga desses indgenas para o
interior.13
Apesar da invocao mariana na formao das capelas e freguesias do recncavo esta
Freguesia foi a nica do Municpio de Iguau a incorporar o nome da aldeia indgena. Santo
10 FIGUEIREDO Hayde, REZNIK Luiz e GONALVES Mrcia de A. Entre Moscas e Monstros: ConstruindoEscalas, Refletindo sobre Histria Local In:Anais do IV encontro Nacional de Pesquisadores do Ensino deHistria. Iju: Editora UNIJU, Coleo Trabalhos Acadmicos-Cientficos, Srie Eventos Acadmicos, 2000,p.544. Apud: CAETANO, Antonio Felipe Pereira.Entre a Sombra e o Sol A Revolta da Cachaa, a freguesiade So Gonalo de Amarante e a crise poltica fluminense (Rio de Janeiro, 1640-1667. Dissertao de Mestrado.Niteri: UFF, 2003, p. 18.11 Idem. Ibidem.12 SOUZA, Marlcia Santos de. Economia e Sociedade Iguauana. Niteri, Universidade Federal Fluminense,Mestrado em Histria (Mimeo), 2000. p. 28.
13 Cartas Jesuticas III. Cartas de Joseph de Anchieta S. J. (Publicao da Academia Brasileira. Coleo AfrnioPeixoto, p. 313.
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Antnio de Jacutinga compunha os territrios de partes dos municpios de Nova Iguau,
Belford Roxo, So Joo de Meriti e Duque de Caxias, que fazem parte da Baixada Fluminense
atual.
J em 1686 a Igreja de Santo Antnio da (Aldeia) Jacutinga constava como Parquia
que teria sido provavelmente criada em 1657, segundo clculos de monsenhor Pizarro.14 A ela
pertenciam as seguintes capelas: N. S. do Rosrio, na fazenda que pertenceu Ordem de So
Bento, fundada depois de 1600; N. S. da Conceio de Sarapu, construda por Afonso de
Gaya; N. S. do Livramento, construda por Joo Ferreira; N. S. da Conceio da Cachoeira,
fundada antes de 1731 por Manoel Correa Vasques, em substituio a que Manoel de Marins
fundara na fazenda de Maxambomba; N. S. da Madre de Deus, construda antes de 1743 por
Joo de Veras Nascente na fazenda da Posse; N. S. da Conceio do Pantanal, fundada por
Antonio Ferreira Quintanilha antes de 1753.15
A importncia econmica desta freguesia pode ser ressaltada pela presena de seus
rios: Cachoeira de Santo Antonio do Mato, Douro e Riacho que, engrossados por outros,
desde as serras da Cachoeira e de Tingu, despejam volumosas guas nos rios Iguau,
Sarapu, Meriti, importantes vias de transporte e comunicao que cortavam o territrio de
Jacutinga. a partir dos rios que se inicia a ocupao dessa regio com as doaes de
sesmarias j em 1565 a Cristvo Monteiro.
A partir do final do sculo XVII a regio inseriu-se mais fortemente no contexto
colonial quando o eixo econmico do Brasil e de Portugal se voltou para a descoberta do ouro
em Minas Gerais, tornando-se uma estratgica rea de passagem, por conta de seus rios acima
mencionados, e das estradas que foram abertas serra acima para que o trnsito de mercadorias
fosse dinamizado. A freguesia de Santo Antnio de Jacutinga escoava seus produtos por oito
portos, quatro localizados no rio Iguau e o restante no Sarapu.16
Nas estatsticas realizadas no final do sculo XVIII pelo Marqus de Lavradio
podemos visualizar dados referentes distribuio de engenhos, escravos e produo deacar/aguardente, populao e produo agrcola desta freguesia. Segundo este relatrio
datado entre 1769 e 1779 Jacutinga tinha sete engenhos, nos quais estavam empregados
aproximadamente 236 escravos (uma mdia de 39 escravos em cada propriedade), produzindo
14 PIZARRO.Livro de Visitas Pastorais na Baixada Fluminense no ano de 1794. Prefeitura de Nilpolis, 2000.15 MAIA FORTE . Jos Mattoso. Memria da Fundao de Iguassu. Rio de Janeiro: Typografia do Jornal doComrcio, 1933, pp. 28-29.16 GOMES, Flvio dos Santos. Quilombos do Rio de Janeiro. In: GOMES, Flvio dos Santos e REIS, JooJos (Orgs). Liberdade por um fio. Histria dos quilombos no Brasil. Rio de Janeiro: Companhia das Letras1996, p. 265.
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163 caixas de acar e 77 pipas de aguardente.17 Sua produo anual de gneros alimentcios
constavam 25.000 sacas de farinha, 1.000 de milho, 1.000 de feijo e 10.000 de arroz num
total de 37.000 sacas por alqueire destacando-se entre as demais freguesias (Marapicu com
2.750; Meriti com 4.190; Pilar com 19.963 e Iguau com 20.800 sacas por alqueire).18
Em sntese podemos afirmar que, comparada s demais freguesias do entorno do
Iguau citadas acima, Jacutinga sobressaa quanto produo de gneros alimentcios e de
acar e quanto populao escrava: no mesmo relatrio a populao da freguesia no sculo
XVIII foi calculada em 3.540, sendo que 1.404 eram livres (39,6%) e 2.138 eram escravos
(60,4%).19
Outro dado que merece destaque sua produo de farinha (25.000 alqueires), que
destaca-se dentre as freguesias do Distrito de Guaratiba ao qual pertencia na poca do
relatrio, incluindo-se Guaratiba somada a Itagua (5.440), Campo Grande (2.500),
Jacarepagu (2.888), Piedade de Iguau (10.000) e Marapicu (150). Numa outra comparao
relativa s outras freguesias presentes no relatrio, Jacutinga ficava atrs apenas de Angra dos
Reis da Ilha Grande (25.736).20 Este dado torna-se importante para que tenha-se uma idia do
emprego da mo-de-obra escrava e a sua influncia na maior ou menor facilidade em formar
famlias.
A partir de um comparativo com as demais freguesias do Recncavo da Guanabara,
Jacutinga no pode ser considerada uma grande produtora de exportao, mas destaca-se
como a mais importante no contexto local.21 Infelizmente no dispomos de dados scio-
econmicos para o sculo anterior, mas acreditamos que a vocao para a produo de
subsistncia e abastecimento interno (sobretudo das minas aurferas) possa vir ainda do sculo
XVII. Mas isso s uma hiptese.
Para o estudo da famlia escrava de Jacutinga os dados aqui apresentados foram
levantados a partir do livro de batismos de escravos mais antigo da Freguesia que pertence ao
Arquivo da Cria de Nova Iguau e que vai de 1686-1721 (livro misto de batismo e
17 Estatstica realizada pelo Governo do Marqus do Lavradio, entre 1769-79. Revista do Instituto Histrico eGeogrfico Brasileiro. 1 Parte, Tomo LXXVI (76), pp 289-360, p. 320-324.18 GOMES, Flvio dos Santos. Quilombos do Rio de Janeiro. In: GOMES, Flvio dos Santos e REIS, JooJos (org). Liberdade por um fio. Histria dos quilombos no Brasil. Rio de Janeiro: Companhia das Letras 1996,p. 265.19 dem. Ibidem.20 Estatstica realizada pelo Governo do Marqus do Lavradio, entre 1769-79. Revista do Instituto Histrico eGeogrfico Brasileiro. 1 Parte, Tomo LXXVI (76) pp. 289-360.
21 BEZERRA, Nielson Rosa. Tenses e interaes das relaes sociais em torno do regime escravista naFreguesia de Santo Antnio de Jacutinga. Revista Pilares da Histria. Ano II N 02 Maio de 2003, p. 9.
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matrimnio). O mesmo conta com 675 registros de batismos, distribudos segundo o quadro
abaixo.
Quadro 1: Distribuio dos batismos segundo a presena dos pais nos registros.Jacutinga, 1686-1721.
Categoria N de Registros %Pais ausentes 325 48,1Mes ausentes 2 0,2Pais e mes presentes 335 49,6Pais e mes ausentes 13 1,9Total 675 100Fonte: ACDNI. Livro de batismos de escravos da freguesia de Santo Antnio de Jacutinga
princpio este quadro serve apenas para que fique claro a proporo entre escravosbatizados dentro ou fora de uma famlia, fosse ela oficial ou no, j que a ausncia de pais
e/ou mes poderia indicar no s unies ilegtimas, mas tambm ausncia dos mesmos na
cerimnia.22 O nmero de batismos com pais e mes presentes equipara-se ao de pais ausentes
chegando quase a 50% cada. O quadro comea a ganhar sentido quando distribumos esses
registros segundo a freqncia dos batismos, ou seja, quantas vezes, cada um dos quatro
grupos, esteve pia batismal.
Quadro 2: Freqncia dos batizados segundo a presena dos pais. Jacutinga, 1686-1721.
N de registros por faixaFaixa deregistros
Paiausent
e
Meausente
Pais emes
presentes
Pais emes
ausentes
Total deregistros
%
7 - - 1 1 14 2,06 1 - 1 - 12 1,75 2 - 2 - 20 2,9
4 5 - 4 - 36 5,33 12 - 10 - 66 9,72 37 - 48 1 172 25,41 179 2 170 4 355 52,5
Total 675 100Fonte: ACDNI. Livro de batismos de escravos da freguesia de Santo Antnio de Jacutinga
Pelo quadro 2 nota-se que os maiores ndices de batismos nos quatro grupos esto
situados na faixa entre 1 e 2 registros. H ainda um equilbrio entre a freqncia de batismos
22 SCHWARTZ, Stuart. Segredos Internos. Engenhos e escravos na sociedade colonial. So Paulo: Cia dasLetras, 1988, p. 65.
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realizados para os registros de pais ausentes e de pais e mes presentes, com os maiores
ndices na faixa de 1 e 2 registros e os menores na faixa de 6 e 7. Isso pode indicar que as
condies para um e outro grupo inserirem-se no mundo cristo atravs do batismo estavam
tambm equilibradas. Distribumos, seguir, os registros de famlias escravas pelos seus
proprietrios, segundo o quadro 3.
Quadro 3: Distribuio de famlias escravas por proprietrios. Jacutinga, 1686-1721.
N de famlias N deproprietrios
% N de famliaspor faixa
%
1 a 3 75 83,3 97 49,24 a 6 9 10 42 21,3
7 a 9 3 3,3 25 12,611 3 3,3 33 16,75
Total 90* 100 197 100Fonte: ACDNI. Livro de batismos de escravos da freguesia de Santo Antnio de JacutingaObs: *somente proprietrios declarados no assento.
Fica claro pelo Quadro 3 que h uma concentrao de famlias nas mos de poucos
proprietrios, mas, por outro lado, uma distribuio em menor nmero, claro de pelo
menos 1 a 3 famlias para 83% de donos, o que indica que a instituio familiar no era
estranha maioria dos cativos da regio. Para completar este panorama inicial e na falta deoutros documentos que informassem a posse de escravos desses proprietrios, o Quadro 4
apresenta uma singela distribuio da propriedade de famlias cativas que permite perceber as
proporcionalidades na distribuio de seus membros.23
Quadro 4: Posse de escravos por proprietrios (soma dos pais e filhos). Jacutinga, 1686-1721.
Faixa de Pais +filhos
N deproprietrios
% Soma de pais efilhos por faixa
%
3 a 5 55 46,2 176 25,86 a 9 17 14,2 117 17,2
Acima de 10 10 8,4 153 22,5Acima de 20 2 1,6 42 6,1Acima de 30 3 2,5 98 14,4Acima de 40 1 0,8 40 5,8Acima de 50 1 0,8 54 7,9
Total 119* 100 680 100Fonte: ACDNI. Livro de batismos de escravos da freguesia de Santo Antnio de Jacutinga
23 Os dados referem-se apenas ao grupo de pai e me presentes.
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Obs: *somente proprietrios declarados no assento
O quadro acima elucidativo quanto aos nascimentos e batismos dentro de famlias
escravas estveis, ou seja, com mais de um filho, representando 25,8% dos escravos e
pertencendo a 55 ou 46,2% dos proprietrios. Por outro lado, somando-se as faixas acima de10 cativos temos 17 proprietrios (14,2 %) concentrando 234 escravos (34,4 %). Podemos
dizer que no tocante propriedade escrava as famlias escravas foram responsveis pela
concentrao de um grande nmero de cativos em poucas mos: graas reproduo natural
um nico dono possua 54 cativos, sem contar aqueles que no tiveram filhos ou crianas no-
batizadas ou, se o foram, esto situados no grupo de pais e/ou mes ausentes; certamente os
nmeros eram maiores. O que mais importa aqui o tamanho das propriedades de cativos,
pois isso poderia indicar maior ou menor dificuldade para a formao de famlias. Os Quadros2, 3 e 4 analisados em conjunto permitem concluir que predominava na regio as propriedades
de pequeno e mdio porte e que as grandes escravarias estavam concentradas em poucas
mos.
Todos esses quadros que foram apresentados ganharo movimento quando os nmeros
receberem nomes e funes sociais e, assim, forem inseridos, finalmente, na dinmica do
imprio ultramarino portugus atravs das relaes de compadrio, que compe a prxima
parte deste trabalho.
As relaes de compadrio entre escravos e elites locais em Jacutinga
Gostaria de ressaltar que apesar do pequeno percentual de famlias escravas
demonstrado torna-se fundamental suas relaes qualitativas. Dividiremos nossa anlise a
partir dos dois grupos sociais mais significativos que exerceram a funo de
padrinhos/madrinhas: os livres e os escravos, respectivamente.
Quadro 5: Condio jurdica dos padrinhos e madrinhas. Jacutinga, 1686-1721.
Condio noassento
Padrinhos % Madrinhas %
livres 504 74,0 373 55,2Escravos 154 22,6 212 31,4Forros 3 0,4 5 0,7Criado 1 0,1 - -Ausente 19 2,7 85 12,5Total de registros 681* 100 675 100Fonte: ACDNI. Livro de batismos de escravos da freguesia de Santo Antnio de Jacutinga.
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*Os 681 registros para os padrinhos referem-se 6 registros duplos: 675+6=681, em que foram registrados doispadrinhos para um mesmo batizando, no se tratando de procurao.
Se dissesse apenas que na amostra analisada para os batismos grande o nmero de
padrinhos e madrinhas livres em relao aos escravos como mostra o quadro 5 acima no
haveria nessa afirmativa nenhuma novidade se comparada a outros trabalhos que se
dedicaram ao tema no sculo XVII e que constataram a mesma situao.24 Outra informao
significativa do Quadro 5 que o nmero de assentos em que no houve madrinhas maior
que o de padrinhos e os casos de assentos duplos, ou seja, em que houve dois padrinhos, no
ocorre para as madrinhas, ou seja, os homens tm uma presena muito forte nas escolhas dos
escravos. Mas isso no exclusividade de Jacutinga: Silvia Brgger tambm encontra a
mesma situao para So Joo del Rei no sculo XVIII o que, segundo ela, refora aimportncia dos padrinhos naquela sociedade.25 Tanto a ausncia de padrinhos e/ou
madrinhas quanto os assentos duplos no eram permitidos pelas Constituies do
Arcebispado da Bahia26 que regulavam os sacramentos da igreja catlica. Stuart Schwartz
considera que essas irregularidades s aconteciam nos batismos de escravos.27
Porm o que torna o compadrio em Jacutinga algo singular que esses livres se
dividem entre os que possuem ou no sobrenome e referncias de prestgio social antes do
nome (padres, capites, alferes, donas, tenentes, coronis, etc) como mostram os quadro 6 e 7,respectivamente.
Quadro 6: Discriminao de padrinhos e madrinhas livres segundo a presena desobrenome. Jacutinga, 1686-1721.
Discriminao noassento
Padrinhos % Madrinhas % Total %
livres com
sobrenome
410 81,3 211 56,5 621 70,8
livres sem 94 18,6 162 43,4 256 29,1
24 Refiro-me especialmente aos trabalhos de Silvia Maria Jardim Brgger. Minas Patriarcal Famlia esociedade. Tese de Doutorado. Niteri: Universidade Federal Fluminense, 2002, Stuart B. Schwartz. SegredosInternos. Engenhos e escravos na sociedade colonial. So Paulo: Cia das Letras, 1988 e Sheila de Castro Faria,A colnia em movimento. Fortuna e famlia no cotidiano colonial, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1998.25 BRUGGER, Silvia Maria Jardim. Minas Patriarcal Famlia e sociedade. Tese de Doutorado. Niteri:Universidade Federal Fluminense, 2002, p. 330.26 VIDE, D. Sebastio Monteiro da. Constituies do Arcebispado da Bahia. So Paulo, Tip. Dois de Dezembro,1853, Livro Primeiro, Tt. XVI. No Quadro 7 temos ainda um outro descumprimento cannico que em relao
aos padres-padrinhos.27 SCHWARTZ, Stuart B. Op. Cit., p. 65.
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sobrenome*Total 504 100 373 100 877 100
Fonte: ACDNI. Livro de batismos de escravos da freguesia de Santo Antnio de Jacutinga.*Os livres foram subdivididos entre os que possuam sobrenome e os que no possuam, pois estes ltimospodem representar tanto uma populao de livres pobres (brancos ou no) quanto de forros. Os forros maisantigos poderiam perder essa referncia, Cf. Sheila de Castro Faria, Op. Cit.
Quadro 7: Referncias de prestgio entre os padrinhos/madrinhas livres comsobrenome. Jacutinga, 1686-1721.
Ttulos/profisso dos livres N de registros em queaparecem
Alcaide Mor 3Capito 8Dona 24
Licenciado 1Oleiro 2Padre 15Total 53Fonte: ACDNI. Livro de batismos de escravos da freguesia de SantoAntnio de Jacutinga
H ainda outra caracterstica desses padrinhos/madrinhas livres que merece referncia:
o fato de serem proprietrios de escravos. De um total de aproximadamente 210 proprietrios
em todo o livro (incluindo-se os proprietrios de padrinhos, madrinhas, batizandos, pais e
mes) 89 (42,3 %) serviram como padrinhos/madrinhas em 180 registros (26,6 %). E, o que
pode ser surpreendente se comparado a outros trabalhos e regies, que desses 89 padrinhos-
proprietrios 12 (13,4 %) serviram como padrinho/madrinha de seus prprios escravos.28
Sendo assim os outros 77 padrinhos-proprietrios (86,5 %) apadrinharam escravos de outros
proprietrios, demonstrando indcios das possveis relaes entre proprietrios e entre
escravos. Interessante que a maioria desses 12 (10 indivduos ou 83,3 %) exerceu esta funo
nos registros dos filhos de pais incgnitos, indicando uma possvel paternidade ilcita.
Enquanto no Recncavo baiano estudado por Stuart Schwartz no houve casos em que
os padrinhos livres de um escravo desfrutassem de status social igual ou superior ao do
proprietrio do cativo29 exatamente o contrrio o que ocorre aqui, ou seja, os escravos no
esto buscando para padrinhos em maior medida os livres pobres ou forros, mas pessoas com
prestgio. No caso dos escravos s o fato de terem os livres como compadres/comadres j
28 Na Bahia Stuart Schwartz no encontra sequer 1 registro em que o padrinho o prprio proprietrio dobatizando.
29 SCHWARTZ, Stuart. Segredos Internos. Engenhos e escravos na sociedade colonial. So Paulo: Cia dasLetras, 1988, p. 334.
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representava uma aliana para cima.30 Tambm em Minas Silvia Brgger afirma que em
primeiro lugar esto os padrinhos livres, brancos e de prestgio social, mas no para os
escravos: mes escravas foram as que, proporcionalmente, menos tiveram filhos apadrinhados
por livres.31 Fosse para livres ou para escravos o importante que o compadrio representou
sempre uma aliana vertical.
Retomando o Quadro 5 vimos que em relao ao compadrio os cativos ficaram em
segundo lugar na preferncia de seus iguais. Para compreendermos tais escolhas devemos
levar em considerao dois fatos: a cor/procedncia e os proprietrios dos cativos que foram
escolhidos para padrinhos/madrinhas, conforme os Quadro 8 e 9 respectivamente.
Quadro 8: Procedncia/cor dos cativos-padrinhos. Santo Antnio de Jacutinga, 1686-
1721.
Cor/procedncia Padrinhos % Madrinhas %Semdenominao
125 81,1 177 83,4
Africanos 22 14,2 12 5,6Outros* 7 4,5 23 10,8Totais 154 100 212 100* crioulos, mulatos e pardos.Fonte: ACDNI. Livro de batismos de escravos da freguesia de Santo Antnio de Jacutinga.
Como se percebe pelo Quadro 8, o grupo que sobressai o dos sem denominao;
poderia consider-los crioulos, mas as fontes indicam a designao crioulos apenas para os
filhos de africanas o que foi respeitado. Estes sem denominao poderiam ser aqueles h
mais tempo estabelecidos, ou uma segunda gerao de crioulos e, portanto, perderam a
referncia africana que nas fontes acompanha a palavra crioulos. Africanos vm em
segundo lugar, mas so minorias se comparados ao total de padrinhos/madrinhas, o que pode
indicar alm de seu pequeno nmero no total dos batismos, disputas dentro do cativeiro (entre
os antigos e os recm-chegados). Segundo Manolo Florentino e Jos Roberto Ges o trfico
gerava uma forte tenso poltica no mundo das senzalas. Em outras palavras, na poca de
chegada intensa de cativos, a rivalidade inter-tnica aumentava, colocando em risco a
sobrevivncia de grupos crioulos e africanos rivais. Uma resposta a essa situao de crise
consistia na intensificao de alianas entre os cativos. Isso se refletiria nas relaes de
30
__________. Idem, ibidem. p. 32431 BRUGGER, Silvia Maria Jardim. Op. cit. p. 321 e 342.
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compadrio, que se tornariam mais intensas entre escravos na mesma proporo que a
intensidade do trfico.32
No posso admitir, de imediato, as explicaes dos autores, pois no tenho dados
sobre o trfico de africanos na Freguesia de Jacutinga; prefiro considerar que por ser umaregio de economia perifrica, marcada por entrepostos comerciais e de grande
movimentao devido seus rios, no recebia fluxos intensos de africanos, ou seja, estes
deveriam ser minoria entre a populao escrava como um todo. Assim sendo esta
populao era marcada pela presena de escravos mais antigos provenientes de uma
segunda ou terceira gerao de crioulos. O que d uma nova tnica esses dados so seus
proprietrios, como mostra o quadro abaixo.
Quadro 9: Profisso/ttulos dos proprietrios dos padrinhos e madrinhas escravos.Santo Antnio de Jacutinga, 1686-1721.
N de registrosProfisso/ttulos
dos proprietrios Padrinhosescravos
Madrinhasescravas
Alcaide Mor 17 11Capites 10 20Padres 6 12Donas 7 9
Coronel 6 5Doutor 1 1General 5 5Marqus 9 8Mestre de Campo 3 4Licenciados 1 2Total 65 67
Fonte: ACDNI. Livro de batismos de escravos da freguesia de SantoAntnio de Jacutinga.
Como se v pelo Quadro 9 alguns proprietrios se destacam no s pela posio de
prestgio que ocupam, como pelas vezes em que aparecem como senhores de padrinhos e
madrinhas escravos: em 154 registros de padrinhos escravos 65 (42,2 %) pertenciam a
indivduos de prestgio como tambm em 212 registros de madrinhas escravas 67 (31,6 %)
deles o eram. De acordo com Silvia Brgger estar ligado pelo compadrio a um grande nmero
de famlias se tornava um poderoso mecanismo de ampliao de redes clientelares, ou seja,
era um recurso poltico, pois para os padrinhos era extremamente interessante contar com as
32 FLORENTINO, Manolo, GES, Jos R. A paz das senzalas. Famlias escravas e trfico atlntico, Rio deJaneiro, c. 1790-c. 1850. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1997.
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famlias de seus afilhados em suas redes clientelares33 (fossem famlias livres ou escravas,
acrescentaria eu). Assim poderamos pensar no parentesco e nas redes clientelares entre seus
proprietrios como uma forma de explicar as escolhas dos cativos. Finalmente, para termos
uma idia da movimentao dos escravos em funo do compadrio o Quadro 11 expressa as
relaes entre-fazendas que envolviam escravos de distintos senhores e que tambm revelam
a aproximao entre-proprietrios.
Quadro 10: Relao entre os proprietrios dos pais dos batizandos e dos padrinhos.Santo Antnio de Jacutinga, 1686-1721.
Padrinhos % Madrinhas %Mesmo proprietrio 64 41,5 87 41,0
Proprietrio diferente 90 58,4 125 58,9Totais 154 100 212 100Fonte: ACDNI. Livro de batismos de escravos da freguesia de Santo Antnio de Jacutinga
Para compreendermos o Quadro 10 preciso considerar que o tamanho das escravarias
poderia ter influncias diversas nas escolhas dos cativos. Em escravarias pequenas os escravos
tenderiam a formar alianas fora do cativeiro, fosse com livres, escravos ou forros. J as
escravarias de mdio e grande porte facilitariam contatos entre cativos reforando a
comunidade escrava, mas tambm criando conflitos devido ao trfico, como j foi explorado
acima.
interessante que mesmo as madrinhas escravas, que geralmente so preferidas dentro
do cativeiro esto sendo buscadas fora dele. Talvez o maior nmero de homens em relao s
mulheres provocado pelo trfico explique a dificuldade de traar alianas femininas dentro do
cativeiro. J a escolha de homens vindos de fora para servir como padrinho seria para garantir
o matrimnio com os escravos do mesmo plantel.34 Essa situao expressa, mais uma vez, o
tamanho relativamente pequeno dos latifndios escravagistas da regio e tambm indica acapacidade dos escravos de formar laos alm dos limites da propriedade.
Em sntese este seria o critrio de escolha de padrinhos/madrinhas pelos escravos: em
primeiro lugar os homens e mulheres livres com sobrenome, depois os sem sobrenome e em
terceiro os escravos, dentre estes os sem denominao, talvez aqueles mais velhos que
deviam j ter acumulado alguns privilgios (no sem negociao, claro) dentro do cativeiro.
33 BRUGGER, Silvia Maria Jardim. Op. cit. pp. 346-349.
34 Nos 335 registros de filhos nascidos de pai e me presentes em apenas dois os escravos pertenciam aproprietrios diferentes e s batizaram um filho cada.
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Acredito que a escolha de um padrinho/madrinha escravo poderia ultrapassar alianas
entre escravos dentro ou fora do cativeiro e estar ligada tambm posio social dos
proprietrios dos futuros compadres e comadres ou ainda essas alianas poderiam ser
explicadas em funo do grau de reciprocidade/solidariedade entre os proprietrios dos
compadres/comadres escravos. Atravs de seus cativos a elite local chegava a outras senzalas
e a seus donos, ampliando sua malha de legitimidade social. Atravs das estratgias dos
senhores da repblica, ocorria a ampliao do espao social dos cativos. Em meio quelas
estratgias, as relaes parentais dos escravos ultrapassaram os limites de seus engenhos de
origem, conectaram diferentes senzalas e, em menor grau, pessoas livres.
As relaes de compadrio comumente estudadas constituiriam uma pirmide cuja base
era composta por alianas cativas, no topo alianas entre cativos e livres e no cume estariam
os escravos com pessoas de outros estatutos; tal ascenso reforava a lgica da estratificao
do Antigo Regime. Pelo que pude explorar das fontes de Jacutinga poderia afirmar que os
cativos dela conseguiram a proeza de ocupar o cume da pirmide e com maior qualidade j
que os livres com os quais estabeleceram parentesco ritual no eram, em sua maioria,
pequenos lavradores, mas grandes potentados locais.
De qualquer forma o que chama a ateno neste trabalho uma proximidade muito
grande entre dois mundos (o livre e o escravo) tidos por muitos anos pela historiografia da
escravido como antagnicos ou que s se aproximavam nos momentos de confronto e
dominao; graas s pesquisas recentes e em curso novas problemticas orientaram a
reviso/superao deste e outros paradigmas associados escravido e famlia escrava.
neste ponto que os estudos sobre as elites locais se tornam fundamentais para
compreendermos alianas verticais e horizontais entre senhores e escravos.
Conectando historiografias
Assim como a historiografia da escravido, os estudos que do conta das elites e dospoderes locais tambm tm passado por constantes renovaes. A historiografia brasileira
aliada portuguesa vem trazendo para a discusso novos parmetros para se entender as
relaes metpole/colnia, centro/periferia em que a colnia passa a ser entendida como parte
integrante e estrutural do imprio portugus com destaque para o papel das Cmaras,
instituies fundamentais na construo de vnculos com o poder central.35 A partir dessa
leitura da sociedade colonial as elites ganharam um novo sentido por se tratar de uma
35 BICALHO, Maria Fernanda. Centro e Periferia. Pacto e negociao poltica na administrao do Brasilcolonial in Leituras. Revista da Biblioteca Nacional de Lisboa, n 6, abril-outubro de 2000, p. 18.
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sociedade escravista o que conferia especificidade Amrica Portuguesa. 36 Tambm fazem
parte dessa renovao historiogrfica uma reconceituao do termo colono (entendido agora
como scio) e duras crticas ao conceito de pacto colonial. A conquista e a defesa da terra, o
servio do rei, a ocupao de cargos administrativos e as mercs rgias eram critrios de
formao e de definio das elites tanto aqui como em Portugal. A noo da constituio de
redes imperiais comerciais, polticas, parentais, em suma, clientelares que uniam as
diversas partes do imprio ultramarino portugus vem se impondo e norteando os recentes
estudos sobe as elites coloniais, sejam elas mercantis, administrativas ou agrrias.37 Em suma
a conquista ultramarina abriu um novo e alargado campo de possibilidades de prestao de
servios monarquia e de remunerao dos mesmos pela coroa.38
S recentemente o tema do poder local tem sido partilhado pela historiografia
brasileira a qual vem discutindo os mecanismos de comunicao centro-periferia, os tipos de
articulaes existentes entre o poder municipal e outros plos de autoridade e sociabilidade
locais, as estratgias de formao e de atuao das elites locais, o que refora a idia da
relativa autonomia dos poderes municipais face aos dispositivos institucionais de controle por
parte da coroa.39 Trata-se, portanto, de uma situao de mtuo equilbrio, na qual
aparentemente todo poder emana do rei, mas que, na prtica social, as contingncias locais o
limitam. Por outro lado, os poderes locais reconhecem na Coroa a instncia para a resoluo
de seus conflitos e para a busca de sua legitimidade, acabando, pois, por legitim-la.40
Recorro a esses enviesamentos em minha pesquisa para compreender a regio aqui
estudada dentro deste contexto imperial, que graas essa renovao historiogrfica passou a
ser tratado/explicado menos por antagonismos e mais pela negociao. Assim, por
36 Segundo Stuart Schwartz A escravido da grande lavoura no Brasil transformou e ampliou as categoriastradicionais transformou em pessoas de qualidade alguns indivduos que nunca sonhariam em obter essacondio em Portugal, e criou um novo estado de plebeus, formado pelos escravos. Entretanto, ao mesmo tempo,desenvolveu novos princpios de hierarquia baseados na raa, aculturao e condio social. A sociedade
escravista no foi uma criao do escravismo, mas o resultado da integrao da escravido da grande lavouracom os princpios sociais preexistentes na Europa. Schwartz, S. B. Op cit. p. 214.37 BICALHO, Maria Fernanda Baptista. Elites Coloniais: a nobreza da terra e o governo das conquistas.Histria e historiografia. In: MONTEIRO, Nuno G. F., CARDIM, Pedro e CUNHA, Mafalda Soares da. OptmaPars. Elites Ibero-americanas do Antigo Regime. Estudos e investigaes 36. Imprensa de Cincias Sociais.2005. p. 94.38 ____________ Conquistas, mercs e poder local: a nobreza da terra na Amrica portuguesa e a culturapoltica do Antigo Regime in Almanack Braziliense. Revista Eletrnica, n 2. IEB-USP, novembro de 2005.www.almanack.usp.br e MONTEIRO, Nuno Gonalo. O ethos nobilirquico no final do Antigo Regime inAlmanack Braziliense. Revista Eletrnica, n 2. IEB-USP, novembro de 2005. www.almanack.usp.br39 _____________Centro e Periferia. Pacto e negociao poltica na administrao do Brasil colonial in
Leituras. Revista da Biblioteca Nacional de Lisboa, n 6, abril-outubro de 2000, p. 25-26.40 BRUGGER, Silvia Maria Jardim. Op. cit. p. 68.
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intermdio de uma intrincada teia de relaes econmicas, poltico-administrativas,
clientelares e parentais ligando os mais remotos rinces da colnia entre si a outras partes do
imprio e ao centro do poder e dos negcios na Corte, se constituiu (...) uma elite que pode ser
entendida (...) como colonial ou (...) imperial.41 Essa elite, seus escravos e outros segmentos
sociais so os personagens principais que inserem Santo Antnio de Jacutinga nos domnios
desse imprio colonial.
Nas palavras do historiador Xavier Gil Pujol o microcosmo local ou os casos
individuais que melhor permitem captar a variedade e complexidade destas relaes [centro-
periferia] e acrescenta: a percepo num mbito local das formas polticas prprias dos
novos Estados territoriais constituem um dos melhores campos para conhecer a realidade
variada do Estado Moderno na sua totalidade.42
A partir dos dados desta freguesia encontra-se tambm uma problematizao maior
para se tratar a famlia escrava que extrapola a simples afirmao de sua existncia, ou seja,
minha preocupao passou a ser por que os livres/elites locais apadrinhavam escravos e como
os escravos entendiam e/ou o que esperavam desses padrinhos e madrinhas. Tambm para
Silvia Brgger os arranjos polticos imiscuam-se nas teias familiares ou, talvez, dizendo
melhor, partiam delas. Pessoas de importante participao poltica na regio estavam entre os
que tinham maior nmero de afilhados.43
Dentre os proprietrios identificados no livro de batismos de Jacutinga feita meno
a vrios nomes de destaque da poca como o governador Arthur de S Meneses, o Coronel
Salvador Correia de S, membros da famlia Correia Vasques e Azeredo Coutinho, alm de
seus parentes (esposas e filhos).Interessante que os membros da famlia Correia Vasques44
aparecem apadrinhando escravos entre si e de outros proprietrios, notadamente aqueles que
pertenciam a seus circuitos polticos na capitania, ou seja, ocupavam cargos na governana.45
41 BICALHO, Maria Fernanda Baptista. Elites Coloniais: a nobreza da terra e o governo das conquistas.Histria e historiografia. In: MONTEIRO, Nuno G. F., CARDIM, Pedro e CUNHA, Mafalda Soares da. OptmaPars. Elites Ibero-americanas do Antigo Regime. Estudos e investigaes 36. Imprensa de Cincias Sociais.2005. p. 96.42 PUJOL, Xavier Gil. Centralismo e Localismo? Sobre as Relaes Polticas e Culturais entre Capital eTerritrios nas Monarquias Europias dos Sculos XVI e XVII, In: Penlope: Fazer e Desfazer Histria, N. 6,Lisboa, 1991, p. 137-139.43 BRUGGER, Silvia Maria Jardim. Op. cit. p. 369.44 O Mestre-de-Campo Martim Correia Vasques, o Doutor Manoel Correia Vasques e o Alcaide Mor TomCorreia Vasques. Ver: Rheigantz, Carlos Grandmasson, Primeiras Famlias do Rio de Janeiro. LivrariaBrasiliana Editora, 1965, vol. 1 - pg. 374.45
Sobre os bandos polticos na capitania do Rio de Janeiro ver: Fragoso, Joo. Um mercado dominado porbandos: ensaio sobre a lgica econmica da nobreza da terra do Rio de Janeiro seiscentista. In: Escritos sobreHistria e Educao. Homenagem a Maria Yeda Linhares. Faperj, Mauad, 2001.
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Os Vasques batizaram 68 escravos cujos padrinhos/madrinhas eram seus escravos em 33
registros, livres em 72, e escravos de outros donos em 21 registros; no houve
padrinhos/madrinhas em 10 registros. Tambm participaram nos batismos de escravos de
outros proprietrios como padrinhos/madrinhas em 3 registros e como proprietrios de
padrinhos/madrinhas em 20 registros totalizando 23 registros.
Essa aproximao entre elites locais e escravos pode ser explicada pela lgica do
Antigo Regime sob a qual se pautavam as reciprocidades entre as prprias elites e entre estas
e seus escravos (e os escravos de seus aliados/parentes) a partir da dinmica do imprio
ultramarino portugus e de sua operacionalizao no s por meio de prticas e instituies
regidas pelo iderio da conquista, pela lgica do servio, pelo sistema de mercs, pelo
desempenho de cargos administrativos e pelo exerccio dos poderes locais, mas tambm pelas
reciprocidades que no se processavam apenas entre metrpole/coroa/rei e
conquistas/conquistadores/vassalos ultramarinos, mas tambm entre estes e os grupos sociais
menos privilegiados, que aqui so os escravos, ou melhor, as famlias escravas.
Joo Fragoso, estudando a formao da primeira elite senhorial do Rio de Janeiro
seiscentista, afirma que
a maneira pela qual o Rio de Janeiro fora conquistado deu margem afenmenos que esclarecem alguns dos traos da sociedade colonial daregio e de sua elite: a formao de redes polticas entre segmentos daselites regionais; a constituio de uma nobreza da terra baseada naconquista; e a sua interferncia no governo da cidade (...).46
Para pertencer elite econmica da poca era fundamental ter acesso aos postos de
comando da cidade. Para tanto a primeira condio era pertencer ou estar ligado s melhores
famlias da terra, alm de possuir engenhos. Segundo Antnio Carlos Juc de Sampaio a
reproduo econmica na sociedade colonial se dava fora do mercado e mesmo naquelas ditas
de mercado no cessavam de interferir relaes sociais mais amplas, como as polticas e
familiares, entre outras, ou seja, formas no-mercantis de reproduo social.47Entretanto, essas condies, por si s, no garantiam o acesso ao poder, que
pressupunha outras condies. Entre elas, ter legitimidade social, ou seja, ter sua qualidade
reconhecida pela sociedade. Portanto, alianas com seus pares e negociao com outros
46 FRAGOSO, Joo. Knights, Archer Indians and the Atlantic World. Rio de Janeiro in the 17th century.Apud: BICALHO, Maria F. B. Conquistas, mercs e poder local: a nobreza da terra na Amrica portuguesa e acultura poltica do Antigo Regime in Almanack Braziliense. Revista Eletrnica, n 2. IEB-USP, novembro de2005, p. 26. www.almanack.usp.br47 SAMPAIO, Antnio Carlos Juc de. A produo poltica da economia: formas no-mercantis de acumulaoe transmisso de riqueza numa sociedade colonial (Rio de Janeiro, 1650-1750) In: Topoi: Revista de Histria.Rio de Janeiro: 7 Letras, vol. 4, n 7, jul-dez, 2003, p. 304-305.
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estratos sociais eram duas estratgias da nobreza da terra na manuteno de seu poder, ao
menos no mbito local.48 Nas palavras de Joo Fragoso:
Uma das condies para se preservar a qualidade diante da sociedadeera t-la sancionada pelos chamados grupos subalternos: lavradores,
pequenos comerciantes, etc. E isto, primeiramente, nas freguesias. Paratanto, as relaes de reciprocidade via compadrio parece que eramfundamentais. Nesse sentido o engenho deixava de ser apenas umafbrica para se transformar numa capela, onde batizados e casamentosse consumavam (...), um espao de sociabilidade para as pessoas dacercania e, portanto, um local onde o dono da moenda podia estabelecerbases para seu prestgio local.49 [grifos meus]
Na passagem acima o autor est se referindo ao compadrio entre livres, mas logo
adiante afirma que:
A freqncia de passagens do tipo com meus criados, escravos endios demonstra que a gerao do poder diante das camadas ditassubalternas no se limitava, por exemplo, s paredes das capelas. Nestemomento da pesquisa, infelizmente, sou incapaz de mapear osmecanismos sociais que levavam os escravos e ndios a acompanharemseus senhores. Porm, uma coisa certa: apenas a violncia noproduzia tais fenmenos. (...) Portanto, deviam existir prticas dereciprocidade eficientes entre os senhores e aquelesacompanhantes(...)50 [grifos meus]
Resta-nos indagar: o que estas alianas representavam para os escravos e suasfamlias? No difcil imaginar. Em trabalho posterior o mesmo autor reitera a importncia
das alianas com os escravos, pois segundo ele:
a legitimidade das hierarquias era garantida pela escravido atravs dacontnua negociao entre senhores e escravos. Estas barganhas setraduziriam nasplantations, em famlias escravas estveis, em terrenose em equipamentos a elas concedidos pelos senhores. Alm disto, asfreguesias podiam ser atravessadas por redes de solidariedadesescravas, como os compadrios entre cativos de distintos senhores.
Com certeza, estes fenmenos podem ser interpretados de diversosmodos: conquistas dos escravos tiradas de seus donos; estratagemassenhoriais, procurando evitar problemas nas senzalas; recompensasenhorial pela subservincia de fraes da populao cativa, etc. (...)
48 Idem. Ibidem. p. 27.49 FRAGOSO, Joo. Um mercado dominado por bandos: ensaio sobre a lgica econmica da nobreza da terrado Rio de Janeiro seiscentista. In: Escritos sobre Histria e Educao. Homenagem a Maria Yeda Linhares.Faperj, Mauad, 2001, p. 248.50 Idem. Ibidem., p. 253 e ____________ A nobreza vive em bandos: a economia poltica das melhores famliasda terra do Rio de Janeiro, sculo XVII. Algumas notas de pesquisa. In: Revista Tempo, vol. 8, n 15, julho-dezembro de 2003, pp. 30-32.
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Desnecessrio dizer que reciprocidade no era sinnimo de igualdade,assim como as negociaes estavam ligadas a tenses.51 [grifos meus]
Fossem ganhos materiais ou subjetivos precisaramos de outras fontes para descobri-
los, se que eles existiram de fato. De fato mesmo que, atravs das fontes analisadas,portanto, tornar-se evidente a constituio de uma slida rede entre as famlias escravas
daquela regio e sua elite local expressa pelas relaes verticais e horizontais por ocasio do
compadrio, o que no quer dizer que os escravos foram refns das alianas polticas de seus
donos; apesar dessas alianas funcionarem como recursos para os cativos a aldeia colonial
tinha uma dinmica que fugia do controle dos senhores. H que se reforar, portanto, o peso
da negociao.
Concluso
Quantidade no sinnimo de qualidade. Confesso que inicialmente me decepcionei
com o quantitativo das famlias formadas legitimamente na regio (49%, como demonstrado
no Quadro 1). Posteriormente percebi que o mais interessante na fonte era exatamente esse
percentual. Acredito que se existe um pequeno nmero de famlias distribudas entre vrios
proprietrios que o acesso ao batismo no era fcil a todos: no dependia somente da
permisso do senhor nem da vontade do escravo. Dependia da insero em uma rede de
alianas que fundamentavam os compadrios. Diante disto caberia repensar que o termo
famlia escrava no pressupunha uma comunidade escrava, j que a primeira se revelou to
prxima das famlias livres. No que o trfico e o cativeiro no fizessem diferena na
formao de famlias escravas, pelo contrrio. O que quero dizer que no podemos mais
antagonizar padres e instituies livres e escravas. Pelo que ficou demonstrado liberdade e
cativeiro eram promscuos e isso, ao meu ver, se deveu dinmica prpria do Antigo Regime
nos Trpicos.
SLAVE FAMILY AND THE ANCIENT REGIME IN THE TROPICS.
Abstract: This article disposes about compadrio relations among slaves and the local elitefrom the parish of Santo Antonio de Jacutinga (Guanabara Bay), between 1686 and 1721. Theessay is willing to show that these nets of compadrio are characterized by an interdependence
51 ________________ Potentados coloniais e circuitos imperiais: notas sobre uma nobreza da terra,supracapitanias, no Setecentos. In: MONTEIRO, Nuno G. F., CARDIM, Pedro e CUNHA, Mafalda Soares da.Optma Pars. Elites Ibero-americanas do Antigo Regime. Estudos e investigaes 36. Imprensa de CinciasSociais. 2005. p. 137.
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among lords and their slaves as means to consolidate horizontal (among elites and amongslaves), and vertical (among elite and salves) interests, based on the ancient regime logics.
Key-words: family, compadrio, colonial elites.