antigo regime nos trópicos e escravidão

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/27/2019 antigo regime nos trpicos e escravido

    1/21

    A FAMLIA ESCRAVA E O ANTIGO REGIME NOS TRPICOS II: a questo daMicro-Histria e os estudos de escravido.1

    Denise Vieira Demetrio.Mestranda PPGHIS-UFF.

    [email protected]

    Resumo: Este artigo trata das relaes de compadrio constitudas pelos escravos e as eliteslocais da freguesia de Santo Antnio de Jacutinga (Recncavo da Guanabara) entre 1686 a1721. O trabalho procura demonstrar que tais redes de compadrio se caracterizaram por umainterdependncia entre senhores e escravos como uma forma de consolidar interesseshorizontais (entre elites e entre escravos) e verticais (entre elites e escravos) pautados sob algica do Antigo Regime nos Trpicos.Palavras-chave: famlia escrava, compadrio, elites coloniais.

    A partir dos anos 90, diversos pesquisadores, muitos por influncia direta ou indiretado contato com os trabalhos de Robert Slenes, vm-se dedicando a demonstrar que a famlia

    escrava era uma forma comum da organizao comunitria cativa.2 Constatar a existncia da

    famlia escrava , atualmente, redundante. Vrios estudiosos tentam, agora, ir alm na

    interpretao dos dados empricos, questionando-se sobre seus mecanismos de viabilizao,

    em que a observao de costumes africanos, o parentesco e a linhagem aparecem como

    objetos privilegiados.

    Entretanto necessrio frisar que os estudos sobre a famlia escrava centram-se nosculo XIX e no Sudeste. Estudos sobre perodos anteriores existem, mas so poucos. 3

    Mesmo considerando que o Sudeste era, no sculo XIX, o eixo da economia do Brasil

    1 Apresentado originalmente naII Semana de Histria Poltica. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Julhode 2007.2 Vrias dissertaes de mestrado e teses de doutoramento foram escritas sobre a famlia escrava, destacando-se:Jos Flvio Motta, Corpos escravos, vontades livres. Estrutura de posse de cativos e famlia escrava em umncleo cafeeiro (Bananal, 1801-1829), tese apresentada ao Departamento de Economia da Universidade de SoPaulo, 1990; Ana Lugo Rios, Famlia e transio. Famlias negras em Paraba do Sul, 1872-1920, dissertao

    apresentada ao Programa de Ps-Graduao da Universidade Federal Fluminense, Niteri, 1990; Jos RobertoPinto de Ges, Escravos da pacincia: um estudo sobre a obedincia escrava no Rio de Janeiro (1790-1850),tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao da Universidade Federal Fluminense, Niteri, 1998; _____, Ocativeiro imperfeito. Um estudo sobre a escravido no Rio de Janeiro da primeira metade do sculo XIX, Vitria,Lineart, 1993 (originalmente dissertao de mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Histria daUniversidade Federal Fluminense).3 Cito, entre outros: Alida C. Metcalf, A famlia escrava no Brasil Colonial: um estudo de caso em So Paulo,Histria e Populao. Estudos sobre a Amrica Latina. So Paulo, Abep, 1990; ______, Families ofplanters,peasants and slaves: strategies for survival in Santana de Parnaiba, Brazil, 1720-1820, Texas,University Microfilms International, 1983; Stuart Schwartz; Robert Slenes; Iraci Del Nero da Costa, A FamliaEscrava em Lorena (1801),Revista de Estudos Econmicos, Nmero 17 (2), So Paulo, IPE/USP, 1987; MariaLuiza Marclio, A cidade de So Paulo. Povoamento e populao 1750-1850, So Paulo, Pioneira-Editora daUniversidade de So Paulo, 1973; Horacio Gutirrez, Crioulos e africanos no Paran, 1798-1830,Escravido,Revista Brasileira de Histria, vol. 8, Nmero16, So Paulo, ANPUH/Marco Zero, 1988; Sheila de Castro Faria,A colnia em movimento. Fortuna e famlia no cotidiano colonial, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1998.

  • 7/27/2019 antigo regime nos trpicos e escravido

    2/21

    imperial, ficam faltando estudos que dem conta de Provncias como Bahia e Pernambuco,

    onde o acar, apesar de desbancado pelo caf vale-paraibano, no decorrer deste sculo,

    mantinha sua importncia como gerenciador da oferta de escravos para outras paragens.4 O

    rompimento de laos familiares escravos, nesse contexto, precisa ser melhor estudado.

    Em relao a reas que no eram significativas em termos econmicos, o silncio

    historiogrfico ainda maior, para qualquer parte do Brasil. Desconhecemos, portanto, a

    organizao familiar de locais parcialmente tocados pelo trfico africano e cuja produo se

    destinava ao mercado interno, como o caso de algumas Freguesias do Recncavo do Rio de

    Janeiro, sobretudo no perodo colonial.

    Est mais do que evidente que necessrio levar em conta as expectativas, as

    esperanas e as recordaes (parafraseando Robert Slenes)5 dos escravos em suas

    estratgias de vida, para tentarmos entender as formas com que as organizaes familiares se

    apresentaram nas diversas regies e nos diversos tempos do Brasil escravista .

    O principal balano que se pode fazer com base nos trabalhos e debates desenvolvidos

    o de que se torna urgente explorar a histria dos povos africanos, origem sem dvida das

    variaes encontradas nas diversas comunidades escravas do Brasil e que, ainda hoje,

    aparecem em traos culturais fortes de cidades e estados que tiveram sua presena marcante e

    duradoura. De novo citando Robert Slenes, preciso considerar que

    (...) se os escravos no eram seres anmicos, triturados at a alma peloengenho do cativeiro, se eles tinham herana cultural prpria e bastanteautnoma e instituies, mesmo que imperfeitas, para a transmisso ecriao dessa herana, ento o fato de que eles provinham de etniasafricanas especficas e no eram, digamos, noruegueses torna-seimportante.6

    Dentre as questes que motivaram este estudo est a percepo de que os autores, em

    quase sua totalidade, se restringem a anlises que privilegiam o sculo XIX, no podendo,

    sem restries, serem admitidas de imediato numa anlise referente aos sculos XVII e XVIII.

    Uma outra questo a carncia de referncias bibliogrficas sobre algumas freguesias do

    Recncavo sobretudo as que hoje compe a Baixada Fluminense atual para o perodo

    colonial onde na poca predominavam os engenhos de acar, a produo de alimentos e

    4 Para a Bahia, no sculo XIX, registro o trabalho de Ktia de Queirs Mattoso, Famlia e sociedade na Bahia dosculo XIX, So Paulo, Corrupio, 1988. Desconheo outros.5 Ttulo do trabalho de Robert Slenes. Na senzala, uma flor: esperanas e recordaes na formao da famlia

    escrava Brasil sudeste, sculo XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.6 Idem, Ibidem, p. 4.

  • 7/27/2019 antigo regime nos trpicos e escravido

    3/21

    principalmente as engenhocas de cachaa, como o caso de Santo Antnio de Jacutinga,

    freguesia aqui contemplada. Nessas reas de pequena e mdia produo, distantes do trfico,

    uma anlise mais detida das condies da escravatura e suas relaes familiares e de

    compadrio entre escravos e com a populao livre local se faz necessria e o objeto aqui

    privilegiado.

    As leituras bibliogrficas e a explorao das fontes tm apontado tambm para a

    necessidade de se inserir essas relaes familiares nos quadros do Antigo Regime num

    esforo de aproximar a produo historiogrfica que o aborda com a que trata da escravido.

    Para alm do interesse no casamento escravo torna-se fundamental, para compreend-los,

    centrar ateno tambm em seus proprietrios, muitos deles envolvidos com a administrao

    colonial. Concordando com Silvia Hunold Lara preciso conectar as duas historiografias,

    pois se os estudos sobre os modos de governar s tem a ganhar se passarem a incorporar em

    suas reflexes as aes e os valores daqueles que aparentemente eram excludos das redes do

    poder, tambm as pesquisas sobre a escravido sero beneficiadas se voltarem a olhar mais

    cuidadosamente para o comportamento dos senhores e das autoridades coloniais.7

    Tomo para minha pesquisa as perguntas da autora: Quais seriam as especificidades

    das relaes entre senhores e escravos numa sociedade em que as hierarquias sociais eram to

    marcadas? Como relacionar as disputas entre as elites locais, coloniais e metropolitanas com

    relao ao controle dos escravos?.8 Assim partimos tambm numa tentativa de conectar a

    famlia escrava s redes de reciprocidades/solidariedades que se formavam no Imprio

    portugus entre distintos segmentos sociais, em que pesem as relaes de compadrio entre

    livres e escravos, donde advm a contribuio deste artigo.

    Micro-histria e famlia escrava

    No rastro das crticas sobre a micro-histria, a obra organizada por Jacques Revel,

    Jogos de Escalas, deu um gigantesco passo na flexibilizao das idias propostas pelos micro-historiadores, no momento em que valorizou a adoo de inmeras escalas para a visualizao

    de diferentes tipos de conhecimento.9 Nessa lgica, o local passou a ser entendido como uma

    das diversas escalas que o historiador poderia utilizar de acordo com seu interesse particular;

    7 LARA, Silvia Hunold. Conectando historiografias: a escravido africana e o Antigo Regime na Amricaportuguesa. In: BICALHO, Maria Fernanda e FERLINI, Vera Lcia Amaral. Modos de Governar. Idias eprticas polticas no imprio portugus. Sculos XVI a XIX. So Paulo: Alameda Casa Editorial, 2005, p. 37.8 Idem. Ibidem. pp. 36-37.

    9 REVEL, Jacques (Org.)Jogos de Escalas: a Experincia da Microanlise. Rio de Janeiro: Editora da fundaoGetlio Vargas, 1998.

  • 7/27/2019 antigo regime nos trpicos e escravido

    4/21

    como se o historiador tivesse constantemente em suas mos um microscpio, no qual suas

    lentes pudessem transformar moscas em monstros ou vice-versa em questes de segundo,

    sempre privilegiando as intenes prescritas por aquele que est fazendo a anlise.10 Talvez a

    opo pelos jogos de escalas e mais propriamente pela histria local, tambm redunde da

    prpria facilidade de visualizao da pluralidade das relaes de poder que nestas

    circunscries de anlise so possveis. A formao dos grupos oligrquicos, a relao entre

    as instituies e a prpria formao de uma identidade especificamente local so algumas das

    conseqncias quando optamos por uma anlise vista por todos os ngulos.11 E so

    indiscutivelmente estas temticas que so fundamentais para o entendimento do papel

    desempenhado pela freguesia de Santo Antnio de Jacutinga para a formao de famlias

    escravas e vice-versa.

    A Famlia escrava em Santo Antnio de Jacutinga

    Santo Antnio de Jacutinga foi uma das freguesias da regio do Recncavo da

    Guanabara inserida, desde o sculo XVI, no contexto de produo e de entreposto de

    mercadorias voltadas para o abastecimento do centro urbano da colnia. Nas margens dos rios

    Iguau e Meriti habitavam os ndios Jacutingas, que chamavam esta regio de Trairaponga.

    Em 1503, Gonalves Coelho e o navegador Amrico Vespcio levaram para Portugal 40

    escravos indgenas, onde mais da metade deles eram mulheres da aldeia Jacutinga.12 Segundo

    as cartas do padre Jos de Anchieta de 1584 havia cerca de 7 a 8 beneditinos franceses que

    vestiam os meninos gentios com seus hbitos brancos, realizando um trabalho de catequizao

    e de plantio nas margens do rio Iguau. A atuao francesa, porm, foi interrompida durante a

    guerra contra os portugueses, o que acarretou a morte ou a fuga desses indgenas para o

    interior.13

    Apesar da invocao mariana na formao das capelas e freguesias do recncavo esta

    Freguesia foi a nica do Municpio de Iguau a incorporar o nome da aldeia indgena. Santo

    10 FIGUEIREDO Hayde, REZNIK Luiz e GONALVES Mrcia de A. Entre Moscas e Monstros: ConstruindoEscalas, Refletindo sobre Histria Local In:Anais do IV encontro Nacional de Pesquisadores do Ensino deHistria. Iju: Editora UNIJU, Coleo Trabalhos Acadmicos-Cientficos, Srie Eventos Acadmicos, 2000,p.544. Apud: CAETANO, Antonio Felipe Pereira.Entre a Sombra e o Sol A Revolta da Cachaa, a freguesiade So Gonalo de Amarante e a crise poltica fluminense (Rio de Janeiro, 1640-1667. Dissertao de Mestrado.Niteri: UFF, 2003, p. 18.11 Idem. Ibidem.12 SOUZA, Marlcia Santos de. Economia e Sociedade Iguauana. Niteri, Universidade Federal Fluminense,Mestrado em Histria (Mimeo), 2000. p. 28.

    13 Cartas Jesuticas III. Cartas de Joseph de Anchieta S. J. (Publicao da Academia Brasileira. Coleo AfrnioPeixoto, p. 313.

  • 7/27/2019 antigo regime nos trpicos e escravido

    5/21

    Antnio de Jacutinga compunha os territrios de partes dos municpios de Nova Iguau,

    Belford Roxo, So Joo de Meriti e Duque de Caxias, que fazem parte da Baixada Fluminense

    atual.

    J em 1686 a Igreja de Santo Antnio da (Aldeia) Jacutinga constava como Parquia

    que teria sido provavelmente criada em 1657, segundo clculos de monsenhor Pizarro.14 A ela

    pertenciam as seguintes capelas: N. S. do Rosrio, na fazenda que pertenceu Ordem de So

    Bento, fundada depois de 1600; N. S. da Conceio de Sarapu, construda por Afonso de

    Gaya; N. S. do Livramento, construda por Joo Ferreira; N. S. da Conceio da Cachoeira,

    fundada antes de 1731 por Manoel Correa Vasques, em substituio a que Manoel de Marins

    fundara na fazenda de Maxambomba; N. S. da Madre de Deus, construda antes de 1743 por

    Joo de Veras Nascente na fazenda da Posse; N. S. da Conceio do Pantanal, fundada por

    Antonio Ferreira Quintanilha antes de 1753.15

    A importncia econmica desta freguesia pode ser ressaltada pela presena de seus

    rios: Cachoeira de Santo Antonio do Mato, Douro e Riacho que, engrossados por outros,

    desde as serras da Cachoeira e de Tingu, despejam volumosas guas nos rios Iguau,

    Sarapu, Meriti, importantes vias de transporte e comunicao que cortavam o territrio de

    Jacutinga. a partir dos rios que se inicia a ocupao dessa regio com as doaes de

    sesmarias j em 1565 a Cristvo Monteiro.

    A partir do final do sculo XVII a regio inseriu-se mais fortemente no contexto

    colonial quando o eixo econmico do Brasil e de Portugal se voltou para a descoberta do ouro

    em Minas Gerais, tornando-se uma estratgica rea de passagem, por conta de seus rios acima

    mencionados, e das estradas que foram abertas serra acima para que o trnsito de mercadorias

    fosse dinamizado. A freguesia de Santo Antnio de Jacutinga escoava seus produtos por oito

    portos, quatro localizados no rio Iguau e o restante no Sarapu.16

    Nas estatsticas realizadas no final do sculo XVIII pelo Marqus de Lavradio

    podemos visualizar dados referentes distribuio de engenhos, escravos e produo deacar/aguardente, populao e produo agrcola desta freguesia. Segundo este relatrio

    datado entre 1769 e 1779 Jacutinga tinha sete engenhos, nos quais estavam empregados

    aproximadamente 236 escravos (uma mdia de 39 escravos em cada propriedade), produzindo

    14 PIZARRO.Livro de Visitas Pastorais na Baixada Fluminense no ano de 1794. Prefeitura de Nilpolis, 2000.15 MAIA FORTE . Jos Mattoso. Memria da Fundao de Iguassu. Rio de Janeiro: Typografia do Jornal doComrcio, 1933, pp. 28-29.16 GOMES, Flvio dos Santos. Quilombos do Rio de Janeiro. In: GOMES, Flvio dos Santos e REIS, JooJos (Orgs). Liberdade por um fio. Histria dos quilombos no Brasil. Rio de Janeiro: Companhia das Letras1996, p. 265.

  • 7/27/2019 antigo regime nos trpicos e escravido

    6/21

    163 caixas de acar e 77 pipas de aguardente.17 Sua produo anual de gneros alimentcios

    constavam 25.000 sacas de farinha, 1.000 de milho, 1.000 de feijo e 10.000 de arroz num

    total de 37.000 sacas por alqueire destacando-se entre as demais freguesias (Marapicu com

    2.750; Meriti com 4.190; Pilar com 19.963 e Iguau com 20.800 sacas por alqueire).18

    Em sntese podemos afirmar que, comparada s demais freguesias do entorno do

    Iguau citadas acima, Jacutinga sobressaa quanto produo de gneros alimentcios e de

    acar e quanto populao escrava: no mesmo relatrio a populao da freguesia no sculo

    XVIII foi calculada em 3.540, sendo que 1.404 eram livres (39,6%) e 2.138 eram escravos

    (60,4%).19

    Outro dado que merece destaque sua produo de farinha (25.000 alqueires), que

    destaca-se dentre as freguesias do Distrito de Guaratiba ao qual pertencia na poca do

    relatrio, incluindo-se Guaratiba somada a Itagua (5.440), Campo Grande (2.500),

    Jacarepagu (2.888), Piedade de Iguau (10.000) e Marapicu (150). Numa outra comparao

    relativa s outras freguesias presentes no relatrio, Jacutinga ficava atrs apenas de Angra dos

    Reis da Ilha Grande (25.736).20 Este dado torna-se importante para que tenha-se uma idia do

    emprego da mo-de-obra escrava e a sua influncia na maior ou menor facilidade em formar

    famlias.

    A partir de um comparativo com as demais freguesias do Recncavo da Guanabara,

    Jacutinga no pode ser considerada uma grande produtora de exportao, mas destaca-se

    como a mais importante no contexto local.21 Infelizmente no dispomos de dados scio-

    econmicos para o sculo anterior, mas acreditamos que a vocao para a produo de

    subsistncia e abastecimento interno (sobretudo das minas aurferas) possa vir ainda do sculo

    XVII. Mas isso s uma hiptese.

    Para o estudo da famlia escrava de Jacutinga os dados aqui apresentados foram

    levantados a partir do livro de batismos de escravos mais antigo da Freguesia que pertence ao

    Arquivo da Cria de Nova Iguau e que vai de 1686-1721 (livro misto de batismo e

    17 Estatstica realizada pelo Governo do Marqus do Lavradio, entre 1769-79. Revista do Instituto Histrico eGeogrfico Brasileiro. 1 Parte, Tomo LXXVI (76), pp 289-360, p. 320-324.18 GOMES, Flvio dos Santos. Quilombos do Rio de Janeiro. In: GOMES, Flvio dos Santos e REIS, JooJos (org). Liberdade por um fio. Histria dos quilombos no Brasil. Rio de Janeiro: Companhia das Letras 1996,p. 265.19 dem. Ibidem.20 Estatstica realizada pelo Governo do Marqus do Lavradio, entre 1769-79. Revista do Instituto Histrico eGeogrfico Brasileiro. 1 Parte, Tomo LXXVI (76) pp. 289-360.

    21 BEZERRA, Nielson Rosa. Tenses e interaes das relaes sociais em torno do regime escravista naFreguesia de Santo Antnio de Jacutinga. Revista Pilares da Histria. Ano II N 02 Maio de 2003, p. 9.

  • 7/27/2019 antigo regime nos trpicos e escravido

    7/21

    matrimnio). O mesmo conta com 675 registros de batismos, distribudos segundo o quadro

    abaixo.

    Quadro 1: Distribuio dos batismos segundo a presena dos pais nos registros.Jacutinga, 1686-1721.

    Categoria N de Registros %Pais ausentes 325 48,1Mes ausentes 2 0,2Pais e mes presentes 335 49,6Pais e mes ausentes 13 1,9Total 675 100Fonte: ACDNI. Livro de batismos de escravos da freguesia de Santo Antnio de Jacutinga

    princpio este quadro serve apenas para que fique claro a proporo entre escravosbatizados dentro ou fora de uma famlia, fosse ela oficial ou no, j que a ausncia de pais

    e/ou mes poderia indicar no s unies ilegtimas, mas tambm ausncia dos mesmos na

    cerimnia.22 O nmero de batismos com pais e mes presentes equipara-se ao de pais ausentes

    chegando quase a 50% cada. O quadro comea a ganhar sentido quando distribumos esses

    registros segundo a freqncia dos batismos, ou seja, quantas vezes, cada um dos quatro

    grupos, esteve pia batismal.

    Quadro 2: Freqncia dos batizados segundo a presena dos pais. Jacutinga, 1686-1721.

    N de registros por faixaFaixa deregistros

    Paiausent

    e

    Meausente

    Pais emes

    presentes

    Pais emes

    ausentes

    Total deregistros

    %

    7 - - 1 1 14 2,06 1 - 1 - 12 1,75 2 - 2 - 20 2,9

    4 5 - 4 - 36 5,33 12 - 10 - 66 9,72 37 - 48 1 172 25,41 179 2 170 4 355 52,5

    Total 675 100Fonte: ACDNI. Livro de batismos de escravos da freguesia de Santo Antnio de Jacutinga

    Pelo quadro 2 nota-se que os maiores ndices de batismos nos quatro grupos esto

    situados na faixa entre 1 e 2 registros. H ainda um equilbrio entre a freqncia de batismos

    22 SCHWARTZ, Stuart. Segredos Internos. Engenhos e escravos na sociedade colonial. So Paulo: Cia dasLetras, 1988, p. 65.

  • 7/27/2019 antigo regime nos trpicos e escravido

    8/21

    realizados para os registros de pais ausentes e de pais e mes presentes, com os maiores

    ndices na faixa de 1 e 2 registros e os menores na faixa de 6 e 7. Isso pode indicar que as

    condies para um e outro grupo inserirem-se no mundo cristo atravs do batismo estavam

    tambm equilibradas. Distribumos, seguir, os registros de famlias escravas pelos seus

    proprietrios, segundo o quadro 3.

    Quadro 3: Distribuio de famlias escravas por proprietrios. Jacutinga, 1686-1721.

    N de famlias N deproprietrios

    % N de famliaspor faixa

    %

    1 a 3 75 83,3 97 49,24 a 6 9 10 42 21,3

    7 a 9 3 3,3 25 12,611 3 3,3 33 16,75

    Total 90* 100 197 100Fonte: ACDNI. Livro de batismos de escravos da freguesia de Santo Antnio de JacutingaObs: *somente proprietrios declarados no assento.

    Fica claro pelo Quadro 3 que h uma concentrao de famlias nas mos de poucos

    proprietrios, mas, por outro lado, uma distribuio em menor nmero, claro de pelo

    menos 1 a 3 famlias para 83% de donos, o que indica que a instituio familiar no era

    estranha maioria dos cativos da regio. Para completar este panorama inicial e na falta deoutros documentos que informassem a posse de escravos desses proprietrios, o Quadro 4

    apresenta uma singela distribuio da propriedade de famlias cativas que permite perceber as

    proporcionalidades na distribuio de seus membros.23

    Quadro 4: Posse de escravos por proprietrios (soma dos pais e filhos). Jacutinga, 1686-1721.

    Faixa de Pais +filhos

    N deproprietrios

    % Soma de pais efilhos por faixa

    %

    3 a 5 55 46,2 176 25,86 a 9 17 14,2 117 17,2

    Acima de 10 10 8,4 153 22,5Acima de 20 2 1,6 42 6,1Acima de 30 3 2,5 98 14,4Acima de 40 1 0,8 40 5,8Acima de 50 1 0,8 54 7,9

    Total 119* 100 680 100Fonte: ACDNI. Livro de batismos de escravos da freguesia de Santo Antnio de Jacutinga

    23 Os dados referem-se apenas ao grupo de pai e me presentes.

  • 7/27/2019 antigo regime nos trpicos e escravido

    9/21

    Obs: *somente proprietrios declarados no assento

    O quadro acima elucidativo quanto aos nascimentos e batismos dentro de famlias

    escravas estveis, ou seja, com mais de um filho, representando 25,8% dos escravos e

    pertencendo a 55 ou 46,2% dos proprietrios. Por outro lado, somando-se as faixas acima de10 cativos temos 17 proprietrios (14,2 %) concentrando 234 escravos (34,4 %). Podemos

    dizer que no tocante propriedade escrava as famlias escravas foram responsveis pela

    concentrao de um grande nmero de cativos em poucas mos: graas reproduo natural

    um nico dono possua 54 cativos, sem contar aqueles que no tiveram filhos ou crianas no-

    batizadas ou, se o foram, esto situados no grupo de pais e/ou mes ausentes; certamente os

    nmeros eram maiores. O que mais importa aqui o tamanho das propriedades de cativos,

    pois isso poderia indicar maior ou menor dificuldade para a formao de famlias. Os Quadros2, 3 e 4 analisados em conjunto permitem concluir que predominava na regio as propriedades

    de pequeno e mdio porte e que as grandes escravarias estavam concentradas em poucas

    mos.

    Todos esses quadros que foram apresentados ganharo movimento quando os nmeros

    receberem nomes e funes sociais e, assim, forem inseridos, finalmente, na dinmica do

    imprio ultramarino portugus atravs das relaes de compadrio, que compe a prxima

    parte deste trabalho.

    As relaes de compadrio entre escravos e elites locais em Jacutinga

    Gostaria de ressaltar que apesar do pequeno percentual de famlias escravas

    demonstrado torna-se fundamental suas relaes qualitativas. Dividiremos nossa anlise a

    partir dos dois grupos sociais mais significativos que exerceram a funo de

    padrinhos/madrinhas: os livres e os escravos, respectivamente.

    Quadro 5: Condio jurdica dos padrinhos e madrinhas. Jacutinga, 1686-1721.

    Condio noassento

    Padrinhos % Madrinhas %

    livres 504 74,0 373 55,2Escravos 154 22,6 212 31,4Forros 3 0,4 5 0,7Criado 1 0,1 - -Ausente 19 2,7 85 12,5Total de registros 681* 100 675 100Fonte: ACDNI. Livro de batismos de escravos da freguesia de Santo Antnio de Jacutinga.

  • 7/27/2019 antigo regime nos trpicos e escravido

    10/21

    *Os 681 registros para os padrinhos referem-se 6 registros duplos: 675+6=681, em que foram registrados doispadrinhos para um mesmo batizando, no se tratando de procurao.

    Se dissesse apenas que na amostra analisada para os batismos grande o nmero de

    padrinhos e madrinhas livres em relao aos escravos como mostra o quadro 5 acima no

    haveria nessa afirmativa nenhuma novidade se comparada a outros trabalhos que se

    dedicaram ao tema no sculo XVII e que constataram a mesma situao.24 Outra informao

    significativa do Quadro 5 que o nmero de assentos em que no houve madrinhas maior

    que o de padrinhos e os casos de assentos duplos, ou seja, em que houve dois padrinhos, no

    ocorre para as madrinhas, ou seja, os homens tm uma presena muito forte nas escolhas dos

    escravos. Mas isso no exclusividade de Jacutinga: Silvia Brgger tambm encontra a

    mesma situao para So Joo del Rei no sculo XVIII o que, segundo ela, refora aimportncia dos padrinhos naquela sociedade.25 Tanto a ausncia de padrinhos e/ou

    madrinhas quanto os assentos duplos no eram permitidos pelas Constituies do

    Arcebispado da Bahia26 que regulavam os sacramentos da igreja catlica. Stuart Schwartz

    considera que essas irregularidades s aconteciam nos batismos de escravos.27

    Porm o que torna o compadrio em Jacutinga algo singular que esses livres se

    dividem entre os que possuem ou no sobrenome e referncias de prestgio social antes do

    nome (padres, capites, alferes, donas, tenentes, coronis, etc) como mostram os quadro 6 e 7,respectivamente.

    Quadro 6: Discriminao de padrinhos e madrinhas livres segundo a presena desobrenome. Jacutinga, 1686-1721.

    Discriminao noassento

    Padrinhos % Madrinhas % Total %

    livres com

    sobrenome

    410 81,3 211 56,5 621 70,8

    livres sem 94 18,6 162 43,4 256 29,1

    24 Refiro-me especialmente aos trabalhos de Silvia Maria Jardim Brgger. Minas Patriarcal Famlia esociedade. Tese de Doutorado. Niteri: Universidade Federal Fluminense, 2002, Stuart B. Schwartz. SegredosInternos. Engenhos e escravos na sociedade colonial. So Paulo: Cia das Letras, 1988 e Sheila de Castro Faria,A colnia em movimento. Fortuna e famlia no cotidiano colonial, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1998.25 BRUGGER, Silvia Maria Jardim. Minas Patriarcal Famlia e sociedade. Tese de Doutorado. Niteri:Universidade Federal Fluminense, 2002, p. 330.26 VIDE, D. Sebastio Monteiro da. Constituies do Arcebispado da Bahia. So Paulo, Tip. Dois de Dezembro,1853, Livro Primeiro, Tt. XVI. No Quadro 7 temos ainda um outro descumprimento cannico que em relao

    aos padres-padrinhos.27 SCHWARTZ, Stuart B. Op. Cit., p. 65.

  • 7/27/2019 antigo regime nos trpicos e escravido

    11/21

    sobrenome*Total 504 100 373 100 877 100

    Fonte: ACDNI. Livro de batismos de escravos da freguesia de Santo Antnio de Jacutinga.*Os livres foram subdivididos entre os que possuam sobrenome e os que no possuam, pois estes ltimospodem representar tanto uma populao de livres pobres (brancos ou no) quanto de forros. Os forros maisantigos poderiam perder essa referncia, Cf. Sheila de Castro Faria, Op. Cit.

    Quadro 7: Referncias de prestgio entre os padrinhos/madrinhas livres comsobrenome. Jacutinga, 1686-1721.

    Ttulos/profisso dos livres N de registros em queaparecem

    Alcaide Mor 3Capito 8Dona 24

    Licenciado 1Oleiro 2Padre 15Total 53Fonte: ACDNI. Livro de batismos de escravos da freguesia de SantoAntnio de Jacutinga

    H ainda outra caracterstica desses padrinhos/madrinhas livres que merece referncia:

    o fato de serem proprietrios de escravos. De um total de aproximadamente 210 proprietrios

    em todo o livro (incluindo-se os proprietrios de padrinhos, madrinhas, batizandos, pais e

    mes) 89 (42,3 %) serviram como padrinhos/madrinhas em 180 registros (26,6 %). E, o que

    pode ser surpreendente se comparado a outros trabalhos e regies, que desses 89 padrinhos-

    proprietrios 12 (13,4 %) serviram como padrinho/madrinha de seus prprios escravos.28

    Sendo assim os outros 77 padrinhos-proprietrios (86,5 %) apadrinharam escravos de outros

    proprietrios, demonstrando indcios das possveis relaes entre proprietrios e entre

    escravos. Interessante que a maioria desses 12 (10 indivduos ou 83,3 %) exerceu esta funo

    nos registros dos filhos de pais incgnitos, indicando uma possvel paternidade ilcita.

    Enquanto no Recncavo baiano estudado por Stuart Schwartz no houve casos em que

    os padrinhos livres de um escravo desfrutassem de status social igual ou superior ao do

    proprietrio do cativo29 exatamente o contrrio o que ocorre aqui, ou seja, os escravos no

    esto buscando para padrinhos em maior medida os livres pobres ou forros, mas pessoas com

    prestgio. No caso dos escravos s o fato de terem os livres como compadres/comadres j

    28 Na Bahia Stuart Schwartz no encontra sequer 1 registro em que o padrinho o prprio proprietrio dobatizando.

    29 SCHWARTZ, Stuart. Segredos Internos. Engenhos e escravos na sociedade colonial. So Paulo: Cia dasLetras, 1988, p. 334.

  • 7/27/2019 antigo regime nos trpicos e escravido

    12/21

    representava uma aliana para cima.30 Tambm em Minas Silvia Brgger afirma que em

    primeiro lugar esto os padrinhos livres, brancos e de prestgio social, mas no para os

    escravos: mes escravas foram as que, proporcionalmente, menos tiveram filhos apadrinhados

    por livres.31 Fosse para livres ou para escravos o importante que o compadrio representou

    sempre uma aliana vertical.

    Retomando o Quadro 5 vimos que em relao ao compadrio os cativos ficaram em

    segundo lugar na preferncia de seus iguais. Para compreendermos tais escolhas devemos

    levar em considerao dois fatos: a cor/procedncia e os proprietrios dos cativos que foram

    escolhidos para padrinhos/madrinhas, conforme os Quadro 8 e 9 respectivamente.

    Quadro 8: Procedncia/cor dos cativos-padrinhos. Santo Antnio de Jacutinga, 1686-

    1721.

    Cor/procedncia Padrinhos % Madrinhas %Semdenominao

    125 81,1 177 83,4

    Africanos 22 14,2 12 5,6Outros* 7 4,5 23 10,8Totais 154 100 212 100* crioulos, mulatos e pardos.Fonte: ACDNI. Livro de batismos de escravos da freguesia de Santo Antnio de Jacutinga.

    Como se percebe pelo Quadro 8, o grupo que sobressai o dos sem denominao;

    poderia consider-los crioulos, mas as fontes indicam a designao crioulos apenas para os

    filhos de africanas o que foi respeitado. Estes sem denominao poderiam ser aqueles h

    mais tempo estabelecidos, ou uma segunda gerao de crioulos e, portanto, perderam a

    referncia africana que nas fontes acompanha a palavra crioulos. Africanos vm em

    segundo lugar, mas so minorias se comparados ao total de padrinhos/madrinhas, o que pode

    indicar alm de seu pequeno nmero no total dos batismos, disputas dentro do cativeiro (entre

    os antigos e os recm-chegados). Segundo Manolo Florentino e Jos Roberto Ges o trfico

    gerava uma forte tenso poltica no mundo das senzalas. Em outras palavras, na poca de

    chegada intensa de cativos, a rivalidade inter-tnica aumentava, colocando em risco a

    sobrevivncia de grupos crioulos e africanos rivais. Uma resposta a essa situao de crise

    consistia na intensificao de alianas entre os cativos. Isso se refletiria nas relaes de

    30

    __________. Idem, ibidem. p. 32431 BRUGGER, Silvia Maria Jardim. Op. cit. p. 321 e 342.

  • 7/27/2019 antigo regime nos trpicos e escravido

    13/21

    compadrio, que se tornariam mais intensas entre escravos na mesma proporo que a

    intensidade do trfico.32

    No posso admitir, de imediato, as explicaes dos autores, pois no tenho dados

    sobre o trfico de africanos na Freguesia de Jacutinga; prefiro considerar que por ser umaregio de economia perifrica, marcada por entrepostos comerciais e de grande

    movimentao devido seus rios, no recebia fluxos intensos de africanos, ou seja, estes

    deveriam ser minoria entre a populao escrava como um todo. Assim sendo esta

    populao era marcada pela presena de escravos mais antigos provenientes de uma

    segunda ou terceira gerao de crioulos. O que d uma nova tnica esses dados so seus

    proprietrios, como mostra o quadro abaixo.

    Quadro 9: Profisso/ttulos dos proprietrios dos padrinhos e madrinhas escravos.Santo Antnio de Jacutinga, 1686-1721.

    N de registrosProfisso/ttulos

    dos proprietrios Padrinhosescravos

    Madrinhasescravas

    Alcaide Mor 17 11Capites 10 20Padres 6 12Donas 7 9

    Coronel 6 5Doutor 1 1General 5 5Marqus 9 8Mestre de Campo 3 4Licenciados 1 2Total 65 67

    Fonte: ACDNI. Livro de batismos de escravos da freguesia de SantoAntnio de Jacutinga.

    Como se v pelo Quadro 9 alguns proprietrios se destacam no s pela posio de

    prestgio que ocupam, como pelas vezes em que aparecem como senhores de padrinhos e

    madrinhas escravos: em 154 registros de padrinhos escravos 65 (42,2 %) pertenciam a

    indivduos de prestgio como tambm em 212 registros de madrinhas escravas 67 (31,6 %)

    deles o eram. De acordo com Silvia Brgger estar ligado pelo compadrio a um grande nmero

    de famlias se tornava um poderoso mecanismo de ampliao de redes clientelares, ou seja,

    era um recurso poltico, pois para os padrinhos era extremamente interessante contar com as

    32 FLORENTINO, Manolo, GES, Jos R. A paz das senzalas. Famlias escravas e trfico atlntico, Rio deJaneiro, c. 1790-c. 1850. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1997.

  • 7/27/2019 antigo regime nos trpicos e escravido

    14/21

    famlias de seus afilhados em suas redes clientelares33 (fossem famlias livres ou escravas,

    acrescentaria eu). Assim poderamos pensar no parentesco e nas redes clientelares entre seus

    proprietrios como uma forma de explicar as escolhas dos cativos. Finalmente, para termos

    uma idia da movimentao dos escravos em funo do compadrio o Quadro 11 expressa as

    relaes entre-fazendas que envolviam escravos de distintos senhores e que tambm revelam

    a aproximao entre-proprietrios.

    Quadro 10: Relao entre os proprietrios dos pais dos batizandos e dos padrinhos.Santo Antnio de Jacutinga, 1686-1721.

    Padrinhos % Madrinhas %Mesmo proprietrio 64 41,5 87 41,0

    Proprietrio diferente 90 58,4 125 58,9Totais 154 100 212 100Fonte: ACDNI. Livro de batismos de escravos da freguesia de Santo Antnio de Jacutinga

    Para compreendermos o Quadro 10 preciso considerar que o tamanho das escravarias

    poderia ter influncias diversas nas escolhas dos cativos. Em escravarias pequenas os escravos

    tenderiam a formar alianas fora do cativeiro, fosse com livres, escravos ou forros. J as

    escravarias de mdio e grande porte facilitariam contatos entre cativos reforando a

    comunidade escrava, mas tambm criando conflitos devido ao trfico, como j foi explorado

    acima.

    interessante que mesmo as madrinhas escravas, que geralmente so preferidas dentro

    do cativeiro esto sendo buscadas fora dele. Talvez o maior nmero de homens em relao s

    mulheres provocado pelo trfico explique a dificuldade de traar alianas femininas dentro do

    cativeiro. J a escolha de homens vindos de fora para servir como padrinho seria para garantir

    o matrimnio com os escravos do mesmo plantel.34 Essa situao expressa, mais uma vez, o

    tamanho relativamente pequeno dos latifndios escravagistas da regio e tambm indica acapacidade dos escravos de formar laos alm dos limites da propriedade.

    Em sntese este seria o critrio de escolha de padrinhos/madrinhas pelos escravos: em

    primeiro lugar os homens e mulheres livres com sobrenome, depois os sem sobrenome e em

    terceiro os escravos, dentre estes os sem denominao, talvez aqueles mais velhos que

    deviam j ter acumulado alguns privilgios (no sem negociao, claro) dentro do cativeiro.

    33 BRUGGER, Silvia Maria Jardim. Op. cit. pp. 346-349.

    34 Nos 335 registros de filhos nascidos de pai e me presentes em apenas dois os escravos pertenciam aproprietrios diferentes e s batizaram um filho cada.

  • 7/27/2019 antigo regime nos trpicos e escravido

    15/21

    Acredito que a escolha de um padrinho/madrinha escravo poderia ultrapassar alianas

    entre escravos dentro ou fora do cativeiro e estar ligada tambm posio social dos

    proprietrios dos futuros compadres e comadres ou ainda essas alianas poderiam ser

    explicadas em funo do grau de reciprocidade/solidariedade entre os proprietrios dos

    compadres/comadres escravos. Atravs de seus cativos a elite local chegava a outras senzalas

    e a seus donos, ampliando sua malha de legitimidade social. Atravs das estratgias dos

    senhores da repblica, ocorria a ampliao do espao social dos cativos. Em meio quelas

    estratgias, as relaes parentais dos escravos ultrapassaram os limites de seus engenhos de

    origem, conectaram diferentes senzalas e, em menor grau, pessoas livres.

    As relaes de compadrio comumente estudadas constituiriam uma pirmide cuja base

    era composta por alianas cativas, no topo alianas entre cativos e livres e no cume estariam

    os escravos com pessoas de outros estatutos; tal ascenso reforava a lgica da estratificao

    do Antigo Regime. Pelo que pude explorar das fontes de Jacutinga poderia afirmar que os

    cativos dela conseguiram a proeza de ocupar o cume da pirmide e com maior qualidade j

    que os livres com os quais estabeleceram parentesco ritual no eram, em sua maioria,

    pequenos lavradores, mas grandes potentados locais.

    De qualquer forma o que chama a ateno neste trabalho uma proximidade muito

    grande entre dois mundos (o livre e o escravo) tidos por muitos anos pela historiografia da

    escravido como antagnicos ou que s se aproximavam nos momentos de confronto e

    dominao; graas s pesquisas recentes e em curso novas problemticas orientaram a

    reviso/superao deste e outros paradigmas associados escravido e famlia escrava.

    neste ponto que os estudos sobre as elites locais se tornam fundamentais para

    compreendermos alianas verticais e horizontais entre senhores e escravos.

    Conectando historiografias

    Assim como a historiografia da escravido, os estudos que do conta das elites e dospoderes locais tambm tm passado por constantes renovaes. A historiografia brasileira

    aliada portuguesa vem trazendo para a discusso novos parmetros para se entender as

    relaes metpole/colnia, centro/periferia em que a colnia passa a ser entendida como parte

    integrante e estrutural do imprio portugus com destaque para o papel das Cmaras,

    instituies fundamentais na construo de vnculos com o poder central.35 A partir dessa

    leitura da sociedade colonial as elites ganharam um novo sentido por se tratar de uma

    35 BICALHO, Maria Fernanda. Centro e Periferia. Pacto e negociao poltica na administrao do Brasilcolonial in Leituras. Revista da Biblioteca Nacional de Lisboa, n 6, abril-outubro de 2000, p. 18.

  • 7/27/2019 antigo regime nos trpicos e escravido

    16/21

    sociedade escravista o que conferia especificidade Amrica Portuguesa. 36 Tambm fazem

    parte dessa renovao historiogrfica uma reconceituao do termo colono (entendido agora

    como scio) e duras crticas ao conceito de pacto colonial. A conquista e a defesa da terra, o

    servio do rei, a ocupao de cargos administrativos e as mercs rgias eram critrios de

    formao e de definio das elites tanto aqui como em Portugal. A noo da constituio de

    redes imperiais comerciais, polticas, parentais, em suma, clientelares que uniam as

    diversas partes do imprio ultramarino portugus vem se impondo e norteando os recentes

    estudos sobe as elites coloniais, sejam elas mercantis, administrativas ou agrrias.37 Em suma

    a conquista ultramarina abriu um novo e alargado campo de possibilidades de prestao de

    servios monarquia e de remunerao dos mesmos pela coroa.38

    S recentemente o tema do poder local tem sido partilhado pela historiografia

    brasileira a qual vem discutindo os mecanismos de comunicao centro-periferia, os tipos de

    articulaes existentes entre o poder municipal e outros plos de autoridade e sociabilidade

    locais, as estratgias de formao e de atuao das elites locais, o que refora a idia da

    relativa autonomia dos poderes municipais face aos dispositivos institucionais de controle por

    parte da coroa.39 Trata-se, portanto, de uma situao de mtuo equilbrio, na qual

    aparentemente todo poder emana do rei, mas que, na prtica social, as contingncias locais o

    limitam. Por outro lado, os poderes locais reconhecem na Coroa a instncia para a resoluo

    de seus conflitos e para a busca de sua legitimidade, acabando, pois, por legitim-la.40

    Recorro a esses enviesamentos em minha pesquisa para compreender a regio aqui

    estudada dentro deste contexto imperial, que graas essa renovao historiogrfica passou a

    ser tratado/explicado menos por antagonismos e mais pela negociao. Assim, por

    36 Segundo Stuart Schwartz A escravido da grande lavoura no Brasil transformou e ampliou as categoriastradicionais transformou em pessoas de qualidade alguns indivduos que nunca sonhariam em obter essacondio em Portugal, e criou um novo estado de plebeus, formado pelos escravos. Entretanto, ao mesmo tempo,desenvolveu novos princpios de hierarquia baseados na raa, aculturao e condio social. A sociedade

    escravista no foi uma criao do escravismo, mas o resultado da integrao da escravido da grande lavouracom os princpios sociais preexistentes na Europa. Schwartz, S. B. Op cit. p. 214.37 BICALHO, Maria Fernanda Baptista. Elites Coloniais: a nobreza da terra e o governo das conquistas.Histria e historiografia. In: MONTEIRO, Nuno G. F., CARDIM, Pedro e CUNHA, Mafalda Soares da. OptmaPars. Elites Ibero-americanas do Antigo Regime. Estudos e investigaes 36. Imprensa de Cincias Sociais.2005. p. 94.38 ____________ Conquistas, mercs e poder local: a nobreza da terra na Amrica portuguesa e a culturapoltica do Antigo Regime in Almanack Braziliense. Revista Eletrnica, n 2. IEB-USP, novembro de 2005.www.almanack.usp.br e MONTEIRO, Nuno Gonalo. O ethos nobilirquico no final do Antigo Regime inAlmanack Braziliense. Revista Eletrnica, n 2. IEB-USP, novembro de 2005. www.almanack.usp.br39 _____________Centro e Periferia. Pacto e negociao poltica na administrao do Brasil colonial in

    Leituras. Revista da Biblioteca Nacional de Lisboa, n 6, abril-outubro de 2000, p. 25-26.40 BRUGGER, Silvia Maria Jardim. Op. cit. p. 68.

  • 7/27/2019 antigo regime nos trpicos e escravido

    17/21

    intermdio de uma intrincada teia de relaes econmicas, poltico-administrativas,

    clientelares e parentais ligando os mais remotos rinces da colnia entre si a outras partes do

    imprio e ao centro do poder e dos negcios na Corte, se constituiu (...) uma elite que pode ser

    entendida (...) como colonial ou (...) imperial.41 Essa elite, seus escravos e outros segmentos

    sociais so os personagens principais que inserem Santo Antnio de Jacutinga nos domnios

    desse imprio colonial.

    Nas palavras do historiador Xavier Gil Pujol o microcosmo local ou os casos

    individuais que melhor permitem captar a variedade e complexidade destas relaes [centro-

    periferia] e acrescenta: a percepo num mbito local das formas polticas prprias dos

    novos Estados territoriais constituem um dos melhores campos para conhecer a realidade

    variada do Estado Moderno na sua totalidade.42

    A partir dos dados desta freguesia encontra-se tambm uma problematizao maior

    para se tratar a famlia escrava que extrapola a simples afirmao de sua existncia, ou seja,

    minha preocupao passou a ser por que os livres/elites locais apadrinhavam escravos e como

    os escravos entendiam e/ou o que esperavam desses padrinhos e madrinhas. Tambm para

    Silvia Brgger os arranjos polticos imiscuam-se nas teias familiares ou, talvez, dizendo

    melhor, partiam delas. Pessoas de importante participao poltica na regio estavam entre os

    que tinham maior nmero de afilhados.43

    Dentre os proprietrios identificados no livro de batismos de Jacutinga feita meno

    a vrios nomes de destaque da poca como o governador Arthur de S Meneses, o Coronel

    Salvador Correia de S, membros da famlia Correia Vasques e Azeredo Coutinho, alm de

    seus parentes (esposas e filhos).Interessante que os membros da famlia Correia Vasques44

    aparecem apadrinhando escravos entre si e de outros proprietrios, notadamente aqueles que

    pertenciam a seus circuitos polticos na capitania, ou seja, ocupavam cargos na governana.45

    41 BICALHO, Maria Fernanda Baptista. Elites Coloniais: a nobreza da terra e o governo das conquistas.Histria e historiografia. In: MONTEIRO, Nuno G. F., CARDIM, Pedro e CUNHA, Mafalda Soares da. OptmaPars. Elites Ibero-americanas do Antigo Regime. Estudos e investigaes 36. Imprensa de Cincias Sociais.2005. p. 96.42 PUJOL, Xavier Gil. Centralismo e Localismo? Sobre as Relaes Polticas e Culturais entre Capital eTerritrios nas Monarquias Europias dos Sculos XVI e XVII, In: Penlope: Fazer e Desfazer Histria, N. 6,Lisboa, 1991, p. 137-139.43 BRUGGER, Silvia Maria Jardim. Op. cit. p. 369.44 O Mestre-de-Campo Martim Correia Vasques, o Doutor Manoel Correia Vasques e o Alcaide Mor TomCorreia Vasques. Ver: Rheigantz, Carlos Grandmasson, Primeiras Famlias do Rio de Janeiro. LivrariaBrasiliana Editora, 1965, vol. 1 - pg. 374.45

    Sobre os bandos polticos na capitania do Rio de Janeiro ver: Fragoso, Joo. Um mercado dominado porbandos: ensaio sobre a lgica econmica da nobreza da terra do Rio de Janeiro seiscentista. In: Escritos sobreHistria e Educao. Homenagem a Maria Yeda Linhares. Faperj, Mauad, 2001.

  • 7/27/2019 antigo regime nos trpicos e escravido

    18/21

    Os Vasques batizaram 68 escravos cujos padrinhos/madrinhas eram seus escravos em 33

    registros, livres em 72, e escravos de outros donos em 21 registros; no houve

    padrinhos/madrinhas em 10 registros. Tambm participaram nos batismos de escravos de

    outros proprietrios como padrinhos/madrinhas em 3 registros e como proprietrios de

    padrinhos/madrinhas em 20 registros totalizando 23 registros.

    Essa aproximao entre elites locais e escravos pode ser explicada pela lgica do

    Antigo Regime sob a qual se pautavam as reciprocidades entre as prprias elites e entre estas

    e seus escravos (e os escravos de seus aliados/parentes) a partir da dinmica do imprio

    ultramarino portugus e de sua operacionalizao no s por meio de prticas e instituies

    regidas pelo iderio da conquista, pela lgica do servio, pelo sistema de mercs, pelo

    desempenho de cargos administrativos e pelo exerccio dos poderes locais, mas tambm pelas

    reciprocidades que no se processavam apenas entre metrpole/coroa/rei e

    conquistas/conquistadores/vassalos ultramarinos, mas tambm entre estes e os grupos sociais

    menos privilegiados, que aqui so os escravos, ou melhor, as famlias escravas.

    Joo Fragoso, estudando a formao da primeira elite senhorial do Rio de Janeiro

    seiscentista, afirma que

    a maneira pela qual o Rio de Janeiro fora conquistado deu margem afenmenos que esclarecem alguns dos traos da sociedade colonial daregio e de sua elite: a formao de redes polticas entre segmentos daselites regionais; a constituio de uma nobreza da terra baseada naconquista; e a sua interferncia no governo da cidade (...).46

    Para pertencer elite econmica da poca era fundamental ter acesso aos postos de

    comando da cidade. Para tanto a primeira condio era pertencer ou estar ligado s melhores

    famlias da terra, alm de possuir engenhos. Segundo Antnio Carlos Juc de Sampaio a

    reproduo econmica na sociedade colonial se dava fora do mercado e mesmo naquelas ditas

    de mercado no cessavam de interferir relaes sociais mais amplas, como as polticas e

    familiares, entre outras, ou seja, formas no-mercantis de reproduo social.47Entretanto, essas condies, por si s, no garantiam o acesso ao poder, que

    pressupunha outras condies. Entre elas, ter legitimidade social, ou seja, ter sua qualidade

    reconhecida pela sociedade. Portanto, alianas com seus pares e negociao com outros

    46 FRAGOSO, Joo. Knights, Archer Indians and the Atlantic World. Rio de Janeiro in the 17th century.Apud: BICALHO, Maria F. B. Conquistas, mercs e poder local: a nobreza da terra na Amrica portuguesa e acultura poltica do Antigo Regime in Almanack Braziliense. Revista Eletrnica, n 2. IEB-USP, novembro de2005, p. 26. www.almanack.usp.br47 SAMPAIO, Antnio Carlos Juc de. A produo poltica da economia: formas no-mercantis de acumulaoe transmisso de riqueza numa sociedade colonial (Rio de Janeiro, 1650-1750) In: Topoi: Revista de Histria.Rio de Janeiro: 7 Letras, vol. 4, n 7, jul-dez, 2003, p. 304-305.

  • 7/27/2019 antigo regime nos trpicos e escravido

    19/21

    estratos sociais eram duas estratgias da nobreza da terra na manuteno de seu poder, ao

    menos no mbito local.48 Nas palavras de Joo Fragoso:

    Uma das condies para se preservar a qualidade diante da sociedadeera t-la sancionada pelos chamados grupos subalternos: lavradores,

    pequenos comerciantes, etc. E isto, primeiramente, nas freguesias. Paratanto, as relaes de reciprocidade via compadrio parece que eramfundamentais. Nesse sentido o engenho deixava de ser apenas umafbrica para se transformar numa capela, onde batizados e casamentosse consumavam (...), um espao de sociabilidade para as pessoas dacercania e, portanto, um local onde o dono da moenda podia estabelecerbases para seu prestgio local.49 [grifos meus]

    Na passagem acima o autor est se referindo ao compadrio entre livres, mas logo

    adiante afirma que:

    A freqncia de passagens do tipo com meus criados, escravos endios demonstra que a gerao do poder diante das camadas ditassubalternas no se limitava, por exemplo, s paredes das capelas. Nestemomento da pesquisa, infelizmente, sou incapaz de mapear osmecanismos sociais que levavam os escravos e ndios a acompanharemseus senhores. Porm, uma coisa certa: apenas a violncia noproduzia tais fenmenos. (...) Portanto, deviam existir prticas dereciprocidade eficientes entre os senhores e aquelesacompanhantes(...)50 [grifos meus]

    Resta-nos indagar: o que estas alianas representavam para os escravos e suasfamlias? No difcil imaginar. Em trabalho posterior o mesmo autor reitera a importncia

    das alianas com os escravos, pois segundo ele:

    a legitimidade das hierarquias era garantida pela escravido atravs dacontnua negociao entre senhores e escravos. Estas barganhas setraduziriam nasplantations, em famlias escravas estveis, em terrenose em equipamentos a elas concedidos pelos senhores. Alm disto, asfreguesias podiam ser atravessadas por redes de solidariedadesescravas, como os compadrios entre cativos de distintos senhores.

    Com certeza, estes fenmenos podem ser interpretados de diversosmodos: conquistas dos escravos tiradas de seus donos; estratagemassenhoriais, procurando evitar problemas nas senzalas; recompensasenhorial pela subservincia de fraes da populao cativa, etc. (...)

    48 Idem. Ibidem. p. 27.49 FRAGOSO, Joo. Um mercado dominado por bandos: ensaio sobre a lgica econmica da nobreza da terrado Rio de Janeiro seiscentista. In: Escritos sobre Histria e Educao. Homenagem a Maria Yeda Linhares.Faperj, Mauad, 2001, p. 248.50 Idem. Ibidem., p. 253 e ____________ A nobreza vive em bandos: a economia poltica das melhores famliasda terra do Rio de Janeiro, sculo XVII. Algumas notas de pesquisa. In: Revista Tempo, vol. 8, n 15, julho-dezembro de 2003, pp. 30-32.

  • 7/27/2019 antigo regime nos trpicos e escravido

    20/21

    Desnecessrio dizer que reciprocidade no era sinnimo de igualdade,assim como as negociaes estavam ligadas a tenses.51 [grifos meus]

    Fossem ganhos materiais ou subjetivos precisaramos de outras fontes para descobri-

    los, se que eles existiram de fato. De fato mesmo que, atravs das fontes analisadas,portanto, tornar-se evidente a constituio de uma slida rede entre as famlias escravas

    daquela regio e sua elite local expressa pelas relaes verticais e horizontais por ocasio do

    compadrio, o que no quer dizer que os escravos foram refns das alianas polticas de seus

    donos; apesar dessas alianas funcionarem como recursos para os cativos a aldeia colonial

    tinha uma dinmica que fugia do controle dos senhores. H que se reforar, portanto, o peso

    da negociao.

    Concluso

    Quantidade no sinnimo de qualidade. Confesso que inicialmente me decepcionei

    com o quantitativo das famlias formadas legitimamente na regio (49%, como demonstrado

    no Quadro 1). Posteriormente percebi que o mais interessante na fonte era exatamente esse

    percentual. Acredito que se existe um pequeno nmero de famlias distribudas entre vrios

    proprietrios que o acesso ao batismo no era fcil a todos: no dependia somente da

    permisso do senhor nem da vontade do escravo. Dependia da insero em uma rede de

    alianas que fundamentavam os compadrios. Diante disto caberia repensar que o termo

    famlia escrava no pressupunha uma comunidade escrava, j que a primeira se revelou to

    prxima das famlias livres. No que o trfico e o cativeiro no fizessem diferena na

    formao de famlias escravas, pelo contrrio. O que quero dizer que no podemos mais

    antagonizar padres e instituies livres e escravas. Pelo que ficou demonstrado liberdade e

    cativeiro eram promscuos e isso, ao meu ver, se deveu dinmica prpria do Antigo Regime

    nos Trpicos.

    SLAVE FAMILY AND THE ANCIENT REGIME IN THE TROPICS.

    Abstract: This article disposes about compadrio relations among slaves and the local elitefrom the parish of Santo Antonio de Jacutinga (Guanabara Bay), between 1686 and 1721. Theessay is willing to show that these nets of compadrio are characterized by an interdependence

    51 ________________ Potentados coloniais e circuitos imperiais: notas sobre uma nobreza da terra,supracapitanias, no Setecentos. In: MONTEIRO, Nuno G. F., CARDIM, Pedro e CUNHA, Mafalda Soares da.Optma Pars. Elites Ibero-americanas do Antigo Regime. Estudos e investigaes 36. Imprensa de CinciasSociais. 2005. p. 137.

  • 7/27/2019 antigo regime nos trpicos e escravido

    21/21

    among lords and their slaves as means to consolidate horizontal (among elites and amongslaves), and vertical (among elite and salves) interests, based on the ancient regime logics.

    Key-words: family, compadrio, colonial elites.