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Artigo de Antonio Celso Baeta Minhoto sobre "A Questão Dos Portadores de Deficiência e Sua Concreta Inserção No Mercado de Trabalho", disponível na Internet.
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* Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Metropolitana Unida, So Paulo (1998); Doutorando em Direito Pblico pela Instituio Toledo de Ensino, Bauru (2007); Mestre em Direito Poltico e Econmico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, So Paulo (2003); Professor Titular de Direito Pblico da Universidade Municipal de So Caetano do Sul (IMES), SP; advogado; parecerista e autor de obras jurdicas.
A QUESTO DOS PORTADORES DE DEFICINCIA E SUA CONCRETA
INSERO NO MERCADO DE TRABALHO : O CASO DO POSTO
ECOBRASIL EM SO SEBASTIO, SP.
THE HANDICAPPED PEOPLE ISSUE AND ITS CONCRETE INSERTION ON
THE WORK MARKET : THE ECOBRASIL GAS STATION CASE IN SO
SEBASTIO, SP.
Antonio Celso Baeta Minhoto*
RESUMO
A caracterizao de um grupo social como minoria; as peculiaridades da situao do
portador de deficincia como grupo minoritrio; o caso do Posto EcoBrasil em So
Sebastio e a insero dos portadores de deficincia no mercado de trabalho local.
PALAVRAS CHAVES
PORTADORES; DEFICINCIA; INSERO SOCIAL; TRABALHO.
ABSTRACT
The characterization of a social group as a minority; the handicapped people particular
situation as a minority group; the EcoBrasil gas station case in So Sebastio and the
handicapped people insertion on the local work market.
KEY-WORDS
HANDICAPPED; PEOPLE; SOCIAL INSERTION; WORK.
1. INTRODUO
O estudo do tema das minorias hoje, com razovel margem de
segurana, um dos mais focados no mbito das cincias humanas e sociais. Tema com
claro vis interdisciplinar, demanda incursionamento quase que foroso no aspecto
social para qualquer trabalho elaborado no meio jurdico a ele dedicado.
2
Tomando por base nossa atual constituio, promulgada em 1988 e
alcunhada, com evidente sentimento de esperana, de Constituio Cidad, ali
encontramos princpios que, pouco a pouco, parecem buscar um espao de concretude
no dia-a-dia da sociedade.
Diz o artigo 3 de nossa constituio que o Estado Brasileiro possui
certos objetivos a serem alcanados ou ao menos buscados. algo indito na histria de
nossas constituies, j que nunca houve um texto constitucional, no Brasil, que
trouxesse determinados objetivos a serem perseguidos pelo Estado e pela sociedade.
Assim, ali temos a construo de uma sociedade justa, livre e
solidria (inciso I), agregando-se tal intento com o desenvolvimento nacional (inciso II),
assim como garantindo a erradio da pobreza e da marginalizao (inciso II), para, ao
final, fechar a lista de objetivos com a busca do bem de todos, sem qualquer forma de
discriminao (inciso IV).
E o artigo 1, como que encimando o disposto no artigo 3 ora
citado, trazia o princpio da dignidade da pessoa humana (inciso III) como fundamento
da repblica e da sociedade brasileiras.
Se agregarmos s consideraes ora feitas de modo perfunctrio,
tambm o princpio democrtico (pargrafo nico do art. 1, CF), democracia esta que,
como sempre alertou Jos Afonso da Silva, deve ser cada vez mais participativa e no
apenas representativa veremos que a questo do trato das minorias pela e na sociedade
brasileira contempornea tema que j alcanou sua maturidade e que apresenta amplas
condies instrumentais de ser exemplo de aplicao concreta de idias e princpios
previstos em nossa constituio na vida quotidiana social.
2. CONCEITO DE MINORIA 1
1 Vrias idias e concepes aqui expostas foram fruto de debate em sala de aula no curso de Doutorado
em que se encontra inscrito o ora autor. Assim, tais debates foram desenvolvidos nas aulas do Professor
Vidal Serrano Nunes Junior, com a participao, alm do autor, dos doutorandos Antonio Borges de
Figueiredo, Cleber Sanfelice Otero e Fbio Coelho, no ms de agosto de 2007;
3
O objetivo do presente trabalho no tratadista, menos ainda em
face de um tema to amplo como o das minorias. No h espao e nem o escopo do
presente estudo. Tampouco buscaremos uma definio, algo mais amplo do que o
desejado, sendo este to-somente o de fornecer elementos que possam conceituar o
termo minoria e, assim, tornar mais firmes nossas futuras anlises.
O termo minoria claramente polissmico, plurvoco e de
apreenso conceitual tormentosa, fruto, especialmente, de sua aplicao e mesmo
natureza extremamente variada em face dos diversos grupos classificados como
minoritrios. De todo modo, de um ponto de vista didtico e levando-se em conta o
contraponto acima exposto, podemos dizer que um grupo minoritrio apresenta as
seguintes caractersticas :
2.1. Incapacidade de auto-proteo. As minorias se mostram
incapazes, no mais das vezes ao menos, de se protegerem e de protegerem seus
interesses de modo independente ou autnomo.
2.2. Demandantes de especial proteo estatal. Justamente em
decorrncia de uma reconhecida e notria incapacidade de articulao e autonomia na
busca de defesa de seus interesses, os integrantes das minorias demandam especial
ateno do Estado, manifestada atravs de mecanismos, de instrumentos, de estruturas
cujo escopo final seja oferecer aos integrantes destas minorias, tal como aqui exposto,
as mesmas oportunidades oferecidas aos no integrantes destes grupos.
2.3. Vulnerabilidade social. Por diversas e variadas razes, ou por
vezes em decorrncia de poucos motivos, o integrante de uma minoria encontra-se em
situao de vulnerabilidade social. O que seria, por sua vez, vulnerabilidade social ? Em
arguta observao, Muniz Sodr nos informa ser a vulnerabilidade social caracterizada
pelo fato do grupo minoritrio no ser institucionalizado pelas regras do ordenamento
jurdico-social vigente. Prossegue o mesmo autor :
Por isso, pode ser considerado vulnervel, diante da
legitimidade institucional e diante das polticas pblicas. Donde
4
sua luta por uma voz, isto , pelo reconhecimento societrio de seu
discurso2
2.4. Distanciamento do padro hegemnico. Esta outra
caracterstica das minorias tem a peculiariedade de gerar efeitos deletrios aos
integrantes das minorias ainda que estes nenhum tipo de ao tomem com relao a si
mesmos frente este padro. uma ao involuntria com relao a tais indivduos e
atuante de modo automtico por parte da sociedade majoritria, ou seja, a sociedade
como um todo, excludas as minorias.
Estar fora de um certo padro (social, comportamental, moral,
esttico, econmico, psicolgico) , em si, algo excludente para integrantes destes
grupos minoritrios e este pelo menos um dos motivos ou uma das razes que os torna
passveis de usufruir de proteo especial, bem como os torna incapazes de suportarem
ou gerirem sua prpria proteo social, como j consignamos neste estudo.
2.5. Opresso social. Cujos graus sero variveis e diferenciados
em face de cada grupo minoritrio, bem como em face de diversas variveis, muitas
delas altamente subjetivas e prenhes de aspectos mutveis, o que torna sua prpria
dinmica movedia e frequentemente imprevisvel.
Assim, nos limites do presente estudo e para os fins de discusso
aqui propostos, podemos ofertar um conceito de minoria cujo sentido de existncia
nortear uma ampliao do estudo desta temtica e proporcionar, se possvel, uma viso
cientificamente aceitvel, abrangente o suficiente e til para uma reflexo dentro deste
escopo analtico.
Destarte, podemos, aps esta breve exposio, conceituar minoria
como um segmento social, cultural ou econmico vulnervel, incapaz de gerir e
articular sua prpria proteo e a proteo de seus interesses, objeto de pr-
conceituaes e pr-qualificaes de cunho moral em decorrncia de seu distanciamento
do padro social e cultural hegemnico, vitimados de algum modo e em graus variados
2 SODR, Muniz. Por um conceito de minoria, in Comunicao e cultura das minorias, Raquel Paiva
e Alexandre Barbalho (orgs.), So Paulo : Paulus, 2005, p. 11;
5
de opresso social e, por tudo isso, demandatrios de especial proteo por parte do
Estado.
Convm mencionar, sem embargo do conceito acima, que a ONU,
atravs de Resoluo, ainda no ano de 1954, buscou conceituar o termo minoria e o fez
afirmando ser aqueles grupos no dominantes dentro de uma populao, que possuem
e desejam preservar tradies ou caractersticas tnicas, religiosas ou lingsticas
marcadamente diferentes do resto da populao.
Vemos que a idia expressa pelo conceito acima ao mesmo tempo
diversa e mais contida no nmero de elementos que a compem e, ainda, foi
confeccionada na dcada de 50 do sculo passado, momento histrico em que o tema
das minorias no exibia os contornos atuais, estes ltimos bem mais multifacetados e
extremos em sua colocao.
Porm, levando-se em conta ser referido conceito originrio de um
organismo supra-estatal to tradicional e referencial como o caso da ONU, pensamos
ser sua presena neste estudo de grande importncia.
3. A QUESTO DOS PORTADORES DE DEFICINCIA
Os grupos minoritrios tm sua existncia e principalmente sua
fora de manifestao e reconhecimento de fato pela sociedade no princpio da
dignidade da pessoa humana. Ainda que seja, por bvio, princpio aplicvel a todas as
pessoas e base de sustentao do prprio estado brasileiro, tem sua importncia realada
em situaes de evidente vulnerabilidade, como o caso das minorias.
Ainda em 1975, a ONU elaborou um documento nominado
Declarao dos Direitos das Pessoas Deficientes, cujo artigo 3 bastante claro quanto
ao particular ora tratado :
As pessoas deficientes tm direito inerente de respeito por sua
dignidade humana. As pessoas deficientes qualquer que seja sua
origem, natureza e gravidade de suas deficincias, tm os mesmos
6
direitos fundamentais que seus concidados da mesma idade, o que
implica, antes de tudo, o direito de desfrutar uma vida decente, to
normal e plena quanto possvel3
quela poca ainda se utiliza do termo deficiente como nico a
determinar pessoas que, na verdade e como hoje mais comum se referir, possuem
deficincias fsicas ou mentais que as diferenciam do grupo majoritrio social
denominado normal ou no portador de tais deficincias.
Como, na verdade, todas as pessoas possuem algum tipo de
deficincia, variando somente a natureza, o grau de intensidade e o grau de limitao
que esta possa apresentar ao seu portador, atualmente j vem tomando ainda mais
espao a utilizao do termo portador de necessidades especiais para aquele grupo de
pessoas que vulgarmente alguns chamam de portadores de deficincia.
Renomado estudioso do tema pontua a esse respeito defendendo
que a utilizao da expresso pessoa portadora de deficincia, seria a mais adequada,
j que mais adequada tambm para a denominao do ser humano que apresente um
grau de dificuldade para a integrao social4.
De todo modo, aps o advento da declarao em foco, os pases
membros da ONU viram-se na contingncia de tutelar de modo objetivo a temtica.
Com anos de atraso, o Brasil o fez especialmente atravs da Constituio Federal de
1988, muito embora leis esparsas e sem qualquer continuidade tivessem existncia
formal antes da lei maior ora em vigncia.
Na Constituio Federal, h vrios artigos tutelando o portador de
deficincia : art. 7, vedando discriminao de salrios e critrio de admisso
portadores de deficincia; art. 23, II, criando a obrigao formal s pessoas de direito
pblico interno de proteo s pessoas portadoras de deficincia; art. 37, VII, criao de
reserva de vagas em concursos pblicos aos portadores de deficincia; art. 208, III, que
3 http://www.onu-brasil.org.br, acesso em 9 de setembro de 2007;
4 ARAJO, Luiz Alberto David. A proteo constitucional das pessoas portadoras de deficincia,
Braslia : CORDE, 1994, p. 21;
7
impe ao Estado o dever de dar atendimento educacional especializado aos portadores
de deficincia, dentre outros dispositivos encontrveis no texto magno.
Aps a edio e promulgao da Constituio Federal, muitas leis
foram elaboradas tendo por foco a tutela do portador de deficincia. Citaremos apenas
algumas delas : Lei 7853/89, prev a criao da Coordenadoria Nacional para
Integrao das Pessoas Portadoras de Deficincia (CORDE); Lei 8212/91, que
regulamentou a criao de vagas (20%) em concursos pblicos em sistema de reserva
para portadores de deficincia; Lei 8213/91, criadora da reserva de vagas nas empresas
da iniciativa privada, com mais de 100 (cem) funcionrios; Lei 8998/95, garantidora de
iseno de IPI para aquisio de automveis por portadores de deficincia.
O arcabouo instrumental, legal e estrutural, de fato, parece estar
em parte j edificado ou ao menos no caminho de sua edificao contnua.
Objetivamente em relao insero do portador de deficincia no mercado de trabalho,
a problemtica, porm e como parece ser a realidade para outras tantas situaes de
nosso pas, realmente a questo da mentalidade mdia vigente.
H exemplos positivos de efetividade e de eficcia no atendimento
e na insero do portador de deficincia no mercado de trabalho5. Contudo, ainda h
muito o que avanar, especialmente no que tange s empresas menores, com menos de
cem empregados, no obrigadas legalmente a contratar portadores de deficincia, mas
que pela capilaridade, seriam um ambiente extremamente propcio a este tipo de
insero
Nesse sentido e nesse vis que se insere o projeto a seguir
exposto, criado e desenvolvido numa comunidade pequena, mas cujos resultados
comeam a gerar marcas cada vez maiores na sociedade.
4. O CASO DO POSTO ECOBRASIL (SO SEBASTIO, SP)
5 Empresas como Distribuidora Gimba, Laboratrio Fleury e Po de Acar so exemplos de aplicao
bem sucedida da lei 8213/91 (cotas para portadores de deficincia), cf. GARCIA, Edins Maria Sormani.
A proteo da pessoa portadora de deficincia e seu fundamento no princpio da dignidade da pessoa
humana, in Direito da Pessoa Portadora de Deficincia : uma tarefa a ser completada, Luiz Alberto David Arajo (orgs.), Bauru : EDITE, 2003, p. 166;
8
O municpio de So Sebastio localiza-se no litoral do Estado de
So Paulo, aproximadamente 200 quilmetros da capital, So Paulo. Convm fazer
breve digresso sobre a localidade em si6.
O municpio recebeu este nome em homenagem ao santo do dia em
que passou ao largo da Ilha de So Sebastio, hoje Ilhabela, a expedio de Amrico
Vespcio, assim sendo em 20 de janeiro de 1502.
A ocupao portuguesa ocorre com o incio da Histria do Brasil,
aps a diviso do territrio em Capitanias Hereditrias. Diogo de Unhate, Diogo Dias,
Joo de Abreu, Gonalo Pedroso a Francisco de Escobar Ortiz foram os sesmeiros que
iniciaram a povoao, desenvolvendo o local com agricultura e pesca. Nesta poca a
regio contava com dezenas de engenhos de cana de acar, responsveis por um maior
desenvolvimento econmico e a caracterizao como ncleo habitacional a poltico. Isto
possibilitou a emancipao poltico-administrativa de So Sebastio em 16 de maro de
1636.
O desenvolvimento econmico prossegue baseado em culturas
como a cana-de-acar, o caf, o fumo e a pesca da baleia. O porto local, de grande
calado natural, era utilizado para o transporte de mercadorias a tambm pelos navios
que faziam o transporte do ouro das Minas Gerais, e tambm por piratas e
contrabandistas. Na metade do sculo XIX a regio tinha fazendas, sendo que cerca de
2.185 escravos produziram, em 1854, ao redor de 86 mil arrobas de caf.
A economia sebastianense entra em declnio com a abolio da
escravatura e a abertura da ferrovia Santos-So Paulo, aumentando a sada de
mercadorias pelo porto de Santos. quando passam a predominar a pesca artesanal e a
agricultura de subsistncia, com pequenas roas de mandioca, feijo a milho,
caractersticas das comunidades caiaras isoladas mesmo nos dias de hoje.
6 Informaes retiradas de http://www.saosebastiao.sp.gov.br/finaltemp/sobre_cidade.asp, acesso em 9 de
setembro de 2007;
9
Nos anos 40, implanta-se a infra-estrutura porturia e nos anos 60 a
Petrobrs instala o Terminal Martimo Almirante Barroso/TEBAR, com capacidade de
atracao para navios de at 400.000 toneladas. Esses fatores tornaram-se decisivos para
a retomada do desenvolvimento econmico.
Com a abertura da rodovia Rio-Santos no final dos anos 70 do
sculo passado, So Sebastio surge como destino turstico, proporcionando ao
municpio mais uma oportunidade de desenvolvimento, agora baseada no turismo,
vocao assumida pelos sebastianenses como forma de movimentar sua economia.
Detentora de vrias praias em sua orla, So Sebastio conta ainda
com pequenas comunidades locais dentro de seus limites geogrficos como Arrasto,
So Francisco, Topolndia, Enseada e outras ligadas s praias em si, como Maresias,
Boiucanga, Juria e uma especfica, a da Praia das Cigarras, que justamente onde se
localiza o projeto em anlise.
A Praia das Cigarras dista cerca de 9 (nove) quilmetros da cidade
de So Sebastio e formada basicamente de casas de veraneio com alguns habitantes
autctones, no mais das vezes prestadores de servios locais para atividades como
caseiro, empregada domstica, comercirio, autnomo, marinheiro e alguns outros, em
menor nmero, pescador.
A beira da estrada que liga So Sebastio Caraguatatuba,
justamente a rodovia Rio-Santos, localiza-se o Posto de Gasolina EcoBrasil, objeto de
nossa anlise. Entre as duas cidades mencionadas h somente 20 (vinte) quilmetros de
distncia, mas nesse curto espao h vrias comunidades, pelo menos 6 (seis) delas,
ligadas a praias ou no, todas com moradores permanentes (no-turistas).
Sempre existiu, no local em exame, na Praia das Cigarras, posto de
gasolina e servios. H, alm do posto e a ele contguo, uma pequena mercearia e bar.
H cerca de 5 (cinco) anos, porm, Marcelo Pires, seu atual proprietrio, decidiu
10
implementar ali o que chama de um antigo sonho : um projeto de atendimento ao
prximo, voltado, no caso, para a questo do portador de deficincia7.
invivel se dissociar o projeto da figura de seu idealizador,
Marcelo, razo pela qual, de bom tom discorrer breves linhas sobre ele. Depois de
morar por quase 6 (seis) anos nos EUA, Marcelo retorna ao Brasil e inicia uma
promissora carreira executiva em empresa de fornecimento de equipamentos para
cozinhas industriais. Permanece nesta realidade de vida at os 33 anos, ocasio em que,
cursando um programa de anlise e meditao profissional e pessoal, decide demitir-se
de seu cargo, rene suas economias e compra 2 (dois) posto de gasolina, um na Praia
das Cigarras e outro no bairro da Enseada, cerca de 3 quilmetros mais adiante.
Por dificuldades iniciais, vende Marcelo o posto da Enseada, mas,
desafortunadamente, jamais recebe o valor da venda. Ainda assim, insiste em seu
projeto, agora somente em face do posto das Cigarras. Ali cria, em definitivo e
exclusivamente, o projeto de insero dos portadores de deficincia em sua empresa.
A idia toda do projeto tem um forte vis religioso-filosfico.
Assim, aos interessados, participantes, portadores de deficincia, apoiadores, a todos,
enfim, envolvidos no projeto informado sobre suas bases principiolgicas : amor,
verdade, justia, perseverana, temperana, unio e humildade.
Marcelo entende o posto como um instrumento que pode levar a
um despertar do prximo. Queremos, afirma Marcelo, despertar a possibilidade de
mudana nas pessoas, neutralizar o Jonas da Baleia que resiste s mudanas. A
passagem bblica citada se refere Jonas que, segundo a metfora da baleia, ofereceria
resistncia para aceitar ao chamado, ficando trs dias no escuro, incomunicvel (na
baleia), at se libertar, aceitar a mudana.
Os portadores de deficincia encontrados no posto so
extremamente entusiasmados com a idia, com o projeto em si. Conhecemos, no dia em
que estivemos no posto, por exemplo, Jorge, deficiente auditivo. Mas outros
7 Marcelo Pires concedeu vrias informaes, que surgiro ao longo do presente trabalho, ao longo de
mais de 2 horas de entrevista ao autor, em 8 de setembro de 2007;
11
trabalhavam no momento com diversas manifestaes de necessidades especiais. Havia
um paraplgico, o chamado carinhosa e popularmente de cadeirante, e Marcelo at
contou sobre uma portadora de nanismo (an), de nome Nice, que j no estava mais na
equipe.
O projeto possui um caracterstica forte : convnio com a iniciativa
privada e com empresas em geral. A Petrobrs, inclusive, quer transformar o posto num
espcie de piloto para utilizao em outros locais. A empresa em foco tentou fazer, nos
mesmos moldes, um projeto no Rio de Janeiro, mas, ainda que oferecendo toda a infra-
estrutura necessria aos proprietrios de postos eventualmente interessados, no logrou
xito.
A questo do fundo ideolgico, como gosta de frisar Marcelo, faz
toda a diferena. No adianta ter estrutura fsica, recursos, dinheiro, se no est
presente o esprito do projeto. A contratao dos portadores de deficincia no pode
ser um diferencial competitivo, um chamariz, comenta Marcelo. E emenda : Poder
ter corpo e mente, mas no ter esprito.
Se a presena de empresas e pessoas fsicas crescente e est
presente na concepo do projeto, a ausncia do Estado notrio. Levando-se em conta
que a proteo do portador de deficincias poltica pblica constitucional, de aplicao
imperiosa por todos o entes polticos, no deixa de ser preocupante que no se tenha
estabelecido qualquer ligao mais formal entre o projeto e o poder pblico.
Recebi o ttulo de cidado sebastianense, o Prefeito [de So
Sebastio] abastece aqui, vereadores abastecem aqui, diz Marcelo, mas s. No
queremos nenhum tipo de influncia poltica aqui.
Como o projeto busca a auto-suficincia e a propagao de seus
ideais, destina-se 2% do lucro lquido mensal a uma associao de portadores de
deficincia de So Sebastio que, tambm por outro lado, indica portadores interessados
em trabalhar no projeto.
12
Marcelo comenta que no meio dos postos h muita resistncia por
parte dos empresrios e por variadas razes. Algumas vo na linha do o que eu vou
ganhar com isso ? e acaba afastando o que se buscam lucro sem enxergar aspectos
mais sutis como a insero do portador de deficincia e a integrao da prpria
sociedade com este portador. Mas h at razes bizarras. H um senhor, dono de dois
postos aqui na beira da estrada mesmo relata Marcelo, que diz no contratar
portadores de deficincia porque trariam azar para o negcio.
Essa ltima observao joga por terra a viso por vezes idealizada
de que os portadores de deficincia no sofreriam preconceito social, mas apenas
restries de oportunidade. V-se que, como qualquer outro grupo minoritrio, no
sentido acima exposto para o termo minoria, enfrentam os portadores de deficincia
tambm preconceitos de ordem moral ou valorativa.
Alm dos valores principiolgicos acima mencionados, Marcelo
ainda menciona o trip em que se assenta a atuao do posto como empresa :
a) Foco : pessoas que querem um mundo bem melhor;
b) Diferencial : o que se enxerga. Posto limpo, atendimento
prestativo, combustvel de qualidade;
c) Competncia : o que a gente precisa ter para atender o nosso
foco ? Por vezes elementos intangveis que ningum fala ou v, mas sente (um clima
amistoso, uma harmonia, entusiasmo pelo que faz)
De forma objetiva, Marcelo finalizou nosso encontro dizendo :
O posto tem que basicamente servir. Por a mo na massa sem se
preocupar com Estado, poltica e nem com os concorrentes. No queremos incentivo
fiscal, descontos, nada, porque entendemos que isso poderia criar uma mensagem
subliminar que no contribui para o ideal
13
At 2009, o projeto deve se instalar na capital, So Paulo, com um
posto-escola, sempre buscando dar visibilidade para o ideal de fundo, servir, com
ligao forte de atendimento e insero do portador deficincia na vida social. O projeto
j conta com scios minoritrios atualmente 20 scios e torna-se assim vivel o
sonho de um posto em So Paulo, com terreno prprio, como o de So Sebastio,
recm-adquirido.
5. CONSIDERAES FINAIS
O posto de atendimento ao prximo, como o autor do projeto em
foco gosta de nominar seu projeto mostra uma linha e um campo de atuao bastante
alvissareiro na rea dos portadores de deficincia.
De fato, chama a ateno,no projeto em foco, a simplicidade de sua
concepo, bem como a objetividade de sua implementao. O foco principal a
visibilidade sociedade de algo concebido como possvel, como vivel, a outros tipos
de negcio, a outros tipos de empresas, no que se refere insero do portador de
deficincia no somente ao mercado de trabalho efeito, contudo, inicial e mais
profundo mas tambm a integrao social.
No entanto, leva-nos reflexo a ausncia do Estado no projeto em
questo. Ainda que exista uma concepo filosfico-ideolgica com relao a tal
ausncia, ou seja, esta falta vista como elemento at mesmo vital do projeto, no h
como furtar-se a algumas observaes :
a) a poltica de amparo, proteo, promoo e integrao do
portador de deficincia sociedade, em todos os seus campos, uma poltica pblica
fundamental, imperiosa. O Estado deve encetar esforos para desincumbir-se de modo o
mais eficiente possvel com relao a tal. Ao deparar-se com um projeto como o
presentemente comentado, entendemos ser dever do Estado atuar de modo a endossar,
apoiar e estimular seu desenvolvimento, o que, no caso, inocorre;
b) ainda que no nos tenha sido dito de modo expresso, a ausncia
do Estado funda-se, como se pde ver por comentrios por vezes at velados, de um
14
certo modo, numa postura deliberada do projeto de afastar a ingerncia poltica sobre o
mesmo. O idealizador do projeto teme, assim, o uso do projeto para fins no exatamente
polticos, mas eleitoreiros e promocionais pura e simplesmente. Isso nos leva reflexo
sobre a extenso dos efeitos de tais prticas distorsivas no exerccio da poltica, alijando
o Estado, por fim, de uma tarefa a ele imposta pela Constituio Federal como
fundamental;
c) por fim, frente ao projeto, sua simplicidade de concepo e seus
efeitos prticos evidentes, somos igualmente levados a refletir sobre a baixa
participao da sociedade civil neste tipo de iniciativa. O dado de que o projeto em foco
foi levado como piloto ao Rio de Janeiro e no encontrou um s posto interessado
ainda que com custeio de adaptao totalmente bancado pela Petrobrs fala por si.
Alm disso, e como pudemos ver acima, ainda h muitos
preconceitos e discriminao em face do portador de deficincia, cuja situao de vida
no deveria despertar comiserao, mas simplesmente acolhimento e oferta de
oportunidades de modo concreto.
6. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
ARAJO, Luiz Alberto David. A proteo constitucional das pessoas portadoras de
deficincia, Braslia : CORDE, 1994.
ASSIS, Olney Queiroz, PUSSOLI, Lafaiete. Pessoa deficiente : direitos e garantias,
So Paulo : Edipro, 1992.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, So Paulo : Campus, 1987.
COMPARATO, Fbio Konder. A afirmao histrica dos direitos humanos, So Paulo
: Saraiva, 1999.
FIGUEIREDO, Guilherme Jos Purvin de (coord.). A pessoa portadora de deficincia
e o princpio da igualdade de oportunidades no direito do trabalho, in Direitos da
pessoa portadora de deficincia, So Paulo : Max Limonad, 1997.
15
GARCIA, Edins Maria Sormani. A proteo da pessoa portadora de deficincia e seu
fundamento no princpio da dignidade da pessoa humana, in Direito da Pessoa
Portadora de Deficincia : uma tarefa a ser completada, Luiz Alberto David Arajo
(orgs.), Bauru : EDITE, 2003.
RAWLS, John. Liberalismo poltico, Ciudad de Mxico : Fondo de Cultra Econmica,
1996.
SODR, Muniz. Por um conceito de minoria, in Comunicao e cultura das
minorias, Raquel Paiva e Alexandre Barbalho (orgs.), So Paulo : Paulus, 2005.