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António Manuel Bogalheiro

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Entre a renúncia e a vontade do ser, o desespero e a contemplação emocional, os contrastes emocionais e o lirismo sob estupefacientes, o anarquista revoltado e o activista pela paz interior, o amor e o ódio, a vida e a morte, a poesia e os contos líricos de Jorge Bogalheiro transformam-se em caminhada espiritual para aqueles que se revêem nestas páginas.

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Jorge Bogalheiro

Papiro EditoraPorto 2012

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FICHA TÉCNICA

Título António Manuel BogalheiroAutor Jorge BogalheiroImagem da capa Joana Brito

Editor Papiro Editora Porto Rua de Pinto Bessa no 615 4300-433 Porto t. 220 120 144/5/6/7/8/9 f. 220 120 143 e. [email protected] b. blogdapapiroeditora.blogspot.com s. www.papiroeditora.com

Ano de Edição Abril 2012

Coordenação Editorial Papiro Editora Coordenação Gráfica Papiro Editora Design Papiro Editora Distribuição BUK Distribuição telefone: 220 120 144/5/6/7/8/9

ISBN 0000000Depósito Legal

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PREFÁCIO

Hoje lembrei-me do teu enterro, pai. Triste memória minha, bem sei. Olhando uma velha fotografia ainda consigo sentir o teu cheiro. Talvez seja tudo loucura minha, transfigurado com o tempo. Cruel, esta vida. Será a morte melhor? É a tua morte melhor, pai?

O teu enterro. Os homens mantinham a postura de seres herói-cos consolando as mulheres que choravam e fingiam uma dor que não sentiam. Foda-se. Alguém sentiu o mesmo que eu senti naquele ce-mitério, por entre a turba que não escolheste? Todos acompanhavam com o olhar o caixão que lugubremente era depositado no antro onde o teu corpo jaz. Todos acompanhavam como se fosse um romance genial que lhes preenchesse o vazio existencial. Porquê, pai? Um a um foram-se aproximando e eles, que choravam a tua morte, ajudaram a enterrar-te. E eu odiei-os. Decidiram fazer parte da tua morte como se não bastasse terem feito parte da tua vida.

Sinto que também o meu coração foi enterrado naquele momen-to, no momento em que te obrigaram a partir. E hoje finalmente con-sigo escrever-te, pai. Hoje, após estes anos todos. Tu que me confiaste a escrita quando partiste. Hoje sei disso. Como ficarias orgulhoso se me pudesses ler… Dez dias após a tua morte escrevi o meu primeiro texto. Irracionalmente. Tão simples quanto isso. E sei que tudo o que escrevi — e tudo o que virei a escrever — já tu outrora tinhas pensado e senti-do. Sim. Sou a sombra do génio interior que foste e nunca revelaste. O teu sangue percorre-me o corpo. Também eu sou um génio. Um génio com a ambição de mudar o mundo através das palavras. Chamem-me louco, mas tu sabes que só um louco poderá fazê-lo. Tu sabes disso, pai. Também tu eras um louco. E, no entanto, hoje sinto-me mais perto. A cada dia que passa sinto-me cada vez mais perto. Espera por mim, pai. Eu estou a chegar.

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AmARguRA PERsOnA

Tornaste-te vulgar, Jorge. Vai para o caralho. Tornaste-te em mim. Já não és tu, porque o tornaste. Tornaste-te porque sempre foste o não ser. Ser o ser que não é um sou-me em ti. Vai para o caralho. Vai-te embora, Jorge. Sai de dentro de mim. Deixa-me ser-te só porque não o és. Odeia-me uma vez mais só porque te odeio. Vai para o caralho. Vai Jorge! Vai! Vai! Caralho!Caralho!Caralho!

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PAstEl dE nAtA

Se escrevo, sinto o passado amargo com cheiro a ervas e sabor a absinto e escrevo estupefacientes e vontade vã e palavras insuficientes pra mudar o amanhã.

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mIssIOnÁRIO

Levanta-te do chão. Ensina-me a morte. Ensina-me a dor de Sá-Carneiro. Espirra dores e mortes. Alimenta vidas e heróis. Mata os heróis. Não existem heróis na terra dos mortos. Ensina-me a morte. Levanta-te do chão. Ensina-me a morte. Não morras.

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COCAínA

Emocionalmente forte mas longe de alguma emoção sois vós a metáfora da morte e da puta da razão. Sois vós, Cocaína. Sois vós, sim. Sede senhora de mim. Sentis, senhora de mim? Cocaína. Cocaína. Morte. Quando vos sentirdes senhora de mim, entrai dentro de mim.

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dIÁRIO dE um dIA

É um dia como tantos outros, penoso como tantos outros, no qual nada se detém. Investigo secretamente a minha vida secreta, que de secreta não tem nada, porque os segredos servem para serem des-vendados, e eu já os desvendei a todos. Amo-te. Estás com disposição em encontrar alguém melhor? Parabéns. Encontraste-me.

É um dia como tantos outros, onde caminho em estradas onde o fim não está próximo, sem saber sequer se existe. As estradas tam-bém não existem, são metáforas. Caminho no meu pensamento, para ser sincero. Penso em pensar, mas não consigo. Pensar não é o meu forte, mas sorrio porque também não é o teu.

Não sei o que sentir, sentir é a arte dos fortes. Eu sou fraco. Fico-me por tentar sentir o que não sinto.

Chamem a polícia, o perigo está aí. Vejo a dor em todo o lado, vejo essa palavra cruel ser repetida ao longo da rua ao expoente da loucu-ra. Vi-a à minha frente e tentei-a apanhar. Corri, mas depois arrependi-me. Dei meia volta e fui-me embora. Cheguei ao fim do meu dia, e não vi nada de novo. Escrevo esta merda neste diário que estreio hoje, mas que não terá amanhã. Não há nada aqui, mas o que está aqui é meu.

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mERO dROgAdO

Mero drogado Um infeliz espírito levado Ao seu mais feliz estado Mero drogado Olho por olho vidrado Sorriso de lado a lado Mero drogado Pouco a pouco degradado Cada vez mais desgraçado Mero drogado Dono de um ser fracassado Pretende esquecê-lo por um bocado Mero drogado Está agora desapontado Por o efeito não ter durado o esperado Mero drogado Lança novamente o dado E desfruta mais um bocado.

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CIgARROs

Fumo por ti, fumo por mim Fumo, sinal de cobiça Capacidade de pôr um fim Digo eu sem pensar muito, escassa Desde de que a primeira passa Fez de sua justiça. Fumo por ti, fumo por mim Embora digam que faz mal Capacidade de pôr um fim Ao meu quê de racional Dizes que fode o coração, este Que tu própria fodeste Garganta quente, cigarro à frente Sai, que talvez tenha um rumo diferente.

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EsPElhO

Olho-me ao espelho. Vejo um vulto à minha frente. Olha-me como quem olha um criminoso. Olha como se me odiasse. Eu nem o conheço. Mas instintivamente também o odeio. Como é que é possível? Odeio alguém que não conheço. Mas… eu conheço aquele olhar. Olhar lúgubre, olhar morto. Aquele é o meu olhar. Será aquela a minha figura? Será que já não me conheço? Passo a cara por água, tentando desaparecer. Olho para o espelho e a figura ainda lá está. Terei descoberto que odeio o que sou? Vou à cozinha e pego na primeira faca que encontro. Volto a olhar para o espelho. O vulto ri-se de mim. E eu também me rio dele. Mas sem vontade. Tenho vontade de o matar. Vou matá-lo. Atiro a faca contra o espelho. E desmaio. …

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Acordo. Tenho os olhos a arder com as luzes. Levanto-me a cambalear. Olho para o espelho. O vulto ainda lá está. E eu continuo a odiá-lo.

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RElógIO IntEmPORAl

Esta hora já não é, sequer, uma hora Hora de me lamentar derrotado Por ainda não ter chegado Essa hora que tanto demora Esta hora já não é sequer uma hora Ora minha, ora tua De gritar em plena rua Que essa hora é agora Esta hora já não é sequer uma hora De por fim morrer

Já morri outrora.

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COmbAtE POétICO

Puxo de mais um cigarro E por entre toda essa fumaça Vejo um verso que não agarro Uma rima que me ultrapassa. Sei que o poeta é cego Que vê com o coração Mas será que só quando não me entrego É que me vem a inspiração?

Hei-de ser sábio louco; Que chora por ter tão pouco Quando apenas tem a sua fé. Hei-de ser génio inovador Escrever geniais líricas de amor Diferindo de todo o cliché. Puxo de mais um, sem pensar E rabisco algo sem sentido Pois sem sequer imaginar Curo meu coração ferido.

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VIVE, ACREdItA, PEnsA

Será mais cego Aquele que não quer ver Ou o puro idólatra? Será mais débil Aquele que teme sofrer Ou o que não o mostra? Será mais absurdo Aquele no espelho ser eu Ou o facto de eu ser seu chão? Será mais lúgubre Aquele que por amor morreu Ou o tipo que vendeu o coração?

Serei euOu serás tu?

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RAPAz dE hOjE Em dIA

Eu amar, não amo. Será doença o que sinto? Pelo teu nome aclamo Mas amor não é, não minto. Será loucura? Não, não posso estar louco. Será ternura? Talvez um pouco. Tem de ser algo mais. Sofro quando não estás comigo. Serão desejos carnais? Certamente é mais do que digo. Pareço o rapaz De hoje em dia. Faz uma declaração audaz Mas afinal não era o que queria. Quem me dera Apagar este lume ardente Que ataca como uma fera Sempre que surges à minha frente.

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mAtEm O PARAnORmAl

Sou cego e já vi tudo: Vi o mundo pintado de cinzento Vi a sanidade desaparecer ao sabor do vento. Devo ser paranormal: Ouvi-me rezar e sou mudo Ouvi-te chorar e sou surdo. Mata-me hoje, não quero viver amanhã; Não faças da tua faca uma faca vã.

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tuRbA

Como podemos viver Sem cheirar a vida? Como podemos morrer Sem hipótese de despedida? Podemos, sim Se formos gente. Mas visto assim De quem sou eu descendente?

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ElE PERdEu O COntROlO

Ele perdeu o controlo.Ele perdeu o controlo no próprio dia em que nasceu. Veio ao

mundo, olhou em frente e viu a morte. Foi amor à primeira vista. Desde aí deseja morrer pois, viver, já alcançou. O animal ama sempre o que não tem, e na vida nada se detém. Tudo se perde.

Ele perdeu o controlo, e então cometeu o grande erro mortal… Nasceu. Depois cresceu, sofreu, odiou e desejou a morte. Pena que a morte não pode vir por encomenda. Temos de deixá-la amadurecer, temos de deixá-la levar-nos quando ela mesma precisar de nós.

Ele perdeu o controlo, assim como a morte o perdeu mal que se apoderou do primeiro morto. Assim se criou uma fome infinita que não consegue controlar. Assim perdeu o seu controlo, assim como ele.

Ele perdeu o controlo. Perdeu, mas não sabendo como, o con-trolo regressou e ele conformou-se com a vida. A morte, essa? Ainda a ama…

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ERgÁstulO

Eu não fui, nem sou Nem tão pouco serei o que queres de mim. Ou então fui, ou sou, e outrora já me esqueci. Mas olha, sinceramente olha bem para ti; Tudo o que tu não és, eu sou assim. E em ti vejo perfeição Ou talvez não. Perco-me nas recentes novidades de antigamente Enquanto da minha velha moderna me liberto, Sendo que intemporal te continuo transcendente, Libertando-me da tua prisão, continuo perto.

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AnARquIA EsPIRItuAl

Conforto-me de nada; Para quem no nada crê Nada é o meu conforto. Se me perguntarem porquê, Direi que não sei responder Porém, suponho que não mais me suporto E já não me importo Em nada ser.

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EstAdO: mElAnCólICO

Acordar, mas para quê Se tão vulgar é cada dia O barco de piratas sem pirata O sábio sem sabedoria O assassino que não me mata Adormecer, mas para quê Se o sonho é tão igual O atleta que não corre O conto de fadas sem final O meu Eu que não morre Pelo sim, pelo não Fico no meio.

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PuRgAtóRIO

Olho para a vida, perdido Como quem olha um desconhecido. Talvez conheça, mas esqueço Todo o mal que não mereço.

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mERdAs

Eu vi-me Vi-me tão lucidamente Que posso dizer que me vi Vi-me de repente. E, no entanto Nada vi Porque me vi E eu não sou gente.

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FRÁgIl

Quando, se eventualmente Sentires teu consciente desvanecer Ou, claro, qualquer dor diferente Como teu coração ser desfeito a pó Sê tu mesma; é só Tudo o que podes fazer.

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nós mORREmOs nOVOs

Somos tão jovens E querem-nos tão homens Que para homem ser Basta morrer. E porque o queremos Assim morremos.

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ORgIA dIsCuRsAntE

Escrevi-te dezenas de textos ao longo destes tempos, mas poucos te mostrei. Os mais sinceros não cheguei sequer a escrever, porque não eram tão geniais como eu queria que tu me visses. Mas agora escrevo-te para ter a certeza que exististe — e existirás sempre — em mim. Caso contrário, façam disto a bela de uma ficção e transfiram para o cinema daqui a pares de anos. É-me indiferente. Friso: indiferente. Não consigo calcular o rumo que este devaneio vai tomar. Escrevo a nossa vida, Eu, mas só uma parte dela — ainda temos tanto para viver. Posso não começar pelo início? Odeio clichés, tu sabes disso melhor que ninguém. Mas tu és ninguém. Tu és Eu. Quem és tu? Não és nada. Eu sou nada. Quem sou eu?

Não te mereço. Nunca te mereci, bem sei, tal como nunca me mereceste. Nunca merecemos o que realmente nos pertence, e nós sempre nos pertencemos. Talvez, por tal, tivemos tantos conflitos. Ultrajo o teu nome. Cabrão. Cabrão. Nós sempre parecemos um constante duelo entre a forma e a razão; Eu a forma, Eu a razão. Mas somos feitos de algo mais, seremos sempre feitos de algo mais.

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mAstuRbAçãO EmOCIOnAl

Recordo quantas vezes atravessei o tempo [em vão Quantas vezes atravessei o tempo sem tempo, Quantas vezes me escapou o tempo. Agora, de certo, sei que nada mais irei atravessar Nada mais a não ser a tua imagem esquecida no [espelho: Ele mostra-nos sempre o que mais queremos [esquecer O que mais nos magoa e faz odiar a vida O que mais nos repugna e nos faz desejar odiar a [morte O que nos deixa sem saída alguma Perdidos Presos Na nossa mente No nosso tempoQue cede às fantasias Que cede às ilusões Que cede ao mundo Que cede a ti.

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sER AlquImIstA

Viajei, mas de nada serviu E agora minha acrasia Banha-se nas margens dum rio Esperando que morra o dia. Houve, eventualmente, alquimia Mas vejo-a ao longe, desvanecer Na imagem que não me faz ser.

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PEssOAs

Fecho os olhos. Não vale a pena ver a vida é demasiado doloroso. Sinto-a, meramente. Sei que não sou intemporal e um dia irei desvanecer à vista da memória eterna. Mas não totalmente. Ninguém parte inteiramente. Há sempre algo nosso que permanece cá, nem que seja meu gosto a pouco na tua boca. Há que tomar-lhe o gosto.

Fecho os olhos. O mundo é cor-de-rosa. A felicidade é uma possibilidade. A miséria uma miragem. Eu ainda não nasci.

Fecho os olhos. Tu ainda cá estás, a meu lado.

Fecho os olhos.

Fecho os olhos para sempre.

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IndIFEREnçA

Atravesso uma qualquer rua De uma cidade qualquer Como se fosse uma imagem nua Esta inteira mágoa do meu ser. Atravesso tudo a parecer Um mero vulto sem nome E tudo me atravessa sem ver Esta inteira mágoa que me consome. Atravesso a minha vaga imagem Como cumprimento um bom inimigo E é em cada esta passagem A inteira mágoa que prossigo.

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dEsnAsCER

Se a vida é só uma Não deixes que te consuma. Nada passa de uma ilusão À qual não podes escapar Porque só o facto de respirar É um podre do teu coração.

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RAzãO és tu

As pessoas são vãs em si mesmas E nada procuram para te justificar. Não há uma forma nem uma razão Que as capacite de se libertar. Vejo o mundo ao contrário Como se fosse essa a essência Mas nada em si modifica Aquela infeliz dependência De não serem elas mesmas Porque não sabem quem são. Se te perguntarem porquê Dirás que não há razão Mas talvez suspeites que é Porque as pessoas são vãs em si mesmas E nada procuram para te justificar.

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AltERnE dO VOssO tEmPO

– chega um entram dois – é o entrar comum que lhe entra depois – mete a mão tira o braço – pergunta como estão e dá um abraço pára de fazer sentido, não devias ter bebido e chega sem que se guarde e sossega mais numa tarde ao som do passado que lhe é passado e lhe foi tirado bocado a bocado

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nunCA é sEmPRE

Nunca é sempre Quando sempre é nunca E há quem te encontre No intervalo de tempo Onde o tempo já não é Ou simplesmente deixou de ser Porque O tempo Nunca é sempre Pois sempre é nunca.

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ImPulsO 54

um pé à frente e o outro atrás um gesto indiferente que nada desfaz um ruído de fundo sem nenhum valor e ora vê-me, meu amor vivo moribundo esperando a minha hora num espelho que te mora gritei tentei o teu nome que me jaz mas o meu não tentarás eu não fui capaz.

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FElICIdAdE PlÁstICA

Sou o que vou sendo Deixando de o ser Pois não me vendo À vontade do ser. Olho o meu fundo Aspirando ao mundo Que nada me detém Por seu próprio bem Onde lúcido me vejo Louco de desejo Em enfim ceder À vontade do ser.

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InFERnO

De brisas doentias na espinha Te construo, soberba minha. Nada mais. Nada menos. Nada eu. Nada vida. Apenas tu.

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En O nOmE dE dEOs

Sou os ideais que defendo E um mórbido céu vão Rival daqueles que são sendo O antagonismo da razão.

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Ter medo não é um mal É a certeza de estar vivo. E eu, um corajoso cobarde Assim te sobrevivo. Sou um génio com medo De morrer na genialidade Porque vivo a morte Que o trivial me invade. Não digas nada mais «eu» Que o teu monólogo é meu.

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dIA dE umA nOItE dE OuRO

Ataca-me a poesia de madrugada. Olhos dependentes duma mente refém Vêm chegar desconcertada A poética de alguém. É minha. A poética é minha. Eu sou a poesia. Pelo menos hoje seria. Mas ainda é hoje? A noite tornou-se dia. Hoje é dia de noite de poesia. Olá Pessoa. Faz com que a dor não te doa. Hoje sou eu.

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PAz, AmOR, ERVA

Desapareço no fragmento Onde simplesmente deixo de ser O que o tempo não foi E já não mais me lamento Porque é na vida a desnascer Que a temporalidade não dói. E desvaneço Desapareço Não existo. Perco-me na monotonia de um louco Sabendo-lhe todo o sabor; Não é doce, nem amargo Sabe puramente a pouco. E desvaneço DesapareçoPorque existo.

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hORA, dAtA, lOCAl

Ela tinge a vida transcendente De cores que cospe no banal E percorre sorridente Os limites do real. Ela murmura algures na vida Todos os seus dissabores Como se tal vida tingida Existisse nas suas cores. O que é isto? O que é isto? Questiona no silêncio. E ela cospe, sem tempo Todo o tempo.

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PlAnOs dE mERdA

Eu achei-me tentando manter-me vivo Afogando-me em mares do sul onde não existo. Grito com a voz de outrem e nada ouço Porque sempre ouvi exclusivamente a minha [voz E a tua já não existe neste espaço-tempo Onde te enterrei sem a certeza de estares morta Recordando quando murmuravas que morrer é [viver. Desejo abraçar-te no vazio Sentir o teu calor no conforto do nada Se tu existires. Existes, tu?

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mAR nEgRO

Mastigo o sentimento do abstracto Na negra luz desta noite sem sentido Ou sentido abstracto, sentido não percorrido. Os olhos escolhem o mar Essas águas que me afogam o olhar Cobiçando gota a gota o infinito Do sentido nunca antes sentido.

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REVOluçãO dIsléxICA

Nascem gritos de prazer. Uma garrafa no ar, um cigarro no chão. Um pombo no ar, um soldado no chão. Correm como se fosse o último dia dos dias E a primeira das últimas noites E pensam que não vale pensar E deixam de pensar. Foi feita revolução.

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ERVA nO EsPíRItO

O amor paira em caminhadas de espírito longínquas, que não consigo atingir, e foge-me como a beleza foge ao cego.

Tanto caminho em tudo, como caminho em nada. Não há nada que me complete, como não há um tudo que me prenda aqui. Tudo vai, e vem. Nada se detém, tudo se perde.

Este é o meu devaneio vindo directamente dos subúrbios da minha existência, que nunca explorei, porque nunca existi.

Eu poderia ter sido tudo, mas tiraram-me tudo e obrigaram-me a nascer. Eu fui um génio na minha cabeça. Em tanto pensei que depois percebi que era uma visão demasiada para mim. Eu não a me-recia, não me pertencia. Nada escrevi sobre ela. Deixei para quem a suportar. Morro no pensamento. Lavo as minhas mãos na ignorância universal. Basta uma palavra soletrada no segundo mais incoerente que possa existir para que tudo mude e nunca volte a ser o que era, como tudo o que foi deixasse de ser.

E é sempre esta dor que não me perde. Dói demasiado. Dói sem pedir licença. É a dor de sermos grandiosos e não aguentarmos essa grandeza. É a dor de sentirmos que nascemos para uma grande obra, mas desconhecermos o sentido de tal sentimento. Eu não pedi para ser assim. Eu não quero ser assim. Eu só quero ser eu, assim que descobrir quem sou. Este não sou eu. Tu és?

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O unO tRAnsFIguRAdO

Sozinho com a solidão Mato o triste ambiente Das sombras que me dão Esse feito eminente. Ilustre sem feito Sou eu justo e sozinho Fitando satisfeito O negro caminho. De uma visão demente É o fim sem começo Que ora não me interesso Em não ser gente. E assalta-me esse fado A mim, o uno transfigurado.

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EPIléPtICO

Sente-se o esgar sombrio Na lágrima que não lhe desce Ou no olhar que nunca viu Uma infância de creche. É o maior amante do diabo Ansiando fatalmente pela sua chamada Obra esse que levará a cabo O fim da alma nunca desejada. O sangue corre-lhe sem direcção Para mais Mais, mais Mais, mais longe. E assim se vive Enquanto se vive. Ámen.

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AntAgónICO

Usa-me Abusa-me O cão uiva por justiça E o eco divaga sem par Através da fé submissa Sem crença para divagar. Só somos o que vamos sendo? A razão escapa a todos. Como é que podemos ser tantos mantendo-nos únicos? Uivemos, diz o cão.

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uIVO mudO

Matar ou morrer A vida ou o ser. Eu não consigo supor Se prefiro aceitar a morte Ou morrer de dor. Se dor é o castigo Ou morte a solução Quem dirá que eu consigo Suportar esta nação? Acredito que não é caminho Deixar o Homem jaz Ou então eu que fique sozinho A sós com a minha paz. Cortem a corda desta vida sem corda. Vamos a jogo, hoje pago eu. Amanhã logo se vê.

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EstuPIdAmEntE EstRAnhO

Mesmo perdida Não é só a vida que se perde Mas o que se perde da vida É uma pena também E será sempre uma pena Embora breve e serena Para aquele que a vida tem.

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gélIdO

Saí de casa algures no tempo. Olhei o céu e ele desprezou-me. Sorri e segui o meu caminho. Atravessei uma esquina, ninguém. Atravessei outra, duas cachopas a falarem dos novos namorados. Outra, um moribundo a injectar-se. Outra, meia dúzia de miúdos cheios de futuro para a futebolada (em miúdos, temos sempre imenso talento para tudo). A última, um rapazito a chorar sentado nos de-graus de umas escadas normalíssimas. Aproximei-me.

— O que é que se passa, moço?Ele olhou-me como quem olha o Diabo. Eu sorri imediatamen-

te. Conhecia aquele olhar. Aquele olhar era o meu. Levantou-se peno-samente e tentou prever-me os pensamentos.

— Achas que me podes ajudar? Ninguém pode. Nem Deus, esse filho da puta!

— Deus? Um velho conhecido meu. — E ri-me que nem um perdido. Acendi um cigarro.

— O que é que se passa afinal? Sabes que falar faz bem, nem que seja com o maior filho da mãe que existe. Fala rapaz, fala como se eu fosse alguém, ou como se fosse ninguém. Faz como preferires.

— Ela deixou-me…— Previsível. Era tudo uma questão de saias, ou falta delas.

Aproximei-me e coloquei-lhe a mão no ombro. O olhar dele tremeu e afogou-se em melancolia.

— Deixou? Quem?— A pessoa que eu mais amo, a pessoa que dava sentido aos

meus dias…Tive vontade de me rir, mas não.— Ai foi?— Sim...— Só isso?— Achas pouco, foda-se? EU AMAVA-A!

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— Todos nós amamos alguém.— Mas eu perdi-a...— Também todos nós perdemos alguém.— Mas eu preciso dela...— Não, não precisas.Olhei-o fixamente, olhos nos olhos, e senti-o sufocar.— Mas…— É assim o Amor. Nada se ganha, tudo se perde. Num dia

tudo parece perfeito, no outro tudo acaba e julgas a tua vida uma merda. Partes tudo o que te aparece à frente dos cornos, desejas não morrer, mas desnascer.

— Mas eu não quero morrer, eu quero lutar por ela...— E ela? Quer que tu lutes?Ele não respondeu, mas eu sabia a resposta.— Fode-te.E virei costas. Chocado, ele chorou como se não existisse ama-

nhã. Sei que fui o maior filho da puta que pode existir, mas não havia mais nada que pudesse fazer. Não há cura para o amor. Podia ser falso e dizer-lhe que ele ia ultrapassar a dor que estava a sentir, que ia ficar tudo bem, mas estaria a mentir. Não vai ultrapassar. Vai doer hoje. Vai doer amanhã. Vai doer para sempre. Cada vez mais. E mais. E mais. E mais. Desculpa, não te posso ajudar. Nem a mim me consigo ajudar…

Passaram talvez dois, três anos, ou talvez tenha passado uma vida inteira. Saí de casa. Atravessei uma esquina, ninguém. Atravessei outra, duas mulheres a falarem dos maridos que as traíam. Outra, um velhote sentado num banco do jardim com um esgar solitário. Outra, meia dúzia de empresários a disputarem uma partida de futebol no jardim local. A última, um vulto caído nos degraus de umas escadas normalíssimas. Aproximei-me. Ele estava morto. Sobre o peito dele, uma carta…

«Amor, eu não te consigo esquecer. Pensa em mim, por favor. Pensa em mim, eu preciso da tua atenção. A minha vida não faz senti-do. Eu estou a cair. Eu estou a cair, amor. Foda-se, eu estou a cair. Eu

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estou a cair. Caio cada vez mais fundo. Imploro-te, volta para mim. Não me deixes. Fica comigo. Eu não aguento. Amor…»

Sorri. Deixei cair o papel sobre o defunto. Já escrevi esta carta tantas vezes, pensei. E segui o meu caminho.

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AutO-REtRAtO

O poeta acorda ressacado Duma overdose de melancolia E escravo desse fado Assim começa o dia. Levanta-se sem vagar Na morte que o aguarda Porque qualquer lugar É um inferno que o arda. Já escreveu tantoMas ainda é pouco Pois qualquer canto É o éden dum louco. Ao espelho sofre, sozinho Em solidão e sofrimento E faz-se ao caminho; O resto é talento.

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CAnçãO sAudAdE

Há dias em que o tempo tem o tempo que não tem os segundos do tempo onde o teu rosto não vem e há horas em que o sempre vem sempre em primeiro lugar embora verdade que nem sempre o consigo atravessar e há minutos em que o mundo desfalece a teus pés sendo todo o meu mundo aquele que em ti se desfez mas, afinal, o que resta de nós?

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dEus sEm d

A vontade nasce por obra de alguém, E a obra cresce pouco a pouco Nas ruínas de onde outrora um génio viveu E agora já só habita um louco Que morre mil vezes por segundo E renasce no pudor da vida Como qualquer um no mundo Que se decida a entregar à vida. Bato à porta das suas ruínas. Perguntam-me quem é. Respondo sem pensar: Deus.

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EVEREstE

Vou lutar pela verdade que foge Nos confins da razão do ser E, se essa verdade me matar hoje Então estarei pronto para morrer.

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mARIjuAnA

A naturalidade da Natureza é imprevisível Numa condição possível e impossível Do silêncio berrante que devora o banal Do vento branco, mas não natural. E a vida é isso mesmo: Uma contemplação do branco Uma percepção idealista do abstracto. Tudo o resto, lúgubre cancro São horizontes que crio e mato.

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EsquIzOFRénICO

A loucura é de todos, e é para todos nada menos que um luxo missionário. Loucos somos, efémeros cidadãos da Vida sem termos pe-dido, e loucos somos porque odiámos o mundo cruel e desajustado que nos apresentaram quando nascemos. E chorámos. Expulsámos mil pul-mões pela boca. Loucos somos porque criámos um mundo próprio nos nossos subúrbios existenciais, um mundo interior onde podemos viver e sentir todas as emoções que em mais parte alguma poderíamos sentir, mas que em nós estão sepultadas desde a mais velha Eternidade sem que nos apercebêssemos disso.

O Homem é a figura caricata criada por um qualquer dos vossos deuses para revelar o que de mais errado há nesse mun-do dito real; uma personagem bárbara sem ideais nem guia espiri-tual. Se alguém lhe perguntasse o que ele é, de facto, responde-ria alegremente «Homem, mas que pergunta idiota». Mas esse Homem, salivante e impune, vive como se fosse homem, mas des-conhece que não o é. Aqui, algures onde o tempo é intemporal e me fode mil segundos por segundo, não é. Esse Homem não existe. Aqui, nos confins do meu génio, sobrevive um mundo onde o Homem é um louco que lucidamente vive pela sua loucura. Que se ri dos seus próprios limites, mesmo sabendo que não os tem. E se algum idiota lhe perguntasse o que ele era, responderia secamente «Sou-me», e viraria costas orgulhoso.

A honra é lutar sem esperança de vencer, disse o Outro. Se al-guém me perguntar o que eu sou, responderei «Sou um Esquizofrénico normal, porquê?», e rirei que nem um perdido porque a minha res-posta não faz qualquer sentido.

Sou-me, foda-se. Que orgulho.

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AmOR, mORtE E um PIAnO

Que entoe o cântico da memória, E que eu não seja nada mais que eu próprio E que se esqueça tudo: Todas as frases sobre o mar Todas as frases sobre a lua Todas as frases sobre o amor e a morte E que reine a paz e o silêncio em mim Sozinho para sempre. Algures no tempo, um piano ecoa No eterno das estrelas; É a morte, é ela o demiurgo. E o tempo passa e morre, E afunda-se nas profundezas do ser Onde viverá eternamente.

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EdIçãO IlImItAdA

Morri, ornato do sempre Nas palavras soletradas Sem desejo do eterno. Morri na falsidade da Lua E no egoísmo de uma luz Que nunca foi tua. Foda-se. Chega de poesia. Chega de palavras ricas em pobreza. Chega de anáforas sem conteúdo. Chega de paixão, de desejo de carne. Isto é amor, foda-se. Chega de. Volta. Eu quero perder-me dentro de ti. Onde é o teu interior? Olha para trás. Acrescenta uma palavra. Eu quero o Tempo de volta. O Tempo onde tu foste tempo meu.

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Sol… Lua. Terra… Mar. Eu… Tu. Nada nos pode separar. Deixa-me morrer dentro de ti, Se eu ainda não te morri.

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CuRRICulum VItAE

Ascendi ao Infinito,mas não há esperança na terra dos mortos.

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lIçãO ARtístICA

A arte vem acima de tudo, Mesmo quando o crítico é cego E o artista é mudo.

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PutAs

nós aqui por entre o fumo somos o que sempre tememos pobres animais sem rumo ansiando pelo que não temos e é só mais uma atrás da outra nós escravos da solidão aqui sentimo-nos em casa de copo e cigarro na mão mascaramos a dor que nos vaza grita grita grita-me louca é só mais uma atrás da outra.

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mElOdRAmA

Boa noite, meu amor. Como foi o teu dia? Aceitas uma bebida? Pareces tensa. Está tudo bem? … Oh amor… Porque não me respondes? Fala comigo, por favor. O que se passa? Olha para mim! Tu nem sequer olhas para mim… … Porque é que choras? É a tua mãe? Está doente? Não? Então? Conta-me… Eu estou aqui para te apoiar. Espera… Sou eu?! Foda-se, sou eu… O que fiz eu? …

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Percebeste que não me amas? Queres deixar-me? Foda-se… (Lágrimas difundem-se no solo.) … Vai… Vai-te embora… Eu odeio-te! (A porta bate.) … Boa noite, meu amor. Sonha comigo. … A partir deste momento… Será a única forma possível… De me voltares… A... Ter. … Adeus. (O ruído de um tiro ressoa no ar e o corpo cai inânime)

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AntRO

Possivelmente morto, O mundo é possível? A temporalidade do tempo É intemporal no tempo que há, Mas e o tempo que já foi? O tempo que passou? Fito o espelho E a minha imagem não está. O reflexo ganhou tempo sobre mim E fez-se à vida. Mas em que vida? Em que tempo o reflexo serei eu? A morte que nasceu. A vida que morreu. Em que tempo serei eu?

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ORÁCulO

Parábola do consciente Basilisco humano Entre o vácuo do universo Fumo etéreo mas opaco Sangue ornamental na orla É amor o abismo do peito E o ar que nele ecoa

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CAnçãO dO nOssO AmOR

Tenho um alvo nas costas Se não gostas, porque cortas Mais dentro do que é dentro? Sangue pelo chão A faca na tua mão É esta a razão do nosso amor?

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PólO (In)VERtIdO

Sentindo, não penses Sentimentos a que não pertences O pensamento é frio, tão frio Como a sombra que jamais viu O amor Com tempo e fogo se faz o amor Sentindo, não penses.

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VAgAbundO

Passo a passo, invisível Na rua abaixo, perceptível Cospe-me adiante meu reflexo Que eu ignoro, perplexo Então recordo o engenho e arte E a melodia que nos parte Um irreflectido reflexo Sorrindo-me com e sem nexo Depressa a rua acaba por fim Ainda sem saber algo de ti Passo a passo mais distante Com o reflexo doravante E eu Sem reflexo em ti Ainda sem saber algo de ti Passo a passo Passo a passo Passo a passo Para sempre

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sExO lItERÁRIO

A folha branca representa o nada: Nada que se veja, ou sequer se sinta. Sobre ela, uma velha caneta desconcertada Desejando ser criador prescrito a tinta. – A tinta é a metáfora do sémen –

Rendida a folha desprotegida A caneta avança lentamente. Amor, Ódio. Guerra, Vida. Retratos do não-existente. – O poeta não escreve o que existe – – O poeta não existe – E a cria nasce num uivo louco.

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ÍNDICE

PREFÁCIO ..............................................5Amargura persona .....................................7Pastel de nata ............................................8Missionário ...............................................9Cocaína ................................................... 10Diário de um dia ......................................11Mero drogado ......................................... 12Cigarros .................................................. 13Espelho ................................................... 14Relógio intemporal ................................. 16Combate poético .................................... 17Vive, acredita, pensa................................ 18Rapaz de hoje em dia .............................. 19Matem o paranormal ..............................20Turba ...................................................... 21Ele perdeu o controlo ............................. 22Ergástulo .................................................23Anarquia espiritual ................................. 24Estado: melancólico ................................25Purgatório .............................................. 26Merdas ....................................................27Frágil ...................................................... 28Nós Morremos Novos .............................29Orgia Discursante .................................. 30Masturbação Emocional ......................... 31Ser Alquimista.........................................32Pessoas ....................................................33Indiferença ............................................. 34Desnascer ................................................35Razão és tu ............................................. 36Alterne do vosso tempo ...........................37Nunca é Sempre ......................................38Impulso 54 .............................................39Felicidade Plástica .................................. 40

Inferno .................................................... 41En o Nome de Deos .............................. 42112 ...........................................................43Dia de uma Noite de Ouro .................... 44Paz, amor, erva ........................................45Hora, data, local..................................... 46Planos de Merda .....................................47Mar Negro ............................................. 48Revolução Disléxica ................................49Erva no espírito .......................................50O Uno Transfigurado .............................. 51Epiléptico ................................................52Antagónico .............................................53Uivo Mudo ............................................ 54Estupidamente Estranho .........................55Gélido .....................................................56Auto-Retrato ...........................................59Canção Saudade ..................................... 60Deus sem D ............................................ 61Evereste .................................................. 62Marijuana ...............................................63Esquizofrénico ....................................... 64Amor, morte e um piano ........................65Edição Ilimitada ..................................... 66Curriculum Vitae ................................... 68Lição artística ..........................................69Putas .......................................................70Melodrama .............................................71Antro ......................................................73Oráculo ...................................................74Canção do nosso amor ............................75Pólo (In)vertido ......................................76Vagabundo ............................................. 77Sexo Literário ..........................................78

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PoesiaCantos e Recantos –� Benedita StinglA letra malva de jota –� José Ilidio GomesPoema seis –� Luis Brito PedrosoPoemas que eu escrevi –� João de DeusSobre escritos –� António Lopes DiasPassagens Despertas –� Mário CoutoUm Pirilampo que apaga a escuridão –� Salvador CoutinhoEcos Mudos –� Tiago MoitaAndaluzia –� Manuela ReisRetalhos –� Luz GomesFolha ao Vento –� Emilia PintoQuando os Vampiros Amam –� Rui SousaBotas de Pêlo, Corpo de Seda –� Miguel NascimentoSentimento que sofre –� Sandra Manuela PintoNada em 53 vezes –� Gonçalo Nuno MartinsAo Acaso - Sem Ocaso –� Miguel AmoriKupapata dos Sentidos –� Isabel AgosOutonalidades –� José AmaralQuase Poemas –� Isabel AgosReflexões –� Serafim FerreiraPedra Angular –� António Manuel dos Santos FernandesO Meu Sentir –� Graça AmiguinhoCaminhada –� Manuela ReisLugares de Ontem, Instantes de Hoje –� Benedita StinglMas eu construi –� João FirminoDiálogo de Sombras –� Albino SantosPenas da Alma para a Mão –� Ana Bárbara de Santo AntónioCaminho Longo –� Manuel de Oliveira GuerraEm comunhão com Deus –� Fernando Lima Abreu VianaDa Praia do Sudoeste –� Augusto PerpétuoPara lá do fim –� José Maria Castro RibeiroTotal Afloração –� Vitor Oliveira JorgeLume –� Maria MamedeO meu nome e a noite –� Luís Brito PedrosoDança –� Pedro Correia de JesusDegelo de Bruma –� António Manuel dos Santos FernandesDesabafos de uma adolescente –� Catarina PereiraDespertar Inocente –� Leonor PessanhaOficio Diário –� Torquato da LuzOs degraus do Favo –� Ademar CostaUm pedacinho de amor –� Fernando MoraisInquietudes –� Maria Antónia RibeiroSexo Feminino, Meu Ser –� Nhári VianaLaços Verticais –� Paulo SecoOs designios da Palavra –� António AzevedoCastelo de Legos –� Maria de Lourdes Moreira MartinsRecados da Alma –� Gracinda BarrosoA 6ª Letra de Jota –� José IlídioAo Pé das Palavras –� Helder Ramos

Vozes Ao Vento –� Ana Paula LavadoIncongruências da Alma –� Natália ReisCumplicidade - Um Rasto de Voo –� Leónida OliveiraSem Imaginação –� Marta OliveiraUm presente de vidas a crescer –� Adelina AndrêsPedras Preciosas –� Vitor Oliveira JorgeO Beijo do Silêncio –� Francisco Grácio GonçalvesO Destino das Águas –� Benedita StinglPerfume de Poesia –� Armando AraújoHotel Lisboa –� Fernando Martins MendesOs Meus Afectos –� António Ramos PereiraFragmentos –� Armando VicentePaixões de Outrora –� Blandina TrindadePétalas de Mulher –� Ismael PauloAuriflama –� António Manuel dos Santos FernandesPoesia Recolhida –� Manuela ReisEntre Mar e Terra –� Paulo Frederico GonçalvesPedaços de Alma –� Cristina AlmeidaEmoções –� Serafim FerreiraFolha –� Jorge Nogue O Tempo do Não Tempo –� João FirminoSeivas de Inquietude –� José Miguel LopesUm Momento uma Eternidade –� Emília AlhoPontos de Fuga –� Álvaro GóisO cheiro da Sombra das Flores –� João NegreirosElementos –� Rodolfo Miguel BegonhaSem Termo –� Isabel TeixeiraPoética do Instante Filosófico –� Luís LourençoDias sem Sol –� Manuel Quintella e SousaNo Caminho do Silêncio –� Jorge VieiraMúsica de Viagem –� Cristino CortesO Livro Da Nena –� Maria Irene CostaBreves Dissertações –� Tomás de PeresDesfolhar as Pétalas do Meu Bem/Mal-Me-Quer –� Jorge TerrutaPoemas Sem Abrigo e Sem Castigo –� Sebastião Lima RegoDe Luz e De Sombra - Antologia Poética –� VáriosA Musa e o Vento –� Sílvio MartinsAlma, Um Espelho –� Daniel MotaUma Vida de Lágrimas –� Anabela SilvaExplosão de Sentimentos –� Ana Lucia Vicente SoaresFragmentos De Um Percurso Interior –� Maria La-Salete SáVivências –� Liana Tinôco25 de Abril 34 Anos –� José AmaralTerra Rasgada –�Lina Céu Sinais do Silêncio –� Rosa Maria AnselmoJóia Niassa –� CepanMenina Marota - Um Desnudar da Alma –� Otilia MartelMenina Poema Poema Mulher –� Isabel SaavedraAlado de Fogo –� Nuno Albuquerque Vaz Reticências –� Ana Maria PugaPalavras em Guerra –� Manuel Feliciano

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