Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

  • Upload
    fvg50

  • View
    225

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    1/128

    PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO - PUC-SP

    ANTONIO MENDES FEITOSA JNIOR

    A NO INCIDNCIA DAS CONTRIBUIES PREVIDENCIRIAS, SOBRE AS

    VERBAS DE CARTER INDENIZATRIO: Conceitos e Definies de

    Remunerao

    MESTRADO EM DIREITO TRIBUTRIO

    SO PAULO

    2014

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    2/128

    2

    PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO - PUC-SP

    ANTONIO MENDES FEITOSA JNIOR

    A NO INCIDNCIA DAS CONTRIBUIES PREVIDENCIRIAS, SOBRE AS

    VERBAS DE CARTER INDENIZATRIO: Conceitos e Definies de

    Remunerao

    Dissertao apresentada BancaExaminadora da Pontifcia UniversidadeCatlica de So Paulo, como exignciaparcial para obteno do ttulo de Mestreem Direito do Estado (Direito Tributrio).

    Orientadora: Profa. Dra. Fabiana DelPadre Tom

    So Paulo

    2014

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    3/128

    3

    Banca Examinadora

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    4/128

    4

    O jurista o ponto de interseo da

    teoria e da prtica, da cincia e da

    experincia.

    Lourival Vilanova

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    5/128

    5

    minha esposa, Marina; minha

    filha, Mariana, com todo o meu amor.

    Aos meus familiares.

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    6/128

    6

    AGRADECIMENTOS

    Agradeo minha esposa, Marina Pinheiro Torres Feitosa, pelo estmuloconstante, pela compreenso e amor incondicional, consolidados por nossa princesa

    Mariana; tenho certeza que nossa filha vir cercada de amor e carinho.

    Aos meus pais, Antonio e Francisca, por tudo que eu sou hoje, e pelo que

    representam na minha vida. Minha eterna admirao, gratido e amor.

    Aos meus irmos, Marcos e Nelson, por nossa unio, amizade e

    cumplicidade. minha sogra, urea, Cassia e ao Rafael, por tambm fazerem parte da

    minha famlia; considero-os minha segunda famlia.

    Ao meu amigo de So Paulo, Galderise, amizade construda desde os tempos

    do Cogeae; fico feliz que hoje avanamos bastante nos estudos do Direito Tributrio.

    Aos meus colegas do Mestrado, pelos longos debates que permitiram melhor

    compreenso do Direito Tributrio.

    Ao pessoal do Escritrio, nossa Equipe de trabalho formada pela Wylderlene,

    Fabrcia e Maria, aos advogados Nogueira e Daniel, meu irmo Marcos, e os

    estagirios Lucas e Rafael, alm do Robert e Cludio, no qual agradeo a eles pela

    ajuda nas consultas importantssimas para a concluso deste trabalho.

    minha orientadora, Profa. Dra. Fabiana Del Padre Tom, por sempre ter

    acreditado em mim, e por tudo o que seu exemplo representa em minha formao

    acadmica.

    Aos meus professores do Curso de Mestrado, Paulo de Barros Carvalho,

    Roque Antonio Carrazza, Renato Lopes Becho, Robson Maia, por seus valiosos

    ensinamentos e estmulo reflexo.

    Ao professor Paulo de Barros Carvalho, condio necessria do Direito

    Tributrio brasileiro.

    Por fim, seguem meus agradecimentos Pontifcia Universidade Catlica de

    So Paulo, pela oportunidade de aprendizagem nos estudosdo Direito Tributrio.

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    7/128

    7

    JNIOR, Antonio Mendes Feitosa. A no incidncia das contribuiesprevidencirias, sobre as verbas de carter indenizatrio: conceitos e definiesde remunerao. 2014. Dissertao (Mestrado em Direito do Estado) PontifciaUniversidade Catlica de So Paulo-PUC-SP, So Paulo.

    RESUMO

    O presente trabalho trata da no incidncia das contribuies previdencirias sobre

    as verbas de carter indenizatrio. Buscamos estudar o que o fisco tem feito para

    englobar essas verbas indenizatrias na base de clculo da contribuio sobre afolha de salrio; vimos definies e conceitos de salrio e remunerao, sempre

    argumentando pela inconstitucionalidade da no incidncia destas verbas sobre a

    base de clculo deste tipo de contribuio social, sem esquecermo-nos de analisar

    todos os preceitos e estudos da linguagem e das espcies tributrias. Fundamento

    basilar para o estudo realizado.

    Palavras-chaves: No incidncia. Contribuies previdencirias. Verbas

    indenizatrias. Conceitos e definies de remunerao.

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    8/128

    8

    ABSTRACT

    This paper deals with the non-social security tax on indemnities. We seek to studywhat the IRS has done to encompass these indemnifications in the calculation of the

    levy on the payroll, saw definitions and concepts of wage and salary always arguing

    the unconstitutionality of no impact of these funds on the basis of such calculation

    social contribution, without forgetting to analyze all the precepts and language

    studies and tax species. Fundamental basis for the study.

    Keywords: Irrelevant. Social security contributions. Indemnifications. Concepts and

    definitions of remuneration.

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    9/128

    9

    SUMRIO

    INTRODUO ...................................................................................................... 13

    CAPTULO I DIREITO, CONHECIMENTO, REALIDADE E MTODO ................ 16

    1.1 Giro Lingustico: Novo Paradigma Filosfico ............................................. 16

    1.2 Conhecimento, Realidade e Verdade ........................................................... 18

    1.3 Autorreferncia da Linguagem ..................................................................... 22

    1.4 Conceito de Direito ........................................................................................ 22

    1.5 O Carter Construtivista do Direito ............................................................. 24

    1.6 Mtodo: Constructivismo Lgico e Semntico .......................................... 26

    CAPTULO II NORMA JURDICA E REGRA MATRIZ DE INCIDNCIATRIBUTRIA DAS CONTRIBUIES PREVIDENCIRIAS ............................... 28

    2.1 Norma Jurdica ............................................................................................... 28

    2.2 Norma Jurdica: Juzo Hipottico-Condicional ........................................... 31

    2.2.1 Uniformidade sinttica e heterogeneidade semntica das normasjurdicas ............................................................................................ 34

    2.2.2 Normas gerais e abstratas, individuais e concretas e processode positivao do direito ................................................................... 35

    2.3 Norma Jurdica Tributria: Regra Matriz de Incidncia Tributriadas Contribuies Previdencirias ......................................................... 38

    2.3.1 Antecedente da regra matriz de incidncia tributria dascontribuies previdencirias ........................................................... 40

    2.3.1.1 Critrio material ................................................................... 422.3.1.2 Critrio espacial ................................................................... 432.3.1.3 Critrio temporal .................................................................. 43

    2.3.2 Consequente da regra matriz de incidncia tributria dasContribuies Previdencirias .......................................................... 44

    2.3.2.1 Critrio pessoal .................................................................... 452.3.2.2 Critrio quantitativo .............................................................. 46

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    10/128

    10

    CAPTULO III CLASSIFICAO DAS ESPCIES TRIBUTRIAS E REGIMEJURDICO DAS CONTRIBUIES PREVIDENCIRIAS .................................... 48

    3.1 Conceito de Tributo .................................................................................. 48

    3.2 Consideraes sobre o Ato de Classificar ............................................. 50

    3.3 Doutrina e Classificao dos Tributos .................................................... 51

    3.3.1 Classificao dos tributos em trs espcies (classificaointranormativa das espcies tributrias) ........................................... 51

    3.3.1.1 Inconvenientes da classificao intranormativa .................. 52

    3.3.2 Classificao dos tributos em cinco espcies (classificaointernormativa das espcies tributrias) .......................................... 54

    3.4 Espcies Tributrias segundo Classificao Internormativa ............... 55

    3.5 Subespcies de Contribuies Previstas no Texto Constitucional............ 57

    3.5.1 Contribuies sociais ....................................................................... 59

    3.5.1.1 Contribuies previdencirias e a evoluo da legislaoaplicvel ............................................................................... 61

    CAPTULO IV CONCEITOS E DEFINIES DE REMUNERAO ................... 67

    4.1 Movimento do Neopositivismo Lgico Semntico ................................ 67

    4.2 Influncia do Neopositivismo Para Construo do Conhecimento ..... 68

    4.2.1 Grande influncia do Neopositivismo para o direito, o rigorsinttico ........................................................................................... 69

    4.3 Diferenas Entre Conceitos e Definies ............................................... 71

    4.4 Conceitos e Definies de Remunerao............................................... 73

    4.4.1 Conceito e definio sobre salrio ................................................... 76

    4.4.2 Conceitos e definies sobre o carter indenizatrio do salrio ...... 79

    CAPTULO V CRITRIO MATERIAL DAS CONTRIBUIES

    PREVIDENCIRIAS: SALRIO OU REMUNERAO? ..................................... 83

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    11/128

    11

    5.1 Competncia Tributria e Limites ConstitucionalmenteEstabelecidos ............................................................................................ 83

    5.2 Norma de Competncia Tributria .......................................................... 85

    5.2.1 Papel da norma de competncia na conformao da regra matrizde incidncia tributria ..................................................................... 86

    5.2.2 Consequente da norma de competncia das ContribuiesPrevidencirias: enunciado de autorizao materialidade ............ 88

    5.2.2.1 Pressupostos de salrio e remunerao na legislaoptria .................................................................................... 89

    5.3 Novo Critrio Material das Contribuies Previdencirias, a

    Incidncia sobre o Faturamento .............................................................. 94

    5.4 Critrio Material Exigido pelo Legislador na Base de Clculo dasContribuies Previdencirias sobre as Verbas de CarterIndenizatrio, Salrio ou Remunerao.................................................. 96

    CAPTULO VI A NO INCIDNCIA DAS CONTRIBUIESPREVIDENCIRIAS SOBRE AS VERBAS DE CARTER INDENIZATRIO .... 98

    6.1 Ditames Constitucionais e Legais Acerca da Incidncia dasContribuies Previdencirias Sobre a Folha de Salrio ................................ 98

    6.2 A Natureza Jurdica das Verbas Trabalhistas: Inconstitucionalidadese Ilegalidades ....................................................................................................... 100

    6.2.1 Hora Extra .......................................................................................... 101

    6.2.2 Adicional Noturno ............................................................................... 102

    6.2.3 Adicional de Insalubridade ................................................................. 103

    6.2.4 Adicional de Periculosidade ............................................................... 104

    6.2.5 Salrio-Maternidade ........................................................................... 105

    6.2.6 Tero Constitucional de Frias e Frias Indenizadas ........................ 106

    6.2.7 Salrio Famlia ................................................................................... 107

    6.2.8 Aviso Prvio ....................................................................................... 108

    6.2.9 Auxlio-Educao ............................................................................... 109

    6.2.10 Auxlio-Doena ................................................................................. 110

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    12/128

    12

    6.2.11 Auxlio-Creche.................................................................................. 111

    6.3 As Limitaes da Incidncia das Contribuies Previdencirias Sobre

    as Verbas de Carter Indenizatrio, Da No Amplitude da Definio deRemunerao ....................................................................................................... 112

    CONSIDERAES FINAIS .................................................................................. 114

    REFERNCIAS ..................................................................................................... 124

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    13/128

    13

    INTRODUO

    A Constituio Federal, por meio do artigo 195,1 outorgou Unio acompetncia para tributar o empregador e o empregado. A base de clculo da

    exao consiste na folha de salrio e nos demais rendimentos do trabalho. Para o

    exerccio dessa competncia, est determinada a edio de lei ordinria como nico

    veculo hbil instituio de tributo, consoante o artigo 150 do seu texto.

    No exerccio de sua competncia Constitucional, a Unio instituiu

    Contribuio Social, nos limites estabelecidos pelo Artigo 195 da Lei Maior, por meio

    da Lei 8.212/95. Prev a legislao que a seguridade social ser financiada por todaa sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos

    provenientes dos oramentos da Unio, dos Estados, do Distrito federal e dos

    Municpios.

    A Unio, por meio deste embasamento legal, vem realizando esta cobrana

    Constitucionalmente permitida; porm ao cobrar tal exao, o fisco vem distorcendo

    o real conceito de remunerao, incidindo essa contribuio ao salrio integral,

    independente de ser carter extraordinrio, indenizatrio ou mesmo benefcios no

    habituais.

    Em outras palavras, com base em uma anlise sistemtica do nosso

    ordenamento jurdico, em especial das normas que compem o sistema

    constitucional tributrio, possvel a Unio, no exerccio de sua competncia,

    instituir na base de clculo das Contribuies Sociais a Folha de salrio, incluindo as

    verbas de carter indenizatrio? possvel determinar o real conceito de

    Remunerao para a incluso ou no dessas verbas indenizatrias na base de

    clculo das Contribuies Sociais?

    A ttulo de exemplo, a Receita Federal do Brasil est cobrando na base de

    clculo das contribuies previdencirias verbas indenizatrias, como podemos ver,

    por exemplo, no auxlio doena, auxlio creche, aviso prvio indenizado, frias e 1/3

    de frias.

    Seria justo e cabvel o Fisco delimitar um entendimento consolidado do que

    1Art. 195. A seguridade social ser financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta,

    nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos oramentos da Unio, dos Estados, doI - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:a) a folha de salrios e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer ttulo, pessoa fsica que lhe preste servio, mesmo sem vnculo empregatcio.

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    14/128

    14

    integra ou no a folha de salrio. A Constituio Federal em seu artigo 195, I alnea

    a, determina que o empregador e a empresa devem arcar com a folha de salrio e

    demais rendimentos do trabalho; mas o legislador Constitucional no delimitou

    especificamente o que deve integrar ou no. Gerando uma interpretao

    tendenciosa pelo fisco com o motivo de maior arrecadao.Deste modo, o presente trabalho trata da no incidncia das contribuies

    previdencirias sobre as verbas de carter indenizatrio. Buscamos estudar o que o

    fisco tem feito para englobar essas verbas indenizatrias na base de clculo da

    contribuio sobre a folha de salrio; vimos definies e conceitos de salrio e

    remunerao, sempre argumentando pela inconstitucionalidade da no incidncia

    destas verbas sobre a base de clculo deste tipo de contribuio social, semesquecermo-nos de analisar todos os preceitos e estudos da linguagem e das

    espcies tributrias. Fundamento basilar para o estudo realizado.

    Para construir esta Dissertao, o texto foi estruturado da seguinte forma: 1

    Introduo, na qual discorremos sobre Direito, Conhecimento, Realidade e Mtodo -

    giro lingustico: novo paradigma filosfico; Autorreferncia da linguagem; Conceito

    de Direito; O carter construtivista do Direito; Mtodo: construtivismo lgico e

    semntico. 2 Norma Jurdica e Regra Matriz de Incidncia Tributria dasContribuies Previdencirias. Aqui foram abordados os seguintes tpicos: Norma

    jurdica; Norma jurdica: juzo hipottico-condicional; Norma Jurdica Tributria: regra

    matriz de incidncia tributria das contribuies previdencirias, entre outros tpicos

    que complementam este captulo. 3 Classificao das Espcies Tributrias e

    Regime Jurdico das Contribuies Previdencirias. Neste captulo, foram

    apresentados: Conceito de tributo; Consideraes sobre o ato de classificar;

    Doutrina e classificao dos tributos; Espcies tributrias segundo classificaointernormativa; Subespcies de contribuies previstas no texto constitucional. 4

    Conceitos e Definies de Remunerao. Neste captulo, discutiu-se sobre:

    Movimento do neopositivismo lgico semntico; Influncia do neopositivismo para

    construo do conhecimento; Diferenas entre conceitos e definies; Conceitos e

    definies de remunerao. 5 Critrio Material das Contribuies Previdencirias:

    salrio ou remunerao? Neste captulo, foi realizada a seguinte abordagem:

    Competncia tributria e limites constitucionalmente estabelecidos; Norma de

    competncia tributria; Novo critrio material das contribuies previdencirias, a

    incidncia sobre o faturamento, entre outros. 6A No Incidncia das Contribuies

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    15/128

    15

    Previdencirias sobre as Verbas de Carter Indenizatrio. Neste, discorreu-se

    acerca dos Ditames constitucionais e legais acerca da incidncia das contribuies

    previdencirias sobre a folha de salrio; A natureza jurdica das verbas trabalhistas:

    inconstitucionalidades e ilegalidades; As limitaes da incidncia das contribuies

    previdencirias sobre as verbas de carter indenizatrio, da no amplitude da

    definio de remunerao. 7 Consideraes Finais. Por fim, as Referncias, que

    constituram a base terica fundamental para respaldar o presente trabalho.

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    16/128

    16

    1 DIREITO, CONHECIMENTO, REALIDADE E MTODO

    1.1 Giro Lingustico: Novo Paradigma Filosfico

    Podemos considerar o giro-lingustico como uma corrente filosfica que foi

    responsvel pelo novo paradigma no estudo da linguagem. Antes dessa corrente, a

    linguagem no era considerada condio do conhecimento, mas vista como

    instrumento de representao da realidade. O conhecimento era visto como uma

    relao entre sujeito e objeto. A partir do giro-lingustico o conhecer a linguagem

    passou a ser condio primeira para a apreenso do objeto, no h uma

    correspondncia entre a linguagem e o objeto, haja vista este ser produto dela; a

    linguagem nessa concepo passa a ser pressuposto primordial para o

    conhecimento.

    Nesta perspectiva, a interpretao possui ntima relao com a realidade

    medida que esta corresponde a uma interpretao, a um sentido atribudo aos dados

    brutos que nos so sensorialmente perceptveis. Nesse sentido, temos importante

    esclarecimento trazido por Aurora Tomazini:

    Na verdade, o que conhecemos so construes lingusticas(interpretaes) que se reportam a outras construes lingusticas(interpretaes), todas elas condicionadas ao contexto socioculturalconstitudo por uma lngua. Neste sentido, o objeto do conhecimentono so as coisas em si, mas as proposies que as descrevem,porque delas decorre a prpria existncia dos objetos2

    Seguindo essa linha de raciocnio, podemos concluir que no mais h espao

    para verdades absolutas; desse modo, podemos afirmar que a correspondncia no

    se d entre um termo e a coisa, mas entre um termo e outros, ou seja, entre a

    prpria linguagem. O que conhecemos como mundo corresponde a uma construo

    interpretao, a qual condicionada culturalmente, e, por isso, no possui o

    condo de refletir a coisa tal qual ela livre de qualquer influncia ideolgica. O giro

    lingustico traz a noo que os objetos apenas se tornam reais depois de terem sido

    interpretados; o real dessa forma uma construo de sentido a qual ocorre no

    universo lingustico.

    2 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do Direito: o construtivismo lgico-semntico. So Paulo: Noeses, 2009. p.14

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    17/128

    17

    Para que se possa discutir acerca de conhecimento, realidade e mtodo e

    relacion-los ao Direito, faz-se necessrio analisar o movimento filosfico do giro

    lingustico, o qual surge como proposta de superao da filosofia da conscincia.3

    As conquistas do giro fazem sentir-se em todos os quadrantes daexistncia humana. Ali onde houver o fenmeno do conhecimentoestaro interessados, como fatores essenciais, o sujeito, o objeto, e apossibilidade de o sujeito captar, ainda, que a seu modo, a realidadedesse objeto. Reflexes desse gnero conduziram o pensamento auma desconstruo da verdade objetiva e a correspondente tomadade conscincia dos limites intrnsecos do ser humano, com asubsequente runa do modelo cientfico representado por mtodosaplicveis aos mltiplos setores da experincia fsica e social.Plantado no princpio de autorreferencialidade da linguagem, eis a

    assuno do movimento do giro lingustico.

    De acordo com a filosofia da conscincia, a linguagem era vista como simples

    instrumento entre o sujeito e o objeto do conhecimento, sendo a verdade resultado

    da correspondncia entre a proposio lingustica e o objeto referido.

    Com a apario do movimento do giro lingustico, somente a linguagem

    apta a construir a realidade; pois, para se conhecer qualquer objeto do mundo

    concreto, faz-se mister a produo de linguagem. Sem ela jamais se chegaria ao

    conhecimento da realidade circundante.Com efeito, a linguagem deixa de ser concebida como mero instrumento que

    ligaria o sujeito ao objeto do conhecimento, convertendo em lxico capaz de criar

    tanto o ser cognoscente como a realidade.4

    O homem utiliza-se de signos convencionados linguisticamente paradar sentido aos dados sensoriais que lhes so perceptveis. Arelao entre tais smbolos e o que eles representam construdaartificialmente por uma comunidade lingustica. As coisas do mundo

    no tm um sentido ontolgico. o homem quem d significado scoisas quando constri a relao entre uma palavra e aquilo que elarepresenta, associando-a a outras palavras que, juntas, formam suadefinio.

    Logo, a linguagem no descreve a realidade, mas a constri. A linguagem

    no se presta somente a descrever a realidade, mas tambm a alter-la e a criar

    novas realidades. As frases ou segmentos lingusticos que servem para descrever o

    3CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributrio, linguagem e mtodo.So Paulo: Noeses, 2008.p. 160.4 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do Direito: o construtivismo lgico-semntico. So Paulo: Noeses, 2009. p.14.

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    18/128

    18

    estado de coisas so apenas uma das categorias possveis; portanto, seria uma

    falcia ou uma ingenuidade propor que a linguagem verbal s tivesse essa funo, a

    de descrever a realidade, apesar de os gramticos sempre terem afirmado que nem

    todas as frases so sentenas declarativas.

    Observa Manfredo Oliveira que no existe mundo totalmente independente da

    linguagem, ou seja, impossvel filosofar sobre algo sem filosofar sobre a

    linguagem. Isso porque a linguagem momento necessrio constitutivo de todo e

    qualquer saber humano, de tal modo que a formulao de conhecimento

    intersubjetivamente vlido exige reflexo sobre a infraestrutura da linguagem.5

    Aurora Tomazini de Carvalho tambm compartilha desse entendimento:

    conheo determinado objeto na medida em que posso expedir enunciados sobreele, de tal sorte que o conhecimento se apresenta pela linguagem, mediante

    proposies descritivas ou indicativas.6

    Assim, os objetos no precedem o discurso, mas surgem com ele, pois por

    meio do seu emprego que o mundo circundante ganha significado. Contudo, a

    significao do vocbulo no depende da relao com o objeto, mas do vnculo que

    estabelece com outras palavras.

    1.2 Conhecimento, Realidade e Verdade

    Para Flusser (2004, p. 33-34), conhecimento, realidade e verdade so

    aspectosda lngua; cincia e filosofia so pesquisasda lngua; religio e arte so

    disciplinas criadoras da lngua. Tais afirmaes so baseadas na sabedoria dos

    antepassados. Logo, a palavra o fundamento do mundo dos gregos pr-filosficos;

    nama-rupa, a palavra-forma, o fundamento do mundo dos hindus pr-vedistas;

    hachem hacadoch, o nome do santo, o deus dos judeus; e o Evangelho comea

    dizendo que no comeo era o verbo.

    A verdade uma construo lingustica, de tal modo que a lngua cria e

    propaga a realidade, por isso Flusser afirma que a lngua:

    [...] o instrumento mais perfeito que herdamos de nossos pais e emcujo aperfeioamento colaboram incontveis geraes desde a

    5OLIVEIRA, Manfredo Arajo de. Reviravolta lingustico-pragmtica na filosofia contempornea.2. ed. So Paulo: Loyola, 2001. p.13.6CARVALHO, Aurora, op. cit., 2009, p.93.

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    19/128

    19

    origem da humanidade, ou, talvez, at alm dessa origem. Elaencerra em si toda a sabedoria da raa humana. Ela nos liga aosnossos prximos e, atravs das idades, aos nossos antepassados.Ela , h um tempo, a mais antiga e a mais recente obra de arte,obra de arte majestosamente bela, porm sempre imperfeita. E cadaum de ns pode trabalhar essa obra, contribuindo, emboramodestamente, para aperfeioar-lhe a beleza. No ntimo sentimosque somos possudos por ela, que no somos ns que a formulamos,mas que ela que nos formula. Somos como que pequenos portes,pelos quais ela passa para depois continuar em seu avano rumo aodesconhecido. Mas, no momento de sua passagem pelo nossopequeno porto, sentimos poder utiliz-la. Podemos reagrupar oselementos da lngua, podemos formular e articular pensamentos.Graas a este nosso trabalho ela continuar enriquecida em seuavano.7

    De acordo com o dicionrio Houaiss, o conceito clssico de verdade :Conjunto de formulaes e enunciados que mantm uma coerncia dedutiva interna,

    uma perfeita concatenao lgica, a despeito da relao de harmonia ou dissonncia

    cognitiva que possa estabelecer com os objetos da realidade extralingustica.8

    Aparentemente, para se considerar algo como verdadeiro deve ocorrer a

    correspondncia entre uma assero terica explicativa ou designativa realidade

    factual investigada. Porm, para Vilm Flusser:

    A verdade qualidade puramente formal e lingustica da frase,resultado das regras da lngua. Ela uma correspondncia entrefrases ou pensamentos, resultados das regras da lngua. A verdadeabsoluta, essa correspondncia entre lngua e algo que ela significa, to inarticulvel quanto a esse algo, sendo, portanto,incompreensvel.9

    Existem frases e pensamentos certos (quando obedecem s regras da

    respectiva lngua), como tambm h frases e pensamentos errados (quando no as

    obedecem). A lngua que dispe de regras que governam as relaes entre frases.Uma frase (ou pensamento) verdadeira, em relao a outra frase, quando obedece

    a essas regras, e falsa quando no as obedece.

    Assim, a verdade no algo objetivo, mas sim decorrente das regras de

    estrutura da lngua que constroem a realidade. Ela alcanada quando enunciados

    de um mesmo discurso no so, entre si, contraditrios. Trek Moussalem assevera:

    7FLUSSER, Vilem.Lngua e realidade. 2. ed. So Paulo: Annablume, 2004. p.33-34.8 HOUAISS, Antnio. Dicionrio eletrnico Houaiss da Lngua Portuguesa. Verso 2.0a. SoPaulo: Objetiva, 2007.9FLUSSER, Vilm. Lngua e realidade. 2. ed. So Paulo: Annablume, 2004. p.33-34.

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    20/128

    20

    A verdade criada porque a linguagem independente da realidade.Basta recordarmos que o significado no mais a relao entre osuporte fsico e o objeto representado, mas, sim, entre o suportefsico e o objeto representado, mas, sim, entre as significaes desuportes fsicos, entre sentidos, entre linguagens. Explica-se umapalavra por outra palavra [...] a realidade constituda pelalinguagem que por sua vez cria a verdade, que somente por meio deoutro enunciado alterada.10

    Tem-se, portanto, que a verdade, para o Direito, justamente aquilo que a

    linguagem constitui segundo seus ditames, e no o que meramente se passou no

    plano fsico-existencial.11 Isso significa que, por mais que Joo afirme que foi

    roubado por Jos e v ao Judicirio pleitear sua priso sem as provas admitidas

    pelo sistema jurdico que evidenciem a autoria do crime, para o direito, a verdade vaiser a inocncia de Jos. Da mesma forma, quando uma pessoa vem a bito sem

    que seja expedido o seu devido atestado de morte: a verdade para o Direito que

    ela nunca faleceu.

    Todavia, a verdade pode ser alterada por outro enunciado lingustico que

    constitua realidade diversa. justamente por isso que se afirma que h total

    irrelevncia na tradicional classificao entre verdade material e verdade formal: no

    Direito, toda verdade reduzir-se- formal, pois se trata de verdade dentro de um

    determinado sistema de linguagem,12 ou seja, a verdade para o direito uma

    caracterstica da linguagem jurdica, determinada segundo o vnculo estabelecido

    entre o enunciado jurdico e a linguagem do direito positivo.

    Por isso, conhecer saber emitir proposies sobre o objeto cognoscitivo.13

    Porm, o conhecimento s pleno por meio da emisso de um juzo no qual o

    homem d objetivao, por meio do emprego de uma linguagem, quelas

    impresses e sensaes que teve ao entrar em contato com algo.14

    Emprega-se o termo conhecimento pleno como sinnimo deconhecimento em sentido estrito, pois a partir de ento que podem

    10MOUSSALEM, Trek Moyss. Fontes do Direito tributrio. 2. ed. So Paulo: Max Limonad, 2006.p.38.11 GAMA, Tcio Lacerda. Competncia tributria: fundamentos para uma teoria da nulidade. sopaulo: noeses, 2009. p.100.12 MOURA, Frederico Arajo Seabra de. Lei complementar tributria. So Paulo: Quartier Latin,2009. p. 38.13CARVALHO, Paulo de Barros. IPI: comentrios sobre as regras gerais de interpretao da tabelaNBM/SH (TIPI/TAB). Revista Dialtica de Direito Tributrio, So Paulo: Dialtica, n. 12, p. 42, set.

    1996 categrico ao afirmar que conheo determinado objeto na medida em que posso expedirenunciados sobre ele, de tal arte que o conhecimento, neste caso, se manifesta pela linguagem,mediante proposies descritivas ou indicativas.14CARVALHO, Aurora, op. cit., 2009, p.9.

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    21/128

    21

    ser submetidos a critrios de confirmao ou informao. Nestesentido o posicionamento de Aurora Tomazini ao afirmar quemediante as ideias temos um conhecimento rudimentar no mundo(conhecimento aqui empregado em acepo ampla), com o qualsomos capazes de identificar certos objetos no meio do caos desensaes. Com os atribumos caractersticas a estes objetos epassamos a conhecer suas propriedades definitrias, alcanamos,ento, o conhecimento em sentido estrito.

    Esse ato de objetivao de natureza cultural, pois, segundo Miguel Reale,

    tem o poder nomottico de converter em algo de objetivo o mundo das impresses

    e dos estmulos subjetivos sensoriais e intelectivos, o que explica a possibilidade de

    verificar-se a sintonia entre natureza e cultura.15

    Logo, o que chega pela via dos sentidos um dado bruto que se torna realapenas no contexto da lngua, nica responsvel pela transformao do mundo

    catico, que circunda o homem, em algo por ele compreensvel, que, por meio da

    linguagem, o ordena e constitui em realidade.16

    O mundo da vida, com as alteraes ocorridas no campo dasexperincias tangveis, submetido nossa intuio sensvel,naquele caos de sensaes a que se referiu Kant. O que sucedenesse domnio e no recolhido pela linguagem social no ingressano plano chamado de realidade, e, ao mesmo tempo, tudo que delefaz parte encontra sua forma de expresso nas organizaeslingusticas com que se comunica; exatamente porque todo oconhecimento redutor de dificuldades, reduzir as complexidades doobjeto da experincia uma necessidade inafastvel para se obter oprprio conhecimento.

    O mundo no um conjunto de coisas que primeiro se apresentam e, depois,

    so nomeadas ou representadas por uma linguagem. Isso que chamamos de mundo

    nada mais que uma interpretao, sem a qual nada faria sentido.17

    As palavras esto sempre ocupando o lugar da coisa em si, pois essa ltima inalcanvel. A significao de um vocbulo no depende da relao com o objeto

    que se presta a representar, mas do vnculo que se estabelece com outras palavras.

    Por isso, as palavras so os mecanismos utilizados para se chegar prximo

    realidade, precedendo os objetos, criando-os, constituindo-os para o ser cognoscente.

    Todo conhecimento decorre da compreenso que se tem acerca de algo,

    mediante o estudo e reflexes da linguagem produzida sobre o objeto a ser

    15REALE, Miguel. Cinco temas do culturalismo. So Paulo: Saraiva, 2000. p. 43-44.16CARVALHO, Paulo, de Barros. Curso de Direito tributrio. 20. ed. So Paulo: Saraiva, 2008. p.6-7.17TOM, Fabiana Del Padre. A prova no Direito tributrio. So Paulo: Noeses, 2005. p. 5.

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    22/128

    22

    conhecido.

    1.3 Autorreferncia da Linguagem

    Na concepo do giro lingustico no h relao entre palavras e objetos, pois

    a linguagem que os constitui. Toda linguagem fundamenta-se em outra linguagem,

    ou seja, ela sempre se reporta a outra linguagem e no a outra coisa.

    Isso decorre do fato de a linguagem prescindir de referenciais empricos, pois

    ela prpria se mantm, construindo e desconstruindo suas realidades.

    Neste sentido so os ensinamentos de Fabiana Tom, ao afirmar:

    comum referirmo-nos as coisas que no percebemos diretamente ede que s temos notcias por meio de testemunhos alheios. Falamosde lugares que no visitamos, pessoas que no vimos e no veremos(como nossos antepassados e os vultos da Histria), de estrelasinvisveis a olho nu, de sons humanamente inaudveis (como os ques os ces percebem), e muitas outras situaes que no foram etalvez jamais sero observadas por ns. Referimo-nos, at mesmo, acoisas que no existem concretamente.18

    Assim, somente um enunciado tem o poder de refutar outro, simplesmenteporque os objetos e os eventos no falam. Pluto h pouco tempo era considerado

    um planeta, at que foi produzido um novo enunciado, sustentado por outras

    proposies, e ele deixou de ser considerado um planeta.

    Ao se seguir, no presente trabalho, a linha das teorias retricas em

    contraposio s teorias ontolgicas, adotou-se o entendimento de que a linguagem

    no tem outro fundamento, alm de si prpria, no existindo elementos externos,

    nem podendo jamais um evento ir contra uma teoria, demonstrando sua

    inadequao queles. Somente uma teoria refuta outra teoria (TOM, 2005a, p. 19).

    Ressalta Moussallem (2006, p. 27) que os eventos no provam nada,

    simplesmente porque no falam. Sempre uma linguagem dever resgat-los para

    que eles efetivamente existam no universo humano. Os objetos no precedem o

    discurso, mas nascem com ele, pois atravs dele que ganham significados.

    1.4 Conceito de Direito

    18Ibid., 2005, p. 18.

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    23/128

    23

    O conceito de direito formado no intelecto em razo das formas de uso da

    palavra no discurso, tendo em vista os referenciais culturais do intrprete. A

    pluridimensionalidade do termo direito permite tipos diversos de abordagem, quegeram distintas definies, de tal forma que inexiste um conceito absoluto de direito.

    Leciona Aurora Tomazini que:

    No demasiado reforar que o conceito de um vocbulo nodepende da relao com a coisa, mas do vnculo que mantm comoutros vocbulos. Nestas condies, definir no fixar a essncia dealgo, mas sim de eleger critrios que apontem determinada forma deuso da palavra, a fim de introduzi-la ou identific-la num contextocomunicacional. No definimos coisas, definimos termos. Os objetos

    so batizados por ns com certos nomes em razo de habitarmosnuma comunidade lingustica, ao definirmos estes nomesrestringimos suas vrias possibilidades de uso, na tentativa deafastar os problemas de ordem semntica inerentes ao discurso. Porisso que, quanto mais detalhada a definio, menores aspossibilidades de utilizao da palavra.19

    Tal problema surge porque no existe significado ontolgico ao termo (no existe

    correspondncia com a realidade), ele construdo pelo vnculo que se estabelece

    entre a palavra e o significado que atribudo artificialmente pela comunidade de

    discurso ao termo, podendo um mesmo termo possuir mais de um significado.

    Em toda e qualquer linguagem h palavras ambguas e vagas,20 porm, na

    linguagem cientfica a vaguidade e ambiguidade ficam atenuadas em razo do rigor

    e preciso semntica que essa linguagem exige. Contudo, quando inevitvel a

    existncia desses vcios na linguagem cientfica, necessrio se faz o processo de

    elucidao, a fim de que seja mantida a rigidez do discurso.

    No presente trabalho, o termo direito foi utilizado como o conjunto de

    normas vlidas em um dado pas, num determinado momento histrico. Sua

    manifestao se d atravs de uma linguagem prpria, voltada para a disciplina do

    comportamento humano nas suas relaes de intersubjetividade.

    As regras do Direito existem para regrar condutas humanas no plano

    exterior, no importando o que se passa no plano intrassubjetivo das pessoas.

    Deste modo, torna-se de grande valia o ensinamento de Paulo de Barros Carvalho,

    19CARVALHO, Aurora, op. cit., 2009, p.55.20Todo termo impreciso, porque os termos utilizados na demarcao de seu conceito pressupemoutros para serem explicados, em uma circularidade infinita, justificada na autorreferibilidade dalinguagem.

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    24/128

    24

    ao inferir que ao direito no interessam os problemas intrassubjetivos, isto , da

    pessoa para com ela mesma, a no ser na medida em que esse inferior e subjetivo

    corresponda a um comportamento exterior e objetivo.21

    Logo, constata-se que o direito posto apresenta-se como um conjunto de

    proposies que se voltam para a regulao das condutas humanas nas suas

    relaes sociais, buscando, a todo o momento, obter estabilidade e harmonia nas

    relaes interpessoais, por meio de regras prescritivas de conduta estampadas em

    uma frmula lingustica apropriada.

    A partir dessa concepo de Direito, afasta-se do campo de investigao da

    cincia do Direito as razes econmicas, polticas e sociais que desencadearam a

    produo da norma jurdica, interessando para o cientista do direito apenas oconjunto de normas jurdicas vlidas.

    A importncia da definio de direito, para o presente trabalho, decorre do

    fato de se buscar delimitar a anlise da no incidncia das contribuies

    previdencirias sobre as verbas de carter indenizatrio, ao campo estritamente

    normativo (direito positivo), deixando-se de lado aspectos econmicos e polticos

    que por demais influenciam a compreenso destas incidncias.

    1.5 O carter construtivista do Direito

    Para o mestre Paulo de Barros Carvalho, a interpretao do Direito atribuir

    valores aos signos: Mantenho presente a concepo pela qual interpretar

    atribuir valores aos smbolos, isto , adjudicar-lhes significaes e, por meio

    dessas, referncias aos objetos.22 E seguindo seu pensamento conclui com

    preciso:

    V-se, desde agora, que no correta a proposio segundo a qual,dos enunciados prescritivos do direito posto, extramos o contedo,sentido e alcance dos comandos jurdicos. Impossvel seria retirarcontedos de significao de entidades meramente fsicas. De taisenunciados partimos, isto sim, para a construo das significaes,dos sentidos, no processo conhecido como interpretao.23

    O ato de interpretar de acordo com o novo paradigma ganha contornos bem

    21CARVALHO, Paulo, 2008, p.2.22CARVALHO, Paulo, op. cit., 2008, p.180.23Ibid., p.183.

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    25/128

    25

    diferenciados dos que os praticados anteriormente, o direito passou a ser visto como

    um corpo de linguagem no qual o sentido construdo pelo interprete de acordo com

    seus limites e vivncias culturais, diferenciando do entendimento anteriormente

    predominante, no qual o sentido era extrado do texto. Estudar o Direito como

    linguagem possibilitou ao participante e ao observador uma anlise mais detalhada

    acerca do fenmeno jurdico. Os recursos da teoria comunicacional possibilitaram o

    alcance de planos mais aprofundados e de observaes mais minuciosas da Cincia

    do Direito.

    O sentido do texto jurdico no se encontra embutido no texto, no funo

    do intrprete extrair o sentido da norma. A significao est atrelada a um ato de

    valorao do intrprete o qual constri o sentido de acordo com sua ideologia, assuas tradies culturais, e dentro dos limites de seu mundo. Prova disto podem ser

    verificadas nas divergncias doutrinrias e jurisprudncias, fruto das criaes

    diversificadas de cada intrprete, em virtude das diferentes concepes culturais,

    ideolgicas e valorativas de cada um.

    Seguindo esta celeuma e adotando os modernos mtodos de interpretao, o

    intrprete no extrai a interpretao e sentido daquele texto, mas na verdade ele

    atribui sentido ao texto de acordo com seus limites culturais.Adotando este segmento, vemos que a forma de atribuir sentido no texto

    provoca interpretaes diferentes no ramo do Direito, e, por isso, o carter dinmico

    do Direito, por estar sempre mudando e alterando o seu sentido.

    Por conta dos atuais mtodos de interpretao e pelo fato de o Direito estar

    sempre sujeito a interpretaes e alteraes, temos nele uma caracterstica muito

    importante, o carter construtivista, de estar sempre em construo.

    Por estar sempre em construo e alterao, a Receita Federal do Brasilresolveu adotar uma construo diferente na base de clculo das contribuies

    previdencirias.

    O fisco federal resolveu incluir na base de clculo das contribuies

    previdencirias as verbas indenizatrias de carter no trabalhista. Por incluir

    valores que no esto dentro do conceito e definio de salrio e remunerao,

    ocorre o aumento da base de clculo das contribuies previdencirias, gerando,

    inclusive, debates entre os doutrinadores e tribunais superiores.

    No decorrer do nosso trabalho, vamos analisar o porqu do fisco federal

    adotar as verbas indenizatrias na base de clculo das contribuies

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    26/128

    26

    previdencirias, veremos individualmente se cada verba trabalhista de carter

    indenizatrio preenche todos os requisitos dos conceitos e definies de

    remunerao. Para, no final, chegarmos ao consenso se esta verba indenizatria

    deve ou no ser includa na base de clculo da contribuio previdenciria.

    1.6 Mtodo: construtivismo lgico e semntico

    Sobre o discurso cientfico ensina Paulo de Barros Carvalho que este se

    caracteriza pela existncia de um feixe de proposies lingusticas, relacionadas

    entre si por leis lgicas, e unitariamente consideradas, em funo de convergirem

    para um nico objetivo, o que d aos enunciados um critrio de significao

    objetiva.24

    Esse critrio de significao objetiva alcanado com a delimitao de um

    objeto e a presena de um mtodo. Assim, a cada teoria corresponde um e somente

    um objeto e somente um mtodo.

    O mtodo est ligado s escolhas epistemolgicas do cientista e influi

    diretamente na construo de seu objeto, demarcando o caminho a ser percorrido,

    durante o desenvolvimento do trabalho, possibilitando o estudo coerente, no qual

    esteja sempre presente a pertinncia lgica entre as premissas adotadas e as

    concluses obtidas no decorrer do trabalho.

    No mbito da cincia do Direito, a funo do mtodo a mesma que em

    outras cincias, isto , voltar-se para a orientao do trabalho do cientista, ao lhe

    prescrever certas regras (metodolgicas) que devem ser obedecidas, para que o

    conhecimento por ele apreendido possa ser tido como cientfico.

    Alerta Lourival Vilanova que:

    O direito uma realidade complexa e, por isso, objeto de diversospontos de vista cognoscitivos. Podemos submet-lo a um tratamentohistrico ou sistemtico, cientfico-filosfico ou cientfico-positivo, daresultando a histria do direito, a sociologia do direito, as cinciasparticulares do direito e a filosofia jurdica em seus vrios aspectos.Em cada um destes pontos de vista considera-se o direito sob umngulo particular e irredutvel. a complexidade constitutiva dodireito que exige essa variedade de perspectivas. Se fosse um objetoideal, portanto, alheio determinao do tempo e do espao, no

    24CARVALHO, Paulo de Barros. Filosofia do Direito I: lgica jurdica. Apostila do Programa de Ps-Graduao em Direito. Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo. So Paulo: PUC, 2005. p.8.

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    27/128

    27

    comportaria tantas cincias.25

    Ao tomar-se o Direito como um corpo de linguagem, o mtodo analtico de

    trabalho hermenutico mostra-se um mecanismo eficiente para o seu conhecimento,pois enfatiza a uniformidade da anlise do objeto e a precisa demarcao da esfera

    de investigao, permitindo que se entre em contato com o sentido dos textos

    positivados e com os referenciais culturais que os informa.

    Tanto a escolha do mtodo quanto o corte no objeto so atos arbitrrios do

    sujeito cognoscente, objetivando a fixao de uma hiptese limite, de forma a

    impedir que a investigao se d at o infinito, fato incompatvel com os fins

    cientficos.

    Condizentes com a proposio adotada de que o conhecimentojurdico-cientfico construtivo de seu objeto em razo do sistema dereferncia indicado pelo cientista e dos recortes efetuados, em algummomento necessrio que este estabelea um corte restritivo, pontode partida para elaborao descritiva, fundamentado no conjunto depremissas, as quais espera-se que se mantenha fiel do comeo aofim de suas investigaes. As proposies delineadoras desterecorte so tomadas como dogmas e delas partem todas as outrasponderaes. No questionamos tais proposies, as aceitamoscomo verdadeiras e com base nelas vamos amarrando todas asoutras para, em nome de uma descrio, construir nosso objeto

    (formal). E, neste sentido, o mtodo dogmtico encontra-se sempreaparente.26

    O presente trabalho busca traar quais os critrios a serem utilizados para

    definir o que so verbas indenizatrias. Alm do mais importante, determinar os

    conceitos e definies de remunerao e salrio, estes pressupostos poderiam e

    deveriam determinar o que a Unio Federal deve utilizar na base de clculo das

    contribuies previdencirias, obedecendo realmente aos ditames legais e

    constitucionais. Convm enfatizar que este estudo no tem como objetivo esgotar oassunto em debate, mas verificar a sua adequao, ou seja, realizar um estudo

    dogmtico das normas que tratam da incidncia das contribuies previdencirias.

    25 VILANOVA, Lourival. As estruturas lgicas e o sistema do direito positivo. 3. ed. So Paulo:Noeses, 2005. p. 32.26CARVALHO, Aurora, op. cit., 2009, p.83-84.

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    28/128

    28

    2 NORMA JURDICA E REGRA MATRIZ DE INCIDNCIA

    TRIBUTRIA DAS CONTRIBUIES PREVIDENCIRIAS

    2.1 Norma Jurdica

    No captulo introdutrio, definiu-se o Direito como o conjunto de normas

    vlidas em um dado pas, num determinado momento histrico. Ento, estudar o

    direito significa conhecer seus elementos e relaes sistmicas.

    Como as normas jurdicas so os elementos que integram o sistema do direito

    positivo, a nica forma de compreend-lo conhecer os elementos que o compem,motivo pelo qual o seu estudo se torna essencial para o desenvolvimento de

    qualquer trabalho que pretenda, cientificamente, analisar e descrever o direito

    positivo, precisamente, pela circunstncia de ser ele o objeto do conhecimento da

    cincia do direito.27

    Os fatos sociais, isoladamente, no geram efeitos jurdicos. Se assimo fazem porque uma norma jurdica os toma como proposioantecedente implicando-lhes consequncias. Sem a norma jurdicano h direito e deveres, no h jurdico. Por isso, o estudo do direito

    volta-se s normas e no aos fatos ou relaes sociais delesdecorrentes, que se estabelecem por influncia (incidncia) dalinguagem jurdica. A linguagem jurdica o objeto do jurista e ondeh linguagem jurdica, necessariamente, h normas jurdicas.

    Assim como o prprio conceito de direito, o termo norma jurdica no goza

    de privilgio em relao aos vcios de linguagem. A vaguidade, a ambiguidade e a

    carga emotiva acompanham a expresso lingustica norma jurdica, podendo ser

    utilizada nas mais diversas acepes.28

    Buscando afastar a ambiguidade da expresso normasjurdicas, distingue as normas jurdicas em sentido amplo e emsentido estrito. Emprega normas jurdicas em sentido amplopara aludir aos contedos significativos das frases do direitoposto, vale dizer, aos enunciados prescritivos, no enquantomanifestaes empricas do ordenamento, mas comsignificaes que seriam construdas pelo intrprete. Aomesmo tempo, a composio articulada dessas significaes,de tal sorte que produza mensagens com sentido dentico-

    27 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do Direito: o construtivismo lgico-semntico. So Paulo: Noeses, 2009. p.264.28 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito tributrio. 20. ed. So Paulo: Saraiva, 2008.p.128.

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    29/128

    29

    jurdico completo, receberia o nome de normas jurdicas emsentido estrito.

    Buscando afastar a vaguidade e ambiguidade do termo norma jurdica,

    Robson Maia Lins sentencia que:

    Um primeiro passo para espancar-se aqueles vcios lingusticos identificar, com auxlio da Semitica, qual nvel lingusticopredominante na definio. Em voga na doutrina, temos definiesque ora primam pelo enfoque semntico (v.g., norma jurdica oinstrumento elaborado pelos homens para lograr aquele fimconsistente na produo da conduta desejada); outros vosobrelevar o nvel pragmtico (v.g., norma jurdica um programa deao em face da crescente estabilizao e burocratizao dos

    sistemas sociais; e outros ainda primam pelo aspecto sinttico(norma jurdica um juzo hipottico-condicional, que, por meio daimputao dentica ou causalidade jurdica, liga o antecedente aoconsequente).29

    Ao identificar o nvel lingustico prevalecente na definio de norma jurdica,

    sendo uma opo do sujeito cognoscente, reduzem-se drasticamente os problemas

    de vagueza e ambiguidade.

    Coerente com as premissas adotadas no presente trabalho, nas quais o

    Direito se manifesta por meio de uma linguagem prpria, voltada para a disciplina docomportamento humano nas suas relaes de intersubjetividade, utilizar-se- o

    termo norma jurdica como significao construda a partir dos enunciados do

    direito positivo, estruturada na forma hipottico-condicional D (H!C).30

    O direito compreendido no s como significaes deonticamenteestruturadas, mesmo porque a existncia destas depende de umsuporte fsico, da integrao de enunciados (textos de lei), daconstruo de significaes isoladas (proposies) e da estruturao

    dos sentidos normativos. O sistema jurdico compreende,necessariamente, suporte fsico, significao e estruturao, por issosero utilizadas as distines feitas Carvalho, P. (2008a, p. 8) entrenormas jurdicas em sentido amplo (designam tanto as frases,enquanto suporte fsico do direito posto, ou os textos de lei, quantoos contedos significativos destas) e normas jurdicas em sentidoestrito (abrangem a composio articulada das significaes,construdas a partir dos enunciados do direito positivo, na formahipottico-condicional), a fim de afastar-se a ambiguidade que aexpresso norma jurdica apresenta.

    29 LINS, Robson Maia. Controle de constitucionalidade da norma tributria: decadncia eprescrio. So Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 52.30CARVALHO, Paulo, op. cit., 2008, p.8.

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    30/128

    30

    Nos dizeres de Paulo de Barros Carvalho sobre a norma jurdica:

    [...] exatamente o juzo que a leitura do texto provoca emnosso esprito, a significao que obtemos a partir da leiturados textos do direito positivo. Trata-se de algo que se produzem nossa mente, como resultado da percepo do mundoexterior.31

    A norma resultado de um trabalho mental, interpretativo, de construo e

    estruturao de significaes. A mente atribui tratamento formal s proposies

    elaboradas a partir do plano de expresso do Direito, agrupando-se na conformidade

    lgica da frmula implicacional para que se possa compreender a mensagem

    legislada. nesse instante que aparece a norma jurdica, como significaodeonticamente estruturada.

    Ao se tratar a norma como significao, pressupe-se que o intrprete a

    constri. Isso porque ela no se encontra no plano fsico do direito, escondida entre

    as palavras que o compe. Ela produzida na mente do intrprete e condicionada

    por seus referenciais culturais. Por isso, um nico texto de direito positivo pode

    originar diferentes normas jurdicas, consoante os valores empregados aos seus

    vocbulos pelo intrprete.Ao se adotar o entendimento de norma jurdica como significao, conclui-se

    que ela est sempre na implicitude dos textos, no se podendo falar em norma

    expressa. O que se apresenta de forma expressa so os enunciados prescritivos,32

    componentes do plano material do direito positivo. Esta a lio do professor Paulo

    de Barros,33ao afirmar que no cabe distinguir normas implcitas e expressas, haja

    vista que, pertencendo ao campo das significaes, todas elas so implcitas, pois

    as normas se encontram no plano imaterial das significaes, e sua base emprica

    so os textos de direito positivo.34

    31CARVALHO, Paulo, op. cit., 2008, p.8.32O primeiro contato do intrprete, no percurso de construo do sentido dos textos jurdicos, como campo da literalidade textual (plano da expresso), base material para a construo dassignificaes jurdicas, formado pelo conjunto dos enunciados prescritivos, um conjunto estruturadode letras, palavras, frases, perodos e pargrafos graficamente manifestados nos documentosproduzidos pelos rgos de criao do direito. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributrio:Fundamentos Jurdicos da Incidncia. So Paulo: Saraiva, 2009, p.21.33CARVALHO, Paulo, op. cit., 2008, p.10.34 Textos de direito positivo esto sendo empregados como indicativo do conjunto das letras,palavras, frases, perodos, e pargrafos, graficamente manifestados nos documentos produzidospelos rgos de criao do Direito.

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    31/128

    31

    2.2 Norma jurdica: juzo hipottico-condicional

    Ao se estipular que a norma jurdica se encontra na implicitude dos textos

    positivados, como significao estruturada na forma hipottico-condicionalD(H!C), logo se percebe que o nmero de normas no guarda identidade com o

    nmero de enunciados existentes no plano da expresso do direito positivo. So

    muitos os casos em que o intrprete se depara com vrios enunciados para compor

    o sentido da mensagem legislada; outras vezes, a partir de um s enunciado

    constri mais de uma significao normativa,35 ao ensinar que as construes de

    sentido tm de partir da instncia dos enunciados lingusticos, independente do

    nmero de formulaes expressas que venham a lhe servir de fundamento. Haveria,

    ento, uma forma direta e imediata de produzir normas jurdicas (realizada pelo

    legislador ao inserir novos enunciados prescritivos); outra, indireta e mediata, mas

    sempre tomando como ponto de referncia a plataforma textual do direito posto

    (realizada pelo intrprete, quando da construo do sentido dos textos jurdicos).

    Isso s ocorre pelo fato de a norma ser valorativa, podendo cada intrprete construir

    a norma de acordo com a sua significao obtida pela leitura dos textos jurdicos.

    De todo modo, a compreenso dos textos de direito positivo ocorrer a partir

    do momento em que se agruparem suas significaes na forma hipottico-

    condicional e, com isso, constroem-se normas jurdicas.

    Explica o professor Lourival Vilanova sobre a norma jurdica:

    [...] uma estrutura lgica. Estrutura sinttico-gramatical asentena ou orao, modo expressional frsico (de frase) da snteseconceptual que a norma. A norma no oralidade ou escritura dalinguagem, nem o ato de querer ou pensar ocorrente no sujeitoemitente da norma, ou no sujeito receptor da norma, nem ,

    tampouco, a situao objetiva que ela denota. A norma jurdica uma estrutura lgico-sinttica de significao.36

    Por isso, os comandos jurdicos, para serem compreendidos no contexto de

    uma comunicao bem-sucedida, devem apresentar um quantumde estrutura formal.

    A norma jurdica no apenas um simples juzo construdo pelo intrprete a

    partir do contato com os textos de direito positivo. Ela deve ser estruturada na forma

    hipottico-condicional para ser construdo o seu sentido dentico. Caso isso no ocorra,

    35CARVALHO, Paulo, op. cit., 2009, p.25.36VILANOVA, Lourival. As estruturas lgicas e o sistema do Direito Positivo. 3. ed. So Paulo:Noeses, 2005. p. 208.

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    32/128

    32

    no restar manifestado o sentido prescritivo completo da mensagem legislada.

    A professora Aurora Tomazini de Carvalho traz um exemplo bastante

    esclarecedor acerca de tal assertiva, in verbis:

    Do enunciado a alquota 3%, construmos um juzo articulado nafrmula S P ou S (P) onde S representa a alquota e P 3%.Tal proposio, entretanto, no manifesta um sentido prescritivocompleto, pois diante dela no sabemos qual o comando emitidopelo legislador: Qual a conduta prescritiva? Qual a circunstnciaftica que a enseja? A resposta a tais perguntas s aparecerquando saturarmos os campos significativos da estrutura H!C seocorrer o fato H, ento deve ser a relao intersubjetiva C.37

    Assim, toda norma jurdica possui a estrutura condicional D (H!C) se

    ocorrer o fato x, ento deve ser a relao intersubjetiva y, em que H a varivel

    que representa a previso de uma determinada situao de possvel ocorrncia no

    mundo fenomnico; C a varivel que representa a consequncia, ou melhor, a

    relao jurdica que nascer no momento em que se verificar a ocorrncia da

    situao prevista em H, modalizada em obrigatrio, permitido e proibido, ligados

    por um vnculo implicacional ! dentico (D), representativo do ato de autoridade

    que a constitui.

    Tomando um fato social como ponto de partida, pode-se afirmar que: dado

    um determinado fato social F1, correspondente a uma situao social, prevista na

    hiptese H1 da norma N1, deve ser (conectivo lgico de implicao: !) o

    nascimento de uma relao jurdica R1, entre dois ou mais sujeitos de direito,

    correspondente a uma consequncia jurdica, em face do acontecimento da situao

    prevista pela consequente: C1.

    Essa frmula lgica nada mais do que a realidade do fenmeno normativo.

    Ela d a precisa noo de que, quando a hiptese (H) se verifica, deve ser aocorrncia da consequncia (C). O deve ser o conectivo interproposicional, que

    une os dois locais sintticos da norma jurdica: hiptese e consequncia; define a

    estrutura sinttica presente nas normas jurdicas, de forma que toda norma jurdica,

    qualquer que seja a sua natureza, sempre ser composta por um antecedente e por

    um consequente.38

    37 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do Direito: o construtivismo lgico-semntico. So Paulo: Noeses, 2009. p.264.38VILANOVA, Lourival, op. cit., 2005, p. 87.

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    33/128

    33

    O legislador pode selecionar fatos para sobre eles incidir ashipteses, pode optar por estes ou aqueles contedos sociais evalorativos, mas no pode construir a hiptese sem a estruturasinttica e sem a funo que lhe pertence por ser estrutura de umahiptese. Pode vincular livremente, em funo de contextos sociais ede valoraes positivas e de valores ideais, quaisquer consequnciass hipteses delineadas. Mas no pode deixar de sujeitar-se srelaes meramente formais ou lgicas que determinam a relao-de-implicao entre hipteses e consequncias. Pode combinar umas hiptese para uma s consequncia, ou vrias hipteses, ou umas hiptese para vrias consequncias, mas no podearbitrariamente construir uma outra estrutura alm dessas possveisestruturas. Simbolizando por H e C, tem-se: a) H implica C; b) H, He H, implica C; c) H, H e H, implica C, C, C; d) H implicaC,C, C. Com essas possveis estruturas formais, o legisladorpreenche o contedo social e valorativo.

    Porm, a norma jurdica s se figura como tal quando as variveis da frmula

    H e C estiverem preenchidas por contedos significativos, construdos a partir

    dos textos do direito positivo. Antes de ser uma estrutura hipottico-condicional, a

    norma uma significao, construda com base no suporte fsico, produzido pelo

    legislador (Constituio Federal, leis, decretos, instrues normativas etc.). Essa

    condio que lhe atribui o qualificativo de jurdica. Se o intrprete toma como

    suporte fsico um texto doutrinrio, poder at construir uma norma, mas tal norma

    no ser qualificada como jurdica, pois tomou por base algo fora do campo de

    especulao do direito positivo.

    A hiptese uma proposio descritiva, que incide sobre a realidade social,

    porm no coincide com essa realidade. O consequente, por outro lado, funciona

    como prescrio de condutas e oferece notas para identificar os elementos que

    compem a relao jurdica. Com esse raciocnio, percebe-se que os elementos

    sintticos da norma tm a caracterstica de selecionar propriedades: o antecedente,

    com a funo de descrever quais as circunstncias do mundo real que, uma vez

    verificados (ocorridos), ganharo contornos de juridicidade; e o consequente, com a

    funo de prescrever os efeitos jurdicos que devem desencadear quando da

    constituio das relaes jurdicas.

    O antecedente da norma seleciona algumas propriedades do mundo real,

    atribuindo-lhes carter jurdico. A norma incide sobre a realidade no momento em

    que escolhe situaes possveis do mundo real e autoriza a incidncia sobre elas, a

    fim de gerar relaes jurdicas intersubjetivas, prescritas pelo consequente.

    Sobre a hiptese, importante mencionar que o legislador, ao selecionar as

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    34/128

    34

    propriedades, deve faz-lo de maneira tal que se digne a prescrever apenas eventos

    e situaes sociais que estejam no campo da possibilidade. A possibilidade basta.

    Somente uma conduta possvel capaz de ser jurisdicizada pelo Direito, ou seja,

    pode ser modalizada como permitida, proibida ou obrigada.39

    Sendo assim, a hiptese s pode descrever os fatos que possam ocorrer no

    mundo fenomnico. Tambm no h como se pretender regular deonticamente

    situaes impossveis. Se impossvel que o homem viaje atravs do tempo,

    totalmente incua e vazia de sentido uma norma que pretenda obrigar, proibir ou

    permitir essa conduta. A norma jamais ter a sua incidncia verificada, pois o fato

    nunca se consumar.

    2.2.1 Uniformidade sinttica e heterogeneidade semntica das normas jurdicas

    Como afirmado anteriormente, a norma jurdica uma estrutura lgico-

    sinttica de significao. Sem a construo dessa estrutura condicional, no haver

    mensagem normativa completa, tampouco ser possvel falar em norma jurdica em

    sentido estrito. Necessariamente, toda norma jurdica que compe o sistema de

    direito positivo deve possuir essa estrutura bimembre, isto , uma hiptese ligada a

    um consequente, por meio de uma relao de implicao, porque sem ela amensagem prescritiva incompreensvel.40 O direito sintaticamente homogneo

    porque sua estrutura lgica invarivel.

    Segundo Paulo de Barros carvalho:

    Nenhuma diferena h entre a percusso de uma regra jurdicaqualquer e a incidncia da norma tributria, uma vez que operamoscom a premissa da homogeneidade lgica das unidades do sistema,consoante a qual todas as regras teriam idntica esquematizao

    formal, quer dizer, em todas as unidades do sistema encontraremosa descrio de um fato F que, ocorrido no plano da realidade fsico-social, far nascer uma relao jurdica (SR S) entre dois sujeitosde direito, modalizada com um dos operadores denticos:obrigatrio, proibido ou permitido (O, V ou P).41

    Por outro lado, apesar de as normas jurdicas possurem a mesma estrutura

    formal, elas so diferentes umas das outras em decorrncia dos contedos de

    39 Conforme tratado, toda relao jurdica caracterizada pelo contedo dentico. Ela pode ser

    modalizada como permissiva, obrigatria ou proibitiva. No existe uma quarta hiptese.40 O princpio da homogeneidade sinttica das normas jurdicas s tem aplicabilidade se seconsiderar o direito positivo enquanto conjunto de normas em sentido estrito.41CARVALHO, Paulo, op. cit., 2009, p.11.

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    35/128

    35

    significao em que so preenchidas as unidades normativas, albergando os

    mltiplos setores da vida social; ou seja, o contedo das normas jurdicas varivel,

    sendo configurado o direito positivo como um sistema sintaticamente homogneo e

    semanticamente heterogneo.

    Toda norma jurdica apresenta-se sob a mesma forma D(H!C). O que

    diferencia uma norma jurdica da outra o contedo que preenche essa frmula. As

    significaes que compem a posio sinttica de hiptese e consequente das

    normas jurdicas se modificam de acordo com a matria eleita pelo legislador e com

    os valores que informam a interpretao dos textos jurdicos.

    Tratando da heterogeneidade das normas jurdicas, Paulo de Barros Carvalho

    prescreve que: na instncia semntica que as diferenas se estabelecem.Procurando cobrir todo o campo possvel das condutas eminterferncia intersubjetiva, o legislador vai saturando as variveislgicas da norma com os contedos de significao dos fatos querecolhe da realidade social, depois de submet-los ao juzo de valorque presidiu a escolha, ao mesmo tempo em que orienta oscomportamentos dos sujeitos envolvidos, modalizando-os com osoperadores obrigatrio, proibido e permitido. precisamenteneste espao que as normas jurdicas adquirem aquelaheterogeneidade semntica que mencionamos, sendo admissvel,

    ento, falar-se em normas constitucionais, administrativas, civis,comerciais, processuais e normas de direito tributrio.42

    Cabe frisar que apenas as estruturas que compem o direito positivo so

    lgicas (normas jurdicas), pois, alm da observncia da estrutura das normas

    jurdicas, preciso preench-las com as significaes extradas dos textos de direito

    positivo, com a finalidade de o Direito alcanar seu objetivo maior: regular as

    condutas humanas nas suas relaes de intersubjetividade. Somente atravs

    dessas estruturas lgicas, e com o devido preenchimento do contedo dasproposies normativas, o Direito alcana a sua finalidade.

    2.2.2 Normas gerais e abstratas, individuais e concretas e processo de positivao

    do Direito

    Toda norma jurdica composta de uma hiptese e um consequente, em

    decorrncia do princpio da homogeneidade sinttica que alberga todo o sistema

    jurdico, porm o referido princpio convive com o da heterogeneidade semntica.

    42Ibid., p.109.

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    36/128

    36

    Em razo disso, no obstante as normas jurdicas se organizarem sob a mesma

    estrutura formal, elas apresentam diferentes contedos, tornando possvel classific-

    las com base em diferentes critrios.

    Ao se considerar o tipo de fato previsto no antecedente da norma e o tipo de

    relao jurdica que prescreve, possvel classific-las em normas gerais e

    abstratas, ou em individuais e concretas.

    Segundo o professor Paulo de Barros Carvalho, norma geral [...] aquela

    que se dirige a um conjunto de sujeitos indeterminados quanto ao nmero;

    individual, a que se volta a certo indivduo ou a grupo especfico de pessoas.

    Contudo, a respeito do fato, o mesmo autor ensina que a tipificao de um conjunto

    de fatos realiza uma previso abstrata, ao passo que a conduta especificada noespao e no tempo d carter concreto ao comando normativo.43

    A norma geral e abstrata traz no seu antecedente a descrio hipottica de

    um fato, contido na lei, de possvel ocorrncia no mundo social, apto a produzir

    efeitos jurdicos no momento de sua ocorrncia. Tem a funo de anunciar os

    critrios (material, espacial e temporal) para o reconhecimento de um fato ocorrido

    na vida social, com o intuito de irradiar os seus efeitos jurdicos.

    Em relao ao consequente da norma geral e abstrata, ele ir tratar dosefeitos jurdicos gerados por conta da realizao do fato previsto na hiptese,

    fazendo irromper direitos subjetivos e deveres correlatos, delineando a previso de

    uma relao jurdica (dado a ocorrncia de um fato A, deve ser a instaurao da

    relao jurdica entre B e C). Tem, ainda, a funo de fornecer os critrios para

    identificao do vnculo jurdico que nasce, informando quem so os sujeitos da

    relao, o seu objeto e o momento em que deve se dar o seu cumprimento.

    Assinale-se que o descritor (hiptese) das normas gerais e abstratas no traza descrio de um acontecimento especificamente determinado, mas alude a uma

    classe de eventos, na qual se encaixam infinitas ocorrncias concretas. Da mesma

    forma, o consequente no traz a prescrio de uma relao intersubjetiva

    especificadamente determinada e individualizada, alude a uma classe de vnculos

    intersubjetivos, na qual se encaixam infinitas relaes entre sujeitos de direito.

    Existir, assim, para a construo dos conceitos conotativos das normas

    gerais e abstratas, no antecedente: (a) um critrio material (delineador do

    comportamento); (b) um critrio temporal (condicionador da ao no tempo); e (c)

    43CARVALHO, Paulo, op. cit., 2009, p.35.

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    37/128

    37

    um critrio espacial (identificador do espao da ao); e, no consequente: (d) um

    critrio pessoal (delineador dos sujeitos ativo e passivo da relao); e (e) um critrio

    prestacional (qualificador do objeto da prestao).44 Apenas com a conjugao

    desses dados indicativos pode-se compreender a mensagem legislada na sua

    plenitude e cumprir a conduta esperada pelo Direito.

    Satisfeito o requisito de pertencialidade aos critrios da hiptese e do

    consequente das normas gerais e abstratas, so produzidas as normas individuais e

    concretas. A norma individual e concreta documenta a incidncia da norma.

    Prescreve, no seu antecedente, um fato concreto ocorrido em um determinado

    momento de espao e tempo, e no seu consequente uma relao jurdica com

    sujeitos e objetos delimitados.Segundo Kelsen,45 a aplicao do Direito ocorre simultaneamente sua

    criao. Logo, toda criao de norma jurdica, seja ela individual e concreta seja

    geral e abstrata, sempre fruto de aplicao de norma superior. As normas

    introduzidas por meio de lei complementar so fruto da aplicao das normas

    constitucionais que disciplinam a matria. O mesmo se d com as normas

    individuais e concretas e com as gerais e abstratas; no entanto, as primeiras so

    fruto da aplicao das segundas.O processo de positivao do Direito o fenmeno em que se aplica o Direito

    ao caso concreto. Aplicar o Direito o ato pelo qual o jurista abstrai a amplitude do

    dispositivo legal, fazendo-a incidir num caso especfico, obtendo a norma individual e

    concreta, caracterizando o processo de positivao do Direito.

    Assim, construda a norma jurdica geral e abstrata pela interpretao dos

    enunciados do direito positivo, e constatada a ocorrncia no mundo concreto,

    daquele fato previsto no antecedente normativo (hiptese), atravs da linguagemdas provas jurdicas d-se a incidncia. Entretanto, mister a presena do homem

    para realizar a incidncia da norma ao caso concreto, fazendo a subsuno e

    promovendo a implicao que o preceito normativo determina. A norma no incide

    por fora prpria, ela incidida.46

    No processo de positivao do Direito, existir sempre a presena do ser

    humano sacando de normas gerais e abstratas outras gerais e abstratas ou

    44CARVALHO, Paulo, op. cit., 2009, p.361.45 KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. Trad. Joo Batista Machado. 6. ed. So Paulo: MartinsFontes, 1998. p.260.46CARVALHO, Paulo, op. cit., 2009, p.11.

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    38/128

    38

    individuais e concretas, para disciplinar juridicamente os comportamentos

    intersubjetivos.

    Em seguida, ressalta-se a importncia do ser humano na movimentao das

    estruturas do direito positivo ao afirmar que:

    Numa viso antropocntrica, requerem o homem, como elementointercalar, movimentando as estruturas do direito, extraindo denormas gerais e abstratas outras gerais e abstratas ou individuais econcretas e, com isso, imprimindo positividade ao sistema, que dizer,impulsionando-o das normas superiores s regras de inferiorhierarquia, at atingir o nvel mximo de motivao das conscinciase, dessa forma, tentando mexer na direo axiolgica docomportamento intersubjetivo: quando a norma terminal fere aconduta, ento o direito se realiza, cumprindo o seu objetivo

    primordial, qual seja, regular os procedimentos interpessoais, paraque se torne possvel a vida em sociedade, j que a funo do direito realizar-se, no podendo ser direito o que no realizvel, como jdenunciara Ihering. E essa participao humana no processo depositivao normativa se faz tambm com a linguagem, que certificaos acontecimentos factuais e expede novos comandos normativossempre com a mesma compostura formal: um antecedente de cunhodescritivo e um consequente de teor prescritivo.47

    A norma no incide automtica e infalivelmente, dependo sempre do homem

    para verificar a ocorrncia, no mundo dos fenmenos, da descrio prevista nahiptese normativa, a fim de que se possa realizar o processo de subsuno do fato

    norma e instaurar a relao jurdica que une dois ou mais sujeitos de direito.

    2.3 Norma jurdica tributria: regra matriz de incidncia tributria das

    contribuies previdencirias

    Como se tem afirmado no decorrer deste trabalho, a norma jurdica uma

    estrutura lgico-sinttica de significao. Sem a construo dessa estruturacondicional (H!C), no haver mensagem normativa completa; tampouco ser

    possvel falar em norma jurdica em sentido estrito. Necessariamente, toda a norma

    jurdica que compe o sistema de direito positivo deve possuir essa estrutura

    bimembre; isto , uma hiptese ligada a um consequente por meio de uma relao

    de implicao, porque sem ela a mensagem prescritiva incompreensvel. Dessa

    forma, a norma instituidora das Contribuies Previdencirias no foge dessa

    estrutura hipottico-condicional.

    47Ibid., 2009, p.11-12.

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    39/128

    39

    Por sua vez, a regra matriz de incidncia tributria48 uma norma jurdica

    geral e abstrata, instituidora de tributos; traz em seu bojo os critrios necessrios

    para identificar a hiptese de incidncia tributria e o consequente traz critrios que

    caracterizam os elementos da relao jurdica tributria. O seu conjunto de critrios

    deve ser preenchido pelas significaes obtidas pelo intrprete a partir da leitura dos

    textos de direito positivo, a fim de se chegar completude da conduta exigida pelo

    direito.

    Enquanto norma jurdica, a regra matriz de incidncia tributria composta

    por dois elementos: (a) um antecedente, que prev as caractersticas de um evento

    social de possvel ocorrncia no mundo fenomnico, capaz de dar ensejo a uma

    relao jurdica tributria; e (b) um consequente, que nada mais do que a previsoabstrata da relao jurdica que poder se formar entre dois ou mais sujeitos de

    direito (S R S), assim que verificado o fato descrito na hiptese.

    Paulo de Barros Carvalho assinala que:

    Dentro desse arcabouo, a hiptese trar a previso de um fato (sealgum industrializar produtos), enquanto a consequnciaprescrever a relao jurdica (obrigao tributria) que se vaiinstaurar, onde e quando acontecer o fato cogitado no suposto

    (aquele que algum dever pagar Fazenda Federal 10% do valordo produto industrializado).49

    Ao aprofundar o estudo da regra matriz de incidncia tributria, pode-se

    conceber a existncia de determinados critrios que fazem parte de sua estrutura.

    Os denominados critrios (ou aspectos)50 da regra matriz de incidncia tributria

    so: (a) material, (b) temporal e (c) espacial, que compem o antecedente da norma

    jurdica tributria; e (d) pessoal e (e) quantitativo, componentes que informam os

    elementos da eventual relao jurdica a ser instaurada quando da verificao daocorrncia do fato previsto no antecedente da norma padro de incidncia.

    Esses critrios so formados por um conjunto de propriedades denotativas, e

    o seu estudo mostra-se relevante na medida em que estabelece as notas que o

    legislador deve propor para que seja definido o fato jurdico tributrio, bem como as

    48 Na expresso regra matriz de incidncia tributria utiliza-se o termo regra como sinnimo denorma jurdica, porque se trata de uma construo do intrprete, alcanada a partir do contato com ostextos de direito positivo. O termo matriz utilizado para significar que tal construo serve comomodelo padro sinttico-semntico na produo da linguagem jurdica; isto , modelo para

    construo de normas, marcando o ncleo da atividade tributria. E de incidncia tributria porquese referem a normas produzidas para institurem tributos.49CARVALHO, Paulo, op. cit., 2008, p.260.50ATALIBA, Geraldo. Hiptese de incidncia tributria. 6. ed. So Paulo: Malheiros, 2005. p.76.

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    40/128

    40

    notas definidoras dos elementos da relao jurdica tributria. A identificao das

    notas relacionadas aos critrios da norma jurdica tributria deve estar em sintonia

    com o prescrito pela norma que outorga competncia tributria.

    A seguir, analisar-se- cada critrio que compe a regra matriz de incidncia

    tributria das contribuies previdencirias.

    2.3.1 Antecedente da regra matriz de incidncia tributria das contribuies

    previdencirias

    A hiptese (descritor) a descrio hipottica de um fato, contido nos textos

    de lei, de possvel ocorrncia no mundo social, apto a produzir efeitos jurdicos, no

    momento de sua ocorrncia no mundo fenomnico. Sua funo delimitar um fato

    que, se verificado, ensejar efeitos jurdicos, estabelecendo as caractersticas que

    determinados acontecimentos devem possuir para serem considerados fatos

    jurdicos. Assim, o legislador fixa as caractersticas que um evento deve possuir para

    ser considerado fato jurdico, promovendo um recorte na multiplicidade contnua da

    realidade social, elegendo apenas algumas das propriedades do evento para

    identificao de situaes capazes de promover os devidos efeitos.

    [...] qualificando normativamente sucessos do mundo real-social ,como todos os demais conceitos, seletor de propriedades,operando como redutor das complexidades dos acontecimentosrecolhidos valorativamente. Todos os conceitos, antes de mais nada,so contraconceitos, assim como cada fato ser um contrafato ecada significao uma contrassignificao. Apresentam-se comoseletores de propriedade, e os antecedentes normativos, conceitos

    jurdicos que so, elegem aspectos determinados, promovendocortes no fato bruto tomado como ponto de referncia para asconsequncias normativas. E essa seletividade tem carter

    eminentemente axiolgico.51

    Ao determinar o fato que dar ensejo ao nascimento da relao jurdico-

    tributria, o legislador estipula as propriedades importantes para se apreender o fato,

    podendo-se extrair dessas propriedades critrios que tm o condo de identificar a

    situao que ocasionar a incidncia tributria, traando aspectos inerentes

    conduta das pessoas (aes humanas), assinaladas por caractersticas de espao e

    de tempo, e, por este motivo, encontram-se, no antecedente da regra matriz de

    incidncia tributria, os critrios material, temporal e espacial.

    51CARVALHO, Paulo, op. cit., 2009, p.26.

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    41/128

    41

    O critrio material o mais importante da regra matriz de incidncia. Sua

    funo descrever uma ao que, uma vez verificada, torna-se fato passvel de

    instaurar uma relao jurdica tributria. , invariavelmente, formado por um verbo

    pessoal, carecedor de predicado, assim como pela prpria predicao.52

    [...] a operatividade dos desgnios normativos, impossibilitando oudificultando o seu alcance. Isso concerne ao sujeito, que pratica aao, e bem assim ao complemento do predicado verbal, que,impreterivelmente, h de existir. Descabe falar-se, portanto, deverbos de sentido completo, que se expliquem por si mesmos. foroso que se trate de verbo pessoal e de predicao incompleta, oque importa a obrigatria presena de complemento.

    Ao prosseguir com a descrio da conduta que deve ser exposta comomatria-prima para a incidncia tributria, o antecedente da regra matriz dever

    situar as propriedades de tempo e de espao que esto intimamente ligadas

    conduta humana.

    O critrio temporal traz as notas de tempo, ou seja, mostra em que momento

    a ao (critrio material) deve acontecer para que haja a incidncia tributria. ,

    pois, o momento em que surge o lao relacional entre os sujeitos do direito. o

    instante em que se tem a efetiva incidncia jurdica para a regulao das condutas

    intersubjetivas.

    O critrio espacial mostra em que coordenada de espao a ao prevista no

    critrio material deve acontecer, para que haja a incidncia do tributo. A legislao

    tributria brasileira tem demonstrado que existem trs diferentes tipos de

    enumerao das coordenadas de espao intrnsecas conduta humana que se

    deseja jurisdicizar. O primeiro descreve as coordenadas de um determinado e

    exclusivo local para a ocorrncia da conduta humana; outra diretriz demonstra que o

    critrio material ordena-se por uma dada regio ou intervalo territorial previamente

    delimitado; e o terceiro tipo reflete uma coincidncia com a eficcia territorial da

    norma jurdica.

    Estes so, portanto, os trs critrios que descrevem as notas trazidas pelo

    antecedente da norma jurdica tributria, a fim de determinar a conduta humana a

    ser jurisdicizada. Assim, verificada a ocorrncia da conduta humana prevista pela

    norma em um determinado espao e num determinado lapso temporal, tambm

    previstos nessa norma, instaura-se uma relao jurdica tributria, cujas

    52CARVALHO, Paulo, op. cit., 2008, p.287.

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    42/128

    42

    propriedades so encontradas no bojo do consequente normativo da regra matriz de

    incidncia tributria.

    Estas notas que compem a estrutura formal do antecedente da norma

    precisam identificar situaes que sejam materialmente possveis de sofrer a

    incidncia tributria. A seguir, sero traados os critrios encontrados na hiptese de

    incidncia da regra matriz das contribuies previdencirias.

    2.3.1.1 Critrio material

    Por ser o critrio material o ncleo central da hiptese de incidncia, a sua

    parte fundamental, dvidas no podem pairar quanto ao seu exame. Portanto,

    observemos Paulo de Barros Carvalho, in verbis:

    Cuidemos, de incio, do critrio material. Nele, h referncia a umcomportamento de pessoas, fsicas ou jurdicas, condicionado porcircunstncias de espao e tempo (critrios espacial e temporal). Porabstrao, desliguemos aquele proceder dos seus condicionantesespao-temporais, a fim de analis-lo de modo particular, nos seustraos de essncia. Sobre o assunto, alis, curioso anotar que osautores deparam com grande dificuldade para promover o isolamentodo critrio material, que designam por elemento material da hiptese

    de incidncia. Tanto nacionais como estrangeiros tropeam, no selivrando de apresent-lo engastado aos demais aspectos ouelementos integradores do conceito, e acabam por desenhar, comocritrio material, todo o perfil da hiptese tributria.53

    Assim devemos extrair o critrio material das contribuies previdencirias no

    art. 195, I, a da Constituio da Repblica, ao descrever no seu inteiro teor como

    as contribuies previdencirias incidiro sobre a folha de salrios e demais

    rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer ttulo, pessoa fsica que

    lhe preste servio, mesmo sem vnculo empregatcio.Por conseguinte, o critrio material da hiptese de incidncia da chamada

    contribuio sobre a folha de salrios pagar ou creditar salrio ou rendimento

    pessoa fsica que lhe preste servio, permitindo, assim, a identificao de um verbo

    (pagar ou creditar) e seu complemento (salrio ou rendimento pessoa fsica que

    lhe preste servio). Este o cerne da hiptese ou antecedente. o ncleo central do

    conceito do fato apto a dar nascimento obrigao tributria referente contribuio

    previdenciria.

    53CARVALHO, Paulo, op. cit., 2008, p.179.

  • 7/23/2019 Antonio Mendes Feitosa Junior.pdf

    43/128

    43

    No nos podemos esquecer de que, com a Medida Provisria 540/2011,

    convertida na Lei 12.546/2011, iniciou-se a migrao da contribuio previdenciria

    da folha de salrios para a receita bruta ajustada (faturamento), abrangendo,

    inicialmente apenas algumas atividades econmicas e os segmentos de vesturio e

    caladista.

    Posteriormente, novas alteraes legislativas ampliaram o rol das empresas

    abrangidas, sendo que, com a Medida Provisria 601/2012, tal obrigatoriedade foi

    estendida para diversos ramos varejistas, os quais passam a contribuir, a partir de

    01.04.2013 para a Previdncia Social na razo de 1% do seu faturamento ajustado.

    Esse novo critrio material das Contribuies Previdencirias ser trabalhado

    posteriormente em nosso trabalho.

    2.3.1.2 Critrio espacial

    O critrio espacial da regra matriz de incidncia da Contribuio

    Previdenciria coincide com os limites territoriais do ente que tem a competncia

    para institu-la a Unio Federal.

    Portanto, nos moldes da alnea a do inc. I do art. 195 da Con