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BH/UFC R T I G O ANTROPOLOGIA DA HONRA: UMA ANÁLISE DAS GUERRAS SERTANEJAS E ste trabalho se cons- titui no resumo de dois capítulos de mi- nha tese de doutorado em Ciências Sociais intitulada A Derradeira Gesta. Lampião e Nazarenos Guerreando no Sertão, defendida na PUC-SP. Utilizo a expressão "guerras sertanejas" por considerar o conceito de Elemento importante para o desvelamento dessa realidade é a decodificação da linguagem usada pelos contendores no campo da luta e do imaginário serta- nejo, construído simbolica- mente com as misérias e glórias dos homens em suas relações sociais e com a natureza. "Homens de bem" e "bandidos' têm significa- dos absolutamente opostos, correspondendo a formas Doutora em Ciências Sociais (PUC/SP). Profes- sora Adjunta de Antropologia da UERJ diferenciadas de ordenação e articulação de regras, va- lores, em códigos culturais. Na literatura de cordel, como nos racontos da memória popular e nos depoi- mentos coletados na pesquisa de campo em mais de trinta anos percorrendo os sertões de Alagoas, Bahia, Sergipe, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, sobressaem o tom poético e a estrutura épica das histórias revi vidas como sagas. O imaginário sertanejo deu formato de epopéia às narrativas dos con- frontos entre valentes, mitologizados como símbolos da coragem do homem sertanejo. Sem querer reificar a idéia de cultura ser- taneja como algo dado, de forma acabada, na delimitação do tema que analiso, regional, tem- poral e conjunturalmente, procuro trabalhar os termos 'sertão' e 'sertanejo' como categorias elaboradas por teóricos e literatos, bem como os elementos invocados por agentes sociais concretos em seus discursos através dos quais LUITGARDE OLNElRA CAVALCANTI BARROS* RESUMO Síntese de dois capítulos de minha Tese de Doutorado (A Derradeira Gesta: Lampião e Nazarenos Guerrean- do no Sertão), este trabalho analisa lutas no Nordeste, travadas no espaço sertanejo, sob a evocação do "código de honra". A partir do entendimento da cultura como código, mostra as formas de organização e apro- priação de símbolos culturais como coragem, valentia, roubo e honra, por grupos em confronto mortal, os cangaceiros e seus perseguidores. Numa seqüência de histórias de valentes que deram sua vida no "cam- po da honra" - Sinhô Pereira. José de Souza, a luta entre Lampião (cangaceiro) e Nazarenos (inimigos do cangaço) aparece como a última manifestação da pre- sença desses valores, de herança do cancioneiro me- dieval, nas lutas que convulsionaram aquela sociedade. "guerra cangaceira", en- contrado nos livros Guer- reiros do Sol e Lampião Além da Versão- Mentiras e Mistérios de Angico, es- critos respectivamente por Frederico Pernam- bucano de Mello (Pernambuco) e Alcino Alves Costa (Sergipe), insuficiente para a análise do cangaço e outras manifestações da violência no nordeste sertanejo. Atendo-se exclusiva- mente às manifestações concretas da violên- cia, constantes dos embates nas diferentes guerras do sertão nordestino, aqueles autores homogeneízam essas lutas como "guerras cangaceiras' . Estudando os elementos mais recorren- tes naquela sociedade, destaca-se a violên- cia, uma constante nas lutas sociais não só ali, mas em todas as regiões do país. Entendo o fenômeno como elemento necessário à ma- nutenção das relações sociais em estruturas desigualitárias, como ressalta Maria Sílvia de Carvalho Franco no seu já clássico Homens Livres na Ordem Escravocrata. 160 REVISTADE CI~NCIASSOCIAIS V.29 N. 1/2 1998

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BH/UFC

R T I G O

ANTROPOLOGIA DA HONRA:UMA ANÁLISE DAS GUERRAS SERTANEJAS

Este trabalho se cons-titui no resumo dedois capítulos de mi-

nha tese de doutorado emCiências Sociais intitulada ADerradeira Gesta.Lampiãoe Nazarenos Guerreandono Sertão, defendida naPUC-SP.

Utilizo a expressão"guerras sertanejas" porconsiderar o conceito de

Elemento importantepara o desvelamento dessarealidade é a decodificaçãoda linguagem usada peloscontendores no campo daluta e do imaginário serta-nejo, construído simbolica-mente com as misérias eglórias dos homens em suasrelações sociais e com anatureza. "Homens de bem"e "bandidos' têm significa-dos absolutamente opostos,correspondendo a formas

Doutora em Ciências Sociais (PUC/SP). Profes-sora Adjunta de Antropologia da UERJ diferenciadas de ordenação

e articulação de regras, va-lores, em códigos culturais.

Na literatura de cordel, como nosracontos da memória popular e nos depoi-mentos coletados na pesquisa de campo emmais de trinta anos percorrendo os sertões deAlagoas, Bahia, Sergipe, Pernambuco, Paraíba,Rio Grande do Norte e Ceará, sobressaem otom poético e a estrutura épica das históriasrevi vidas como sagas. O imaginário sertanejodeu formato de epopéia às narrativas dos con-frontos entre valentes, mitologizados comosímbolos da coragem do homem sertanejo.

Sem querer reificar a idéia de cultura ser-taneja como algo dado, de forma acabada, nadelimitação do tema que analiso, regional, tem-poral e conjunturalmente, procuro trabalhar ostermos 'sertão' e 'sertanejo' como categoriaselaboradas por teóricos e literatos, bem comoos elementos invocados por agentes sociaisconcretos em seus discursos através dos quais

LUITGARDE OLNElRA CAVALCANTI BARROS*

RESUMOSíntese de dois capítulos de minha Tese de Doutorado(A Derradeira Gesta: Lampião e Nazarenos Guerrean-do no Sertão), este trabalho analisa lutas no Nordeste,travadas no espaço sertanejo, sob a evocação do"código de honra". A partir do entendimento da culturacomo código, mostra as formas de organização e apro-priação de símbolos culturais como coragem, valentia,roubo e honra, por grupos em confronto mortal, oscangaceiros e seus perseguidores. Numa seqüênciade histórias de valentes que deram sua vida no "cam-po da honra" - Sinhô Pereira. José de Souza, a lutaentre Lampião (cangaceiro) e Nazarenos (inimigos docangaço) aparece como a última manifestação da pre-sença desses valores, de herança do cancioneiro me-dieval, nas lutas que convulsionaram aquela sociedade."guerra cangaceira", en-

contrado nos livros Guer-reiros do Sol e LampiãoAlém da Versão- Mentirase Mistérios de Angico, es-critos respectivamente por Frederico Pernam-bucano de Mello (Pernambuco) e Alcino AlvesCosta (Sergipe), insuficiente para a análise docangaço e outras manifestações da violênciano nordeste sertanejo. Atendo-se exclusiva-mente às manifestações concretas da violên-cia, constantes dos embates nas diferentesguerras do sertão nordestino, aqueles autoreshomogeneízam essas lutas como "guerrascangaceiras' .

Estudando os elementos mais recorren-tes naquela sociedade, destaca-se a violên-cia, uma constante nas lutas sociais não só ali,mas em todas as regiões do país. Entendo ofenômeno como elemento necessário à ma-nutenção das relações sociais em estruturasdesigualitárias, como ressalta Maria Sílvia deCarvalho Franco no seu já clássico HomensLivres na Ordem Escravocrata.

160 REVISTADECI~NCIASSOCIAIS V.29 N. 1/2 1998

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se vêem e representam como sertanejos. Estese ver e se autoper ceber e representar éconstruido a partir da vivência e manipulaçãode valores culturais centenariamente articula-dos nos chamados "códigos da honra sertane-ja', do apego à terra de seus ancestrais, doconhecimento do mundo a que pertence.

Essa constatação me remete à propostade análise sociológica da honra, apresentada porCarlos Alberto Dória no texto "A Tradição Hon-rada (a honra como tema de cultura na socie-dade iberoamericana)"". Apresentando auniversalização do fenômeno, o autor analisaesta categoria tradicionalmente objeto de estu-do do Direito, da Religião, da Filosofia, etc., apartir das teorias de Hobbes, Montesquieu eWeber. Este último autor encontrava importân-cia dos códigos de honra apenas nas socieda-des estamentais. Mostrando sua importância naexplicação de diferentes momentos da históriados povos, registra a persistência de códigos dehonra no que delimitou como ,.sociedadeiberoamericana' (Portugal e Brasil), insistindona necessidade de se fazer "análises de suasvárias representações em sociedades concretas".

No período estudado,

fins do século XIX até às primeiras décadas doatual, pode-se afirmar que o uso desses códi-gos inicialmente monopólio e indicativo de"classe superior", nobreza, riqueza e poder,tinha-se socializado culturalmente com mu-danças de significado. Mais de duzentos anosapós a constituição da classe dirigente na co-lônia, muitos de seus descendentes eram po-bres, herdeiros de pequenas propriedadesoriginárias de partilhas familiares de antigassesmarias. Como muitos homens livres queconseguiram alguma ascensão social, essesgru-pos aparecem no sertão como esboço de umainsipierue camada média que, não compondoO grupo no poder, não tendo importância naeconomia de exportação dos senhores de en-genho, nem pertencendo à categoria de gran-

des fazendeiros, também não se constituemhomens do alugado, nem integram o quadrodos totalmente despossuidos que têm sua for-ça de trabalho e sua coragem nas mãos dosmembros da classe dominante".

A forma como se construíram e traça-ram vivencialmente estratégias de sobrevivên-cia, são o fulcro de minhas pesquisas.

Pela incapacidade de ampliarem suas pe-quenas heranças, esses descendentes de ve-lhos troncos familiares apegavam-se a seuspedaços de terra, às glórias ancestrais, à defesade um nome honrado, único bem que depen-deria exclusivamente de suas açôes, isto é, daforma como se aproximassem ou distanciassemdos códigos sociais estabelecidos. Teriam aomesmo tempo que lutar pela sobrevivência,numa sociedade em que o trabalho era umaação infamante. Escravos, judeus, ciganos emestiços eram infames, como trabalhadores bra-çais e manuais, mesmo brancos e livres perten-ciam aos desqualificados sociais.

a sociedade sertaneja a ameaça maiorpara aqueles produtores desnecessários aoequilíbrio econômico do sistema era perde-rem a terra, emigrarem rumo ao desconheci-do, ou caírem na posição de .,trabalhador naterra dos outros'. Essa preocupação se traduzno ditado corrente naquele período: "Ondeme conhecem, honras me dão, onde não meconhecem, me darão, ou nãot".

Corolário desse medo de resvalarempara a camada onde se recrutavam os valen-tes para as cabroeiras (exércitos privados dosgrandes proprietários ou bandos periodica-mente organizados), a defesa da propriedadedos bens de subsistência se fazia com o riscode vida, condenando-se como transgressãoimperdoável o roubo de gado, cavalo e bode.O ladrão se torna o mais odiado da socieda-de, o desagregador do equilíbrio socioeco-nômico arduamente mantido numa sociedadeperiodicamente fustigada pela seca.

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Como forma de puniçao desse crime,desenvolve-se a violência exacerbada da po-pulação em rituais exemplares de perversi-dade visando dissuadir os indivíduos dessaprática. Esse processo é unanimemente san-cionado como punição de um "pecado mor-ta!', tornando-se o transgressor o elementomais infame da comunidade, restando-lhe, seescapasse da morte - muitas vezes commutilações denunciadoras do roubo, a expul-são do meio de seu povo onde passa a lheser negada qualquer pretensão de honra.

Em minhas pesquisas sobre essa região,tenho detectado, em situações concretas, aexistência de códigos de honra comodeterminantes das ações individuais e grupais.Para o entendimento da passagem das idéiasàs ações nessa sociedade, remeto-me, numaperspectiva gramsciana, ao estudo da supe-restrutura, da religião como forma específicade ideologia, de sua importância na constitui-ção da sociedade sertaneja.

Para Carlos Alberto Dória a Igreja de-sempenha importante papel, na manipulaçãoe publicidade da honra.

Em fins do século passado surgem asgráficas publicando sob forma de livros defeira (cordéis), antigos "rornanços', cantigasdas gestas medievais, histórias de valentes,divulgando-se também o livro Peregrino daAmérica, de frei Bruno Marques Pereira. Es-crito em versos, é um guia de procedimentossociais, passando a integrar o cancioneiro po-pular. Sílvio Romero destaca alguns dessesversos mais reproduzidos nos cordéis, livrosde época, na linguagem dos sertanejos, evo-cados em disputas de violeiros e em ques-tões resolvidas com sangue:

Honra é jóia, que mais val,A tudo o mais preferida:Pela honra se arrisca a vida,Que a honra é vida imortal.

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Mentir na realidade,leva dos vícios ao cabo:Pois da mentira é o diabo,E deus é a suma oerdade?

Livros como Carlos Magno e os DozePares de França, A História da DonzelaTbeodora, os feitos de Oliveiros e Ferrabrás,As Canções de Rolando, são leitura ou escutaobrigatória para todos os segmentos SOCIaIS,popularizados como "exemplos' nas "regrasdo bem viver".

Em suas fainas cotidianas, nas lutas devida e morte por questões econômicas ou dehonra, o homem sertanejo constrói-se numimaginário em que transforma as histórias lo-cais, regionais, nacionais e seus próprios fei-tos, em grandes gestas sertanejas". Nelas seevidencia uma consciência de que as lutas sedesenvolvem não só em função da posse,defesa ou conquista de bens materiais. Valo-res como o cumprimento das leis, a proteçãoà honra da família - representada pela cora-gem e o bom comportamento dos homens,associados à pureza sexual das donzelas erecato de viúvas e mulheres casadas - , aobediência à Igreja Católica, o respeito aosmais velhos e padrinhos; a caridade; a sobrie-dade e modéstia no vestir e no falar, o "res-peito ao alheio", articulam-se no código de"honra sertaneja".

A partir de meados do século XIX, mis-sionários pregadores como frei Caetano deMessina e, posteriormente, o Padre MestreIbiapina - criador da ordem dos beatos nosertão, começam um movimento cultural mu-dando o significado infamante de trabalho,transformado no elemento principal dedígnifícação de homens trabalhadores, pobresmas honrados. Ao mesmo tempo procuramdirecionar a função da valentia, centenária-mente usada em defesa e preservação dosprivilégios dos poderosos, para a "preserva-ção do bem". Esta categoria bem, enquanto

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idéia abstrata, princípio ético, une, para alémdas diferenças materiais de classe, homens emulheres de todos os segmentos sociais quedão prioridade a este princípio moral em de-trimento da categoria materializante - "ho-mem de bem'.

Através dessa manipulação cultural asso-cia-se o novo valor trabalho aos antigos códi-gos de honra, criando-se a categoria" homemde bem", na qual procuram-se identificar par-celas significativas da população sertaneja,principalmente pobres e remediados que usamessa classificação como instrumento deintegração social num mundo violentamentehierarquizado.

Na história que enfoco, a luta entre Lam-pião e seus mais ferrenhos inimigos - osNazarenos, procuro reconstituir suas históriasde vida, sua inserção na formação social ser-taneja, buscando os elementos estruturais econjunturais, os símbolos e signos, as oposi-ções dos sistemas de valores pelos quais es-sas duas diferentes facções se guerrearamcruamente por quase vinte anos.

Pertencentes aos estratos intermediári-os dessa sociedade, Ferreiras e Nazarenoseram pequenos proprietários, agricultores,comerciantes, artesãos, pedreiros e criadoresde miúças (cabras, ovelhas, porcos e galinhas).Possuíam também algumas cabeças de gado,a principal riqueza do sertanejo remediado,além de cavalos, burros e jumentos.

Contada como saga guerreira, a históriade suas vidas começa numa das regiões maissecas do país, num perímetro circunscrito atrês ribeiras de rio: Riacho do Navio, Ribeirado Pajeú e Ribeira do Moxotó, Estado dePernambuco.

No desdobramento da guerra contra Lam-pião e todo o cangaço, os Nazarenos se trans-formam de agricultores e criadores sedentáriosem guerreiros nômades, percorrendo com suasvolantes legalizadas como polícia pernambu-cana ou baiana, os sete Estados do Nordeste

onde Lampião e seus bandos implantassempelo terror a nova ordem cangaceira no ser-tão. Os Ferreira (Virgulino, Antonio Ferreirae Livino - estado maior do cangaço), alémdos irmãos João e Ezequiel e do pai JoséFerreira, já haviam diversificado suas ativida-des de agricultores. Com o semi-nomadismode mascates, tangerinos de tropas de burrosbem arreados, faziam o comércio nas feiras etransportavam por frete mercadorias, percor-rendo as estradas do sertão de Alagoas,Pernambuco e os Estados vizinhos até os prin-cipais centros comerciais do sertão baiano.

Freqüentaram a mesma escola do pro-fessor Soriano, pertencente às famílias deNazaré, povoado construído em terreno doa-do por membros do grande tronco de povoa-mento formado pelas famílias jurubeba, Souza,Ferraz, Nogueira e Gomes, em 1917. Os maisvelhos chefes de família, Gomes Jurubeba eJoão de Souza Ferraz (Ioão Flor) partilham adireção do novo arruado e a orientação dopovo, sob a égide de Nossa Senhora e doscódigos culturais de seu mundo. A sede domunicípio, Floresta, fora missionada pelo Pa-dre Ibiapina que aí plantara as sementes desua ideologia de paz, trabalho e caridade.

Naquela época a região vivia o desespe-ro dos embates entre dois clãs poderosos, Pe-reira (descendente do Barão do Pajeú) eCarvalho. Aquela guerra se arrastando desdeos confrontos na Revolução Praieira, ensan-güentava o sertão na disputa dos "grandes' pelopoder. Esta saga é considerada a maior gestasertaneja, por cantadores, memoria!istas e in-formantes sobreviventes daqueles tempos. Pelarígida obediência aos códigos de honra serta-neja, Sinhô Pereira, Luís Padre (Pereira) e An-tonio da Umburana (Carvalho) transformam-senos heróis, protótipos da cultura sertaneja. Ofeito mais glorioso dessa gesta é a luta finalentre Sinhô Pereira e Antonio da Umburana.Gastando a munição num combate de muitashoras sob o cerco de Sinhô Pereira, o derrota-

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do pelas armas é desafiado para uma "luta noferro frio" pelo inimigo que lhe entregara umpunhal idêntico ao dele próprio. Saltando noterreiro, abaixadas as armas dos Pereira, Anto-nio da Umburana e Sinhô Pereira amarram-sepelas faldas das camisas, e assim entrelaçadospara matar e morrer lutam de punhal até aqueda do representante dos Carvalho. Glorifi-cando a coragem do inimigo, Sinhô Pereirapresta homenagens à valentia de um homemmorto no "campo da honra', Anos depois, soba influência do Padre Cícero do juazeirc, SinhôPereira e o primo Luís Padre se retiram doNordeste, terminando uma guerra sem vence-dores nem vencidos. Reconhecida a igualdadede poder e honra, cessam as lutas entre osdois grupos. Após mais de cinqüenta anos SinhôPereira reviu suas plagas, visitou o cenário desua juventude e voltou para Minas Gerais ondemorreu de morte natural aos 75 anos de idade.

Em suas tentativas de autonomia de "ho-mens de bem", José Ferreira e os Nazarenosnão emprestam ou alugam sua própria valen-tia às facções em luta. Seguindo os códigosde respeito à dor e ao ódio das partes envol-vidas, longe de fuxicos, traições e tomadasde posição a favor de qualquer uma das famí-lias, o sertanejo poderia viver sem ser atingi-do diretamente pelo conflito.

Vivendo no município de Serra Talhadaantiga Vila Bela, os Ferreira e seu vizinhoJosé Saturnino se envolvem numa disputa ini-ciada com acusações recíprocas de roubo debode. A questão evolui até os confrontos ar-mados, municiando-se, cada vez mais JoséSaturnino e os filhos mais velhos de JoséFerreira, Atestando a opção de vida pela nãoviolência, José Ferreira vende a propriedadee se muda para Nazaré, para a convivênciade seus amigos que também não admitiamgente armada na rua, principalmente nos diasde feira quando a cachaça despertava a va-lentia de muitos, terminando em arruaças asbrincadeiras começadas.

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Revoltados com a decisão do pai,Virgulino, Antonio Ferreira e Levino entramarmados em Nazaré com os rifles a tiracolo,numa transgressão aberta dos códigos de "bemviver' no povoado. Instado pelo compadre JoãoFlor e o amigo João Gomes a conter os filhos,José Ferreira é desmoralizado pela decisão dostrês mais velhos que rompem com ele o códi-go de obediência aos pais. Para mostrar a dis-posição de ruptura cultural, Virgulino destrataJoão Flor, seu padrinho de São João, e ameaça"mostrar aos cachorros de Nazaré' o que é serhomem. Daí só vai sair no fim do dia, exibindoas armas e dizendo chistes.

Paralelamente Virgulino começa a diver-sificar suas atividades de mascate. Existem re-gistros de memória em Alagoas, de que já em1917, ele pertencia ao bando de cangaceiros,os Porcino, que operava no município de Santanado Ipanema. Este território estava sob jurisdiçãopolicial do Sargento José Lucena de AlbuquerqueMaranhão, incumbido pelo governador do Esta-do - o jornalista Costa Rego (diretor do Correioda Manhã no Rio de Janeiro) - de eliminar ocangaço no sertão alagoano, matando assaltan-tes e ladrões de cavalo. Neste período se ins-taura dura repressão em Alagoas, com civisparticipando armados das diligências policiaisnuma verdadeira caçada que livrasse o povodos assaltos nas estradas e nas fazendas, o quehavia submetido a população a um clima desobressalto e terror.

A partir de 1919, com o desafio lançadode entrar sempre armado em Nazaré, desfeitoo código de respeito ao padrinho, dos maissignificativos naquela sociedade, torna-se ques-tão de honra para as duas partes executar asdecisões tomadas, reafirmando os objetivosenunciados no conflito verbal entre João Flor,Gomes Jurubeba e Virgulino. Derrotar osNazarenos, impondo-lhes a presença armadano povoado, toma-se o objetivo último dos trêsirmãos Ferreira que contratam o primeiro va-lente de aluguel para ajudá-Ios na empreitada.

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Colhi depoimento do Sr. Antônio Giló,residente em Olho d'Água do Chicão, distritode Santana do Ipanema (Alago as) , na época,de que em 1919 os Porcino já espalhavam aprática de roubos e mortes no sertão alagoanoaté Mata Grande e Água Branca, atravessandopara os Estados vizinhos. Naquele ano, entreos cabras que se juntavam em sua mercearia,Virgulino começava a se impor como o maisinteligente e ousado, determinando o com-portamento do bando na ausência dos três ir-mãos Porcino (Pedro, Antonio e Manuel).

Cangaceiro em Alagoas, em Pernambucotenta se impor aos antigos amigos quebrandoa autoridade dos velhos João Flor e Gomesjurubeba, procurando substituí-los pela força,no mando de Nazaré. Com apenas 21 anos deidade, comandando os dois irmãos e um con-tratado, Virgulino destrata João Flor de "cha-leira" e "co ite iro" de Zé Saturnino. Oex-padrinho se defende reafirmando sua au-toridade baseada nos valores da tradição ser-taneja: era um velho, não era homem dementira, era seu padrinho. Virgulino, reafir-mando os "desaforos ditos', declara que "na-quele dia padrinho atirava em afilhado eafilhado atirava em padrinho 'i? GomesJurubeba se arma, no que é acompanhadopelos três filhos mais velhos de João Flor,Euclides, Manuel e Odilon, de mesma idadedos Ferreira, companheiros de adolescência.Virgulino e Odilon Flor, poetas repentistas,eram a dupla dos desafios na viola, das pegasde boi, inseparáveis nas festas da região. JoãoFlor, pacífico e mais ponderado que o cunha-do Gomes Jurubeba, procura acalmar os âni-mos repreendendo os parentes, enquanto ZéFerreira se coloca na frente dos filhos paraimpedir o conflito.

Mantendo-se acesa a antiga inimizadeentre José Saturnino e os Ferre ira , desde Ser-ra Talhada, a nova moradia comprada por ZéFerreira se torna também espaço de hostilida-de e insegurança. Rompera-se a amizade com

o povo de Nazaré, espalhando-se, agora emPernambuco, a má fama dos três jovensFerreira, nas cidades vizinhas, através da soli-dariedade de parentesco entrecruzando as fa-mílias Jurubeba, Ferraz, Lira, Souza, SorianoLopes, Nogueira, Gomes, Capistrano, Euzébio,Barbosa, Freire, Alexandre, Marques dos San-tos, Tomaz, Silva, Leite de Sá, Araújo,Marcolino, Militão, todas com membros resi-dentes em Nazaré.

Esgotados os mútuos desafios verbais,vão-se aprofundando as transformações nainteração social dos envolvidos. Abandonan-do o propósito de fazer de Nazaré um espaçopacífico sem exibição de valentia, sonho dosmais velhos que fundaram o povoado, os jo-vens - filhos e sobrinhos de João Flor e Go-mes Jurubeba - se armam e organizam umcorpo coeso disposto a "quebrar a castanha'dos Ferreira.

Com a primeira ameaça de invasão dopovoado todos os primos e amigos aderem àempreitada, os mais velhos comandando adefesa. No dia do ataque, até uma tia e osprimos de Virgulino, que residiam em Nazaré,se engajam na campanha que arrasta tambémmulheres e crianças, como municiadoras. Li-gando-se por parentesco, compadrio ou ami-zade, identificados pelo princípio de defesado espaço geográfico, social e familiar, en-frentam o inimigo como um bloco único. Apa-gando-se as diferenças de nome e origem, sevêem na unidade articulada de crenças emvalores e disposição de defesa de seu sistemade vida. Rechaçando a invasão, passam a servisualizados como "povo de Nazaré', Virgulinojá é Lampião, apoiado em extensa rede arti-culada com grandes comerciantes, juízes,desembargadores, policiais corruptos, infor-mantes pagos regiamente com o produto dossaques em Alagoas, Pernambuco e Paraíba.Preso ao monopólio do tráfico de armas, sópossível aos homens do poder, Virgulino pre-cisará cada vez mais de recursos para se man-

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ter municiado, o que o leva a ampliar suaszonas de ataque até a Paraíba.

Açoitado pela perseguição dos gruposde Nazaré, Lampião tenta uma estratégia deacordo, propondo aos mais velhos, coman-dantes das lutas, um pacto de não agressãocom os antigos amigos. A resposta parte deJoão Flor: "Digam a Lampião que esta é umaquestão já repetida e que não podemos maisconfiar nele. A essa altura, qualquer acordocom os trêsirmãos Ferreira jaz na boca do meuriflet" Em contrapartida Virgulino inicia o pro-cesso sistemático de arrasamento de todo equalquer bem dos inimigos, incendiando-lhesas propriedades e matando todo "bicho vivo"que encontrasse, desde os homens até as ga-linhas dos terreiros.

Acossado, o povo de Nazaré se divideem grupo de defesa e grupo de ataque. Osmais velhos ficam na vigilância do lugarejo,enquanto os jovens se organizam em gruposde caça aos inimigos, onde suspeitassem desua presença. Propriedades destr u ídas,afastados das roças, perdidos os pequenos re-banhos, avalia-se a impossibilidade de conti-nuação daquela guerra.

Associando rendição a extermínio, opovo se decide pela estratégia de legalizaçãodaquela guerra particular através do alistamen-to dos jovens, em grupos de caça a Lampião,na polícia de Pernambuco.

O governador aceita o projeto e conce-de o direito de constituição de volantes com-postas pelos jovens já experimentados nastécnicas de guerra móvel de perseguição aoscangaceiros, sob o comando de policiais dainteira confiança deles, ou dos que mais sedestacavam entre os vindos de Nazaré. Osque não se alistam são incorporados às volan-tes como contratados, ou participam espontâ-nea e ocasionalmente das lutas, quando vêemos parentes militares necessitados de ajuda.

O cangaço passa a enfrentar uma guer-ra sem tréguas, perseguido pelas "volantes de

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Pernambuco" que se fazem conhecer em rodoo sertão percorrido pelos cangaceiros. Emcombates sangrentos os inimigos se enfren-tam com alegria guerreira, desafiando-se numverdadeiro embate de coragem e ódio. Lam-pião aguça a inteligência em novas estratégi-as de combate, com as táticas de emboscadae fuga, lutando somente quando se encontraem vantagem em relação ao inimigo. Frio, fogedos confrontos com as volantes pemambucanas,alertando os bandos sobre a dureza de com-bate dos paulatinamente reconhecidos como"Nazarenos'. Estes, atiçados pelo ódio e a ne-cessidade de ganharem a guerra pela valen-tia, atiram-se à luta com ímpeto, tornando-sealvos fáceis para as balas cangaceiras, quandonão punham os inimigos em fuga.

Procurando legitimar sua guerra aocangaço, os Nazarenos submetem seus atosaos códigos dos pais que acompanham a mar-cha dos filhos, guerreiros nômades afastadosdo trabalho da terra, recomendando-lhes asvelhas regras de respeito à lei de Deus e doshomens.

Os Ferreira são os "almadiçoados porDeus'; tendo perdido a propriedade na últi-ma mudança para o sertão de Alagoas, peri-goso espaço percorrido pela volante deLucena Maranhão. Enquanto a mãe morrerano desespero do exílio, dos sobressaltos edo empobrecimento, em 1921, menos deum mês depois José Ferreira tombava sobas balas da polícia. Na batida de Lampião,que saqueara o povoado alago ano Pariconha,deixando morto um cego de dezesseis anos,Lucena chegou ao suposto refúgio de can-gaceiros cercando a fazenda com pesadafuzilaria. Não encontrando resistência, inva-de a casa encontrando, desarmado, o corpode José Ferreira, ao lado do fazendeiro quelhe dera abrigo, também morto.

A tradição de violeiros e contadores dahistória sertaneja etemizou os feitos daquelaguerra travada entre Ferreiras e Nazarenos em

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sete Estados ensangüentados pela tragédia daviolência mais explícita, que arrasta milharesde vítimas dos assaltos ou combates.

Dos Ferreira sobraram João Ferreira eas irmãs, exterminados Virgulino, AntonioFerreira, Levino e Ezequiel nos combatesda campanha cangaceira. Procurando esca-par da condenação de seu povo por todasas violações dos códigos da honra sertaneja,Lampião e os cangaceiros, que matavampara roubar, estupravam e desrespeitavamquase todos os valores tradicionais dos "bo-mens de bem ", criaram o que FredericoPernambucano chama de escudo ético. Di-ziam que não roubavam: "requeriam por-que precisavam "; viviam aquela "vida dedesgraça" vingando as injustiças praticadascontra a honra e as vidas suas ou de seusfamiliares. Compungido, Lampião contava ajornalistas e grandes protetores comoEronildes de Carvalho, governador deSergipe, que entrara no cangaço, louco dedesespero, para vingar o assassinato do paie da mãe.

Nazaré perdeu o nome e seus maisaguerridos defensores. No calor da luta seuscampos secaram abandonados pelos jovensque em nome de sua defesa esqueceram aesperança do plantio e a alegria da colhei-ta. Sedentos de vingança contra o cangaço,responsável segundo suas crenças por todaa perversidade da terra, viveram no derra-mamento do sangue dos irmãos e dos inimi-gos, com estes entrelaçados pelo terror ouadmiração no imaginário popular: "LampiãoX Odilon Flor", "Ferreiras X Nazarenos", os"Flô X os Ferreira" e todas as outras formasde pares de oposições X identificações. En-terrando onze "Nazarenos", o povo deNazaré chor ou-Ihes a perda que arrastou natristeza, matando-os, muitos dos mais velhos,como João Flor que não viu nunca maisIldefonso, o filho de dezesseis anos enter-rado nas terras de Xiquexique, num dos

maiores combates daquela guerra sertaneja.Muitos Nazarenos engajararn-se na vida mi-litar, não mais voltando a sua terra, ao modode vida camponesa, depois da morte de Lam-pião. Odilon Flor, único a derramar lágri-mas diante da tragédia de Angicos, morrena Bahia sem voltar à vida de Nazaré.

Os registros escritos e a memória oraldão conta da fragmentação do mundo serta-nejo em dois blocos irreconciliáveis: de umlado o cangaço - composto de cangacei-ros, vítimas reais de injustiças, policiais cor-ruptos, protetores, coiteiros e simpatizantes.Neste universo, a valentia é o principal va-lor, não sendo dada importância a possíveisarticulações com outros tipos de regras comotrabalho ou roubo. Do lado oposto, situam-se os que vêem no cangaço um fenõmenotão destrutivo como a seca, representaçãodo mal. A essa categoria pertencem as víti-mas impotentes ou combatentes, policiais eautoridades civis incorruptíveis, homens ri-cos que não tinham relações econõmicas epolíticas lucrativas com o cangaceiro. De-fensor do extermínio do cangaço, este seg-mento supra-classe social se via e representavae era visualizado pela maioria da popula-ção como "homens de bem ", muitos delestombando no "campo da honra ". Defenso-res da valentia a serviço da manifestaçãodos códigos de honra, para eles os valoresmaiores seriam o trabalho, o respeito aoalheio, a mansidão de trato e a obediência à"lei de Deus", numa combinação de elemen-tos culturais superados posteriormente pe-las transformações operadas naquelasociedade.

Lampião e Nazarenos não tiveram o ajus-te final segundo os códigos sertanejos. Confi-ante no pagamento feito a volantes paradescansar em Sergipe, Lampião e seu grupocaem vítimas da traição de seus comparsasfardados, sem direito a um único gesto dedefesa. Os Nazarenos não tiveram o direito

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BH/UFC

tradicional de vingar seus mortos num com-bate de "homem pra homem" com o inimigoque lhes destruíra a juventude e a paz naterra de Nazaré.

Morto pela traição e não pela valentiasertaneja, Lampião impede a "derrota do ma!'pela "força do bem", destruindo a importânciaépica da saga vivida pela defesa ou desestru-turação dos códigos tradicionais. Os Nazarenosnão tiveram o prazer da vitória contra ocangaço, derrotado pelas forças do governoque transformara vingadores em defensoresda ordem. É o fortalecimento dos códigos le-gais, universalizantes, sobrepondo-se ao di-reito tradicional de homens lutarem e mataremem nome da honra.

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