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Antropologia da política

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A abordagem da política pela antropologia pode ser definida de uma forma simples: explicar como os atores sociais compreendem e experimentam a política, isto é, como significam os objetos e as práticas relacionadas ao mundo da política. A compreensão de grupos específicos, em circunstâncias particulares, leva a comparações e diálogos com a literatura sobre contextos sociais mais amplos. Embora aparentemente simples, trata-se de uma proposta complexa de ser executada e que implica pelo menos dois pressupostos. O primeiro, de que a sociedade é heterogênea, formada por redes sociais que sustentam e possibilitam múltiplas percepções da realidade. O segundo, de que o "mundo da política" não é um dado a priori, mas precisa ser investigado e definido a partir das formulações e dos comportamentos de atores sociais e de contextos particulares.

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Page 1: Antropologia da política
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ColeçãoPASSO-A-PASSO

CIÊNCIASSOCIAISPASSO-A-PASSODireção:CelsoCastro

FILOSOFIAPASSO-A-PASSODireção:DenisL.Rosenfield

PSICANÁLISEPASSO-A-PASSODireção:MarcoAntonioCoutinhoJorge

Verlistadetítulosnofinaldovolume

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KarinaKuschnir

Antropologiadapolítica

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Sumário

Introdução

Históricodeumcampodeestudos

Culturapolítica

Sociedadedeesquina:umestudoexemplar

AantropologiadapolíticanoBrasil

Rituaisepolítica

Política,espaçourbanoemediação

Observaçãoparticipantenocampodapolítica

Interdisciplinaridadeediálogoacadêmico

Referênciasefontes

Agradecimentos

Sobreaautora

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Introdução

Àsvésperasdaeleição,umacandidataaocargodevereadorsaiparacumpriruma longa lista de reuniões e visitas às casas de seus eleitores em umsubúrbio do Rio de Janeiro. No trajeto, passa por ruas conhecidas desde ainfância, agora coalhadas de fotos suas. Cartazes e faixas se espalham nosmurosdascasasenasjanelasdosapartamentosdoscondomíniospopulares.Amonotonia só é quebrada porque um assessor percebe umproblema: várioscarrosostentamadesivocomapropagandadeoutrocandidato,que temsuabaseeleitoralemumbairronobredacidade!Oqueaqueleanúncioforasteiroestavafazendoali,naportadeumacasaondemaisde30pessoasesperavamacandidatacomsalgadinhoserefrigerantes?Aexplicação,dadaporumsenhorsorridente, porém levemente constrangido, foi inesperada: jovens da regiãoadotaram o adesivo desse candidato para conquistar as garotas do local.Esperavamsepassarporvizinhosdopolítico,moradordeumbairrodeelite,valorizado por ter um estilo de vida “moderno” e “muito melhor que osuburbano”.

Episódios aparentemente irrelevantes como esse podem ser umaextraordináriaviadeacessoparaacompreensãodeumuniversopolítico.Pormeiodesuainterpretação,emconjuntocomoutrosdadosdecampo,podemoscompreender o planejamento de uma campanha local, o contato com osmoradores de uma região específica, características da candidatura, de seupartidopolítico,bemcomoospadrõesdevotaçãoesperados.Tudoindicaqueocontrole exercidopelopolítico considerado“dono”daquela área remete arelações “clientelistas” com a população. Por qual outra razão o moradordeveria tentar explicar e justificaro adesivonocarroparadoàportade suacasa, senão pela existência de vínculos de lealdade e dívida? Como oscartazes e faixas foram parar na porta das casas e nas janelas das pessoassenão por consentimento das mesmas e, muito provavelmente, como umaretribuiçãodefavoresprestadosoupelaexpectativadefavoresfuturos?Quemmandou fazer essas peças de propaganda, com qual dinheiro e quem ascolocouali?

Candidatos, financiadores de campanha, assessores de vários tipos emoradores são participantes ativos desse episódio. São parte de ummesmouniverso político e não elementos isolados um do outro, como a políticatambémnãoestá isoladadavidasocial.Aocontrário,vemosnesseepisódioafloraremdiferençasgeracionais,comestratégiassociaisevisõesdemundonem sempre comuns. Observamos as divisões da cidade e suas distinçõeseconômicas, morais e simbólicas. Percebemos a importância dos rituais decelebração e comensalidadeno fortalecimento de vínculos entre as pessoas.Vemos, de relance, como se atualizam relações profissionais, de amizade,aliançaeparentesco.Notamosdiferentesusosparabensdeconsumoe suas

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relaçõescoma identidade.Podemosconhecer, ainda, aposiçãoprivilegiadada antropóloga que estava dentro do carro da candidata e foi testemunhaoculardacena.

A antropologia da política tem por objetivo entender como os atoressociais compreendem e experimentam a política, isto é, como interagem eatribuem significado aos objetos e às práticas relacionadas ao universo dapolítica.Emborasimples,essaéumapropostacomplexaeque implicapelomenos dois pressupostos. O primeiro, de que a sociedade é heterogênea,formadaporredessociaiscommúltiplaspercepçõesdarealidade.Osegundo,de que a “política” ou o “mundoda política” não é umdadoapriori,masprecisaserinvestigadoedefinidoapartirdasformulaçõesecomportamentosdepessoasecontextosparticulares.

Tomoapolítica,easociedadeemgeral,comofrutodaaçãocoletiva,istoé,deumarededepessoasqueinteragemeseinfluenciamreciprocamentepormeio de relações complexas e dinâmicas. Como veremos adiante, existemmúltiplos“mundosdapolítica”,dependendodocontextoetnográficoqueseestuda. Para compreender esses mundos é importante estudar tanto asconcepçõesdospolíticosquantodeseusfinanciadores,assessores,eleitoresedasociedademaisabrangentenaqualestãoinseridos.

A abordagemantropológica da política privilegia a dimensão simbólica,ouseja,ainterpretaçãoqueosatoressociaisfazemdasinstituições,relaçõeseobjetoscomosquaislidamnoseucotidiano.Essainterpretaçãoseexprimeeseconstróitantonasconversas,falasediscursosquantonasdecisõeseaçõesempreendidas.Noepisódiodoadesivo,vimosumpequenofragmentodeummundo da política onde candidatos e eleitoresmantêm relações estreitas detrocas e vizinhança e tomam a política essencialmente como um meio deacessoarecursospúblicos.

Antropologiapolíticaouantropologiadapolítica?Adiferençaentreasduasalternativas é que, na primeira, a palavra “política” corre o risco de serentendida de forma adjetivada, enquanto na segunda é claramentecompreendida como objeto de pesquisa. A mudança na denominação docampoindicaapreocupaçãodosantropólogosemnãoconfundirosdadosdomaterialetnográficocomaposiçãoideológicadospesquisadores.NoBrasil,aadoção da expressão “antropologia da política” acompanha mudançassemelhantes ocorridas na Europa e nos Estados Unidos, onde encontramoscada vez mais menções à anthropology of politics ou anthropologie dupolitique. Porém, muitos livros na área ainda são classificados como“antropologiapolítica”.

Este livro divide-se em oito seções. Nas quatro primeiras, discuto aliteraturasobreotemadaantropologiadapolíticaealgunsdeseusaspectos

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teóricos. A seguir, procuro apresentar alguns exemplos de pesquisas querealizei, bem como discutir problemas metodológicos relacionados apesquisasetnográficassobreesseobjeto.Parafinalizar,aúltimaseçãodebateacontribuiçãodediferentesáreasdasciênciassociaisparaacompreensãodapolítica.

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Históricodeumcampodeestudos

O interesse da antropologia pela política existe desde os primórdios dadisciplina.Nocontextodatradiçãoevolucionista,quemarcouafaseinicialdaantropologia,ofocorecaíasobreasformasesistemasdepoderemsociedades“primitivas”,cujascaracterísticasdeveriamsercomparadaseclassificadasemrelação ao sistema político das sociedades modernas, vistas como maisevoluídas.Emrelaçãoàsupostaevoluçãodasformasdeorganizaçãopolítica,traçava-seumalinhaqueiadesdea“hordaprimitiva”atéoEstadomoderno.Nessaépocadehegemoniadoevolucionismo,quepoderíamossituarentreasúltimasdécadasdoséculoXIXeoiníciodadécadade1920,agrandemaioriados estudos antropológicos não tomava a política como tema central deinteresse,nemaantropologiapolíticaerapensadaouformalizadacomoumasubáreadeestudos.

Comoavançodatradiçãoestrutural-funcionalistabritânica,noentanto,apolítica ganhou espaço, sobretudo nas etnografias realizadas no contextocolonial anglo-africano. Muitos desses estudos buscavam entender aorganizaçãosocialdegruposeetniassemapresençadeumsistemapolíticoformal, istoé,semEstado.Énessadireçãoquesurgemasreflexõessobreaimportância dos sistemas de parentesco para a hierarquia e coesão sociais,tendo como referência inicial o antropólogo britânico Alfred R. Radcliffe-Brown (1881-1955). Alguns dos textos fundamentais da então recém-nomeada “antropologia política” são produzidos nesse contexto. Em 1940,são publicadas a coletânea African Political Systems (Sistemas políticosafricanos),organizadapelosbritânicosMeyerFortes(1906-83)eEdwardE.Evans-Pritchard (1902-73), e a monografia Os Nuer, também de Evans-Pritchard.

A expressão “antropologia política” foi consagrada em uma revisãobibliográfica com esse título publicada em 1959 pelo cientista políticocanadenseDavidEaston (n.1917),quecobravadaantropologiaumenfoquequetomasseaspráticaseinstituiçõespolíticasporsimesmasenãoporsuasrelações com as demais esferas sociais, como o parentesco, por exemplo.Easton criticava também a definição de poder dos antropólogos, que teriatornado-setãoamplaquepoderiaserencontradaemqualquersituaçãosocial,englobandotodosostemasdadisciplina.Oartigofoiduramentecriticadoporantropólogos,poisessavisãorelacionaleraexatamenteoqueelesbuscavamalcançar, fugindo assim às visões etnocêntricas presentes nos estudosrelacionadosàspráticaspolíticasdassociedadeschamadas“primitivas”.

ParaRadcliffe-Brown,emprefácioaAfricanPoliticalSystems,oestudodo sistema político de uma sociedade constituía-se em um dos meiosprivilegiados para se compreender a natureza de suas instituições sociais.

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Umaquestãocentralparaaantropologiaafricanistaeraanecessidadede seencontrar instrumentos teóricos capazes de lidar com o sistema deorganização,manutenção e controle da força em sociedades tribais que nãotinham a presença de um Estado centralizado nos moldes europeus. Osantropólogos recusavam-se a classificar as sociedades primitivas pelanegatividade, como se fossem sociedades “sem política” por não terem umEstado centralizado nos moldes ocidentais, preferindo buscar em outrasdimensões da vida social os meios de conformação da sua organizaçãopolítica.

Ao dissociar o entendimento da política da presença de instituiçõesbaseadas nos modelos da sociedade ocidental, a antropologia reafirmava aimportânciadapesquisaetnográficaparaumentendimentomaisprofundodavidasocial.AmonografiadeEvans-PritchardsobreosistemapolíticoNueréum dosmarcos dessa perspectiva de análise, pormostrar que o sistema deparentescoeraachavedaorganizaçãopolíticadaquelasociedade.Apolíticanão se revelava pelo surgimento de uma instituição central, e sim pelaexistênciadeum“relacionamentoestrutural”deantagonismospersistenteseequilibrados.Esteseramexpressosnorelacionamentocompovosvizinhoseentre diversos segmentos da sociedade Nuer, e organizados em função desituações sociais específicas. O entendimento da estrutura política Nuerdependia da compreensão do princípio segmentário de organização dosdiversos grupos, da “lógica da situação” que os constituía e do permanenteconflitoentrevaloresrivaisdentrodeummesmoterritório.

Em Political Systems of Highland Burma (Sistemas políticos da AltaBirmânia), de 1954, outro antropólogo inglês, Edmund Leach (1910-89),criticava a noção de sociedades em “equilíbrio contínuo” que estavasubjacenteàmaiorpartedos trabalhosdacoletâneaorganizadaporForteseEvans-Pritchard sobre os sistemas políticos africanos. Baseado em suaexperiênciadepesquisanonortedaentãoBirmânia(atualMyanmar),Leachafirmou ser necessário mostrar que a estrutura social está em permanentemutação, parecendo estável e coerente apenas no relato etnográfico. Aantropologia precisaria rever uma concepção de sociedade em equilíbrio sequisesse dar conta dos processos de transformação e mudança. Emcontraposição aos africanistas, Leach defendia a tese de que certassociedades, pautadas pela convivência de culturas e visões de mundoheterogêneas, são estruturalmente instáveis, o que poderia ser mais bemobservado em um processo histórico, e não apenas a partir de uma visãovoltada para o presente. A partir dessa perspectiva, o autor procurava darconta de dimensões aparentemente incoerentes da vida social, buscandocompreenderseusmecanismosdeintegraçãoeconflito.

A incorporação das noções de processo e ritual também é parte da

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abordagem de autores que contribuíram decisivamente para o campo daantropologia política, como Max Gluckman, Victor Turner, Marc Swartz,ArnoldEpstein,PaulFriedrich,JohnMiddleton,ArthurTudeneFrederickG.Bailey.

Avalorizaçãodapesquisade campoquemarca a antropologiamodernatambémestápresente,deummodogeral,nessaantropologiapolíticaclássica.Esses autores procuravam, com isso, ampliar o universode investigaçãodopesquisador para além da ação dos atores, englobando seu repertório devalores e significados.No entanto, embora freqüentemente dialoguementresi, esses antropólogosnãoproduziramabordagenshomogêneas.Se emumaprimeira etapa foi dada maior ênfase aos aspectos de coesão e equilíbriosocial, à medida que avançamos no tempo observamos maior preocupaçãocomastransformaçõessociais.Passando,assim,asituarasrelaçõesdepodernãosónoespaçocomotambémnotempo,bemcomoentendendo-asapartirdetemáticascomoconflitos,rituais,mitos,identidades,status,representaçõesepráticas.

Conforme observamos, uma das preocupações centrais dessesantropólogoseraampliaroconceitodeatividadepolítica,evitandoumavisãoetnocêntricadapolíticaquetomasseoEstadomoderno-contemporâneocomoo produto final de uma suposta evolução política. No caso das sociedadesafricanas,particularmente,tratava-sederediscutiropapeldoEstadocoloniale as repercussões desse modo de dominação na cultura e na organizaçãosocialdaspopulaçõesnativas.Asrelaçõesdeparentesco,étnicasereligiosassãorepensadas,revelando-sequeconstituemdimensõesfundamentais—porvezes exclusivas— de atualização da vida política. Valoriza-se também opapeldeindivíduossingularesque,dentrodecontextoscomplexos,atuariamcomo mediadores entre múltiplos níveis culturais. Devolveram-se, nessesentido, importantes trabalhos sobre mediação e política, com reflexõesacercadeumamploeheterogêneoconjuntoderelaçõespessoais—favores,compromissos, lealdades,clientela.Apartirdasdécadasde1950e1960,asanálises se historicizam, chamando atenção para os processos detransformaçãodasestruturassociais.

O antropólogo britânico Victor Turner (1920-83) foi um dos autorescentraisnessadireção.EmOprocessoritual, de1969, e emDrama,Fieldsand Metaphors: Symbolic Action in Human Society (Dramas, campos emetáforas: Ação simbólica na sociedade humana), de 1974, Turnerdesenvolveu um método de observação e análise de “dramas sociais”,episódios emqueconflitos e tensões inerentes aumgrupo social irrompempublicamente. Sua perspectiva de análise focaliza a permanente oscilaçãoentreordememudança,equilíbrioedesequilíbrio,estruturaeanti-estrutura.

A tentativa de definir aquilo que seria universal na política é uma

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preocupação fundamental na obra de Frederick G. Bailey (n.1924). Para oantropólogo inglês, aluno de Leach e um dos expoentes, junto com MaxGluckman, da chamada Escola de Manchester, existiriam certas regrasuniversais relativasaoscomportamentospolíticos.Caberiaaosantropólogosbuscá-lasatravésdoestudodaspráticaspolíticasquenãoestãoexplícitasemregras normativas e públicas, mas sim em uma sabedoria privada epragmática, voltada para a obtenção de resultados eficazes.Independentemente das diferenças, todas as culturas teriam suas táticas demanipulaçãopolítica, comasquaisopesquisadorpoderia acederatravésdaabordagemetnográficaminuciosadasnegociaçõescotidianas.Partedadensae influente obra de Bailey foi publicada em um período de grandeefervescêncianaárea,entreasdécadasde1960e1970,quandoseeditarammonografias e coletâneas importantes como Political Anthropology(Antropologia política, 1966, organizado por Swartz, Turner e Tuden) eLocal-Level Politics: Social and Cultural Perspectives (Política local:Perspectivassociaiseculturais,1968,organizadoporSwartz).

Aidéiadequeasrelaçõesdepodersãointrínsecasàsrelaçõessociais,deummodo geral, é um dos temas fundamentais da antropologia que tem sededicado às análises sobre a política. Em Anthropological Approaches toPoliticalBehavior (Abordagensantropológicasdocomportamentopolítico),de 1991, FrankMcGlynn e Arthur Tuden resumem esse ponto de vista. Opoder (ou a política) estaria presente em todas as relações sociais em queexistealgumtipodeassimetria.Seriaprecisoestudá-lodentrodeumcontextosociocultural, identificandosuasdimensõesmateriais,psicológicasesociais,semdeixarde ladoosprocessosdemudançadessas configurações.Énessamesma direção que a antropóloga norte-americana Joan Vincent, emAnthropology and Politics (Antropologia e política), de 1990, faz umaextensa revisão das principais linhas de pesquisa da área,mantendo um fiocondutor na história de obras e autores, ao qual voltaremos ao final destelivro.

Cabe ressaltar também a importante obra do antropólogo francês PierreClastres (1934-77) para a constituição de uma antropologia política,principalmenteseus livrosArqueologiadaviolênciaeAsociedadecontraoEstado. Clastres talvez tenha sido o autor que propôs a relativização maisradical da noção de política. Na sua visão, o poder político é universal,inerenteaosociale,diferentementedoqueocorrenassociedadescomEstado,pode ser exercido de forma não-coercitiva. Nas sociedades primitivas,principalmente nas sul-americanas (foco de seus estudos etnográficos), afinalidadedopodernãoéimporavontadedochefesobreogrupo,massimexpressar o “discurso da sociedade sobre elamesma”, demodo a preservarseucarátersolidárioeindiviso.

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Aanálise do poder nas sociedades primitivas também serve de pretextoparaqueClastresfaçaumacríticaàquelesqueapontamaprimaziadaesferaeconômicanadeterminaçãodavida social. Para o autor, são as relaçõesdepodere,portantoaesferadapolítica,queestruturamasrelaçõessociais.Essavisão temumcaráter singulardentroda antropologiapolíticaporque, comodissemos anteriormente,Clastres recusava as definiçõesdepoder coercitivodas sociedades “civilizadas”. Por isso mesmo, suas pesquisas nãoencontraramapenasoutras formaseprincípiosdeexpressãodas relaçõesdepoder(comofizerammuitosafricanistas,segundosecriticoumaistarde),massim um poder fundamentado em princípios radicalmente diferentes— umpoder que se exercia em nome do grupo com a finalidade de perpetuar ocaráterigualitáriodasrelaçõessociais.Emumaperspectivaqueseaproximada tradição da filosofia política anarquista, Clastres destacava a luta dasociedadeprimitivacontraosurgimentodoEstado.

Com o crescimento da produção acadêmica na antropologia política,ocorre um afastamento do cânone tradicional e uma pulverização deproblemas teóricos e temas de pesquisa. Muitos desses novos campos sãofrutodoenfrentamentodosdesafiosimpostosporumaconjunturamundialnaqual convivem forças políticas e culturais em múltiplos níveis comocomunismo, capitalismo, colonialismo e movimentos sociais de diversostipos. Entre estes, a área dos estudos feministas e os movimentosanticolonialistas ganham destaque por sua importante contribuição para areflexãosobreopoder.

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Culturapolítica

Já que “cultura” é um dos conceitos centrais da antropologia, podemosperguntar por que os estudos de antropologia da política não adotammaisfreqüentemente o conceito de “cultura política”, criado na década de 1960pelos cientistas políticos Gabriel Almond e Sidney Verba em The CivicCulture (A cultura cívica), a partir da combinação das perspectivassociológica, antropológica epsicológicanoestudodos fenômenospolíticos.Este termo, que ficou muito associado aos estudos de ciência política e àrealização de pesquisas de opinião, passou a ser também bastante utilizadopor historiadores, embora hoje esteja praticamente abandonado naantropologia.

AintençãodeAlmondeVerbaeraforjarumconceitoquecombinasseocampo da política com a variável cultural, incorporando, nas análises dapolítica da sociedade de massas contemporânea uma abordagemcomportamental,quelevasseemcontaosaspectossubjetivosdasorientaçõespolíticas, tanto do ponto de vista das elites, quanto do público dessasociedade. O objetivo central de TheCivic Culture era discutir o papel dacultura política no funcionamento dos regimes democráticos. Para tanto,cultura política era definida como a expressão do sistema político de umadeterminada sociedade nas percepções, sentimentos e avaliações da suapopulação.Oconceitoatribuigrandeimportânciaaoprocessodesocialização(que tem lugar em espaços sociais distintos como a família, a escola e otrabalho)nadefiniçãodocomportamentopolítico.Asuposiçãodequeháumarelaçãoentreoprocessodesocializaçãoeocomportamentopolíticoexigeoreconhecimento de que as respostas dos atores a situações sociais objetivasnão ocorrem em um plano único, no qual nenhum componente subjetivointervém. Ao contrário do que propõem os modelos básicos da teoria daescolha racional, hoje dominantes na ciência política, as respostas se dãoatravés de orientaçõesmediadas pela avaliação subjetiva que o ator realizadessassituaçõessociais.

Para a elaboração do conceito de cultura política, Almond e Verbainspiraram-se em trabalhos das mais diversas áreas do conhecimento— ahistória,afilosofia,aantropologia,asociologiaeapsicologia—quehaviamsededicadoaoestudodasdimensõessubjetivasdapolítica.Nesseuniverso,aprincipal referência é a chamada Escola deCultura e Personalidade que sedesenvolveunosEstadosUnidosentreasdécadasde1930e1960.Naquelemomento,antropólogoscomoEdwardSapir,MargaretMeadeRuthBenedict,vinculadosàtradiçãoculturalistafundadaporFranzBoas,direcionaramsuaspesquisasparaacompreensãodacultura,deummodogeral,edasquestõesrelacionadasaocaráternacional.

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AnoçãodeculturautilizadaporAlmondeVerbateminspiraçãodiretanaformulação do conceito de cultura por parte desse grupo de antropólogos.Uma das referências-chave é Patterns of Culture (Padrões de cultura), deRuthBenedict,de1934.Culturaeraali entendidacomoumaarticulaçãodepadrõesdecomportamentoapreendidossocialmentepormeiodeprocessosdetransmissão de tradições e idéias, sem qualquer determinação biológica. Opesquisador não deveria isolar objetos de pesquisa sem perder de vista ocaráterholísticodoconceitodecultura,istoé,aintegraçãoeaarticulaçãodatotalidadesocial.

Nessaperspectiva,aobservaçãoetnográficafoiapontadacomoométodo,porexcelência,capazdeelucidarasmotivações,emoçõesevaloresquedãosignificadoaoscomportamentosindividuaisdeumadeterminadacultura.Parao estudo da sociedade ocidental, era preciso estar atento à convivência demúltiplos códigos culturais que não estão, necessariamente, circunscritos aregiõesgeograficamentedelimitadasnemainstituiçõessociaisespecíficas.Acompreensão do comportamento individual partia do princípio de queindivíduo e sociedade constituem-se mutuamente, não sendo entidadesdistintas.Naperspectivarelativizadoradessesautores,aculturaocidentalnãodeveriasertomadacomoopadrãouniversalparaaferiçãodasdemaisformasde organização social. Era preciso, como escreve Benedict, apostar natolerância entre modos de vida e na coexistência dos distintos, porémigualmenteválidos,padrõesculturaisdahumanidade.

Alguns anos mais tarde, já no âmbito da Segunda Guerra Mundial, asconcepções e métodos de pesquisa da Escola de Cultura e Personalidadepassaram a ser direcionados para os estudos de “caráter nacional”. É,sobretudo, esse desdobramento que exerce influência decisiva sobre otrabalho de Almond e Verba e, conseqüentemente, sobre sua definição deculturapolítica.Anoçãodecaráternacionalvinha tentar supriruma lacunados estudos de cultura e personalidade, que pareciam não dar conta, portrabalharempormeiodemétodosdeobservaçãodireta,dedefiniraquiloquehaveria de comum na cultura compartilhada por cidadãos de umasociedade/nação contemporânea. Amaior oumenor homogeneidade de umcaráternacionaldependeriadograudeuniformidadeecontroledosgovernossobreosindivíduoseasociedade.Havia,nessaabordagem,opressupostodequecadamembrodasociedadeé representativodeumpadrãoculturalmaisamplo,apreendidopormeiodeprocessosdesocializaçãoecomunicação.Porisso mesmo, a definição dos padrões culturais que compõem um caráternacionaldependeriamenosdepesquisasquantitativas,degrandeamplitude,doquedeinvestigaçõesdeexperiênciassubjetivas,feitasemprofundidadeedeformamultidisciplinar.

Naquelemomentodeperplexidade,marcadopelaexperiência traumática

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de uma guerra mundial, tornava-se necessário pensar o papel político dosEstados-nação. Cada vez mais, constatava-se que indivíduos e gruposorientavam suas ações em função dos chamados “valores nacionais”. ParaMargaretMead,ovalordosestudosdecaráternacionalestavajustamentenasua busca por compreender “como os comportamentos culturais sãorepresentadosnaestruturaintrapsíquicadosindivíduosdeumacultura”.

Emboracomabordagensemétodosdepesquisadiferentes,areflexãodeAlmondeVerbasobreculturapolíticacaminhanamesmadireçãodosestudosde caráter nacional. Inspirados por esses trabalhos, os autores importam oconceitode culturada antropologia, no sentidoassumidamente simplificadode “orientação psicológica em relação aos fatos sociais”, considerando aexistênciadepadrõesdecomportamentorelativamenteestáveiseconsistentesemumadeterminadasociedade.A“política”,porsuavez,éconcebidacomoumaesferaautônomaque,porissomesmo,poderiaserpercebida,analisadaeavaliadapelosindivíduosdestasociedade.

Culturapolítica,portanto,remeteaumaorientaçãosubjetivaemrelaçãoaumdeterminadosistemapolítico.Éprecisoressaltar,porém,queautilizaçãodoconceitoporAlmondeVerbaestávinculadaaumapreocupaçãoquantoàscondições de desenvolvimento dos sistemas políticos democráticos. Dessaforma, em sua própria gênese, o conceito de cultura política não pode serdissociado domodelo de comportamento político presente nas democraciasparticipativas. Diferentemente da noção antropológica de cultura que trazimplícitaaidéiaderelativização,AlmondeVerbapropuseramqueaculturapolíticademocrática—ouculturacívica,parausaraterminologiadosautores— é uma conquista da sociedade ocidental. Seu projeto era entender comoessaculturatemsido(ounão)absorvidanassociedadescontemporâneas.Nospaíses que passarampor regimes autoritários, os estudos de cultura políticavoltaram-se para análises da presença e difusão de valores democráticos nasociedade.Nocasoespecíficodatransiçãolatino-americana,váriaspesquisastiveram como foco o processo de transição político-institucional e asmudanças(ounão)deatitudefrenteàdemocracia.

Amaiorpartedosantropólogosbrasileirostemevitadoousodoconceitode cultura política. Em alguns casos, usa-se o termo frouxamente, semremeteràsuaorigemeconceituaçõesfundamentaisformuladasporAlmondeVerba. Assim, privilegia-se a força do conceito antropológico, que entendeculturacomorededesignificadosquedásentidoàpercepçãodarealidade.Apalavra“política”compõeoconceitoapenasreforçandoofatodequetrata-sedevaloresepráticaspresentesnaesferadasatividadespolíticas,no sentidoinstitucional do termo (eleições, representação parlamentar, organizaçãopartidária,funcionamentolegislativoetc.).

No Brasil, os estudos de cultura política acabaram restringindo-se ao

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campo da ciência política, praticamente deixando de lado o debate com atradição antropológicaque, comovimos, teveumpapel fundamental para aconformaçãodoseuconceito-chave.Adiscussãoemtornodarentabilidadedanoção de cultura política permite retomar de forma produtiva esse diálogo,que valorizaria as análises que pressupõem maior complexidade da vidasocial, não deixando de lado a dimensão da subjetividade, tanto naantropologiaquantonaciênciapolítica.

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Sociedadedeesquina:umestudoexemplar

UmexemplomagistraldeanálisenocampodaantropologiapolíticaéolivroSociedade de esquina (Street Corner Society), de William Foote Whyte(1914-2000), publicado em 1943. Embora geralmente rotulado como umestudo de sociologia urbana, o autor foi diretamente inspirado pelaantropologia. Whyte fez uma extensa pesquisa de campo com observaçãoparticipante em um pequeno distrito na área de Boston, Estados Unidos,marcado pela imigração italiana e pelas condições de vida deterioradas emrelaçãoàsociedademaisabrangente.Emmeioaumgrupodejovensrapazesdolocal,Whyteanalisouavidanasesquinasde“Cornerville”,nomefictícioque deu ao local, bem como a sua relação com osmundos do crime e dapolítica. Para observar este último mais de perto, voluntariou-se comosecretárionocomitêdeumcandidatoaosenado.Engajando-senacampanha,acompanhouocandidatoemeventos,redigiuatasdereuniões,fezentrevistascom cabos eleitorais, familiares, assessores, ex-parlamentares e outroscandidatos ligados ao distrito. O material etnográfico tinha como foco asredes sociais e suas divisões, com fortes vínculos com o mundo dosgângsgteres,mafiososeoutroscriminososligadosaotráficodemercadoriasejogosilegais.

Asrelaçõesdessasredeseramconstituídascombaseemtrocasdefavores,sendooalistamentoeaparticipaçãoeleitoralumacondiçãoessencialemumcontextodevotonãoobrigatório.SegundoosinformantesdeWhyte,noiníciodoséculoXX,asorganizaçõesmafiosastinhamtalcontrolesobreoseleitoresqueeramcapazesdetransferirosvotosdosdemocratasparaosrepublicanos“da noite para o dia”. Mesmo depois da mudança nas políticasgovernamentais que geraram novas agências de assistência à população, ospolíticos continuavam exercendo influência nos escalões públicos, sendocapazesdeapressarouintermediaraconquistadeempregos,solturadepresosoupromoçõesdefuncionáriospúblicos.

Noperíodoemqueapesquisafoifeita,entre1939e1940,pareciaexistirapenasdoiscaminhospossíveispara futurosempreendedoresnapolíticaemCornerville:oPartidoRepublicanoeomundodosnegócios,deumlado,eoPartidoDemocrataeomundodosgângsteres,dooutro.Somentenosegundocaso,emque tambémeramacionadosclubespolíticoseganguesde jovens,erapossívelobteramaioriadosvotosdosmoradoresdodistrito,onde,comoafirmaamulherdeumsenadorouvidanapesquisa:“Oquecontanãoéoquevocêsabe,masquemvocêconhece.”

Whytenosajudaacompreenderessaafirmação,explicandoaspráticaserepresentaçõessobreapolíticaemCornevilleatravésdasredesdeobrigaçõesmútuas. Ele faz isso examinando a política dentro da lógica da sociedade

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local, isto é, observando como valores morais relacionados à família, àsrelações de trabalho e de amizade são também fundamentais na esfera dasatividadespolíticas.

EmCornerville,porexemplo,asfuneráriasestavamnasmãosdepolíticosoudeseusaliados.Eratãoimportantefinanciarenterrosquantofreqüentá-los,demonstrando pesar e apreço pelo falecido, por seus amigos e familiares.Esses são também rituais em que se atualizam laços e se demonstrampublicamente alianças. Whyte cita uma ocasião em que a maioria dospolíticos locais evitou comparecer ao enterro de um gângster aliado commedo de sair nos jornais e ser associada ao crime organizado. O únicosenadorque compareceu ao funeral teve seu comportamento elogiadopelosmembrosdacomunidadepordemonstrarquea lealdadeaosamigosdeveriaestaracimadevaidadesecálculosracionaisquantoaganhospessoais.Dentrodessa mesma lógica, o senador justificou sua presença em nome de uma“dívidadegratidão”.

As relações de lealdade estão justamente entre as preocupações centraisdeSociedadedeesquina.Comosedãoasdisputasetrocasbaseadasemlaçosdelealdade?Comooperam?Quaisrelaçõestêmprimaziasobreasoutras,emquais momentos e contextos? Diversas variáveis fazem parte desse jogo,como os vínculos familiares, a identidade étnica, os grupos geracionais, ouaquelesligadosaosprojetoseducacionais,notrabalhoounapolítica.

Whyte põe em evidência as tensões e conflitos decorrentes dessesmúltiplosvínculos.Nocasodapolítica,emespecial,eleretomaoproblemacentral do dilema da representação: manter-se fiel ao grupo de origem efracassarnosdemaisníveisdenegociaçãopolítica;ouampliarsuasredesforada comunidade local, mas correr o risco de enfraquecer seus laços com amesma?No caso deCornerville e de tantas outras localidades nas quais ospolíticos têm obrigação de distribuir favores, empregos e bens, inclusivedinheiro, essedilemaévividode formaparticularmente aguda.Os recursossãoescassoseasdemandaschegamde todososníveisdas redesàsquaisopolíticoestávinculado.

Paraampliarseuapoio,opolíticodevefavorecerpessoasemposiçãodeliderança, isto é, estrategicamente situadasnaorganização social, emoutrosgrupos que não apenas o seu. Quanto mais conexões e interações comdiferentes grupos, maior a progressão na carreira. No entanto, umaconseqüência disso é que a relação com seugrupooriginal se enfraquece eprecisadeumnovolíderemediador.Algunspolíticospodemtentarmanterocontatopessoalediretocomapopulação,evitandoliderançasintermediárias,mas são raros os que conseguem conciliar essa atividade com as outrasdemandas domandato. Um exemplo interessante dessa dificuldade apareceemuma campanhadescrita porWhyte emque o político evitava criar uma

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hierarquia de comando em sua equipe. Como resultado, cabos-eleitorais,assessoresevoluntáriospassavammaistempodisputandoaproximidadecomo chefe-candidato do que exercendo suas atividades. Por contraste, em umoutro grupo político, ao traçar o organograma da equipe de campanhaobservamos sua extrema semelhança com a hierarquia da sociedade maisamplaaqueestavarelacionado.

Whyte estuda não apenas as relações dos candidatos com suas bases,comotambémosprocessosdecompetiçãoentreosprópriospolíticos.Chamaatençãoaexistênciadecandidatos fantoches,cujapresençana listaeleitoralservedemoedadetrocaestratégicaentreosadversários.Pagamentos,favoresou acordos podem colocar ou retirar esses candidatos da disputa, causandotransferência de votos e afetando o resultado eleitoral. O dinheiro tem umpapel central nesse mundo da política, envolvendo financiamentos decampanha, compra de votos e de favores. No entanto, sua troca estáprofundamente interligada às relações pessoais e, muitas vezes, aparece naformadebensevínculosbaseadosnanoçãodehonra.Umexemplodissoéque a “compra” de uma candidatura, isto é, o custo de tirar um candidatoinconvenientedadisputaeleitoral,erafreqüentementepaganãocomdinheirovivo,mascomatosdecortesiaeamabilidade,comopresentesemformaderoupasmasculinas(terno,chapéuesobretudo).

UmpontoaltodoestudodeWhyteéaanálisedoscomíciospolíticosemCornerville e arredores.Várias regras e rituais descritos permanecematuaisparaoestudodapolíticacontemporânea,inclusiveabrasileira,comoveremosadiante.Aorganizaçãodoambiente,apresençadeartistaseshowspopulares,ahierarquiadopalanque,o ritualdas falasediscursos,ocomprometimentodaplatéiacomoscandidatos,oapeloaossentimentoseàemoção,aênfasenos vínculos dos políticos com as comunidades presentes, o reforço dasobrigaçõesdedívida,honrapessoalevaloresmorais—todosessesaspectossãoabordadospeloautoratravésdedadosobtidosemobservaçãoparticipantealiadosaanálisesdetalhadasdosdiscursosproferidos,dasdisputasenvolvidasedasmudançasdeconteúdoàmedidaqueacampanhaseaproximadofinal.

O dia da eleição serve de pretexto para Whyte discutir as formas decontrole sobre os eleitores, os esquemas de fraude e corrupção. Registrosfalsos, organizações judiciais vinculadas ao crime, compra e repetiçãofraudulentadovotosãoalgumasdaspráticasdescritascomdetalhes.Oautornãoestápreocupadoemcondená-las,masementendercomoapopulaçãolidacomelas: “Deummodogeral, aspessoasemCornervilleconcordamquea‘repetição’ [do ato de votar] é ‘errada’.Mas a justificativa dada a ela é: sevocênãoroubaraeleição,alguémvaifazerisso.”Nessecontexto,escreveoautor,“aeleiçãonãoévistacomoumaoportunidadequeaspessoas têmdeexerceralivreescolha,mascomoumalutapelopodereoprestígionaquala

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vitóriadeveserconquistadaaqualquerpreço”.Asredesdeobrigaçõesmútuasvãoseconformandonesseprocessodeluta

pelopoder.Apopulaçãoreconhecesuaobrigaçãodevotare,emcertoscasos,atédeprestarserviçosgratuitosaopolíticoquelhefazfavores.Ospolíticos,porsuavez,têmdificuldadeemarcarcomsuasobrigações.Quantomaioresas suas redes de relações pessoais, menores os custos financeiros. Opagamento em dinheiro ocorre principalmente onde os vínculos são maistênues do ponto de vista moral. Whyte documenta casos de eleitorescomprandofavoresdepolíticos,mastambémdepolíticoscomprandofavoresdeoutrospolíticos,funcionárioseeleitores.Ofavorpago,noentanto,obrigamenosqueaquelequesefazdegraça.Quandoserecebedinheirodopolítico,fica mais difícil cobrar o favor desejado depois, como um emprego, porexemplo. Afinal, a remuneração financeira pode encerrar o ciclo deobrigaçõesmútuas.Jáo favorgratuito,não.Comoafirmaumrapazdeumadasganguesestudadas:“Àsvezes,ospolíticosqueremtedardinheirosevocêtrabalha para eles,…mas se você é esperto, não pega o dinheiro, e entãopodeserquetenhachancedeconseguiralgumacoisa.”

OobjetivodeWhyteéjustamentemostrarquenãodevemossuperestimaraeficáciadasrelaçõeseconômicasnojogopolítico,poisodinheiroporsisónão é capaz de criar laços e obrigações sociais. Segundo essa lógica, aspessoasquefazemfavoresnãoremuneradossãosuperioresdopontodevistamoralfrenteàquelasqueofazempordinheiro,eissoashierarquizanasredesderelaçõeseobrigações.Umaconclusãoimportantedoautoréqueapolíticaeospolíticoscriamefortalecemgruposerelações,masnãooperamemumaesferaautônoma.Aocontrário,precisamsemprelevaremcontaaorganizaçãosocial da comunidade onde atuam. Portanto, o antropólogo que observa omundodapolíticaestánecessariamentelidandocomregraserepresentaçõessociaismaisamplasdasociedadeestudada.

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AantropologiadapolíticanoBrasil

Nadécadade1990,encerradooregimemilitarerestauradaademocracia,osantropólogos brasileiros parecem ter renovado seu interesse pela política.Diversos trabalhos importantes foram produzidos no período, tendo comofocoprincipalanálisesetnográficasa respeitodaspráticaspolíticas,sejaempequenas localidades rurais, seja nas grandesmetrópoles e centros urbanos.Esse conjunto de trabalhos autodenominados de “antropologia da política”tiveram sua institucionalizaçãomais importante noNúcleo deAntropologiadaPolítica(NuAP),sediadonoMuseuNacionaldaUniversidadeFederaldoRio de Janeiro (UFRJ), mas envolvendo grupos em outras universidadesfederais,comoasdeBrasília,CearáeRioGrandedoSul.

O objetivo do NuAP, como definiu uma de suas fundadoras, MarizaPeirano (UnB),erapartirda“suposiçãobásicadequeacategoriapolíticaésempre etnográfica”. Ao investigar a política sancionada pelos padrõesocidentais modernos, “deslegitimando pretensões essencialistas,sociocêntricaseconformistas”,revela-sequeaprópriapercepçãodapolíticacomouma esfera social à parte de outras esferas é produto dessa ideologiamoderna. No caso brasileiro, alerta Peirano, o antropólogo enfrentaria uma“combinaçãocomplexa”deuniversalismocientíficoe ideologianacionaldemoldes holistas que informam e se combinam em seu objeto de estudo demúltiplasformas.

Essacombinaçãotemsidoobservadaemmuitosestudosempíricos,desdeoclássicoCoronelismo,enxadaevoto,deVictorNunesLeal,de1949,atéasrecentes monografias e coletâneas publicadas no âmbito do NuAP, comoAntropologia, voto e representação política; Candidatos e candidaturas;Como se fazem eleições no Brasil; e Política no Brasil. Nesta agenda depesquisa,privilegiam-seosmétodosdeobservaçãoparticipanteeasanálisescomparativas,buscandoelaborar“visõessociologicamentepositivasdolugarda política na sociedade e cultura brasileiras”, como escreveu MoacirPalmeiraem“Voto:racionalidadeousignificado”,de1992,umtextoseminalparaaárea.

Apartirdepesquisasetnográficas,Palmeirasugereque,para refletirmossobre as práticas políticas na sociedade brasileira, especialmente aquelasidentificadas como “tradicionais” e “clientelistas”, deve-se chamar atençãonão tantoparaadimensão individual, racional,dovoto,maspara seuvalorcomo um ato deadesão às facções sociais.A adesão seria um processo decomprometimento mais amplo, envolvendo não apenas o indivíduo, masquase sempre tambémsua família, suas redesde relações eoutrasunidadessociais significativas, sem que se exclua a possibilidade de os conflitosinterferirem decisivamente nesse contexto. Para o autor, a compreensão do

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comportamento eleitoral dependeria da adoção de uma perspectiva mais“socio-lógica”,emqueasaçõesdoseleitores fossempercebidassegundoasestruturas “sociais e simbólicas” que as circunscrevem, atravessando“diferentesunidadessociais,individuaisounão,incutindo-lhessignificado”.

Emanálises centradasnosmomentos eleitorais empequenas cidadesnointerior do Brasil, Moacir Palmeira e Beatriz Heredia têm desenvolvido oconceitodetempodapolíticaparadesignarosperíodosemqueapopulaçãopercebe a política e os políticos como parte da sua vida social. Nessassociedades, que teriam como valor a união e a estabilidade (representadasmuitasvezessoba formadomodelo familiar),apolíticaévividacomoumfenômeno sazonal por estar identificada com a divisão e o conflito. Dessaforma, os autores chamam atenção para a política tal como ela éexperimentada dentro de um universo cultural e histórico específico. Oseleitores deixam, assim, de ser os seres abstratos que aparecem comfreqüência em análises formalistas da democracia. A investigaçãoantropológicadapolíticapassaaconcentrar-senãonoisolamentodetemasefenômenos, mas justamente no seu entrelaçamento. Podemos escapar dejulgamentos etnocêntricos sobre como votar certo ou errado, sobre se umacampanhaéeticamentecorretaounão,percebendo,emseulugar,queexistemdiferentespercepçõesepráticasdapolítica,cabendoaopesquisadorencará-loscomoconcepçõesquenosajudamaentenderosagentesemjogoesuasações.

Em análise sobre “Os comícios e a política de facções”, Palmeira eHeredia observam a relação da população de comunidades rurais com operíodo eleitoral, revelam a percepção da política e de seus profissionaiscomo elementos externos, que reorganizam o espaço social e invadem ocotidiano,subvertendoatividadescomofestas,cultos,enterrosereuniõesdefamília.Ofundamentaléperceberque“nadisputafaccional…estáemjogomenosumadisputaeleitoralstrictosensudoqueaafirmaçãodopesorelativodediferentespartesdasociedadeumadiantedasoutras,oqueédecisivoparaa ordenação das relações sociais”. A etnografia revela que a política estáimbricada de relações sociais e é por estas ao mesmo tempo produzida,atualizada e transformada. Por meio da análise dos comícios como rituais,Palmeira eHeredia discutem como esse universo de vocabulário específico(facções,comícios,carreatas,palanquesetc.)serelacionacomassociedadeslocais produzindo percepções de tempo e espaço, mas principalmenteidentidades,redesehierarquiasnasrelaçõessociais.Apartirdainterpretaçãodosdiscursosdepalanqueesuasformasdeelocução,revelam-seaspráticasda política brasileira comprometidas com acusações de cunho moral epromessas que se constroem em função de adversários. Sobretudo, oscomíciosdramatizamas relaçõesentreos“decima”(dopalanque)eos“de

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baixo”(dopúblico)comorelaçõesdehierarquianasociedadebrasileira,ondese reafirmam posições, composições (tipos de pessoas) e linguagens quedistanciamouniversodos“patrões”dosdemais“excluídos”.

Em “Política ambígua”, Palmeira e Heredia retomam essa temática,desvendando concepções de política que revelam o caráter fortementehierarquizado da sociedade brasileira, para a qual “política é assunto demuitos (ainda que por determinado período),mas é responsabilidade… depoucos”. Os conflitos precisam ser gerenciados não por “representantes”,comodizateoria,massimpor“mediadores”,“pessoas‘poderosas’,demuito‘conhecimento’”, que são percebidos como indispensáveis na gestão dasrelaçõessociaisenoatendimentoàsdemandasdapopulação.

Diversos antropólogos, comoMarcos Otávio Bezerra (emCorrupção eEmnomedasbases),CarlaTeixeira(Ahonradapolítica)eChristineChaves(Festas na política) têm colocado em prática as premissas do NuAP,investigandoapolíticadentroeforadoperíodoeleitoral.Emseustrabalhos,ajudamacompreenderosnexosentrealógicadasredespolíticaseprocessosemecanismossociaismaisamplosdasociedadebrasileira.Comosestudosdomeio político, os autores mostram a vitalidade da noção de honra e aimportância atribuída às relações de caráter pessoal, mais do que opçõesideológicas abstratas ou cálculos racionais individuais. Os conceitos sãodesenvolvidosemsuapositividade,istoé,atravésdeseusignificadoconcretopara os atores sociais e não em relação a modelos teóricos sobre ofuncionamento do sistema político. Diferentemente das análises quecostumamclassificaraspráticaspolíticasclientelísticasepersonalistascomodeturpaçõesdeummodeloideal,osautoresrevelamqueastrocasfundadasapartir das relações pessoais (que, por vezes, mas não necessariamente, setransformam em corrupção) constituem e regulam, em diferentescombinações,ofuncionamentodasinstituiçõespolíticas.

Emmeulivro,Ocotidianodapolítica,pesquiseiumaregiãosuburbanadoRiodeJaneiroondeapolíticaéentendidaprincipalmentecomoummeiodeacesso aos recursos públicos, no qual o político atua comomediador entrecomunidades locais e diversos níveis de poder. Esse fluxo de trocas éregulado pelas obrigações de dar, receber e retribuir, a que o antropólogoMarcelMauss chamoude “lógica da dádiva”, e cujo princípio fundamentalestánocomprometimentosocial,paraalémdascoisastrocadas,daquelesquetrocam.

As pessoas que participamdessas redes, seja como eleitores, seja comopolíticos,nuncaconcordariamcomosacadêmicosqueclassificamsuasaçõescomomero“clientelismo”.Dopontodevista“nativo”,ospolíticosnãoestão“privatizando bens públicos” (para usar uma definição clássica declientelismo).Aocontrário,ospolíticosestãodandoacessoabenseserviços

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públicos a pessoas que não os teriam de outra forma. Nesse contexto, apalavra “público” não significa “recursos que pertencem a todos”, mas“recursos monopolizados pelas elites políticas e econômicas”. Ou seja,pessoas “ordinárias” — dos estratos inferiores da sociedade — nãoparticipariam dessa definição de “público”. Por isso mesmo, o acesso àsfontespúblicasdebenseserviçosprecisaser intermediadopelopolíticoeévistocomoumbemextraordinário,“quenãotempreço”.

Noentanto,essaredenãoseconstituiapenaspeloacessoeintermediaçãode recursos públicos. A distribuição de bens e serviços em locais de“atendimento” como centros de assistência social ou escritórios políticos épráticacorrente.Paramanteressetipodeserviço,opolíticoprecisadeforteslaços com empresários ou grupos economicamente favorecidos que lhe dêdinheirooumercadoriasdemandadaspelacomunidade.Essaajudaexternaéretribuída, por sua vez, também com acessos, em outro nível, ao poderpúblico,na formadealvarás, licenças, anistiademultaseoutrosbenefíciosdiversos. Pode também, sem dúvida, em certos casos, caracterizar-se comocorrupção.

Venhoestudandoessetipodeuniversopolíticoemdiversostrabalhos.Oexamedetrajetóriasindividuaisdeparlamentares,associadoaomapeamentodas redes sociais que os rodeiam e sustentam, tem permitido discutir amultiplicidade de percepções e valores associados à prática política. Aspesquisas etnográficas realizadas têm como locus privilegiado a cidade doRio de Janeiro que, por seu caráter metropolitano, está marcada porheterogeneidade,fragmentaçãoediversidadedasexperiênciassociais.Comoveremosadiante,dentrodessaconvivênciadediferentesmapasecódigosdesignificaçãodarealidade,osparlamentaresatuamtambémcomomediadoresfundamentais entre diferentes níveis de cultura, servindo como tradutores eagentesentreosvalores,projetosedramasdapopulação,deummodogeral,eas esferas constituídas do poder público. Por meio da análise dessasinterações, podemos entender asmotivações e disposições de atores sociaiscuja atividade está diretamente vinculada ao exercício e controle daautoridadeedopoderemnossasociedade.

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Rituaisepolítica

Há uma importante tradição antropológica de se estudar a política e suadimensão ritual,que inclui trabalhoscomoosdeVictorTurner (Oprocessoritual), Edmund Leach (Sistemas políticos da Alta Birmânia) e CliffordGeertz(Negara).NoBrasil,essaabordagemtambémvemsendovalorizada,comodemonstra aOdito eo feito: ensaiosdeantropologiados rituais, deMarizaPeirano.

Em minhas próprias pesquisas de campo, empreendi um estudo sobrerituaisdecomensalidadeemcampanhaspolíticas,definidoscomocelebraçõesque encenam simbolicamente a eleição do político. São eventos marcadospelo consumode comidas e bebidas por parte de eleitores e candidatos.Ospapéis desses personagens são bem definidos, com falas e comportamentosprevisíveis. Os cenários são recorrentes, assim como os elementos eparticipantesacessórios.

Rituais são cerimônias que reforçam e atualizam papéis sociais.Concepçõesarespeitodapolíticaedomundosocialsãonamaioriadasvezesconfirmadas, forjando, ainda que temporariamente, a identidade dosparticipantescomogrupo.Hásituações,noentanto,emqueissonãoocorre,principalmente quando se estabelece um conflito (ou, dependendo daintensidade,um“dramasocial”,nostermosdeTurner)arespeitodaquiloqueestáemjogo.Nocasodascampanhaspolíticas,“conquistar”eleitoresnãoéamotivaçãoprincipaldessesrituais,umavezqueamaioriadosparticipantesjáestá predisposta a votar no candidato celebrado. Sua motivação central écertificara identidadedocandidatocomopolíticodignodoexercíciodeummandato,justamenteemummomentoemqueestaidentidadeestáameaçadapela aproximação das eleições e pelo caráter secreto do voto. No caso decandidatosàreeleição,trata-sedecompensaroenfraquecimentoprogressivo,aperdacrescentedessaidentidade,ocorridaaolongodosanosnão-eleitoraisepostaemriscopelonovopleito.

Rituais de comensalidade, assim como outros eventos da campanhaeleitoral,procuramcompensarocarátercíclicodospapéissociaisnapolítica.Enquanto na maioria das profissões liberais a formação escolar define aidentidade profissional, na política essa identidade é muito mais incerta,dependentedeforçasexternas.Oclímaxdesseproblemaévividoduranteaseleições,quandofestas,celebraçõesetrocasexpressamesseestadoliminardaidentidadedoscandidatoscomseuseleitores.

ComoobservaramPalmeiraeHeredia,em“Políticaambígua”,entrarnapolíticaécorreroriscodeserderrotado.Aprópriaexternalidadedapolítica,comoalgoparaoqualse“entra”,dizemosautores,“confirmaaidéiadequeapolítica, por ser uma atividade de risco, requer habilidades especiais, só

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encontráveisnos‘políticos’,valedizer,aquelesque,emumatraduçãolivredafórmuladePierreBourdieu(1930-2002),‘vivemparaapolíticaporquevivemda política’”. Ao tomar as dimensões de comensalidade nas campanhaspolíticascomoobjetodeanálise,temosachancedeobservarcomoesseriscodapolíticaévivenciadopelosatoresenvolvidos.

Lugares de sociabilidade por excelência— restaurantes, bares, barracasde feiras, salões de festas, quintais e playgrounds — tornam-se locaisprivilegiados para se fazer política durante a época das eleições. Nesseperíodo,quepodesermaisoumenosmarcadocomoum“tempodapolítica”,segundo cada localidade, a política interfere na leitura dos significados docotidiano,colorindoavidasocialcomseusrituais.

Osatosdecomerebeberpodemsignificarmuitascoisas, inclusiveumadeclaração de voto. Isso difere, por exemplo, das eventuais doações dealimentos por parte de políticos, pois não há nestas o sentido de “comerjunto”, compartilhando um mesmo espaço e tempo de convívio. Emmomentosnosquaisopolíticopaga“rodadasdecerveja”,de“chimarrão”ouchurrascos,estamosdiantedesituaçõeshíbridas,poisocandidatoapareceaomesmotempocomodoadorecomensaldobemdistribuído.

Comícios, shows, festas e leilões são outras formas lúdicas de fazerofertas aos eleitores. A competição pela compra de frangos em leilões noNordestebrasileiro,narradaporMarcosLannaemAdívidadivina,mostraadisputaporprestígioentreospolíticosechefeslocais.Ganhaquemcompraamaior quantidade de frangos, humilhando os adversários. O dinheiroarrecadadoreverteparaaparóquiaesimbolizaa“generosidade”dopolítico.Osmoradoresassistem,dançandoforróeacompanhandoadisputa,emumadivisãodepapéisquereforçaodistanciamentodosenvolvidos.Amúsica,o“espetáculo”dacompetiçãoeodinheirodaparóquiasãoosbensdoados.

As festas dos ranchões em Buritis (MG), investigadas por ChristineChaves,sãoeventospromovidospelospartidosparafestejarepromoverseuscandidatos. Diz o saber local que “ganha o partido que tiver a festa maisanimada e o candidato que mais dançar”. Nessas ocasiões, lembra-se umtempoemqueo“bompolítico”eraaquelequeoferecia“banquete”e“comidafartapara todomundo”,causandoatéestranhezaaosmaisantigos“políticosnãoforneceremalimentoparaoseleitores”.Nosranchões,elogia-seopolíticoque“écapazdecomerdomesmoprato,beberdomesmocopo”;que“entranacasa, vai até a cozinha beber o café”; que “bate nas costas e paga bebida”.Chavesobservaasatitudesdopolíticonafesta:“Amesmaintimidade,faltadeorgulho, o político exibe na festa, em que chama pelo nome, ri, dança ecomungadaalegriacomosdemais,norésdochão,deigualparaigual.Eleofaznãoporpalavras,masemato,comacorporalidadedesuapresença.”

Combinam-se aqui doação/hierarquia e congregação/igualdade. Embora

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dispostosaparticiparde“igualparaigual”,ospolíticossãoospromotoresdoevento que pode ser visto como uma “rodada de cerveja” mais elaborada.Devemosnotarque“pagarumabebida”nãoéamesmacoisaque“beberdomesmo copo”. Ambas são atitudes vistas com simpatia, mas só a segundaexprimeumdesejodenivelamentocomouniversodoseleitores.Adisposiçãoparadançarebeberjunto,comoumconvidadoqualquer,diferenciaaposturadesses políticos daqueles que participam dos leilões acima narrados. Nosprimeirostemosumprestígiopor“humilhação”(faltadeorgulho),enquantonosúltimosvaloriza-seahierarquiaatravésdopodereconômico(compradefrangos).

Nasfestasdecampanhaurbana,temossempremuitasocasiõesemqueosmoradores-eleitores oferecem comida aos políticos-candidatos. Asociabilidade está presente na sua dimensão igualitária, assim como a não-sociabilidade e as diferenças hierárquicas.Minha interpretação é que essasfestasencenam,deformaminúsculaeestilizada,opróprioritualdaeleição,sendo o momento da votação propriamente dito (isto é, os votos sendocolocados na urna), o símbolo da igualdade entre os participantes; e omomentodaocupaçãodomandato,osímbolodasuadiferença.Podemoslerafesta como um ritual (em etapas mais ou menos ideais): a) O político fazpromessasdebens (ouacessosabenspúblicos);b)Osmoradoresoferecemcomida ao candidato; c) Todos comem juntos; d) Os moradores fazempromessasdevotos.

OdaciCoradiniobservouqueavisitadopolíticoàcasadoeleitormuitasvezesévistacomohomenagemereconhecimentoprestadopelocandidatoaodonodaresidência,vistocomofontedevotosempotencial.Serconvidadoou“recebido”peloeleitorémuitodiferentedeentrarnasuacasa“atrásdevoto”,como critica uma moradora de Fortaleza, entrevistada por Irlys Barreira.PalmeiraeHerediafalamdessessentimentosquandocontamqueavisitadeum“doutor”(candidato)quechega“abrindoaspanelas”podetantoprovocarum “sorriso de satisfação” (na maioria dos casos) quanto, mais raramente,protestos e indignação (“isso aqui é casa de pobre,mas não é casa damãeJoana”).Emoutrotexto,Herediadiscorresobrefamíliasque“contabilizamonúmerodevisitas recebidas”,comosinaldoseupróprioprestígio,enquantooutraslamentamofatode“ninguémtervindoasuacasa”.

Como convidado dos moradores, o político-candidato perdetemporariamenteaforçadesuareputação,sendocolocadoemumaposiçãodefragilidade/dependência em relação aos moradores-eleitores. Assumir essaidentidade, própria da campanha eleitoral, significa aceitar os votos dosmoradorese,conseqüentemente,aceitaraposiçãodedevedorapósaobtençãodosvotos.Porisso,participardafestaéumaformadecontrairdívidasparaoperíododomandato,quandosuaidentidadeéfontederecursoseacessosao

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poderpúblico.Participardeumafestaemqueeleitoresoferecemcomidaebebidaéuma

formadeocandidatose“prender”aesseseleitores,assumindopublicamenteuma dívida para com eles. A presença demorada do candidato na casa doeleitorreforçaoprestígiodestedentrodoseuprópriouniversodevizinhança.O tempodopolítico emcampanha—umbemescassopor excelência—édespendido naquele espaço, “prendendo” o compromisso entre candidato eeleitores.Deformacomplementar,opolíticoesperaquesuapresençanaquelelocalsejaprolongadapormeiodacolocaçãodefaixasecartazesdacampanhanascasaseruaspróximas.Nessetipodeencontro,portanto,existeumatensãoentreospapéisdedoadorereceptordosbenstrocados,ondecadapersonagemprocuravalorizarseusbensemrelaçãoaosdemais.

As festas e encontros de campanha permitem retomar a discussão entresociabilidade e ritual. Freqüentemente, dentro do processo ritual, existe umespaçodesociabilidade,ondeosparticipantesencenam,atravésde regrasecoreografias precisas, algum valor ou papel social. EmO processo ritual,Turner define essa celebração do coletivo como communitas — umespaço/estadosímbolodaigualdadeentreoshomens,emqueseexperimentaa suspensão da estrutura social. Ao falar da sociabilidade, Georg Simmel(1858-1918) não se referiu a um conjunto de relações determinado, mas asituações sociais temporárias, interações onde se encontram condições“artificiais”de sociação.Estaríamos,como tantasvezesnos remeteo ritual,em um “mundo sociológico ideal”, expressando a mais pura relação entreiguais. O próprio Simmel, portanto, define indiretamente a “sociabilidade”como um evento-ritual, onde estão suspensas identidades e interesses dalógicadocotidiano.

Dentrodoprocesso eleitoral, essepequenoevento tem lugarnoperíodoqueantecedeaseleições—momentoemque todoscomerão/votarão juntosounão.Ocompartilhardacomidana festa/reuniãosimbolizariaa igualdadedosvotantesnomomentodaeleição.Nãose trata simplificadamentedeumritual de celebração dos valores democráticos. Existe uma encenação daigualdade,masessaigualdadeétemporáriaeliminar, reforçandodiferençasduradourasimpregnadasnospapéissociaisemjogo.

Asdiferençassealternamnojogodeidentidadesereputaçõespositivasenegativas e seriam análogas àquelas vividas pelos candidatos no processoeleitoralcomoumtodo.Duranteacampanha,desenrola-seumritualdeperdaereforçodaidentidadedocandidatocomopolítico.Quandoopolíticoébem-sucedidonaeleição,seguem-senovasetapas.

No primeiro momento, temos a campanha eleitoral. Ocorre a perdaprogressiva da identidade como político, entendendo que essa identidade édadapelanoçãode“acesso”abensdediversos tipos, sendoos recursosdo

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poderpúblicooquehádemaiorvalor.Seocandidatodependedosvotosparamanteroacesso, isso é sinaldeque sua identidade se enfraqueceàmedidaqueseaproximamaseleiçõeseomomentodavotação.Énessaprimeirafase(dacampanhaeleitoral)queocorremasfestasereuniõesdecomensalidade.

Para a aproximação com os eleitores, muitas vezes a participação dafamília do candidato é fundamental. Ela parece reforçar a necessidade docandidatodesefazer“representante”deumacoletividadee,emcertoscasos,devaloresdessacoletividade.Apresençadefamiliaresnoseventoseaténaassessoria de campanha evita que o político circule desacompanhado —situaçãoquepoderiaabalarseuprestígio.

Avotaçãopropriamenteditaéomomentoprecisoemquesematerializaaperda da identidade do candidato — os votos simbolizam o término dosmandatos vigentes. Da votação à apuração e divulgação completa dosresultados— tempoque aurna eletrônica tornoucadavezmenor—existeumasuspensãodasidentidadeseopolítico/ocupantedemandatoencontra-setemporariamente em estado liminar. Insegurança, mudez, isolamento,ansiedade,ausênciadeapetitesãoalgumasdasexpressõesdessaliminaridade.Emgeral, é possível compensar essas sensações desagradáveis participandodoprocessodeapuração,indoàszonaseleitoraisacompanharafiscalização,comose fossepossível reverterouapressaros resultados.Emoutros casos,simplesmente não se faz coisa alguma, aguardando-se solitariamente omomentodadivulgaçãodacontagemfinalparaa“voltaaomundo”—sejaeleodapolíticaouomundodavidaprivada.

Finalmente,apuradoumresultadopositivo,opolíticorecuperaomandatoeletivo,saindodetodooprocessocomsuaidentidadeeprestígioreforçados.Omaiorouomenorprestígiotambémpodemseravaliadospelainterpretaçãodos resultados: a comparação com os números da eleição anterior, adistribuiçãodosvotos,acolocaçãodentrodopartidoenaclassificaçãogeral,entreoutras.

Naetapaposterior,deexercíciodomandato,sãofreqüentesosalmoçosejantares com companheiros de partido, membros do poder executivo epolíticosemgeral.Diferentementedasfestaseencontrosdecampanha,essasrefeiçõessãorealizadasemrestaurantesouambientesprivados,empequenosgrupos.Asdiferençasdeforma(grupoamploversusrestrito),dedesignação(festa/reunião versus almoço/jantar) e de convidados (eleitores versuspolíticos)distinguemosdoistiposdecomensalidadeeapontamtambémparaopapeldecadauma:enquantoaprimeiragiraemtornodevotos,asegundatempormotivaçãoprincipalreforçarosistemadeacessos.Mesmoduranteascampanhas, essa distinção pode ocorrer, com agendas de candidatos queclassificam eventos como visitas, carreatas, debates e almoços ou jantares.Estes últimos referem-se majoritariamente a encontros com potenciais

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financiadoresdecampanha,sendovedadaapresençadeeleitores.Não por acaso, a abertura de um ano legislativo costuma ser celebrada

com um “coquetel” para políticos, autoridades, familiares e assessores.Emboranãoconfigureumarefeição,ocoquetel tambéméumritualprópriodo período pós-eleitoral. Vedado à participação geral de eleitores, seuprincipal objetivo é promover uma confraternização entre os própriospolíticos.Nesseseventos,políticose“autoridades”sãoocentrodasatenções,tendoseuprestígioreforçadoporsituaçõesderespeitoedeferênciaporpartedos demais participantes. Participar do evento e, dentro dele, do espaçosimbólico reservado às “autoridades”, reitera a identidade do político comoalguémquetemacessoaopoder.

Assim, rituais de comensalidade entre os próprios políticos e demaispersonalidades do poder público reforçam a identidade do político comodetentordeacessos.Esseestágio,quepareceencerraroritual,éapreparaçãonecessária para que o ciclo de interações recomece, comnovas campanhas,candidatos,eleitores,eleiçõeseresultadosdasurnas.

Aoexaminarumeventopolíticoespecíficoecircunscrito,tomandocomochaveanoçãodequeavidapolíticaéfeitadeencenaçõesrituais,observamosasrelaçõesentreosindivíduoscomopessoassociais.Levandoemcontaque“oditoétambémofeito”,comoafirmouPeirano,atitudes,gestosefalasdeeleitoresecandidatospodemser tomadascomosímbolosquenosajudamaentenderosignificadoetnográficodapolítica.

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Política,espaçourbanoemediação

Quaisascaracterísticasespecíficasdaagendadaantropologiadapolíticaemmeio urbano? A observação participante em grandes cidades requer acompreensãodasdiferençasculturaisentreosváriossegmentosdapopulação,bem como as representações e práticas políticas a estes associadas. Aoacompanhar candidatos e ocupantes de mandato em uma metrópole, oantropólogoencontradiferentesuniversosdeeleitores,bemcomoimportantesdistinçõesespaciaisimpregnadasdesignificados.

Análisessobreomododevidametropolitanotêmenfatizadojustamenteadimensão do anonimato e do individualismo.No entanto,mesmodentro deumacidadeháambientescomcaracterísticasdesociabilidadepersonalizadaseholistas.Essesespaços,simbolicamentedistantes,assemelham-semaisaosmodos de vida “interioranos”, com um repertório de valores tradicionais,laçosdevizinhançaesolidariedade.Ocotidianodecertosbairrosévalorizadopor seus valores “familiares”, sua tranqüilidade, pela religiosidade de seusmoradores, pela existência de espaços de convivência coletivos, como aspraçasecamposdeesporte,eprivados,comoosquintaise jardinsdecasasparticulares.

Mapas subjetivos dametrópole seguemuma certa “organizaçãomoral”,baseadanoshábitos,costumeseestilodevidadeseushabitantes.Diferentesregiõesebairrosdacidadesedistribuemsegundoum“mapadeprestígio”.Namaiorpartedasvezes,os locaisondevivemaelitesãoumsímbolodavida“sofisticada”e“cosmopolita”.

Na prática política, podemos observar como se atualizam as diferençasculturais entre os espaços sociais da cidade. As motivações políticas dosatores sociais estão intimamente relacionadas à sua sociabilidade, crençareligiosa e visão demundo.Assim, a organização do espaço urbano refleteessa cosmologia e acaba por moldar também o exercício da política. Umelementofundamentalnesseespaçoéacirculaçãodeinformaçõesatravésdosmeios de comunicação de massa. Para certos atores, o contato com apopulaçãoémediadoprincipalmentepeloacessoaessesmeios(redesdeTV,rádioejornais,principalmente),emboraapopularizaçãodainternetjátenhaprovocadoalteraçõesnesseaspecto.

Háumacertaordemnarelaçãoentrepráticapolítica,universosculturaiseespaço urbano. Embora estejamos sempre atentos para a complexidade davida metropolitana, muitas vezes deixamos de perceber quais são asalternativas concretas de seus habitantes. No que diz respeito às opçõespolíticas,ocomportamentoeleitoral—entendidoaquideumaformaampla,enão apenas comoumconjunto de números—está diretamente associado àexperiência urbana e aos universos culturais e sociais a ela associados.

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Embora vivendo namesmametrópole e compartilhando o pertencimento àsociedade e cultura brasileiras, os habitantes da cidade têm diferençassignificativas em termos de ethos e estilo de vida que repercutem e seexpressamnassuasconcepçõesdeparticipaçãopolítica.

É dentro desse contexto que freqüentemente atua a figura do político-mediador. É comum que a população procure o político— em especial oparlamentarlocal—paraintermediarseucontatocomasdiversasesferasdopoder público. Na maior parte das vezes, trata-se de um segmento dapopulação que vive em áreas da cidade com menor valor na escala deprestígio social do mapa urbano.Muitos assessores de políticos percorremessas áreas embuscade contatos eproblemasque requeirama açãodeumpolítico-mediador.

Nesse caso, é fundamental que o político seja capaz de transitar pelacidade,físicaesimbolicamente.Éprecisoqueeleencontrepontosdecontatoecomunicaçãoentrediferentesmundos,produzindonovosresultadosapartirdesseprocesso.Essaéatarefabásicadomediador.Suaatuaçãoémaisamplaque a de um intermediário, que apenas transporta informações de um ladoparaooutro.Ainterferênciadomediadorécriativa,gerandonovosvaloresecondutas.

Nocampodaarteedacultura,essacaracterísticatemsidoressaltadacombastanteênfase,sejaemtrabalhosclássicos,comoodeMikhailBakhtinsobreRabelais, seja em investigações do cenário brasileiro, como as deHermanoViannasobreomundomusical.Nasrelaçõesdetrabalho,omediadortambémaparece como um personagem importante em negociações entre patrões eempregados, articulando categorias e códigos que afetam o destino e apercepçãodarealidadedosenvolvidos.

Na antropologia da política, muitos tipos de mediadores têm sidoidentificados.Há,porexemplo,ospoliticalmiddlemen ouosocupantesdosinter-hierarchicalrolesdosistemacolonialbritâniconaÁfrica,identificadosporMax Gluckman e Paul Friedrich, respectivamente. No contexto latino-americano, a açãodebrokers e outros tipos de agentes “especiais” é chaveparaentendermosas relaçõeshierárquicasentremembrosdasmesmasredessociais,comotêmdemonstradodiversosautores.

Qual a motivação desses mediadores em promover entendimento ecomunicaçãoentrediferentesgruposereduzirdistânciasculturais?Emtodososcasosinvestigados,ficaclaroqueomediadorusufruiumainserçãosocialprivilegiada. Seu papel é estratégico, uma vez que suas decisões podeminterferireinfluenciaravidaeoprestígiodaquelesqueestãoemseucampodeação,seuscontemporâneos.

Circularentremúltiplosmundoseníveisdeculturaéumapossibilidademaisoumenosabertaatodososhabitantesdametrópole.Omediador,porém,

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não apenas se move, mas estabelece pontes de comunicação entre osuniversospelosquaistransita.Emsociedadescompredomíniodeideologiasindividualistas, nas quais os atores têm maiores possibilidades de exercerescolhas,aaçãodomediadordeveserentendidacomoumprojeto,maisoumenos consciente. Embora restrito às possibilidades do quadro social ehistóricoemqueestásituado—um“campodepossibilidades”,naexpressãodeGilbertoVelho—,oprojetopõeemevidênciaacapacidadedosindivíduosplanejarem seu futuro e, com isso, contribuírem para dar sentido a suasexperiênciasfragmentadas.Éapartirdesseprojeto,ou“planodevida”,queomediador organiza seus interesses e estrutura seu estoque de conhecimentosocialparainteragircomosoutros.

Certamente, nem todos os políticos são mediadores. A trajetória comomediador está relacionada a um projeto específico. À medida que ganhamexperiêncianomundodapolítica,muitospercebemqueumadasestratégiasparasetornarumpolíticobem-sucedidoéampliaraomáximosuaesferaderelações. Assim, procuram sempre acrescentar novas redes sociais ao seucírculo de contatos, sem anular aquelas já consolidadas por experiênciasanteriores. Investindo em seu papel como mediador, o político torna seumandatoumespaçodeconvergência,estabelecendoponteseconexõesentrepessoas,instituiçõesesaberesoriundosdediversosuniversosculturais.Comesseprojeto,muitos conquistame consolidamalianças emsetoresdopoderpúblicoessenciaisparaoatendimentodasdemandasdeseuseleitores.

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Observaçãoparticipantenocampodapolítica

Oproblemadecomolidarcomoetnocentrismodopesquisadorestánocentrodas preocupações da antropologia da política. Como fazer para que oantropólogo não leve irrefletidamente para o trabalho de campo asconcepções de poder e política em que foi socializado como cidadão?Esbarramos aqui na dificuldade de “afastar sistematicamente todas as pré-noções”,comonosrecomendavaÉmileDurkheim(1858-1917),tarefatalvezaindamais difícil quando se trata de estudar um tema como a política emnossaprópriasociedade.

O pesquisador leva para o campo um conjunto de informações sobrepolíticaacumuladasaolongodesuavida,apreendidasdosensocomum,emconversas,nosjornais,naliteraturapolíticaeemoutrosmeiosdeinformação.No caso de pesquisas junto a universos de prática política de basesclientelistas, é muito provável que o pesquisador seja identificado pelaspessoas estudadas como parte de um grande grupo acusatório, identificadocom um universo mais intelectualizado, urbano e elitista. Isso pode serobservado pelo tom defensivo que muitas vezes se explicita em falas ecomportamentos“nativos”.

Maisumavez,chamamosatençãoparaofatodequeametrópolepermite,emumgrauelevado,queopesquisadorcirculepordiferentesuniversos,comtradições culturais e visões de mundo distintas. Muitas vezes, porém, eleencontra diferentes níveis de compreensão sobre o que acredita ser o“familiar” e o “exótico” dentro da cidade. Conforme aumenta a suaexperiêncianocampo,opesquisadoraprofundasuacompreensão,percebendoquenaturalizoucertossignificadoseignorououtros.

Essas mudanças também ocorrem no sentido inverso: os “nativos”tambémtransformamsuapercepçãoemododelidarcomoantropólogoeseutrabalho.Emmuitos casos, a identidade inicial atribuída aopesquisadorvaisendomodificadanãoapenas em funçãodo tempodespendidonapesquisa,mastambémdesituaçõesvividasemcampo.Nouniversodapolítica,existeumaclaradistinçãoentreomundo“dedentro”,ouos“bastidores”,eomundo“de fora”, onde se atua para a “platéia”, para usar termos consagrados porErvingGoffman(1922-82).Nãoraro,ospapéissãoinvertidossegundoessesplanos.

Essasituaçãotambémcolocaemxequeaidéiadequeopesquisadorpossaser um elemento neutro. Mesmo trabalhando em sua própria cidade, a“invisibilidadeantropológica”éumametautópica.Emvezdeperseguirumaneutralidade impossível, é tarefadopesquisador refletir sobre asposições eidentidadesque lhe são conferidas ao longodo trabalhode campo, levandoemcontaasmudançasdetempoeespaçoenvolvidas.Estaéjustamenteuma

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daschavescentraisparacompreenderarelaçãoentreosenvolvidos.Duranteotrabalhodecampo,pesquisadorepesquisadospassamporum

processomútuodeconhecimento,quevai redefinindoas identidadesdeumem relação ao outro. O aprendizado de códigos e valores do outro faz-selentamente, pormeio da interação e da convivência. Pormais que existamcertas condições sociais previamente dadas, é no imponderável da própriainteraçãoqueseconstroem,setestam,seconfirmamesealteramidentidades.

No trabalho de campo o antropólogo está permanentemente envolvidocom relações de poder entre os participantes da rede social estudada. Casoestejaemposiçãodeproximidadecomopolítico(quemuitasvezeséochefedeumagrandeequipe),opesquisadorpassaaocuparumaposiçãotambémdeprestígiodentrodogrupo.Nemsempreissoésocialmentepositivo,diga-sedepassagem.Como tudo no campo, essa também é uma posição relativa, quepode atrair ou afastar certos informantes e facilitar ou dificultar o acesso adeterminadosdados.

Acompetiçãoentreosmembrosdoprópriogrupoestudadopodelevaràtentativa de manipulação do pesquisador para fins alheios ao seu trabalho.Observações ou críticas a respeito da vida pessoal e intrigas são comuns aqualquergruposocial.Porisso,éprecisoestaratentoparaessamanipulaçãodeinformações—nãoparasimplesmenterejeitá-la,masprincipalmenteparautilizá-lacomomaterialetnográfico,quenosajudaaentenderossignificadosemotivaçõesdouniversoestudado.Visões“idealistas”ou“cínicas”ouafaltadeconsensoexistememtodososgrupossociais,àsvezessimultaneamentenamesma pessoa. Portanto, é importante que o pesquisador explore as duasatitudes,sembuscarumacrençamais“autêntica”ou“verdadeira”.

Entrevistas em profundidade são um momento privilegiado paracompreender esse processo. É preciso, no entanto, ter cuidado para nãosupervalorizar as entrevistas individuais, imaginando, por exemplo, que sãomais confiáveis por serem confidenciais. Deve-se cotejar omaterial obtidocom o comportamento observado em campo e com outras entrevistas, bemcomo relacionar as diferenças entre as opiniões individuais com a posiçãoocupada pelos indivíduos dentro do grupo, como já recomendava B.Malinowski (1884-1942). Citando Howard Becker (n.1928), a observaçãoparticipante tem o mérito de abordar as pessoas “enredadas em relaçõessociais que são importantes para elas”. São justamente essas “restriçõessociais” que o antropólogo está interessado em conhecer, pois são elas quetornam “difícil para as pessoas que ele observa fabricarem seucomportamento segundo o que acham que o pesquisador poderia querer ouesperar”.

Acampanhaeleitoralapresentaumasériedeobstáculosespecíficosparaarealizaçãodotrabalhodecampo.Nessafase,éaindamaisdifícilocuparuma

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posição “neutra” como pesquisador. Na maioria dos casos, para poderacompanharasatividadesdogrupo,éprecisovestircamisetas,usarbonésebuttons dos candidatos.Aprópria identidadedo antropólogocomoeleitor équestionada pelos assessores e participantes dos universos pesquisados:“Afinal,emquemvocêvaivotar?”

Masoplanejamentodo trabalhodecampodurantecampanhaseleitoraisenvolveoutrosproblemas,deordemigualmenteimportante.Apartirdeumareflexão sobre minha própria experiência e de outros antropólogos naobservação participante durante campanhas eleitorais, classifico asdificuldadesencontradasemsetecategoriasprincipais:

1. A dificuldade de acesso aos candidatos. A obtenção dos números detelefoneedose-mails,anão-divulgaçãodaagenda,aaçãodeintermediários,adesconfiançadestesedosprópriospolíticosemrelaçãoàpesquisa,alémdafalta de controle por parte do pesquisador do seu cronograma de trabalhoestão,muitasvezes,entreosobstáculosmaisdifíceisdeseremsuperados.Aviabilidadedotrabalhodepesquisadependefortementedaexistênciaderedesemcomum—locais,deamizade,parentesco,ideológicasousociais.

2.Comogarantiraparticipaçãonoseventosdacampanha?Umacampanhaenvolveváriasatividades,comopanfletagens, reuniõesem locaispúblicoseprivados, jantares, carreatas, passeatas, comícios etc.Muitos desses lugaressãodedifícilacessodevidoàdistância,faltadetransporte,horáriostardiosourestriçãoàpresençadeestranhos.Problemasdeordempráticatambémafetama pesquisa, como a falta de banheiros e locais apropriados para refeições edescanso.

3.Ocalendárioeocronogramadeeventos.Àsdificuldadesdeinformaçãoelocomoção soma-se a pressão da passagem do tempo. Uma pesquisa decampocomcampanhaspolíticasémarcadapela temporalidadedoseventos,quetêmdiaehoraparaterminar.Asensaçãodeimpotênciaededependênciaem relação à boa vontade dos candidatos, aos recursos disponíveis paraacompanhar as atividades e à rigidez do calendário eleitoral acompanha epressionaospesquisadoresdurantetodoocampo.

4. Questões pessoais e de gênero. Medo, insegurança, timidez,constrangimento, indignação e inadequação foram alguns dos sentimentosexperimentadosporumaequipedeantropólogasduranteocampo.Alémdoincômodo de se sentir inconveniente em meio a pessoas preocupadas comseus próprios afazeres (problema clássico em qualquer trabalho de campo),houve o constrangimento de ser mulher em um universo aindapredominantementemasculino,bemcomooconstrangimentodesepresenciar

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práticascontráriasàssuascrençaséticaspessoais.

5. O possível uso político da pesquisa pelos políticos. A realização dapesquisapor alguémassociadoaumaelite intelectual e acadêmica costumaserutilizadapeloscandidatosparaautopromoçãojuntoadeterminadostiposde público. O pesquisador é freqüentemente pressionado a opinar sobre ocandidato, emitir publicamente sua intenção de voto e, por vezes, utilizaradereçoseajudarnadistribuiçãodepropagandadomesmo.Essaidentificação— ainda que temporária e de intensidade variável — é essencial para amanutenção dos laços pesquisador-pesquisado, embora possa terconseqüênciasreais(dopontodevistapolítico-eleitoral)alheiasaosobjetivoscientíficos.

6. A necessidade de se empreender um tratamento cuidadoso das fontesobtidas.Textosbiográficos,jornais,panfletos,documentosoficiais,discursos,fotografias,materialdeobservação:cadaumadessasfontesencerranarrativascomprometidas com certos sujeitos sociais, em contextos históricos eculturais específicos. O pesquisador precisa perceber essas diferenças,evitandonivelarseusdados.

7.Questões relacionadas à divulgação dos resultados da pesquisa. Comolidarcomoanonimatode“nativos”,quandoadivulgaçãoouidentificaçãodeseus nomes pode ter conseqüências negativas (para eles ou mesmo para oprópriopesquisador)?Pormaisqueexistaumacordotácitodeanonimatoemrelaçãoasegredos,comentáriospessoaisoupráticasmaisoumenos ilícitas,lida-se com pessoas e eventos públicos facilmente identificáveis. Nessescasos,paraobterinformaçõessobreosbastidoresdapolítica,éprecisomuitasvezesabrirmãodedivulgarcertosdadosquepoderiamenriquecerapesquisa.Éfundamental,portanto,queadivulgaçãodosresultadosincluaumareflexãosobreoprocessodeobtençãodosmesmos.Assim,devemestarexplicitadasnosrelatosdapesquisaquestõescomoaformadeentradadopesquisadornocampo,osacordosrealizadoseoslaçossociaisacionadoseevitados.Nãosetrataapenasdesatisfazeracuriosidadedosleitores,masdeusaressesdadoscomoobjetode análise das categorias de entendimentodoprópriouniversoestudado.

Enfrentar esses problemas é refletir sobre as condiçõesdeobtençãodosdados de pesquisa e qualificar esses próprios dados, identificando ascircunstânciasdesuaconstruçãoe,conseqüentemente,oviésdasinformaçõesanalisadas. Todos os tipos de problemas levantados estão mais ou menospresentes emqualquer trabalho de campo. Busquei, aqui, especificar comoeles se configuram dentro dos limites e condições da pesquisa junto acandidatos a cargos eletivos. Até que ponto é possível trabalhar nessas

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circunstânciaseobtermaterialrelevante?Quaisasestratégiasdeinvestigaçãomaiseficazes?Quaisacordosdepesquisasãopossíveisnessecontexto?Qualacontribuiçãoespecíficadessetipodefonteparaumapesquisamaisamplaarespeitodoprocessoeleitoral?

Não existem fórmulas simples nem soluções gerais para resolver essasquestões.Adespeitode todososproblemas levantados,porém,acreditoqueos dados obtidos através do trabalho de campo têm ainda uma capacidadeímpardepermitiraobservaçãodepessoassobapressãodecoerçõessociaisdeseuprópriomeio,sujeitasamúltiplaserepetidassituaçõescujaobservaçãoéacessívelapenasaopesquisadorparticipante.Esseprocessodeconstruçãodoconhecimentopermitecompreenderalgunsdoscomponentescentraisqueestruturam as redes sociais em bastidores de campanhas, bem como asrepresentaçõesepráticasdeseusprincipaispersonagensarespeitodapolítica.

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Interdisciplinaridadeediálogoacadêmico

Ocampodapolíticaépotencialmenteinterdisciplinar.Alémda“antropologiapolítica” ou “antropologia da política”, ele tem sido intensamente estudadoportradiçõescaracterizadascomo“sociologiapolítica”,“ciênciapolítica”ou“históriapolítica”.Écomum,noentanto,haverincompreensõeseresistênciasao diálogo entre pesquisadores dessas áreas.Muitas vezes, isso se deve aodesconhecimento de tradições intelectuais diferentes daquela na qual nosespecializamos, o que tende a fortalecer estereótipos e visões equivocadassobrenossos“outros”acadêmicos.

Não é tarefa simples compreender visões diferentes sobre política. Ovocabulário político é de tal ordem naturalizado no cotidiano dospesquisadores que freqüentemente surgem nos seus textos termos do sensocomumquenãofazempartedouniversopesquisado—ouainda,termosquesãoempregadospelapopulaçãoestudada,mascujosentidodiferedaqueledaculturadopesquisador.Éprecisoumaatençãopermanenteeumbomsensodediscriminaçãoparanãocairnessasarmadilhas.

Outro aspecto que acarreta grandes dificuldades para uma pesquisa deantropologia da política é o problema da corrupção, da ilegalidade e dacirculaçãodecargosedinheiro.Rarossãoospesquisadoresqueconseguiramdados precisos e em grande escala a esse respeito. Embora desejável, umapesquisa com esse fim dificilmente pode ser realizada com base emobservaçãoparticipantesemtrazerumriscoconsideráveltambémparaquema conduz. A sociedade de esquina, de Foote Whyte, é mais uma vez umexemploexcepcionalnessecampo.

A despeito das dificuldades apontadas, a antropologia da política temmuito a contribuir para uma compreensão da complexidade da políticabrasileira. Em sua agenda de pesquisa está a preocupação permanente emrecusarumcaminhoanalíticobaseadono julgamentodas crenças epráticasdos grupos estudados a partir de valores apriorísticos e externos ao própriogrupo.Emboracertaspráticassejamformalmente“erradas”dopontodevistadosprincípiosdemocráticos,aantropologiaacreditaqueénecessárioestudá-lasemsuaprópria lógica, semencampar rótulosepreconceitos.Emmuitoscasos,essacompreensãoéfundamentalparapercebermosqueapolíticaoperacom valores da sociedade mais abrangente, tradicionalmente associados aoutras esferas da vida social, como família e religião, mas vistos comoilegítimosquandooperadosnaesferapolítica.Poroutrolado,aincorporaçãodeumaperspectivahistóricaajudaaperceberqueomundodapolíticanãoéimutável,esimumarealidadeempermanenteprocessodetransformação.

É claro que as populações urbanas, rurais ou indígenas são universosetnográficosehistóricosquenãoexistememumvácuo,mas simdentrode

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umasociedademaiorcujas instituiçõespolíticas têm,nocasobrasileiro,porbaseosprincípiosdademocraciarepresentativa.Comolidarcomessefato?Épreciso tratar aprópria sociedadenacional e ademocraciacomosujeitas aoexame etnográfico. Dessemodo, escapamos da armadilha de considerar osdadosemcomparaçãocomummodelopolítico ideal.Passamosa lidarcommúltiplasconfiguraçõeshistoricaeespacialmenteconstituídas.Éfundamentalmarcar que essa abordagem é prerrogativa de toda a antropologia e não deumacertaáreadadisciplinaclassificadacomo“política”.

O antropólogo francêsMarcAbélès afirma que a antropologia não temcomoobjetivocriticaraspráticaspolíticas,masentendercomoasrelaçõesdepoderemergememumadeterminadasituação,adquirindosignificadoparaosatoressociais.Suamaiorcontribuiçãoépartirsempredopressupostodeque“democracia” é ummodelo teórico, não existente em forma pura em lugaralgum. Em muitos casos, os estudos etnográficos permitem enxergar umazonaobscuraderelaçãoentreoEstadoeapopulação,sejaatravésdopontodevistados“decima”(estudoderituaisecerimôniasoficiais)quantodos“debaixo”(estudosdecomunidades).

Aabordagemantropológicaprivilegiaaadoçãodométodocomparativoedetécnicasdepesquisaqualitativas,voltadasparaarealizaçãodotrabalhodecampo com observação participante e entrevistas em profundidade,freqüentemente produzindo “estudos de casos”. No entanto, o antropólogonãoignoraqueaspráticaserepresentaçõesobservadasestãoinseridasemumsistema político formal, com instituições de larga escala. Nesse esforço, aantropologiadapolítica,assimcomoaantropologiadeummodogeral,oscilaentresuafidelidadeaoparticulareanecessidadedeproduzirgeneralizações.Por isso mesmo, é fundamental que ela estabeleça um diálogo com outrasdisciplinas, como história, ciência política, sociologia, lingüística ecomunicação.Éapartirdeabordagensmultieinterdisciplinaresedaadoçãodeumaperspectivacomparativaquesepodechegaracompreendernãosóasrepresentaçõesepráticasdapolíticaemumgrupoespecífico,mastambémasrelaçõesdessematerialetnográficocomasociedademaisampla.

Essedesafioseimpõeprincipalmenteemummomentohistóricoemquemúltiplasdefiniçõesdegrupo, sociedadeecultura sãocolocadosemxeque,deixando mais evidentes os problemas de tomarmos classificações ecategoriascomolocais,nacionaisoutransnacionais.Jáem1943,esseeraumdos temas do desafio proposto por William Foote Whyte à comunidadeacadêmica. Como incorporar as questões trazidas pelas novas mídias emovimentosmigratórios aos debates acercadopoder, das instituições e dasidentidadessociais?

Váriosautoresconcordamqueénecessáriofazerumesforçoparaintegrarosestudosisoladosemquadrosdecompreensãomaisamplos,depreferência

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pormeio do diálogo com outras áreas das ciências sociais.Mas é possívelfazer isso sem perder de vista a etnografia como contribuição maior dadisciplina. Afinal, compreender, “do ponto de vista do nativo”, práticasmuitasvezesdiferentesdaquelasqueidealizamospodeserfontedeincômodo— tanto intelectual quanto cívico. Trata-se, porém, de um incômodonecessário, pois, como disse Clifford Geertz: “Se quiséssemos verdadescaseiras,deveríamosterficadoemcasa.”

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Referênciasefontes

Paraaseção“Históricodeumcampodeestudos”,utilizeidiversascoletâneaserevisõessobreotemaantropologiadapolítica.Recomendo,principalmente,AnthropologyandPolitics:Visions,Traditions,andTrends, de JoanVincent(Tucson, University of Arizona Press, 1990) e Political Anthropology: AnIntroduction,deTedLewellen(Westport,Londres,Bergin&Garvey,2aed.,1992);alémdosartigos“PoliticalAnthropology”,deDavidEaston(BiennialReviewofAnthropology, 1959) e “PoliticalAnthropology:NewChallenges,NewAims”, deMarc Abélès (International Social Science Journal, n.153,1997). Em português, sugiro o verbete “Antropologia Política”, de JoãoPachecodeOliveiraFilho (Dicionário deCiências Sociais. Rio de Janeiro,1986).

Os principais trabalhos clássicos citados são African Political Systems,organizadoporMeyerForteseEdwardE.Evans-Pritchard(Londres,OxfordUniversityPress,1940[trad.Port.Lisboa,FundaçãoCalousteGulbenkian]);OsNuer:Umadescriçãodomododesubsistênciaedasinstituiçõespolíticasdeumpovonilota,deEvans-Pritchard(SãoPaulo,Perspectiva,1978[1940]);Sistemaspolíticos daAltaBirmânia, deEdmundLeach (SãoPaulo,Edusp,1996[1954]);Oprocessoritual:Estruturaeantiestrutura,deVictorTurner(Petrópolis,Vozes,1974[1969]);Dramas,Fields,andMetaphors:SymbolicAction in Human Society, de V. Turner (Cornell University Press, 1974);Stratagems and Spoils: A Social AnthropologyOf Politics, de FrederickG.Bailey(NovaYork,Schocken,1969);PoliticalAnthropology,organizadoporM. Swartz, V. Turner e A. Tuden (Chicago, Aldine, 1966); Local-LevelPolitics: Social And Cultural Perspectives, organizado por M. Swartz(Chicago,Aldine, 1968);Arqueologia da violência eA sociedade contra oEstado,ambosdePierreClastres(SãoPaulo,Brasiliense,1982[1980];eRiodeJaneiro,FranciscoAlves,1988[1974]—respectivamente).

Sugirotambémduascoletâneaslançadasapartirdadécadade1990parauma visão da produção internacional contemporânea: AnthropologicalApproaches to Political Behavior, organizada por FrankMcGlynn eArthurTuden(UniversityofPittsburghPress,1991)eTheAnthropologyofPolitics:AReaderinEthnography,Theory,andCritique,organizadaporJoanVincent(Oxford,Blackwell,2002).

Na seção “Cultura Política” utilizo principalmente os textos The CivicCulture; Political Attitudes And Democracy In Five Nations, de GabrielAlmondeSidneyVerba(PrincetonUniversityPress,1963),TheCivicCultureRevisited: An Analytic Study, dos mesmos autores (Boston, Little Brown,

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1980);PatternsofCulture, de RuthBenedict (CambridgeUniversity Press,1934); e “National character”, de Margaret Mead (artigo publicado emAnthropologyToday:Selections,organizadoporSolTax.ChicagoUniversityPress, 1962). Parte desta seção foi publicada anteriormente no artigo queescrevi em co-autoria com Leandro Piquet-Carneiro, “As dimensõessubjetivas da política: cultura política e antropologia da política” (RevistaEstudosHistóricos,n.24,1999).

Para a seção seguinte, sugiro Sociedade de esquina (Street CornerSociety): A estrutura social de uma área urbana pobre e degradada, deWilliam Foote Whyte (Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2005 [1943]) e“Instruction and Research: A Challenge to Political Scientists”, do mesmoautor(TheAmericanPoliticalScienceReview,vol.37,n.4,1943).

Os principais textos citados em “A antropologia da política no Brasil”foram:“Antropologiapolítica,ciênciapolíticaeantropologiadapolítica”,deMariza Peirano (Três ensaios breves. Brasília, Série Antropologia, n.230,1998);Coronelismo,enxadaevoto:omunicípioeoregimerepresentativonoBrasil, deVictorNunesLeal (Rio de Janeiro,NovaFronteira, 3a ed., 1997[1949]);Antropologia,votoerepresentaçãopolítica,organizadoporMoacirPalmeiraeMarcioGoldman(RiodeJaneiro,ContraCapa,1996);Candidatose candidaturas: Enredos da campanha eleitoral no Brasil, organizado porIrlysBarreiraeM.Palmeira(SãoPaulo,Annablume,1998);Comosefazemeleições no Brasil, organizado por Beatriz Heredia, Carla Teixeira e I.Barreira (RiodeJaneiro,Relume-Dumará,2002);PolíticanoBrasil:Visõesde antropologia, organizado por M. Palmeira e César Barreira (Rio deJaneiro, Relume Dumará/NuAP/UFRJ, 2006); “Voto: racionalidade ousignificado”, deM. Palmeira (Revista Brasileira de Ciências Sociais, n.20,1992); “Os comícios e a política de facções”, deM.Palmeira eB.Heredia(AnuárioAntropológico/94, 1995); “Política ambígua”, dosmesmos autores(emO mal à brasileira. Rio de Janeiro, Ed. Uerj, 1997);Corrupção:UmestudosobrepoderpúblicoerelaçõespessoaisnoBrasil,deMarcosOtávioBezerra (Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1995); Em nome das bases:Política, favor e dependência pessoal, do mesmo autor (Rio de Janeiro,Relume-Dumará/NuAP, 1999);A honra da política: Decoro parlamentar ecassação de mandato no Congresso Nacional (1949-1994), de C. Teixeira(Rio de Janeiro, Relume-Dumará/NuAP, 1998); Festas na política: umaetnografiadamodernidadenosertão(Buritis-MG),deChristineChaves(RiodeJaneiro,Relume-Dumará/NuAP,2003);e“Ensaiosobreadádiva,formaerazão da troca nas sociedades arcaicas”, de Marcel Mauss (Sociologia eantropologia.SãoPaulo,EPU,1974[1924]).

Para os trabalhos escritos ou organizados por mim citados nesta e emdiversasseções,verem“Sobreaautora”.

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Na seção “Rituais e política”, a principal referência é o meu artigo“Rituais de comensalidade na política” (em Como se fazem eleições noBrasil).AlémdasobrasdeTurner,Leach,Palmeira,HerediaeChavescitadasacima,utilizeiosseguintestítulos:Negara:OestadoteatronoséculoXIX,deCliffordGeertz(RiodeJaneiro,Bertrand,1980);Oditoeofeito:Ensaiosdeantropologia dos rituais, de Mariza Peirano (Rio de Janeiro, Relume-Dumará/NuAP,2002);Opodersimbólico,dePierreBourdieu(RiodeJaneiro,Bertrand/Lisboa, Difel, 1989); A dívida divina: Troca e patronagem nonordestebrasileiro,deMarcosLanna(SãoPaulo,Unicamp,1995);“Origenssociais,mediaçãoeprocessoeleitoralnummunicípiodeimigraçãoitaliana”,deOdaciCoradini(emCandidatosecandidaturas);Chuvadepapéis:Ritosesímbolosde campanhas eleitoraisnoBrasil, de I.Barreira (Rio de Janeiro,Relume-Dumará/NuAP, 1998); “Política, família, comunidade”, de B.Heredia (emAntropologia, voto e representaçãopolítica); e “Sociabilidade:Umexemplo de sociologia pura ou formal”, deGeorgSimmel (Sociologia,SãoPaulo,Ática,1983).

“Política, espaço urbano e mediação” tem como fontes meus textos“Cultura, política e espaço urbano” publicado em Antropologia urbana:CulturaesociedadenoBrasileemPortugal,organizadoporGilbertoVelho(Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1999) e “Trajetória, projeto e mediação napolítica”,queintegraacoletâneaMediação,culturaepolítica,organizadapormim e Gilberto Velho (Rio de Janeiro, Aeroplano, 2001). Faço tambémmençõesaAculturapopularnaIdadeMédiaenoRenascimento:Ocontextode François Rabelais, de Mikhail Bakhtin (São Paulo, Hucitec/Brasília:Universidade deBrasília, 1987 [1965]);Omistério do samba, deHermanoVianna (Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1995); e Individualismo e cultura, deGilbertoVelho(RiodeJaneiro,Zahar,1981).OstextosdeMaxGluckmanePaulFriedrichmencionadosestãoemLocal-LevelPolitics.

Naseção“Observaçãoparticipantenocampodapolítica”,utilizei comoreferênciasAsregrasdométodosociológico,deÉmileDurkheim(SãoPaulo,Nacional, 1990 [1895]); “Observandoo familiar”, deGilbertoVelho (emAaventurasociológica.RiodeJaneiro,Zahar,1978);Arepresentaçãodoeunavidacotidiana,deE.Goffman(Petrópolis,Vozes,1975[1959]);Métodosdepesquisa em Ciências Sociais, de Howard S. Becker (São Paulo, Hucitec,1993); “Acoleta e a interpretaçãodosdados empíricos”, deB.Malinowski(em Malinowski — Antropologia. São Paulo, Ática, 1986); além de meuartigo“Umapesquisadoranametrópole:Identidadeesocializaçãonomundoda política” que integra Pesquisas urbanas: Desafios do trabalhoantropológico, organizadopormimeGilbertoVelho (Riode Janeiro, JorgeZahar,2003).

Em “Interdisciplinaridade e diálogo acadêmico” menciono diversos

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trabalhos citados acima, finalizando com um trecho de “Anti anti-relativismo”,deCliffordGeertz, emNova luz sobreaantropologia (RiodeJaneiro,JorgeZahar,2001[1983]).

Sugiro ainda assistir aos documentáriosVocação do poder, de EduardoEscorel e José Joffily (2006) e Entreatos, de João Moreira Salles (2006),ambossobrepolíticanoBrasil.

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Agradecimentos

Estelivroéfrutodaspesquisasquevenhorealizandodesde1991nocampodaantropologiadapolítica.SouespecialmentegrataaGilbertoVelhopor todoinvestimentointelectualeafetivoquemeconfiounessesanostodos.AtravésdeMarizaPeirano,BeatrizHerediaeMoacirPalmeira,agradeçoa todososparticipantes do Núcleo de Antropologia da Política (NuAP). Parte dapesquisaeredaçãodestaspáginasfoifeitaduranteoperíodoquepasseicomoVisitingFellownoCentrodeEstudosBrasileirosdaUniversidadedeOxford,Reino Unido (2005), no âmbito de convênio da referida instituição com oCNPq.Agradeçoparticularmente aLeslieBethellpela acolhidaemOxford.Terminei o texto já em minha nova casa, o departamento de antropologiacultural do IFCS/UFRJ. Meus agradecimentos especiais são para CelsoCastro, quem mais me incentivou a escrever este livro e com quemcompartilhoumavida,doisfilhoseogostopelaantropologia.

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Sobreaautora

KarinaKuschnir nasceu noRio de Janeiro em 1967. É jornalista,mestre edoutora em antropologia social peloMuseuNacional,UniversidadeFederaldo Rio de Janeiro (UFRJ). É professora doDepartamento de AntropologiaCulturaldoInstitutodeFilosofiaeCiênciasSociaisdaUFRJ,ondecoordenao Laboratório de Antropologia Urbana (LAU). Foi professora visitante epesquisadoraassociadanaUniversidadedoEstadodoRiodeJaneiro(Uerj)eno Museu Nacional (UFRJ), respectivamente, bem como professora doDepartamento de Comunicação Social da PUC-Rio. Em 2005 foi VisitingFellownoCentrodeEstudosBrasileirosdaUniversidadedeOxford.

ÉautoradeEleiçõeserepresentaçãonoRiodeJaneiro(Relume-Dumará,2000)eOcotidianodapolítica (JorgeZahar,2000)eco-organizadora,comGilberto Velho, de Mediação, cultura e política (Aeroplano, 2001) ePesquisasurbanas:desafiosdotrabalhoantropológico (JorgeZahar,2003).Contribuiu com capítulos emComo se fazem eleições no Brasil (Relume-Dumará, 2002), Antropologia urbana (Jorge Zahar, 1999), Candidatos ecandidaturas(Annablume,1998),Antropologia,votoerepresentaçãopolítica(ContraCapa,1996),entreoutros.PublicouartigosemrevistascomoDados,Revista Brasileira de Ciências Sociais, Estudos Históricos, Mana,Interseções, entre outras. É pesquisadora associada ao Núcleo deAntropologia da Política (NuAP/Pronex) e ao Laboratório de Pesquisas emComunicaçãoPolíticaeOpiniãoPública—Doxa(Iuperj).FoiconsultoradodocumentárioVocaçãodopoder,deEduardoEscoreleJoséJoffily(2005).

E-mail:[email protected]

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ColeçãoPASSO-A-PASSO

Volumesrecentes:

CIÊNCIASSOCIAISPASSO-A-PASSO

Onegóciodosocial[40],JoanaGarcia

Origensdalinguagem[41],BrunaFranchettoeYonneLeite

Literaturaesociedade[48],AdrianaFacina

Sociedadedeconsumo[49],LíviaBarbosa

Antropologiadacriança[57],ClariceCohn

Patrimôniohistóricoecultural[66],PedroPauloFunarieSandradeCássiaAraújoPelegrini

Antropologiaeimagem[68],AndréaBarbosaeEdgarT.daCunha

Antropologiadapolítica[79],KarinaKuschnir

FILOSOFIAPASSO-A-PASSO

Anarquismoeconhecimento[58],AlbertoOliva

Apragmáticanafilosofiacontemporânea[59],DaniloMarcondes

Wittgenstein&oTractatus[60],EdgarMarques

Leibniz&alinguagem[61],ViviannedeCastilhoMoreira

Filosofiadaeducação[62],LeonardoSartoriPorto

Estética[63],KathrinRosenfield

Filosofiadanatureza[67],MárciaGonçalves

Hume[69],LeonardoS.Porto

Maimônides[70],RubénLuisNajmanovich

HannahArendt[73],AdrianoCorreia

Schelling[74],LeonardoAlvesVieira

Niilismo[77],RossanoPecoraro

Kierkegaard[78],JorgeMirandadeAlmeidaeAlvaroL.M.Valls

PSICANÁLISEPASSO-A-PASSO

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OadolescenteeoOutro[37],SoniaAlberti

Ateoriadoamor[38],NadiáP.Ferreira

Oconceitodesujeito[50],LucianoElia

Asublimação[51],OrlandoCruxên

Lacan,ograndefreudiano[56],MarcoAntonioCoutinhoJorgeeNadiáP.Ferreira

Linguagemepsicanálise[64],LeilaLongo

Sonhos[65],AnaCosta

Políticaepsicanálise[71],RicardoGoldenberg

Atransferência[72],DeniseMaurano

Psicanálisecomcrianças[75],TeresinhaCosta

Feminino/masculino[76],MariaCristinaPoli

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Copyright©2007,KarinaKuschnir

Copyrightdestaedição©2007:JorgeZaharEditorLtda.

ruaMarquêsdeSãoVicente99,1ºandar22451-041RiodeJaneiro,RJ

tel(21)2529-4750/fax(21)[email protected]

Todososdireitosreservados.Areproduçãonão-autorizadadestapublicação,notodo

ouemparte,constituiviolaçãodedireitosautorais.(Lei9.610/98)

Capa:SérgioCampante

ISBN:978-85-378-0290-8

ArquivoePubproduzidopelaSimplíssimoLivros

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Índice

Sumário 4Introdução 5Históricodeumcampodeestudos 9Culturapolítica 14Sociedadedeesquina:umestudoexemplar 18Aantropologiadapolíticanobrasil 22Rituaisepolítica 26Política,espaçourbanoemediação 32Observaçãoparticipantenocampodapolítica 35Interdisciplinaridadeediálogoacadêmico 40Referênciasefontes 43Agradecimentos 47Sobreaautora 48Coleçãopasso-a-passo 49Copyright 51

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