Antropologia Parte 1 - Ciências do homem - Edmarcius.pdf

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    Capítulo 1 – A cultura e o ser humano

    Neste capítulo identificaremos a relação entre o ser humano e a cultura, por meio da qual ohomem consegue se diferenciar dos demais animais. Para tanto, conheceremos variadas

    noções dadas à palavracultura , suas aplicabilidades e conotações, bem como algumasconceituações teóricas, e sua importância para o processo de formação e evolução do serhumano.

    Ao final deste capítulo esperamos que você esteja apto a: Compreender o conceito de cultura. Conhecer as variadas conotações dadas à cultura. Identificar a cultura como diferenciadora entre os animais e o homem.

    Muito se fala sobre cultura. Em todos os lugares por onde você passa, com certeza, algoestá relacionado à cultura. Existem diversos encontros culturais: shows, congressos, feiras,mídias, concursos de culinárias, de roupas, grifes, uma miscelânea cultural para todos osgostos e finalidades. Isso ocorre porque em cada contexto analisado, a utilização da palavracultura recebe um significado específico, tem um objetivo específico e um públicoespecífico. Por exemplo, a utilização da palavra“cultura popular” não é a mesma coisa que“desenvolvimento cultural”, que não é a mesma coisa de“cibercultura”, que, por sua vez,difere do que seja“cultura erudita”. Enfim, as noções de cultura variam de acordo com aslínguas, com os povos, com as épocas, isto é, com os contextos em que são empregadas.

    Num primeiro momento, quando falamos de cultura, as pessoas logo a associam a formasde manifestações artísticas, técnicas, com músicas eruditas, bons costumes, educação,etiqueta, comportamentos nobres, culinárias e se esquecem de várias outras capacidadesque fazem parte do nosso dia a dia e que também são definições para o que possa sercultura.Para alguns outros, cultura é sinônimo de sofisticação, de elegância, fineza. Nessaconcepção, uma pessoa culta é aquela que domina vários idiomas, que já viajou para várioslugares ao redor do mundo, que entende bastante de termos de economia, domina agastronomia, os vinhos, as histórias de povos antigos. Estes são valores e comportamentosque muitos incorporam para conceituar cultura e assim poderem reconhecer e diferenciaras pessoas por meios de seus hábitos, vestimentas, valores.Por outro lado, nesse conflito sobre concepções do que seja cultura, corriqueiramente, oinculto é tido como aquela pessoa que não tem a posse de determinados valores, que nãose atém aos gostos eruditos de música, que não se pronuncia usando a Língua Portuguesaem seu vernáculo oficial. Desta forma, os incultos são, então, associados – numa visãopreconceituosa – às pessoas que congregam da cultura popular, da cultura de massa.O preconceito consiste justamente no desprezo por outras formas de saber. Há um juízode valor e predileção de determinadas manifestações culturais em detrimento de outras.Sabe-se que, etimologicamente, a palavracultura vem do latimcolere , que significa, em suaessência,cultivar , associada ao sentido da agricultura. Pode-se também associá-la à sua variação relacionada aculto religioso, ou seja, uma missa, um ritual sagrado.

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    Os conflitos entre os sentidos da utilização da palavra cultura ocorrem em todos oscontextos. No campo das ciências humanas há também uma variação conceitual sobre asconcepções teóricas da antropologia para o que seja cultura:Para Laraia (1986), a cultura pode ser compreendida como um processo de acúmulo deexperiências diversas, que são transmitidas pela comunicação.Geertz (1978), por sua vez compreende que “a cultura é um sistema simbólico, sãosistemas entrelaçados de significados, definições e sentidos utilizados pelos nativos e queprecisam ser interpretados pelo antropólogo” (p.16).

    Já Hall (1997), afirma ser a cultura como “um discurso – um modo de construir sentidosque influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nósmesmos” (p.50). A noção existente nos diversos contextos onde a palavra cultura se encontra, tanto em suautilização coloquial como na sua variedade de conceituações teóricas, possui um fiocondutor comum, excetuando-se análises em pontos específicos que cada autor realiza em

    seus estudos.Numa perspectiva mais abrangente sobre o conceito de cultura, a partir de todas asconotações dadas, podemos compreendê-la como um complexo de modos de vida que sãocriados e transmitidos, de uma geração para outra, entre seus componentes, numadeterminada sociedade, englobando suas crenças, seus valores, conhecimentos, suastécnicas, artes, moral, leis e costumes. A cultura, portanto, pode ser compreendida como capacidades que os seres humanosadquirem em suas relações sociais. E isso faz com que o ser humano seja diferenciado dosdemais animais. A cultura é fruto do aprendizado. Não faz parte do instinto humano. Ela éadquirida, apreendida.

    O ser humano difere-se dos animais justamente porque possui a capacidade de aprenderaspectos da cultura em que é criado. Os animais, por sua vez, agem por instinto. Seuscomportamentos estão determinados biologicamente e são comuns para toda a sua espécie.São características, habilidades naturais que independem do local onde estejam. Porexemplo, o comportamento de uma girafa é o mesmo independemente de estar aqui noBrasil ou no Norte da África. Ela age do mesmo jeito em qualquer lugar em que estiver,mesmo que venha sofrer algumas mutações genéticas no decorrer dos séculos. Aindaassim, caso isso ocorra, toda sua geração terá o mesmo comportamento.Se os animais agem conforme seus corpos, os seres humanos agem conforme os valoresculturais que adquirem desde cedo. Por mais óbvio que pareça, desde cedo aprendemosconceitos que são culturais, e alguns, de tão estimulados que são desde a tenra idade, atésão confundidos com nossos instintos naturais. A criança, por exemplo, é desde muito novinha ensinada sobre suas necessidadesfisiológicas, sobre como utilizar o vaso sanitário, e de que não se deve ter contato físicocom o que se elimina. Durante seu longo processo de acompanhamento por um adulto,essa criança cresce e vai aprender o que é sujo e o que limpo, o que pode tocar e o que nãopode tocar. Por serem constantemente repetidas, pelos adultos, palavras como “eca”, “issonão pode”, tal ensinamento torna -se automático, e a criança adquire tal costume parecendoser até mesmo instintivo, porém não o é, pois foi transmitido por uma geração anterior. Até alguns instintos humanos que consideramos naturais, como reações de repulsa, instintomaterno, instinto sexual, dentre outros, são apreendidas. Desde crianças crescemosouvindo a respeito destas situações como nossa cultura as trata e determina o que sentir a

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    respeito. Razão pela qual toda manifestação distinta, sobretudo em relação à sexualidade,causa em muitas pessoas, reações diferenciadas, e às vezes, preconceituosas e agressivas. Assim, pode-se afirmar que os homens necessitam de ensinamentos para viver, já o quenão acontece com os animais. Tudo o que já sabem, nasce com eles. Somente o serhumano necessita ser ensinado, por exemplo, que o fogo queima e que requer cuidado nasua utilização, ou que os alimentos podem ser ingeridos, com certa formalidade nautilização de talheres específicos. Em outras palavras, os animais sabem sobrevivernaturalmente, já os homens necessitam de aprendizagens para reconhecer o que lhesaparece e assim, para que possa evoluir sempre sua espécie.Para tanto, essa aprendizagem de que necessitam os homens é o que se denomina algumamanifestação da cultura. É necessário que uma geração anterior lhe possibilite o contatocom suas crenças, costumes, conhecimentos. Essa transmissão faz com o que o serhumano possa compreender noções de perigo, e assim crescer a partir de umconhecimento existente num determinado local e numa determinada época. A cultura, nesse sentido, pode ser compreendida na perspectiva da interferência de um serhumano na existência de outro ser humano no mundo, num processo onde o ser humanoque recebe essas transmissões de experiências de uma geração anterior, as acumula atravésde sua capacidade de também realizá-las, de experimentá-las, mesmo que em algumas hajatransformações, noutras conservação, ou até mesmo eliminação por algum motivocontextual qualquer. As relações construídas pelo ser humano a partir do recebimento e experimentação de umacultura são altamente mutáveis. Variam de acordo com as mudanças que o ser humano estásuscetível de passar em sua maneira de perceber as coisas ao seu redor, de pensar, de sentir,de agir no contexto em que se encontra. Já os animais, diferentemente, permanecem sempre com as mesmas práticas, repetindo-asconstantemente, e de igual forma, toda sua espécie. Sua essência é instintiva: seuscomportamentos estão programados em seus corpos e agem conforme está estabelecidabiologicamente para realizar.Essa dicotomia onde o homem possui a faculdade de aprender e de flexibilizar suaspráticas, não sendo determinações biológicas, fez com que o homem pudesse evoluir. A cultura é a possibilidade do ser humano dialogar com o mundo, de inventar o seupróprio mundo, de organizar sua vida. De forma aprendida, esse conjunto de costumes,práticas, ritos, conhecimentos e outras capacidades adquiridas e desenvolvidas pelo serhumano, fez com que exista uma variedade imensa de culturas no mundo. Você já teve ter ouvido falar, por exemplo, de culturas indígenas que se diferem uma dasoutras! Existem no território brasileiro mais de 220 culturas indígenas diferentes. É a cultura que possibilitou ao ser humano se diferenciar dos animais. Por meio da cultura,o ser humano deixa de ser considerado um ser com limitações de ordem biológica e passa aser capaz de aprender, de ser ensinado, de serem transmitidas e recebidas capacidadesdistintas dos animais.Pela cultura o homem, ao se libertar de sua natureza orgânica, passou a ser transformadorda natureza e se posicionou de forma diferente com o meio ambiente onde vive, utilizandodos recursos naturais para lhe proporcionar benfeitorias. É capaz de construir objetos, desobreviver em meio a climas diferentes, em estações específicas da natureza.

    A cultura é, portanto, a possibilitadora de hábitos para os seres humanos que, num círculocontínuo, conseguem preservar costumes, crenças, valores, conhecimentos, transmitindo-

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    os, mesmo que alterados em algumas partes, para gerações posteriores, fazendo com queestas possam manter essa distinção entre o mundo animal e o ser humano.

    Recapitulando

    Nesse capítulo você compreendeu que a cultura possibilita ao ser humano adquirir suascapacidades, através de suas relações sociais. Também conheceu as variadas conotaçõesdadas à palavra cultura, sobretudo suas conceituações teóricas distintas, bem comoidentificou a relação entre a cultura e o ser humano, onde, por meio da transmissão dacultura entre gerações, torna-se possível diferenciar o homem dos demais animais.

    Atividades

    1. O ser humano não necessita de aprendizagem para sobreviver. Comente esta frase.

    2. A cultura é uma capacidade exclusiva dos seres humanos?

    3. A cultura é instintiva e mutável?

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    Capítulo 2 – A transmissão da cultura e da educação entre os indivíduos

    Nesse capítulo você entenderá como se processam as manifestações culturais nas relaçõeshumanas, visando uma ordenação social, em sua maior parte, de forma invisível. Conhecerá

    também a importância dos mitos, dos ritos e da relação dicotômica entre o sagrado e oprofano, para a transmissão de conceitos culturais. Por fim, compreenderá a importância daescola para a manutenção da cultura nas relações sociais.

    Ao final deste capítulo esperamos que você esteja apto a: Entender a cultura como ordenadora social invisível. Conhecer a relação antropológica dos mitos, ritos e do sagrado. Compreender o papel da escola como mantenedora da cultura na contemporaneidade.

    No capítulo anterior você aprendeu que a cultura é o fundamento do ser humano,diferenciando-o do mundo animal, pela sua capacidade de aprender e agir na natureza paraseu próprio benefício. A atuação do ser humano no mundo é sempre uma formação de cultura. A cultura é criadanas relações dos seres humanos entre si. Quando o ser humano se manifesta no mundo,trazendo consigo os conhecimentos, os valores, os costumes, crenças adquiridos etransmitidos por gerações anteriores, ele é produtor de cultura.

    As interações sociais possibilitam, dessa forma, que o ser humano seja, ao mesmo tempo,resultado e criador da cultura. Ao nascer e crescer, o ser humano adquire com seus pais,familiares e conhecidos uma carga cultural significava. Ele se torna produto de concepções, valores, costumes, crenças de todos que participam de sua formação. Seus padrões decomportamento dependem, portanto, do ambiente cultural onde ele se forma.Nessa relação com os outros, esse ser humano fruto do ambiente cultural onde nasceu,com o decorrer do tempo, também passa a transmitir aquilo que apreendeu. Numainversão de papeis, ao mesmo tempo em que é resultado de capacidades culturais de umageração antecessora, passa a transmitir para as pessoas com as quais interagem, outrasmanifestações, compreensões e costumes culturais.Ressalta-se que essa relação mútua de produtor e produto de cultura não se manifestasomente em interações reais, físicas. Com o avanço das tecnologias e das redes sociais decomunicação, a cada dia torna-se ainda mais comum à criação de novas culturas, de novasformas de compreensão de mundo, novas possibilidades de aprender e de transmitircapacidades culturais. A criação de culturas pode ocorrer, portanto, entre pessoas distantesfisicamente e que talvez nunca venham a se conhecer pessoalmente.O processo de organização e de transmissão de culturas depende de instituições sociais,família, igreja entre outros, para preservar e transmitir seus padrões e valores. Nessesentido, encontramos a família como a principal organizadora da produção de capacidadesculturais.Na família, ao nascer, a criança já encontra estabelecidos os valores, os costumes, osconhecimentos e as regras de mundo. Nesse ambiente a sua língua já está definida, assim

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    como seu jeito de vestir, de andar, de correr, de brincar, de se alimentar, de como se portarnas diversas relações sociais.Num mundo já estabelecido, a criança encontra os padrões para os quais não lhe restaalternativa, a não se situar e habituar. Na família, a criança aprende a expressar seussentimentos na intencionalidade em que é estimulada. Muitos adultos crescem e nãoconseguem demonstrar afetos porque desde pequenos não lhes foram transmitidos àimportância do contato, do afeto, do abraço.É também na família que conhecimentos são transmitidos. Muitos de nossos costumes,crenças, valores foram ensinados em ambientes familiares, através de histórias contadas porpessoas mais velhas. A figura da avó, ou do avô, com seus cabelos brancos, voz suave efisionomia simpática, sentado numa cadeira de balanço, contando para os netos suasmemórias do tempo, contribui para exemplificar a transmissão de todo um complexo demanifestações culturais consideradas importantes para um grupo familiar. Você, com certeza, têm consigo, em sua memória, alguma história contada por algumapessoa mais velha de sua família ou de sua convivência que nunca se esquece,principalmente pela riqueza de valores culturais embutidos e que lhes foram transmitidos apartir dessa interação.Pode parecer estranho, mas muitos dos nossos padrões e regras culturais, que produzimosou dos quais somos produtos, não estão estabelecidos na forma escrita ou mesmo sãofaladas. Diferentemente das histórias que ouvimos de nossos avós quando crianças, muitode nossos comportamentos são frutos de concepções culturais transmitidas de formainvisível, que nos parece quase naturais, instintivas. São comportamentos que seapresentam como práticas que necessitamos desenvolver, quase de forma obrigatória.Se olharmos para os lados ao travessar a rua, se cumprimentamos as pessoas quandosomos apresentados, falando nossos nomes e com aperto de mãos, se ao chegarmos a umlocal onde outras pessoas já estão e desejamos um bom dia, ou boa tarde ou boa noite, eisso nos parece tão natural, é porque nos habituamos com essas convenções sociais. São valores culturais que nos foram transmitidos, que produzimos naturalmente, bem comoensinamos para os mais novos de igual forma.Quando isto não ocorre se faz necessário que determinados valores sejam normatizados.De forma consensual, normas são estabelecidas – em sua maior parte na modalidade escritaem formato de leis – para que essa ordenação social venha a ocorrer. Desde criança,determinados padrões são exigidos naturalmente pelos adultos, e na ausência decumprimento dos valores culturais próprios do contexto familiar, faz-se os‘combinados’. Alguns pais até estimulam a compreensão e cumprimento dos padrões culturais valorizadosnessa interação familiar, com prêmios ou castigos, dependendo do resultado. Quandoadultos, nas relações com seus iguais, os valores, os costumes e práticas culturais regem-sepor normas legais e com o aparato de todo um conjunto judiciário para que sejamcumpridas, incentivadas e penalizadas, em caso de descumprimento.Outra instituição que contribui para a transmissão de valores culturais é a igreja. Numaformação cristã ocidental, a maior parte dos brasileiros segue práticas e é adepta aos valoresmorais advindos da cultura judaica cristã. Pela religião cristã muitas pessoas estabelecem ospadrões de comportamentos para viver em coletividade, seguindo os dogmas e as crençasque são estabelecidas e transmitidas em seus rituais religiosos.Nesse sentido, pode-se entender que a cultura se estabelece a partir de um sistema designificados e de costumes, que estão estabelecidos na sociedade pelas pessoas e sãotransmitidos de geração em geração.

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    Uma das formas mais antigas de se transmitir as capacidades culturais para outras geraçõesé através dos mitos. Os mitos são formas para ensinar coisas que são necessárias saber,para determinados membros de um determinado povo. Desde os primórdios da formaçãodo homem os mitos estão presentes. A forma de apresentação dos mitos é geralmente por meio de narração poética e de uso dealegorias. Como são narrados, muitos mitos se utilizam de imagens marcantes para setornarem essenciais aos povos para os quais são contados, bem como para serem maisfacilmente compreendidos por todos que tiverem acesso.Pelos mitos são explicados como tudo começou e o que o sucede, qual o sentido das coisasque todas as pessoas fazem, e por que as coisas existem. Essas indagações fazem parte doimaginário de todos os povos, e cada um com seus mitos fornecem as respostas que tantoprocuram, evocando entidades e forças transcendentais. A importância do mito está justamente na possibilidade de compreendermos outros povos,seus comportamentos e padrões, a partir do que creem, do que forma sua identidadeenquanto civilização. E da mesma forma, podemos também, através dos mitos noscompreendermos. Saber quais são as bases do povo do qual fazemos parte, no que creem,por que creem e quais os reflexos disso na contemporaneidade. Além dos mitos, a antropologia também se dedica aos ritos como forma de transmissão emanutenção da cultura. Existente em todos os povos e numa enorme diversidadecontextual, os ritos visam à vivência de determinados momentos, além de proporcionarsentido aos mitos.Por meio dos ritos se celebram datas importantes, valores, instituições que se sacralizampara uma determinada cultura, de determinado povo. As cerimônias de aniversário, decasamento, fúnebres, são exemplos de rituais que apresentam um significado culturalimportante para o seio do grupo de que deles participam. Vejamos alguns exemplos decerimônias:

    Aniversário

    Num aniversário, por exemplo, comemora-se a evolução do ser humano a partir de umanova contagem de dias, onde a cada ano novas experiências são vivenciadas e outros valores de vida são agregados.

    Casamento

    Já num casamento, o ritual significa a comemoração pela união afetiva entre duas pessoas.O vestido branco, o tapete vermelho, as alianças, as testemunhas são formalidades exigidaspara que haja a marca de passagem de um status social para outro, isto é, de solteiro (a)para casado (a).

    Funeral

    Por fim, num funeral apresentam-se vários rituais, que simbolizam a dor da perda, adespedida de algum ente querido. É o encerramento de um ciclo. Estar presente numfuneral é demonstrar que capacidades culturais foram transmitidas por quem faleceu eaprendidas pelos os que ali se fazem presentes.

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    Vestibular

    O vestibular é outro rito, porém educacional. Ele é o marco de uma nova etapa a seriniciada na vida daqueles que são aprovados. Trata-se de um momento especial, simbólico,

    cujo significado é marcar um novo passo na preparação para a vida profissional. Aosaprovados, segue-se toda outra série de rituais, desde a recepção por parte dos veteranosaté finalizar o longo período de realização de estudos e atividades com avaliações teóricas epráticas de ensino-aprendizagem. Seu êxtase é manifestado noutro ritual, desta vez, aformatura. Esta é o momento de encerrar um ciclo duradouro, e iniciar outro.

    Formatura Os ritos de uma formatura concluem toda a vida estudantil de uma pessoa, onde umdiploma de graduação é um atestado concedido em um ato solene, com vistas a comemoraruma característica relevante que seu possuidor conquistou. Traz também o símbolo daabertura de um novo ciclo que é a possibilidade da atuação profissional.

    Religiosa

    Os ritos religiosos, como as procissões e os batismos, visam ressaltar etapas e momentosimportantes da fé cristã. Significam momentos especiais para a vida daqueles queparticipam e, portanto, necessitam de toda uma organização, um preparo específico, com ariqueza de detalhes como a preocupação com a vestimenta, juramentos, mantras etc. As celebrações religiosas são valorizadas como uma das manifestações culturais maisimportantes e que mais fortemente são transmitidas para novas gerações.

    A busca pelo Sagrado fez com que os ritos religiosos se caracterizassem como uma dasmaneiras mais comuns de transmissão e de manutenção de determinadas culturas. Acontemplação do divino, do sobrenatural, é desmedida de formalidades que expressamreverência ao que é sacro. Diferencia-se, portanto, do que é profano, isto é, do que sejabanal, do que seja comum.Uma das formas mais comuns de organizar culturalmente todos os povos, ao longo dotempo, é por meio da dicotomia existente entre o sagrado e o profano. É por meio dessabivalência que os comportamentos humanos são organizados se diferenciando que éimortal (os deuses e seus ancestrais), das instituições que carregam consigo símbolos emdemasia de significados (as igrejas e suas construções de altares e santos), e do que

    estabelece a organização e a contagem do tempo. O calendário ocidental é marcado emantes de Cristo e depois de Cristo. No Brasil, temos várias datas especiais em razão derituais religiosos: natal, semana santa, entre outras. A relação de transmissão e manutenção da cultura por meio do Sagrado varia de acordocom os povos e com os fenômenos que acontecem. Em cada cultura, os mitos, com suashistórias sagradas por meio de deuses, apresentam-se de diversas formas e têm servido dealento para alguns e de motivo de discórdia entre outros povos. O sagrado, nesse sentido,pode ter tanto o significado de comemoração como de sofrimento.O antropólogo Malinovsky (1970) entendia que os rituais estão relacionados a momentosperigosos, desafiadores. Os rituais religiosos existem porque existe no ser humano asensação de impotência, de não conseguir realizar suas vontades somente com sua própriaforça, sendo necessária a prática de determinados ritos para que conseguir poderestranscendentais.

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    Dentre as várias instituições que existem para se manter a cultura de um povo, ressalta-se aescola. No ambiente escolar é que se ensinam às pessoas os conhecimentos, os valores e asatitudes considerados como padrões de comportamento para cada povo. O longo trajetopercorrido na formação educacional tem por objetivo preparar os educandos para quedesempenhem funções que a sociedade espera e entende como corretas.Nessa finalidade da escola, de ser a mantenedora de preceitos culturais, pela transmissão apartir do ensino, há o conflito em relação à desobediência ou subversão de costumes porparte dos educandos. As pessoas, justamente por serem seres humanos capazes deaprender, podem criar e cultivar novas formas de valorização cultural e de comportamento.O dilema entre transmissão dos preceitos culturais tradicionais e de ser o incentivador dacriação de novas manifestações culturais que sejam significantes, é o grande desafio doespaço educacional. A tradição encontra sua importância ao ser repassada, trazendo à luz a origem das coisas, a

    explicação para o que, de fato, nós somos e quais os valores que estão embutidos emnossos comportamentos, em nossa alimentação, vestimenta e nas relações sociais.Por outro lado, na reprodução de práticas culturais tradicionais, em alguns aspectos semprenos deparamos com situações que já não encontram sentido, sendo desconfortáveis. Nessemomento, surge à necessidade de alterar algumas dessas manifestações culturais, a vontadede inventar novas possibilidades, novas regras, novas formas de simbolizar crenças ecostumes.O papel da educação nesse contexto é cuidar para que exista a possibilidade de se criarnovas manifestações culturais e ao mesmo tempo evitar o descuidado com a tradição, comtodo um patrimônio cultural construindo a partir de experiências vivenciadas e transmitidaspor anos a fio, herdados em cada geração pela qual passou. A cultura contemporânea professa o apego pela criatividade, pela possibilidade desurgimento do novo, do que é livre, do que é aberto ao desconhecido. Não há espaço maissomente para o rigor da lei, para os limites estabelecidos em normas que foramestabelecidas por gerações anteriores para sanar dúvidas. Esse novo processo cultural seapresenta, portanto, dinâmico, porém contínuo. Essa cultura é duradoura, rasga o tempo esobrevive ao término de gerações, de grupos sociais.

    RecapitulandoNeste capítulo você entendeu que a cultura se processa em manifestações culturaisinvisíveis que ordenam socialmente as relações humanas. Também conheceu a importânciados mitos, dos ritos e da relação entre o que é sagrado e o que é profano para se realizaruma análise antropológica da cultura. Por fim, compreendeu o papel da escola enquantomantenedora da cultura nas relações sociais face à contemporaneidade.

    Atividades1. Por que falamos que a cultura é uma ordenadora social invisível?2. Qual a importância dos ritos, na visão antropológica de Mallinowsky?

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    Capítulo 3 – O dinamismo do processo cultural

    Neste capítulo você entenderá a dinâmica dos processos de transmissão e transformaçõesculturais. Conhecerá as teorias sobre determinismos entre as diferentes culturas e seus

    reflexos: práticas de incompreensão, preconceitos, bem como a contribuição daantropologia para superação desses conflitos entre os povos. Conhecerá os benefícios e osmalefícios da transmissão e transformações culturais ao longo do tempo.

    Ao final deste capítulo esperamos que você esteja apto a:

    Entender o processo dinâmico de transmissão e transformação cultural. Conhecer as teorias sobre determinismos entre diferentes culturas, num viésantropológico.

    Compreender os benefícios e malefícios das transmissões e transformações culturais.

    As transmissões e transformações das manifestações culturais fazem parte de um processocontínuo, sempre inacabado. As suas possibilidades de execução enfrentam sériosquestionamentos por parte dos estudiosos da antropologia, sobretudo na perspectivaeducacional. Várias são as indagações as quais são acometidos os antropólogos e educadores que sededicam ao estudo e ao ensino da disciplina. Pairam sob o ar vários questionamentos sobrecomo é possível transmitir conceitos, crenças, valores morais e leis sem que isso possa serpercebido pelos seres humanos em seus processos de interação social.Outra inquietação que reside no processo de transmissão de manifestações culturais éjustamente a possibilidade da ressignificação dos valores, das crenças e dos conceitosrepassados para as gerações advindas. Persistem dúvidas sobre como aprender e cultivar os valores que são frutos desse processo de transmissão, onde tenha ocorrido talressignificação.No construir da história a cultura vai se formatando como um complexo de aglomeração,permanente, de experiências vivenciadas por gerações anteriores e pelas atuais. Muitos deseus aspectos sofrem mutações e outras características tradicionais continuam se mantendo.Os seres humanos constroem suas relações sociais levantando em consideração os diversosaspectos existentes na cultura de seus povos. Numa análise semiótica, isto é, num estudodos modos pelos quais os homens dão significado para o que lhes rodeia, é necessárioconsiderar que as manifestações culturais não estão esparsas, soltas e desassociadas.Pelo contrário, todos os aspectos culturais que formam o ser humano estão interligados.Seus desejos, sua língua, sua interação com o sagrado e o profano, seus rituais, seusconhecimentos, crenças, valores morais e as instituições das quais participam são umcomplexo de manifestações culturais interpenetradas, onde, em diversos contextos, setranspõem e se superpõem.Por exemplo, um valadarense que passa alguns anos nos Estados Unidos da América. Aoretornar para sua cidade natal, o mesmo traz consigo muito da cultura norte-americana,utilizando gírias próprias daquele país em sua comunicação, manifestando o gosto pormúsicas americanas e relatando histórias vivenciadas em sua jornada por lá.

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    Aliás, a cultura brasileira tem presenciado a mistura e a recriação da manifestaçãolinguística, com a utilização de muitos termos da língua americana por brasileiros. Palavrasamericanas, sobretudo com o uso das tecnologias modernas, cada dia mais, fazem parte dodicionário e da pronuncia de vários brasileiros. A utilização de termos comoe-mail , download , shopping center dentre outros, comprova que nacultura contemporânea, a cada dia, a globalização se faz mais forte e os costumes sãorecriados, com a substituição de palavras que por séculos foram utilizadas por sinônimosatualizados. A difusão de novos significados e de novos mecanismos de expressão e comunicação,como as redes sociais Facebook, Twitter, Skype, dentre outros, possibilitam às geraçõesatuais uma visão sistemática do mundo muito mais rápida e mais acessível. Toda essa tecnologia à disposição dos seres humanos incentiva novos hábitos, novos valores assim novas perspectivas de se pensar e de fazer a Educação. Todas asressignificações elaboradas visam à melhoria da sociedade no geral, aprofundam em pontosainda não colhidos e possibilitam a inclusão de novos pontos de vistas. As práticas de transformações culturais, sobretudo com os aparatos disponíveis em nossotempo, preveem o desenvolvimento social e cultural. Nessa perspectiva, há espaço para queo diálogo seja construído, para a reconstrução de caminhos, para lutas pelo fim dasdesigualdades e a equiparação de oportunidades para todos.Não obstante, esse processo de transmissão e transformação de manifestações culturais, emseu registro histórico, já foi muito brando, moroso. No passado, não havia interação entreas culturas. Os povos viviam afastados por continentes e não havia uma rota migratória.Com a mistura de culturas nos territórios americanos, a partir da chegada doscolonizadores europeus vindos de vários países, de escravos vindos da África, bem comoda chegada de orientais, árabes e judeus, começou-se a falar de diversidade cultural, uma vez que povos distintos passaram a ocupar o mesmo território, porém, com línguas,costumes, crenças religiosas e valores morais específicos. A partir desse encontro territorial de diversas culturas étnicas, passou-se a utilizar aterminologiadeterminismo geográfico . Nessa concepção, tem-se que o meio ambienteinterfere nas características da configuração das respectivas culturais, sendo possívelexplicar a história dos povos em função das relações de causa e efeito, advindas da relaçãodo homem com a natureza.Essa separação das culturas por atributos geográficos levou alguns povos a umposicionamento hostil e subjulgador de outros povos tropicais, que seriam mais indolentese atrasados, pois entendiam os europeus que viver em regiões frias faria com que o povofosse mais concentrado, e assim, mais produtivo, sendo justamente o oposto dos povostropicais, que poderiam usufruir da natureza, dispersando-se de suas tarefas. Com estediscurso, justificou a expansão neocolonial dos povos tropicais pelas sociedades europeias.De igual forma, odeterminismo biológico , justificou práticas preconceituosas e racistas,tendo seu ápice na história mundial com a morte, no século 20, de vários judeus e ciganosna Alemanha nazista, que apregoava a superioridade de seu povo sobre outros. Vincular asdiferentes manifestações culturais ao determinismo biológico significa dizer que aconstituição do corpo explica, por meio de aspectos físicos, sobretudo a cor da pele, essadiversidade cultural. Atualmente, existe a conceituação dediferenças culturais étnicas, pois, entende-se que asmanifestações culturais diversas entre os povos são fruto de suas historias, de seus valores,

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    crenças e costumes desenvolvidos enquanto grupos e não em razão de suas raças. São valores culturais que não têm, portanto, conotação biológica. As diferenças raciais quando vistas como justificativa para a diversidade cultural, ao longoda história, explicaram práticas eugênicas. Poreugenia entende-se a predileção paramelhoria biológica das gerações, por meio de intervenções sobre hábitos culturais. Você já deve ter ouvido falar de purificação das raças. Ela se justifica em concepçõespreconceituosas e racistas, que estabeleceram, durante anos, a superioridade de um povosobre o outro, da prática de discriminação pela cor da pele. A eugenia procurava umageração boa, que em sua concepção possui manifestações culturais distintas.Essa questão é atual na medida em que avanços científicos se apresentam pelodesenvolvimento da engenharia genética. Com um histórico polêmico, um possíveldeterminismo, desta vez de caráter genético, já desafia estudiosos sobre práticas dediscriminação e violência por proporcionar superioridade para determinados povos, emdetrimento de todos os demais.

    Dessa forma, a antropologia encontra seu espaço e sua importância, na medida em quecontribui para ratificar entre seus estudiosos que as diferenças são culturais e que seencontram no aspecto cultural, bem como luta para que práticas de preconceitos e conflitossejam extintos, por meio da compreensão de que as manifestações culturais não sãooriundas de ordem genética, étnica ou de raça.O papel dos antropólogos e dos educadores é lutar para que não ocorram processos de aculturação , ou seja, para que culturas específicas de alguns povos não se sobreponhamou exterminem outras culturas menores. As práticas de aculturação ocorrem tanto dentrode grupos do mesmo nível de desenvolvimento, como em grupos onde existam grandesdiferenças, seja através de compulsão ou dominação.Os judeus e os ciganos perseguidos durante a Alemanha nazista, os índios e os escravosperseguidos no processo de colonização do Brasil, sofreram com as práticas de aculturaçãoque visavam silenciar suas manifestações culturais específicas. Aspectos da vida de povoscolonizados foram reprimidos, e estes passaram a viver na clandestinidade. Os escravos,por exemplo, com suas crenças religiosas, dentre elas o candomblé, viram-se obrigados aadmitir os dogmas do catolicismo.Não obstante, muitas culturas oprimidas no passado sobreviveram e, nos dias atuais, têmconseguido se recriar, se reposicionar perante a sociedade e obter o respeito enquantomanifestação cultural distinta.Nesse processo de transmissão e transformações culturais há uma permanente colisão entrea manutenção de tradições antigas e a produção de novas perspectivas culturais, entre o quejá existe e as novas criações. Nesse dilema, os antropólogos e os educadores necessitamconhecer sobre os reflexos da cultura contemporânea, o que há de novo e que vêmpromovendo novas transmissões, novas misturas culturais, novas perspectivas sobre oolhar antropológico e a prática pedagógica. A tecnologia avançada e os novos mecanismos de comunicação, ao mesmo tempo em quefacilitam o acesso ao maior número possível de pessoas e ao maior número de informaçõesexistentes, inclusive sobre as novas configurações e ressignificações culturais por todomundo, têm trazido a discussão sobre a padronização da informação. Nessa padronizaçãoexiste a possibilidade de se perder a riqueza de novos olhares.Num contexto informatizado, tecnológico, globalizado, as mudanças dos mecanismos detransmissão de cultura refletem aos poucos, os mesmos discursos preconceituosos

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    históricos, ao desejarem intervir nos hábitos culturais sobre os meios de acesso àsinformações, os padronizando.Numa nova forma de configurar as manifestações culturais, pensar na contemporaneidadeé realizar o exercício de olhar, numa perspectiva antropológica, a heterogeneidade em quese apresentam as sociedades num todo, com uma diversidade cultural rica de valores,crenças, historias, conhecimentos e vivências.

    Recapitulando

    Neste capítulo você aprendeu como se processa a dinâmica de transmissão etransformações das manifestações culturais. Conheceu as teorias sobre os determinismos ecomo estas motivaram práticas de incompreensão e preconceitos entre as diferentesculturas, no passado. Compreendeu a contribuição da antropologia para superação deconflitos entre os povos, em suas transmissões e transformações culturais, desde osprimórdios até chegar à cultura contemporânea, com os avanços da tecnologia e dos novosmeios de comunicação.

    Atividades

    1. A cultura apresenta aspectos isolados na formação do ser humano. Comente essaafirmativa.

    2. Por que se deve evitar o uso da noção de raça, utilizando-se a terminologia diferençasétnicas?

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    Capítulo 4 – As diferentes concepções culturais e o etnocentrismo

    Neste capítulo identificaremos a existência de diferentes concepções culturais da naturezahumana e suas limitações. Para tanto, conheceremos como as práticas etnocêntricas

    dificultam essa compreensão da diversidade cultural, bem como identificaremos asestratégias que podem ser utilizadas, numa perspectiva antropológica, para sanar taislimitações.

    Ao final deste capítulo esperamos que você esteja apto a: Compreender a existência de diferentes concepções culturais da natureza humana esuas limitações.

    Conhecer como a prática etnocêntrica dificulta o processo de reconhecimento dadiversidade cultural.

    Identificar as estratégias antropológicas de combate ao etnocentrismo.

    A cultura, como você já estudou nos capítulos anteriores, tem a finalidade de orientar ocomportamento dos indivíduos e de ordenar socialmente as relações. Através de seus valores, práticas, linguagens, conhecimentos, as pessoas compreendem o processo da vida eentendem como se posicionam face às demais pessoas.Nesse contexto, habituamo-nos a vivenciar nossa cultura a ponto de achá-la como a maisnatural e imperativa em todos os lugares. É comum acharmos que as práticas culturais domundo inteiro são iguais às nossas, ou pelo menos, que deveriam ser, que os nossoscostumes são os mais razoáveis, que as instituições com as quais estamos envolvidos e valorizamos – como a religião, a família, o trabalho etc. – são as mais adequadas enecessárias para a ordenação social.Ocorre que, em diferentes épocas e lugares do mundo, povos diversos tinham e ainda têmformas distintas de viver a vida. Compreender a existência dessa diversidade cultural é,portanto, um exercício árduo para quem o faz, na medida em que nos percebemosprofundamente enraizados em nossos costumes, valores e outras manifestações culturaispróprias.Esse processo de conhecer outras culturas e de relativizar a nossa é enriquecedor, uma vezque nos possibilita compreender melhor nosso próprio modo de vida e nos auxilia em

    nosso processo de ensino-aprendizagem, que a partir dessa ótica dedica-se ao estudo damultiplicidade cultural e os conflitos que dela decorrem.Não obstante, por mais diversas que sejam as culturas, por mais diferentes que sejam os valores, as crenças, as práticas rituais e os seus mitos, o cultivo da manutenção dasexpressões culturais para as novas gerações ocorrem em todos os povos. Das mais variadasformas, as pessoas mais velhas transmitem seus valores para as mais novas, visando àordenação social do grupo. Nesse processo, nas mais distintas configurações culturais, asregras de organização e estruturação da vida social são transmitidas através dos papeis e dasatividades que compõem, em cada caso, as características típicas culturais.Essa forma de organização e manutenção das configurações das diversas concepções

    culturais é por nós aceita, perfeitamente, sem nenhum dilema, até o momento quando, no

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    ato de conhecer as diferenças existentes em outras culturas, características que para nós nossão caras e que estão arraigadas em nossa forma de ver o mundo, são colocadas em xeque.Ficamos incomodados e entendemos que nossos princípios e valores culturais sagrados sãodesrespeitados por outros povos, porque para estes tais violações não são assimconsideradas. Pelo contrário, em muitos casos, são tidas como virtudes e boa educação.Para exemplificar, utilizamos as práticas de comer carne humana e de decepar partes docorpo humano de alguém que cometera um furto. Para nossa cultura, tais práticas sãoinadmissíveis, e as desaprovamos. Noutras culturas, essas práticas são valorizadas.Nesse sentido, podemos nos indagar se é possível determinar alguns comportamentoshumanos que caracterizariam toda a humanidade, independentemente de variantesculturais, sejam elas de tempo ou de lugar. O que, portanto, distingue o ser humano dosoutros animais, independentemente de as manifestações culturais serem diversas? O quecaracteriza a natureza humana e suas limitações?Para tentar traçar o que caracteriza o ser humano, independentemente do contexto – épocae local – em que se encontra, existem algumas teorias sobre as quais iremos nos debruçarnesse momento. Ressalta-se que estas teorias não têm por finalidade convergir ou secontradizer. Pelo contrário, são perspectivas distintas para que se possa explicar a naturezado ser humano face às diferentes manifestações culturais existentes.

    Evolucionismo A primeira teoria para analisar qual seria o distintivo humano é oevolucionismo . Paraesta, os homens e suas culturas não são simplesmente o que aparentam ser. São, narealidade, produtos de transformações que aconteceram em suas sociedades ao longo dotempo e num sentido determinado. O início do homem se dá comohomo sapiens , e com osurgimento da língua e da cultura, onde sua capacidade produtiva em sociedades resultou-se na complexidade de culturas existentes.Nesse sentido, a evolução sociocultural do homem se deu ao longo da história com suaracionalidade. Essa característica que o diferencia dos demais animais, possibilitou que ohomem pudesse, segundo Gomes (2008), por dezenas de milhares de anos, viver comocaçador e coletor, depois passar a domesticar animais e as plantas, em razão de suanecessidade de sobrevivência, vindo a trabalhar, e com isso criando classes e segmentossociais com especializações de trabalho, concentrando o poder nas mãos dos que melhorproduzissem, alicerçando a crença em deuses para auxiliar na dominação por parte dospoderosos, especializando o conhecimento e o expandindo, bem como realizando guerrascom o objetivo de concentrar poder e de dominar outras sociedades, transformando-as,

    não obstante algumas sociedades se mantiveram em distintas fases do contexto social.Essa teoria foi refutada, dentre outros motivos, por entenderem que as sociedades nemsempre seguem o mesmo ritmo de transformações, de evoluções. Se essa lógica fosseaceita, significaria a existência de superioridade entre sociedades, onde as sociedadeseuropeias estariam num cume do parâmetro de evoluções socioculturais, considerando quea visão de mundo, ao longo da história, é eurocêntrica, ou seja, o modelo de humanidadeexistente e valorizado como o universal vinha do homem europeu, branco.Mesmo que se diga que diferentes povos, durante o processo histórico de evoluçãosociocultural, seguiram linhas diversas de transformações da natureza humana, é impossívelnegar que carregamos conosco muito do patrimônio cultural da civilização europeia.

    Conceitos de democracia e de valorização da ciência são artefatos culturais europeus, dos

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    quais diferentes civilizações, em estágios de evoluções desiguais, não abrem mão, até nosdias de hoje. A racionalidade do ser humano capaz de resolver seus problemas e de inventar soluçõespráticas, podendo teorizar e refletir sobre sua realidade, na escalação da evolução enquantoexplicação da natureza humana alcançou em nossa cultura ocidental um status de divindadea tal modo que, como um valor universal, serve para tipificar os que não a manifestamcomo “loucos”, como “primitivos”. A racionalidade é, portanto, a capacidade natural dohomem, que evolui.

    Particularismo histórico Outra teoria que analisa o que há de natural no ser humano é denominada como

    particularismo histórico , onde a cultura é tida como um ente em si mesmo, onde ela sóse explica em seus próprios termos e não em termos de conceitos de outras culturas. Acultura, além de una – pois é considerada como um “enredado de instituições,

    comportamentos, atitudes, ideias, sentimentos, mitos que se ligam em combinação, comose cada um dependesse do outro e formasse um todo único e essencial” (GOMES, 2008 , p.219) reside, nesta perspectiva, na individualidade, ou seja, de sua identidade.Essa lógica da identidade do ser humano que compreende o mundo possibilita a atividadesimbólica. Em outras palavras, a cultura é imaginada e representada por símbolos, commarcas comuns, diferenciando-se dos animais que não utilizam de símbolos em suasatividades e linguagens.O trabalho, enquanto atividade humana de transformação da natureza é outra manifestaçãodessa identidade, desse particularismo histórico próprio do ser humano. O homem, em suaindividualidade como possuidor de uma intencionalidade e de uma consciência, adapta aoambiente para que se nele se manifeste sua identidade sociocultural, através do trabalho.Para muitos estudiosos, é o trabalho que possibilita compreender a história e astransformações culturais da natureza humana.

    Funcionalismo estrutural Outra teoria para explicar a natureza do ser humano é ofuncionalismo estrutural , queapresenta a ideia de que o homem não é um ser em si exclusivamente, mas sim um sersocial, que consigo carrega um inconsciente coletivo, entendendo a importância de suaposição na sociedade.Nesse sentido, a sociedade não é somente a soma numérica de indivíduos e pessoas, mascomo uma entidade em si, com características próprias, com suas normas e regras criadas visando o convívio entre as pessoas, podendo ter uma ação coercitiva e delimitando aindividualidade do ser humano.Representado por Durkheim e seu grupo, essa teoria se fez importante na compreensão danatureza do ser humano, pois fez com que a antropologia se dedicasse à apreensão do não visível, ou seja, a organização estrutural da sociedade em oposição à individualidade do serhumano. (GOMES, 2008).

    Estruturalismo

    Já a teoria conhecida comoestruturalismo , produto de Claude Lévi-Strauss, utilizou dajunção do funcionalismo estrutural da tradição durkheimiana com a teoria da estrutura da

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    língua (onde muitos linguistas entendem que existia no passado somente uma línguacomum, e que a partir desta teriam ramificado as diversas línguas existentes hoje) para darorigem à teoria do fenômeno humano, a saber, a cultura e a sociedade, e seuscomponentes.Segundo esta teoria (GOMES, 2008), o fenômeno da natureza humana está estruturadopor elementos que se relacionam. Tal qual a língua, que tem seus elementos compreendidosinconscientemente, a cultura e a sociedade estão organizados a partir do sistema deparentesco, com a combinação de duas classes de parentes, a saber: os consanguíneos e osparentes afins, a partir da efetivação enquanto valor social do tabu do incesto. Essanormativa proibitiva (o incesto) estrutura, portanto, a sociedade, onde cada família se vêforçada a tornar disponíveis para outras famílias seus filhos e irmãos. A crítica que tal teoria recebe é que, no contexto multicultural da contemporaneidade, opensamento estruturalista se apresenta como uma imposição da cultura ocidental, uma vezque não consegue vivenciar a complexidade das outras culturas onde o incesto não sejaproibido. Nesse sentido, essa teoria é uma estrutura fechada em si mesmo e não contempla

    a concepção da natureza do ser humano, independentemente de seus contextos culturais.

    Relativismo cultural O relativismo cultural vem como uma possibilidade teórica de apontar para a explicaçãoprópria de cada cultura. Nesse sentido, não há verdades totalizantes sobre o fenômenohumano para explicar o ser humano e a natureza da sua diversidade cultural e organizaçãosocial.Gomes (1998, p. 221 ) designa a ideia, segundo a qual, “cada coisa tem sua própria razão deser, portanto, cada uma tem uma explicação própria”, ou seja, não há verdades específicaspara cada cultura em específico.

    Hiperdialética Por fim, outra teoria antropológica para compreender a natureza do ser humano e suamanifestação cultural diversa é a denominadahiperdialética , sendo seus expoentesestudiosos: Clifford Geertz, Michel Foucault, Sérgio Sampaio, Jacques Derrida e FelixGuattari. Tal teoria passa pelo diálogo com o outro. A natureza humana, nessa perspectiva,compreende o fenômeno humano existente não como uma realidade que seja una, nemmesmo que seja uma realidade de multiplicidade indefinida. A natureza humana é assim,segundo Gomes (2008), um conceito, uma síntese dialética entre“um ser humano” com o“múltiplo”, com aqueles que dele se diferenciam.Essa compreensão do fenômeno humano, de sua cultura e organização enquanto sociedadedar-se-á a partir do diálogo com o outro, da liberdade de agir, de pensar o impensável, deconceber o que é inconcebível e de dar sempre novos sentidos, novas configurações para simesmo. (GOMES, 2008).

    Não obstante, todas essas diferentes concepções culturais sobre a natureza do ser humanoe de seus limites não impossibilitam a existência de práticas etnocêntricas existente emtodas as culturas.

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    Todos nós somos etnocêntricos, pelo menos, em vários momentos de nossa vida. Desdepequenos somos assim. As crianças demonstram a prática etnocêntrica de uma formaexemplar. Todas as crianças acham que são o centro das atenções. O mundo gira e existesomente em torno de suas vontades e dos seus interesses. A canção popular de Nelson Rufino e Zé Luiz,“ Todo menino é um rei” (1978) representaessa fase da vida pela qual todos nós já passamos. Por vez em outra, repetimos, com outroscontextos e significações, a mesma experiência, sobretudo quando saímos do centro domundo e colocamos outras pessoas nesse local. A partir daí, vislumbramos que nossasconcepções não eram as únicas, pelo contrário, eram apenas mais uma perspectiva,juntamente com várias outras existentes. As religiões também exemplificam um entendimento etnocêntrico quando se apresentamcada qual com suas narrativas próprias, como únicas herdeiras da transcendência. Em cadamanifestação religiosa, cada povo tem seus valores, seus costumes, línguas tidas comonormais e as quais todas as demais devem se submeter.O etnocentrismo, no entanto, não é uma característica intrínseca da natureza humana.Quando o ser humano realiza um exercício crítico sobre as demais culturas e sobre simesmo, ou seja, quando relativiza os seus conhecimentos, os hábitos, valores que cultiva,deixa de ter a ilusão de que é único.Nesse sentido, podemos entender o etnocentrismo como “uma visão do mundo onde onosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados esentidos através de nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é aexistência” (ROCHA, 2004, p. 7). Só podemos nos dar conta de que algo se apresenta como natural para nós, apenas numaperspectiva de análise, quando temos uma visão de fora. Outro olhar para analisarmos o

    que nos é comum possibilita compreender que muitos de nossos costumes, crenças e valores não são consagrados por outros povos. Alguns conflitos nos servem para exemplificar práticas etnocêntricas. Foi assim com adescoberta da América pelos europeus, com o genocídio dos que aqui viviam. O choquecultural dos europeus com os índios em terras brasileiras recém-descobertas provocoumassacres, cujas consequências até hoje são demandas de ações afirmativas, no sentido dereparar efeitos negativos ao longo da história.Nos dias atuais, o etnocentrismo se manifesta por meio de piadas, chacotas e até mesmoagressões físicas às pessoas que são, por exemplo, nordestinas, negras, homossexuais oupor outras condições e opções sexuais.

    A violência que materializa a concepção etnocêntrica de quem a pratica reflete a limitaçãodo conhecer. Toda a ação é condicionada aos pressupostos, às suas suposições prévias.Não há o contato com o desconhecido.O diferente que se apresenta é compreendido e respeitado como diferente somente a partirdo momento em que se realizam comparações entre os modelos e entre as experiências já vivenciadas. A não aceitação das diferenças como marco de humanidade é materializada em expressõesque indicam posturas etnocêntricas ao repudiar formas culturais, morais, religiosas, sociais eestéticas que se afastam daquelas com as quais se identifica.

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    O papel da antropologia é justamente buscar compreender o outro, compreendendo o queé, de fato, o ser humano e o que nosso modo de vida significa numa multiplicidade de vivências.

    Olhar pelos ângulos do outro não é perder nossas referências, não é deixar nossoscostumes, nossas crenças, nossos valores, nossas manifestações culturais, que nos são tãoimportantes. Pelo contrário, nessa descentralização do nosso olhar pela perspectiva dooutro, tem-se a possibilidade de conhecer diversos símbolos da cultura. É navegar nosritos, nas cerimônias, nos hábitos que determinam a vida em outros contextos. É saber queassim como nos alimentamos de nossos conceitos, práticas, ritos e valores específicos, ooutro também se alimenta, com símbolos culturais diferenciados, intrínsecos ao contextoem que se encontra.Esse olhar cosmopolítico não significa a perda de identificações culturais próprias, poistodos têm suas raízes, questões e limitações locais. Abrir-se ao desconhecido, permitir-se

    navegar pela ótica alheia é somente visualizar que o mundo não é uno e que encobre váriasconfigurações e manifestações socioculturais.O pedagogo que se pauta por um comportamento antropológico não compactua com oetnocentrismo, uma vez que se despe de suas concepções, de suas crenças e valores para ver a cultura com certo distanciamento. Como num olhar estrangeiro, procuracompreender as manifestações culturais alheias, bem como as suas próprias, tendo-asenquanto exóticas, instigantes, simplesmente por manifestarem a multiplicidade da cultura.O olhar antropológico possibilita ao pedagogo ver as manifestações culturais distintas comcerta familiaridade. Busca compreender a cultura analisado-a como se dela fosse um nativo,um participante, como se com seus artefatos compactuasse, razão pela qual o

    etnocentrismo não encontra lugar.Nessa compreensão antropológica, o pedagogo sabe que seu papel é interpretativo, e qualtal a teoria da hiperdialética, o que há é o diálogo com o outro, em suas diversaspossibilidades, tendo a certeza de que não existem verdades únicas e certas e de que se vislumbra é somente um fluxo de significações.

    RecapitulandoNeste capítulo você compreendeu a existência de diferentes concepções culturais danatureza humana e de suas limitações. Também conheceu como a prática etnocêntrica

    dificulta o processo de reconhecimento da diversidade cultural, bem como identificou asestratégias antropológicas de combate ao etnocentrismo.

    Atividades1) Algumas culturas são menos civilizadas que as outras, uma vez que ainda não sedesenvolveram completamente. Complete essa afirmação em cinco linhas.2) A Antropologia pode determinar a existência de um padrão de civilização porque analisaas culturas cientificamente. Comente a frase.

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    3) Assinale a afirmativa que está INCORRETA:a) Não é necessário abandonar as próprias raízes para se exercitar um olhar cosmopolíticoda diversidade cultural.b) Quando se descreve um“outro” indivíduo ou“outro” povo, na realidade, transmite-se a

    visão de cultura de quem está descrevendo.c) O etnocentrismo é a tendência de respeitar que vários povos tenham seus costumes epráticas distintas.d) As teorias que procuram definir o que é próprio da natureza humana entendem que ascaracterísticas e os comportamentos humanos independem da cultura à qual esta sematerializa.

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    Capítulo 5 – O processo de diferenciação entre indivíduos e grupos. Axenofobia, o multiculturalismo e o interculturalismo.

    Neste capítulo identificaremos como se processa a diferenciação existente entre osindivíduos e os grupos enquanto forma de identificação. De igual forma, analisaremos osconflitos decorrentes dessa dinâmica de diferenciação, a partir de práticas de xenofobia, demulticulturalismo e interculturalismo.

    Ao final deste capítulo esperamos que você esteja apto a: Compreender o processo de diferenciação existente entre os indivíduos e os grupos,enquanto forma de identificação.

    Conhecer os conflitos decorrentes dessa dinâmica de diferenciação. Identificar as práticas de xenofobia, de multiculturalismo e interculturalismo.

    Você já viu em capítulos anteriores que a cultura é, ao mesmo tempo, produtora e produtodo homem. Nela, o ser humano materializa seus conceitos, valores, crenças,comportamentos e reproduz reflexos culturais, os quais fora, desde a infância, estimulado aapreciar e aceitar como normativos de sua identificação e de ordenação, enquanto elementoda organização social em grupo. A individualidade do ser humano ocorre no momento do reconhecimento de sua diferençacom o outro. Dentro de um grupo, os indivíduos se diferenciam. Não são todos iguais porcompleto. Alguns aspectos fazem com que se identifiquem enquanto grupo, porém, não

    lhes retiram suas individualidades, suas características específicas que, comparadas com osoutros, fazem com que ocorra o reconhecimento enquanto ser humano único.Pode-se, portanto, afirmar que o ser humano demanda relações sociais para que possa seestabelecer enquanto indivíduo, enquanto o“eu” , e ao mesmo tempo o“outro” , enquantoparte de um grupo social. Reconhecer o“outro” (uma pessoa ou grupo) é reconhecer o“eu” diferente, e vice-versa.O reconhecimento do“outro” , por possuir uma diferença em seu comportamento secomparado ao“eu” , faz com que o ser humano assimile que suas manifestações culturais -comportamentos, hábitos, valores e tradições - o diferenciem das demais pessoas e dosdemais grupos com os quais não coaduna.

    A noção de identidade enquanto representação de uma individualidade vem sendosubstituída pelo termo identificação, uma vez que a identidade apresenta a conotação deelementos estáveis, imutáveis. Por exemplo, a identificação pelo Cadastro de PessoasFísicas - CPF é uma forma de identidade que não muda e não se transmite e não seressignifica. Seu nome é um elemento de identidade. Exceto em casos específicosgarantidos por lei, não há possibilidade de alteração do nome das pessoas. Já a nossa de identificação enquanto análise antropológica do ser humano apresenta apossibilita de constante transformação, pois é constituída de elementos que sãoprocessuais. A identificação cultural em determinados momentos utiliza-se de símbolospara se realizar, como, por exemplo, no uso de crucifixo em igrejas cristãs. Em outros

    determinados momentos se identifica a partir da comparação com o“outro” , por exemplo,o vestido de noiva num casamento é exclusividade da noiva. Já em outros momentos, aidentificação pode passar por processos de ressignificações, pois dependendo do contexto,

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    o símbolo pode ter outra conotação (por exemplo, o choro, que num contexto podesignificar sofrimento, noutro certa vontade de chamar a atenção como fazem as criançaspara serem vistas por seus pais). A diferenciação é ao mesmo tempo a forma de explicitar as diversas manifestações culturaisexistentes e de reconhecer a forma de identificação. Só conheço quem eu sou se existe ooutro. Não há reconhecimento da identificação sem a presença do “outro” . Possoconhecer minha identificação na medida em que conheço o “outro” . De igual forma, sóconheço e entendo o “outro” na medida em que me conheço.Essa relação de autoconhecimento que demanda o conhecimento do“outro” , e vice-versa,aplica-se a indivíduos e também aos grupos sociais. A individualidade enquanto gruponasce com o reconhecimento de que existem outros grupos que se diferem do nosso. Seushábitos, costumes, valores e comportamentos estranham-se com os nossos, enquantogrupo social. A utilização de símbolos tem a finalidade, neste contexto, de expressar as diferençasexistentes entre os indivíduos e/ou grupos que os utilizam. As tatuagens, os piercings, sãoexpressões que identificam uma diferenciação para aqueles que as/os possuem. As aliançasrepresentam a aceitação de uma tradição cultural na qual se encontram presentes, ou seja, ocompromisso matrimonial com outra pessoa.Os ritos também servem para o processo de identificação individual e/ou de grupos, e aomesmo tempo são formas de diferenciação. Normalmente, os ritos externalizam crençasreligiosas de grupos formados por indivíduos que se identificam com a mesma fé, com amesma visão da transcendência, onde, entre si, internalizam essa demonstração de crença e,para os OUTROS que não comungam da mesma fé, externalizam suas diferenciaçõesreligiosas, enquanto indivíduos e/ou grupos sociais.Outra forma pela qual o processo de identificação e de diferenciação entre indivíduos egrupos sociais se materializa são as atitudes humanas. As atitudes têm por finalidadeencontrar uma identificação e, ao mesmo tempo, encontrar uma diferenciação. Veja alguns exemplos: Quando alguém se posiciona perante outra pessoa enquantoprofissional de determinada área, este alguém busca uma identificação pela outra, por meiode uma profissão que seja conhecida, bem como uma diferenciação profissional, caso aoutra pessoa não tenha a mesma profissão. E partidariamente, pessoas visam identificar-secom outras pessoas que comungam da mesma formação e compreensão filosófica depolítica. E o uso de determinado traje, manifesta-se a intenção de se parecer comdeterminadas pessoas, diferenciando-se de todas as demais.Portanto, ocorre a diferenciação enquanto indivíduo ou grupos sociais na medida em que

    se identifica com outros. A percepção da individualidade demanda o reconhecimento que o“outro” é diferente. As culturas contemporâneas apresentam, em diversos aspectos, características que sãoconsideradas híbridas. Por híbridas entende-se a mistura de elementos culturais de diversoscontextos. Com o avanço tecnológico e a possibilidade de se transmitir com muita rapidezinformações, bem como de se locomover por meios de transportes aéreos cada vez maiseficientes, os mais diversos aspectos culturais têm conjugado caracteres distintos,possibilitando novas perspectivas e transformando-se ao criar novos valores a partir destamesclagem entre concepções até então distintas e estanques.Uma das formas de identificação e diferenciação existente é a via da etnia. Há alguns

    séculos era rara a prática da miscigenação. Hoje, o hibridismo cultural, sobretudo no que se

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    refere aos processos de misturas étnicas, apresenta-se como a possibilidade de se criarnovas perspectivas, novos significados.Essa diferenciação entre indivíduos e grupos sociais a partir da etnia, em nossos dias, nãotem o condão de estigmatizar nem de rotular as pessoas. Pelo contrário, há toda umadinâmica de reforçar as novas identidades, de sedimentá-las, bem como de apresentar aconstrução de novos caminhos, novas identificações e configurações de grupos sociais.Esse resgate tem por escopo a revalorização dos aspectos culturais que por anos na históriaforam dissipados em nome de uma cultura tida como oficial.

    Xenofobia

    Para tanto, a prática daxenofobia se materializava de forma contundente com a aversão aoestrangeiro. Nessas relações de culturas diferentes havia a imperatividade da assimilaçãoobrigatória dos aspectos da cultura dominante. Por cultura dominante abarcam-se osgrupos e classes sociais mais abastadas financeiramente.

    As diferenças entre culturas, em muitos momentos, foram confundidas por entrelaçarem-secom as diferenças socioeconômicas. As culturas com maior poder aquisitivo, por anos,impunham seus aspectos culturais como os mais propagados e aceitos pela sociedade,podendo, inclusive, fazer uso da coerção para as demais culturas minoritárias de grupossociais pobres, que eram tidos como mau agouro.Na cultura contemporânea, as diferenças culturas étnicas visam lutas de reafirmaçõesenquanto identificações de manifestações culturais, com o resgate de tradições antigas queforam perdidas por práticas xenofóbicas, por considerá-las como desonrosas e desprovidasde riquezas.O reconhecimento da hibridez dos aspectos culturais avança em outros campos além da

    análise da etnia. Visando sedimentar a existência de identificações distintas e a possibilidadede construir novos caminhos e novas perspectivas, uma luta de classes que visa à reduçãodas desigualdades políticas e econômicas vem, nos tempos atuais, realçando as diferençasculturais para a garantia do reconhecimento de direitos de grupos denominados comominorias.

    A partir de movimentos sociais e de manifestações culturais, grupos tidos comominoritários, como as mulheres, negros, deficientes, homossexuais, têm trazido à discussãoseus valores que por anos foram suprimidos pela cultura oficial padronizadora ecolonizadora, sobretudo em razão de sua condição socioeconômica valorizada.

    A partir de traços culturais, esses movimentos sociais têm conquistado o resgate dadignidade enquanto grupos de seres humanos, e, a longo tempo, espera-se que velhoshábitos de preconceitos sejam modificados.Na luta pela manutenção do reconhecimento da diversidade humana e cultural a partir dediversas perspectivas formadoras de grupos de identificação se que manifestam enquantominorias, bem como para o fim de hábitos preconceituosos, políticas afirmativas vêmsendo implantadas por meio de legislações que procuram fazer com que novas perspectivasda identificação e diferenciação com o“outro” não signifiquem a existência de conflitos ede práticas preconceituosas.Nesse sentido, atualmente existem legislações que garantem porcentagens de vagas emconcursos públicos, bem como em quadro de funcionários de empresas com determinadosquantitativos, para pessoas com deficiência. De igual forma, a questão racial vem sendo

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    discutida com a garantia de vagas destinadas para negros em universidades públicas. Àsmulheres, a reserva de cota quantitativa de vagas em cargos eletivos já é garantida por lei. Aluta para a aprovação de projetos de leis que criminalizam práticas homofóbicas mobilizammovimentos gays organizados em todo o país.Essa luta pelo reconhecimento de diferenciação enquanto minoria de grupo social, pormeio da consagração de ações afirmativas, apresenta como argumento a necessidade dereconhecer injustiças praticadas historicamente a tais grupos sociais, o que lhes ocasionou onão impedimento de acesso aos seus direitos de cidadania.Para aqueles que não compartilham da necessidade das ações afirmativas, o argumento é deque a concessão de tais políticas caracteriza uma forma de preconceito às avessas, uma vezque colidem com o princípio da igualdade de direitos entre todos, e o que os seusdefensores sobreacatam, alegando existir uma diferenciação de condições sociais,econômicas, culturais e materiais que, de fato, demanda essa medida que visa compensar adesproporcionalidade ao acesso dos direitos da cidadania, ao longo do tempo.Diferentemente de quando há a expropriação cultural, ou seja, a impossibilidade decontrolar a própria produção cultural, submetendo-se aos artefatos de outra cultura quepassa a dominar, a dinâmica de interação cultural – seja ela no campo étnico ou por outrasmanifestações culturais – se apresenta positiva quando ao mesclar variações culturais, nãoocasiona práticas que impõem artefatos de uma cultura que se entenda como dominante,nem ocorrem processos de aculturação ou perda da identidade, onde uma classe se subjugaà outra, despindo-se de suas caracterizações para aderir às impostas pela sua dominadora.Pelo contrário, a dinâmica de identificação e diferenciação entre culturas que se apresentana contemporaneidade, com uma hibridez de diversas manifestações, é positiva nomomento em que possibilita a troca, onde ambas as culturas são enriquecidas pela mútuatransformação, não necessariamente havendo o desaparecimento de uma em detrimento deoutra. Na luta pelo fim da hierarquização etnocêntrica entre as culturas, num primeiromomento, os movimentos culturais propuseram a prática domulticulturalismo.

    Multiculturalismo

    Por ela entende-se como a recusa positiva em subordinar uma cultura à outra. Entende quecada grupo cultural tem direito de conservar suas manifestações culturais e de se transmiti-las nos valores, princípios, comportamentos, que lhes são considerados como necessários.Esse direito de manutenção de suas condições culturais pelos grupos sociais propõe uma

    relação de convivência pacífica, onde se materializa o reconhecimento e o direito àdiferença. Não obstante, essa prática multicultural não possibilita o intercâmbio entre asculturas que se encontram em discussão quando da análise das identificações ediferenciações entre grupos sociais.O que há no multiculturalismo, na realidade, é a manutenção de grupos isolados que serespeitam, mas que não conseguem realizar trocas, produzir novas perspectivas eaprendizagens através de um diálogo acerca das identificações comuns do ser humano,independentemente de sua identificação cultural enquanto grupo.

    Interculturalismo

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    Essa dinâmica que possibilita o intercâmbio dos artefatos entre as culturas é somentecontemplada num conceito denominado comointerculturalismo , onde o diálogo entre asculturas provoca o enriquecimento de ambas envolvidas. Nessa relação não há escala desuperioridade e inferioridade. Não há relação de dominação ou subordinação. A práticaintercultural vai além de reconhecer que existem diferenças culturais, onde cada qual, com

    suas configurações são importantes em seu contexto. Visa-se com o diálogo, valores humanos que independem de aspectos culturais, sejamreconhecidos a partir da potencialização das riquezas existentes nas culturas de cada grupo,a tal ponto que, toda a espécie humana seja beneficiada com essa prática intercultural.O interculturalismo, nesse sentido, tem total ligação com processos que visam oreconhecimento da diversidade, a necessidade da luta por direitos que, ao se concretizarem,eliminam práticas de conflitos e de preconceitos, lutando contra as diferenças dedesigualdade social que tanto interfere nas relações sociais a partir de práticas etnocêntricas,bem como promove a interatividade e a igualdade entre os componentes dos gruposculturais que se encontram nesse processo, democrático e de respeito, permitindo o diálogo

    entre as diferenças.

    Recapitulando Neste capítulo você compreendeu o processo de diferenciação existente entre os indivíduose os grupos, sobretudo em suas formas de identificação. Também conheceu os conflitosdecorrentes dessa dinâmica de diferenciação, bem como identificou as práticas dexenofobia, multiculturalismo e interculturalismo.

    Atividades1) Assinale a alternativa INCORRETA:a) O interculturalismo estimula o diálogo e a troca entre as diferentes culturas, e nãosomente a simples coexistência delas.b) O multiculturalismo vê as diferenças culturais de forma positiva, porém, não promove ointercâmbio de entre suas expressões.c) A identificação cultural possibilita a realização da diferenciação no processo da dinâmicada cultura contemporânea.d) Os elementos que compõem a identificação cultural são fixos, imutáveis.

    2) A diferenciação entre indivíduos e grupos sociais a partir da perspectiva da etnia não temo condão de estigmatizar e rotular as pessoas. Justifique.

    3) Por que a representação de uma individualidade cultural vem sendo denominada com otermo identificação e não mais por identidade?.

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    Capítulo 6 – Os tipos contemporâneos de cultura

    Nesse capítulo aprofundaremos na dinâmica dos processos culturais contemporâneos,sobretudo no que se refere à compreensão de seus aspectos críticos, bem como

    identificaremos como essa cultura se processa a partir de sua tipificação enquanto culturaerudita, cultura popular e cultura de massa.

    Ao final deste capítulo esperamos que você esteja apto a: Conhecer a dinâmica dos processos culturais contemporâneos. Compreender seus aspectos críticos. Identificar a cultura erudita, popular e de massa.

    Temos visto nos capítulos anteriores que a cultura é transmitida de geração em geração,através de seus processos dinâmicos, como o multiculturalismo e o interculturalismo.Nessa perspectiva, pensar em cultura é trilhar uma análise ampla sobre sua conceituação. Éentender que todas as manifestações culturais são complexas e estão envoltas por contextosde época e lugares distintos.Nessa análise ampla do que seja a cultura até aqui estudada, vimos que a cultura é aomesmo tempo mantida pela transmissão geracional e transformada nesse processo. Issosignifica dizer que a cultura é também produzida material e mentalmente, no contexto ondese encontra, é transmitida.Não obstante, de forma didática, far-se-á necessário esquematizá-la para que se possaanalisar de forma mais aprofundada. Todo processo de diferenciação visa proporcionar aefetivação da construção de processo de identificação cultural.Quando falamos em culturas, em tradições ou em símbolos culturais estamos diferenciandodeterminados grupos culturais de outros, ao reconhecer especificidades existentes nosreferidos padrões culturais. A cultura, portanto, pode ser vista como um complexo de elementos que não são fixos. Suamutabilidade existe apenas por sua essência ser múltipla. Assim, pode-se afirmar que dentrode uma cultura existem várias outras culturas que se materializam com práticas e costumesespecíficos. A análise da cultura na contemporaneidade passa justamente por compreendê-la como umtodo não homogêneo. A cultura é uma construção complexa, que abrange distintos grupos,com diferentes origens, costumes, ambientes, padrões e comportamentos. Essas diferentesconfigurações da cultura contemporânea podem ser classificadas como pequenos mundos,onde todos compõem a totalidade do processo de cultura contemporânea, no qual todosestão inseridos. A dinâmica dos processos culturais na contemporaneidade é, portanto, realizar acoexistência e a interatividade entre diferentes tipificações pelas quais os grupos distintosde cultura podem ser classificados.Distinguir as culturas é uma forma didática para aprofundarmos nas especificidadesexistentes em cada grupo cultural, para a realização de uma análise crítica, onde os aspectospositivos e negativos de cada tipificação cultural serão levantados e apreciados.

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    Pela esquematização em grupos culturais distintos que existem na complexa culturacontemporânea, pode-se afirmar que em todos se encontram produções que são desiguais,ou seja, em todas as configurações de culturas contemporâneas existem alguns produtosque são igualmente apreciados por todos e alguns outros que não são apreciados pelaspessoas que se identificam com essa tipificação e que se envolvem na produção e na

    manutenção dos arquétipos culturais do grupo.Noutras palavras, pode-se afirmar que existem coisas boas e coisas ruins em todas asformas de culturas contemporâneas. Seja em culturas populares, de massa ou mesmoerudita, existem determinadas manifestações culturais que algumas pessoas irão considerá-las relevantes e outras não. Os critérios para a análise de juízo valorativo, no entanto, nãosão consensos. Não há um manual para que todas as pessoas possam analisar asmanifestações culturais e, a partir daí, classificá-las como positivas ou negativas.O gostar de determinadas manifestações culturais e ao mesmo tempo repudiar outras é umexercício altamente subjetivo. Está relacionado com os artefatos culturais nos quais aspessoas são inseridas desde que nascem, e que compartilham em seus comportamentos,

    muitas vezes até sem processar racionalmente esta realidade, razão pela qual há interesseem conhecer o diferente, e mais do que isso, dialogar com ele faz-se necessário, para que aspráticas culturais se fortaleçam em suas especificidades e, ao mesmo tempo, ocorra ointerculturalismo, que você já estudou no capítulo anterior.Desta forma, as culturas eruditas, popular e de massa são diferentes manifestações dacultura contemporânea onde cada qual, com suas especificidades, articulam e expressam arealidade. O papel do pedagogo, nesse contexto, é compreender o significado dasdiferentes manifestações culturais e, a partir disto, valorizar as expressões que apresentemaspectos positivos para a formação do ser humano.Nessa esquematização didática das diferentes expressões culturais na contemporaneidade,em cultura erudita, popular e de massa, percebe-se a existência de muitas distorções.Muito se fala que a cultura erudita é aquela destinada exclusivamente para classeseconômicas e políticas mais elevadas e que por isso, utilizam das configurações desse tipode cultura para ser uma produção da classe dominante com seus aspectos conservadores,aos quais as demais classes sociais devem se submeter.De igual forma, muitos entendem que a cultura popular é proveniente de classessubalternas e por isso, ratificam preconceitos ao vê-la como uma versão menos elaborada,destinada às pessoas que não fazem parte das elites dominantes.Despindo-se de preconceitos a respeito de cada uma das configurações de culturacontemporâneas, passemos a analisá-las. O exercício ora proposto é de conhecer suas

    especificidades, seus aspectos positivos e negativos e seus reflexos para a prática doprocesso de ensino-aprendizagem.

    Cultura erudita

    Cultura erudita é aquela identificada a partir do conhecimento de autores e artistasclássicos. Por ser erudita deve-se entender como uma forma de instrução que se manifestacom uma variedade enorme e que se obtém por intermédio da leitura. É a cultura que temapreço pelo clássico.

    Clássico, nesse contexto, pode ser associado aos autores gregos e romanos antigos, que pormuito tempo na construção histórica da produção intelectual se destacaram. Clássico

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    também é aquela manifestação cultural que rasga o tempo, permanecendo,independentemente das flutuações pelas quais a cultura sempre se encontra. Ainda pode serencarados como as obras literárias, artísticas, científicas, filosóficas, que marcaramdeterminado traço no tempo, que se tornaram modelos, padrões para toda umacontinuidade de construção cultural e que, por isso, são sempre lembradas, citadas por

    terem se tornado referências.Uma característica da cultura erudita é seu status de sofisticação. Como ela é processada deforma mais rigorosa pelas instituições oficiais – normalmente universidades,conservatórios, bibliotecas e museus – seu cultivo registra-se a um público relativamenterestrito. Essa característica traz para a cultura erudita olhares críticos que a entendem comoapropriada para as classes econômicas mais abastardas e políticas dominantes, o que nemsempre corresponde à realidade de seus apreciadores.Por ser sofisticada, a maioria da população não a compreende, associando-a a padrõesacadêmicos altamente formais e exibicionistas, e ao mesmo tempo, elevando-a, como sepretendesse se manifestar com superioridade às demais configurações culturais, por

    entendê-la como a mais correta das expressões culturais.Coelho (1999 ) afirma que “o desprezo pelos diferentes, política e culturalmente, é, aomesmo tempo, a consequência e o motor doelitismo” (p.164). Nesse sentido, lançar umolhar etnocêntrico para a cultura erudita é perceber que, no processo de identificaçãoindividual e social, as pessoas percebem a cultura, seja enquanto indivíduo ou grupo, apartir de sua própria vivência.Como a cultura erudita não é, dentre as classificações dos tipos de cultura, a mais estimadapela maior parcela da população, distorções e pré-conceitos a respeito expressam, emmuitas vezes, esse desconhecimento e justifica a existência de discursos que nãocorrespondem à realidade, ao associá-la às elites econômicas e políticas dominantes.

    Essa crítica se alicerça na dificuldade existente que é compreender, como já apontada emcapítulos anteriores, o ato, no processo de identificação e diferenciação das diversasmanifestações culturais, de conhecer o diferente como não significando afastar-se das raízesculturais que cada pessoa carrega consigo. Pelo contrário, é a possibilidade de ratificar asexpressões culturais que deram e dão formatação à própria vida a partir da percepção dosmesmos para a formação, enquanto cidadão, do“outro” .

    Cultura popular

    Por sua vez, acultura popular é aquela, normalmente, transmitida pelos costumes, peloscomportamentos. Sua forma de transmissão é a oral, fugindo, portanto, da escrita e dasinstituições oficiais para se perpetuar. As expressões da cultura popular – contos, canções, crenças,‘causos’ - da cultura popularservem para se referir às determinadas épocas da história ou determinados lugares. Asmanifestações culturais como o carnaval, o folclore, as festas juninas revelam, na realidade,que a cultura popular é dinâmica por ser uma cultura anônima construída pelo homemcomum. Com o passar dos anos, tais manifestações dinamizam-se, através da inovaçãoatrelada ao anonimato. Os valores culturais são atualizados relevando uma prática detransformações rápidas comum com o passar do tempo.

    Se por um lado muitas pessoas que se identificam com a cultura popular ou de massalançam olhares preconceituosos à cultura erudita, o contrário também existe. Num prisma

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    puramente clássico, a cultura popular é tipificada como sinônimo de vulgaridade.Considera-a inferior aos padrões necessários para a produção e manutenção de uma culturatida como de qualidade. Por seguir uma variedade de padrões inferiores, de poucaoriginalidade, na ordenação social seus amantes não ocupam espaços de poder, não seidentificam com os elementos que formam a elite científica e econômica.

    Nesse sentido, a cultura popular associa-se aos movimentos culturais de luta pelaconscientização e valorização da riqueza cultural própria das classes sociais desfavorecidas. As manifestações culturais, portanto, são chafarizes para o incentivo à democratização dacultura, onde todos têm livre trânsito aos objetos culturais existentes por serem múltiplas asmanifestações culturais.Se por um lado representantes da cultura popular vêm o aspecto político dedemocratização das manifestações culturais a partir do incentivo à mistura de suasconfigurações, por outro, muitos estudiosos acreditam haver uma luta política de tutela pel